bobbio norberto formalismo e positivismo juridico

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Norberto Bobblo - El problema deI positivismo jurídico PositivÍsmo Jurídico 1. O íormalIsmo jurídico e o POSltivismoJurídico A "rebelião contra o formalismo" que se falou no capítulo anterior, tem se desenvolvido nestes últimos anos paralelamente com a crítica ao positivismo jurídico, tanto que freqüentemente é difícil distinguir uma da outra. O fom1alismo jurídico, em quase todas a acepções examinadas anteriormente, é freqüentem ente considerado como um dos motivos de acusação e de condenação do posJtivismo jurídIco. Por exemplo, considere-se o seguinte fato. A polemica antipositivista tomou nestes últimos anos na Itália duas direções: 1) uma direção jusnaturalista na qual se contrapõe ao direito positivo um direito superior que proporciona critérios de valoração do direito positivo, 2) Uma direção realista segundo a qual o direito positivo - considerando em sua acepção mais estrita como direito posto por fontes forn1ais - é colocado ao lado de UlTI direito diverso, este é aquele que emana diretamente do comportamento do sujeito ( o chamado "direito espontâneo"). Não há dúvida que ambas as polemicas contem notas antiformalisticas; por um lado, a teoria do direito natural é exposta com uma teoria material do direito por quanto define o direito não através de sua criação ou aplicação, mas através de seu conteúdo e sua finalidade, por outra parte, a teoria do direito espontâneo é exposta como uma critica das teorias formais das fontes do dIreito, segundo a qual o direito somente seria estabelecido em determinadas circunstâncias e, segundo procedimentos particulares, por órgão de produção Jurídica disciplinados pelas ehan1adas 110rmas sobre. a produção jurídica. Pode-se sustentar que as duas noções de ÍormalislTIO e positivismo COIncidem a respeito à extensão e que de fato são freqüentem ente usadas como sinônimos. No decorrer deste segundo capítulo que todas as principais acepções àe fomlalismo jurídico reaparecem nos principais significados do positivismo jurídico. At'1tecipando brevemente os resultados àos resultaàos podemos assInalar desd~e· já: 1) que exÍste uma estreita 't/lnculação o formalismo ético e o terceiro significado que ilustra o positivismo jurídico (positivismo jurídico como ideologia): 2) do formalismo na definição de direito (direito como forma), o formalismo na concepção de ciência jurídica (3 ciência jurídica como ciência formal) e o furmalisrno na i!lterpretação (a itlterpretação jurídica eonlO operação l{)giqa) pode ser considerados como características pecllliares do direito positivo no ser\ se-g11ndo sigriificado, quando é entendido COil10 teoria especificâ do direito; 3) qüe ern.seü prii~neiro . . rv, , ., , . .,. ., i'" '\ slgnlIlCâ.a.O o POSltl\!iSmO, qu-anao e entenGiGO como um iTIOaO ae apíOXlnlâí-se a compreensão do fenômeno jurídico, isto é, como uma forma típica de approach ao estudo do direito~ entra dento da acepç.ão de fonnaiismo jurídico. i\ cornplexidade do fato de -que assim CO_ill exjsÍe \'ários significados de formalismo jurídico, existem também vários signÍílcados de positivismo jurídico. Para evitar a .l

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Norberto Bobblo - El problema deI positivismo jurídico

PositivÍsmo Jurídico

1. O íormalIsmo jurídico e o POSltivismoJurídico

A "rebelião contra o formalismo" que se falou no capítulo anterior, tem se desenvolvidonestes últimos anos paralelamente com a crítica ao positivismo jurídico, tanto quefreqüentemente é difícil distinguir uma da outra. O fom1alismo jurídico, em quase todas aacepções examinadas anteriormente, é freqüentem ente considerado como um dos motivosde acusação e de condenação do posJtivismo jurídIco.

