boas praticas na educação

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ISSN 1677-9010 / www.aslegis.org.br Cadernos ASLEGIS ASSOCIAÇÃO DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS E DE ORÇAMENTO E FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS http://bd.camara.leg.br

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Boas Praticas na Educação

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  • ISSN 1677-9010 / www.aslegis.org.brCadernos ASLEGIS

    ASSOCIAO DOSCONSULTORES LEGISLATIVOS E DE ORAMENTO E FISCALIZAO FINANCEIRA DA CMARA DOS DEPUTADOS

    http://bd.camara.leg.br

  • Claudionor Rocha*Consultor Legislativo da

    rea de Segurana Pblicae Defesa Nacional

    Boas prticas nasredes de ensino

    Ana Valeska Amaral GomesMestre em Educao e especialista em

    Polticas Pblicas, consultora legislativa da rea XV Educao, Cultura e

    Desporto, na Cmara dos Deputados

    153

  • Resumo

    Palavras-Chave

    O artigo apresenta as melhores prticas de 37 redes de ensino pblico municipal no Brasil, destacadas pelo Unicef a partir do Indicador de Desenvolvimento da Educao Bsica (Ideb), e dos sistemas de ensino de melhor desempenho no mundo, selecionados por Barber e Mourshed a partir do Programa Internacional de avaliao de alunos da Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (PISA/OCDE). O objetivo identificar o que fez diferena em termos de polticas pblicas para que alcanas-sem bons resultados de aprendizagem para o conjunto dos alunos.

    Educao bsica: boas prticas em educao, re-formas educacionais, polticas educacionais.

    Abstract

    The article presents basic education succes-ful practices implemented in the 37 brazilian municipalities included in Unicefs research Redes de Aprendizagem as well as the ones adopted by the worlds best performing schools systems according to OECDs Programme for International Student Assessment (PISA) rank. The goal is to identify the common initiatives which could be considered the key of success.

    KeywordsBasic education: best practices in education, education reform, educational policies.

    154

  • 155Artigos & Ensaios

    Introduo

    H mais de uma dcada os problemas de baixa qualidade do ensi-no brasileiro comearam a ser identificados de forma sistemtica pelo Poder Pblico. So de 1995 os primeiros resultados compa-rveis obtidos pelo Sistema de Avaliao Nacional da Educao Bsica, o Saeb, implementado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP).

    De l para c, os instrumentos e metodologias de avaliao foram sen-do aperfeioados e/ou ampliados de modo a obter um diagnstico cada vez mais preciso do sistema educacional brasileiro. Atualmente, alm do SAEB 1 a educao bsica conta, nacionalmente, com o Prova Brasil, o ENEM e o Provinha Brasil.

    Houve um salto significativo no campo da avaliao, mas nos falta im-pulso similar no campo da gesto. Depois de tantos indicadores frustrantes apontados pelas avaliaes, comearam a surgir iniciativas buscando ressaltar medidas que podem fazer a diferena para garantir a qualidade da educao que oferecida. As chamadas boas prticas sempre foram um excelente nicho na educao, mas estiveram em grande parte voltadas para os aspectos peda-ggicos, afinal o professor pode se beneficiar muito dos relatos de experincias bem-sucedidas em sala de aula.

    Acontece que os gestores pblicos tambm podem se beneficiar do xito da experincia de seus colegas e, mais que isso, podem se sentir motivados a introduzir mudanas em suas redes de ensino. Mudanas dependem de deciso, mas sobretu-do de ao. Por sua vez, pais, mestres e alunos tambm devem ser informados sobre iniciativas que tm potencial para melhorar a aprendizagem dos alunos.

    Entre 2007 e 2008, foram lanadas duas pesquisas cujo objetivo era disseminar as melhores prticas de redes de ensino. Michael Barber e Mona Mourshed,com apoio da McKinsey e Co., analisaram 25 sistemas educativos do mundo todo2,

    1 Na verdade, desde 2005, o Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (Saeb) se sub-dividiu em Avaliao Nacional da Educao Bsica (Aneb), feita de forma amostral, a cada dois anos, com alunos da 4 e 8 srie do ensino fundamental e 3 ano do ensino mdio, e a Avaliao Nacional do Rendimento Escolar (Anresc). A Anresc, mais conhecida como Prova Brasil, aplicada tambm a cada dois anos, mas a todos os alunos das escolas pblicas urbanas de 4 e 8 srie, que tenham mais de 20 alunos matriculados em cada uma delas.

