bob buford - a arte de virar o jogo no segundo tempo da vida

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A ARTE DE VIRAR O JOGO NO SEGUNDO TEMPO DA VIDA CATEGORIA: LIDERANA / GESTOCopyright 1994 por Robert P. Buford. Publicado originalmente por Zondervan, Mkhigan, EUA. Titulo original: Halftime Coordenao editorial: Silvia Justino Preparao de texto: Rodolfo Ortiz Reviso: Geuid Jardim Superviso de produo: Lilian Melo Capa: Douglas Lucas Os textos das referncias bblicas foram extrados da A bblia Anotada (vento Almeida Revista e Atualizada), salvo indicao especifica. Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (cip) (Cmara Brasileira do Livro. SP, Brasil) Buford, Bob A arte de virar o jogo no segundo tempo da vida / Bob Buford traduzido por Laura Bacellar. So Paulo : Mundo Cristo. 2005. Ttulo original: Halftime. Bibliografia. ISBN 85-7325-423-8 1. Administrao 2. Auto-realizao Aspectos religiosos Cristianismo 3. Empreendedorismo 4. Liderana 5. Meia-idade Aspectos psicolgico 6. Meia-idade Vida religiosa 7. Sucesso I. Ttulo ndice para catlogo sistemtico: I. Vida crist : Cristianismo 248.4 Publicado no Brasil com a devida autorizao c com todos os direitos reservados pela: Associao Religiosa Editora Mundo Cristo Rua Antnio Carlos Tacconi. 79 CEP 04810-020 So Paulo SP Brasil Telefone: (II) 5668-1700 Home Page: www.mundocristao.com.br Editora associada a: Associao Brasileira de Editores Cristos Cmara Brasileira do Livro Evangelical Christian Publisher 1 edio brasileira foi publicada em novembro de 2005. com uma tiragem de 5.000 exemplam. Impresso no Brasil.

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SumrioApresentao .......................................................................................................... 4 INTRODUO ........................................................................................................ 7 Abrindo a cmara mais sagrada do corao ............................................................ 7 Primeira parte ........................................................................................................ 10 O primeiro tempo .................................................................................................. 10 Ouvindo a voz mansa ........................................................................................... 10 A hora da converso inversa ................................................................................. 15 Uma estao de busca e auto-ajuda ...................................................................... 18 O pnico do sucesso ............................................................................................. 21 Localizando o princpio motor ............................................................................... 23 Adeus, Ross ....................................................................................................... 26 Segunda parte ........................................................................................................ 30 O intervalo ............................................................................................................. 30 Fazendo um balano ............................................................................................. 30 Voc acredita em qu? .......................................................................................... 36 Encontrando aquela nica coisa ........................................................................... 38 Do sucesso ao significado ..................................................................................... 41 Encontrar o centro e ficar nele .............................................................................. 45 Ficar no jogo, modificando o plano ........................................................................ 49 Curvas sobrepostas .............................................................................................. 55 Pular no abismo ................................................................................................... 58 Terceira parte ........................................................................................................ 61 Segundo Tempo ..................................................................................................... 61 Misso de vida ...................................................................................................... 61 Retomando o controle ........................................................................................... 64 Individualismo saudvel ....................................................................................... 70 Aprender durante toda a vida ............................................................................... 74 Respeitar os fatores externos ................................................................................ 79 Jogar com tudo .................................................................................................... 82 Uma proposta meio a meio ................................................................................... 84 Um Caso Brasileiro................................................................................................. 87 O impacto que esse livro causou em minha vida ................................................... 87 Agradecimentos .................................................................................................... 90

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ApresentaoEste um livro muito incomum, para no dizer nico. Ao menos, no tenho conhecimento de nenhum outro que se assemelhe a ele de alguma maneira. Como autobiografia de um homem incomum, ele imediatamente acessvel ao leitor, que o l com imenso prazer. E o relato de um comeo incerto, de um garoto que, com apenas onze anos, aps a morte prematura do pai, teve de assumir o fardo de ser o homem da casa; um relato de grandes privaes, de viso e determinao, de tristezas e xitos. Se isso em si interessante, o elemento incomum reside em que Bob Buford uma das pouqussimas pessoas que conheo que, ainda adolescente, parou para pensar quais eram os seus pontos fortes. O que, via de regra, feito apenas por alguns poucos artistas. Ainda mais incrvel, quando Bob compreendeu que as habilidades especiais que Deus lhe dera no correspondiam ao que ele realmente queria fazer, teve a honestidade intelectual e a coragem de dizer para si mesmo: meu dever e minha misso pr em prtica o que sei fazer bem, ao invs de fazer aquilo que gostaria de fazer. Por ter chegado a esta concluso, Bob se tornou um empreendedor e um homem de negcios bem-sucedido. Contudo e na minha experincia isto realmente no tem precedente Bob nunca esqueceu a sua viso original e nunca sacrificou seus valores pelo altar do sucesso. Ele se recusou a desistir das ambies juvenis como se fossem meros sonhos de criana. Manteve-se concentrado nas obrigaes profissionais, mas nunca perdeu de vista as montanhas longnquas. Quando, depois de trinta anos de trabalho incansvel, alcanou um lugar onde lhe sobrava algo de tempo e dinheiro, voltou a considerar como poderia realizar aquilo que tivera vontade de fazer trinta anos mais cedo. Desta vez, podia contar com a fortaleza, a experincia e os conhecimentos acumulados ao longo dos anos. Nesse momento da vida, muitos se aposentam. Entretanto, Bob compreendeu que gostava do seu trabalho, amava-o at, e era muito bom no que fazia. Sabia que deveria continuar, mas tambm decidiu que tinha chegado a hora de construir uma carreira paralela em que as suas fortalezas, a sua experincia e o seu dinheiro estivessem a servio de um compromisso profundo de fortalecer a presena de Deus na Terra. Este livro muito mais do que uma autobiografia. Sem pregar, sem tentar ser acadmico, sem estatsticas ou grias doutas, aborda o desafio social fundamental de uma sociedade desenvolvida e prspera. No h muito tempo, quando nasci, poucos anos antes da primeira guerra mundial, poucas pessoas chegavam a viver alm do que hoje consideramos a meiaidade. Ainda em 1929, a esperana de vida mdia nos EUA no chegava aos cinqenta anos, enquanto meio sculo mais cedo estivera em torno de 35 anos. Contudo, hoje a esperana de vida da grande maioria dos americanos, como a dos habitantes dos pases desenvolvidos em geral, duas vezes maior do que a dos nossos bisavs. No menos importante, pela primeira vez na histria, hoje um nmero muito grande de pessoas tem a possibilidade de se tornar um sucesso, algo que no passado era praticamente desconhecido. Sucesso no significa necessariamente acumular uma riqueza substancial, ou atingir grande popularidade. Significa alcanar algo que em outros tempos as pessoas simplesmente no chegavam a conhecer: a realizao pessoal, seja como professor universitrio, como mdico ou advogado, como executivo ou profissional numa organizao, como administrador de hospital: todas funes que no comeo do sculo passado no existiam ou eram to raras que no chegavam a ser socialmente significativas.

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Naquela poca, o trabalho era um sustento, no uma escolha de vida. O trabalhador na siderrgica, o campons na roa, o operrio na linha de montagem, o vendedor na lojinha de bairro todas pessoas em formas de emprego tradicionais no teriam nenhum problema em se aposentar aps trinta anos de carreira, se isso no prejudicasse o seu sustento. Eles no sentiam falta do seu trabalho, porque nunca representara nada alm de um meio de arrumar a prxima refeio ou de comprar os sapatos dos filhos. Hoje, muitas pessoas tm a expectativa de chegar aonde Bob Buford chegou: a gostar de seu trabalho, melhorar com a idade, no querer se aposentar mesmo quando a sua situao financeira o permitir. Um nmero grande e cada vez maior de pessoas a quem chamo de trabalhadores do conhecimento no alcanaram apenas um nvel econmico maior do que em qualquer outra poca da histria, como tambm conquistaram um patamar infinitamente maior em termos de realizao pessoal. Apesar disso, porm, chegam aos 45 anos de idade e o trabalho que conhecem no apresenta mais nenhum desafio. Eles precisam de novos estmulos. Quando primeiro percebi isso, h uns vinte ou trinta anos, pensei que seriam multido as pessoas que fossem abraar uma segunda carreira, por exemplo deixando de ser controller de uma grande empresa para passar a exercer uma funo semelhante numa instituio sem fins lucrativos. Eu estava errado e Bob Buford mostrou o meu erro. A grande maioria dessas pessoas no quer deixar o que esto fazendo e sabem fazer bem. Contudo, tambm no sentem a necessidade de acrescentar aquilo que Bob chama de a outra metade de suas vidas, o que eu chamaria de carreira paralela. Eles querem encontrar uma esfera em que possam servir seus valores pondo em prtica o que eles sabem fazer bem, utilizando as foras, o conhecimento e a experincia que j acumularam. Estes so desafios novos e sem precedentes, como j disse. E este livro o primeiro de que tenha conhecimento em apresent-los de maneira exemplar, mostrando como tm de ser abordados. pioneirismo de primeira ordem; anlise social de primeira grandeza. E tambm um livro de primeirssima ordem. Sejam quais forem os valores e os compromissos de cada um e no precisam ser os mesmos de Bob Buford , este livro deve ser o catalisador para todos os beneficirios das duas grandes evolues sociais do sculo passado: o aumento da durao de vida (sobretudo da vida til) e o fato de que hoje possvel ser um sucesso e fazer com que a atividade que gera o nosso sustento se torne uma escolha de vida significativa. Este tambm um importante livro poltico. Cada vez mais compreendemos que o Estado moderno no tem a capacidade de dar conta dos problemas comunitrios e sociais. Existe uma conscincia cada vez maior da necessidade de um novo setor denominado por vezes de sem fins lucrativos, terceiro setor, sociedade civil ou (minha preferncia) setor social. Neste setor, a cidadania vivida como voluntariado volta a ser uma realidade, ao invs de ficar limitada a um ritual que consiste em votar de vez em quando e pagar os impostos. O livro de Bob aponta para a soluo do maior desafio poltico da sociedade desenvolvida: a de que o sucesso na meia-idade pode ajudar a restaurar o corpo poltico da sociedade para que funcione, seja eficaz e reafirme os valores fundamentais da democracia e da vida comunitria. Este tambm um livro religioso que chega no corao de um dos maiores desafios dos Estados Unidos: o papel da religio e da cristandade na sociedade e na vida das pessoas. A maioria das igrejas tradicionais americanas esto perdendo fiis h trinta ou quarenta anos. Entretanto, o fato surpreendente no que as igrejas tenham perdido fiis, e sim que perderam to poucos! Pois antigamente e antigamente significa no mais do que cinquenta ou sessenta anos as pessoas em muitos casos iam igreja por presso social, muito mais do que por livre escolha.

