bloodlines (livro 3) o feitiço azul - richelle mead
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Depois de um evento que mudou a vida de Syndey e Adrian para sempre, Sydney luta para traçar a linha entre os ensinamentos Alquimistas e os desejos de seu coração. Então ela conhece o sedutor Marcus Finch, um ex-Alquimista que a empurra para se rebelar contra o povo que a criou. E quando Sydney fica cara a cara com um usuário de magia negra, ela finalmente começa a abraçar a misteriosa magia que tem dentro de si…
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Nãoeraaprimeiravezquemearrancavamdacamaparaumamissãoimportantíssima.Maseraaprimeiraquemefaziamumaperguntatãopessoal.—Vocêévirgem?— Hein?— Esfreguei os olhos sonolentos para me certificar de que não era um
sonhobizarro.Umtelefonemaurgentehaviame tiradodacamacincominutosanteseestavadifícilpermaneceracordada.Minha professora de história, a sra. Terwilliger, se aproximou e repetiu num
sussurrodramático:—Pergunteisevocêévirgem.—Hum,sim…Agora eu já estava completamente desperta e olhava de um lado para o outro no
saguãodoalojamento,paragarantirqueninguémestavapertoobastanteparapresenciaraquelaconversamaluca.Nãotinhaporquemepreocupar.Tirandoarecepcionistacomarentediadodooutro ladodo saguão,nãohaviamaisninguém,provavelmenteporquenenhumapessoaemsãconsciênciaestariaacordadaàquelahoradamadrugada.Quandoasra.Terwilligermeacordou,tinhaexigidoqueeuaencontrasseali,poiseraumassunto“devidaoumorte”.Serinterrogadasobreminhavidapessoalnãoeraexatamenteoqueeuestavaesperando.Eladeuumpassoparatrásesuspirou,aliviada.—Sim,claro.Claroquevocêévirgem.Estreiteiosolhos,semsabersedeviamesentirofendidaounão.—Claro?Oqueasenhoraquerdizercomisso?Oqueestáacontecendo?Ela imediatamentevoltoua ficaratentaearrumouosóculos,queviviamdeslizando
pelonariz.—Não temos tempo para explicações. Precisamos ir.—Ela seguroumeu braço,
masresistiecontinueiondeestava.—Sãotrêsdamanhã!—Eentão,paraqueelaentendesseagravidadeda situação:
—Nomeiodasemana!—Não importa.—Ela se voltou para a recepcionista, do outro lado da sala.—
Estou levandoSydneyMelrose.A sra.Weathers podebrigar comigo sobreo toquederecolheramanhã.A recepcionista pareceu assustada, mas não passava de uma estudante universitária
contratadapara ficar ali sentadadurante anoite.Elanãoeranadapertoda formidávelsra.Terwilliger, com seu porte alto e desengonçado e sua cara de passarinho.Quemrealmente tinha autoridade paramanter as garotas no alojamento era o segurança queficava do lado de fora. Ele, porém, deu apenas um aceno simpático quando a sra.Terwilliger passoume arrastando. Issome fez considerar quantas garotas ela já haviaraptadonomeiodanoite.— Estou de pijama— falei para ela. Foi a última queixa que consegui apresentar
enquantonos aproximávamosdocarrodela, estacionadoem localproibido.Eladirigiaum Beetle vermelho, com flores pintadas nos lados. Não sei por que isso não mesurpreendeu.— Não tem importância— ela disse, tirando as chaves de sua enorme bolsa de
veludo.Ao nosso redor, a noite desértica estava fria e silenciosa. Palmeiras altas pareciam
enormesaranhasescurascontraocéuao fundo.Acimadaspalmeiras,a luacheiaeumpunhado de estrelas brilhavam. Cruzei os braços para me aquecer, tocando o tecidomacio do meu roupão de microfibra. Debaixo dele, eu usava um pijama listrado demangacompridaepantufasfelpudasbege.Oconjuntofuncionavabemnoaconchegodomeu quarto, mas não era exatamente prático para uma noite em Palm Springs. Naverdade,sairdepijamanãoeraexatamentepráticoemlugarnenhum.Ela destravou o carro e entrei com cautela, desviando de copos de café usados e
revistasantigas.Meusensodeorganizaçãosecontorciadiantedeumabagunçadaquelas,masàquelaalturaesseeraomenordosmeusproblemas.—Sra.Terwilliger—eudissequandocomeçamosarodarpelasruas.—Oqueestá
acontecendo?—Agoraquetínhamossaídodoalojamento,eutinhaesperançadequeelacomeçasseafalarcoisacomcoisa.Eunãotinhameesquecidodocomentáriodequeeraumaquestão“devidaoumorte”eestavacomeçandoaficarnervosa.Seus olhos estavam concentrados na estrada à frente e rugas de preocupação
marcavamseurostomagro.—Precisoquevocêlanceumfeitiço.Congelei enquanto tentava processar essas palavras. Não muito tempo antes, essa
frase teriame causado repulsa eme feitoprotestar.Nãoque eume sentisse à vontadeagora.Magia aindamedava arrepios.Dedia, a sra.Terwilligerdava aulasno colégioparticular onde eu estudava— a Escola PreparatóriaAmberwood—, e de noite, eraumabruxa.Eladiziaqueeutambémtinhaumaafinidadenaturalparaamagiaederaumjeitodemeensinaralguns feitiços,apesardosmeusesforçospararesistir.Naverdade,eu tinha uma série de motivos para querer evitar tudo o que fosse mágico.Além de
crençasenraizadasdequeusarmagiaeraerrado,simplesmentenãoqueriameenvolvercomoutrasquestõessobrenaturais.Jápassavameusdiastrabalhandoparaumasociedadesecretaquemantinhaosvampirosescondidosdomundohumano.Somadoàs tarefasdaescola,eramaisdoqueosuficienteparamemanterocupada.Noentanto,otreinamentomágicoquerecebidasra.Terwilligerhaviametiradode
algumas enrascadas um tempo antes, então eu já não o descartava tão rápido. Então asugestão dela de que eu usasse magia não era a coisa mais estranha que estavaacontecendoali.— Por que a senhora precisa que eu lance o feitiço? — perguntei. Havia pouco
movimento na rua, mas de vez em quando faróis de carros lançavam uma luzfantasmagórica sobre nós.—A senhora é mil vezes mais poderosa do que eu. Nãoconsigofazerumdécimodoqueasenhoraconsegue.—Poder é importante— ela admitiu.—Mas desta vez existem outros fatores e
limitaçõesemjogo.Nãopossolançaressefeitiçoemparticular.Cruzei os braços e me recostei no assento. Se continuasse me concentrando nos
aspectospráticos,poderiaignoraromedoquecresciacadavezmais.—Enãopodiaesperaratéamanhã?—Não—elarespondeu,séria.—Nãopodia.Algumacoisaemseutomdevozmedeuarrepios,efiqueiemsilênciopelorestodo
trajeto.Estávamosdeixandoacidadeeossubúrbios,entrandonasáreasmaisremotasdodeserto.Quantomaisnosdistanciávamosdacivilização,maisescuroficava.Depoisquesaímosdaautoestrada,nãohaviapostesoucasasàvista.Arbustosespinhososaolongodocaminho criavam formas escuras que lembravam animais peçonhentos prestes a dar obote.Nãotemninguémaqui,pensei.EninguémemAmberwoodsabequeestouaqui.Fiquei apreensiva aome lembrar da pergunta sobreminha virgindade. Será que eu
seriasacrificadaemalgumritualprofano?Desejeiquetivesselevadoocelular.Nãoqueeu pudesse contar aos alquimistas, a organização da qual eu fazia parte, que estavapassandotantotempocomumausuáriademagia—aqual,aindaporcima,estavameensinandoausá-la também.Melhorcorreroriscodesersacrificadadoqueenfrentarafúriadosalquimistas.Vinte minutos depois, a sra.Terwilliger finalmente estacionou no acostamento de
umaestradinhademãoúnicaqueparecialevardiretamentealugarnenhum.Elasaiudocarro e fez sinal para que eu fizesse o mesmo. Ali estava mais frio do que emAmberwood.Aolevantarosolhosparaocéu,perdiofôlego.Longedasluzesdacidade,as estrelas estavam em pleno brilho. Dava para ver aVia Láctea e uma dezena deconstelaçõesnormalmenteinvisíveisaolhonu.—Depois vocêolha para as estrelas—ela disse, seca.—Precisamos ser rápidas,
antesquealuaavancemais.Umritualsoboluar,numdesertoestéril,comsacrifíciodeumavirgem…ondeeu
tinhamemetido?Amaneiracomoasra.Terwilligermeimpeliaparaamagiasempretinhame irritado,mas nunca pensei que ela representasse uma ameaça.Agora eume
repreendiaportersidotãoingênua.Elacolocouumasacoladelonanoombroeseguiuparaumtrechodesoladodeterra,
pontilhadoderochasevegetaçãoirregular.Mesmocomaqueleespetáculocelestial,nãohaviamuita luz ali; no entanto, ela caminhava resoluta, como se soubesse exatamenteaonde estava indo. Resignada, fui atrás, estremecendo enquanto atravessava o terrenorochoso.Minhaspantufasnãotinhamsidofeitasparaaqueletipodesolo.—Aqui—eladissequandochegamosaumapequenaclareira.Comcuidado,pôsa
sacolanochãoeseajoelhoupararemexerdentro.—Vaiterqueservir.Odeserto, tão implacavelmente quente de dia, ficava frio à noite.Ainda assim, eu
estava suando, mais por nervosismo do que pela temperatura ou pelo pijama quente.Amarrei o roupão mais firme, fazendo um nó perfeito.Achava esse tipo de detalherotineiroreconfortante.Asra.Terwilligertiroudabolsaumgrandeespelhoovalcomumamolduradeprata
ornamentada,colocou-onomeiodaclareira,olhouparaocéueentãomudouumpoucoaposiçãodoobjeto.—Venha aqui, srta.Melbourne.— Ela apontou para um ponto à frente dela, do
outroladodoespelho.—Sente-seefiquenumaposiçãoconfortável.EmAmberwood,eueraconhecidapelonomedeSydneyMelrose,emvezdeSydney
Sage,meunomeverdadeiro.Asra.Terwilligertinhaentendidoerradonoprimeirodiadeaulae, infelizmente,osobrenomepegou.Seguias instruçõesdela,pormaisquenãoconseguisse ficarmuito confortável ali. Estava quase certa de que tinha ouvido algumanimalgrandesemexendoatrásdosarbustoseacrescenteicoiotesàminha listamentaldeperigosqueestavaenfrentando,logoabaixode“usodemagia”e“faltadecafé”.—Bom,entãovamoscomeçar.—Asra.Terwilligermeexaminoucomolhosque
pareciamsombrioseassustadoresnanoitedeserta.—Vocêestáusandoalgumacoisademetal?Precisatirar.—Não,eu…Ah.Espera.Coloqueiasmãosemtornodopescoçoedesateiumacorrentedeourodelicadacom
umapequenacruz.Faziaanosqueeutinhaaquelecolar,masrecentementeohaviadadoa outra pessoa, para reconfortá-lo. Eleme devolvera pouco tempo antes, pormeio denossaamigaemcomum,JillMastranoDragomir.Aindaconseguiamelembrardoolharfuriosonorostodelaquandoveioatémimnaescolaeenfiouacruznaminhamãosemdizerumapalavra.Fiquei olhando para a cruz, que brilhava sob o luar. Senti um frio na barriga ao
pensaremAdrian,ogarotoparaquemeuhaviaentregadoocolar.Aconteceraantesdeeledeclararseuamorpormim,oquemepegaracompletamentedesprevenidaalgumassemanasantes.Mastalvezeunãodevesseterficadotãosurpresa.Quantomaisrecordavao passado, coisa que fazia o tempo todo, mais começava a encontrar indícios quedeveriam ter me alertado sobre os sentimentos dele. Eu simplesmente estivera cegademaisparapercebernaépoca.Claro,nãoteria importadomesmoqueeutivessepercebido.Adriannãoservianem
umpoucoparamim,eissonãotinhanadaavercomseusmuitosvíciosouseupotencialpara a loucura. Ele era um vampiro.Tudo bem, era umMoroi—um dos vampirosvivos e benignos—,mas não fazia diferença. Humanos e vampiros não podiam ficarjuntos.EsseeraumpontoemqueosMoroieosalquimistasconcordavamplenamente.Eu ainda estava espantada por Adrian ter declarado aqueles sentimentos. Estavaespantadanãosóporeleteraquelessentimentos,mastambémporterreunidocoragemparamebeijar,pormaisqueobeijotivessemedeixadotontaesemfôlego.Tive que rejeitar oAdrian, claro.Meu treinamento nãome permitiria fazer outra
coisa. Nossa situação em Palm Springs nos obrigava a conviver constantemente emocasiões sociais,oqueestava sendodifícildesde adeclaração.Oproblema,paramim,não era só omal-estar que se estabelecera entre nós. Eu…Bem, eu sentia falta dele.Antes daquele desastre, éramos amigos e passávamos muito tempo juntos.Tinha meacostumadocomosorrisosarcásticodeleecomaspiadasquesemprefazíamosumcomooutro.Antesdeessascoisasdesaparecerem,nãotinhanoçãodoquantomeimportavacom elas. Do quanto precisava delas. Eu me sentia vazia por dentro… o que eraridículo,claro.Porqueeuestavadandotantaimportânciaparaumvampiro?Àsvezesissomedeixavafuriosa.Porqueelehaviadestruídoumacoisatãoboaentre
nós? Por queme fazia sentir tanta falta dele? E o que ele esperava que eu fizesse? Eledevia saber que era impossível ficarmos juntos. Eu não podia sentir nada por ele. Nãopodia. Se vivêssemos entre os Conservadores— um grupo de vampiros, humanos edampirosincivilizados—talvezpudéssemos…não.Mesmoqueeusentissealgumacoisaporele—eviviarepetindoamimmesmaquenãosentia—,eraerradoatéqueagentecogitasseumrelacionamento.AgoraAdrian falava comigo o mínimo possível. E sempre, sempre me observava
comtormentoemseusolhosverdes,oquemecausavaumadornocoraçãoe…—Ah!Oqueéisso?Tomeiumsustoquandoasra.Terwilligerdespejouumatigelacheiadefolhaseflores
secasnaminhacabeça.Euestavatãoconcentradanacruzenaslembrançasquefuipegadesurpresa.—Alecrim—ela respondeu prontamente.—Hissopo. Erva-doce.Não faça isso.
—Eutinha levantadoamãoparatiraralgumasfolhasdocabelo.—Vocêvaiprecisarparaofeitiço.—Certo—falei,voltandoameconcentrar.Comcuidado,coloqueiacruznochão,
tentandotiraraquelesolhosmuitoverdesdacabeça.—Ofeitiçoquesóeupossofazer.Porquemesmo?—Porqueprecisa ser feitoporumavirgem—ela explicou.Tentei não fazeruma
careta.As palavras da sra.Terwilliger implicavam que ela não era mais virgem e,mesmofazendosentidoparaumamulherdequarentaepoucosanos,nãoeraumaideiasobre a qual eu gostaria de pensar muito. — Além disso, a pessoa que estamosprocurandoseprotegeucontramim.Masporvocêelanãoestáesperando.Olheiparaoespelhoreluzenteeentendi.
—Éumfeitiçodeclarividência.Porquenãofazemosoqueeujáfiz?Não que eu estivesse morrendo de vontade de repetir aquele feitiço.Meu objetivo
tinhasidoencontrarumapessoa,oquemeobrigaraaficarhorasolhandofixamenteparaumatravessacomágua.Noentanto,agoraquesabiacomousá-lo,tinhacertezadequepoderiafazerdenovo.Alémdomais,nãogostavanemumpoucodaideiadetentarumfeitiçosobreoqualnãosabianada.Palavraseervaseramumacoisa,masoquemaiselapoderiaexigirdemim?Queeuvendesseminhaalma?Dessemeusangue?— Aquele feitiço só funciona para encontrar alguém que você conhece — ela
esclareceu.—Estepermiteencontraralguémquevocênuncaviunavida.Franzi a testa. Por mais que não gostasse de magia, gostava muito de resolver
problemas,eosdesafiosqueamagiaapresentavaviviammeintrigando.—Comovousaberporquemprocurar,então?A sra.Terwilliger me mostrou uma foto. Meus olhos já haviam se acostumado à
escuridão, e observei o rosto de uma bela jovem.As semelhanças entre ela e minhaprofessoraeramimpressionantes,apesardenãosertãoóbviasinicialmente.Diferentedocabelo castanho e sem brilho da sra.Terwilliger, o daquelamulher era escuro, quasepreto. Ela também estava muito mais glamorosa, com um vestido de cetim pretocompletamente diferente das roupas hippies que a sra.Terwilliger costumava usar.Apesar dessas diferenças, as duas tinham as maçãs do rosto altas e os mesmos olhosaquilinos.Levanteiosolhos.—Elaésuaparente.— Minha irmã mais velha — a sra. Terwilliger confirmou, com a voz
surpreendentemente inexpressiva.Mais velha? Eu chutaria que aquelamulher era pelomenosunsdezanosmaisnova.—Ela está desaparecida?—perguntei.Quando usei o feitiço de clarividência pela
primeiravez,foiparaencontrarumaamigaquehaviasidosequestrada.Oslábiosdasra.Terwilligerseretorceram.—Nãodojeitoquevocêestápensando.—Desuasacoladelonaqueparecianãoter
fundo,elatirouumpequenolivrodecouroeoabriuemumapáginamarcada.Olhandopara onde ela apontou, consegui identificar palavras em latim escritas à mão quedescreviamo espelho e amistura de ervas que ela havia jogado em cima demim.Nasequência,estavamasinstruçõesdecomofazerofeitiço.Semderramamentodesangue,felizmente.—Parecesimplesdemais—comentei,desconfiada.Eutinhaaprendidoquefeitiços
compoucospassosecomponentesnormalmenteexigiammuitaenergiamental.Ooutrofeitiçodeclarividênciatinhamefeitodesmaiar.Elaassentiu,adivinhandomeuspensamentos.—Exigemuitaconcentração,maisdoqueoúltimo.Mas,apesardevocênãoquerer
ouvir isso, sua força cresceu tanto que imagino que vá achar estemais fácil do que ooutro.
Franziatesta.Elaestavacerta.Eurealmentenãoqueriaouviraquilo.Ouqueria?Parte demim sabia que eu deveriame recusar a participar daquela loucura.Outra
parte estava commedo de que elame abandonasse no deserto se eu não a ajudasse. Eoutraparteaindaestavamorrendodecuriosidadedevercomoaquilotudofuncionaria.Depoisderespirarfundo,reciteioencantamentodolivroeentãocoloqueiafotono
centrodoespelho.Repetioencantamentoetireiafoto.Emseguida,medebruceisobreelee fiqueiolhandoparaasuperfície translúcida, tentandoclarearamenteeentraremsintonia como luar e a escuridão.Umaondade energia atravessoumeu corpo,muitomais rápido do que eu esperava. No entanto, nada mudou no espelho de imediato.Somente meu reflexo me encarava de volta, com a luz tênue desbotando meu cabeloloiro,queestavaterrívelporeuterdormidoemcimadeleepelomontedeervassecasemaranhadas.Aquela energia continuou a se acumular dentro de mim, tornando-se
surpreendentementequenteealegre.Fecheiosolhosemergulheidentrodela.Foicomoseestivesseflutuandosoboluar,comoseeufosseoluar.Poderiaficaraliparasempre.—Estávendoalgumacoisa?Avozda sra.Terwilligererauma interrupção indesejável àqueleestadodeeuforia,
mas, resignada, abri os olhos e me voltei para o espelho. Meu reflexo haviadesaparecido.Umanévoaprateadapairavaem frente aumacasa,maseu sabiaqueelanão era física. Era produzidamagicamente, uma barreiramental para impedir que euvisse o que havia atrás dela. Fortalecendo o meu desejo, fiz com que minha menteatravessasseabarreirae,depoisdealgunsinstantes,anévoasedesfez.—Vejo uma casa.—Minha voz ecoou insólita na noite.—Uma casa vitoriana.
Vermelho-escura, com uma varanda coberta e arbustos de hortênsia na frente. Umaplacatambém,masnãoconsigoler.— Consegue me dizer onde fica a casa? —A voz da professora parecia muito
distante.—Olheaoredor.Tentei me afastar para estender a visão além da casa. Demorou alguns segundos,
mas, aos poucos, a imagem se abriu como se eu estivesse assistindo a um filme,revelando as casas vizinhas, todasparecidas: vitorianas comgrandes varandas eplantastrepadeiras.Eraumbeloeperfeitofragmentodehistórianomundomoderno.—Nadaexato—eudisseaela.—Sóumaruaresidencialantiga.—Vámaisparatrás.Vejaopanoramageral.Obedeci. Era como se eu estivesse flutuando emdireção ao céu, observando aquele
quarteirão de cima comoumpássaro.As casas se estendiam a outros quarteirões que,por fim, davam lugar a áreas industriais e comerciais. Continuei me afastando. Essasáreas foram se tornando cada vez mais densas. Mais e mais ruas se cruzavam dentrodelas.Osprédiosforamficandocadavezmaisaltosatéque,porfim,sematerializaramnumhorizonteconhecido.—LosAngeles—eudisse.—AcasaficanosarredoresdeLosAngeles.
Ouviumatomadadefôlegosúbita,seguidapor:—Obrigada,srta.Melbourne.Issoétudo.Derepente,umamãocruzoumeucampodevisão,desfazendoa imagemdacidade.