    2 Alberta, Australia, Blgica, Finlndia, Hong Kong, Japo, Holanda, Nova Zelndia, Ontario, Singapura e Coria do Sul sistemas bem avaliados no PISA/OCDE - ; Atlanta, Boston, Chicago, Inglaterra, Jordnia, Nova York e Ohio representando sistemas que tiveram uma forte trajetria recente de melhoria, entre outros.

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    incluindo os dez de melhor desempenho nos exames internacionais realizados no mbito do Programa Internacional de Avaliao de Alunos da Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (PISA/OCDE), bem como sistemas com forte trajetria de melhoria. O objetivo era descobrir o que eles tm em co-mum para alcanar resultados to significativos com seus alunos.

    No Brasil, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef ), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o Ministrio da Educa-o (MEC) e a Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao (Un-dime) se reuniram para realizar a pesquisa Redes de Aprendizagem. 3 Realizada em 37 redes municipais , selecionadas a partir do Ideb e do contexto socioeco-nmico dos alunos e de suas famlias, buscou identificar aes que produziram impactos positivos na aprendizagem dos alunos.

    Este artigo tem o intuito de apresentar as principais concluses dessas duas pesquisas, identificando seus pontos de convergncia.

    1. Redes de AprendizagemDesde a dcada de 1990, vem se disseminando a proposta de tratar a educao

    como um direito humano. Isto porque a educao um elemento fundamental para realizar a vocao humana de organizar-se social e culturalmente, produzir conhecimento e, por meio dele, transformar a natureza. (Haddad, s.d.)

    A educao aqui tomada no seu sentido amplo, mas a educao esco-lar tem papel importante neste processo porque por meio dela os indivduos desenvolvem aprendizagens bsicas que sero fundamentais para potencializar o cumprimento de outros direitos. Esse enfoque tem tambm o papel de dar prioridade ao tema na concepo e implantao de polticas pblicas, algo es-pecialmente relevante nos pases em desenvolvimento, que ainda tm enormes demandas a enfrentar no campo educacional.

    No Brasil, as avaliaes tiveram o mrito de mostrar que, se o sistema de ensino tem baixa qualidade, o papel catalisador que se atribui educao no se efetiva com o acesso ou mesmo com a freqncia regular escola, da surge a necessidade de defender um direito de aprender.

    3 Apiacs (MT), Carmo do Rio Verde (GO), Cezarina (GO), Comodoro (MT), Piranhas (GO), Formosa (GO), Rondonpolis (MT), Rio Verde (GO); Mortugaba (BA), Presidente Dutra (BA), Alto Alegre do Pindar (MA), Teresina (PI), Sobral (CE); Alvorada (TO), Altamira (PA), Rio Branco (AC), Santarm (PA), Araguana (TO); Lagamar (MG), Santa Rita de Caldas (MG), Sud Menucci (SP), Rio Piracicaba (MG), Sete Barras (SP), Joo Monlevade (MG), Santo Antnio de Pdua (RJ), Votuporanga (SP), Divinpolis (MG); Jesutas (PR), Marilena (PR), So Jorge DOeste (PR), Rea-leza (PR), Arroio do Meio (RS), Horizontina (RS), Guaramirim (SC), Farroupilha (RS), Sapiranga (RS), Pinhais (PR).

  • 157Artigos & Ensaios

    neste contexto que surge a iniciativa do Unicef, Undime e MEC de procurar identificar em vrias cidades do Pas boas prticas que ajudem as crianas a aprender.

    A pesquisa Redes de Aprendizagem buscou responder pergunta: O que essa rede faz para garantir o direito de aprender? O objetivo no era conhecer as prticas das redes de melhor desempenho ou maior ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (Ideb), mas identificar aquelas que se destacaram positiva-mente da mdia, considerando as diferenas socioeconmicas dos alunos, de suas famlias e do municpio em que esto inseridas.

    O INEP argumenta que o Ideb dos sistemas municipais est bastante correla-cionado com o contexto social vivenciado pelos alunos, dificultando a identificao de um sistema educacional que influencie efetivamente o aprendizado. Assim, foi formatado um indicador especial, o Indicador de Efeito Redes Municipais (IERM_Ideb), que informa sobre a qualidade do ensino oferecido aos estudantes, procuran-do isolar o efeito do contexto social e econmico das famlias e do municpio4.