Por exemplo, considere-se o seguinte fato. A polemica antipositivista tomou nestesúltimos anos na Itália duas direções: 1) uma direção jusnaturalista na qual se contrapõe aodireito positivo um direito superior que proporciona critérios de valoração do direitopositivo, 2) Uma direção realista segundo a qual o direito positivo - considerando em suaacepção mais estrita como direito posto por fontes forn1ais - é colocado ao lado de UlTI

direito diverso, este é aquele que emana diretamente do comportamento do sujeito ( ochamado "direito espontâneo"). Não há dúvida que ambas as polemicas contem notasantiformalisticas; por um lado, a teoria do direito natural é exposta com uma teoria materialdo direito por quanto define o direito não através de sua criação ou aplicação, mas atravésde seu conteúdo e sua finalidade, por outra parte, a teoria do direito espontâneo é expostacomo uma critica das teorias formais das fontes do dIreito, segundo a qual o direito somenteseria estabelecido em determinadas circunstâncias e, segundo procedimentos particulares,por órgão de produção Jurídica disciplinados pelas ehan1adas 110rmas sobre. a produçãojurídica.

Pode-se sustentar que as duas noções de ÍormalislTIO e positivismo COIncidem arespeito à extensão e que de fato são freqüentem ente usadas como sinônimos. No decorrerdeste segundo capítulo que todas as principais acepções àe fomlalismo jurídico reaparecemnos principais significados do positivismo jurídico. At'1tecipando brevemente os resultadosàos resultaàos podemos assInalar desd~e·já: 1) que exÍste uma estreita 't/lnculação oformalismo ético e o terceiro significado que ilustra o positivismo jurídico (positivismojurídico como ideologia): 2) do formalismo na definição de direito (direito como forma), oformalismo na concepção de ciência jurídica (3 ciência jurídica como ciência formal) e ofurmalisrno na i!lterpretação (a itlterpretação jurídica eonlO operação l{)giqa) pode serconsiderados como características pecllliares do direito positivo no ser\ se-g11ndosigriificado, quando é entendido COil10 teoria especificâ do direito; 3) qüe ern.seü prii~neiro

. . rv, , ., , . .,. ., i'" '\slgnlIlCâ.a.O o POSltl\!iSmO, qu-anao e entenGiGO como um iTIOaO ae apíOXlnlâí-se acompreensão do fenômeno jurídico, isto é, como uma forma típica de approach ao estudodo direito~ entra dento da acepç.ão de fonnaiismo jurídico.

i\ cornplexidade do fato de -que assim CO_ill exjsÍe \'ários significados de formalismojurídico, existem também vários signÍílcados de positivismo jurídico. Para evitar a

.l

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repetIção de lamer1ta:veis con.fusões~ é necessário introduzir algumas distinç.ões. Se!npre quese faz uma crítica contra a doutrina do direito natural, nos respondem que há vários modosde entender (} .cÍ1re]to natural e que nossa crit1e-a \;-ale I};,a.ra urn destes modos inas não paraoutro (ej se entendej 'vale para aquele que nosso adv~ersário não faz parte). l\:Ias~ o mesnlOpoderia dizer o partidário do positi-V1Sll10 jurídico frente a critica de um jusnaturalista: hávanas manelT3S de entender o positivismo jurídico Há, contudo, uma diferença Enquantoql1e os aspectos da Qontri:na do direito natural têrn Sltl-0 exarr!.Ínados e discutidos muitasvezes:> ger8.1mente não ocorre o meSTII0 a respeito aos diversos aspectos do positivismojurídico. Existe U:illâ história do jüs:natural1srno (a.credita-se D:eqüerltenlente qüe a }11stórlâ

existe, que eu saiba, uma história ampla, documentada e exaustiva do positivismo jurídico.Uma boa introduç·ão à discussão foi oferecida por H. L-. ;.~.Hart no artigo

l.L.T"'\ ,. "1

1'051"[1\.715111 ano

the separation of La\v and ~lorals~:'. i\qui me proponho distinguir e ilustrar c.laramente osdiv-ersos aspectos em que se apresenta Íre-qüenternente aquilo qtle habitualmente se chama"positivismo jurídico" e demonstrar como a acepção de um ou olltro pode dar lugar aslgnlÍlcados di"V-e-rsose 111C011rtlndi\-'e-1S da me-S1Tla expressão. Somente- levando em contaestes diversos significados pode-se começar uma discussão não vã sobre o morto e o vivo

, . . ,no posn:rV1SD10 JUTICUCOatu.aL

• i, ~ "1'

aspeCTOS ao posrnVlsmo JUflG1C-O.