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Quando cheguei aos Estados Unidos nos anos trinta, como jornalista correspondente de um grupo de jornais britnicos, freqentar a igreja era atividade obrigatria. O pedido de financiamento imobilirio que preenchemos poucas semanas aps chegarmos ao pas em um bairro de classe mdia de Nova York que no se caracterizava como religioso requeria duas referncias, uma das quais tinha de ser obrigatoriamente a do pastor da igreja que freqentvamos. Quem no tivesse essa referncia no conseguiria o financiamento. Ainda 25 anos mais tarde, no incio dos anos cinqenta, nas cidades pequenas e nas zonas rurais, quem no freqentasse a igreja no conseguia um emprstimo bancrio ou um bom emprego. Essa presso social hoje tem desaparecido, o que no implicou um declnio catastrfico do nmero de fiis que freqentam as igrejas, como era de esperar. Houve um declnio, porm modesto e at insignificante se o compararmos com o que aconteceu na Europa , enquanto o crescimento de novas grandes igrejas pastorais, que agregam fiis duas ou trs vezes mais depressa que as igrejas tradicionais os perdem, representa um contraponto tendncia de queda. Os Estados Unidos, em outras palavras, ainda permanecem um pas essencialmente cristo, e as igrejas comeam a aprender como atender aos fiis de hoje: pessoas que no vo igreja por obrigao, e sim por uma escolha consciente e sincera. Bob compreendeu isso cedo, com toda a agudeza que o caracteriza. A sua Leadership network [Rede de liderana] foi um catalisador que ajudou as grandes igrejas pastorais a trabalhar eficientemente, identificando seus problemas principais e tornando possvel a prpria perpetuao (o que nunca acontecera com as igrejas pastorais que as precederam), alm de ajud-las a enfocar a misso apostlica, testemunhai e de organizadoras de servios comunitrios essenciais. E hoje ele est ampliando esse trabalho para muitas outras igrejas, incluindo as de mdio porte, no como pregador, e sim como empreendedor que transforma energias latentes em atuao concreta. Por ltimo, este livro pode e deve ser lido como uma histria de evoluo do conhecimento para a sabedoria, de educao intelectual e espiritual. Histrias como esta so bem raras, c costumam ser muito mais cativantes, importantes e instrutivas do que relatos de aventuras mirabolantes ou de faanhas romnticas. Estas so as histrias necessrias para os que chegaram na metade do seu percurso de vida, os que atingiram o sucesso pelas suas realizaes exatamente como os mais jovens precisam de contos de fico sobre fatos hericos e amores romnticos. Concluindo, este livro deve ser e ser lido em vrios nveis. E um livro que dir coisas diferentes a pessoas diferentes. Contudo, um livro que ter um significado e uma mensagem para todos os que abrirem suas pginas. Peter F. Drucker

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INTRODUO Abrindo a cmara mais sagrada do coraoNenhum de ns sabe quando vai morrer. Entretanto, qualquer um pode, se quiser, escolher seu epitfio. Eu escolhi o meu. Preciso admitir que pensar na prpria tumba enquanto se est cheio de vitalidade uma coisa meio sombria. Esse precisamente o pensamento, uma imagem ntida que se desenha na mente e no corao e ao mesmo tempo uma inspirao gloriosa e um desafio de propores picas para mim: 100 X Significa cem vezes. Escolhi esse epitfio baseado na parbola do semeador, em Mateus 13:3-9. Sou um empreendedor e quero ser lembrado como a semente que foi plantada em solo bom e se multiplicou cem vezes. assim que desejo viver. assim que tento expressar as minhas paixes e os meus compromissos mais profundos. assim que visualizo o meu legado. Quero ser um smbolo de maior rendimento, na vida e na morte. Santo Agostinho disse que perguntar a si mesmo qual ser o prprio legado Pelo que gostaria de ser lembrado? o comeo da idade adulta. E isso que fiz ao escrever o meu prprio epitfio. Afinal, um epitfio deveria ser algo mais do que uma sentena bonita, esperanosa, escolhida sob medida. Se for honesto, ter algo a dizer sobre quem voc na essncia da sua personalidade e da sua alma. O que mora na cmara mais sagrada do corao , creio eu, um presente que todos recebemos do nosso Criador. E uma maneira de expressar a convico de que os seres humanos so algo mais que animais ou mquinas. uma confisso de que somos seres espirituais com um propsito e um destino. E um lembrete divino de que somos feitos, milagrosa e maravilhosamente, imagem e semelhana de Deus. Voc pode achar que o meu epitfio 100 X uma quimera, o que em parte tambm deve ser verdade. Ao escolher um epitfio que expresse gratido pelo seu talento especial e um objetivo ao qual voc ir se sentir vinculado at descansar, por fim, debaixo do tmulo , voc se identifica como algum que tem motivao e paixo gravadas permanentemente no cdigo da sua vida. A parbola do semeador chega no corao dos meus sonhos e no centro das minhas experincias. E a fora que d vida a este livro. A minha paixo multiplicar tudo o que Deus me deu e, assim fazendo, devolv-lo. E gostaria de encoraj-lo a fazer a mesma coisa. No quero que voc seja a semente que caiu beira do caminho, ou em solo rochoso, ou que foi sufocada pelos espinhos. Tal semente tinha o potencial de dar frutos, mas as circunstncias impediram que o fizesse. As minhas circunstncias forneceram solo mido e frtil, onde eu pude crescer. Foi um ambiente afortunado, que representou um fator crtico para a minha histria. Meu relato no o de um homem que se fez sozinho, nem o do menino pobre que conquistou a riqueza, ou qualquer outra fantasia aventureira. Tive muito mais oportunidades de crescimento, desenvolvimento pessoal e ganho financeiro do que a maioria dos americanos. Por um lado, pode-se dizer que tive sorte, pois realmente ganhei muita coisa que me servia para realizar o meu trabalho. Entretanto, se voc acreditar, como acredito,

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que a quem muito dado, dele tambm muito requerido, ento comear a intuir o quanto o meu epitfio desafiador. E o seu epitfio? O que voc recebeu e o que voc vai fazer com isso durante o restante da sua vida? Recentemente, comecei a olhar para a minha vida atravs da metfora de um jogo de futebol (mas pode ser qualquer esporte que divida a ao em dois tempos). At os meus 35 anos, eu estava no primeiro tempo do jogo. A, certas circunstncias fizeram com que eu entrasse no intervalo. Hoje estou jogando o meu segundo tempo e o jogo est se tornando fantstico. Durante esse tempo todo, cheguei concluso de que a segunda metade da nossa vida deveria ser a melhor metade que pode vir a ser um verdadeiro renascimento pessoal. Durante o primeiro tempo da sua vida, se voc for como eu, provvel que no tenha tido tempo para pensar sobre como iria passar o resto da vida. Provavelmente voc se formou na correria, se apaixonou, casou, embarcou numa carreira profissional, galgou escales e adquiriu muitas coisas que ajudaram a tornar a sua viagem mais confortvel. Voc jogou duro no seu primeiro tempo. Talvez estivesse at ganhando, s que, mais cedo ou mais tarde, comeou a se perguntar se era de fato isso mesmo que voc queria. De alguma maneira, acompanhar o resultado do jogo j deixou de ser o prazer que era antes. Talvez voc tenha levado alguns tombos feios. A maioria dos seres humanos no chega ao intervalo do jogo sem ter vivenciado a dor. Dor braba. Divrcio. Excesso de lcool. Falta de tempo para ficar com os filhos. Culpa. Solido. Voc tinha boas intenes ao comear o primeiro tempo, como muitos bons jogadores, mas no caminho se desviou. Mesmo se no seu caso a dor foi leve, voc esperto o suficiente para perceber que no pode jogar o segundo tempo como fez o primeiro. Em primeiro lugar, no tem mais a energia que antes tinha. Recm-formado, voc enfrentava, sem trauma, expedientes de catorze horas e sesses de trabalho nos finais de semana. Tudo isso fazia parte do seu plano de jogo para o primeiro tempo, algo quase que inevitvel para que voc tivesse a esperana de ganhar. Hoje, entretanto, voc anseia por algo maior do que o sucesso. Tambm h de se considerar a realidade do prprio jogo: o relgio no para. O que antes parecia to longe quanto a prpria eternidade, hoje est perto. E se por um lado voc no tem medo do fim do jogo, tambm quer garantir um bom final, em que v deixar alguma herana que ningum poder lhe tirar. Se o primeiro tempo foi busca por sucesso, o segundo tempo uma jornada para o significado. O jogo ganho ou perdido no segundo tempo, no no primeiro. E possvel cometer alguns erros no primeiro tempo e ainda prevalecer no final, mas ser mais difcil fazer essa virada quando o segundo tempo j estiver em andamento. Na segunda metade do jogo, voc deveria conhecer, finalmente, o material de que dispe para conduzir a sua luta. E conhecer tambm o terreno do jogo: o mundo em que vive. Voc vivenciou a vitria na medida certa para saber o quanto o jogo difcil na maioria das vezes, e tambm o quanto parece fcil quando as condies so exatamente favorveis. Vivenciou dor e decepo na medida certa para saber que perder alguns ensejos pode ser frustrante, mas que a perda supervel e s vezes permite descobrir o melhor de si. Algumas pessoas nunca chegam ao segundo tempo; muitos nem sabem que existe. A opinio que prevalece na nossa cultura que ao atingir mais ou menos os

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quarenta anos de idade, inicia-se um perodo de envelhecimento e declnio. Acasalar idade com crescimento parece at ser uma contradio em termos. Essa idia uma lenda em que me recuso acreditar, e quero ajudar voc tambm a se libertar dela. No sei em que momento do jogo voc est. Se estiver com vinte e poucos anos, provavelmente o chute inicial acabou de ser dado e voc est encarando um empolgante primeiro tempo. Muitas das coisas que escrevo devem parecer bem longnquas para voc, mas no coloque esse livro num lugar onde no o possa encontrar mais tarde, pois o primeiro tempo vai se desenrolar muito mais rapidamente do que voc imagina. A maioria de vocs provavelmente est se aproximando do fim do primeiro tempo. Contam com idade entre 35 e 45 anos e alguma coisa esteve lhes dizendo que no podem continuar jogando como o fizeram at agora. Este livro mais especificamente para vocs. Alguns de vocs podem at estar no segundo tempo, mas nunca pensaram nisso desta forma. Como bom centroavante, voc esteve arremetendo lealmente o tempo todo. Este livro poder lev-lo a pedir um tempo, ir para a bancada e fazer um balano, pois nunca tarde demais para mudar o seu plano de jogo. No importa onde voc est, convido-lhe, nas prximas pginas, a se desfazer da idia de que o segundo tempo da sua vida nunca ser to bom como o primeiro. Ao invs de desistir e aceitar que a vida lhe imponha seus prprios termos, perceba que voc est pronto para novos horizontes e novos desafios. Pronto para evoluir do simples sucesso ao significado para escrever o seu prprio epitfio , ousando acreditar que o legado que voc ir deixar nesta vida acabar sendo muito mais importante do que qualquer coisa que voc possa ter realizado no primeiro tempo da sua vida.