    Para conhecer e entender os motivos que suscitaram o destaque obtido por esses Municpios, foram realizadas entrevistas com uma srie de atores: dirigen-tes, coordenadores pedaggicos, professores, alunos, pais, funcionrios e conse-lheiros. Cada um deles apontou as razes que acreditam terem sido importantes para garantir o bom desempenho das redes municipais.

    Sinteticamente, o estudo destaca o seguinte conjunto de aspectos: foco na aprendizagem, conscincia e prticas de rede, planejamento, avaliao, perfil do professor, formao do corpo docente, valorizao da leitura, ateno individual ao aluno, atividades complementares e parcerias.

    Diferentemente do estudo realizado em 20065, que identificou boas prticas rea-lizadas em 33 escolas, este ltimo lanou olhares sobre o conjunto da rede municipal. Como se depreende das concluses, a prpria constituio de uma rede integrada, capaz de promover o intercmbio de experincias e a alocao eficiente de seus recursos humanos, parece ser um fator de sucesso para a aprendizagem dos alunos.

    O estudo informa que a rede se concretiza por meio de diversos aspectos. Trata-se, por exemplo, da existncia de espaos de planejamento e definio de metas coletivas, consolidadas em documentos como o Plano Municipal da Educao ou Plano Decenal de Educao. No dia-a-dia, vincula-se a aes de

    4 As 37 redes foram escolhidas com base no cruzamento de informaes socioeconmicas dos alu-nos, extradas do questionrio que faz parte da Prova Brasil, com informaes dos municpios e com o Ideb. Para maiores detalhes, ver Nota Tcnica do INEP sobre a formatao do IERM_Ideb na publicao Redes de Aprendizagem.( pp.102-103)

    5 Em 2006, Unicef e Undime lanaram o estudo Aprova Brasil: O Direito de Aprender Boas Prticas em Escolas Pblicas Avaliadas pelo Prova Brasil.

  • 158 Cadernos ASLEGIS | 34 maio/agosto 2008

    integrao entre os estabelecimentos de ensino e a uma maior proximidade da Secretaria Municipal de Educao com a escola, como visitas regulares de apoio pedaggico e superviso.

    Outras referncias sobre esse tema esto muito vinculadas ao perfil de atu-ao do titular da Secretaria. So elas: dilogo, presena ativa, dedicao e disponibilidade e prioridade aos aspectos pedaggicos. Aparentemente, a conscincia de rede ou o sentimento de coeso so muito influenciados pelo forte envolvimento do rgo gestor no cotidiano da escola, com estruturas orientadas para o apoio aprendizagem dos alunos, sem ferir a autonomia da escola em relao a seu projeto poltico-pedaggico. A construo participativa geraria, assim, uma co-responsabilidade pelos resultados.

    2. Aprendizagem de todos e de cada umA aprendizagem dos alunos o foco que alinha tanto as redes municipais

    analisadas pelo Unicef, como os sistemas internacionais analisados por Barber e Mourshed6. o fundamento bsico da construo de todos os demais fatores. Esse primeiro ponto orienta os planos de ao, a definio de metas e integra escolas e gestores. Nesse sentido, os avanos obtidos no campo da avaliao foram bastante meritrios, pois ajudam a identificar o que e quanto precisa ser melhorado.

    O compromisso com a aprendizagem faz com que os atores estejam preo-cupados com os resultados globais, mas tambm com a aprendizagem de cada aluno, dedicando mais tempo, esforo e novas estratgias para quem precisa. Essa no uma questo brasileira, no mundo inteiro os sistemas educacionais aprenderam a reconhecer que as desigualdades nos nveis de aprendizagem so to malficas para a sociedade como a prpria desigualdade no acesso escola. Nos Estados Unidos, reconheceu-se a importncia do tema com a proposta de No Child Left Behind, do atual governo Bush.

    A Consultoria McKinsey divulgou, em 2007, o estudo How the worlds best-perfoming school systems come out on top, de autoria de Barber e Mourshed. Segundo esse trabalho, a experincia dos sistemas de melhor desempenho no mundo sugere que uma das aes de maior impacto assegurar que cada criana tenha a oportunidade de usufruir de um bom ensino. Os sistemas de melhores resultados desenvolveram estratgias para que a escola possa compensar as des-

    6 Grosso modo, rede de ensino o conjunto de estabelecimentos de ensino sob responsabilidade de um rgo gestor, reunindo estabelecimentos pblicos e privados. O estudo do Unicef trata da rede pblica municipal. A noo de sistema mais ampliada e engloba, por exemplo, os conselhos de educao. Em seu estudo, Barber e Mourshed tratam de sistemas escolares sem detalhar seu concei-to.