Também desfez o estado de euforia em que eu me encontrava. Não estava maisflutuando, tampouco era feita de luz. Caí com tudo na realidade, de volta para apaisagemdesérticaerochosaemeupijamaabafado.Estavaexaustaetrêmula,prestesadesmaiar.Asra.Terwilligermeentregouumagarrafatérmicacomsucodelaranja,quebebi com vontade. Assim que os nutrientes chegaram ao meu organismo e mefortaleceram,comeceiamesentirumpoucomelhor.Ousointensodemagiaesgotavaoaçúcarnosangue.—Foi útil?— perguntei, depois de beber toda a garrafa.Uma voz importuna na
minhacabeçacomeçouamerepreenderporcausadas caloriasno suco,mas a ignorei.—Eraissoqueasenhoraqueriasaber?Asra.Terwilligerabriuumsorrisotriste.—Foiútil,sim.Agora,seeraissoqueeuqueriasaber…—Elavoltouoolharpara
ohorizonte.—Não,nãoexatamente.Minhaesperançaeraquevocêvisseoutracidade.Umamuito,muitolonge.Pegueiminhacruzevolteiaprendê-lanopescoço.Aqueleobjetofamiliarmetrouxe
uma sensação de normalidade depois do que eu havia feito.Também fez com quemesentisse culpada, ao me lembrar da euforia que a magia tinha me proporcionado. Oshumanos nãodeveriamusarmagia,muitomenos gostar de usá-la.Aopassar os dedospelacruz,mepegueipensandoemAdrianoutravez.Seráqueeletinhachegadoausá-la?Ousóa tinhaguardadopara ter sorte?Seráque seusdedos tinhamtraçadoa formadacruzcomoosmeusviviamfazendo?Asra.Terwilligercomeçouajuntarsuascoisas.Quandoselevantou,fizomesmo.—Oque issoquerdizer exatamente?—perguntei.—O fatodeeu ter vistoLos
Angeles?Eua seguiatéocarroeelanãorespondeude imediato.Quandorespondeu, suavoz
soouestranhamentesinistra.— Quer dizer que ela está mais perto de mim do que eu gostaria. Quer dizer
também que, querendo ou não, você vai ter que aperfeiçoar suas habilidades mágicasmuito,muitorápido.Parei,sentindoumaraivasúbita.Aquilojáerademais.Euestavaexaustaecomdor
no corpo todo. Ela havia me arrastado até ali, no meio da noite, e agora tinha apresunçãodemefalarumacoisadessas,sabendocomoeumesentiaemrelaçãoàmagia?Opioreraqueaspalavrasdelameassustavam.Oqueeutinhaavercomtudoaquilo?Aquele feitiçoeradela,do interessedela.Noentanto,ela tinhamedadoaquelaordemcomtantaforçaefirmezaquepareceuqueeueraomotivodetermosidopararnomeiodonada.—Mas…—comecei.A sra. Terwilliger deu meia-volta e se aproximou até ficar a apenas alguns
centímetros demim.Engoli em seco todas as palavras indignadas que estava prestes asoltar. Ela não estava exatamente assustadora, mas com uma intensidade no olhar,muito diferente da professora distraída com quem eu estava acostumada. Ela tambémparecia…amedrontada.Vidaoumorte.—Sydney—eladisse,usandomeuprimeironome,oqueerararo.—Garantoque
nãoénenhumtruquedaminhaparte.Vocêvaiaperfeiçoarsuashabilidades,querendoounão. E não é porque sou malvada, nem porque estou tentando realizar algum desejoegoísta.Nemmesmoporqueodeiovervocêdesperdiçarseupotencial.—Entãoporquê?—pergunteibaixinho.—Porqueprecisoaprendermais?Ovento soprava aonosso redor, fazendovoar algumas folhas e flores secasdomeu
cabelo.Assombrasqueprojetávamosassumiramumaaparênciasinistra,ealuzdoluaredasestrelas,antescomumaspectotãosublime,pareciaagorafriaeinóspita.—Porque—asra.Terwilligerdisse—éparasuaprópriaproteção.
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Asra.Terwilligerserecusouadizer qualqueroutracoisadepoisdisso.Elamelevoudevolta aAmberwoodquase semnotarque eu estava ao seu lado. Só ficoumurmurandosozinha coisas sem sentido, como “Não temos tempo suficiente” e “Preciso de maisprovas”.Quando finalmenteme deixou no alojamento, tentei pressioná-la para ver seconseguiamaisinformações.—Porqueasenhoradissequeprecisomeproteger?—perguntei.—Meproteger
doquê?Elaestacionouemlocalproibidodenovoeaindaestavacomacabeçaemoutrolugar.—Depoisexplico.Amanhã,nanossasessão.—Nãoposso—eua lembrei.—Vousair logodepoisdasaulasnormais, lembra?
Precisopegarumvoo.Faleiparaasenhoranasemanapassada.Eontem.Ehoje.Issochamouaatençãodela.— Falou?Nesse caso, faremos o que for possível.Verei o que posso adiantar para
vocêdemanhã.Voltei para a cama, mas não consegui dormir muito. Quando cheguei à aula de
história da sra.Terwilliger namanhã seguinte, ela cumpriu sua palavra.Antes que osinal tocasse, foi até a minha carteira e me entregou um livro antigo com uma caparachadade couro vermelho.O título estava em latime a tradução seria Elementos debatalha, o que me deu um calafrio. Feitiços para criar luz e invisibilidade eram umacoisa.Eles tinhamumanaturezapráticaqueeu quaseconseguiaaceitar.Mas feitiçosdebatalha?Algumacoisamediziaqueeuteriaressalvasquantoaisso.—Leitura para viagem—ela disse, com sua voz usual de professora atrapalhada.
Porém, dava para ver em seus olhos uma centelha da apreensão da noite anterior.—Concentre-seapenasnaprimeiraseção.Tenhocertezadequefaráotrabalhominuciosodesempre…eumpoucomais.Nenhumdos alunosque estavamchegandoprestou atenção ànossa conversa.Minha
últimaauladodiaeraumasessãodeestudoindependentesobrehistóriadaAntiguidade
tardia, e a sra.Terwilliger eraminha orientadora.Namaioria das vezes, ela usava asessãocomoumamaneira indiretademeensinarmagia;por isso,medar livroscomoaquelenãoeraalgoforadocomum.—E—elaacrescentou—,seconseguirdescobrirondeficaaquelequarteirão,seria
muitoútil.Fiquei sem palavras por alguns segundos. Encontrar um quarteirão na área
metropolitanadeLosAngeles?— É… uma área bem grande— eu disse finalmente, escolhendo as palavras com
cuidadoagoraquehaviapessoasaoredor.Elaassentiueajeitouosóculosemcimadonariz.—Eusei.Amaioriadaspessoasnãoconseguiria.—E,comesseelogiodistorcido,
elavoltouparasuamesanafrentedasala.—Quequarteirão?—outravozperguntou.EddieCastilehaviaacabadodechegareseacomodavanumacarteirapertodaminha.
Eddie era um dampiro, o que significava que possuía um DNA misto de humano evampiro, passado adiante desde os tempos em que as duas raças se misturavam. Noentanto,paratodososefeitos,eleera indistinguíveldequalquerhumanonormal.Comcabelo e olhos castanho-claros, era também muito parecido comigo, o que ajudava asustentar a história deque éramos gêmeos.Na verdade,Eddie estava emAmberwoodcomoguarda-costasdeJill.ElaestavasendoperseguidapordissidentesdosMoroi,araçadela. Por mais que não tivéssemos visto nenhum sinal deles desde que chegáramos aPalmSprings,Eddieestavasemprealertaeprontoparaentraremação.Guardeidiscretamenteolivrodecourovermelhonabolsa.— Nem queira saber. Mais uma das tarefas malucas dela.— Nenhum dos meus
amigos, excetoAdrian, sabiaqueeuestava envolvida commagia sob instruçãoda sra.Terwilliger.Quer dizer, Jill também sabia, indiretamente.Todos osMoroi possuíamalgum tipo de magia elemental.A magia deAdrian era de um tipo raro e poderosochamado espírito, que conseguia realizarmilagres de cura. Ele tinha usado essamagiapara trazer Jill de volta à vida quando ela foi morta pormercenários.Assim, ela foi“beijadapelassombras”,oquecriouumlaçopsíquicoentreosdoisquepermitiaqueJillsentisseasemoçõesdelee,àsvezes,enxergasseatravésdosolhosdeletambém.Porisso,JillsabiamaissobreoqueaconteciaentremimeAdriandoqueeugostaria.Tireiaschavesdocarrodabolsae,relutante,entreguei-asparaEddie.Eleeraaúnica
pessoaemquemeuconfiavaparadirigirmeucarro,por isso sempre lheemprestavaoPingadoquandosaíadacidade,paraocasodeeleprecisarfazeralgumacoisapelogrupo.—Toma. É bom ele estar inteiro quando eu voltar. Não deixe aAngeline nem
chegarpertodobancodomotorista.Eleabriuumsorriso.—Pode deixar, eu dou valor àminha vida.Mas acho que nem vou precisar dele.
Temcertezadequenãoquerumacaronaatéoaeroportomaistarde?—Você teria que perder aula— eu disse.A única coisa queme permitia sair da
escolamaiscedoeraocaráterpeculiardomeuestudoindependente.—Acredite,eunãoligo.Tenhoprovadeciências.—Elefechouacaraeabaixoua
voz.—Játinhaodiadofísicadaprimeiravez,sabia?Não consegui evitar um sorriso. Eu e Eddie tínhamos dezoito anos e havíamos
terminadooensinomédio,euestudandoemcasaeele,numaacademiadeeliteparaosMoroieosdampiros.Noentanto,nãodavaparafingirqueéramosalunossemassistiràsaulas. Embora eu não me importasse com o trabalho extra, Eddie não era tãoapaixonadoporconhecimentoquantoeu.—Não,obrigada—eudisse.—Pegoumtáxi.O sinal tocou e Eddie se aprumou na carteira. Enquanto a sra.Terwilliger pedia
ordemnasala,elemurmurouparamim:—Jillestábemtristepornãopoderir.—Eusei—respondiaossussurros.—Massabemosqueelanãopodeir.—Poisé—eleconcordou.—Oquenãoseiéporqueelaestátãobravacomvocê.Volteiaatençãoparaa sra.Terwilligereo ignoreidescaradamente. Jilleraaúnica
pessoa que sabia sobre a declaração de amor deAdrian, graças ao laço entre eles. Erauma das coisas que eu preferia que não fossem compartilhadas,masAdrian não tinhacomo evitar. Embora Jill soubesse que romances entre vampiros e humanos eramerrados, ela não conseguia me perdoar por ter magoado Adrian. Para piorar,provavelmenteestavasentindopartedosofrimentodelenapele.Apesar de os nossos amigos não saberem o que tinha acontecido, estava claro que
havia alguma coisa errada entre mim e Jill. Eddie havia percebido de cara e logocomeçouameinterrogar.Euderaumadesculpavaga,dizendoqueJillnãotinhagostadodealgumasregrasqueeuhaviaimpostoparaelanaescola.Eddienãoseconvenceu,masJilltambémficaramudasobreaquestão,deixando-ofrustradoesemsaberoqueestavaacontecendo.Odialetivopassourápidoelogoeuestavanotáxiacaminhodoaeroporto.Eulevava
poucas coisas— só tinha uma pequenamala demão eminha bolsa a tiracolo, ambasfáceis de carregar. Pelo que pareceu a centésima vez, tirei um pacotinho branco eprateado da bolsa e examinei seu conteúdo. Dentro, havia um enfeite caro de cristalreluzente,feitoparaserpenduradonasacadaounajanelaerefletiraluz.Eraentalhadocomduaspombasvoando,voltadasumapara aoutra.Depoisdeembrulhá-lonopapelde seda mais uma vez, voltei a guardá-lo na bolsa, torcendo para que fosse um bompresenteparaoeventoaoqualmedirigia.Euestavaindoparaumcasamentodevampiros.Nunca tinha ido a um casamento de vampiros antes.Acho que nenhum alquimista
tinha.EmboratrabalhássemoscomosMoroiparaprotegersuaexistência,osalquimistasdeixavam claro que não queriam nada além de um contato meramente profissional.Depois dos últimos acontecimentos, porém, os dois grupos decidiram que seria bommelhorarnossasrelações.Comoaqueleeraumcasamentoimportante,euemaisalgunsalquimistashavíamossidoconvidados.
Euconheciaocasale,emtese,estavaanimadaparaassistiraocasamento.Eraorestodo evento queme deixava nervosa: uma reunião social gigantesca com váriosMoroi edampiros. Mesmo com outros alquimistas lá, estaríamos em grande desvantagem.Minha temporada emPalm Springs comEddie, Jill e os outros havia suavizadomuitomeussentimentosemrelaçãoàraçadeles.Eumedavabemcomaquelegrupoe,agora,os consideravameus amigos.No entanto, pormais liberal que eu fosse nesse sentido,aindacompartilhavamuitoda inquietaçãoqueosalquimistassentiamdentrodomundodos vampiros.OsMoroi e os dampiros podiam não ser as criaturasmaléficas que euimaginavaantes,masdefinitivamentenãoeramhumanos.PartedemimqueriaquemeusamigosdePalmSpringsmeacompanhassem,masisso
estava fora de questão.O grandemotivo para estarmos na Califórnia eramanter Jillescondidaeprotegidadaquelesque tentavammatá-la.TantoosMoroicomoosStrigoicostumavamevitar regiõesdesérticas e ensolaradas. Se ela aparecessede repentenumagrande festa Moroi, destruiria todo o objetivo da missão. Eddie eAngeline— outradampiraqueaprotegiaemAmberwood—precisavamsemanterafastadostambém.Sóeu eAdrianhavíamos sido convidadosparao casamento e, felizmente, íamos emvoosseparados.Sealguémnotassequeestávamosviajandojuntos,atrairiaatençãoparaPalmSprings, o que por sua vez poderia expor Jill.O voo deAdrian nemmesmo sairia dePalm Springs. Ele partiria direto de Los Angeles, a duas horas de viagem deAmberwood,paragarantirqueninguémsuspeitassedeumaligaçãoentrenós.Meu voo faria escala em Los Angeles, o que me lembrou da tarefa da sra.
Terwilliger. Encontrar umquarteirão nomeio da áreametropolitana de LosAngeles.Claro, semproblema.Aúnica coisa ameu favorerao fatode aquelas casas vitorianassereminconfundíveis.Seeuconseguisseencontraralgumasociedadehistórica,haviaumaboachancedequepudessemme indicar áreasquecorrespondessemàqueladescrição,oqueafunilariamuitominhabusca.ChegueiaoportãodeembarquedoAeroportoInternacionaldeLosAngelesumahora
antesdovoo.Tinhaacabadodeencontrarumaposiçãoconfortávelcomo livroda sra.Terwilligerquandoumavozanunciou:—Atenção,passageiraMelrose.Porfavor,compareçaaobalcãodeatendimento.Sentiumfrionabarriga.Junteiminhascoisasemedirigiaobalcão,ondefuiatendida
porumaalegrerepresentantedacompanhiaaérea.—Sintomuito,masseuvoosofreu overbooking—eladisse.Considerandosuavoz
animadaeograndesorrisoemseurosto,elanãopareciasentirtantoassim.—Oque issoquerdizer, exatamente?—perguntei, comumpavor crescente.—
Tenho um lugar confirmado.— Eu lidava com burocracias o tempo todo, mas voosc omoverbooking eram uma coisa que nunca havia entendido. Como isso podiaacontecer?Elessabiammuitobemonúmerodelugares.— Significa que a senhorita não entrará mais neste voo — ela explicou. —A
senhorita e alguns outros voluntários cederam seus lugares para acomodar aquelafamília.Senãoelesteriamqueviajarseparados.
—Voluntários?— repeti, olhando para onde ela apontou.Na sala de espera, umafamíliacomsetecriançassorriunaminhadireção.Ascriançaseramlindaseadoráveis,com olhos grandes e aquele tipo de fofura que vemos em musicais sobre órfãos queencontram novos lares. Furiosa,me voltei para a funcionária.—Como vocês podemfazerisso?Eufizocheck-incomantecedência!Estouindoparaumcasamento,nãopossoperderessevoo!Amulhertirououtrobilhetedepassagemdobalcão.—Não se preocupe. Reservamos um lugar para a senhorita em outro voo para a
Filadélfia, que vai sair antes. E a senhorita vai de primeira classe para compensar otranstorno.— Pelo menos isso— eu disse.Ainda estava irritada com aquilo, por princípio.
Gostavadeordemedeseguirosprocedimentos.Qualquermudançaviravameumundode cabeça para baixo.Dei uma olhada na passagem e tomei um susto.—Está saindoagora!Elaassentiu.—Comoeudisse,vaisairantes.Eumeapressariasefosseasenhorita.Naqueleexatomomento,ouvioanúnciodaúltimachamadaparaomeuvoo,dizendo
quetodosospassageirosdeveriamestarabordoimediatamente,pois logofechariamasportasdacabine.Eunãocostumava falarpalavrões,masquase solteiumnaquelahora,aindamaisporquemeunovoportãodeembarqueeradooutroladodoaeroporto.Semdizer outra palavra, peguei asminhas coisas e desatei a correr omais rápido possível,fazendoumanotamentaldeenviarumacartadereclamaçãoàcompanhiaaérea.Comoque por milagre, cheguei um segundo antes de o avião fechar as portas para ospassageiros, e a funcionária que trabalhava no portãome disse com ar severo que, dapróximavez,eudeveriameorganizarparachegarmaiscedo.Ignoreiocomentárioeentreinoavião,onde fui recebidaporumaaeromoçamuito
maissimpática—aindamaisquandoviuminhapassagemdeprimeiraclasse.—Srta.Melrose,seulugaré logoali—eladisse,apontandoparaaterceirafilada
cabine.—Éumprazertê-laconosco.Elameajudouacolocaramalademãonocompartimentosuperior,oqueseprovou
umatarefadifícil,poisospassageirosquechegaramcedotinhamtomadoamaiorpartedo espaço. Exigiu muita criatividade para rearranjar o espaço e, quando finalmenteconseguimos,quasedesmaieinoassento,exaustapelaondainesperadadeadrenalina.Láseforaminhaviagemrelaxante.Maltivetempodeprenderocintoeoaviãojácomeçouaseprepararparaadecolagem.Umpoucomaiscalma,tireiofolhetodesegurançadosaquinhoparapoderacompanharaapresentaçãodaaeromoça.Pormaisqueviajassecomfrequência, sempre achava importante ficar a par dos procedimentos de segurança.Estava observando a aeromoça prendendo uma máscara de oxigênio quando senti umcheiroinebrianteefamiliaraomeulado.Emmeioatodoocaosparachegaraovoo,nãotinhamedadoaotrabalhodeexaminarquemestavanoassentoaoladodomeu.Adrian.
Fiqueiolhandoparaele,semconseguiracreditar.Elemeobservava,sedivertindo,esemdúvidaestiveraesperandoparaverquantotempoeulevariaparanotarsuapresença.Nemmedeiaotrabalhodeperguntaroqueestavafazendoali.SabiaqueiaembarcarnoAeroporto Internacional de LosAngeles e, por uma reviravolta maluca do acaso, eutinhaidopararjustamentenovoodele.—Éimpossível—exclamei.Meuladocientistaestavaembasbacadodemaisparaque
eupercebesse a situaçãoconstrangedoraemquehaviamemetido.—Umacoisa é sertransferidaparaoutrovoo…Masirpararlogodoseulado?Sabequaissãoaschancesdeissoacontecer?Éinacreditável.—Alguns diriam que foi o destino— ele disse.—Ou talvez não existam tantos
voospara aFiladélfia assim.—Ele ergueuuma taça cheiadeum líquido transparenteparamim.ComoeununcatinhavistoAdrianbeberágua,tivequesuporqueeravodca.—Bomvervocê,aliás.—Ah,vocêtambém.Os motores ganharam vida, e o barulho me poupou da conversa por alguns
momentos.Comecei a cairna realidade.Euestavapresanumvoode cincohoras comAdrian Ivashkov. Cincohoras.Cincohorassentadaapoucoscentímetrosdele,sentindoo aroma daquela colônia cara e encarando aqueles olhos que diziammuito.O que eupodiafazer?Nada,claro.Nãohaviaparaondeir,nenhumarotadefuga,jáquemesmoos passageiros de primeira classe não tinham permissão para usar os paraquedas.Meucoração começou a bater mais rápido enquanto buscava alguma coisa para dizer. Eleestavameobservandoemsilêncio,aindacomaquelesorrisinhosarcástico,esperandoqueeuiniciasseaconversa.—Então—eudisseenfim,olhandofixamenteparaasmãos.—Comovai,ahn,o
seucarro?—Deixeinarua.Imagineiqueficariabemenquantoeuestivessefora.Levanteiacabeçarapidamente,boquiaberta.—Deixounarua?Vãochamaroguinchoseocarroficarláanoitetoda!Adrianestavarindoantesqueeuterminassedefalar.—Então é assimque se faz para despertar uma reação calorosa emvocê, hein?—
Elemeneouacabeça.—Nãosepreocupe,Sage.Euestavabrincando.Estáguardadinhoemsegurançanoestacionamentodoprédio.Sentimeurosto ficarquente.Odiava tercaídonapiadadeleeestava atéumpouco
envergonhadaportersurtadoporcausadeumcarro.Claro,nãoeraumcarroqualquer.Era um lindo Mustang clássico queAdrian havia comprado pouco tempo antes. Naverdade, ele tinha feito isso parame impressionar, e fingiu que não sabia dirigir comcâmbiomanualparapassarmaistempocomigoenquantoeuensinavaparaele.Euachavaocarro incrível,mas aindanãoacreditavaqueele tinha sedado tanto trabalho sóparaficarcomigo.ChegamosàaltitudedevooeaaeromoçavoltoucomoutrabebidaparaAdrian.—Algumacoisaparaasenhorita?—elaperguntou.