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Primeira parte O primeiro tempoO verdadeiro teste de um homem no quando assume o papel que quer para si, mas quando assume o papel que o destino escolheu para ele. Vaclav Havel

1 Ouvindo a voz mansaE eis que soprava um grande e forte vento, que tendia os montes e quebrava as penhas diante da face do SENHOR; porm o SENHOR no estava no vento; e, depois do vento, um terremoto; tambm o SENHOR no estava no terremoto; e, depois do terremoto, um fogo; porm tambm o SENHOR no estava no fogo; e, depois do fogo, uma voz mansa e delicada. 1Reis 19:11b, 12 Nunca prestei ateno em minha vida. Honestamente, s comecei mesmo a fazlo depois dos quarenta anos, quando me achei em estado de pnico relativamente a meu sucesso. Eu era presidente e diretor-geral de uma companhia de televiso a cabo muito bem-sucedida. Estava plenamente compromissado, num casamento bom e dinmico. Tnhamos um filho que era no h melhor maneira de diz-lo um prmio. E, naturalmente, havia algo que me atormentava. Como era possvel ser to bemsucedido, to afortunado, mas profundamente insatisfeito? Tinha perfeito conhecimento daquilo em que acreditava em termos de estratgias e prticas comerciais, relaes familiares e a importncia dos amigos. Contudo, ainda no tinha decidido como iria conciliar todos esses interesses conflitantes. Quanto questo mais importante, a minha vida de f, eu sabia no que acreditava, mas no sabia realmente o que planejava fazer com aquilo em que acreditava. Foi ento que comecei a me debruar sobre o que eu queria do segundo tempo da minha vida. Tinha-se apoderado de mim uma idia ainda sem forma, porm obsessiva, segundo a qual deveria tornar a minha vida verdadeiramente produtiva, e no apenas lucrativa. Comecei a considerar as implicaes das estaes da minha vida e a escutar o som da mansa tranqilidade que estala inesperadamente depois do fogo. Comecei a me fazer perguntas como estas: Na Bblia, Jesus Cristo pregou que ele veio para que os seus seguidores tivessem vida abundante, a mais plena possvel. um sentimento maravilhoso. A minha impresso de que este fato no compreendido por muitas pessoas que acham que a religio restritiva e repressiva e acreditam que Jesus veio para desaprovar, repreender e dizer "no".

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O Jesus que eu chegara a conhecer e amar estava me guiando para os caminhos de uma vida ampla, no pequena nem estreita. Ele estava me pedindo licena para dizer um forte "sim" a uma vida cheia de significado. Eu estava ocupado demais para prestar ateno, ento no ouvi o seu sim durante o meu primeiro tempo. Para mim a questo no era f. Eu recebera o dom da f em Deus ainda com pouca idade. Durante a maior parte do meu primeiro tempo eu estava, entretanto, "parado na segunda base", para usar uma metfora do beisebol. Veja o seguinte diagrama:

Continuando com a linguagem do beisebol, a primeira base representa fazer o simples passo infantil de abraar a f. Para mim, foi uma simples aceitao de que o que Jesus disse na Bblia sobre si mesmo era verdade. Esse passo envolve o que Kierkegaard chamou de "salto de f". A f no nega a razo, mas diferente da razo. Ela aceita, como um presente de Deus, um outro conjunto de capacidades. Sem f, somos meros espectadores das vicissitudes do corao e da alma. Com f, podemos nos utilizar das outras duas capacidades, os nossos sentidos racionais e emocionais, na jornada at a segunda base. Para mim, a jornada at a segunda base teve tudo a ver com a f. Afetou primeiro o corao e depois a mente. Ultrapassar a segunda base significou deixar de ser o que a Bblia chama de "ouvinte da Palavra" para passar a ser um "fazedor da Palavra": em outras palavras, deixar de ter uma viso da f como sistema de crenas internalizado para passar a ter uma f expressa como comportamento de amor. A f expressa no comportamento o "caminho sobremodo excelente" a que se refere o apstolo Paulo em seu belo captulo sobre o amor, em 1 Corntios 13, que termina com "a f, a esperana e o amor". "O maior destes o amor", diz Paulo. A palavra grega para o amor, gape, significa tambm caridade. A caridade a expresso do amor. como se f e esperana fossem adquiridas no caminho at a segunda base em preparao para a jornada do segundo tempo, at a base final. A terceira base significa tornar-se seguidores que expressam a prpria f na forma de um trabalho concreto em um contexto religioso, seja numa igreja ou numa organizao paraeclesistica. Depois disso vem o ltimo trecho, at a base final. Nesta fase que nos cabe tornar-nos o que Gordon Mac- Donald chamou de Construtores do Reino. Isto , achar a misso na terra que Deus criou especificamente para cada um de ns empreender e cumprir. E o que os gregos chamavam de destino e que o poeta John Donne tinha em mente ao dizer: "Nenhum homem uma ilha, inteira em si".

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A segunda metade do quadrado do beisebol tem a ver com as boas aes. No fica de maneira alguma separada da primeira metade, que tem a ver com a f, mas se desprende dela, conferindo-lhe integridade. Parafraseando Tiago, "A f sem ao morta". Eu faria uma pequena modificao: "A f sem ao morre". A vida de f deve se tornar uma vida de responsabilidade individual. As pernas e as mos devem seguir o corao e a cabea, seno o corpo perde a integridade. Enquanto Deus quer nos ver, todos ns, bater a bola fora do campo (o home rim do beisebol), a maioria dos cristos nunca chega a superar a fase da f. Segundo George Gallup Jnior, 84 por cento dos americanos se declaram cristos, o que deveria ser suficiente para infundir slidos valores bblicos em todas as reas da cultura. No duvido dos dados de Gallup, mas preciso confessar que no enxergo tanta abundncia de sinais da existncia da f crist na nossa sociedade. Acredito que isto acontea porque a maioria de ns est parada em algum lugar entre a primeira e a segunda base. Na primeira metade da vida, mal nos sobra tempo para ultrapassar a segunda base. Somos caadores coletores e fazemos o melhor que podemos para prover a famlia, avanar na carreira e transmitir aos filhos nossas crenas e nossos valores. Alm disso, a maioria dos homens e certamente um nmero cada vez maior de mulheres se encontra, no primeiro tempo, numa modalidade guerreira. Temos a necessidade de demonstrar a ns mesmos e aos demais que podemos realizar grandes coisas, e a melhor maneira de conseguir isso nos tornando cada vez mais focados e intensos. Vejo o primeiro tempo como uma temporada para desenvolver a f e aprender mais sobre a maneira nica pela qual a Bblia aborda a vida. O segundo tempo, quando a presso diminui, parece ser mais uma estao em que a maioria das pessoas ultrapassa a segunda base e comea a jazer alguma coisa acerca da f que desenvolveu. Comigo foi assim. Na Odissia, o poema pico sobre a vida de Odisseu (Ulisses), duas grandes foras puxam o heri para lados opostos: trabalho e casa. Ele deseja ardentemente voltar para casa, mas tambm desfruta das batalhas travadas no caminho. Voc se identifica com ele? Na primeira metade da vida, ns tambm somos divididos entre o desejo de estarmos com a nossa famlia e a aventura de perseguirmos o nosso sucesso profissional. de se estranhar, nessas condies, que no ouamos a voz delicada que nos chama para algo melhor? A primeira metade da vida tem a ver com adquirir e ganhar, aprender e lucrar. A maioria faz isso da forma mais ordinria: cursando faculdade, entrando na vida profissional, fundando uma famlia, comprando uma casa, ganhando um dinheiro suficiente para prover o necessrio e tambm alguns luxos, estabelecendo objetivos e lutando para consegui-los. Alguns perseguem o prmio de uma maneira mais espetacular e agressiva: participando da comisso de construo da igreja, dando aula na escola dominical ou organizando o retiro anual dos homens. A segunda metade mais arriscada porque est relacionada a viver alm da realidade imediata. E o momento de soltar a semente de criatividade e energia que foi implantada em ns, aguando-a e cultivando-a de forma a nos tornarmos abundantemente frteis. E a hora de investirmos nossos talentos em benefcio dos outros e recebermos a alegria pessoal que vem como conseqncia daquele investimento. Este um tipo de risco com o qual os empreendedores quase sempre obtm lucros excelentes. O verdadeiro empreendedor no temerrio e tambm no precisa ser especialmente corajoso. Ele simplesmente tenta coletar e examinar o maior nmero

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possvel de fatos, sobre o mercado e o ambiente comercial, que poderiam influenciar uma determinada deciso. Feito isso, necessrio decidir rapidamente. Da mesma maneira, para que a segunda metade da vida seja melhor do que a primeira, voc deve fazer a escolha de abandonar a segurana de viver em piloto automtico. Voc tem de enfrentar a questo de quem voc , por que acredita naquilo que professa acreditar sobre a sua vida e o que voc faz para dar significado e estrutura s atividades dirias e s relaes. Essa deciso traz consigo um risco: ao abrir mo do cobertor de segurana que o mantm seguro e quentinho em sua rea de conforto cuidadosamente controlada, voc poder perder sinais e referenciais familiares. Poder sentir, ao menos no comeo, que est perdendo o controle da prpria vida. A isso eu digo: muito bom! Realmente bom para voc abrir mo do controle e, atravs disso, incorporar-se mais plenamente nos seus sentidos, os sentidos que lhe permitem tomar conscincia das aventuras e das recompensas da vida. O seu futuro, especialmente em tempos turbulentos como estes, est em grande medida fora do seu controle, independentemente de todos os seus esforos para fix-lo ou planej-lo. Isto vale para qualquer estao da vida por que voc esteja passando, mas talvez tenha ressonncia especial para aqueles que esto se aproximando da meia-idade, como aconteceu comigo nos ltimos dez anos. Para mim, a transio para o entardecer da vida foi um momento para reordenar o meu tempo e o meu tesouro, reconfigurando os meus valores e a minha viso do que a vida poderia ser. Representou mais do que uma renovao: foi um novo comeo. Foi mais que cair na real, foi um olhar renovado e prazeroso para dentro da cmara mais sagrada do meu corao, que me concedeu, finalmente, uma oportunidade para responder aos desejos mais profundos da alma. E foi tambm, afinal, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora. Foi o perodo mais importante da minha vida. At o dia de hoje. O escritor e diretor Norman Corwin, hoje com mais de oitenta anos, recentemente relembrou a sua transio para a meia-idade no livro O esprito sem idade: Lembro-me hoje que o aniversrio mais difcil da minha vida foi o dos quarenta anos. Foi um smbolo importante, porque eu disse adeus, adeus e adeus juventude. Contudo, acho que chegar aos quarenta e seguir adiante como quebrar a barreira do som. Pois certamente uma poca para descobertas, como George Bernard Shaw vivenciou alguns anos antes, uma amostra da "verdadeira alegria" da vida. Ele descreveu a experincia da seguinte forma: Esta a verdadeira alegria da vida: ser usado para um propsito que voc reconhece como poderoso, ser uma fora da natureza ao invs de ser um pequeno aglomerado febril e egosta de molstias e mgoas, reclamando de que o mundo no se empenha em fazer voc feliz. Sou da opinio de que a minha vida pertence comunidade inteira e at o fim da minha vida ser o meu privilgio fazer tudo o que puder em benefcio dela. Quero acabar completamente usado quando morrer, pois quanto mais duro eu trabalhar, mais terei vivido. Regozijo-me da vida por ela mesma. Para mim a vida no nenhuma vela curta. uma espcie de tocha esplndida que estou segurando 13

por ora, e quero faz-la queimar com o maior brilho possvel antes de entregla s geraes futuras. Na introduo, pedi que vocs escrevessem o prprio epitfio para comearem a pensar sobre o seu segundo tempo. A vai uma pergunta que os ajudar nesse intento:

[Se a sua vida fosse absolutamente perfeita, como lhe pareceria?]Vale a pena refletir bastante sobre essa questo, porque a imagem que surgir dessa reflexo ser como uma instantnea que o ajudar a encontrar a felicidade, a bem-aventurana. Ser, porm, uma imagem adequada s quando voc escutar a voz mansa e delicada que fala dentro de voc.