  • 159Artigos & Ensaios

    vantagens derivadas do entorno particular de cada estudante, diz o texto. Em suma, o alto desempenho do sistema requer o xito de todas as crianas.

    Essa uma viso relativamente recente e um duro golpe no determinismo daqueles que acreditam que no h muito o que Poder Pblico possa fazer para incrementar o desempenho acadmico de alunos oriundos de condies socio-econmicas bastante desfavorveis, com pouco ou nenhum acesso a bens cultu-rais e convivendo com familiares de pouca escolaridade. Para esses, a viso que se consolida que a escola no s pode como deve fazer diferena.

    Em primeiro lugar, os sistemas de ensino analisados por Barber e Mourshed fixam expectativas claras e altas em relao ao que os alunos devem alcanar em termos de conhecimentos e habilidades. Em seguida, so definidos mecanismos de monitoramento e interveno para cada escola, que so inversamente propor-cionais capacidade do estabelecimento de ensino de melhorar por si mesmo.

    O monitoramento abrange no apenas os exames padronizados, bastante difundidos, posto que oferecem uma medida objetiva dos resultados alcanados por um sistema de ensino, como inspees e auto-avaliaes regulares. As inspe-es pretendem captar medidas mais sutis e complexas, alm de entender como se do determinados processos pedaggicos no mbito institucional.

    O monitoramento e as inspees permitem que se intervenha to logo sejam detectadas deficincias de aprendizagem, e as intervenes citadas como bons exemplos vo desde a divulgao do desempenho das escolas em exames - para dar transparncia e, ao mesmo tempo, gerar maior responsabilidade sobre os resultados - ao maior aporte de recursos para as escolas que precisam melhorar ou que recebem alunos de contextos socioeconmicos desfavorecidos. Tambm foi destacada a importncia de uma forte liderana na escola, de modo que os sistemas buscaram aperfeioar os mecanismos de designao e substituio des-sas lideranas em caso de fracasso escolar persistente.

    No Brasil, a preocupao em no ter alunos atrasados em sala especial-mente relevante. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE/PNAD2007), 84,5% da populao de 8 a 14 anos, cerca de um milho de crianas, que no sabem ler freqentam escolas.

    A pesquisa realizada pelo Unicef sugere que a crena de que toda criana pode aprender a diferena est no tempo e na forma de aprender de cada uma faz com que as redes de ensino desenvolvam estratgias para alcanar esse objetivo. Identificar os problemas de cada criana to logo eles apaream um modo de garantir uma aprendizagem efetiva, no tempo desejvel, diz o estudo, em perfeita consonncia com as concluses dos sistemas internacionais.

  • 160 Cadernos ASLEGIS | 34 maio/agosto 2008

    Para reduzir a defasagem de aprendizagem, as escolas adotam diferentes pr-ticas, como a reenturmao e o atendimento individualizado, sendo o reforo escolar uma das mais comuns. As estratgias so muitas: docentes da prpria escola que atuam no contraturno oferecendo reforo; brigadas de professores alfabetizadores que percorrem as escolas da rede; professores especialmente con-tratados para este fim; utilizao de salas de recursos com jogos e vdeos. Em caso de persistirem as dificuldades, algumas redes encaminham o aluno para avaliaes oftalmolgica, psicolgica e psicopedaggica.

    A explorao do ldico ajuda a vencer a resistncia que alguns alunos tm com relao ao reforo escolar, alm de ajudar a desestigmatiz-lo. O reforo no deve ser vinculado ao baixo desempenho persistente mas a qualquer tipo de dificuldade de aprendizagem. Na Finlndia, por exemplo, anualmente, 30% dos alunos fre-qentam atividades de reforo, mesmo os melhores alunos. L, para cada sete pro-fessores em sala h um professor especial responsvel pelo apoio escolar individual ou em pequenos grupos de alunos, principalmente em matemtica e finlands.