—UmaCocaDiet—respondiautomaticamente.Adrianmerepreendeudepoisqueelasaiu:—Vocêpodiaterpegadoumadegraçanaclasseeconômica.Revireiosolhos.—Vou passar as próximas cinco horas sendo infernizada? Nesse caso, vou para a
classeeconômicaedeixoalgumpassageirosortudotomaromeulugar.Adrianergueuasmãosnumgestoapaziguante.—Não,não.Fiqueàvontade.Voumedistrairsozinho.Por “se distrair sozinho”, ele queria dizer fazer as palavras cruzadas de uma das
revistasdebordo.Pegueio livrodasra.Terwilligere tentei ler,masestavadifícilmeconcentrarcomAdrianaolado.Euficavaolhandodesoslaioparaele,emparteparaverse ele estava olhandoparamim e emparte só para examinar seu rosto.Era omesmoAdrian de sempre, com aquela beleza irritante, aquele cabelo castanho desgrenhado eaquele rosto belamente esculpido. Jurei que não voltaria a falar com ele,mas, quandopercebiqueelenãoestavaescrevendofaziaumtempoebatiaruidosamentecomacanetanamesinha,nãoconseguimeconter.—Quefoi?—perguntei.—“Inventordamáquinadescaroçadoradealgodão”,seteletras.—Whitney—respondi.Elesedebruçoueescreveuaresposta.—“DominaaescaladeMohs”,oitoletras.—Diamante.Cincopalavrasdepois,percebioqueestavaacontecendo.—Ei—eudisse.—Nãovoucairnessa.Elemeolhoucomcaradeinocente.—Cairnoquê?—Você sabe o quê.Você está me enrolando. Sabe muito bem que não consigo
resistira…—…mim?—sugeriu.Aponteiparaarevista.—Conhecimentosgerais.—Mevireidecostasparaeleeabriolivrocomumgesto
dramático.—Tenhotrabalhoafazer.SentiAdrianolhandoporsobremeuombroetenteiignoraraquelaproximidade.—Pelovisto Jackie aindaestá fazendovocê seesforçarpara a auladela.—Adrian
conhecera a sra.Terwilliger havia pouco tempo e eu não sabia como tinha aberto ocaminhoparatamanhaintimidade.—Issoestámaisparaumaatividadeextracurricular—expliquei.—Sério?Penseiquefossecontraseusprincípiosmexercomessascoisasmaisdoque
onecessário.Fecheiolivro,frustrada.— E é! Mas então ela disse…— Engoli as palavras, lembrando que não deveria
conversar comAdrianmais do queo estritamente necessário.Eramuito fácil cair emvelhoshábitosamigáveiscomele.Pareciacerto,mas,obviamente,nãoera.—Eladisseoquê?—eleinstigou,gentilmente.Levantei os olhos para ele e não vi sinal de presunção ou sarcasmo. Não vi nem
mesmoaquelamágoadevastadoraquevinhameatormentandonasúltimassemanas.Elepareciasinceramentepreocupado,oque,porummomento,medistraiudatarefadasra.Terwilliger.Aquelaatitudefaziaumcontrastedrásticocomoquehaviaacontecidologodepois do nosso beijo. Eu estava tão nervosa com a ideia de viajar ao lado deAdrian,masaliestavaele,prontoparameapoiar.Porqueamudança?Hesitei,semsaberoquefazer.Desdeanoiteanterior,vinharepetindosempararas
palavrasdasra.Terwilligereaquelavisãonaminhacabeça,tentandodescobrirosentidodelas.Adrianeraaúnicapessoaquesabiadomeuenvolvimentocomelaecomamagia—com a exceção de Jill—e, até aquelemomento, eu não tinha percebido o quantoqueriaconversar sobreaquilocomalguém.Entãocedie contei aele todaahistóriadaminhaaventuranodeserto.Quandoterminei,fiqueisurpresacomaseriedadeemseurosto.—Umacoisaéelatentarensinarmeiadúziadefeitiçospravocê.Masarrastá-lapara
omeiodeumasituaçãoperigosaéoutracoisacompletamentediferente.Aintensidadedesuapreocupaçãomesurpreendeuumpouco,mastalveznãodevesse.—Pelojeitoqueeladisse,nãopareceserculpadela.Elapareciabastantepreocupada
com…bem,oquequerqueissotudosignifique.Adrianapontouparaolivro.—Eissopodeajudardealgummodo?—Achoquesim.—Passeiosdedossobreacapaesobreaspalavrasemlatim.—
Tem feitiços de proteção e ataque, coisas umpoucomais pesadas doque já fiz. Já nãoestougostandonemumpouco,eolhaquenemsãoosmaisavançados.Elamefalouparapulá-los.—Vocênãogostademagia,pontofinal—elemelembrou.—Mas,seos feitiços
puderemprotegervocê,talvezsejamelhornãoignoraroqueeladisse.Euodiavaadmitirqueeletinharazão,poissóoincentivavaacontinuar.— Sim,mas apenas queria saber do que estou tentandome proteger…Não.Não
podemosfazerisso.Sem perceber, eu tinha voltado a agir como antigamente, falando com Adrian
daquele jeito tranquiloe sossegadodeantes.Não só isso:estava tratandoAdriancomoumconfidente.Elepareceuassustado.—Fazeroquê?Pareidepedirajudanaspalavrascruzadas,nãoparei?Respireifundo,juntandoforças.Sabiaqueaquelemomentoiriachegar,pormaisque
quisesseadiá-lo.Sónãoesperavaquechegasseduranteumaviagemdeavião.—Adrian,precisamosconversarsobreoqueaconteceu—declarei.—Entrenós.Elepensousobreminhaspalavrasporalgunsmomentos.—Então…peloqueparece,nadaaconteceuentrenós.
Crieicoragemparaolharparaele.— Exatamente. Desculpe pelo que aconteceu… pelo que eu disse, mas era tudo
verdade.Precisamossuperaraquiloeseguiremfrente.ÉpelobemdonossogrupoemPalmSprings.— Engraçado, porqueeu superei— ele disse.— É você quem está trazendo esse
assuntoàtonaagora.Volteiaficarvermelha.—Maséculpasua!Vocêpassouasúltimassemanastodotemperamentalechateado,
malfalandocomigo.Equandofalava,erasempreparasoltaralgumaindireta.—Numjantar algum tempo antes na mansão de Clarence Donahue, uma das aranhas maisassustadoras que já vi na vida entrouna sala.Reunindo toda aminha coragem,pegueiaquele bichinho abominável e o joguei no jardim.O comentário deAdrian sobremeuato de bravura foi: “Nossa, não sabia que você enfrentava as coisas que a assustam.Pensei que normalmente saísse correndo e gritando, e depois fingisse que elas nãoexistem”.—Vocêestácertasobreminhaatitude—eledisseagora,assentindo.Maisumavez,
pareciaextraordinariamentesério.—Medesculpe.—Sério?—Eunãoconseguiaformarfrasesdireito.—Então…vocêdeixoudelado
todasaquelas…coisas?Deixoude,hum,sentiraquilo?—Eunãoconseguiadizercomtodasasletras.Deixoudeestarapaixonadopormim?—Ah,não—eledisse,sorridente.—Dejeitonenhum.—Masvocêacaboudefalar…—Deixeide ficarmagoado—eledisse.—Deixeide ser temperamental…Quer
dizer, sempre soumeio temperamental. É isso que defineAdrian Ivashkov.Mas pareicomosexcessos.ElesnuncamelevaramalugarnenhumcomRose.Nãovãomelevaralugarnenhumcomvocê.—Nadavailevarvocêalugarnenhumcomigo!—exclamei.—Disso não tenho tanta certeza.— Ele assumiu um ar introspectivo que foi ao
mesmotempoinesperadoeintrigante.—Vocênãoéumacausatãoperdidaquantoela.Querdizer,comRoseeutinhaquesuperaroamorprofundoeépicoentreelaeumdeusda guerra russo. Nós dois só temos que superar algumas centenas de anos de tabus epreconceitosarraigadosentreasnossasraças.Tranquilo.—Adrian!—Euestavacomeçandoaperderacabeça.—Issonãoéumapiada.—Eusei.Pramimnãoémesmo.Eépor issoquenãovoudificultar ascoisaspra
você.— Ele fez uma pausa dramática.— Simplesmente vou amar você, quer vocêqueiraounão.A aeromoça voltou com toalhas quentes, interrompendo nossa conversa, deixando
aquelas palavras um tanto perturbadoras pairando entre nós. Eu estava confusa demaisparaconceberumarespostaantesdeelafinalmentevoltarpararecolherastoalhas.—Queiraounão?Oqueissoquerdizer?Adrianfezumacareta.
—Desculpe. Sooumais assustador do que eu pretendia. Só quis dizer que nãomeimportosevocêdisserquenãovamosficarjuntos.Nãomeimportoseacharqueeusouumadascriaturasmaisperversaseabomináveisquecaminhamsobreaterra.Poruma fraçãodesegundo,aspalavrasdeleme levaramdevoltano tempo,parao
momentoemqueelehaviaditoqueeueraacriaturamaislindaquejátinhacaminhadosobrea terra.Aquelaspalavrascontinuavammeperturbandotantoquantodaprimeiravez.Penseiemnósdoissentadosnaquelasalaescura,sobaluzdevelas,eelemeolhandodeumjeitoqueninguémnuncatinha…Chega,Sydney.Foco.—Você pode achar o que quiser, fazer o que quiser —Adrian continuou, sem
desconfiar dos pensamentos que me traíam. Havia uma calma extraordinária em suavoz.—Simplesmentecontinuareiamandovocê,mesmosendoumcasoperdido.Não sei por que aquilo me escandalizou tanto. Dei uma olhada ao redor para ter
certezadequeninguémtinhaouvido.—Eu…Comoassim?Não.Vocênãopode!Eleinclinouacabeçaenquantomeobservavacomatenção.—Porquenão?Nãoamachucanemnada. Já faleiquenãovou incomodá-la senão
mequiser.Esequiser…Bem,seriaincrível.Entãoqualéoproblemadeeuamarvocêdelonge?Eunãosabiaexatamente.—Você…vocênãopode!—Porquenão?—Você… você precisa superar isso — consegui dizer. Sim, parecia um bom
motivo.—Precisaencontraroutrapessoa.Sabequeeunão…queeunãoposso.Enfim,vocêsabe.Estáperdendoseutempocomigo.Elesemantevefirme.—Otempoémeu.Façooquequisercomele.—Masissoéloucura!Porquevocêfariaumacoisadessas?—Porquenãoconsigoevitar—elerespondeu,encolhendoosombros.—E,ei,se
eu continuar amando você, talvez um dia consiga fazer você me amar também. Naverdade,tenhoquasecertezadequejáestámeioapaixonadapormim.—Nãoestou!Etudooquevocêdisseéridículo.Nãofazomenorsentido.Adrianvoltouparasuaspalavrascruzadas.—Bom,penseoquequiser.Massaibaque,pormaisqueascoisaspareçamnormais
entreagente,euaindaestareiaqui,apaixonadoporvocê,evoumeimportarmaiscomvocêdoquequalqueroutrocara,sejaelemalignoounão.—Nãoachoquevocêsejaperverso.—Viu?Ascoisas jáparecemumpoucomaispromissoras.—Elebateuacanetana
revistadenovo.—“Poetavitorianaromântica”,oitoletras.Não respondi.Adrian tinhame deixado sem palavras. Ele não voltou amencionar
esseassuntoperigosoduranteorestodovoo.Namaiorpartedotempo,ficounadelee,
quando falava, era sobre assuntos perfeitamente seguros, como nosso jantar ou ocasamento. Qualquer pessoa que sentasse ao nosso lado nunca saberia que havia algoestranhoentrenós.Maseusabia.Aquilomeconsumia.Eraavassalador.E,conformeovoocontinuavae,mais tarde,
aterrissava, eu não conseguia mais olhar paraAdrian da mesma forma. Sempre quefazíamos contato visual, eu me lembrava das palavras dele: eu ainda estarei aqui,apaixonado por você, e voume importarmais com você do que qualquer outro cara .Partedemimsesentiaofendida.Comoelepodiadizer isso?Comopodia teraaudáciademeamar,querendoeuounão?Eutinhaditoparaelenãomeamar!Elenãotinhaessedireito.Eaoutrapartedemim…Aoutraparteestavacommedo.Seeucontinuaramandovocê,talvezumdiaconsigafazervocêmeamartambém.Eraridículo.Nãoerapossível fazerumapessoaamarvocêsóporquevocêaamava.
Não importava o quão charmoso, bonito e engraçado ele fosse. Um alquimista e umMoroinuncapoderiamficarjuntos.Eraimpossível.Tenhoquasecertezadequejáestámeioapaixonadapormim.Completamenteimpossível.
3
Fielàsuapalavra,Adriannãovoltouamencionarnossarelação—ouafaltadela.Vezououtra,porém,eupodia jurarquevia algumacoisaemseusolhos,comoumecodadeclaração de que continuaria me amando. Ou talvez fosse só sua impertinência desempre.Depois de uma última escala e uma hora de carro, já era noite quando finalmente
chegamosàcidadezinhaturísticanasmontanhasPocono,ondeseriaocasamento.Aosairdocarro, tiveumasurpresa.DezembronaPensilvâniaeracompletamentediferentededezembroemPalmSprings.Fui recebidaporumventogélidoe cortante,do tipoquecongelaonarizeaboca.Umacamadadenevefrescarecobriatudo,brilhandosobaluzdamesma lua cheia que iluminaraminha sessão demagia com a sra.Terwilliger.Asestrelasestavamtãovisíveisaliquantonodesertoárido,emboraovento frioas fizessebrilharaindamaisforte.Adrian ficouno táxi,mas sedebruçouna janela quandoomotoristameentregou a
maleta.—Precisadeajuda?—eleperguntou.Suarespiraçãosoltouumanuvenzinhagelada
noar.Eraumaofertararavindodele.—Não,obrigada.Imaginoquevocênãovaificaraqui,vai?—perguntei,apontando
paraapousadaemfrenteàqualocarrohaviaparado.Adrian apontou para mais adiante na estrada, em direção a um grande hotel
iluminadoemcimadeumamontanha.—Láemcima.Éláondevãosertodasasfestas,seestiverinteressada.Devemestar
começandoagora.Sentiumcalafrioquenadatinhaavercomoclima.OsMoroinormalmenteviviam
num horário noturno, começando os dias ao pôr do sol.Aqueles que viviam entre oshumanos,comoAdrian,precisavamseadaptaraumhoráriodiurno.Masali,emumacidadezinha pequena que devia estar cheia de convidadosMoroi, ele teria a chance de
voltaraohorárioque,paraele,eramaisnatural.—Anotado — eu disse. Depois de alguns segundos de silêncio constrangedor, a
temperatura me deu uma desculpa para fugir. — Melhor eu entrar, lá deve estarquentinho.Foi,hum,legalviajarcomvocê.Eleabriuumsorriso.—Igualmente,Sage.Atéamanhã.Aportadocarrosefechouederepentemesentisozinhasemele.Ocarropartiuna
direçãodohotelimponente.Minhapousadapareciaminúsculaemcomparação,maserabonita e conservada. Os alquimistas tinham feito minha reserva ali exatamente porsaberem que os convidados Moroi teriam outras instalações. Quer dizer, a maioriadeles.—Veio para o casamento, querida? — perguntou a dona da pousada enquanto
confirmavaminhareserva.—Algunsoutrosconvidadostambémestãohospedadosaquicomagente.Fizquesimenquantoassinavaanotadocartãodecrédito.Nãoeranenhumasurpresa
quealgunsacabariamficandonaquelapousada,mashaveriamuitomenosconvidadosalido que no outro hotel. Fiz questão de trancar a porta.Confiava nosmeus amigos emPalmSprings,mastodososoutrosMoroiedampiroseramsuspeitos.Cidadezinhas como aquela e suas pousadas sempre pareciam feitas para casais em
férias românticas.Meu quarto não era exceção.Tinha uma cama de casal coberta porumdossel fino,alémdeumabanheiradehidromassagememformadecoraçãoao ladoda lareira.Tudo parecia gritar amor e romance, o que me fez pensar emAdrian denovo. Fiz o possível para ignorar tudo aquilo e escrevi uma rápida mensagem paraDonnaStanton,umaalquimista importantequesupervisionavaminhamissãoemPalmSprings.ChegueiaoValePocono.Estounapousada.A resposta veio rápido: Ótimo.Atéamanhã .Uma segundamensagem chegou logo
emseguida:Tranquebemaporta.Stanton e um outro alquimista também tinham sido convidados para o casamento.
Mas eles já estavam na Costa Leste e chegariam para a cerimônia só no dia seguinte.Sentiinvejadeles.Apesar donervosismo, dormi surpreendentemente beme criei coragempara sair e
tomarcafédamanhã.Noentanto,nãohaviaporquemepreocuparcomosMoroi.Eueraaúnicapessoacomendonorestaurantebanhadopelosol.—Queestranho—adonadapousadacomentouenquantomeserviacaféeovos.—
Várioshóspedesficaramforaatétarde,maspenseiquepelomenosalgunsviriamcomer.—Então,paraenfatizaraestranhezadasituação,elaacrescentou:—Afinal,ocafédamanhãéporcontadacasa.OfatodeosMoroiaindaestaremnacamamedeucoragemparaexplorarumpouco
mais a cidade naquele dia. Por mais que tivesse levado botas e um casaco pesado, amudança de tempo ainda era um tanto surpreendente. Palm Springs haviamedeixado
mal-acostumada.Nãodemoreiavoltarparaapousadaepasseiorestodatardelendoolivrodasra.Terwilligerao ladoda lareira.Devoreiaprimeira seçãoecontinueiatéadefeitiçosavançados,queelahaviameditoparapular.Talvezporseremproibidos,nãoconseguiaparardelersobreeles.Ostemasqueolivrodescreviaeramtãointeressantese abrangentes que quase pulei da cadeira quando ouvi uma batida na porta. Congelei,imaginando se algumMoroi confuso havia batido na porta errada atrás de um amigo.Oupior:deumfornecedor.De repente, meu telefone apitou com uma mensagem de Stanton: Estamos na sua
porta.Ditoefeito.Quandoabri,encontreiStantonaoladodeIanJansen,umalquimistada
minhaidade.Apresençadeleeraumasurpresa.NãoviaIandesdequeele,Stantoneeuhavíamos sido detidos por alguns Moroi para um interrogatório a respeito de umadampira fugitiva.Naqueles tempos, Ian tinhaumapaixãonãocorrespondidapormim.A julgar pelo sorriso bobo na cara dele, as coisas não haviam mudado muito. Eu osconvidei para entrar e fiz questão de trancar a porta.Assim como eu, os dois tinhamuma tatuagem de lírio dourado na bochecha esquerda. Era o sinal da nossa ordem:tatuagensinfundidascomsanguedevampiroquenosgarantiamumacicatrizaçãorápidae eram projetadas para nos impedir, magicamente, de conversar sobre assuntosalquimistascompessoasquenãosoubessemnadasobrevampiros.Stanton arqueou a sobrancelha ao ver a banheira em forma de coração e depois se
acomodounumacadeirapertodofogo.—Foifácilchegaraqui?Tirando a parte de viajar comum lindo vampiro que acha que está apaixonadopor
mim…— Foi tranquilo — respondi. Olhei para Ian, franzindo a testa. — Não estava
esperandovocêaqui.Querdizer,quebomqueveio,masdepoisdaúltimavez…—Fizuma pausa quando algome ocorreu.Olhei ao redor.—Nós três estamos aqui. Justonóstrêsqueficamosem,hum,prisãodomiciliar.Stantonassentiu.—Foidecididoque,seaideiaémelhorarasrelaçõesentrenossosgrupos,osMoroi
deveriamcomeçarpedindodesculpaespecificamenteanóstrês.Ian fechou a cara e cruzou os braços, se encostando na parede. Ele tinha olhos e
cabeloscastanhos,comumpenteadoperfeitamentearrumado.— Não quero desculpa nenhuma daqueles monstros depois do que fizeram com a
gente no verão passado.Mal consigo acreditar que estamos aqui! Este lugar está cheiodeles.Vaisaberoquepodeacontecerseumdelesbeberchampanhedemaishojeànoiteesairprocurandoumlanche?Aquiestamosnós,humanosfresquinhos.Queria dizer que aquilo era ridículo, mas, pela lógica alquimista, era uma
preocupaçãoperfeitamenteválida.E,me lembrandodequenãoconheciaamaioriadosMoroiali,percebiquetalvezosmedosdelenãofossemtãoinfundadosassim.—Achoqueprecisaremos ficar juntos,então—eudisse.Não foiumaboaescolha
depalavras,considerandoosorrisoesperançosodeIan.Era raro os alquimistas terem tempo para socializar, e aquele dia não foi exceção.
Stantonlogonospôsparatrabalhar,revisandonossosplanosparaocasamentoequaleranosso objetivo ali. Um dossiê continha informações sobre a vida de Sonya eMikhail,comoseeunãosoubessenadasobreeles.MasminhaatualmissãoemeuhistóricocomSonya eram segredo para os outros alquimistas; por isso, por causa de Ian, tive queouvir todos aqueles fatos como se fossemnovidadesparamim, assim comoeramparaele.—Asfestividadesdevemdurarquaseatéoamanhecer—disseStanton,juntandoos
papéisapósterminardepassarasinformações.—Depois,Ianeeuvamosemboraenocaminhodeixamosvocênoaeroporto.Vocênãovaiprecisarpassarmaisumanoiteaqui.AexpressãodeIanficousombriaeprotetora.—Vocênãodeviaterpassadoanoiteaquisozinha.Deviateralguémparaprotegê-
la.— Posso cuidar de mim mesma — retruquei, um pouco mais áspera do que
pretendia. Quer eu gostasse ou não, o treinamento da sra. Terwilliger havia mefortalecido internaeexternamente.Nossassessões,somadasaocursodedefesapessoal,tinhammeensinadoaficaratentaaoambiente.AintençãodeIanpodiaserboa,maseunãogostavaqueele,ouquemquerquefosse,achassequeeuprecisavaserprotegida.— Sage está perfeitamente bem, como você pode ver — Stanton disse, seca.A
paixãode Iandeviaestarclaraparaela,e ficou igualmenteclaroparamimqueelanãovia utilidade nenhuma em algo tão infantil. Seu olhar se voltou para a janela, banhadapela luz vermelha e laranja do pôr do sol.— Bom, está quase na hora.Vamos nosarrumar?Elesjátinhamchegadocomostrajesformais,maseuaindaprecisavametrocar.Os
doisficaramconversandoenquantoeumeaprontavanobanheiro,mas,todavezquesaíaparapegaralgumacoisa,comoumaescovadecabelooubrincos,viaIanmeobservandocomaqueleolharbobo.Ótimo.Erasóoquemefaltava.Ocasamentoacontecerianaatração turísticamais famosadacidade:umgigantesco
jardimcobertoquedesafiavaotempogélidodoladodefora.Sonyaeracompletamenteapaixonadaporplantase flores,eaqueleerao localperfeitoparaocasamentodela.Asparedesdevidroquecercavamolugarestavamembaçadaspeladiferençadrásticaentreas temperaturas interna e externa. Nós três chegamos à entrada do jardim, onde sevendiambilhetesduranteohoráriodefuncionamentonormaldaestufa.Ali,finalmenteencontramososMoroiqueestiveramescondidosdemimàluzdodia.Havia umas duas dezenas deles andando de um lado para o outro na entrada, com
roupaseleganteseaquelabelezaexótica,comseustraçosesbeltosepálidos.Algunseramgarçons e outros atendentes que ajudavam a organizar o evento e guiar os convidadospara o átrio dentro da estufa.Amaioria dosMoroi eram apenas convidados normais,que paravampara assinar o livro de visitas ou conversar com amigos e familiares quenão viam fazia tempo.Ao redor, dampiros com ternos pretos e brancos alinhados
ficavamdesentinela,atentosaqualquersinaldeperigo.ApresençadelesmelembroudeumaameaçamuitomaiordoqueumMoroibêbadonosconfundindocomfornecedores.Realizar o evento à noite nos expunha a ataques Strigoi.Os Strigoi eram um tipo
muitodiferentedevampiro,tãodiferentequeeuquasemesentiidiotaportermedodaspessoas ali.Os Strigoi eram imortais, o que conseguiam assassinando suas vítimas—diferente dos Moroi, que bebiam sangue de humanos voluntários apenas para sesustentar.OsStrigoieramselvagens,rápidosefortes,esósaíamànoite.Aluzdodia,que osMoroi achavammeramente desconfortável, era fatal para eles. Esses demôniosfaziam a maior parte de seus ataques contra humanos desavisados, mas Moroi edampiros eram seu alimento favorito. Um evento como aquele, com tantos Moroi edampirosreunidosemumsólugar,erapraticamenteumbanqueteparaosStrigoi.Ao olhar para os dampiros guardiões, porém, soube que qualquer Strigoi teria
dificuldades para invadir aquele evento. Os guardiões treinavam a vida toda,aperfeiçoando suas habilidades para combater os Strigoi. Como a rainha Moroicompareceria ao evento, suspeitei queos seguranças que eu tinha visto até então eramapenasapontadoiceberg.Váriaspessoasalireunidaspararamdefalarquandonosviram.NemtodososMoroi
sabiamsobreosalquimistasoucomotrabalhávamoscomseupovo.Porisso,apresençadetrêshumanosquenãoeramfornecedoreseraumtantoestranha.Mesmoaquelesquesabiam sobre os alquimistas deviam estar surpresos com a nossa presença, dada aformalidade das nossas relações. Stanton tinha experiência suficiente para não deixartransparecer seu nervosismo,mas Ian fez abertamente o sinal alquimista contra omalenquantotodososMoroiedampirosnosexaminavam.Conseguimemantercalma,masbemquequeriaquehouvessepelomenosumrostoconhecidonaquelamultidão.—Sra.Stanton?UmaMoroicommaçãsdorostopronunciadasseaproximourapidamente.—SouColleen, a coordenadorado casamento.Conversamospor telefone, lembra?