Crel0 que urn.a caracteristic-3. do posltl\-lSnJO Jllridico pode ser útil dlStÜ1gui-lo em tresaspectos diferentes, desde os quais têm sido apresentados historicamente: 1) como ummodo de apro~'(ilrlação do estudo do direito~ 2) como Ulild detellllinada teoria ou concepçãodo direito; 3) como uma determinada ideologia da justjça

deentendendo algo diferenteestudo do direito" JaprOX11TIaç,ao--l--_.-.-!_...,. .•.• .,... •..• 1~ ...•......!-,--,.UQ.let, lc;allUCUtc:;,.se

de

in~"restjgaç-ão, com respeito aos quais (}p(}sitiv~ismo jurídic.o nã_o a.píeseilta uma- característica.peculiar, se não de uma delimitação do objeto da investigação, o que revela certa orientaçãoaté os estudos de- alguns problemas mais do que outros, e certa atitude frelIte à DJ.nçãomesma da investigação. Por "teoria"entendo um conjunto de averiguações vinculadas entresi -com as quais -certo grJpo -de fenômenos é -à-escrito, ITIterpretado~ elev-aào a um nÍv-el

muito alto de generalização e unificado depois num sistema coerente; não o modo de seaprOXImar a uma determinada realidade, somente o moào de entendê-Ia, de dar umadescrição e uma explicação global dela. Por "ideologia" entendo como posicionamentofrente à realidade dada; este posic!Onamento esta fundado num sistema mais ou menosconsciente de valores, se expressa em juizos de valor que levam a exercer qualquerinfluencia sobre a realidade mesma, conservando a tal COmOé, se a valoração é positiva, oumodificando a, se a valor.ação for negativa

}\credito ser útil diferenciar estes três aspectos daqu-ele ql1e comumente se consideraCOillO ümâ única doutrina, porqüe não me pârece existir üillâ relação necessária entre elesnem no sentido reciproco, nem no sentido univoco (e aqui entendo "relação necessária"ta.r1tono sentido lógico como causal). O positivismo como modo de se aproximar ao estudo

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do direIto não produz necessariamente não imp1Jca aquela teoria particular do direito que s6seja chamada positivismo jurídico, e aquela teoria particular a que se atribuifreqüenternente o nOln-e de posltl'v!sn1o jur1djco~não irnplie-a necessariamente a ideologia~ue fre~"~~~+0me~+e ne nh;l..."j· a~s n,.n+e~+nrl~~e~ rl~ DOS;+;";c~~ ;,,~;rl;~~ Dny ~e ~~~+aY .l YUCjJl\:-l J 1Jl .::> QLlILJU v '::'U,;)l 'JllaUVl ,;) UV J lU YJ..;JIU\...' jUJIUl\ ....·V. a.l-,;) \.JVIIL

destas dist1nç·ões induz a forn1ular critérios lne-todo!ógicos que creio estar presente- 110S

exames da doutrina do positivismo jurídico. O primeiro critério de considera a anáiisedescritiva da doutrina pode-se forn1ular desta D1anelra: lt1(lrviduallzar llD1 jUrIsta comojuspositivista a respeito ao modo de considerar o direito não significa que seja a respeito dateofla e a ideologia; lndlviduahzar um Jurista como JuspositivlSta a respeito à teorIa dodireito, não significa que também seja a respeito da ideologia. O outro critério considera omornento critico ou \·:aloratl'lo da doutrina pode ser fOl111ulado desta Dlaneira: a apro'iaçàoou condenação de um dos aspectos do positi.vismo não implica na aprovação ou nacondenação dos outros dois. Não le\far em conta Q primeiro conduz a juizos unilaterais oufalsos s-obre este ou aquele jurista e, ·em geral, ao tratamento demasiado simplista de umfenômeno qüe é bem mâls COillplicado. l"~ão se levâi êiTI conta o segu1J.do.7 traz comoconseqüência uma poiemica freqUentemente infecunda, e a crença de estar iiberado doadversario quando, pelo contrário, se esta esquecendo de mais um membro, que não ésempre o mais Importante.