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2 A hora da converso inversaAlguns cristos conhecem o momento exato da converso. A data, o dia da semana, a hora, o minuto, o segundo, o nano segundo. Bum! Num piscar de olhos, alguma coisa aconteceu e eles estavam transformados... Renascidos... Perdoados... Salvos. No a minha histria. Deixo constar isso sem pesar e sem orgulho. Recebi o presente da f em to tenra idade que no consigo lembrar como seria viver sem ela. Com certeza, no caminho da vida me deparei com questes e com a tpica confuso ao redor de certas formulaes teolgicas e doutrinrias, mas nunca duvidei de Deus. Sempre acreditei que Jesus quem disse que . No atingi sozinho esse estado de confiana e de segurana bem-aventurada. No procurei o Senhor. A minha f inabalvel um presente do Senhor, foi o Senhor que me achou. Portanto, no posso relatar nenhum momento crucial, drama- tico ou emocional da minha evoluo espiritual com exceo de uma surpreendente experincia de converso inversa que vivenciei aos catorze anos de idade, quando abandonei a idia de ser clrigo, embora em nenhum momento tivesse renunciado a minha f pessoal ou a meus compromissos. Na adolescncia, a minha famlia havia se mudado do estado de Oklahoma para a cidade de Tyler, no Texas, numa regio de pinheiros da parte oriental do estado. Meu pai, bebedor empedernido, caador e campeo de tiro ao prato, morrera enquanto eu cursava a quinta srie, antes de nos mudarmos para o Texas. No lembro muita coisa dele, embora recorde que bebia usque direto do gargalo, de um jeito bem comum, como aprenderia mais tarde, naquela poca de ps-guerra em que Ernest Hemingway escrevia grandes livros americanos e homens americanos maches se achavam feitos de ao temperado e indestrutvel. Meu pai no era indestrutvel. Ele deixou uma jovem viva e trs meninos, e juntos seguimos adiante. Minha me continuou dirigindo a emissora de rdio no Oklahoma durante um breve perodo, at que nos mudamos para Tyler, com a inteno de comprar e dirigir uma emissora de rdio de l. Minha me, achando-se de repente sozinha, acabou se tornando uma executiva de comunicaes visionria e bem-sucedida. Ela se candidatou para a concesso do primeiro canal de televiso de Tyler, concorrendo contra o dono do jornal local e a mais proeminente famlia filantrpica da cidade, que evidentemente tinha seu ganhapo no negcio do petrleo. As probabilidades de sucesso eram mnimas. Ela era viva, sozinha e quase que recm-chegada na cidade, enquanto a famlia do magnata local do petrleo fornecia dinheiro e liderana para praticamente qualquer causa e iniciativa assistencial na comunidade. E na cidade vizinha de Dallas, as trs concesses de televiso tinham sido acordadas aos donos dos jornais da regio. Enquanto isso, minha me teve de ir justia no condado de Smith, Texas, para pleitear a remoo das "restries". Na poca, no comeo dos anos 1950, a lei estadual proibia que mulheres executassem e assinassem contratos sem o consentimento do marido, a menos que um tribunal as declarasse femme sole, uma formulao jurdica

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que significa literalmente "mulher s". Apesar das chances reduzidas e diante de obstculos culturais considerveis, minha me insistiu e obteve a concesso para operar o canal KLTV (cuja letra K designa todas as emissoras situadas ao oeste do rio Mississpi e a letra L est por Lucille, o nome da minha me). A sua determinao e teimosia me deram uma lio importante, um exemplo de esprito arrojado e de f nas prprias possibilidades. Naquela jovem idade, passei a acreditar que eu tambm poderia realizar quase que qualquer coisa mediante trabalho duro e perseverana. Minha me, que teve dois casamentos consecutivos, com lamentvel desatino em ambos os casos, vivia cm funo dos interesses comerciais e dos filhos. Quando me punha para dormir noite, no lia para mim os tradicionais contos infantis. Em contrapartida, me ensinava balancetes financeiros, taxas de depreciao e estratgias de publicidade e venda. E quando pediu a concesso televisiva, declarou Comisso Federal de Comunicaes que desejava adquirir uma emissora de televiso na esperana de os filhos tomarem conta do negcio um dia. A obstinao e a dedicao da minha me me produziram ao mesmo tempo empolgao e tenso: um conflito interior de gigantes entre perseguir uma vida de sucesso nos negcios ou uma vida de servio no sacerdcio. No consegui resolver essa tenso durante dcadas, mas fiz uma escolha decisiva quando tinha catorze anos. Lembro-me do momento como se fosse hoje, assim como algumas pessoas lembram cada detalhe das circunstncias que atenderam sua experincia de converso, ou onde estavam quando souberam que o presidente Kennedy tinha sido assassinado. O meu momento de transformao vocacional aconteceu na aula de ingls, da senhorita Mittie Marsh, na primeira srie do ensino mdio. Mittie Marsh era uma lenda em Tyler durante a minha juventude. Ela e as irms Minnie e Sarah lecionavam nas escolas pblicas da cidade e viviam numa manso na avenida South Broadway, a mesma onde os estudantes do ensino mdio passeavam de carro nas noites de sexta e de sbado. Mittie Marsh e as irms que estabeleciam o padro acadmico em Tyler. Elas eram os mentores que advertiam: Se voc no fizer direito, no vai conseguir entrar na faculdade que voc quer. Eu estava sentado na segunda fileira, bem do lado esquerdo da sala. At hoje no sei ao certo o que foi que induziu a minha deciso, mas foi naquele instante que Bum! de alguma maneira eu soube definitivamente que pregar, batizar, casar e enterrar caam fora e ganhar dinheiro como executivo de televiso ia ser o meu caminho. Fizera uma escolha lcida e adolescente de me colocar atrs do volante de um automvel turbinado. Naturalmente, lcido e adolescente so palavras que raramente aparecem na mesma pgina, que dir lado a lado na mesma sentena, e a televiso na poca dava os primeiros passos e ningum a considerava uma ameaa sria aos hbitos de lazer consolidados dos americanos, de leitura, conversao e escuta radiofnica. Contudo, como eu saberia dessas coisas? Eu era apenas um estudante, mal comeando a florescer na primavera da vida. O mundo dos negcios especialmente na tecnologia nova e atraente da televiso parecia um esporte fabuloso, com a promessa de mais dramas e mais conquistas do que eu poderia imaginar. E francamente, queria ser o batedor que no final do nono (ltimo) inning do jogo de beisebol fosse bater a bola fora do campo, garantindo a vitria do time. Decisivo. Herico. Foi uma escolha determinante que preparou o terreno para muitas estaes futuras da minha vida. 16

Ainda tenho paixo pelo esporte do negcio televisivo a concorrncia, as estratgias, as conquistas. Um executivo conhecido meu (que mais tarde suicidou-se) chamava este negcio de "o maior esporte do mundo". Sei exatamente o que ele queria dizer, porque eu tambm achei indescritivelmente apaixonante medir a competio, manter a pontuao, vencer, vencer e vencer. Ainda acho vitalizador ser um jogador conseqente. E tambm acredito que as organizaes humanas fornecem o melhor ambiente de aprendizado e os maiores desafios intelectuais, muito mais do que decorar fatos de um livro. Aquilo que aprendemos no ensino formal potencializado da melhor maneira atravs da experincia, e a minha experincia no negcio da televiso me ensinou muita coisa sobre o que preciso para ser um vencedor no jogo do sucesso. Contudo, hoje reconheo que existem outros jogos que so jogados em muitos campos. E aprendi que h outras maneiras de vencer, alm de dominar a corrida do Ibope e acumular pontos mediante a aquisio de novas fatias de mercado e a expanso dos lucros. Essa lio valiosa me foi revelada como talvez j tenha sido para voc, ou provavelmente ser um dia lentamente, pela observao descomplicada e o simples suceder-se das estaes da vida. Comeou a infundir-se no meu corao de maneira significativa infiltrando-se no espao em que as minhas decises vinham sendo tomadas aproximadamente h duas dcadas, quando estava realizando grandes faanhas nos negcios e alm disso, muito pouca coisa. Foi a gnese de uma reavaliao resoluta e refletida da incrvel experincia de converso inversa que tinha chegado a mim como um relmpago naquela sala de aula do primeiro ano do ensino mdio, quando lanara mo de sonhos lcidos no meio da nvoa da juventude. Comecei a pensar no que iria fazer acerca daquilo em que acreditava.

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3 Uma estao de busca e auto-ajudaTudo tem seu tempo determinado (...) tempo de buscar e tempo de perder. Eclesiastes 3:1,6 Uma mxima querida da teoria econmica do supply-side (a teoria econmica orientada para a oferta) afirma que, ao subir, a mar levanta todas as embarcaes no oceano. No todo o mundo que concorda com essa teoria. Na rea em que atuo, o setor televisivo, no foi nada menos que uma onda de mar comercial e cultural que atravessou os Estados Unidos nos anos 1960 e 1970. O setor se converteu num colosso de lazer e informao, mudando o comportamento das pessoas e seu interrelacionamento. A minha embarcao foi levantada. Walter Cronkite, jornalista televisivo do canal CBS, hoje aposentado, no se limitou a alcanar reconhecimento mundial em nome e em rosto. O "tio Walter", como chegou a ser chamado, tambm galgou os primeiros lugares de uma lista dos homens mais confiveis da Amrica, pelo poder da televiso de conferir autoridade e celebridade, como costumava acontecer e em larga medida ainda ocorre. Como voc pode imaginar, foi uma poca particularmente afortunada e lucrativa para se encontrar no setor da televiso comercial. Ao longo de trs dcadas, em que o domnio da minha famlia se expandiu da primeira emissora de TV em Tyler at uma pletora de sistemas de TV a cabo em diversas regies do pas, Buford Television cresceu a uma taxa de 25% ao ano. H muitos anos aprendi do especialista em gesto Peter Drucker que para possibilitar um crescimento comercial constante ano aps ano, os dirigentes da empresa precisam ser loucos, corruptos ou abertos s mudanas baseadas no crescimento da empresa e nas oportunidades e desafios trazidos pela expanso. Pois bem, o setor televisivo nos deu uma carona maravilhosa de 1954 at 1986. Pouqussimos setores industriais e comerciais tiveram um perodo de crescimento ininterrupto semelhante ao que ns do setor televisivo vivenciamos durante esses anos. O crescimento slido e at mesmo espetacular de Buford Television dependeu, entretanto, em certa medida, da aceitao de mudanas judiciosas. Em meados dos anos 1980, por exemplo, a propriedade de emissoras individuais tinha deixado de ser comercialmente interessante. A maioria das pessoas podia ver entre 35 e 55 canais mediante uma conexo via cabo. Buford Television se desfez das emissoras de televiso e optou resolutamente pelo setor de TV a cabo. Os negcios, como a vida, so sazonais. As circunstncias mudam. Uma empresa, assim como uma pessoa, precisa mudar de enfoque de vez em quando, para ter um crescimento saudvel. Ainda me lembro dos pitorescos primeiros dias das transmisses do programa Monday Night Football, em que Dandy Don Meredith, ex-jogador do time de futebol americano dos Dallas Cowboys, comunicava ao pblico que o jogo estava decidido, mesmo vrios minutos antes do fim do jogo. Apaguem as luzes, dizia em seu forte sotaque do Texas, a festa acabou. Embora aprecie a sabedoria da velha sentena que diz que melhor ter sorte que esperteza, acredito que o melhor ter a inteligncia de