—Elaestendeuamão,quemesmoStantonhesitouummomentoantesdeapertar.—Sim,claro—disseStanton,comavozformaleimpassível.—Obrigadapornos
convidar.—ElaaapresentouaIaneamim.Colleenapontouparaaentradadoátrio.—Venham, venham.Estamos com seus lugares reservados.Eumesma acompanho
vocês.Ela nos guiou sob olhares curiosos.Ao chegarmos no átrio, me detive e, por um
instante, esquecios vampiros aonosso redor.Aestufaprincipal eramagnífica.O tetoera alto e abobadado, feito domesmo vidro das paredes.Tinham aberto uma área nocentroedispostobancoscomfloresentrelaçadas,demaneiramuitoparecidacomoquese veria num casamento humano.Um tablado diante dos bancos estava enfeitado comaindamaisflores—claramente,eraondeocasalfariaseusvotos.Masfoiorestodaestufaquemetirouofôlego.Eracomosetivéssemosentradoem
uma selva tropical. Árvores e outras plantas carregadas com flores de cores vivas
ladeavamorecinto,enchendooarúmidodeumperfumequaseestonteante.Comonãohavia sol para iluminar a estufa, tochas e velas haviam sido posicionadas de maneiraengenhosaemmeioatodoaqueleverde,lançandoumaluzaomesmotempomisteriosaeromânticasobreoambiente.SenticomosetivesseentradoemalgumtemplosagradonaAmazônia.E,obviamente,quaseescondidosentreosarbustoseárvores,guardiõesdepretocaminhavamdeumladoparaooutro,vigiandotudo.Colleen nos guiou até três assentos à direita com plaquinhas deRESERVADO.Os
lugareseramquasenomeio,nãotãoimportantesquantoosreservadosàfamília,claro,mas o bastante para mostrar que os Moroi nos tinham em alta conta e realmenteestavamtentandodesfazeratensãocausadapelonossoconfinamento.—Possoserviralgumacoisaparavocês?—perguntouColleen.Percebientãoquea
efusividade dela era apenas nervosismo. Nós a deixávamos quase, quase tão nervosaquantoelaeosoutrosnosdeixavam.—Oquevocêsquiserem.—Não—Stantonrespondeupornós.—Obrigada.Colleenassentiu,ansiosa.— Se precisarem de qualquer coisinha, não hesitem em pedir. Só chamem os
atendentes e eles me avisarão imediatamente. — Ela ficou parada por mais ummomento,retorcendoasmãos.—Émelhoreudarumaolhadanosoutros.Lembrem-se:chamemseprecisaremdequalquercoisa.—Euprecisoédaroforadaqui—murmurouIandepoisqueelaseafastou.Eunão
disse nada; nenhuma resposta parecia segura. Se dissesse que estávamos em segurança,elemeolhariadesconfiado.Masseagissecomoseestivéssemoscorrendoriscodevida,estariamentindo.Minhaopiniãoestavaentreessesdoisextremos.Umdos atendentesmeentregouoprogramae Ian se aproximouum tantomais do
queeugostariaparalerporsobremeuombro.Oprogramadetalhavaalistademúsicaseleituras,alémdosparticipantesdacerimônia.PudeverpelacaradeIanqueeleestavaesperando encontrar “Derramamento profano de sangue” logo depois da leitura dosCoríntios.Oqueeledisseaseguirconfirmouminhasuspeita.—Elesfazemumbelotrabalhofingindoquesãonormais,né?—elecomentou,sem
seimportaremesconderarepugnâncianavoz.Fiqueiumtantosurpresacomamaldadeemseu tom.Nãome lembravadessecomportamento tãoextremistanoúltimoverão.—Comosefosseumcasamentodeverdadeoucoisaassim.Eletambémnãoestavaabaixandoavoz,eolheiaoredor,commedodequealguém
tivesseouvido.— Então você acha que não é um casamento de verdade? — respondi, com um
sussurro.Iandeudeombros,maspelomenosentendeuaindiretaeabaixouavoz.— Entre eles? Não importa. Eles não têm família ou amor verdadeiro. São uns
monstros.Foi irônico ele ter mencionado “amor verdadeiro”, pois naquele exato momento
Adrianeseupaiestavamsendoconduzidosatéoladoopostodoátrio.Adriansemprese
vestia bem,mas eu nunca o tinha visto num traje tão formal.Odiava admitir,mas aroupa caía muito bem nele: um terno e um colete azul-marinho quase pretos,combinados com uma camisa azul-clara, além de uma gravata listrada azul e branca.Destoava dos ternos pretos e cinzas mais sóbrios que a maioria dos homens estavausando,masnãodemaneiraexageradaoucafona.Enquantooexaminava,Adrianvoltouos olhos para onde eu estava e encontrou osmeus. Ele sorriu e deu um aceno rápido.Respondicomoutrosorriso,masavozdeStantonmefezvoltaràrealidade.ObserveiAdrianpormaisuminstanteeentãodesvieioolhar.— Sr. Jansen— disse Stanton, com a voz severa.— Guarde suas opiniões para
você.Independentedavalidadedelas,somosconvidadosaquievamosnoscomportardemaneiracivilizada.Ian assentiu a contragosto, ficando um pouco vermelho e lançando um olhar de
soslaio paramim, como se receber uma bronca naminha frente pudesse arruinar suaschancescomigo.Masnãohaviaporquesepreocupar,jáquenuncateveamenorchancecomigo.Colleen mandou um atendente até nós e, enquanto ele falava com Stanton, Ian
cochichounomeuouvido.—Souoúnicoqueachaloucuraagenteviraqui?—Eleapontoucomacabeçapara
Stanton.— Ela acha que não tem problema,mas eles nosmantiveram em cativeiro .Issoéimperdoável.Vocênãoficacomraiva?Certamentenãotinhagostadonaépoca,masacabeientendendoporqueaquilohavia
acontecido.—Odeioquetenhamfeitoissotambém—menti,tentandoparecerconvincente.—
Ficobravasemprequelembro.Ianpareceualiviadoobastanteparaesqueceroassunto.Ficamossentadosnumsilênciomaravilhosoenquantooátriocontinuavaaseencher.
Quando a cerimônia estava prestes a começar, devia ter cerca de duzentas pessoas naestufa.Continueiprocurandoporrostosfamiliares,masAdrianeseupaieramosúnicosque eu conhecia. Então, no último minuto, uma figura de roupas brilhantes entrouapressada.Resmunguei enquanto Stanton soltou um“tsc” de desaprovação.AbeMazurhaviaacabadodechegar.EnquantoAdrian conseguia usar um traje formal colorido com estilo,Abe usava
coresparaofenderamoraldosoutros.Maseraprecisoadmitirqueaqueleeraumdosconjuntos mais básicos que eu já tinha vistoAbe usar: um terno branco, com umacamisa verde-kiwi e um lenço estampado. Ele estava com seus brincos dourados desempre, e o brilho do seu cabelo preto me levava a pensar que tinha aplicadoviolentamentealgumóleocapilar.AbeeraumMoroidemoralduvidosa,alémdepaidaminhaamiga—edampiraporquemAdrianforaapaixonado—RoseHathaway.Abemedeixavanervosaporque,nopassado,eu fizera alguns acordos secretos comele.Eledeixava Stanton nervosa porque era um Moroi que os alquimistas nunca conseguiamcontrolar.Abesesentounaprimeira fila,recebendoumolharhorrorizadodeColleen,
que supervisionava tudo do canto da estufa. Eu suspeitava que aquele não era o lugardele.Ouviosomdeumtrompeteeaquelesqueestavamsentadosnasfileirasdosfundosse
ajoelharam de repente. Como uma onda, as pessoas sentadas no resto das fileirascomeçaram a fazer o mesmo. Stanton, Ian e eu trocamos olhares confusos. Então,entendi.—Arainha—murmurei.—Arainhaestáchegando.PudeverpelaexpressãodeStantonqueelanãohaviaconsideradoessapossibilidade.
Elateveumafraçãodesegundoparadecidiroprotocoloparaaquelasituação,demodoamanternossacondiçãodeconvidados“civilizados”.—Nãoseajoelhem—elasussurrou.—Fiquemondeestão.Era uma decisão válida, visto que não devíamos fidelidade à rainhaMoroi.Mesmo
assim, fiquei constrangida por ser uma das únicas pessoas que não estavam ajoelhadas.Ummomentodepois,umavozretumbantedeclarou:—SuaMajestadeReal,arainhaVasilisa,primeiradeseunome.AtéIanperdeuofôlegoquandoelaentrou.Vasilisa—ouLissa,comoAdrianeRose
insistiam em chamá-la— era o retrato da beleza etérea. Era difícil acreditar que elatinhaaminhaidade.Elacaminhavacomumacomposturaeumanobrezaquepareciameternas.SeucorpoaltoeesbeltosedestacavamesmoentreosMoroi,eseucabeloloiroplatinadoenquadrava seu rostopálidocomoumvéucelestial.Emboraestivesseusandoum moderno vestido de festa lilás, ela conseguia usá-lo como se fosse um grandiosovestido de baile vitoriano. Um rapaz de cabelo preto e olhos azuis penetrantescaminhava ao lado dela. Seu namorado, ChristianOzera, era sempre fácil de avistar,criandoumcontrastesombrioquecombinavaperfeitamentecomaluminosidadedela.Depois que o casal real se sentou na primeira fila, parecendo muito surpresos ao
encontrarAbeesperandoporeleslá,todosvoltaramaosseuslugares.Umvioloncelistaescondido começou a tocar, e todos retomaram o fôlego ao cair no ritual familiar docasamento.—Incrível,né?—murmurouIannomeuouvido.—Afragilidadedoreinadodela.
Bastaumdeslizeparaelescaíremnocaos.Nessepontoeleestavacobertoderazão,eesseeraomotivopeloqualasegurançade
Jill era tão importante.Uma antiga leiMoroi dizia que ummonarca precisava ter aomenosummembrodafamíliavivoparamanterotrono.Jilleraaúnicapessoarestantena linhagemdeLissa.AquelesqueseopunhamaLissaporcausade sua idadeede suasideiasperceberamquematar Jill seriamuitomais fácildoque ir atrásdeuma rainha.Muitos seopunhamà lei eestavamtentandomudá-la.Atéque isso acontecesse,ocaospolítico gerado pelo assassinato de Jill seria imenso. Os alquimistas, cuja função eramanteromundodosMoroiocultoeprotegido,precisavamevitarqueasociedadedelesentrasseemcrise.E,numnívelumpoucomaispessoal,euprecisavaevitaramortedeJill porque, por mais improvável que fosse, no curto período em que dividimos umquarto,passeiagostardela.
Desvieiospensamentosdessasideiassombriasemeconcentreinoestágioseguintedocasamento.Madrinhas com vestidos de cetim verde-escuro guiavam a procissão, emeperguntei seAbe estava tentando combinar com elas usando aquela camisa. Se estava,haviafracassadocompletamente.Entreelas,vioprimeirorostoconhecidoalémdeAdrian.RoseHathaway.Nãoera
nenhumasurpresaelasermadrinha,jáquetinhasidoelaaresponsávelporjuntarosdoispombinhos.Elaherdaraocabeloeosolhosnegrosdopai,eeraaúnicadampiraentreasmadrinhas.Não precisei ver os olhares surpresos de alguns convidados para saber queaquilo não era nada convencional. Se Rose percebeu ou se importou, não deixoutransparecer.Avançou com altivez, a cabeça erguida e o rosto brilhando de alegria.Com aquela aparência dampira quase humana, ela era mais baixa do que suascompanheiras Moroi e tinha um corpo mais atlético que as Moroi magras e de seiospequenos.Rosetinhaumcorpomuitonormalesaudávelentrehumanos.Mesmoassim,quando
eumecomparavacomasMoroi,mesentiaenorme.Sabiaqueeraridículo,aindamaisporque eu usava um número menor do que Rose, mas era uma sensação difícil desuperar. Pouco antes,Adrian havia tido uma conversa incômoda comigo sobre isso, apontodedizerqueeuestavaàbeiradeumdistúrbioalimentar.Eutinhaficadofuriosaeditoparaelecuidardosprópriosproblemas…mas,desdeentão,comeceiaanalisarmaisseriamente minhas atitudes.Agora, tentava comer mais e tinha ganhado exatamentemeioquilo,oquemepareceuerradoetorturanteatémeuamigoTreycomentarqueeuestava“muitobonitaultimamente”.Issoreforçoua ideiadequealgunsquilinhosamaisnãomematariam, e poderiam atéme fazer bem.Não que eu fosse admitir isso paraAdrian.TodosnoslevantamosquandoSonyaentrou.Elaestavagloriosa,comumvestidode
seda cor demarfim e rosinhas brancas enfeitandoo cabelo flamejante.A rainha estavamagnífica,mashaviaumbrilhoemtornodeSonyaquediminuíaatéabelezadeLissa.Talvezfossealgo inerenteàsnoivas.Haviaumaauradeamoraoredordelaquea faziabrilhar.Fiqueisurpresaaosentirumapontadanopeito.Iandeviaterficadodesapontadoaonãovernenhumderramamentodesangue,masa
cerimônia foidoceecheiadeemoção.Nãoconseguiaacreditarna severidadedosmeuscolegasalquimistas—euestavaàbeirade lágrimasquandoocasaldeclamouosvotos.Mesmoseelesnãotivessempassadoporpoucaseboasparaficaremjuntos,acerimôniade Sonya eMikhail era daquelas de apertar o peito. Enquanto ouvia as juras de amoreterno que faziam um ao outro, me peguei desviando o olhar paraAdrian. Ele nãopercebeu que eu o estava observando,mas pude notar que a cerimônia estava tendo omesmoefeitosobreele.Eleestavaarrebatado.Ele tinha umolhar raro e doce nos olhos, eme lembroudo artista perturbadoque
vivia sobtodoaquele sarcasmo.Eugostavadissonele—nãoqueele fosseperturbado,mas da maneira como podia sentir as coisas com tamanha profundidade e depoistransformaressasemoçõesemarte.Eutinhasentimentos,claro,comotodasaspessoas,
mas essa capacidade de expressá-los de forma criativa era uma área em que eu nuncateriamuitahabilidade.Não faziapartedaminhanatureza.Àsvezeseu tirava sarrodaartedele,especialmentedasobrasmaisabstratas.Mas,emsegredo,admiravamuitoseutalentoeadoravaasmuitasfacetasdesuapersonalidade.Enquanto isso, precisei me esforçar para manter uma expressão neutra, de uma
alquimistanormalquenãoligavanemumpoucoparaoseventosprofanosdosvampiros.Nenhumdosmeuscolegasmequestionou—então,pelojeito,consegui.Talvezlevassejeitoparaopôquer.Sonya eMikhail se beijaram e a multidão irrompeu em vivas.As pessoas fizeram
aindamaisbarulhoquandoeledeuumsegundobeijoardentenela,edepoisumterceiro.O estágio seguinte da cerimônia, a recepção, aconteceria no hotel em queAdrian e amaioria dos Moroi estavam hospedados. Sonya e Mikhail foram os primeiros a sair,seguidos pela rainha e outros nobres importantes. Stanton, Ian e eu esperamos,pacientes, até que dessem sinal para que nossa fileira se alinhasse para entrar naslimusines que levariam os convidados pelo trajeto de um quilômetro até o hotel.Nãoseriaumacaminhadatãoruim,mesmodesalto,nãofosseatemperaturacongelante.Nossavezchegoueentramosnofundodeumalimusine.—Agora só precisamos sobreviver à recepção — disse Ian quando o motorista
fechouaporta.—Pelomenostemosumcarrosóparanós.Derepente,aportaseabriueAbeentrourapidamente.—Temespaçoparamaisum?—EleabriuumsorrisoaoverStantoneeu.—Éum
prazer vê-las de novo. E você deve ser Ian. Prazer.—Abe estendeu amão. Por ummomento, tive a impressão de que Ian não a apertaria, mas um olhar cortante deStanton ordenou o contrário. Depois disso, Ian ficou olhando para a mão como seesperassequeelafossesoltarfumaça.O trajeto durou mais ou menos cinco minutos, mas pude ver no rosto dos
alquimistasque,paraeles,pareceudurarcincohoras.—Achomaravilhosovocêstrêsteremsidoconvidados—disseAbe,completamente
àvontade.—Considerandooquantotrabalhamosjuntos,devíamostermaisinteraçõesagradáveis como essa, não acham?Talvez vocês comecem a nos convidar para seuscasamentos também.—Elepiscouparamim.—Tenhocertezadequevocêdeve terumafiladepretendentes.Nem mesmo Stanton conseguiu se manter impassível. O horror no rosto dela
mostrava que havia poucas coisasmais profanas do que a presença de umvampiro emum casamento humano. Ela pareceu visivelmente aliviada quando chegamos ao hotel,mas ainda não estávamos livres de Abe. Alguém muito atencioso, provavelmenteColleen,havianoscolocadonumamesajuntocomele,talvezimaginandoqueseriabomficarmos sentadospertodeumMoroiqueconhecíamos.Abepareceu sedivertirmuitocomo constrangimento criado pela sua presença,mas eu precisava admitir que estavaaliviadaquealguémreconhecesseatensãoentrenósemvezdesimplesmentefingirqueestavatudobem.