    A contratao de professores com a funo especfica de dar su-porte s aes de reforo uma prtica que vem se consolidando nas redes pesquisadas. O professor de apoio pedaggico atua em diversas frentes. Alm de acompanhar as atividades de reforo e dar suporte aos professores de sala de aula, de modo geral ele pode auxiliar no trabalho de incluso e substituir um professor que falta por motivo de doena ou para participar de reunies de planeja-mento. (Unicef, 2008, p.59)

    3. O professor: qualidade e compromissoOs dois estudos apontam o professor como personagem central para a rede

    de ensino alcanar bom desempenho global. Barber e Mourshed (2007) vo alm ao afirmar que a qualidade de um sistema de ensino baseia-se na qualidade de seus docentes. A despeito disso, h uma distino nos enfoques oferecidos por esses trabalhos.

    Para atrair bons docentes, diz o estudo dos casos internacionais de sucesso, co-mumente foram identificadas polticas relacionadas a: i) slidos processos de seleo e capacitao docente; ii) pagamento de bons salrios iniciais; e, iii) melhoria do status da profisso. Esta ltima particularmente interessante porque, em geral, atri-bui-se o status elevado da profisso questo salarial ou cultural, como em alguns pases asiticos, onde o professor tradicionalmente uma figura respeitada.

    A respeito da seleo dos candidatos a docentes, explica-se:

  • 161Artigos & Ensaios

    Os sistemas de ensino de melhor desempenho no mundo recrutam seus professores no tero superior de cada coorte de graduados: entre os 5% melhores no caso da Coria do Sul, entre os 10% melhores na Finlndia, e entre os 30% melhores em Singapura e Hong Kong. Nos Estados Unidos, programas como Boston Teacher Residency, New York Teaching Fellows e Chicago Teaching Fellows, implementados em sis-temas que experimentaram um rpido desenvolvimento nos ltimos anos, tm o mesmo objetivo, voltando-se para os recm-graduados das melhores universidades7.(Barber, M. e Mourshed, M., 2007, p.16)

    A seleo criteriosa para o ingresso na profisso docente visa, em primeiro lugar, garantir que seja oferecida a melhor instruo possvel aos alunos, mas tam-bm evitar que escolhas mal feitas resultem em at quatro dcadas de ensino ruim. Grosso modo, os procedimentos seletivos, que podem ser em etapas nacionais, buscam identificar as seguintes caractersticas no futuro docente: i) um alto nvel de conhecimento em lngua e matemtica; ii) boa capacidade de comunicao e de relao interpessoal; e, iii) desejo de aprender e motivao para ensinar.

    Destaca-se que to importante quanto o processo seletivo o momento em que ele se realiza. Barber e Mourshed afirmam que alguns dos sistemas de melhor desem-penho no mundo implantaram algum tipo de poltica que procura regular a oferta de programas de formao docente em relao demanda. Isto possibilita maiores investimentos nesses profissionais, como cursos mais aprofundados e salrios durante a fase de formao, garantia de emprego e maior status, resultando numa carreira mais atraente para os jovens profissionais. Entretanto, o estudo afirma que quase todos os sistemas educativos mundiais optam por selecionar seus professores aps a graduao, o que levaria inevitavelmente a uma sobreoferta de candidatos.

    Para garantir o ingresso bastante seletivo dos candidatos a docentes foram identificados trs tipos de mecanismos: processos de recrutamento unificados (em Singapura e na Finlndia), controle de vagas mediante financiamento (na Inglaterra), e, por fim, caminhos alternativos para aqueles que no so capazes de influenciar os procedimentos adotados pelas universidades para seleo de candidatos. Esse o caso dos programas americanos citados acima, que miram apenas numa parcela dos docentes que ingressam no sistema.

    7 Traduo livre da autora do seguinte texto: The top-performing systems we studied recruit their teachers from the top third of each cohort graduate from their school system: the top 5 percent in South Korea, the top 10 percent in Finland, and the top 30 percent in Singapore and Hong Kong. In the United States, programs in rapidly improving systems, such as the Boston Teacher Residency, the New York Teaching Fellows, and the Chicago Teaching Fellows do the same thing, targeting the graduates of top universities. (Barber, M. e Mourshed, M., 2007, p.16)

  • 162 Cadernos ASLEGIS | 34 maio/agosto 2008

    Dois outros ingredientes da receita de sucesso dos pases selecionados pela pesquisa so ressaltados. Primeiro, procedimentos efetivos de desligamento ou demisso dos docentes que no alcanam o desempenho esperado antes de se-rem efetivados. Outra medida para garantir que se encontrem pessoas com o perfil desejado a oferta de bons salrios iniciais 8. Praticamente todos os siste-mas pagam salrios iniciais iguais ou superiores a mdia da OCDE em relao ao PIB per capita de seus respectivos pases. (Grfico 1)