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perceber quando a festa acabou e que est na hora de passar ao prximo evento. Passei a ocupar a cadeira de presidente da empresa e me tornei o membro mais velho da minha famlia quando a minha me morreu num incndio que destruiu seu quarto de hotel no centro de Dallas. Minha me me ensinara muitas coisas sobre os negcios e sobre a vida. Ela era, como muitas pessoas responsveis por grandes realizaes, uma mulher de grandes fortalezas e tambm de grandes fraquezas. Era arriscada e determinada, dedicada a conseguir o sucesso nos negcios e tambm a me criar infundindo-me os dons da auto-estima e da confiana em mim mesmo. Quando estava no colegial, ela me apresentava, em todo lugar aonde amos, como "o melhor defensor esquerdo do mundo", em referncia inexata ao meu papel no futebol americano. A verdade que na primeira srie do ensino mdio eu jogava na reserva, como substituto de uni defensor esquerdo realmente muito bom. No ano seguinte, passei a jogar de fato como defensor esquerdo, mas sinceramente eu era apenas adequado como jogador de futebol americano. Ainda assim, eu adorava ouvir minha me me apresentando daquela forma, e as suas palavras me brindavam afirmao e inspirao. Contudo, minha me era tambm ingnua e muitas vezes indisciplinada fraquezas que sem dvida contriburam para as decepes e a dissoluo dos seus ltimos casamentos. Jurei que eu iria evitar esses percalos. Apesar de ter trabalhado no negcio familiar desde a minha formatura, a morte da minha me deu incio a uma nova estao da minha vida: novas responsabilidades, novas escolhas, novos sonhos. Era a hora da prxima gerao, que chegou numa poca de imensas sublevaes sociais. A vanguarda dos baby boomers (os nascidos no perodo de expanso demogrfica dos anos 1960) estava entrando na faculdade e na fora de trabalho. A guerra do Vietn parecia no ter fim. Richard Nixon planejava a reeleio, e o escndalo de Watergate estava prestes a acontecer. As perturbaes sociais no me deixavam indiferente, mas a minha prioridade estava no crescimento dos negcios e no pessoal. Na poca, me atraam particularmente os livros e as fitas de auto-ajuda e de aprimoramento pessoal. Lia tudo o que Peter Drucker tinha escrito. Fiz o curso dos Presidentes da Associao Americana de Gesto Empresarial. Participei do Programa Proprietrio / Gestor da Harvard Business School, um pacote intensivo de nove semanas que condensava os elementos principais do currculo do MBA. Sem recorrer s drogas de "expanso da mente", que eram populares na poca, visualizava os meus sonhos. Sabia que custa de um esforo coordenado da vontade eu poderia realizar aquilo que conseguisse vislumbrar e em que acreditasse. Era esse o meu credo, o meu mantra. Deixei de lado Woodstock e tentei esquecer as mazelas da Casa Branca e as dvidas sobre a confiabilidade de qualquer pessoa de mais de trinta anos de idade. Eu acreditava firmemente que podia moldar a minha vida atravs dos meus sonhos e dos desejos do meu corao. O nico elemento da minha personalidade que me preocupava nem que fosse por um instante era uma dvida passageira sobre o grau da minha intensidade e determinao em relao aos negcios. Eu sentia que esse enfoque radical poderia me custar caro em outras reas da vida. No meio da empolgao de estar efetivamente dirigindo uma empresa e colhendo as recompensas do sucesso, uma pergunta me cutucava num canto da mente: O que voc poderia estar perdendo com todos esses ganhos? Evidentemente, a vida tinha de encerrar algo mais do que apenas negcios. Ainda assim, pouco tempo depois de assumir a direo da empresa, fui para um esconderijo com um bloco de papel e embarquei numa rigorosa avaliao profissional e pessoal que possibilitaria mudanas de rumo. 19

A pergunta que dirigi a vocs no primeiro captulo fiz a mim mesmo:

[ Se a minha vida fosse absolutamente perfeita, quais seriam os seus elementos? ]Eu tinha 34 anos na poca e foi a primeira oportunidade que agarrei na vida de refletir profundamente sobre o que mais realizar e ser. As respostas me permitiriam vislumbrar' eu deveria viver. Escrevi seis objetivos: 1. Fazer com que a empresa crescesse 10% ao ano. 2. Ter um casamento vital com a minha mulher Linda e continuar casado com ela at a morte nos separar temporariamente. 3. Servir a Deus servindo aos outros: acumular um tesouro no cu ensinando e aconselhando no tempo livre na igreja que freqentvamos, ou em qualquer outro lugar onde tivesse permisso e encorajamento para fazer uso dos meus talentos. 4. Infundir um alto grau de auto-estima no nosso filho, Ross. Eu acreditava que isso seria a melhor maneira de prepar-lo para quaisquer circunstncias com que deparasse na vida. Avaliava o meu desempenho como pai no tanto pelas suas notas escolares ou vitrias esportivas, mas principalmente pela medida em que o meu filho se sentisse bem consigo. Uma parte importante disso era infundir-lhe uma f fundamentada em algo confivel, que estivesse alm dele mesmo. 5. Crescer cultural e intelectualmente, em sentidos que de alguma forma tinham fugido de mim nos meus anos de faculdade. 6. Decidir o que fazer com o dinheiro que estava ganhando e determinar quanto seria suficiente. Resolvi investir o dinheiro que no utilizava ou de que no precisava na causa mais nobre que pudesse imaginar. Qual seria essa causa? Esses seis objetivos foram a maneira pela qual consegui dar sentido ao que estava fazendo na minha vida. Enfoquei quase que exclusivamente essas reas e eliminei tudo o que no se encaixava nelas. A grande diferena em relao ao meu prvio enfoque radical no crescimento da empresa foi que tinha introduzido um elemento de equilbrio na minha vida: os ltimos cinco objetivos definiam o que era importante para mim. Eles respondiam pergunta: O que perderei com todos esses ganhos? Queria ter certeza de que no estava trocando algo que considerava sem preo o amor por minha mulher, a auto- estima do meu filho, a oportunidade de ampliar os meus horizontes aprendendo e a expresso da minha f atravs de uma vida de servio por algo que j possua em sobreabundncia: dinheiro, poder e realizao. A lista no era ento e no hoje uma relao completa dos meus objetivos de vida. Contudo, era suficiente para engajar- me numa busca dos comprometimentos e das paixes essenciais que poderiam me ajudar a entender a mim mesmo. Eu era um jogador do primeiro tempo que estava comeando a vislumbrar o segundo tempo.

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4 O pnico do sucessoChegou sorrateiramente como um ladro noite: um intruso silencioso molestando a paz das trevas, furtivo, enquanto mexia no acervo de uma vida que derramava satisfao, dinheiro, realizao e energia. O pnico do sucesso passou o limiar da porta da minha casa quando eu tinha 34 anos. Golpeou-me com um objeto: a minha devoo servil arte da barganha e a excitao da matana. Quando tudo isso teria fim? Nesse momento, o negcio da televiso tinha crescido alm de nossas previses mais otimistas. Por causa disso, havia muito tempo que eu atingira e, de fato, superara as metas fixadas para acumular riqueza. Eu tinha um Jaguar. Podia viajar para qualquer lugar que quisesse, e o fazia. Tambm atingira ou superara os alvos planejados para quase todos os outros objetivos. O pnico do sucesso chegou totalmente inesperado. Lembro de ter lido num livro do Sierra Club1 sobre o ataque ao espigo ocidental do monte Everest. Depois de gastar milhes de dlares e perder a vida de alguns companheiros de expedio, dois homens conseguiram conquistar o topo do Everest. Ali, no cume da montanha, viram o mundo do ponto mais alto. Tiveram de superar obstculos imensos para chegar ao destino, o objetivo mximo, porm a emoo que sentiam no era s de alvio, mas de alegria. Poucos minutos depois, um deles comeou a se preocupar sobre como desceriam antes que o vento os varresse do topo. Na mentalidade do primeiro tempo, o esforo para chegar ao pice c mais emocionante e satisfatrio que o prprio chegar. Quando o pnico do sucesso me atingiu, levou-me a um cruzamento que demorara muito tempo para alcanar, me forando a considerar uma srie de decises importantssimas antes de empreender qualquer outra coisa:

Eu iria colocar a linha de chegada mais adiante, para poder continuar na corrida e medir o tempo gasto para completar cada novo trecho? Dar-me-ia a permisso de estar aberto para novas possibilidades? Poderia ter uma crise de meia-idade construtiva? Depois do sucesso, o qu?

Eram perguntas difceis de enfrentar devido ao apego aos negcios e conscincia que tinha de minhas qualidades empresariais e de liderana desenvolvidas durante a carreira profissional. A arena dos negcios era o lugar onde eu provava meu valor e a minha sabedoria todos os dias; era o palco onde podia demonstrar meus talentos e minha esperteza. Era um mundo confortvel para mim, no apenas por ser familiar, mas tambm por ser um mundo que esperava que eu fosse exigente, e no amoroso. Era mensurvel. Francamente, eu estava com medo da idia de voltar a me dedicar ao trabalho da igreja e do servio: aqueles antigos desejos, nunca totalmente esquecidos, de me dedicar ao sacerdcio que tinham me assoberbado quando criana.

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Um dos mais antigos e mais efetivos grupos de conservao da Amrica.