—Nãotemsangueaí—Abedissequandoojantarfoiservido.Nóstrêsestávamoshesitandoemcortarofrangoaomolhomarsala.—Sótemsanguenosdrinquesevocêprecisa pedir por eles no balcão. Ninguém vai colocar nada na bebida de vocês, e osfornecedoresestãoemoutrasala.Ian e Stanton ainda não pareciam convencidos. Percebi que precisava ser a corajosa
dos três e comecei a comer sem hesitar mais. Os vampiros podiam ser criaturasantinaturais, mas tinham um excelente gosto para comida. Um instante depois, osoutrosalquimistasmeimitaram,eatéelesforamobrigadosaadmitirqueestavamuitoboa.Quando os pratos foram tirados, Ian criou coragem para ir ao banheiro, dando a
Stantonumabrevechancedeseaproximarparapedirumrelatoemsussurros.—Estavatudobemquandovocêsaiu?—Comousemrelaçõestensas,nossamissão
demanterosMoroiestáveisnãohaviamudado.—Sim—respondi.—Estava tudo calmo lá.Nenhum sinal de problema.—Ela
não precisava saber sobre meus dramas pessoais. Mantendo o tom descontraído,perguntei:—Algumanotíciadosguerreiros?OudotalMarcusFinch?Stantonfezquenão.—Nenhuma.Masavisovocêsedescobrirmosalgumacoisa.Respondi com um sorriso educado, duvidando seriamente das palavras dela. Nem
sempre gostava das minhas missões alquimistas, mas passei a maior parte da vidaseguindo ordens sem questionar, pois acreditava que meus superiores sabiam o queprecisava ser feito e estavam agindo pelo bem maior. Os acontecimentos recentes,porém, tinham colocado isso em questão. Quando tivemos de combater algunscaçadores de vampiros malucos que se autodenominavam Guerreiros da Luz, Stantonhavia escondido informações de mim, comentando que só sabíamos o estritamentenecessário. Depois tentou pôr panos quentes na questão, me elogiando por ser umaexcelentealquimistaqueentendiaessetipodeconduta,masoincidentehaviamedeixadofervendode raiva.Eunãoqueria ser um fantochenasmãos deninguém.Podia aceitarque a causa maior às vezes exigia decisões difíceis, mas me recusava a ser usada oucolocada em situações de perigo por causa de mentiras “importantes”. Eu tinha dadominhavidaaosalquimistas,sempreacreditandoqueoqueelesfaziamemefalavameracerto.Achavaqueeuera importante,queeles sempre cuidariamdemim.Agora,nãotinhamaistantacerteza.Porém…oqueeupodiafazer?Estavapresaporjuramentoaosalquimistas.Gostando
ounãodoquefaziamcomigo,eunãotinhasaída,nãotinhacomoquestioná-los…AomenoseraoqueeupensavaatédescobriraexistênciadeMarcusFinch.Euficarasabendodelepoucotempoantes,logodepoisdedescobrirque,nopassado,
ele havia cruzado o caminho dos guerreiros para salvar umMoroi chamadoClarence.EmboraosguerreirosnormalmentesófossematrásdosStrigoi,umgrupodelesdecidiuatacar Clarence. Marcus havia defendido Clarence dos guerreiros, convencendo-os adeixarovampiroempaz.QuaseacrediteiqueClarenceestavainventandoahistóriaaté
verumafotodeMarcus.Efoientãoqueascoisasficarammuitoesquisitas.Marcuspareciatercruzadocomos
alquimistas também. Na realidade, Clarence e um dos guerreiros haviam dado aentender queMarcus fora um alquimista no passado,mas não eramais.Não acrediteiatéverafotodele.Elenãotinhaumlíriodourado,masumagrandetatuagemtribalemtintaazul,detamanhosuficienteparacobriradouradaseestivessetentandoesconderolírio.Ver aquilomudou aminha vida. Eu não fazia ideia de que era possível tatuar por
cima de algo tão potente. Sem dúvida, nunca tinha pensado que alguém poderiaabandonarosalquimistasoumesmoquealguémpoderiaquererfazerisso,considerandoquenossoobjetivoerainfundidodentrodenósquasedesdeonascimento.Comoalguémpoderiaconsideraraideiadeabandonarnossasmissões?Comoalguémpoderiasetornarumrenegadoesimplesmentedarascostasparaosalquimistas?Oquehaviaacontecidoparaele fazerumacoisadessas?Seráquehaviapassadoporcoisasparecidascomasqueeutinhavivido?Eseráqueodeixaramirembora?Quando perguntara a respeito dele, Stanton dissera que os alquimistas não tinham
nenhumainformaçãosobreMarcus,maseusabiaqueelaestavamentindo.Elanãofaziaideiadequeeutinhaaquelafoto.Anovatatuagemdelepodiasergrandeobastanteparacobrirolírio,masdavaparavertraçosdoqueestavaporbaixo,oqueprovavaque,defato,elehavia sidoumdenós.E, se tinhaamarcaalquimista, semdúvidaeles sabiamquem ele era. Estavam encobrindo o caso, o queme deixou aindamais intrigada.Naverdade,euestavaumtantoobcecadaporMarcus.Alguminstintomediziaqueeleeraachaveparaosmeusproblemas,queelepoderiame ajudar adescobriros segredos e asmentirasqueos alquimistasmecontavam. Infelizmente, eunão fazia amenor ideiadecomoencontrá-lo.— É importante que ninguém aqui saiba o que você está fazendo, então não se
esqueça de ser discreta— acrescentou Stanton, como se eu precisasse ser lembrada.Umarugadepreocupaçãosurgiuentreassobrancelhasdela.—Euestavaespecialmentepreocupada com a vinda daquele Ivashkov para o casamento.Ninguémpode saber quevocêsdoissãomaisdoquemerosconhecidos.Detalhescomoessepodemcomprometernossamissão.—Ah,não—respondirapidamente.—NãoprecisasepreocuparcomAdrian.Ele
entende a importância do trabalho. Nunca faria nada que pudesse comprometer amissão.Ianvoltouenossaconversaseencerrouali.Ojantarlogodeulugaraobaile.Coma
atmosfera mais relaxada, vários Moroi vieram se apresentar. Eu me senti quase tãopopularquantoosnoivos. Ianapertou tantasmãosqueacabou ficando imuneaelas.E,pormaisconstrangedorquefosseparameuscolegas,pudenotarqueoeventorealmenteestavaatingindooobjetivodealiviarasrelaçõesentrealquimistaseMoroi.StantoneIanestavamlongedesetornaramigosdequalquerumdeles,masclaramentetiveramuma
surpresaagradávelcomasimpatiaeagentilezadamaioriadosconvidados.— Estou contente por termos essa chance de ficar juntos— Ianme disse durante
umapausanasnossasrelaçõespúblicas.—Étãodifícilcomnossotrabalho,sabe?EstouemSt.Louisagora,nosarquivosdaunidadedelá.Paraondeelesmandaramvocê?OsigiloerafundamentalparaprotegerJill.—Estoufazendotrabalhodecampo,masnãopossodizeronde.Sabecomoé.—Claro, claro. Mas, sabe, se quiser fazer uma visita um dia… posso mostrar a
cidadeparavocê.Odesesperodeleeraquasefofo.—Tipo,paratirarférias?—Bom,é…Er,nãoexatamente.—Elesabiamuitobemqueerararoalquimistas
conseguiremférias.—Haverácerimôniasdefimdeano,sabe.Sequiser ir,hum,ésómeavisar.Os sacerdotes alquimistas realizavam cerimônias especiais de fim de ano nas
principais unidades.Algumas famílias alquimistas faziam questão de ir sempre. Faziatempoqueeunãocompareciaauma,jáqueminhasmissõesestavammelevandodeumladoparaooutroultimamente.—Melembrareidisso.Houveumalongapausa,eemseguidaelebalbuciou:—Queriatirarvocêparadançar,sabe.Masnãoseriacertonestelugartãoprofano.Forceiumsorriso.—Claro.Alémdisso,estamosaquiatrabalho.Precisamosnosconcentraremcriar
boasrelaçõescomeles.Ianiacomeçararesponderquandoumavozconhecidanosinterrompeu.—Srta.Sage?Levantamososolhos e encontramosAdrianparado ànossa frente, elegante em seus
vários tons de azul. Seu rosto era o retrato da polidez e do autocontrole, o quesignificavaquealgodesastrosoestavaprestesaacontecer.—Éumprazervê-ladenovo—eledisse,comosenãonosvíssemoshaviaumcerto
tempo, e eu assenti. Como eu garantira a Stanton,Adrian sabia que familiaridadedemais entre nós poderia criar um rastro até Jill.—Acho que acabei de ouvir vocêsfalandosobrecriarboasrelações.Éissomesmo?Euestavasempalavras,entãoIanrespondeupormim.—Exato.Estamosaquiparatornarascoisasmaisamigáveisentrenossospovos.—
Avozdele,porém,nãoeranadaamigável.Adrianassentiu,muitosério,comosenãotivessenotadoahostilidadedeIan.—Achoumaexcelenteideia.Epenseiemumexcelentegestopararepresentarnosso
futuro juntos.—O rosto deAdrian parecia inocente,mas havia uma faíscamaliciosaem seus olhos que eu conhecia muito bem. Ele estendeu a mão para mim.—Querdançarcomigo?
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Congelei.Nãoconfiavanaminhaprópriavoz.OqueAdrian tinhanacabeça?Alémde todoodramaentrenós,eraabsolutamente
imperdoável que ele me convidasse para dançar ali, na frente de outros Moroi ealquimistas.TalvezemPalmSprings,ondeasituaçãoeraumpoucomaistranquilacommeusamigos,não seriaumpedidotãomaluco.Masali?Eleestavacorrendooriscodeexpor nossa intimidade, o que, por sua vez, colocaria Jill em perigo. Pior: poderialevantar suspeitas de que ele sentia algo por mim. Mesmo se eu insistisse que nãocorrespondia aos sentimentos dele, o fato de a situação ter chegado até aquele pontopoderiametrazersériosproblemascomosalquimistas.Enquanto todosessespensamentos semisturavamnaminha cabeça,uma ideia ainda
maisinquietantesurgiu.Umbomalquimistanãodeveriasepreocuparcomessascoisas.Umbomalquimista simplesmente ficariahorrorizadocomoproblemamais imediato:dançar com um vampiro. Tocar em um vampiro.Ao perceber isso, rapidamente fizumaexpressãodechoque,esperandoparecerconvincente.Felizmente,todospareciamescandalizadosdemaisparaprestaratençãoemmim.As
boas relações tinham um limite. Stanton e Ian estavam com expressões sinceras dehorror. Os Moroi por perto, embora não tão espantados, pareciam perplexos com aquebradeetiqueta.Noentanto…tambémvialgumastrocasdeolharesquemostravamque eles não estavam inteiramente surpresos queAdrian Ivashkov sugerisse algo tãoindecoroso.Eraumaatitudemuitocomumemrelaçãoaele.Aspessoassempredavamdeombrosediziam:“Ah,éoAdrian…”.Ianfoioprimeiroarecuperaravoz.—Ela…Não!Elanãopode,dejeitonenhum!—Porquenão?—Adrianolhoupara todos, ainda sorridenteedespretensioso.—
Somostodosamigosaqui,nãosomos?Abe,queraramentesesurpreendiacomalgumacoisa,conseguiudisfarçarumpouco
dasuaperplexidade.
—Tenho certeza de que não é nada demais.— Seu tom não demonstrava tantacerteza assim. Ele sabia queAdrian não era um completo estranho para mim, mascertamente imaginou que eu teria as mesmas hesitações de todo alquimista. Comoaquela noite havia demonstrado, a maioria de nós ainda tinha problemas com merosapertosdemão.Stantonparecianomeiodeumabatalhamental.Eutinhacertezadequeelaachavao
convite descabido… mas sabia da necessidade de manter a paz naquela situação. Elaengoliuemseco.—Pode…podeserumbomgesto.—Elamelançouumolharsolidárioqueparecia
dizer:“Àsvezeséprecisosofrerpelobemdogrupo”.Iansevoltouparaelaimediatamente.—Vocêestámaluca?— Sr. Jansen — ela retrucou, transmitindo uma rígida advertência naquelas
palavras.Todososolharessevoltaramparamimquandoperceberamque,nofimdascontas,a
decisão era minha. Nesse momento, não sabia se deveria ficar escandalizada ou commedo, e a ideia de dançar comAdrian fazia eume sentir dos dois jeitos.Encontrei osolhosdeStantonedeiumlentoacenocomacabeça.—Claro.Tudobem.Boasrelações,nãoé?Orostode Ian ficouvermelho,masoutroolhar contundentedeStantonomanteve
quieto. EnquantoAdrian me conduzia até a pista de dança, ouvi alguns sussurros deMoroicuriosossobre“aquelapobrealquimista”ecomo“àsvezeseleétãoimprevisível”.Adrianpôsobraçoaoredordaminhacintura,perfeitamenterespeitáveledistante.
Tenteinãopensarnaúltimavezqueestivenosbraçosdele.Mesmocomodevidoespaçoentre nós, nossas mãos ainda estavam unidas, nossas posturas ainda eram íntimas. Euestava completamente atenta ao toque de seus dedos sobre meu corpo. Era macio edelicado,maspareciatransmitirumcaloreumaintensidadeforadocomum.— O que você tem na cabeça?— perguntei enquanto nos movíamos ao som da
música.Euestavameesforçandoparaignorarotoquedesuasmãos.—Sabeaencrencaemquepodetermemetido?Adrianabriuumsorrisolargo.—Nah.Elesestãomorrendodepenadevocê.Vocêvaivirarumamártirdepoisde
dançarcomumvampirocrueleperverso.Comempregovitalícioentreosalquimistas.—Acheiquevocênãofossemepressionarcom…sabe…aquelascoisas…Oolharinocentedelevoltou.— Falei alguma palavra sobre isso? Só convidei você para dançar como um gesto
político, nada mais.— Ele fez uma pausa para criar impacto.— Parece que é vocêquemnãoconseguetirar“aquelascoisas”dacabeça.—Paredeusarminhaspalavrascontramim!Issonão…nãoénadacerto.—Você devia ver a cara dessa Stanton olhando para a gente — ele comentou,
divertido,olhandoatrásdemim.
—Está todomundoolhandoparaagente—resmunguei.Nãoeracomoseo salãointeiro tivesse parado para olhar, mas definitivamente havia vários olhares pasmos ecuriosos com a visão impensável de umMoroi e uma humana (uma alquimista, aindaporcima)dançandojuntos.Eleassentiuemefezrodarumavez.Eleeraumexcelentedançarino,oquenãome
surpreendia.Ele podia ser impetuoso e impertinente,mas sabia bemos passos.TalvezaulasdedançafossemcomunsparacriançasdaeliteMoroi.Outalvezelesimplesmentetivesse um talento natural para usar o corpo. Aquele beijo sem dúvida haviademonstradoessetalento…Argh.Adrianestavacerto.Eraeuquemnãoconseguiasuperar“aquelascoisas”.Semdesconfiardosmeuspensamentos,elevoltouaolharparaStanton.—Elaestácomcaradeumgeneralqueacaboudemandaroexércitonumamissão
suicida.— Que bom que ela se importa— eu disse. Por um momento, esqueci minhas
afliçõesnapistadedançaenquantomelembravadapolíticaderetençãodeinformaçõesdeStanton.—Possopuxarvocêmaisparaperto,sequiser—eledisse.—Sóparaveroquanto
elaseimporta.Estousempredispostoaajudar,sabe.—Queótimoparceirovocêé—ironizei.—Semecolocaremriscoforpelobem
maior,Stantonprovavelmentenãovaifazernadasevocêderemcimademim.OsorrisosarcásticodeAdriansedesfez.—Elachegouafalaraverdadesobreaquelecaraquevocêestavatentandoencontrar?
Martin?—Marcus—corrigi, franzindo a testa.Amentiradela aindame incomodava.—
Elacontinuafalandoquenãosabenadasobreele,enãopossoinsistirmuito,senãoelavaidesconfiar.—Penseinumjeitodevocêencontraressecara—Adriandisse.Euteriaachadoque
erabrincadeirasesuaexpressãonãoestivessetãoséria.— Você pensou? — perguntei. Os alquimistas tinham inúmeros dados à sua
disposição, de todo tipo de agência ou organização. Eu andara vasculhando tudo nasúltimas semanas,e achava improvávelqueAdrian tivesse acesso a algumacoisaqueeunãotinha.— Sim.Você tem a foto dele, não tem? Não pode fazer aquelemesmo feitiço da
outranoite?Localizarocaradaquelejeito?Fiquei tãosurpresaquequasetropecei.Adrianmeapertoucommais forçaparaque
eu não caísse. Senti um calafrio quando esse pequeno gesto nos aproximou.A tensãoentrenósaumentouaindamaisepercebique,assimcomonossoscorpos,nossos lábiostambémestavammaispróximos.Tiveumpoucodedificuldadepararesponder,porestartãopróximadeleetambém
poraindaestaratordoadacomoqueelehaviadito.—É…uau…nãoéumamáideia…
—Eusei—eledisse.—Atéeuestoumeiosurpresotambém.As circunstâncias de fato não eram diferentes de quando procurei a irmã da sra.
Terwilliger. Eu precisava localizar alguém que nunca tinha visto na vida.Tinha umafoto,queeraoqueofeitiçoexigia.Adiferençaeraqueeumesmacomeçariao feitiço.Era umamagia complexa, e eu sabia que as instruções da sra.Terwilliger tinhammeajudado.Tambémhaviaodilemamoraldepraticaresse tipode feitiço sozinha.Minhaconsciêncialidavamaistranquilamentecomamagiaquandoeumesentiacoagidaausá-la.— Não posso tentar até o mês que vem— eu disse, me lembrando do livro de
feitiços.—Querdizer,tenhoafotoaquicomigo,masofeitiçoprecisaserfeitodurantea lua cheia. Hoje é a última noite de lua cheia deste mês, e eu nunca conseguiria osingredientesatempo.—Doquevocêprecisa?Eulisteieeleassentiu,jurandoqueconseguiriaencontrá-los.Deiumrisozombeteiro.—Ondevocêvaiconseguirerva-doceehissopoaestahoradanoite?Nestacidade?—Aqui é cheio de boticários estranhos.Tem uma lojinha de coisas naturais que
vende saboneteseperfumes feitosde tudooquevocêpode imaginar.Tenhocertezadequelátemoquevocêprecisa.—Eeutenhocertezadequejáestáfechada.—Elemefezdarmaisumavoltacheia
defloreios,eeumantiveoritmocomperfeição.Amúsicaestavachegandoao fim.Otempovooumaisrápidodoqueeu imaginara.
Tinhame esquecido dos olhares curiosos.Tinhame esquecido até que estava com umvampiro. Simplesmente estavadançando comAdrian,oqueparecia simples enatural,desdequeeunãopensassenaplateiaaonossoredor.Elevoltouaassumiraquelearmalandro.—Nãoprecisasepreocupar.Possoacharadonaeconvencê-laaabrirumaexceção.Resmunguei:—Não. Nada de compulsão.— Compulsão era uma habilidade que os vampiros
tinham de forçar os outros a fazer sua vontade.Todos os vampiros a possuíam emdeterminado grau, e nos usuários de espírito ela eramais forte.Amaioria dosMoroiconsideravaaquiloimoral.Paraosalquimistas,eraumpecado.A música terminou, masAdrian não me soltou imediatamente. Ele se aproximou
maisumpouco.—VocêqueresperarmaisummêsparaencontrarotalMarcus?—Não—admiti.Oslábiosdeleestavamaumcentímetrodosmeus.—Entãomeencontredaquiaduashorasnaentradadeserviçodohotel.—Deium
leve aceno e ele recuou, soltandominhas mãos.— Eis mais um sinal de nossas boasrelações.—ComumareverênciaquepoderiatervindodiretamentedeumromancedeJaneAusten, ele apontou para o bar e falou bem alto.—Obrigado pela dança. Posso
acompanhá-laparapegaralgumabebida?Segui sem dizer uma palavra, com a cabeça girando enquanto pensava no que
precisaria fazer dali a duas horas. No bar, Adrian me surpreendeu ao pedir umrefrigerante.— Está se contendo, hein?— comentei, lembrando que ele precisava ficar sóbrio
parausaroespírito.Torciparaquejánãotivessebebidodemais.Paraele,aúnicacoisamelhorqueumopenbarseriaummaçodecigarrosaparecendonasuaporta.—Souummestredoautocontrole—eleafirmou.Eu não tinha tanta certeza quanto a isso, mas não argumentei.Tomei um gole da
minhaCocaDiete ficamosaliparadosemumsilêncio agradável.EntãodoisMoroi seaproximaram do balcão, conversando com o volume e a desinibição daqueles que nãotinhamhesitadoemaproveitarasbebidasgrátis.—Bom,pormaisliberalqueameninaseja,elaérealmenteumcolírio—umdeles
disse.—Eupodiaficarodiainteiroolhandopraela,aindamaisnaquelevestido.Oamigodeleconcordou.—ÉumbeloavançodepoisdaTatiana.Éumapenaoqueaconteceucomela,mas
talvez a mudança tenha sido pra melhor. Aquela velha sabia sorrir? — Os doisgargalharamcomapiada.Ao meu lado, o sorriso deAdrian se desfez e ele ficou completamente quieto.
Tatiana, a antiga rainha Moroi, era tia-avó deAdrian. Ela havia sido brutalmenteassassinadanoverãoanteriore,emboraAdrianquasenuncafalassesobreela,ouviváriaspessoas dizerem que eles eram próximos. Ele cerrou os dentes e começou a se virar.Rapidamente,agarreisuamãolivre,segurando-acomforça.—Adrian,não—eudisse,baixinho.—Sydney,elesnãopodemfalarumacoisadessas.—Haviaumaexpressãoagressiva
norostodelequeeununcatinhavistoantes.Aperteicommaisforça.—Eles estãobêbados, e sãodois idiotas.Nãomerecem seu tempo.Por favor,não
comeceumabrigaaqui.PorSonya.—Hesitei.—Epormim.O rosto dele ainda estava cheio de fúria e, por um momento, pensei que ia me
ignorar e atirar um copo naqueles dois. Ou pior. Já tinha visto usuários de espíritofuriosos,eeramassustadores.Masaraivafoidiminuindo,esentiamãodelerelaxarnaminha. Ele fechou os olhos por um instante e, quando voltou a abri-los, estavamembaçadosedesfocados.—NinguémconheciaTatianadeverdade,Sydney.—Atristezanavozdelepartiu
meucoração.—Todosachamqueelaeraumavaca.Nãosabemcomoelaeraengraçadaoucomosabia serdoce.Vocênão tem ideia…não tem ideiadecomosinto faltadela.Elanãomereciamorrerdaquele jeito.Era aúnicapessoaquemeentendia…maisquemeusprópriospais.Elameaceitava.Viaoquetinhadebomnaminhaalma.Eraaúnicapessoaqueacreditavaemmim.Eleestavanaminhafrente,masnãoestavacomigo.Reconheciocaráterdesconexoe
devoradordoespírito.Mexiacomacabeçadosusuários.Àsvezesosdeixavadispersosedistantes,comoeleestavaagora.Àsvezespunhaemxequesuanoçãoderealidade.E,àsvezes,criavaumdesesperodeconsequênciasdevastadoras.—Elanãoeraaúnica—eudisse.—Euacreditoemvocê.Elaestáempazagorae
nadaqueelesdisseremvaimudarquemelaera.Voltepramim,porfavor.Eleestavaolhando fixamenteparaumpontoqueeunãoconseguiaenxergar.Depois
dealgunssegundosdeterror,piscouevoltouasefocaremmim.Seurostoaindaestavatriste,mas,pelomenos,eleestavanocontroledenovo.—Estouaqui,Sage.—Adrianmesoltoueolhouaoredorpara tercertezadeque
ninguém havia percebido que estávamos demãos dadas. Felizmente, os noivos tinhamido para a pista, e todos estavam hipnotizados demais observando o casal. — Duashoras.Eletomouorestodorefrigeranteeseafastou.Fiqueiolhandoatéeledesaparecerno
meio da multidão e, então, voltei para a mesa, olhando o relógio no caminho. Duashoras.Iansaltoudacadeiraquandocheguei.—Vocêestábem?Nenhum convidado Moroi estava por perto, então Stanton era a única perto o
suficienteparaouvir.Elapareciaigualmentepreocupada.— Sinto muito por você ter que passar por isso, srta. Sage. Como sempre, sua
dedicaçãoaotrabalhoéadmirável.—Façoopossívelparaajudar—respondi.AindaestavapreocupadacomAdriane
torciparaquenãovoltasseacairnasgarrasdoespírito.—Elemachucouvocê?—Ianperguntou,apontando.—Suasmãos?Olhei para baixo e percebi que estava esfregando asmãos umana outra.Elas ainda
estavamcálidaspelotoquedeAdrian.— Oi?Ah, não. Só, hum, estou tentando tirar a mácula. Na verdade, acho que
deverialavarasmãos.Jávolto.Elespareceramacharessaideiaperfeitamenteplausívelenãomedetiveramenquanto
eu seguia apressada para o banheiro. Livre da preocupação deles, soltei um suspiroaliviado.Haviadesviadodedoisproblemas,nãodeixandoosalquimistassaberemqueeueraamigadeumvampironemqueestavatramandomagiacomele.—Sydney?Eu estivera tão distraída no caminho para o banheiro que não percebera Rose ali
perto,juntocomDimitriBelikov.Elesestavamdebraçosdados,sorrindocomaminhasurpresa.NãotinhavistoDimitrinaquelanoite,eseutrajepretoebrancodeguardiãodeixouclaroporquê.Eleestavaaliaserviçoe,semdúvida,tinhasidoumadassombrasquevisemoveremnomeiodasárvoresdaestufa,supervisionandotudo.Eledeviaestarnumintervaloagora,senãojamaisestariatãoàvontade,mesmocomRose.Claroque,mesmo “à vontade”, Dimitri poderia pular no meio de um combate a qualquermomento.