3. O positivismo jurídico Gomo modo de aproximar-se ao estlldo de direito

No primeIro âSpecto isto e, como modo de aproximar-se ao estudo do direito - opositivismo jurídico está caracterizado üma clara distinção entre direito real e direito idealou, utilizando outras expressões equivalentes, entre direito como fato e o direito comovalor, entre o direito que é e o direito que deve ser; e pela convicção que o direito do qualse deve ocupar o Jurista é o primeiro e não o segundo. Se quiser usar uma só palavra paradesignar esta forma de approach ao direito, poderia chamá-Ia de "científica" (neste casornm õAf'~·n:':l.n01'À .;;.C' f"">lÂní"'1';õc t4~t:'í"rlt1\.i·::iC: p. Axnl1,-.:;tt~ ..•.;~<: p n~n ';"c r1;::r.mOIIQtrt;ltl;"':l.sl E' r1e (,"l.m! nrol'"""-' .•..•..•. ..1 "'..L ..••• L _ .•..•. V.1'"'" 1\..40.,,) ••••.•.•..••••..•...••••.••.•. \..:&...., _'-'0.,,)"-'.1 .1.'-.1. V '""'"' •••••.•••..• ~ !J.I- .•.•••..•~\.-..l .,. "-1,."" ...., .•..•.•..•.. ..., ~oJ .....,._......... ...LU "'..l """"".L .........,. . "'-'l _'-' L ..l1l,..&.L J.

opinião que o progresso do saber jurídico na idade moderna é devido à eliminação dac.oneepçãD fina lista do 'universo clue induzia a pronunciar juizos de "valores sobre' fatosnaturais. }\jnda qlle~como se tem repetido infinitas vezes, esta eliminação de juízos é maisdiflcil no domínio dos fatos hümanos., ..é~sem dúvidâS, incontestável (1ue a característica daorientação científica nos estudos dosfa.tos morais está representada mais dos que usos decertas técnicas, pela objetividade entendida como a abstenção de todo posicionamentofrente a realidade observada, ou neutralidade ética, ou para dizê-Io como a célebre fórmulawerberiana, Wertfi'eiheit.

Nesta primeira concepção dopositivismo juridico, positivista e, conseqüentemente,aquele que assume frente ao direito uma atitude a-valorativa ou objetiva ou eticamenteneutra; e dizer, que aceita como critério para distinguir uma regrn jurídica de uma nãojurídica a derivação de fatos verificáveis (v. gr.: que emana de certos órgãos mediantecertos procedimento, ou que seja eÍetivamente obedecida durante um lapso determinado porcerto grupo de pessoas) e não a maior ou menor correspondência com certo sistema de\'alores . .LÃ],. mentalidade que o positi\.'istajurídico rebate é a de quem incluí em sua definiçãodo direito elementos finaJistas; por exemplo: a obtenção de um bem comum, a 'atuação da

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Justiça, a proteção dos direitos de liberdade, a promoção do bem-estar, e que devIdo ainclusão está logo obrigado - se quer ser coerente (mas vigoroso freqüentem ente osantipositivistas não o são) - a rebater con10 não jurídicas aquelas 110rmas que não obstanteemanam de órgãos competentes, de acordo como os procedimentos estabeiecidos, nãoservem para obter o bem comum, para a atuaç.ão da justiça, pam garantir a liberdade, paraprOffiOv"crc bem-estar. P'ensa~sc em um lingüista. que prcteGde incluir na süa dc5.niç.ão defenÔrrti2;DO lingüistico a correspondência com üiua linguagem ideal, e rebatê,

conseqüentemente, de seu campo de observação todos os ratoS iingüísticos impróprios pelaíinguagern ideaL o positivismo jurídico, neste primeiro aspecto, não é outra coisa que aretIrada das pretensões destes estranhos iingúlstas aplicados ao estudo da experiêncIa

jurídica.