    Grfico 1 Salrios iniciais nos sistemas educativos 2005

    Sistema educativo

    Corea del Sur

    Alemania

    Holanda

    Hong Kong

    Inglaterra

    Australia

    Finlandia

    Singapur

    Blgica (FI)

    Estados Unidos

    Promedio OCDE

    Salario Inicial como % PBI per cpita

    SALARIOS INICIALES EN LOS SISTEMAS EDUCATIVOS

    141

    141

    99

    97

    96

    95

    95

    95

    95

    92

    81

    Fuente: OCDE, Education of Glance 2005, Entrevistas, McKinsey.

    Por outro lado, esses mesmos sistemas teriam concludo que elevar os sal-rios acima da mdia paga a outros graduados no resulta em ganhos substantivos na qualidade dos aspirantes ao cargo de professor.

    Nas entrevistas realizadas, os novos docentes mencionaram o status da pro-fisso como um dos fatores mais relevantes para que decidissem seguir a carreira. A pesquisa identifica um circuito de retroalimentao ligado questo do status, pois medida que a profisso mais valorizada mais gente talentosa se dedica a ela, o que ajuda a elevar esse status a um nvel ainda mais alto.

    8 Sobre progresso na carreira e reteno do profissional nos casos em que foi reduzida a amplitude salarial diz o texto: Systems which frontload compensation succeed because of two factors: first, salary progression is less important in the decision to become a teacher than starting salary and, secondly, teacher retention is generally not correlated strongly to salary progression.

  • 163Artigos & Ensaios

    Os sistemas internacionais procuram alternativas, alm da questo financeira, para impulsionar suas polticas, como marketing, programas diferenciados de con-tratao de profissionais (ainda que por perodos curtos9), de exigncia de maior titulao acadmica para ingresso na carreira ou aes de capacitao. Aparente-mente, segundo a pesquisa, a percepo geral sobre a carreira do magistrio est re-lacionada ao nvel e qualidade da formao daqueles que se interessam por ela.

    Na pesquisa Redes de Aprendizagem, a formao inicial foi citada como fator relevante para bons ndices de aprendizagem em 29 dos 37 municpios analisados. Esse nmero sobe para 35 quando se trata de formao continuada.

    Alm das parcerias com organizaes no-governamentais, universidades e de adotarem programas do governo federal10, alguns municpios resolveram encarar o desafio de melhorar a qualidade da formao de seus profissionais. Alguns, como Formosa (GO) e Sobral (CE), foram to bem sucedidos que pas-saram a emprestar sua expertise a outros municpios.

    Interessante notar que, segundo os depoimentos colhidos, o esforo para melhorar a formao do docente no faz vero sozinho. Isto , os municpios mencionam a necessidade de que ela seja vinculada ao compromisso, atitude de cada docente para colocar os saberes em ao.

    O compromisso individual, por sua vez, impulsionado pelo compromisso coletivo. Aqui, volta a ser enfatizada a idia de conscincia e prticas de rede, para garantir um sentimento de coeso e de metas compartilhadas. Fundamen-talmente, a percepo de que o professor no solitrio, seu trabalho parte de um processo muito maior do que sua sala de aula.

    Alguns municpios investiram em avaliaes prprias para obter um diag-nstico por classes e maior rapidez nos resultados. Desta forma, dizem os gesto-res, possvel direcionar aes mais pontuais, corrigir rumos mais prontamente e reorientar a aplicao dos recursos para alcanar as metas propostas. Os siste-mas de avaliao estaduais e nacionais so os grandes balizadores dessas metas.

    Entre as atitudes do dirigente municipal mais valorizadas pelas redes esto exigir qualidade do trabalho e promover parceria na resoluo de problemas, bem como assegurar presena ativa e participativa da equipe tcnica nas escolas. interessante notar que alguns relatos apontam que houve resistncia ao serem

    9 Teacher First dirigido a graduados das melhores universidades do Reino Unido, oferecendo traba-lho como docente durante dois anos. Praticamente a metade deles opta por permanecer na profisso aps o perodo contratado. Aos demais oferecida ajuda para buscar outros empregos no setor pri-vado.