Elesformavamumcasallindo.Ocabeloeosolhoscastanhosdelecombinavamcomosdela,eosdoistinhamumabelezaestonteante.NãoeranenhumasurpresaqueAdriantivesse se apaixonado por ela, pensei, e fiquei surpresa com quanto essa ideia meincomodou.AssimcomoSonyaeMikhail,haviaumlaçodeamorentreRoseeDimitriqueeraquasepalpável.—Vocêestábem?—Roseperguntou,gentil.—NãoconsigoacreditarqueAdrian
fezaquilocomvocê.—Elareconsiderou.—Naverdade,achoqueconsigo,sim.— Estou bem — respondi. — Acho que os outros alquimistas ficaram mais
horrorizadosdoqueeu.—Então lembreique,emboraRoseeDimitri soubessemqueeu conheciaAdrian de Palm Springs, não podia parecer muito à vontade.Voltei aassumir a expressão de consternação. — Mesmo assim, aquilo foi completamentedescabido.—DecoronuncafoiofortedoAdrian—Dimitricomentou.Roseriucomoeufemismo.—Se faz você se sentirmelhor, vocês ficarammuito bonitos dançando juntos. Foi
difícilacreditarquesãoinimigosmortais…ouseja láoqueosalquimistaspensam.—Elaapontouparaomeuvestido.—Estavamcombinando.Havia me esquecido completamente da minha roupa. Era um vestido de seda de
mangacurta,quase inteiramentepreto,excetoporalguns salpicosdeazul-realna saia.Eraumacormaisousadadoqueasqueeucostumavausar,masopretoequilibrava.Aome lembrar dos tons de azul de Adrian, percebi que, de fato, nossas paletas secomplementavam.Vocêsficarammuitobonitosdançandojuntos.Nãoseicomoestavaminhaexpressão,masRoseriunovamente.—Nãoentreempânico—eladisse,comumafaíscanoolhar.—Foibomveruma
humanaeumMoroiquepareciamcombinartantoumcomooutro.Combinartantoumcomooutro.Porqueela ficavadizendoessascoisas?Aquelaspalavrasestavammeatrapalhandoa
manterumacondutafriaeracional.Eusabiaqueelaestavafalandonaqueletomcordialediplomáticoquetodosseesforçavamparausarali.Mas,pormais liberaisqueRoseeDimitri fossem, tinha certeza de que até mesmo eles ficariam escandalizados sesoubessemaverdadesobreossentimentosdeAdrianesobreaquelebeijoincrível.Passeiorestodarecepçãocomumnónagarganta.Felizmente,nãopreciseiesconder
comomesentia.TantoosMoroicomoosalquimistasesperavamqueeuficassedaquelejeito.Aliás, não demorou para que Stanton tivesse que suportar sua própria cota de“diplomacia” quando um Moroi de meia-idade a convidou para dançar, obviamenteseguindoademonstraçãodeboasrelaçõesdeAdrian.Pelovisto,pormaisultrajantequetivessesidoocomportamentodele,pelomenosumMoroiachouquetinhasidoumaboaideia e quis seguir o exemplo. Stanton não teve como recusar depois de ter meincentivado,e foipara apistadedança rangendoosdentes.Ninguémchamou Ianparadançar,oqueprovavelmentefoimelhor.Elenãopareceunemumpoucodecepcionado.
Adriannãoestavaporperto; imagineiqueestivesse juntandoos ingredientesparaofeitiço.O tempo foi passando e, quando amarca das duas horas estava perto, lembreique, embora tivesse levado a foto deMarcus comigo na viagem (raramente a deixavalongedevista),ahaviadeixadonomeuquarto.PedilicençaaIan,dizendoqueprecisavavoltar para a pousada para trocar de sapato e que pegaria um dos carros quetransportavamosconvidadosdocasamentopelacidade.OrostodeIanimediatamenteassumiuumarprotetor.—Querqueeuvácomvocê?Nãoéseguroláfora.—Não—respondi—,vocêprecisaficaraqui.Stantonestácorrendomaisperigo.
—Elaestavapertodobar,conversandocomdoisMoroi.Imagineiseteriaalgumaoutradançanofuturopróximo.—Alémdisso,aindaécedo;temmaisvampirosaquidoqueláfora.Pelomenosapousadaéadministradaporhumanos.Ian não teve comodiscordar daminha lógica alquimista e, ainda que relutante,me
deixouir.Foi fácilencontrarumtáxieconsegui fazerotrajetode idaevoltaquasenotempoperfeito.Chegueiatéatrocarossapatosparacomprovarminhahistóriadepois.Embora tivesse usado salto alto para o casamento, tinha colocado umpar de sandáliasbaixas na mala para alguma eventualidade — um bom planejamento para qualquerocasião.Quando cheguei à entradade serviço, porém,percebi quemeuplanoperfeito tinha
uma falha.Com a pressa e o nervosismo, havia deixadomeu xale quente e pesado nocarro, que a essa altura já devia estar longe.Agora, esperando porAdrian no friocortantedaPensilvânia,coloqueiosbraçosaoredordocorpoetorciparanãocongelarantesqueeleaparecesse.No entanto, ele foi fiel à palavra e chegou exatamente na horamarcada, com uma
sacolaatiracolo.Melhorainda:tinhavoltadocompletamenteaonormal.—Tudopronto—elemedisse.—Sério?—perguntei,batendoosdentes.—Encontroutudo?Eledeuumtapinhanasacola.—Vocêpede,euentrego.Agora,ondevamosfazerisso?—Em algum lugar afastado.—Olhei ao redor.Depois do estacionamento, havia
umterrenobaldioquepareciaservir.—Lá.Atravessar o estacionamento asfaltado não foi nenhum problema, mas quando
entramos no campo coberto de neve, nemmesmominhas sandálias práticas serviramparaalgumacoisa.Estavacomtantofrioqueimagineiqueminhapeleestivessetãoazulquantoovestido.—Espere—Adriandisseacertaaltura.—Precisamosirmaisparalá—resmunguei.Ele,quehaviatidoobomsensodecolocarumcasacodelã,começouatirá-lo.—Toma.—Vocêvaificarcomfrio—protestei,masnãooimpedidedarumpassoàfrentee
meajudaravesti-lo.Adrianeramaisaltodoqueeu,demodoqueocasaco,queiaaté
seus joelhos, felizmente me cobriu por inteiro. Cheirava a um misto de cigarro ecolônia.—Pronto.—Ele apertou o casaco commais força aomeu redor.—Estou com
umacamisademangalongaeoterno.Agoravamos.Rápido.Ele não precisou falar duas vezes.Além da temperatura, precisávamos terminar o
feitiço antes que alguém nos visse. Nem mesmo eu teria como explicar aquilo aosalquimistas.A lua ainda estava clara e reluzente quando finalmente encontramos um lugar
aceitável.Examinei a sacoladeAdrian, admiradapor ele ter conseguido tudo,desdeoespelho até as ervas e flores secas. Ele ficou em silêncio enquanto eu ajeitava tudo, sóabrindoabocaquandoeuestavaquaseprontaparacomeçar.—Possoajudaremalgumacoisa?—perguntou,atencioso.—Sófiquedeolhoaberto—respondi.—Emesegureseeudesmaiar.—Comprazer.Eu havia decorado o feitiço quando a sra.Terwilliger e eu fizemos juntas.Mesmo
assim, estava nervosa por fazer aquilo sozinha, ainda mais porque o ambiente nãoajudava.Erameiodifícil reunir aconcentraçãomentalnecessária ajoelhadanomeiodaneve. Então me lembrei de Stanton e das mentiras que os alquimistas me contavam.Uma centelha de fúria se acendeu emmim, gerando um calor diferente que usei paradirecionar meus pensamentos enquanto olhava fixamente para a foto de Marcus. Eletinha a idade de Adrian, com o cabelo loiro na altura dos ombros, olhos azuis emelancólicos.A tatuagem em sua bochecha era um entrelaçado de meias-luas azul-escuras.Aospoucos,fuimergulhandonofeitiço.Senti aquelamesmaeuforia enquantoo espelho se transformavana imagemdeuma
cidade.Nenhumanévoamebloqueou,pois,comoeradeseimaginar,Marcusnãoestavausandoomesmotipodemagiaprotetoraqueairmãdasra.Terwilliger.Apaisagemàminhafrentemostravaoquepareciaumpequenoapartamentomuitosimples.Haviaumcolchão sem estrado, e umaTV antiga ficava num dos cantos. Olhei ao redorprocurandoalgumacaracterísticamarcante,masnãoencontreinada.Aúnica janeladocômodo finalmentemedeuumapista.Ao fundo, pudedistinguir umedifício de estiloespanhol que parecia uma igreja ou mosteiro. Era de reboco branco, com torres decúpulas vermelhas.Tentei olhá-la mais de perto— voar, como tinha feito no outrofeitiço —, mas subitamente senti o frio da Pensilvânia entrando no meu corpo.Aimagemsedesfezempedaçoseeuestavadenovoajoelhadanomeiodaneve.—Argh—resmunguei,colocandoamãonatesta.—Porpouco.—Viualgumacoisa?—Adrianperguntou.—Nadaqueajude.Me levantei umpouco tonta,mas consegui ficardepé.PudeverqueAdrian estava
prontoparamepegarcasoeurealmentecaísse.—Vocêestábem?—Achoquesim.Sóumpoucozonzapelaquedadeaçúcarnosangue.—Devagar,
fui pegando o espelho e a sacola.—Devia ter falado para você trazer suco de laranjatambém.—Talvezissoajude.—Eletiroudobolsodoternoumcantilprateadoeoestendeu
paramim.EratípicodeAdrianoferecerálcoolsolicitamente.—Vocêsabequenãobebo—eudisse.—Algunsgolinhosnãovãodeixarvocêbêbada,Sage.Eestaésuanoitedesorte:é
Kahlúa.Umlicorcheiodeaçúcar,comsabordecafé.Vai,experimenta.Relutante,deiasacolaparaeleepegueiofrascoenquantocomeçávamosavoltarpara
ohotel.Tomeiumgoledemávontadeefizumacareta.— Issonão tem sabor de café.— Por mais que as pessoas enchessem as bebidas
alcoólicas de firulas, eu sempre achava o gosto horrível. Não entendia comoAdrianconseguiabebertanto.Maspercebiogostodoaçúcare,depoisdealgunsgoles,mesentimaisestável.Nãobebinadaalémdisso,poisnãoqueriaficartontaporoutrosmotivos.—Oquevocêviu?—Adrianperguntouquandochegamosaoestacionamento.Descreviocenárioqueviduranteofeitiçoesolteiumsuspirodefrustração.—PodeserqualquerlugarnaCalifórnia.OunoSudoeste.OunoMéxico.Eleparouecolocouasacolanoombro.—Talvez…—Ele tirouo celular do bolso do terno e digitou algumas coisas. Eu
tremiaetentavamanterapaciênciaenquantoelebuscavaoquequeria.—Pareciacomesselugar?Olheiparaatelaesentimeuqueixocair.Estavaolhandoparaumafotodoedifícioda
minhavisão.—Sim!Oqueé?—ÉaantigaMissãodeSantaBárbara.—Logodepois,paraocasodeeuprecisarde
ajuda,eleacrescentou:—FicaemSantaBárbara.—Comosabiadisso?—exclamei.—Querdizer,comoconheceesselugar?Eledeudeombros.—JáfuiparaSantaBárbara.Ajuda?Meudesânimoanteriorsetransformouemeuforia.—Sim!Pelaposiçãodajanela,possoterumaboaideiadeondeficaoapartamento.
AchoquevocêencontrouMarcusFinch.—Tomadapelaalegria,afagueiobraçodele.Adrianpousouamãoenluvadaemmeurostoesorriuparamim.—EpensarqueAngelinedissequeeuerabonitodemaisparaserútil.Parecequeeu
tenhoalgumacoisaparaofereceraomundo,afinal.—Econtinuabonito—eudisse,sempensar.Maisumdaquelesmomentosintensos
pairou entre nós, com o luar iluminando os traços marcantes do rosto dele. Então omomentofoiquebradoporumavoznaescuridão.—Quemestáaí?Ambos tomamosumsustoedemosumpassopara trásquandoumvultovestidode
brancoepretopareceusematerializarnas trevas.Umguardião.Nãoeraninguémque
euconhecia,masmedeicontadecomohaviasidobobadeacharquepoderíamossaireentrarfurtivamentenohotelsemsermosvistos.Aregiãodeviaestarcheiadeguardiões,vigiando o local contra os Strigoi. Eles não teriam se importado com duas pessoassaindo,maseraóbvioquenossoretornocausariasuspeitas.—Eaí,Pete—Adriandisse,abrindoseusorrisosimpático.—Quebomvervocê.
Tomaraquenãoestejapassandomuitofrioaquifora.O guardião pareceu relaxar um pouco ao reconhecer Adrian, mas ainda estava
desconfiado.—Oqueestãofazendoaquifora?—Só estou trazendo a srta. Sage de volta—disseAdrian.—Ela precisou pegar
umacoisanoquartodela.Lanceiumolharconfusoparaele.Apousadanemeranaqueladireção.Petepareceu
distraídoporummomento.Então,fezquesimcomacabeça.—Entendi.Bom,émelhorentraremantesquecongelem.—Valeu — ele disse, me levando dali. — Não deixe de fazer um intervalo e
experimentaroscanapés.Estãoincríveis.—Vocêusoua compulsãonoguardião—murmurei,depoisqueestávamosauma
distânciasegura.— Só um pouquinho— ele disse, parecendomuito orgulhoso de simesmo.—E
estar aqui fora para acompanhar você é ummotivo válido, em que ele não vai pensarmuitodepois.Compelir alguéma acreditarnumahistória funcionamelhor se temumpoucodeverdade…—Adrian?Sydney?Tínhamosquase chegado à porta dos fundosdohotel e agora estávamos cara a cara
comuma figura vestidade cordemarfim. Sonya, envoltanumaestoladepele, estavadiante de nós.Mais uma vez, fiquei admirada com a beleza e o brilho que ela pareciairradiar.Elanosabriuumsorrisointrigado.Ambos perdemos a fala.Adrian não tinha mais palavras ou truques agora. Sonya
tambémeraumausuáriadeespírito,eacompulsãonãofuncionarianela.Muitonervosa,procurei alguma desculpa que não fosse Estávamos usando magia ilícita para revelarsegredosqueosalquimistasnãoqueremqueeusaiba.—Porfavor,nãodiganada—faleiderepente,erguendoocantil.—Adrianestava
medeixandobeberumpoucodaKahlúadele.Stantonvaimematarsedescobrir.Comoeradeseesperar,Sonyapareceusurpresa.—Penseiquevocênãobebesse.—Anoiteestámeioestressante—eudisse,oqueestavalongedesermentira.—Eédecafé—Adriancomentou,comosepudesseajudarmeuargumento.NãotivecertezaseSonyasedeixouconvencer,entãotenteimudardeassunto.—Parabéns,aliás.Nãoconseguifalarcomvocêantes.Estálinda.Sonyadeixouacuriosidadedeladoemeabriuumsorriso.— Obrigada. É meio surreal. Eu e Mikhail passamos por tanta coisa… houve
momentosemqueacheiquenuncachegaríamosaqui.Eagora…—Elabaixouosolhosparaodiamantequereluziaemsuamão.—Bom,aquiestamosnós.—Oquevocêestáfazendoaquifora,sra.Tanner?—Adrianhaviaserecuperadodo
sustoeretomadoaextroversão.—Nãodeviaestarládentroadmirandoseumarido?Elariu.—Ah, temos uma vida inteira pela frente. Pra ser sincera, só precisava sair um
poucodomeiodamultidão.—Sonyainspiroufundoaquelearfrioecortante.—Masestá na hora de voltar. Daqui a pouco vou atirar o buquê.Você não vai perder essachance,vai?—Essapartefoiparamim.Euri.—Achoquevoudeixarpassar.Jácauseiespeculaçõesdemaishoje.—Ah, sim.Vocês dois e sua dança infame. — Sonya olhou de mim para ele,
recuperando um pouco da perplexidade.—Vocês ficam muito bem juntos.— Umsilêncio constrangedor reinoupor alguns segundos e, então, ela limpou a garganta.—Bom, vou voltar lá pra dentro, que estámais quentinho.Tomara quemude de ideia,Sydney.Eladesapareceupelaportadeserviço,eresistiàvontadedebateracabeçanaparede.—Elasabequeagenteestavamentindo.Elaconsegueveressascoisas.—Usuários
de espírito erambons em interpretar gestos sutis e Sonya eraumadasmelhores entreeles.—Provavelmente—Adrianconcordou.—Masduvidoqueimaginequeestávamos
fazendomagianomeiodaneve.Umpensamentoterrívelmepassoupelacabeça.—Ai,meuDeus.Eladeveacharquesaímospara…vocêsabe…fazercoisas,tipo,
hum,românticas…Adrianachoumuitomaisgraçadessaideiadoquedeveria.—Viu,lávemvocêdenovo.Éaprimeiracoisaemquevocêpensa.—Elebalançou
a cabeça, melodramático. — Nem dá para acreditar que vive dizendo que eu sou oobcecadoaqui.—Nãoestouobcecada!—exclamei.—Sóestoufalandoqueéaconclusãoóbvia.—Óbviaparavocê.Maselaestácerta sobreumacoisa:precisamosentrar.—Ele
tocouocabelo,ansioso.—Achoquemeugelcongelou.Devolviocantilparaeleeabriaporta.Logoantesdeentrar,hesiteiemevolteipara
ele.—Adrian?Obrigadapelaajuda.—Amigos são para essas coisas.— Ele segurou a porta e fez sinal para que eu
entrasse.—Poisé,masvocêfoimuitoalémporumacoisaquenãotemnadaavercomvocê.
Agradeço muito por isso. Não tinha obrigação de me ajudar. Não tem os mesmosmotivosqueeuparadesmascararosalquimistas.Semsaberoquemaisdizer,fizumacenoeentrei.Enquantoéramosenvolvidospelo
calor e pelo barulho damultidão, pensei ter ouvidoAdrian dizer:“Meusmotivos sãooutros”.
5
FuiemboraumpoucodepoiscomosalquimistasenãoesperavaverAdrianporumbomtempo. Ele passaria mais alguns dias na Pensilvânia com os outros Moroi, então nãohaviachancesdepegarmosoutrovoojuntos.MinhaviagemdevoltaparaaCalifórniafoitranquila, embora minha mente estivesse acelerada com todos os acontecimentos dosúltimos dias. Entre o aviso enigmático da sr.Terwilliger e minha nova pista sobreMarcus,eutinhamuitocomquemeocupar.Recebi umamensagem de Eddie enquanto chamava um táxi no aeroporto de Palm
Springs:VamoscomernoMarquee’s.Quervir? Uma segundamensagemchegou logoem seguida:Vocêpodenos levarpra casano seu carrodepois . Pedi ao taxista quemelevasseparaobairrodooutroladodacidade,emvezdaáreadeAmberwood,emVistaAzul.Estavacomfome,poisnãotinhamservidojantarnaclasseeconômica;alémdisso,querialogomeucarrodevolta.Quando cheguei ao restaurante, encontrei Eddie eAngeline sentados num lado da
mesa,eJillnooutro.Imediatamenteentendiporquehaviamescolhidocomertãolongeda escola.A distância significava que poderiam sair comoum casal. EmAmberwood,todos achavamque éramosparentes.Eddie, Jill e eu fingíamos ser irmãos, eAngelineera nossa prima. Eddie eAngeline tinham começado a namorar havia pouco tempo eprecisavam esconder a relação dos nossos colegas para não levantar suspeitas.Aparentemente,jáatraíamosatençãodemaissemisso.Angeline estava encostada no braçodeEddie.Até ele parecia estar se divertindo, o
queera gostosodever.Ele levava as responsabilidades tão a sério e estava sempre tãotensoquepareciafaltarpoucoparaquequebrassenomeio.Angeline—apesardemeiorude,imprevisívelemuitasvezesinconveniente—vinhafazendomuitobemaele,pormaisincrívelquefosse.Naturalmente,issonãootornaramenosaplicadoaseusdeveresdeguardião.As coisas estavam um pouco diferentes do outro lado da mesa. Jill parecia
completamenteinfeliz,afundadanobancodebraçoscruzados.Seucabelocastanho-claro
estavacaídoparaafrente,cobrindopartedorosto.Depoisdenamorosfracassadoscomumcaraquequeria serStrigoiecomocolegadequartodeEddie, JillhaviapercebidoqueEddie poderiamuito bem ser o garoto certo para ela.Teria sido perfeito porque,durantemuito tempo,elenutriraumapaixãosecretaporJill,dedicando-seaelacomoum cavaleiro apaixonado que servia à sua donzela soberana. Ele nunca achou que fossedignodeJille, semrecebernenhumsinaldoamordela, sevoltouparaAngeline,bemquando Jill havia mudado de ideia e começado a gostar dele. Às vezes, parecia umacomédiadeShakespeare…atéeuolharparaorostodeJill.Entãoficavadivididaporquesabiaque,seEddievoltasseagostardela,Angelineéqueficariacomaqueleartristonho.Era uma confusão que me deixava feliz por estar livre de qualquer relacionamentoamoroso.— Sydney!— Jill se iluminou ao me ver, tirando o cabelo do rosto.Talvez ela
precisasse da distração ou, talvez, a nova atitude deAdrian em relação a mim haviamelhorado o humor dela também. De todo modo, fiquei feliz com o retorno de suasimpatia,emvezdaquelesolharesemburradoseacusadoresquevinhalançandonaminhadireçãodesdequeeuorejeitara.—Oi,gente—cumprimentei,mesentandonobancoaoladodela.Imediatamente,
abrioálbumdefotosdocelular,poiselalogoperguntariasobreocasamento.Apesardetoda aquela intriga, eu conseguira tirar algumas fotos sem que os outros alquimistaspercebessem.Sabiaque,mesmosetivessevistopartedocasamentoatravésdosolhosdeAdrian,Jillgostariadeexaminartodososdetalhes.Elasoltavasuspirosdealegriaenquantoolhavaasfotos.—Olhem só a Sonya.Ela está tão linda!—Angeline eEddie se debruçarampara
ver.—Ah,eaquiestãoRoseeLissa.Estãomuitobonitastambém.—Haviaumtomestranho na voz de Jill. Ela era amiga de Rose, mas sua meia-irmã ainda era ummistério. Jill e Lissa nem sabiam que eram irmãs até pouco tempo antes, e o climapolítico instável vinhaobrigandoLissa a se comportarmais como rainhadoque comoirmãparaJill.Eraumarelaçãodifícilparaasduas.—Foidivertido?—Eddieperguntou.Considereiminharespostaporalgunssegundos.— Foi interessante.Ainda hámuita tensão entre os alquimistas e osMoroi, então
algumaspartesforammeioestranhas.—PelomenosAdrianestavalá.Devetersidobomteralguémquevocêconhecia—
Angelinecomentou,bem-intencionada,entãoapontouparaafotoqueeuhaviatiradodarecepção. O objetivo tinha sido registrar a vista do salão para Jill, mas, por acaso,Adrian passara no meio do enquadramento, com a pose e a perfeição de um modelocontratado para embelezar o evento.—Lindo como sempre.—Angeline balançou acabeça.—Comotodomundo lá.Achoque significaquenão tevenenhumabrigaparacelebrarocasamento,né?Ofatodeeladeduzir isso tãorápidoeraumsinaldoprogressoquehavia feito.Seu
povo, os Conservadores, vivia nas florestas daVirgínia Ocidental, e sua abertura a
romances entre vampiros,dampiros ehumanos era apenasumdos seus costumesmaisestranhos. Lutas entre amigos eram comuns, e Angeline teve que aprender quecomportamentosassimnãoeramaceitáveisnamaiorpartedosEstadosUnidos.—Nãoenquantoeuestavalá—respondi.—Masquemsabenãoaconteceualguma
coisadepoisqueeusaí?—IssofezJilleEddieabriremumsorrisolargo,eosolhosdeAngelinebrilharemdeesperança.Agarçoneteseaproximou,epediumaCocaDieteumasalada.Podiaterrelaxadona
minhacontagemrígidadecalorias,masjuravaqueaindapodiasentirogostodeaçúcardobolodecasamentoquecomidepoisdofeitiço.AngelineapertouobraçodeEddiecommaisforçaesorriuparaele.—Seumdiavocêforparacasa,podelutarcommeuirmãoJoshparamostrarqueé
dignodemim.Preciseiconteroriso.EutinhavistoacomunidadedosConservadoresesabiaqueela
estavafalandosério.—Vocês não estão quebrando ummonte de regras namorando sem ter feito isso
ainda?Angelineassentiu,parecendoumpoucotriste.— Minha mãe faria um escândalo se descobrisse. Mas acho que é um caso
excepcional.Eddie sorriu para ela, indulgente.Acho que às vezes ele pensava que exagerávamos
em relação aos Conservadores. Ele teria uma bela de uma surpresa se realmente osvisitassealgumdia.—Talvezeupossalutarcomváriosparentesseuspracompensar—eledisse.— Pode ser que precise mesmo — ela respondeu, sem perceber que ele estava
brincando.Nãoeraumaconversaexatamenteromântica,masJillpareceuincomodadaaoouvi-
losdiscutirarelação.Elasevirouparamim,claramentetentandonãoolharparaeles.—Sydney,oquevamosfazernoNatal?Encolhiosombros,semsaberexatamenteoqueelaestavaperguntando.— O de sempre, acho. Dar presentes. Cantar músicas. Fazer duelos pagãos. —
Angelinesorriucomessaúltimaparte.Jillrevirouosolhos.—Não, quis dizer que teremos férias de inverno daqui a algumas semanas. Existe
algumachance…existealgumachancedeirmosparacasa?Haviaumtomtristenavozdela,eatéEddieeAngelinepararamdeseadmirarpara
cravarosolhos emmim.Fiquei incomodada sob seusolhares.Angelinenãoestava tãopreocupadaemvisitarosConservadores,maseusabiaqueEddieeJillsentiamfaltadosamigosedafamília.Queriaterdadoarespostaqueelesqueriamouvir.—Sintomuito—falei.—VocêsvãoficarnamansãodeClarenceduranteasférias.