Aceitando chamar o direito positivo ao dIreito VIgente numa determinada sociedade,isto é, aquele complexo de regras emanadas segundo procedimentos estabelecidas, que sãohabir-llalmente obedecidas pelos cidadãos e aplicada pelos juizes, se pode definir

"positivismo ju-rídico" como teoria do direito que parta do pressuposto de que o objeto da(':ip.nri~ illric1ir,~ P n c1i,f'itn n()<;itiv(y ic:t() P. ~lo-o c1itf.rf'ntF' ::J .'lfírrn::Jt" nllf' "ni'i() f'xi<;t::1()Iltro--------- J-~------- - - -------- r------ -:::r ---- - --0- ---------- -... --------- -1--- --.-- -.------ ------

direito que não seja o direito positi'vo~~_O jurista -que faz profecias de fé positi,.'"istanão negaêill geral que exista iiú7 direito ideâ1) natural Ou racioiial, llias siluplesmente negâ que sejâdireito na mesma medida que o é o direito positivo, dando a entender que o mesmo caráterque o distingue do direito positivo, ou seja, fato de não ser vigente, é o que exclui dointeresse de íàzê-to objeto de investigação cienti±lca.

4. O positivismo jurídico como teoria

Por positivismo jurídico como teoria entendo aquela concepção particular do direito quevincula o fenômeno jurídico à formação de um poder soberano capaz de exercer a coação: oEstado. Trata-se daquela comum identificação do positivismo Jurídico com a teoria estataldo direito. Historicamente, esta teoria é a expressão ou a tomada de consciência, por paltedos juristas, daquele complexo renômeno na rormação do Estado Moderno, que é amonopolização do poder de produção jurídica por parte do Estado. A melhor ilustraçãodeste procedimento fOl dada, a meu Juízo, por Ehrlích em sua obra Die juristische Logik(1918), na qual, como é sabido, afirrnaque o método tradicional do jurista, contra o qualIiber"'L3.sua famosa batalha em nome da livre valoração dos interesses por parte do juiz. estácaracterizado por três princípios: 1) toda decisão judicial pressupõe sempre uma regra pré­existente; 2) esta regra pré-existente está sempre d8.da pelo Estado; 3) o complexo da regrasdadas pelo Estado co:nstittri ·uma unidade. Ou seja, que Ehrlich combate é. a teoria dop05itivismo, porél11 ao combatê-Ia analisou tão benl os principios constitütlvoS dela, edescreveu tão ciaramente sua origem e àesenvolvimento histórico, que seu livro, mais queum pamphíer vivaz, pode ser considerado como o mais convincente e cativante tratamentodo positlvismo jurídico como teona.

o nexo entre o primeiro modo de entender o positlVismo jurídico (examinado no §3) eeste segundo, quero dizer, entre o positivismo como approach e o positivismo como teoria,é fatico e histórico. Quando os juristas do ±im do século XVill se afastaram pouco a pouco

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do diíeito natural e foram atraídos pelo estudo do direito positivo até dissol"ver a teoria dodireito natural na filosofia do direito positivo, o direito positivo que se apresentava comoobjeto de estudo era o díreito unificado pelo poder estatal das monarqulas absolutas.Historicamente me parece que se pode dizer que o positivismo jurídico no primeiro sentidoe positivismo jurídico no segundo surgem ao mesmo tempo. Porém este nexo histórico nãopoder ser modificado, sem uma grave tergiversação, num nexo lógico; o estudo do direitocomo fato conduz a concepção estatal do direito porque de fato todas as regras que osjuristas elaboravam como direito vigente era posta direta ou indiretamente por órgãos doEstado. O positivismo jurídico se apresentava por estatismo por razões históricas; nadaimpedia que, a respeito ao modo de estudar o direito e não ao modo de entendê-Ia, sepudesse falar de positi-vismo jtlridico com refere:ncla a ol1tros ordena.mentQs~ tais como oordenamento internacional e o ordenamento canônico.