    10 Como o Gesto de Aprendizagem Escolar (Gestar), o Programa de Formao de Professores em Exerccio (Proformao) e o Programa Mobilizao pela Qualidade da Educao (Pr-Letramento).

  • 164 Cadernos ASLEGIS | 34 maio/agosto 2008

    implementadas aes municipais de avaliao ou de participao mais ativa nas escolas, pois os supervisores eram vistos como fiscais.

    A respeito do tema atitude individual e coletiva em relao aprendiza-gem do alunos, vale reproduzir duas citaes da pesquisa:

    Antigamente a gente se preocupava com tudo merenda, estru-tura fsica, matrcula...menos com a aprendizagem. (Profissional da Secretaria de Educao de Sobral, CE)

    Compromisso no deixar o aluno sair da sala com o mesmo co-nhecimento que trouxe. (Professora de Araguana, TO. In Unicef, 2008, p.40 e 43)

    4. Melhores prticas de ensino, melhores aulasO nico meio de melhorar resultados melhorar a instruo, ou seja, ga-

    rantir que os docentes sejam capazes de avaliar com preciso os pontos fortes e fracos de cada aluno, selecionar os mtodos pedaggicos mais adequados e ensinar de forma eficiente. Conforme Barber e Mourshed, os melhores sistemas de ensino do mundo apontam que no h outro caminho para alcanar esse objetivo que no seja desenvolvimento profissional do docente.

    Aqui tambm citada a questo motivacional do professor como fator rele-vante para produzir melhores resultados de aprendizagem. Do Instituto Nacional de Educao de Singapura algum questiona: se os docentes no estiverem moti-vados, como possvel motivar os alunos? Mais uma vez aponta-se que expectati-vas altas, objetivos comuns e confiana dos professores em suas redes e dos gestores em seus profissionais gera um movimento positivo em direo mudana.

    O estudo alerta que polticas de incentivos financeiros baseados no desem-penho para elevar a motivao do professorado, em geral, no produzem resulta-dos substanciais porque falham em etapas preliminares: fazer com que cada do-cente tenha conscincia de suas limitaes e capacit-lo para melhores prticas pedaggicas, sobretudo com tcnicas aplicadas em seu contexto real.

    Falham as reformas que apresentam boas prticas em workshops ou materiais impressos, sem se preocupar com a efetiva compre-enso por parte dos professores de como elas sero aplicadas em suas prprias salas de aula. A noo de que idias externas por elas mesmas resultaro em mudanas na sala de aula e na escola est

  • 165Artigos & Ensaios

    profundamente equivocada como teoria de ao11. (Barber, M. e Mourshed, M, 2007, p.27)

    Em linhas gerais, os sistemas internacionais de alto desempenho ou que vm apresentando melhorias num prazo mais curto apresentaram quatro linhas de ao para qualificar as prticas de ensino dos professores e motiv-los a aplicar o que aprenderam em sala de aula:

    Transferiram para a escola boa parte da capacitao inicial. Em Boston, por exemplo, os alunos do Programa de Residncia Docente, com um ano de dura-o, passam quatro dias por semana na escola.

    Incorporao dos melhores docentes s aes de capacitao dos novos pro-fissionais. Docentes mais experientes assistem s aulas dos novatos e oferecem apoio individual. Essa retroalimentao, diz o estudo, ajuda a delinear uma instruo mais efetiva, bem como a fazer com que o novo profissional aprenda a refletir sobre suas prprias prticas.

    Para enraizar a cultura da aprendizagem permanente, sugere-se que o diretor seja transformado num lder de instruo. Para isso necessrio que os direto-res sejam selecionados entre bons professores e que ele dedique grande parte do seu tempo para treinar e aconselhar seus professores.

    Particularmente no Japo e na Finlndia, mas tambm em outros sistemas, h incentivos para que os professores aprendam uns com os outros, trabalhando juntos para planejar suas aulas e melhorar sua atuao. Esses sistemas fomen-taram um ambiente em que o planejamento colaborativo, a reflexo sobre a prtica, e o treinamento entre pares so parte da vida das escolas.

    5. ConclusoO compromisso com a aprendizagem de todos e de cada um dos alunos o

    grande diferencial para o sucesso de uma rede de ensino. necessrio respeitar as diferenas no tempo e na forma de aprender de cada criana, mas estar atento para identificar os problemas to logo eles apaream e garantir a implantao de estratgias que viabilizem a aprendizagem de todos, no tempo adequado.