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O sacerdcio, como eu sempre o entendera, era amoroso, mas no muito exigente: o exato contrrio do mundo real que fora minha muito alegre moradia por quase 25 anos. Parecia por demais macio, bonito, fora deste mundo, difcil de ser medido. Ainda por cima, todos os meus amigos me encorajavam fortemente a permanecer frente de uma empresa de sucesso. Porm, como aconteceu com Elias, a voz mansa e delicada quase inaudvel, sempre suave continuava me chamando enquanto ficava sentado ali, num suor frio de meia-idade causado pelas chamas ainda rugientes do meu sucesso. A voz mansa mas insistente me pedia que reconsiderasse nada menos que uma pergunta que eu tinha adiado e suprimido durante toda a minha vida adulta:

[ Voc percebe a diferena entre ser chamado e ser impelido? ]Em simples palavras, eu tinha chegado ao ponto em que teria de tomar outra deciso fundamental. Como quase todas as decises na vida real, no se tratava de uma opo radical entre preto e branco, indulgncia e rigor, liderana e servilismo, e sim de algo que se encontraria na rea cinza entre esses extremos polares. Entretanto, enfrentar essa pergunta apenas serviu para enfatizar o preo c a glria de assumir o compromisso de pr em ao na minha vida as minhas crenas mais essenciais e os meus comprovados talentos. Foi mais um episdio til na minha busca por sentido, que me preparou para a iminente indagao dentro de mim mesmo, a investigao que iria me ajudar, finalmente, a desvendar a fonte da minha satisfao e dos meus desejos. Pois foi essa pergunta que me fizera inquirir o que poderia estar perdendo com todos esses ganhos. A minha preocupao era a de me tornar viciado em sucesso. E uma zona delicada e perigosa a interface entre sucesso e sentido: obter o mximo de sucesso sem se tornar refm dele, sem ser aprisionado por ele. Manter o sucesso em posio subalterna, evitando sucumbir a ele. E uma tenso semelhante cena de Atrao fatal em que Michael Douglas est sentado frente a Glenn Close, sabendo que a mulher dele estar viajando durante todo o final de semana e enlouquecendo de desejo. Ele est no limiar entre se manter mestre do seu desejo e cometer um ato que o tornar escravo. Ele optou por ser escravo, e eu sabia que estava na hora de fazer a minha prpria escolha.

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5 Localizando o princpio motorNa minha hora de maior necessidade, a graa de Deus me levou a um ateu. Mike Kami consultor de planejamento estratgico. Ele brilhante, exigente, intuitivo. Ele pe de lado todas as pretenses e as mscaras e logo percebe a essncia das coisas. Consulente principal de recursos da Associao Americana da Indstria, Kami j foi diretor de planejamento estratgico da IBM, durante os anos de crescimento vertiginoso dessa empresa. Sucessivamente, a companhia Xerox o convenceu a deixar a IBM para trabalhar com eles e repetir o mesmo desempenho. Ele independente, iconoclstico e impiedoso em suas anlises. No acredita em Deus mas eu posso testemunhar que ao menos na minha vida Deus se manifestou sem sombra de dvida no trabalho de Mike Kami. Eu estava acostumado a elaborar planos estratgicos peridicos para a minha empresa. Esses planos eram o referencial para que ns na empresa pudssemos medir a nossa eficcia em realizarmos os nossos sonhos comuns. Eles eram fceis de serem produzidos e, na maioria das vezes, era divertido p-los em prtica. Entretanto, agora a situao era essencialmente diferente. Eu precisava elaborar um plano estratgico para mim. Peguei os meus sonhos e desejos embaralhados, listas de pontos fortes e pontos fracos, profisses de f, projetos iniciados e semi-iniciados, coisas para fazer e coisas para desistir de fazer. Eu estava feito um embrulho de ambies complementares e conflitantes, uma cacofonia de rias e gorjeios barulhentos do tipo que se escuta quando os msicos da orquestra esto se aquecendo para o concerto e afinando os instrumentos. O que deveria fazer? Como poderia ser o mais til possvel? Onde deveria investir os meus talentos, o meu tempo, o meu tesouro? Quais so os valores que do sentido minha vida? Qual a viso suprema que me d forma? Quem sou? Onde estou? Aonde estou indo? Como irei chegar l? Neste furaco de perguntas, Mike Kami me fez uma pergunta simples e penetrante:

[ O que h na caixa? ]Quando pedi que se explicasse melhor, Mike relatou uma experincia que tivera com um grupo de executivos da Coca Cola e com o plano deles de introduo da "Nova Coca Cola". Os lderes corporativos disseram a Mike que o princpio motor e a fonte de sucesso da empresa deles era "sabor excelente". Fizeram muitos testes de sabor, encontraram uma nova frmula com um sabor melhor do que a Coca Cola original, dali a pouco introduziram a Nova Coca Cola e imediatamente sofreram uma das maiores derrotas de marketing de todos os tempos. Chamaram Mike de volta para outra sesso de planejamento. Vocs devem ter colocado na caixa a palavra errada, disse ele. Vamos tentar de novo. Algumas horas depois, eles acharam algo diferente para colocarem na caixa: tradio americana. Os executivos reconheceram que retirar a Coca Cola original do mercado equivalia a mexer com uma verdadeira instituio americana, como o amor-de-me ou a torta de ma. Tendo encontrado a palavra certa para colocar na caixa, a empresa conseguiu se recuperar rapidamente daquela pisada de ovos monumental. Quanto a mim, enquanto procurava a palavra certa para colocar na caixa,

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expliquei a Kami que estava aberto a novas empreitadas e possibilidades. Disse a ele que havia compreendido gradualmente que no precisava ser um profissional da religio ou um sacerdote ordenado para fazer jus s minhas convices crists, c o adverti de que eu estava mesmo determinado a transferir ao menos uma parte da minha energia da conduo dos negcios para um campo no muito bem especificado de servio. O que provavelmente representava uma advertncia dirigida tambm a mim mesmo. Pois bem, Kami tomou as minhas palavras ao p da letra. Explicou que no conseguiramos elaborar um plano honesto para a minha vida antes de eu identificar o princpio motor dela. Estive ouvindo voc umas duas horas, disse, e vou lhe perguntar o que est na caixa. Para mim, ou o dinheiro, ou Jesus Cristo. Se voc puder me dizer qual desses dois, vou lhe dizer quais so as implicaes dessa escolha em termos de planejamento estratgico. Se no puder me dizer, ir continuar oscilando entre esses dois valores e permanecer confuso. Ningum tinha me feito uma pergunta to significativa como essa de uma forma to direta. Depois de poucos minutos (que pareceram horas), eu disse: Bem, se tiver de escolher uma das duas, vou colocar na caixa Jesus Cristo. Foi um ato de f e representou um desafio assustador para estar aberto s mudanas e aventura. Mais do que isso, foi um compromisso para fazer alguma coisa com a f que eu j possua. Reconhecendo Cristo como sendo a minha luz guia, tinha invocado a promessa de que ele iria guiar as minhas andanas, onde quer que elas me levassem. A nossa sesso de planejamento aconteceu num lugar paradisaco da Califrnia. Minha mulher, Linda, estava conosco, para poder se envolver nas discusses e no planejamento. Nem eu nem ela tnhamos plena noo de onde exatamente nos estvamos metendo e ambos estvamos bastante apreensivos. Kami nos impulsionou sem trgua, e com xito. Descobri que colocar Cristo na caixa na verdade um sinal de contradio, um paradoxo. Significa quebrar as paredes da caixa e permitir que o poder e a graa da sua vida invadam todos os aspectos da nossa vida. E uma escolha que obedece mesma lgica maravilhosamente invertida da antiga sentena pela qual dando que se recebe, a fraqueza a fora e morrendo nascemos numa vida mais rica. Tinha escolhido fazer de Cristo a minha primeira lealdade, mas no a minha lealdade exclusiva. Era uma distino importante, pois ainda tinha lealdade para com Linda, o trabalho, os amigos e os projetos. Cristo o centro de tudo isso, mas no se oporia a essas outras coisas que me do equilbrio e plenitude. Para mim, a lgica desta lealdade me levou a manter a minha ligao com a empresa, trabalhando na retaguarda como presidente do conselho e dedicando mais ou menos vinte por cento do meu tempo a definir a viso e os valores da empresa, escolher os executivos principais, estabelecer padres e monitorar o desempenho. Os outros oitenta por cento do meu tempo ficam por conta de uma pletora de outras atividades, a maioria das quais envolve treinamento de liderana para igrejas e outras organizaes no-governamentais: servindo quem serve os outros, ajudando-os a serem mais eficazes no seu trabalho. Vou ser honesto com vocs: ainda tenho uma cobertura na cidade, uma chcara luxuosa numa fazenda no Texas oriental e um carro Lexus novinho. No acredito que faa parte do meu chamado assumir um estilo de vida radicalmente diferente daquele que tem sido o meu durante toda a minha vida. Muitas pessoas evitam assumir os riscos envolvidos na busca por um segundo tempo melhor porque acreditam por engano que isto implicaria uma mudana radical de estilo de vida. 24

Entretanto, eu acredito que Deus nos criou como somos e nos permitiu viver como vivemos porque tinha um propsito nisso. Em relao a isso, o que fazemos com aquilo em consequncia da nossa histria, e a minha histria no monstica. Acredito sinceramente que Deus usa as pessoas mais fortes e improvvel que ele queira nos mandar passaramos de diletantes incompetentes. que acreditamos uma foi nem missionria nem nas reas em que elas so para reas cm que no

Sou consciente de que no todo mundo que pode dedicar apenas vinte por cento do prprio tempo vida profissional. Entretanto, no deixe que a necessidade de trabalhar para pagar as contas seja um fator limitante da graa que Deus tem reservada para voc no segundo tempo. No deixe que a segunda metade da sua vida seja caracterizada por declnio, tdio e uma eficcia cada vez menor no seu trabalho em prol do Reino. Oua com ateno aquela voz mansa e delicada e faa uma indagao honesta dentro da sua alma. O que tem na sua caixa? E dinheiro? Carreira? Famlia? Liberdade? Lembre, voc pode ter apenas uma nica coisa dentro da caixa. Independentemente de qual seja a sua posio na vida, uma vez que tiver identificado o que tem na sua caixa, conseguir enxergar o conjunto de atividades acompanhadas de momentos tranquilos para disciplinas espirituais, leitura e reflexo que engajam aquela sua nica coisa e mantm voc numa trajetria de crescimento. Entretanto, fique esperto. Crescer nem sempre fcil.