Nãopodemoscorrerorisco…bom,vocêssabem.—NãoprecisavafrisaraindamaisasegurançadeJill.Todosconhecíamosmuitobemesserefrão.OcomentáriodeIansobre
afragilidadedotronohaviamelembradodaimportânciadanossamissão.OrostodeJillesmoreceu.AtémesmoEddiepareceudecepcionado.— Imaginei— ela disse.— Só tinha a esperança… quer dizer, estou commuita
saudadedaminhamãe.—Achoquepodemosmandarumamensagemparaela—eudissebaixinho.Sabiaquenãoeraamesmacoisa.Àsvezes,conseguialigarparaaminhamãe,eouvir
a voz dela eramil vezesmelhor do que qualquer e-mail.Vez ou outra, até conseguiafalarcomaminha irmãmaisvelha,Carly,oquesempremedeixavacontente,porqueelaeramuitoalegreedivertida.Minhairmãmaisnova,Zoe…bom,eraoutrahistória.Elanãoatendiameustelefonemas.Zoeestiveraprestesaseriniciadanosalquimistas—paraassumiraquelamissão,aliás—quandoapegueiemseulugar.Tinhafeitoissoparaprotegê-ladoenvolvimentocomosalquimistastãocedo,maselasesentiaofendida.AoolharparaorostotristedeJill,sentiumapertonocoração.Elaestavapassando
por tanta coisa. Seu novo status real. Estar na mira de assassinos.Adaptar-se a umaescola humana. Seus romances desastrosos e mortais. E, agora, aguentar Eddie eAngeline.Elahavialidadocomtudoissocomumaforçaextraordinária,sempredecididaacumpriroqueprecisavafazermesmoquandonãoqueriafazê-lo.Lissaeraelogiadaporser uma rainha exemplar, mas havia uma realeza e uma força em Jill que muitossubestimavam.QuandoolheiparaEddie,percebiuma faíscaemseusolhosquepareciaindicarqueeletambémreconheciaeadmiravaissonela.Depoisdo jantar, levei todosparaAmberwoode fiquei contenteemvermeucarro
emperfeitoestado.EudirigiaumaperuaSubaruchamadaPingado,eEddieeraaúnicapessoaemquemeuconfiavaatrásdovolante.Deixei-onoalojamentomasculinoe,emseguida, leveiAngeline e Jill de volta ao nosso.Quando estávamos entrando, avistei asra.Santos,umaprofessoraqueeuconheciadevista.—Vãonafrente—faleiparaJilleAngeline.—Vejovocêsamanhã.Elassubirameeuatravesseiosaguão,esperandopacientementeatéqueasra.Santos
terminasseumaconversacomaresponsávelpeloalojamento,asra.Weathers.Quandoasra.Santoscomeçouadarmeia-voltaparasair,chameiaatençãodela.—Sra.Santos?SouSydneyMelrose.Estavapensandosepoderia…—Ah,sim—eladisse.—Seiquemvocêé,minhafilha.Asra.Terwilligersempre
elogiavocênasreuniõesdodepartamento.—Asra.Santoseraumamulherdeardoce,comcabelocastanhojágrisalho.Diziamqueelaestavaprestesaseaposentar.Fiqueiumpoucovermelhacomoelogio.—Obrigada.— Ela e a sra.Terwilliger eram professoras de história, embora o
focodasra.Santosfossehistórianorte-americana,nãomundial.—Asenhoratemumminuto?Queriaperguntarumacoisa.—Claro.Saímosdosaguão,afastando-nosdovaivémdoalojamento.—Asenhorasabemuitacoisasobreahistórialocal,nãoé?DosuldaCalifórnia?Elaassentiu.
—Sim.Nasciecresciaqui.— Estou interessada em arquitetura não tradicional na área de LosAngeles— eu
disse, soltandoumamentiraatrásdaoutra. Já tinhapensadonoque iadizer.—Querdizer,estilosquenãosãocomunsnosudoestedosEstadosUnidos.Vocêconhecealgumbairroassim?Ouvifalarqueháalgunsvitorianos…Elaabriuumsorriso.—Ah,sim.Claro.Éumassuntofascinante.Vitoriano,CapeCod,colonial…todos
os estilos.Não tenho todas as informações aqui comigo,maspossomandarume-mailparavocêassimquechegaremcasahoje.Váriosseidecabeça,econheçoumhistoriadorquepodeajudarcomosoutros.—Seriaótimo.Muitoobrigada.—Ésemprebomajudarumaalunaprodígio.—Eladeuumapiscadinhaenquantose
afastava.—Talveznopróximosemestrevocêfaçaumestudoindependentecomigo.Istoé,seconseguirselivrardasra.Terwilliger.—Voulembrardisso—eudisse.Assim que ela foi embora,mandei umamensagem para a sra.Terwilliger. A sra.
Santos vaime falar sobrebairroshistóricos. A resposta chegou rápido: Ótimo.Venhapara cá agora. Fiz uma careta enquanto escrevia: Acabei de chegar. Nem entrei noquarto.Aoqueelarespondeu:Entãovaichegaraquimuitomaisrápido.Atépodiaserverdade,masmesmoassimfuiatéoquartodeixaramalaetrocarde
roupa.A sra.Terwilliger morava bem perto da escola e parecia estar andando emcírculosquandochegueiàcasadela.—Finalmente!—elaexclamou.Olheiparaorelógio.—Fazsóquinzeminutos.Elameneouacabeçaeestavacomamesmaexpressãocarregadadequandoestávamos
nodeserto.—Quinzeminutospodemserdemais.Venhacomigo.A casa da sra.Terwilliger era pequena e podia se passar por uma loja de produtos
esotéricosouumabrigodegatos.Ograudebagunçamefaziarangerosdentes.Livrosde feitiços, incenso, estátuas, cristais e todo tipode itensmágicos estavamempilhadosem todos os cômodos da casa. Só a oficina dela, o cômodo para onde me levou, eraimpecável— organizado a um nível que até mesmo eu aprovava.Tudo era limpo eordenado,comrótuloseemordemalfabética.Umagrandemesadetrabalho ficavanocentrodocômodo,completamentevaziaexcetoporumlindocolarqueeununca tinhavistoantes.Acorrenteerafeitadeelosdeourointrincadoseopingenteeraumapedrapreciosavermelha-escuraentrelaçadanumaarmaçãodeouro.—Granada?—perguntei.—Muitobem—eladisse,erguendoocolar.Aluzdasvelasnaoficinapareciafazer
comquetodasasfacesdapedrabrilhassem.—Élindo—eudisse.
Elaestendeunaminhadireção.—Éparavocê.Deiumpassoparatrás,constrangida.—Para…mim?Querodizer,obrigada,masnãopossoaceitarumpresentedesses.—Nãoéumpresente—eladisse.—Éumaexigência.Umaquepode salvar sua
vida.Pegueecoloque.Merecuseiatocarnaquilo.—Émágico,nãoé?—Sim—elarespondeu.—Enãomeolhedessejeito.Nãoédiferentedenenhum
dosamuletosquevocêmesmajáfez.—Só que qualquer coisa que a senhora faça—engoli em seco, olhando fixamente
paraa joiavermelho-sangue—serámuitomaispoderosadoquequalquercoisaqueeupossacriar.—Éexatamenteessaaideia.Agora,tome.—Elaaproximoutantoocolardemim
queacorrentebalançouequasebateunaminhacara.Enchendo-medecoragem,estendiamãoeoapanhei.Nãoaconteceunada.Nenhuma
faíscaoufumaça.Nenhumadoragonizante.Aonotaroolharcheiodeexpectativadela,prendiocolarnopescoço,fazendocomqueagranadarepousassejuntoàcruz.Elasoltouumsuspiro,visivelmentealiviada.—Exatamentecomoeuesperava.— O quê? — indaguei.Apesar de não notar nada de especial, sentia o peso da
granadanopescoço.—Estáocultando seupodermágico—ela respondeu.—Ninguémqueolharpara
vocêvaisaberqueéusuáriademagia.—Nãosouusuáriademagia—eualembrei,seca.—Souumaalquimista.Elaentreabriuumsorriso.—Claro que é, uma alquimista que usamagia. E, para uma pessoa poderosa, isso
seriaóbvio.Amagiadeixaumamarcanosanguequepermeiatodoocorpo.—Comoassim?—Eunãoteriaficadomaischocadaseelativesseditoqueeuhavia
contraídoumadoençaincurável.—Asenhoranuncamefaloudissoantes!—Não era importante—ela disse, dando de ombros.—Até agora. Preciso que
vocêfiqueescondida.Nãotireessecolar.Nunca.Pusasmãosnacintura.—Nãoestouentendendo.—Tudoseráreveladoemseudevidotempo…—Não—eudisse.Naquelemomento,era como seestivesse falandocomStanton
ou qualquer uma das várias pessoas que haviamme usado e escondido informações demimduranteaminhavidainteira.—Tudoserárevelado agora.Seasenhoramemeteuemalgumasituaçãoperigosa,precisametirardissooudizercomopossosairsozinha.Asra.Terwilligerficoumeolhandoemsilêncioporváriossegundos.Umgatocinza
malhadoroçounaminhaperna,arruinandoagravidadedasituação.
—Vocêtemrazão—eladisseporfim.—Eulhedevoumaexplicação.Sente-se.Senteinumdosbanquinhosaoredordamesaeelasentoudiantedemim,juntandoas
mãosàsuafrente.Pareciaestarencontrandodificuldadesparaorganizarospensamentos.Preciseimeesforçarparamanteracalmaeapaciência—casocontrário,opânicoquevinhameremoendodesdeodesertomeconsumiriaporcompleto.—Vocêselembradaquelamulherqueviunafoto?—elaperguntou,enfim.—Suairmã.—Sim.Veronica.Ela é dez anosmais velha que eu e parece termetadedaminha
idade, como você deve ter visto. Claro, não é difícil criar uma ilusão. Se eu quisesseparecer jovem e bonita, poderia; e a palavra-chave aqui é parecer. Mas Veronicarealmenteconseguiumanterocorpo jovemevibrante.Éumtipoavançadoeperigosodemagia.Não dá para resistir à idade desse jeito sem fazer alguns sacrifícios.—Elafranziuassobrancelhasemeucoraçãodisparou.Amanutençãodajuventudeeraalgoquedespertava todos os meus temores alquimistas. Era quase tão terrível quanto aimortalidade Strigoi; talvez até pior, já que estávamos falando de uma humana. Essetipo de magia perversa não tinha lugar nesse mundo. O que ela disse em seguidaconfirmouaperversidadedaquilotudo.—Ou,nocasodela,semosacrifíciodeoutraspessoas.Sacrifício.Aprópria palavra pareceu envenenar o ar.Ela se levantou e foi até uma
estante, de onde tirou um recorte de jornal. Sem dizer uma palavra, o entregou paramim.Eraumamatériarecente,detrêsdiasantes,falandosobreumaalunadedezenoveanos daUCLA que havia sido encontrada inconsciente em seu dormitório. Ninguémsabia a causa e a menina estava hospitalizada, sem dar nenhum sinal de quando ou seacordaria.—Oqueéisso?—perguntei,semsabersequeriadescobriraresposta.Examineiamatériacommaisatenção;tambémcontinhaumafoto.Aprincípio,me
perguntei porqueo jornalmostraria uma senhoradormindo.Então, ao ler a legenda,descobri que a vítima do coma exibia alguns sintomas físicos inexplicáveis: cabelogrisalho e pele seca e enrugada. Os médicos estavam investigando doenças raras nomomento.Eumeencolhiderepulsa,semconseguiracreditarnosmeusprópriosolhos.Ameninaestavahorrendaenãoconseguiolharparaelapormuitotempo.Derepenteentendi.Veronicanãoestavasacrificandoasvítimascomfacasealtaresde
pedra. Ela estava conduzindo algum ritual de magia perverso naquelas meninas quedistorcia as leis da natureza, deixando-as naquele estado pavoroso. Meu estômago serevirouemesegureinamesaparanãodesmaiar.—EssameninaéumadasvítimasdeVeronica—asra.Terwilligerconfirmou.—
Éassimqueelamantémajuventudeeabeleza:tirando-asdeoutraspessoas.Quandoliisso,pensei…quasetorciparaquealgumaoutrausuáriademagiafosseresponsávelporisso. Não que eu desejasse isso para qualquer pessoa. Mas seu feitiço de clarividênciaconfirmouqueelaestána área,oque significaqueéminha responsabilidade lidar comela.
Tomei coragem para olhar o artigo de novo e senti a náusea subir outra vez.Amenina tinha dezenove anos. Como seria a sensação de ter a vida sugada de você tãojovem?Talvezocomafosseumabênção.Ecomoalguémpoderiasertãocruelapontodefazeralgoassimaoutrapessoa?Eunãosabiaexatamentecomoasra.Terwilligeria“lidar”comairmãenãosabiase
queriadescobrir.Noentanto, seVeronicaestava fazendocoisasdesse tipocomgarotasinocentes, então alguém— como a sra.Terwilliger—precisava detê-la.Um ataquemágico dessamagnitude era uma das coisasmais terríveis que eu conseguia imaginar.Faziaaflorartodososmeusmedosenraizadossobrecomoamagiaeraerrada.Comoeupoderia justificar seu uso quando era capaz de produzir tamanho horror?Velhas liçõesalquimistas voltaram à minha mente: Parte do que torna os Moroi especialmenteperigososésuacapacidadedeusarmagia.Ninguémtemodireitodesubverteromundodessejeito.Éerradoepodefacilmentefugirdocontrole.Volteiparaopresente.— E onde eu entro nisso tudo? Já descobri onde ela está. Por que estou correndo
risco?— Sydney — a sra.Terwilliger começou, me lançando um olhar estranho. —
Existempoucas jovensnomundocomsuashabilidades.Alémdabelezaeda juventude,elaquersugaramagiadavítimaparaficarmaispoderosa.Você,querida,seriaapresaideal.— Ela é como os Strigoi — murmurei, sem conter um arrepio. Embora os
vampirosmortos-vivospudessem se alimentardequalquerpessoa,preferiamosMoroiporque havia magia no sangue deles. Beber sangue Moroi tornava os Strigoi maispoderosos. Uma ideia terrível me atingiu de repente. — Ela é quase uma vampirahumana.—Algoassim—asra.Terwilligerconcordou.—Esseamuletodeveesconderoseu
poder,mesmodeumausuáriatãopoderosa.Elanãodeveconseguirencontrá-la.Umagata felpudapulounamesa epassei amão sobre seupelomacio,me sentindo
reconfortadapelocontatorápido.—Vocêmedeixanervosacomtodosesses“deve”.Porqueelaprocurariavítimasem
PalmSprings?Jásabesobremim?—Não.Massabequeeuestouaquiepodevirmeinspecionardevezemquando,por
isso preciso esconder você, caso ela apareça.Mas estou numa situação difícil. PrecisoencontrarVeronica,masnãopossoempreenderabuscaativamente.Seelaficarsabendoqueestou investigando,vaidescobrirqueestoucientedeseuplano.Nãopossodaressavantagemaela.Setiverasurpresaaomeulado,tereimaischancesdeimpedi-la.—Elafranziuatesta.—Prafalaraverdade,estousurpresaqueelatenhachegadotãopertodemim,naCalifórnia.Dequalquermodo,precisoserdiscretaatéahoradoataque.A sra.Terwilliger me lançou um olhar significativo e senti um frio na barriga
quandocomeceiaentenderaondeelaqueriachegarcomaquilo.—VocêquerqueeucaceVeronica.
—Nãoexatamentecaçar,masrecolheralgumasinformações.Vocêéaúnicapessoaemquempossoconfiarparaisso.Veronicaeeupodemossentirapresençaumadaoutrase chegarmosmuitoperto, pormais que tentemosocultar nossamagia.E sei que issovaisoarsurpreendente,masaverdadeéqueacho melhorvocêiratrásdela,mesmoquesejaumalvoempotencial.Vocêéumadaspoucaspessoasemquemconfioplenamente,eéespertaobastanteparaconseguirfazerumacoisadessas.—Mas eu estariame colocando em risco.Você acabou de falar que eu seria uma
presaidealpraela.—Ovaivémdaquelaconversaestavamedeixandoconfusa.—Sim.Foiporissoquefizesseamuleto.Elanãoconseguirásentirsuamagiasevocê
o usar. E, se tomar cuidado durante a investigação,Veronica não terá motivos paranotarsuapresença.Euaindanãoestavaentendendoalógicadela.—Masporqueeu?Vocêtemumclã.Senãopode iratrásdelapessoalmente,deve
haveralgumaoutrapessoa,umabruxamaispoderosa,quepossacaçaressamulher.—Doismotivos—eladisse.—Oprimeiroéquevocêtemexcelenteshabilidades
investigativas,melhoresdoquepessoasmaisvelhasdoquevocê.Éinteligenteesabesevirarsozinha.Ooutro…bom,équesealgumaoutrabruxaforatrásdela,podemuitobemmatá-la.—Seriaumacoisatãohorrívelassim?—Eunãogostavanemumpoucodemortee
violência, mas nesse caso poderia ser justificável se pudesse salvar a vida de outraspessoas.—Vocêdissequeia“lidarcomela”.—Se eu não tiver escolha… se precisarmatarVeronica,matarei.—Ela pareceu
tristeeporummomentosenticompaixão.Amavaminhasduas irmãs.Oque fariase,umdia, estivessenumconflitomortal comumadelas?Claro, eradifícil imaginarZoeouCarly cometendo esse tipode atrocidade.—No entanto, existemoutrosmeios deneutralizarumausuáriademagia.Sehouverumjeito,qualquerjeito,defazerisso,éoquefarei.Meuclãnãopensariadamesmaformaeporissoprecisodasuaajuda.—Nãoposso.—Afasteiobanquinhoelevantei,quasepisandonumgato.—Deve
haver outras maneiras de fazer isso. Você sabe que já estou cheia de questõessobrenaturaispararesolver.—Naverdade,nãoconseguiaadmitiroverdadeiromotivode querer evitar aquela missão. Era mais do que simplesmente arriscar a vida.Atéentão, todas as minhas interações mágicas tinham sido com a sra.Terwilliger. Seaceitasseessamissão,estariamergulhandonomundodasbruxas,algoquehavia juradonuncafazer.Asra.Terwilligerapontouparaoartigoesuavozestavacalmaquandofalou:—Você seria capazdedeixar isso acontecer comoutrasmeninas sabendoquepode
impedirVeronica? Nunca soube de uma vítima que acordou depois. Para o feitiçofuncionar, ela precisa renová-lo de tempos em tempos e isso requer cinco vítimas emmenos de um mês. Ela já fez isso uma vez antes e fui pega de surpresa. Dessa vez,sabemosqueestáacontecendo.Outrasquatropessoaspodemsofreressedestino.É issoquevocêquer?