A este segundo aspecto do positivismo jurídico, ou seja, à concepção estatai do direito,estáo vinculadas algumas conhecidas teorias que frequentemente sào consideradas comocaracterísticas do positivismo jurídico: 1) a respeito à definição do direito, a teoria dacoercitividade, segundo a qual se entende por direito um sistema de normas aplicadas por(' lh' .", 1 -..i , .['Iorça, ou meu or, ae normas cUJo conteuao e a regu amentaçao uO uso aa lorça num gruposocial dado; 2) a respeito à definição de nOímajuridica são mandados, com todo um cortejode sub-distinções (mandados autônomos ou heterônomos, pessoais ou impessoais,categóricos ou hipotéticos, éticos ou técnicos, abstratos ou concretos, gerais ouindividuais); 3) a respeito às Íontes do direito, a supremacia da lei sobre as outras fontes e areduç.ão do direito consuetudinário, do direito científico, do direito judicial, do direito quederiva da natureza das coisas, ao caráter de fontes subordinadas ou aparentes; 4) a respeitoà ordem jurídica em seu conjunto, a consideração do complexo das normas como sistema aque se atribui o caráter de plenitude ou de ausência de lacunas e, subordinadamente,também de coerência ou falta de antinomias; 5) a respeito ao método da ciência jurídica e ainterpretação, a consideração da atividade do jurista ou do juiz como atividadeessencialmente lógica, em particular, a consideração da ciência jurídica como merahermenêutic? (escola francesa da exegese) ou como dogmática (escola pandeetista alemã).

Mais uma vez devemos advertir que estas características do direito não foramdescobertas como conseqüência da consideração do direito como fato, mas comoconseqüência de haver identificado numa determinada época histórica - que coincide com aconcentração da produção jurídica nos órgão do estado - o fenômeno jurídico como umcomplexo de regras produzidas pelo Estado. Certamente o approach positivista estáestritamente vinculado com qualquer teoria do direito, pela suficiente razão de que adistinção mesma entre o direito que é e o direito que deve ser não pode realizar-se se nãosobre a base de uma teoria mais ou menos elaborada em tomo do direito; mas, não estánecessariamente vinculada com a teoria estatal do direito, isto é, com aquela teoria a que ouso lingüística comum atribui a qualificação de doutrina típica do positivismo jurídico. Istoé tão certo que hoje a maior parte dos juristas que invocam o approach positivísta nãoaceitam a teoria estatal, com a conseqüência de que podem ser chamados positivistas noprimeiro sentido, mas não no segundo. Para eles a teOria do estatismo jurídico não é outracoisa se não teoria errônea; e porque confunde como direito real aquele que é consideradocomo tal por seus partidários, não é tampouco uma teoria positivista no primeiro sentido,ou seja, no segundo no qual os partidários da diferenciação clara entre direito que é e

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aquele que se queira que fosse, aceitam sererrl chamados de positi\!istas. !vIas deve se ie-var

em conta que o não aceitar que a teoria estatal seja positivista no primeiro sentido, em tantoteoria não fática, não quer dizer que refuta-Ia em nome do positivis1110 no segu"ndo sentido;

porque neste sentido aquela teoria se chama assim, pura e simplesmente por razõeshistóricas, que seguem sem culpa ainda se a teoria, depois de uma analise ulterior, resultaser falsa.

5. O positivlsmo jurídico como ideologia

Como ideologia, o positivismo jurídico representa a crença em certos valores e, sobre abase desta crença, confere ao direito que é, só pelo fato de existir, um valor positivo,prescindindo de toda consideração sobre da sua correspondência com o direito ideal. Estaatribuição de um valor positivo ao direito existente se realiza freqüentemente através dedois tipos diversos de argumentações: 1) o direito positivo, somente pelo tàto de serpositivo, isto é de ser a emanação de uma vontade dominante, é justo; ou seja, o critériopara julgar a justiça ou injustiça das leis coincide perrEütamente com o que se adota parajulgar sua validez ou invalidez; 2) o direito, como conjunto de regras impostas pelo poderque exerce o monopóiio da força numa determinada sociedade, serve com sua mesmaexistência, independentemente do valor moral se suas regras, para a obtenção de certos finsdesejáveis, tais como a ordem, a paz, a certeza e, em geral, a justiça legal. De ambasposições se deduz a conseqüência de que as normas jurídicas devem ser obedecidas por simesmas, em quanto tais; com outras palavras, a obediência às normas jurídicas é um devermoral, entendendo-se por dever moral uma obrigação intema ou de consciência; em outrastenninações, a obrigação devida a respeito às leis, em contraposição àquelas obrigaçõesexternas ou por temor à sanção.