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6 Adeus, RossEu estava, pois, navegando feliz pela minha crise de meia-idade construtiva, hasteando a minha nica coisa no mastro da embarcao, as velas inchadas por uma brisa aprazvel. Nessa hora, sem aviso, veio ao meu encontro uma onda velhaca, que virou o barco. Eu tinha vivido a minha vida mais ou menos em paz com a idia de que existem coisas que voc sabe, coisas de que voc desconfia e coisas que voc simplesmente nunca ir compreender. Ningum menos que o prprio Aristteles lidou com o assunto quando afirmou que a alma opera em dois nveis: o racional, que apreende o que pode ser visto e medido, e a esfera alm do racional, que desafia a compreenso humana e pertence ao domnio dos deuses. Este fato novo, porm, ainda ameaava jogar-me noutra dimenso: o campo dos desesperados. Meu filho Ross nosso nico filho era um rapaz de muita promessa. Era meu herdeiro, meu sucessor e, de maneira que podem parecer estranhas a vocs, mas inteiramente reais para mim, um de meus maiores heris. Depois de se formar na Universidade Crist do Texas em Fort Worth, Ross se mudou para Denver para comear a trabalhar num banco de investimento. Seria uma preparao para sucessivamente voltar para o Texas, onde entraria na empresa familiar e aos poucos iria assumir posies de responsabilidade e liderana. No primeiro ano de trabalho ganhou 150 mil dlares, e no segundo ano, que s chegou a comear, poderia facilmente ter superado os 500 mil dlares de renda. Nesse ramo de atividade, havia muito dinheiro para se ganhar no fim dos anos 1980. Entretanto, muito mais importante do que seus sucessos financeiros o fato de Ross ter sido um ser humano bom determinado, enrgico, sensvel , com talentos maravilhosos nas relaes interpessoais. Ele tinha muitos amigos e adorava a vida com todos os seus prazeres e suas ambiguidades. Na noite de 3 de janeiro de 1987, recebi uma ligao de meu irmo Jeff, que me disse que Ross e dois amigos tinham tentado atravessar a nado o Rio Grande, que separa os Estados Unidos do Mxico. Parece-me que a coisa est feia, advertiu Jeff com uma voz que no deixava lugar para dvidas. Ross est desaparecido no Rio Grande. O que levou os trs rapazes a mergulharem no Rio Grande foi uma brincadeira: queriam provar a experincia dos imigrantes clandestinos que atravessam a fronteira de gua para passar terra prometida. Ross tinha 24 anos e foi a ltima aventura dele nesta vida na terra. Meu irmo me informou que os Texas Rangers estavam coordenando a busca por Ross e por um de seus companheiros; o terceiro rapaz estava vivo e desesperado quanto ao destino dos amigos. Peguei um avio at o Vale do Rio Grande para tomar parte na busca, chegando no alvorecer do dia seguinte. Aluguei avies, helicpteros, barcos, agentes com ces farejadores: tudo o que o dinheiro podia comprar. As trs da tarde olhei nos olhos de um dos buscadores e compreendi que nunca mais veria Ross nesta vida. Lembro que andei na cima de um penhasco rochoso talvez setenta metros acima das guas turvas e traioeiras do rio, mais assustado que em qualquer outro momento da minha vida. Isto algo que voc no pode afastar com um sonho, disse para mim

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mesmo. Isto algo de que voc no pode fugir com o pensamento, com o dinheiro, com o trabalho. Tudo estava evidente demais nessa solido enlouquecedora no penhasco sobre o rio. Isto, pensei, algo que voc pode apenas confiar que ir superar. O incompreensvel estava estalando ao meu redor e no havia nada que me ajudasse a compreend-lo que no fosse uma perspectiva eterna. Albert Einstein certa vez disse que o que incompreensvel est alm do domnio da cincia. Est no domnio de Deus. O que tinha acontecido estava verdadeiramente no domnio de Deus. Lembro ter dito uma orao que, retrospectivamente, me parece ser o pedido mais inteligente que eu j fiz aos cus: Meu Deus, implorei, de alguma maneira, dme a capacidade de aceitar e absorver qualquer bno que as pessoas possam me trazer nesta hora terrvel. Amm. A busca por Ross e seu amigo continuou, e as bnos foram abundantes na minha vida e nas minhas relaes. Encontraram o corpo de Ross na primavera, mais de quatro meses depois, quinze quilmetros abaixo do lugar da tragdia. Antes disso, tnhamos encontrado na mesa dele, na casa de Denver, uma cpia manuscrita de seu testamento, datado de 20 de fevereiro de 1986, menos de um ano antes do desaparecimento. Durante o longo inverno de medo e incerteza, suas palavras tambm foram uma bno para mim. Bem, se voc est lendo o meu testamento porque, obviamente, estou morto, iniciava Ross. Como ser que terei morrido? Provavelmente de repente, seno teria tido tempo para reescrever isto. Embora eu esteja morto, acho que uma coisa deveria ser lembrada, isto , que eu fiquei superbem durante todo esse tempo. Mais importante, preciso ressaltar que agora estou num lugar melhor. O testamento indicava como queria que seus bens fossem distribudos, e Ross concluiu o documento com esta bno: Concluindo, eu amei a todos vocs e lhes agradeo. Vocs fizeram da minha vida uma vida fantstica. Vo para cima, no para baixo, e eu estarei esperando por vocs na porta do cu. E s procurar o cara de velha cala cqui, chapu de cowboy e camisa gasta, com culos RayBan c um sorriso Jack Nicholson. Tambm dou graas a Deus por ter a oportunidade de escrever isto antes de falecer. Obrigado. Adeus, Ross. Com todo o horror e a tristeza que representou e representa para mim t-lo perdido, o desaparecimento e a morte de Ross tambm me trouxeram os melhores momentos de rara percepo e os maiores gestos de bno e alegria imensurveis da minha vida. O vazio e a quebra, incondicionais, me deixaram com sentimentos ao mesmo tempo horrveis e maravilhosos. Abraos estreitos e silenciosos de amigos, cartas e ligaes cheias de interesse humano e de emparia e refeies caridosas preparadas e trazidas at a nossa casa foram sinais de amor muito necessrios. Uma carta, em especial, nos mostrou o quanto a vida de Ross tinha sido uma testemunha para os que estavam perto dele: Prezados sr. e sra. Buford, Ross e eu ramos grandes amigos. Tudo o que tinha, Ross dividia comigo. Dividia seus pensamentos e suas idias, suas alegrias e suas dores; dividiu muitas risadas. Mais importante de tudo, dividiu o seu amor. Agora Ross tem um novo grande amigo, com quem est neste momento. Entretanto, assim como antes, Ross continua compartilhando. Hoje, est compartilhando seu novo grande amigo com o seu antigo grande amigo. Dou graas a Deus por Ross e agradeo a Ross por Deus... 27 Ronnie

Apesar do conforto que essas palavras trouxeram, tive de me apoiar em Deus completamente nessas semanas terrveis aps a morte de Ross, muitas vezes lembrando o versculo da Bblia Confia no Senhor de todo o teu corao e no te estribes no teu prprio entendimento. Aprendi que Deus de fato suficiente e a sua fora se torna perfeita na fraqueza. Aprendi que na minha vida na Terra eu vivo como: Um peregrino Um Guia Um soldado que no est que no que no tem no controle proprietrio segurana

Existe uma orao simples dos Quakers sobre dar e receber que pronunciei na noite depois de perder Ross e que ainda hoje utilizo com freqncia. Como os Quakers usam as mos como um tipo de artefato ou smbolo religioso, a primeira parte da orao se faz com as palmas para cima, visualizando-se no ato de receber tudo o que se precisa de Deus. A segunda parte se faz com as mos voltadas para baixo, visualizando todas as prprias tristezas e preocupaes sendo depositadas no colo de um Deus benevolente e amoroso. Recorri a esta orao fsica quando tomei a palavra numa igreja duas semanas e meia aps o enterro de Ross. Deus, falei, com as mos voltadas para cima, Tu puseste a minha vida nas minhas mos. Eu a devolvo. O meu tempo, os meus bens, a minha vida mesma... sabendo que ela apenas um instante se comparada com a minha vida contigo (e com Ross) na eternidade. Voltando as palmas para baixo, continuei: Pai, deposito em ti as tristezas e as preocupaes deste mundo, sabendo que me amaste o suficiente para entregares teu nico Filho por mim. Sou um pecador que precisa de um Salvador e, mais uma vez, aceito o que fizeste para mim como sendo suficiente. Em nome de Jesus. Amm. Em sua carta aos romanos, Paulo escreveu uma mensagem de conforto que deu coragem a milhes de fiis angustiados, desesperados e quebrados, durante sculos: Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que so chamados segundo o seu propsito (Rm 8:28). Realmente, todas as coisas cooperam, mas unicamente numa perspectiva eterna. Eu moro em dois mundos. Um o mundo da agitao e dos negcios. o mundo da barganha e da contagem dos pontos, da bolsa de valores em alta vertiginosa ou despencando precipitadamente. Este mundo como uma nuvem: ir perecer. O outro mundo em que moro aquele onde Ross est agora: o mundo da eternidade. E a realidade desse segundo mundo que me permite responder com confiana: Adeus, Ross, por enquanto. Esta perspectiva eterna me fez voltar, com enorme consolao, paixo eloqente de George Bernard Shaw pela vida e ao seu conceito da responsabilidade de consumila todos os dias. Me regozijo da vida por ela mesma, escreveu ele. Para mim a vida no nenhuma vela curta. E uma espcie de tocha esplndida que estou segurando por ora, e quero faz-la queimar com o maior brilho possvel antes de entreg-la s geraes futuras. Um motivo que tenho para incluir o meu caro Ross numa breve lista de grandes heris porque apesar da jovem idade ele no era nenhuma vela curta. Ele era uma tocha esplndida vital, carismtica, magntica, atrativa cheia dos atributos que todos gostaramos de ter em maior abundncia. Ross usou seus talentos plenamente. Ele no foi avarento consigo mesmo, mesmo sendo to poucos os seus dias. A morte de Ross, mesmo trgica, foi uma inspirao para que eu queime com muito brilho enquanto ainda de dia. 28

John Donne, um famoso poeta ingls, escreveu uma vez: Nenhum homem uma ilha, inteira em si; todo homem uma parte do continente, um pedao do territrio todo... A morte de qualquer homem me diminui um pouco, pois estou envolvi- do com toda a humanidade e, portanto, no mandes perguntar por quem o sino est dobrando; ele dobra por ti. Permita-se escutar o som do sino. E antes que dobre por voc, permita que seja o chamado do seu despertar.

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Segunda parte O intervaloA questo entender a mim mesmo, enxergar o que Deus realmente quer que eu faa... encontrar a idia pela qual eu possa viver e morrer. Sren Kierkegaard

7 Fazendo um balanoToda a infelicidade dos homens vem de uma s coisa, que no saberem ficar quietos dentro de um quarto... No essa vida mole e tranqila, que nos deixa tempo para pensar na nossa infeliz condio, que procuramos; como no so os perigos da guerra, nem os aborrecimentos dos empregos; o rudo, que nos desvia de pensar na nossa condio e nos diverte. Pois a caa e no a presa que procuramos. Da amarem tanto os homens o rudo e a agitao; da ser a priso um suplcio to horrvel; da o prazer da solido se tornar uma coisa incompreensvel. Pensamentos, de Pascal Meu pai era caador. Meu filho tambm era. O cdigo gentico que desencadeou neles o impulso primai, aventureiro, esportivo do caador, comigo parece ter pulado uma gerao. Eu me considero mais um jogador, pois prefiro esportes com resultados mais fceis de serem medidos, onde o relgio por vezes um aliado e por vezes um adversrio. Tenho uma predileo para com o futebol americano, em que aps cada quarto de partida feito um balano estatstico, e para o esporte dos negcios, onde tambm quatro vezes por ano feito um balano trimestral. Em ambos os casos, no fim do jogo se tem um resultado final. Gosto de acompanhar resultados. Entretanto, Pascal tinha razo: muitos de ns procuramos a caa, e no a presa. Temos mais prazer com a perseguio do que com a conquista. Submergidos no dia-adia da existncia, raro darmos um tempo para vivenciarmos a maravilha e a quietude da solido, onde a voz de Deus se faz mais presente. Se eu fosse mdico e me pedissem conselho, disse certa vez o telogo e historiador Sren Kierkegaard, responderia: faam silncio. O intervalo do jogo no pode ser barulhento. O primeiro tempo foi barulhento, agitado, quase frentico. No que a gente no queira ouvir aquela voz mansa e delicada. que nunca parecemos ter tempo para isso. Tente reconstruir a sua agenda de cada dia das ltimas duas semanas. Provavelmente nem conseguir lembrar o que fez ontem, que dir h duas semanas. Olhando na agenda descobrir o porqu: voc tinha tantas coisas para fazer que seria impossvel se lembrar de todas.