    Alm disso, a constituio de uma rede integrada, capaz de promover o in-tercmbio de experincias entre as escolas e a alocao eficiente de seus recursos humanos, parece ser um fator de sucesso para a aprendizagem dos alunos.

    11 Traduo livre da autora do seguinte texto: Reforms that expose teachers to best practices through workshops or written materials but that do so without making this knowledge precise enough for teachers to understand how to apply it in their own classroom also fail: The notion than external ideas by themselves will result in changes in the classroom and school is deeply flawed as a theory of action.(Barber, M. e Mourshed, M., 2007, p.27)

  • 166 Cadernos ASLEGIS | 34 maio/agosto 2008

    Essa rede se concretiza no planejamento e definio de metas coletivas, consolidadas em documentos como o Plano Municipal da Educao ou Plano Decenal de Educao. Na prtica, vincula-se participao ativa dos tcnicos e do gestor da Secretaria Municipal de Educao no cotidiano da escola, com aes orientadas para o apoio aos problemas e aprendizagem dos alunos. A combinao de definio de metas, respeito autonomia da escola e co-respon-sabilidade pelos resultados ajuda a articular as aes da escola e do rgo gestor, gerando coeso e confiana no trabalho que est sendo feito.

    Dentre as aes consideradas prioritrias para garantir a aprendizagem dos alu-nos e um bom desempenho global destacam-se a formao inicial e a formao con-tinuada do professor. O diagnstico feito por Barber e Mourshed que a qualidade do ensino ofertado est fortemente relacionada com a qualidade do professor.

    Na anlise dos sistemas de ensino de melhor desempenho no mundo, foram enfatizadas boas prticas relacionadas seleo rigorosa para o cargo de profes-sor, aliada capacitao inicial focada na escola e superviso estrita dos pares nos primeiros anos de atuao profissional. Outros trs pontos destacados so um salrio inicial atraente, melhoria do status da profisso e uma direo escolar mais dedicada s questes pedaggicas do que administrativas.

    O estudo Redes de Aprendizagem destacou a interveno colaborativa dos rgos gestores e o planejamento feito entre os pares como diferenciais para o professor no se sentir sozinho na sua labuta diria e se sentir motivado para aperfeioar suas prticas pedaggicas. Tambm so destacadas as iniciativas das redes, de forma independente ou em parceria, a fim de garantir melhor qualifi-cao ao professor e diversificar a rotina das aulas.

    A questo da qualidade do ensino ofertado pelas redes municipais no Brasil tem especial relevncia se pensarmos que so elas as responsveis por atender as crianas nas etapas preliminares da educao bsica: educao infantil (creche e pr-escola) e pelo menos os anos iniciais do ensino fundamental. A experincia de sucesso ou fracasso desses alunos ser determinante para encarar o restante de sua vida escolar.

    Por isso to importante entender os acertos dessas redes e olhar as boas pr-ticas de outros pases, aprendendo com as estratgias de sistemas de ensino que consistentemente se mantm como os melhores do mundo ou para aqueles que conseguiram melhorar seus indicadores de qualidade num prazo mais curto.

    Poderamos resumir os resultados da pesquisa realizada pelo Unicef da se-guinte forma: em todas as cidades visitadas, houve uma preocupao genuna e aes concretas para assegurar que os professores ensinem e as crianas apren-dam, numa verso positiva do bordo os professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem.

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    Referncias Bibliogrficas

    BARBER, M. E MOURSHED, M. How the worlds best-performing school systems come out on top. McKinsey e Company, 2007. Dispon-vel em espanhol: Barber, M. e Mourshed, M. C Barber, M. e Mourshed, M. Cmo hicieron los sistemas educativos con major desempeo del mundo para alcanzar sus objetivos. PREAL, N41, Julho de 2008.

    FUNDO DAS NAES UNIDAS PARA A INFNCIA (Unicef ). Re-des de Aprendizagem Boas Prticas de Municpios que Garantem o Direito de Aprender. Braslia, 2008.

    HADDAD, S. Dicionrio de Direitos Humanos: Educao. Disponvel em: http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index

    Publicao: BOAS PRTICAS NAS REDES DE ENSINOAutor: Ana Valeska Amaral GomesReferncias da publicao: Cadernos Aslegis, n.34, p. 153-167, maio/ago 2008