Até aqui os juristas elaboram uma teoria do positivisrno jurídico no sentido exposto noparágrafo precedente, se limitam a tomar uma atitude frente a um complexo de fatoshistóricos - no caso concreto, a redução do direito à regra posta e imposta pelo Estado - e arepresentá-Ios em uma série mais ou menos coerente e completa de noções sistemáticas. Ateoria do positivismo jurídico não implica necessariamente uma valoração positiva dosdados que tenham sido objetivamente destacados e representados; mais certo tem funçãoprincipalmente descritiva e só indiretamente prescritiva. Seu fim (e também seu limite) édescrever, interpretar, compreender uma realidade, não recomendar esta ou aquela soluçãocomo melhor que outra. Para um teórico do positivismo jurídico afirmar, por exemplo, quea fonte principal do direito é a lei, não significa enunciar o juízo de valor "Está bem que alei s~ia a fonte principal", se não em juizo fático "É faticamente verdadeiro que a lei e afonte nrincinal": afirmar aue o luiz tem um noder declarativo e não criativo não siQnifica

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sustentar que esta é a solução melhor para a produção do direito, mas que é a situação real,a qual se desprende do sistema efeti"vamente ,/igente fJndado, por exemplo~ na separaçãodos POdCíCS, c baseado i1a regra positiv'"asegundo a qual toda dCGisão do juiz de"-~rc cstaíÍundada numa regra pré-exlstente não produzida por ele mesmo. O passo da teoria à

Ideologia do POSItlVISmOjurídiCO é o passo da verificação de um :tàto à vaioração positivado mesmo; o sistema vigente não é já unicfuuente descritivo e interpretado objetivamente,mas que também se apmsenta como um sistema bom ou diretamente como um sistema

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maior. O eleItO deste passo é a transformação do POSILlV]SmOjurídico de teoria quepretende não mais indicar o que no plano dos fatos é o direito, mas recomendar aquele queno plano dos 'valores é o Justo.

Uma 'iez mais, o passo de um ou outro aspecto do positivIsmo jurídIco é fatico ouhistórico, não necessário ou essencial. A teoria positivista é o reflexo, na consciência dosjuristas, da formação do Estado moderno; a ideologia positiva está vinculada, pelocontrario, a exaltação do Estado - tal como se expressa, por exemplo, na fiiosofia hegeliana- e pressupõe, conseqüentemente, uma filosofia da história e uma série de pressupostoséticos, mais ou menos explícitos. É verdade que o positivismo jurídico e a exaltação doEstado ocorreram paralelamente, sobre tudo na ciência jurídica alemã, e daqui surgia,talvez, uma confusão. Porém também é verdade que o estatismo jurídico e estatismo éticonão são na re-::\lidade unum et ide!n e que se pode ser por honestidade científica;us~~S;~;\';stQ~o ~r;~=;r~ ~o ~-;~=;ro ~=-~l'dos=- se~10 por ~on\';~~;:;es~~-a;s e ~~1: .•.;~~~J j-'V .lU. '.1.. \..U..U plllU llV 11 }-'1111.1.\';.11 ":>"-'11L \"'111 -1 ~ \.; t 'H •...yV ll1Vl 1 }Jvl1l!va~,

110 segundo. Entendo (i ue bâstará o eXêillpl0 de lZelseI1> cüja teoriã é cer-Lâmente um prodütodo positivisll10 juridic(l, n1as não é de modo algtun a exaltação do Estado e tendeideologicamente ao primado do direito internacional, e não contem a afIrmaçào de que aobrigação de obedecer às leis do Estado seja uma obrigação moral.