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Eram todas atividades importantes. Eram o tipo de coisas pelas quais estaria disposto a morrer? Voc fica animado pensando que isso vai continuar assim? A expectativa de que o trabalho represente algo alm do salrio, que d sentido vida, vem provocando crises de meia-idade, desorientadoras e desanimadoras, para muitos trabalhadores americanos. So milhes os que, com mais ou menos quarenta anos, ao invs de sentirem que atingiram o mximo de seu poder ou o cume de suas carreiras, sentem-se aprisionados. Presos num emprego que no apresenta para eles quase nenhum desafio; presos em relacionamentos estagnados, quando no destrutivos; presos nas consequncias de escolhas feitas numa gerao anterior. A faculdade de economia de Harvard oferece um workshop interessante, chamado de Idade das Opes, dirigido a pessoas que esto no meio de suas vidas. O objetivo garantir que a prxima fase da carreira dos participantes seja realizadora e significativa. Os participantes so orientados a reavaliarem os caminhos de desenvolvimento profissional e definirem as escolhas futuras em termos de demandas e inclinaes pessoais. Citei isto no para promover um workshop de Harvard, e sim para frisar o quanto essa exigncia prevalente na nossa cultura. A medida que a gerao dos que nasceram nos anos 1960 (poca do baby boom nos Estados Unidos) vai chegando aos quarenta anos de idade, aumenta o nmero dos que chegam metade da vida. No anormal, e no deveria ser motivo de excessiva preocupao, sentir a necessidade de uma mudana. O erro mais comum cometido pelos que comeam a se sentir assim o de ignorar a voz que lhes pede que parem e escutem. H muitas maneiras de ignorar essa voz. Alguns simplesmente redobram esforos, considerando que precisam de mais disciplina e mais enfoque. Outros recorrem a diverses, que podem ser saudveis ou temerrias. A maioria, acho, cai num estado de sonambulismo no qual se fora a permanecer at a aposentadoria. Nenhuma dessas estratgias lhe serve para fazer com que o segundo tempo da vida seja melhor que o primeiro, pelo contrrio, podem fazer com que seja pior. Se voc est ouvindo uma voz lhe falando baixo, est na hora de se dirigir ao vestirio, respirar fundo c preparar-se para o segundo tempo: um segundo tempo melhor do que o primeiro. Para um tcnico de futebol e seu time, a hora de fazer um balano e avaliar o que foi feito. O que funcionou? O que no deu certo? Jogadas que no deram certo sero modificadas ou abandonadas no segundo tempo, e novas jogadas, elaboradas e acrescentadas. Muitas vezes, um bom segundo tempo depende do que aconteceu no intervalo do jogo. Ao fazer o balano, faa-se estas perguntas, todas semelhantes: Qual a minha paixo? Como sou estimulado? Onde meu lugar? Acredito no qu? O que vou fazer acerca daquilo em que acredito? Ou, seguindo a sugesto de Peter Drucker para os que esto procurando a tarefa da vida: Quais so os meus valores, as minhas aspiraes, os meus rumos, e o que devo fazer, aprender, mudar, para me tornar capaz de satisfazer as minhas ambies acerca de mim e minhas expectativas acerca da vida? No posso lhe dizer exatamente como responder a essas perguntas, mas posso compartilhar em forma de conceitos gerais o que mais funcionou comigo quando estava me preparando para voltar ao campo de jogo. Faa as pazes. Muitas pessoas abordam a segunda metade da vida carregando arrependimentos acumulados na primeira metade. (Deveria ter passado mais tempo com a minha famlia, Deveria ter desenvolvido relacionamentos melhores, Deveria...) O arrependimento uma emoo difcil de domesticar, persegue-nos em formas que acabam sugando a nossa fora e a nossa inspirao para superar o que

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passou e encarar o futuro. Portanto, uma das primeiras coisas que voc precisa fazer no intervalo c fazer as pazes com as questes herdadas do primeiro tempo. Isso no significa que voc tenha orgulho de tudo o que fez ou que no mudaria nada em sua vida se pudesse. Qualquer anlise retrospectiva honesta ir revelar muitas coisas que voc gostaria de ter feito de outra forma. O truque evitar de enxergar essas coisas fora de proporo e aceit-las como um fator inevitvel do crescimento. Um amigo meu estava arrependido pela forma com que criara o prprio filho. Expressou esses arrependimentos a um conhecido da famlia e encontrou conforto na resposta dele: No adianta muito resmungar sobre as coisas que voc fez ou deixou de fazer no passado. Na poca, voc fez o melhor que pde, em funo dos seus conhecimentos e da sua experincia. Voc no fez nada com a inteno de decepcionar seu filho, mesmo que agora, com o benefcio de alguns anos de experincia, voc perceba que poderia ter feito as coisas de outra maneira. No se culpe por boas intenes que podem ter sido aplicadas de forma inadequada. J que no pode voltar atrs e desfazer os erros do passado, voc tem apenas duas opes. Pode se roer pensando nesses erros e se desgastar com os efeitos que possam ter trazido para a sua famlia e a sua carreira ou pode se conciliar com eles mediante a graa divina, aceitando-os como marcos dolorosos atravs dos quais poder aprender algo que lhe ser til no segundo tempo. O intervalo no o momento de se castigar pelo que voc deixou de fazer, e sim a hora de se conciliar com os fracassos e reconhecer que voc vive na graa divina. Tome seu tempo. O maior erro que muitos de ns cometemos no primeiro tempo no tomar tempo suficiente para as coisas que so realmente importantes, portanto quando entramos no intervalo precisamos ter o cuidado para no repetir o mesmo erro. Naturalmente, isso requer um certo grau de disciplina e de gesto do tempo, e haver uma tendncia para enxergar isso como mais um compromisso na sua agenda que j est sobrecarregada. Voc no entraria, entretanto, no intervalo se no tivesse a determinao de mudar algumas coisas em sua vida. H algum tempo tive o prazer de conhecer Konosuke Matsushita, presidente da grande empresa japonesa de eletrnica, extremamente bem-sucedida, de mesmo nome. Matsushita adota a prtica, bastante comum na sia, de se retirar de vez em quando no jardim para se dedicar contemplao e reflexo. Quando Matsushita entra numa sala, o carisma palpvel. Sem proferir uma palavra, ele transmite uma profunda sensao de equilbrio e de elegncia reservada. Acredito muito na prtica de se afastar da multido por um perodo de tempo para se dedicar a esse tipo de reflexo prpria do intervalo entre os dois tempos do jogo. Esta prtica tem se tornado um hbito do meu segundo tempo: reservo um tempo para a introspeco durante quase todos os finais de semana. Poucas horas de leitura e reflexo ininterruptas so o manancial que me fornece a gua vital para alimentar as atividades do resto da semana. Para voc, isto poderia ser qualquer coisa desde levantar uma hora mais cedo para meditar em silncio at passar um final de semana prolongado num hotel em outra cidade. Demorou quase vinte anos para voc chegar no intervalo. No espere, portanto, resolver todas as pendncias do primeiro tempo e planejar o segundo em poucas horas apenas. Para a maior parte de ns, o intervalo dura vrios meses ou anos. E nunca ir acontecer se no dedicarmos a ele todo o tempo necessrio. Seja metdico. O intervalo muito mais do que sentar numa poltrona e meditar. E mais do que dedicar um certo tempo a pensar, orar e brincar. Um intervalo bemsucedido precisa ser estruturado. Planeje um cronograma que permita abordar uma a 32

uma todas as questes importantes. Esse cronograma dever incluir tempo para orar e ouvir, ler a Bblia e pensar. Entretanto, ter tambm de incluir algumas perguntas ponderadas. A lista que segue pode conter algumas dicas: Estou perdendo algo importante na vida? O que me apaixona? Quem sou eu? O que tem valor para mim? O que quero fazer daqui a dez anos? Vinte anos? Quais dons concedidos por Deus foram aperfeioados com a passagem do tempo? Eu estaria disposto a morrer pelo qu? O que h no meu trabalho que me faz sentir aprisionado? Quais mudanas reais posso fazer no meu emprego? Estaria disposto a aceitar um trabalho menos estressante (e com menor remunerao) para ser mais feliz, para estar mais perto do meu verdadeiro eu? Quais passos concretos preciso tomar amanh para que o meu segundo tempo de vida seja melhor que o primeiro?

E aconselhvel anotar as suas respostas num caderno ou num dirio. Escrevo todos os dias uma espcie de autobiografia espiritual: a histria sagrada da minha existncia muito humana, a busca incessante pela parte mais nobre e mais decente de mim. Se isso pode parecer um pouco vaidoso e orgulhoso, porque voc ainda est com um p no primeiro tempo. A sua nica coisa ainda est trancada na cmara mais sagrada do seu corao. Abra o corao e deixe que as respostas fluam at as pginas da prpria histria. Compartilhe a viagem. No consigo imaginar a viagem de transio do primeiro ao segundo tempo da minha vida sem a companhia de minha mulher. Linda estava comigo quando tive de escolher entre colocar uma cifra ou uma cruz na caixa que representava o que era mais importante na minha vida. Ela no vacilou quando desenhei a cruz, mas tambm no foi uma companheira silenciosa. Fez perguntas, sugestes, me manteve honesto. Se o seu casamento uma verdadeira parceria (como eu acredito que deva ser), seria errado que voc impusesse todo um novo estilo de vida ao seu cnjuge sem antes consult-lo. Seja honesto. Algumas pessoas cometem o erro de utilizar o intervalo para fantasiar, projetando esperanosamente vrias imagens de si mesmos em situaes que nunca acontecero. Em qualquer outra circunstncia, isto se chama devaneio e no nada de ruim para se fazer no trajeto de volta do trabalho para casa. Preparar-se, portanto, para um segundo tempo melhor no nenhum devaneio. Voc precisa enfrentar honestamente as questes difceis, chatas, sobre finanas, outros membros da famlia, objetivos de longo prazo etc. E quando voc de fato se faz as perguntas difceis, no d o truque nas respostas. Para que o segundo tempo seja melhor que o primeiro, voc precisa descobrir quem voc realmente . Durante a maior parte do primeiro tempo, voc teve de ser outra pessoa. No foi dissimulao, e sim a realidade nua e crua de todos ns que galgamos os degraus da escada do sucesso. O eu do segundo tempo o seu verdadeiro eu, portanto seja honesto o suficiente para descobri-lo.

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Seja paciente. Demorou quase duas dcadas para voc alcanar este ponto. Voc no pode desfazer tudo de um dia para o outro. Ainda tem de ir trabalhar amanh. As contas vo chegar na sua casa. Os clientes vo