6. Um critério para distinguir os três aspectos do positivismo jurídico

A distinção entre estes três planos ou formas em que se apresenta historicamente opositivismo jurídico, permite eliminar muitos equívocos no terreno da analise histórica e dacrítica ético-política desta corrente, que nada tem de homogenia e em definitiva, ajustarsem prevenções nem falsos objetos, aqueles que tem sido chamado por um autorizadojurista italiano, o "balance" do positivismo jurídico.

Como modo de aproximação ao estudo do direito, o positivismo jurídico se apóia sobreum juízo de conveniência ou de oportunidade que pode ser formulado desta maneira: "apartir do direito tal como é, e não do direito que deve ser, ser'ie melhor ao fim principal daciência jurídica que é o de proporcionar esquemas de decisões à jurisprudência e elaborarum sistema do direito vigente". Este pressuposto está fundado sobre a verificação históricade que o direito que se aplica nos tribunais e que, conseqüentemente, interessa conhecer, éum conjunto de regras cuja valídez deriva não de sua conformidade com o direito ideal, senão do fato de estas posta por certa autoridade ou do fato de ser efetivamente seguida poraqueles que devem aplicá-Ias. Entende-se que se atribui à ciência do direito também atarefa de proporcionar esquemas de decisões ao legislador, desaparece a oportunidade denão levarem conta o chamado direito ideal. É conhecida a distinção entre a tarefa de iurecondito, que no ambiente influenciado pelo positivismo jurídico, se considera própria daeiên.cia do direito, e a taref..'lde fure condendc), que é considerada como mais política quejurídica e se a atribui à ciência da legislação ou à chamada política !egislativa. Por tratar-seaqui da eleiç.ão de uril POfito de partida, a que está fundada sobre o juizo da maioíadequação de certos meios para a obtenção de um fim, a critica será fecunda só se discute aoportunidade da eleição; a vahdez do modo POSltlVlsta de aproximação ao direito éindependente da verdade ou tà!sidade da teoria do estatismo jurídico e da bondade oumaldade da ideologia do estatismo ético.

Page 8: Bobbio Norberto Formalismo e Positivismo Juridico

Enquanto ao posnivlsmo como teoria, o mesmo se apola sobre o juizo de fato, oumelhor ainda, sobre uma série de juizos de fato e pode ser resumido nesta fórmula: "éÍàticamente verdadeiro que o direito vigente é um conjunto de regras de conduta que diretaou indiretamente são formuladas c aplicadas pelo estado". Quem queira contrariar estateoria não deverá dirigir sua critica à demonstração de que não serve para seu fim, deveráprovar que é falsa, isto é que os fatos enunciados por ela não são \!.erificados em absolutoou não são verificados dã maneira como tinham sido interpretados. Contudo, fique bemclaro que este segundo tipo de refutação não contem ou absorve ao primeiro; pode-seprovar que a teoria é íi:t1sa,parcial ou totalmente, sem haver provado por este a nãoconveniência deste modo de aproximação ao objeto. Os erros de fato podem ser imputáveisao mau planteI metodológico, mas ambas as coisas não se implicam reciprocamente.

Finalmente, a ideologia do positivismo Jurídico é a expressão de um sistema maisou menos coerente de valores e pode ser resumida como segue: "O direito, pela maneiracomo é posto e de fato valer ou pelo fim ao que serve, qualquer que seja seu conteúdo, tempor si um valor positivo e tem ql..te prestar obediência incondicionada as suas prescrições",Quem queira refutar esta ideologia deverá valer-se da argumentaç.ões diferentes daquelasque se adotam para pro~/arou negar os fâtos; trata-se de contrapor àqueles postülâdoséticos, o que a ideologia positivista íêrnete rnais oü n1enos explicitarneilte, oütrospostuiados éticos, e a argumentação mais forte resultará possivelmente de por diante dosolhos do interiocutor as conseqüências funestas ou insatisfatória da acepção de certosvalores como guia de conduta. O que importa agora por manifesto é que a rethtação daideologia positivista não contem ou não absorve a precedente refutação da teoria dopositivismo jurídico; pode-se estar convencido de que há que desaprovar a ideologiapositivista e seguir aceitando que, de fato, a teoria estatista é verdadeira.