Pronto.Ela tocouemoutropontoquevinhame incomodando,porquemeconheciabemdemais.Eunãopodiadeixarpessoasinocentessofrerem,mesmoquesignificassemearriscar ou enfrentarmedos queme assombravam. Se tinha como impedir aquilo, eraminhaobrigação.Ninguémmereciaodestinodameninanojornal.—Claroquenão.—Enãovamosesquecerquevocêpodeacabarsendoumadasvítimas.Toqueinagranada.—Vocêdissequeeuestavaoculta.—Eestá,porenquanto.Etorçoparaquecontinueassim.—Nuncaatinhavistotão
séria e era difícil ouvi-la falar daquele jeito. Estava acostumada com sua naturezatagarela,desastradaesemfrescuras.—Masvoucontarumacoisaquenuncadisseantessobrecomoasusuáriasdemagiasentemapresençaumasdasoutras.Eu havia aprendido ao longo dos anos que, quando alguém dizia “vou contar uma
coisaquenuncadisseantes”,nuncaeraalgobom.Meprepareiparaopior.—Usuárias demagia não treinadasmanifestamuma aura diferente do que asmais
experientes— ela explicou.— Existe algo um tanto, hum, selvagem na magia quecerca você, algo que é fácil para bruxas avançadas identificarem. Meu clã rastreiausuáriasdemagianovatas,masesses sãosegredosmuitobemguardados.Veronicanãotem acesso a esses nomes,mas existem feitiços que ela pode usar que identificam essamagia indomada se estiver perto dela. Deve ter sido assim que encontrou essa pobremenina.—Asra.Terwilligerapontouparaamatéria.A ideia de ter uma auramágica“selvagem” era tão terrível quanto descobrir que a
magiadeixavaumamarcaemmeusangue.—Quandoelaabsorveumavítima—asra.Terwilligercontinuou—,recebeuma
rajadadessa forçaselvagem.Elasedissipa logo,mas,enquantoVeronicaestáempossedesse poder, sua capacidade de encontrar outra vítima não treinada aumenta por umbreve momento. Quanto mais vítimas ela toma, mais aumenta esse poder. Existe achance — a sra.Terwilliger disse, muito séria — de que possa ser suficiente pararomperagranada.Nãosei.—Eladeudeombros.—Entãoestámedizendoque…acadavítimaqueelaataca,aumentamaschancesde
meencontrar?—Sim.—Certo.Vouajudá-laacaçaressamulher.—Deixeideladotodososmeusmedos
edúvidas.Muitacoisaestavaem jogo.Aminhavida,adeoutrasmeninas…Veronicaprecisavaserdetida,pelobemdetodas.Alguémcomoelanãopoderiacontinuaràsolta.—Temmais—acrescentouasra.Terwilliger.Sério?—Maisdoquecaçarumabruxamalignaquequerdrenarminhavidaemeupoder?— Se pudermos impedirVeronica de encontrar outras vítimas menos poderosas,
limitaremos a capacidade dela de encontrar você.—Ela pegou uma pequena bolsa develudo e a esvaziou sobre a mesa, deixando cair vários círculos de ágata. — Estes
amuletos têm certa capacidade demascarar amagia.Não são tão poderosos quanto agranada; levaria tempodemais.Mas sãodeumamagiamais simplesquepode salvar avidadeoutrasmeninas.Entendiaondeelaqueriachegar.—Evocêquerqueeuosentregueaelas.—Desculpe.Seiqueestoulhedandoalgumastarefasdifíceis…Aquiloestavaficandocadavezpior.— Difíceis? Difíceis é pouco.Além de você querer que eu encontre uma mulher
capazde sugarminhavida, tambémtemodetalhezinhodequeosalquimistas ficariamfuriosossesoubessemqueestouenvolvidanisso.A sra.Terwilliger não respondeu de imediato. Ficou apenasme olhando.Um gato
preto pulou ao lado dela e tambémme encarou.Aqueles olhos amarelos cravados emmimpareciamdizer:Façaacoisacerta.—Por onde começo?— perguntei, finalmente.—Encontrar o bairro é parte do
trabalho,certo?—Sim.Evoudizerondeencontraraspotenciaisvítimas,sevocêsedispuseraavisá-
las.Meuclãtemoregistrodelas.Sãomeninasmuitoparecidascomvocê:meninascompoder que se recusam a treinar e não têm nenhum mentor que as auxilie. QuandosoubermosexatamenteondeaprópriaVeronicaestá…—Oolharda sra.Terwilligerendureceu.—Aíeuassumo.Maisumavezmepergunteiserealmentequeriasaberosignificadodisso.Ummomentodepois,elaacrescentou:—Ah,eacheiqueseriaumaboaideiaocultarsuaaparênciatambém.Fiquei mais contente. Não saberia explicar por que, mas aquilo fez eu me sentir
muitomelhor.—Existemmuitos feitiçospara isso, certo?—Eu tinha visto vários durantemeus
estudos.Mesmoquetivessequeusarmagia,seriamelhorterumaaparênciadiferente.— Sim… — Ela tamborilou os dedos na mesa. — Mas o amuleto pode não
conseguirocultarumfeitiço“ativo”,oquedestruiriatodoodisfarce.Naverdade,estavapensandoqueseu“irmão”,Adrian,poderiaajudar.Minhaspernasfraquejaramevolteiamesentar.—PorqueAdrianseenvolverianisso?—Bom,eleparecedispostoafazerqualquercoisaporvocê.—Olheinosolhosdela,
procurando algum duplo sentido naquelas palavras. Mas seu olhar estava distante,concentrado em seus próprios pensamentos. Ela tinha dito cada palavra honestamente.—Veronica não seria capaz de detectar magia de vampiro. O poder dele… aqueleelemento, o espírito, de que ele estavame falando… pode confundir a mente, certo?Afetaroqueaspessoasveem?—Sim…Elavoltouaseconcentraremmim,assentindo,satisfeita.— Se ele puder acompanhar você, ajudar a confundir a mente de quem você
encontrar…bom,seriaumnívelextradeproteção.Ainda não sabia tudo que teria de fazer para encontrar a irmã da sra.Terwilliger,
mas,pelo jeito,nomínimoteriaque ir aLosAngelesembreve.Eu,presanumcarrocomAdrian,enquantoelecontinuavacomaquele“amoràdistância”irritante.Estavatãoperturbada com essa ideia que levei um tempo para perceber a questãomaior emqueestavamedeixandoenvolver.—Vocêentendeagravidadedoqueestámepedindo?—eudissebaixinho,voltando
a tocaragranada.—Para fazerpartedisso,vouprecisarmeexporàmagiahumana evampírica.Tudooquesempretenteievitar.A sra.Terwilliger bufou e, pela primeira vez naquela noite, assumiu aquele seu ar
irônicodecostume.—Amenosqueeuestejaenganada,vocêvemseexpondoaosdoistiposdemagiajá
fazumbomtempo.Então,nãoestaráindo tantoassimcontraosseusprincípios.—Elafezumapausaenfática.—Nomáximo,vaicontraosprincípiosalquimistas.—Osprincípiosalquimistassãoosmeusprincípios—retruqueirápido.Elaarqueouumasobrancelha.—Ah,é?Euesperavaqueseusprincípiosfossemosseusprincípios.Nuncatinhapensadonessestermosantes,mas,derepente,quismuitoqueaspalavras
delafossemverdade.
6
Segui direitinho as instruções da sra.Terwilliger . Não tirei a granada em nenhummomento, nemmesmo enquanto dormia ou tomava banho.Durante a aula namanhãseguinte, deixei a pedra embaixo da camiseta para evitar perguntas.Não era evidentequesetratavadeumamuletomágico,massemdúvidachamavaaatenção.Paraminhasurpresa,asra.Terwilligernãoapareceunoprimeirohorário,oquemelevouapensarquetalvezestivesseinvestigandoporcontaprópria.—Asra.Testáemalgumamissãosecreta?Tive um sobressalto e percebi que estava perdida em meus pensamentos.Ao me
virar, encontreiTrey agachado ao lado da minha carteira.A aula ainda nem tinhacomeçadoeumaprofessorasubstitutacomarconfusoestavatentandoentenderocaosdamesadasra.Terwilliger.Treysorriucomaminhasurpresa.— Q-quê? — perguntei. Será que ele havia descoberto sobreVeronica? Tentei
manteracalma.—Porquedizisso?— Estava só brincando— ele respondeu.— É o segundo ano em que faço uma
matéria com ela e ela nunca perdeu uma aula sequer. — Ele me lançou um olharconfuso.—Anãoserquevocêsaibadealgumacoisaqueeunãosei.—Não—respondiautomaticamente.—Estoutãosurpresaquantovocê.Trey ficou me examinando por alguns momentos. Éramos bons amigos em
Amberwood,emborahouvesseumpequenoprobleminhaentrenós.AfamíliadeleestavaligadaaosGuerreirosdaLuz.No mês anterior, os guerreiros haviam tentado matar Sonya num ritual bárbaro.
Trey havia sido um dos competidores pela “honra” de executá-la, embora tivessedesistidodo combatenoúltimominuto.Eu tentara apelar aos guerreirospara libertarSonya, mas eles não me deram ouvidos. Nós duas fomos salvas quando um grupoarmado de dampiros apareceu e derrotou os guerreiros. Stanton havia ajudado aorquestrar a invasão,mas não tinha se dado ao trabalho deme informar que eu seriausadacomodistração.Erapartedoquehaviaalimentadominhadesconfiançaemrelação
aelaeaosalquimistas.Treyhavia levadoaculpapor termeenvolvidonoritualeosguerreirosobaniram
— assim como a seu pai. Da mesma forma que eu sempre fui pressionada pelosalquimistas,Trey teve a doutrina dos guerreiros incutida dentro dele durante toda avida.Seupai sentia tantavergonhapelobanimentoquequasenão falavamaiscomele.Eu sabia comoTreydesejava a aprovaçãodopai, equeesse silêncioeramaisdolorosoparaeledoqueapuniçãodosguerreiros.Nossas lealdades dificultavam as coisas. Quando eu tentara insinuar que havia
questõesmalresolvidasentrenós,elemerespondeucomumsorrisotriste.“Nãoprecisasepreocupar”,Treymedissera.“Não estou escondendonenhumplano secretode vocêporquenãoseimaisdenenhum.Elesnãonosdizemmaisnada.Achamquenãosoumaisumdeles.Fuiexpulsopara sempree seriaprecisoummilagrepara aceitaremaminhafamília de volta.”Algo em seus olhos castanhos me dizia que, se ele encontrasse essemilagre, o agarraria com todas as forças.Eu tinha tentadoperguntar a respeito disso,maselenãoqueriadiscutirmaissobreoassunto.“Queroserseuamigo,Melbourne”,eledissera.“Gostodevocê.Nuncavamosresolvernossasdiferenças.Melhor ignorá-las, jáqueprecisamosnosvertododia.”O surpreendente era que nossa amizade conseguia sobreviver a todo esse drama.A
tensão sempre estava lá, pairando oculta entre nós, mas tentávamos ignorá-la. Claroque,emboraelesoubessedomeuenvolvimentonomundodosvampiros,nãofaziaideiade que, nos bastidores, eu estava tendo aulas de magia com a nossa professora dehistória.Seeleachouqueeuestavamentindosobreaausênciadasra.Terwilliger,nãoinsistiu
noassunto.Apontoucomacabeçaparaasubstituta.—Aauladehojenãovaidaremnada.Desvieiospensamentosdetodaaintrigamágica.Depoisdeestudaremcasadurante
a maior parte da vida, alguns detalhes do mundo letivo “normal” ainda eram ummistérioparamim.—Comoassim?—Normalmenteosprofessoresdeixamumplanodeaulaparaossubstitutos,coma
matéria que eles precisam dar. Vi o plano que a sra. Terwilliger deixou. Dizia:“Distraiaos alunos”.—Treymeneou a cabeça fingindo solidariedade.—Tomaraquevocêconsigalidarcomessedesperdíciodetempoacadêmico.Querdizer,éprovávelqueeladiga:“Façamaliçãodecasa”.Masninguémvaifazer.Eleestavacerto.Nãosabiaseconseguirialidarcomaquilo.—Porquenão?Elepareceusedivertirimensamentecomapergunta.—Melbourne, às vezes você é o únicomotivo para eu vir para a aula.Aliás, vi o
plano que ela deixou para o seu estudo independente também. Dizia que você nemprecisaficarnaescola.Estarálivreparafazerumaloucura.Eddie,queestavasentadoporperto,ouviuaconversaezombou:
—Vaiparaabiblioteca?Os dois riram, mas minha mente já estava girando com as possibilidades. Se
realmente não precisasse assistir à última aula, estaria livre para sair do campusmaiscedo.Poderia ir paraLosAngeles procurarVeronica e…não.Adrian ainda não tinhavoltado.Porummomento,considereifazerainvestigaçãosemajudadamagiadele,masasadvertênciasdasra.Terwilligerecoaramnaminhacabeça.Acaçadateriadeesperar.MaseuaindapoderiaprocurarMarcusFinch.EramduashorasdeviagematéSantaBárbara,oque significavaqueeu teria tempo
suficiente para ir até lá, investigarMarcus e voltar tranquilamente antes do toque derecolher da escola. Eu não estava pensando emprocurar por ele até o fim de semana,mas percebi que não deveria perder a oportunidade.A missão da sra. Terwilligertambémme afligia, mas não havia nada que eu pudesse fazer até queAdrian voltassenaquelanoite.MarcusFincheraummistérioparamimdesdequeeudescobriraqueeleeraumex-
alquimista.Medarcontadequeeupoderiaencontraralgumasrespostasnaquelemesmodia fez meu coração acelerar. Uma coisa era suspeitar que os alquimistas estivessemescondendo informações de mim. Outra completamente diferente era aceitar que eupoderia estar prestes a ter essas suspeitas confirmadas. Na verdade, era um tantoassustador.Comopassardodia, fui ficandocadavezmaisdecididaa fazeraviagem.Precisava
enfrentar aquilo cedo ou tarde, e seria melhor acabar com a dúvida de uma vez portodas.Afinal,tudooqueeusabiaeraqueMarcusestiveraemSantaBárbara.Elepoderiajátersaídodelá.Eunãoqueriarepetirofeitiço,sepudesseevitar.De fato,quando apareciparaoquenormalmente seriameuestudo independente ao
fimdodia, aprofessora substituta (parecendoextremamentecansadadepoisdeumdiaseguindo os passos da sra.Terwilliger) me disse que eu estava livre para ir embora.Agradeci e corriparao alojamento, cientedequeo tempoestavapassando.Não sabiaexatamenteoqueesperaremSantaBárbara,masqueriaestarpreparadaparaqualquereventualidade.TroqueiouniformedeAmberwoodporcalçajeanseumablusapretalisa.Depoisme
ajoelheietireidedebaixodacamaumagrandecaixademetal.Àprimeiravista,pareciaumkitdemaquiagem.Noentanto,tinhaumafechaduracomplexaqueexigiaumachaveeumacombinaçãonumérica.Dentroeuguardavaumacoleçãodesubstânciasquímicasalquimistas, que, caso fosse encontrada, provavelmente me levaria a ser expulsa docolégio, uma vez que parecia um kit para produção de drogas ilegais. Para falar averdade,algunsdoscompostoseramrealmentesuspeitos.Pegueialguns itensbásicos.Umeraumafórmulanormalmenteusadaparadissolver
corposdeStrigoi.EunãoestavaesperandoencontrarnenhumStrigoiemSantaBárbara,mas o composto tambémpoderia ser usadopara desintegrarmetal facilmente.Escolhimaisalgumasmisturas,comoumaquepoderiacriarumanuvemdefumaçadignadeumespião,easembrulheicomcuidadoantesdecolocá-lasnabolsa.Entãotranqueiacaixa
outravezeaenfieiembaixodacama.Depois de considerar por um momento, respirei fundo e peguei outra caixa
escondida. Essa era nova naminha coleção.Continha vários amuletos e poções que euhavia feito sob as instruções da sra.Terwilliger.Olhando para o conteúdo dela, sentimeuestômagoserevirar.Nemnosmeussonhosmaisloucoseuteriaimaginadoqueumdiaviria a terumkit comoaquele.Nocomeço, sócriava talismãs sobasordensdela.Agora,tinhafeitováriosporlivreeespontâneavontade,e,seoqueelahaviaditosobrea irmã era verdade, logo precisaria fazer mais. Muito relutante, peguei alguns e osembrulhei como havia feito com as substâncias alquimistas. Hesitei um momento eentãocoloqueialgunsnobolso,paraacessorápido.O trajeto para Santa Bárbara era tranquilo àquela hora do dia. Dezembro havia
refrescado o clima quente do sul da Califórnia, mas o sol ainda estava forte, fazendoparecermaisquentedoquerealmenteestava.E,conformemeaproximavadacosta,odesertofoidandolugaraumclimamaisameno.Aschuvasaumentavamnocentroenonorte do estado naquela época do ano, tornando a paisagem verde e exuberante. EugostavadePalmSpringsedeAmberwood,masnãoligariaseamissãodeJillnostivesselevadomaisparaonorte.EncontraraantigaMissãodeSantaBárbaranãofoidifícil.Eraumaatraçãoturística
bastante famosa emuito fácil de avistar quando se chegava perto.A grande igreja eraexatamentecomoeutinhavistono feitiço,excetopelo fatodeestar iluminadapelosolvespertinoenãopelocairdanoite.Estacioneinaruadeumbairroresidencialelevanteiosolhosparaaquelaobra-primadeestuqueeterracota.Queriatertempoparavisitá-la,mas,comosempreacontecia,meusdesejospessoaisprecisavamficaremsegundoplanoemrelaçãoaumobjetivomaior.Agoravinhaapartemaisdifícil:descobrirondepoderiaseraquitinetequeeutinha
visto.Oquarteirãoemqueestacioneidavaparaumavistadaigrejaparecidacomaqueladofeitiço.Entretanto,osângulosnãoeramexatos,eaquelaruasótinhacasas.Eutinhaquasecertezadequeo lugarque tinhavisto ficavanumprédioresidencial.Mantendoaigreja nomeu campo de visão, dirigi por algumas ruas e encontrei o que queria: umquarteirãocomcomplexosdeapartamentos.Um dos prédios parecia chique demais. O apartamento que eu vira era simples e
antigo.Osoutrosdoisnaquelaruapareciamcandidatosmaisprováveis.Estacioneipertodeles e caminhei ao redor, tentando imaginar comopoderia sero ângulovistodeumajanela mais alta. Era uma pena não ter conseguido ver o estacionamento durante ofeitiço.Teriamedadoumaideiamelhordolugar.Depoisdepensarmuito, finalmentededuziqueoapartamentoficavanoterceiroouquartoandar.Comoumdosprédiossótinhadoisandares,tiveumaideiamelhordequalseriaolugarcerto.Aoentrarnoprédio,fiqueicontenteportercolocadoantissépticonabolsa.Osaguão
parecianãotersidovarridohaviamaisdeumano.Asparedesestavamsujas,eatinta,lascada.Haviaumpoucodelixoespalhadopelochão.Teiasdearanhadependuravam-seemalguns cantos, e rezei paraque as aranhas fossemosúnicos habitantes rastejantes e
repulsivosdolugar.Sevisseumabarata,eraprovávelquesaíssecorrendoemdisparada.Oprédionão tinhaumporteiroqueeupudesse interrogar,entãochameiuma senhorademeia-idadequeestavadesaída.Elaparou,meolhandodesconfiada.—Oi—eudisse,esperandonãoparecerumaameaça.—Estoutentandoencontrar
umamigo,masnãoseiemqueapartamentoelemora.Vocêoconhece?OnomedeleéMarcus.Ele temuma tatuagem azul no rosto.—Aonotar o rosto inexpressivodela,repetiaperguntaemespanhol.Elapareceuentender,mas,quandotermineiapergunta,suaúnicarespostafoiumcurtonãocomacabeça.Nemtivetempodemostrarafoto.Passei a meia hora seguinte fazendo a mesma pergunta sempre que via moradores
entrando ou saindo do prédio. Fiz isso do lado de fora, preferindo uma área públicailuminada àquele interior imundo. Algumas pessoas eram meio suspeitas, e algunshomensmelançaramolharesdequedefinitivamentenãogostei.Estavaprestesadesistirquando um menino se aproximou de mim. Ele parecia ter uns dez anos e estiverabrincandonoestacionamento.—Conheçoohomemquevocêestáprocurando—elemedisseeminglês.—Maso
nomedelenãoéMarcus.ÉDave.ConsiderandoadificuldadeparaencontrarMarcus,nãoeraumagrandesurpresaele
estarusandoumnomefalso.—Temcerteza?—pergunteiaomenino.Mostreiafotoparaele.—Éesseaqui?Elefezquesim.—Éelemesmo.Eleébemnadele.Minhamãedizquedeveestar fazendoalguma
coisaerrada.Ótimo.Erasóoquemefaltava.—Vocêsabeondeelemora?Omeninoapontouparacima.—Noúltimoandar,número407.Agradecieentrei,subindoescadasquerangeramtodoocaminhoatéoquartoandar.
O apartamento ficava perto do fim do corredor, ao lado de outro do qual saía umamúsicairritanteemuitoalta.Batino407enãotiveresposta.Semsaberseomoradortinhameouvido,baticommaisforça.Nada.Olhei para a maçaneta, considerando derretê-la com os ácidos alquimistas. Logo
depois, descartei a ideia.Mesmo num prédio de reputação questionável como aquele,algum vizinho poderia ficar preocupado ao me ver invadir o lugar. Eu não queriachamaratenção.Asituaçãoestavaficandocadavezmaisfrustranteeeunãopodiaficaraliodiatodo.Considereiminhaspossibilidades.Todosdiziamcomoeuerainteligente.Deviahaver
algumasoluçãoquefuncionasseali,masqual?Ficaresperandonocorredornãoeraumaopção. Não tinha como saber quanto tempo Marcus, ou “Dave”, demoraria paraaparecer. E, para falar a verdade, quanto menos tempo eu passasse naquele corredorimundo, melhor. Se ao menos houvesse uma maneira de entrar que não envolvessedestruir…
Foientãoqueencontreiaresposta.Solteiumresmungo.Nãogostavamuitodaideia,maspoderiafuncionar.Saínovamenteecumprimenteiomenino,queestavapulandodecimadosdegraus.—Daveestavaemcasa?—eleperguntou.—Não.Eleassentiu.—Normalmentenãoestámesmo.Pelomenosissoajudariameunovoplanomaluco.Deixeiomeninoefuiatéalateral
do prédio, que felizmente estava deserta. Lá, encostada à parede, estava a saída deincêndiocommaisriscodedesabarqueeujátinhavistonavida.Considerandoarigidezdos padrões de segurança da Califórnia, fiquei surpresa por aquilo não ter sidodenunciado. Claro, mesmo se fosse, parecia improvável que o dono do prédio agisserápido,julgandopelascondiçõesdorestodolugar.Depois de confirmar que ninguém estava por perto, fiquei à sombra da saída de
incêndio,torcendoparaqueelameocultasse.Tireidabolsaumdosamuletos:umcolarfeito de ágata e penas de corvo. Coloquei-o ao redor do pescoço e recitei umencantamento em grego. Senti o calor damagia perpassarmeu corpo,mas não houvenenhumamudançaaparente.Teoricamente,euestariainvisívelparaquemnãoestivesseme procurando. Se isso realmente havia acontecido, eu não sabia. Imaginei quedescobriria se alguém passasse e me perguntasse por que eu estava entrando numapartamentopelasaídadeincêndio.Quando comecei a subir, porém, quase abortei o plano.Toda a escada rangia e
balançava.Os andaimesestavam tãoenferrujadosqueeunão ficaria surpresa se eles sedesintegrassem sobmeus pés. Fiquei parada onde estava, tentando criar coragem paracontinuar. Lembrei que essa poderia serminha única chance de encontrarMarcus.Omenino no estacionamento havia confirmado que elemorava ali. Eu não podia perderaquelachance.Engoliemsecoecontinueisubindo,angustiada,deandaremandar.Quandocheguei
aoquarto,olheiparabaixo,espantada,semconseguiracreditarqueaescadaaindaestavaintacta.Agoraeutinhaumnovoproblema.HaviadescobertoondeficavaoapartamentodeMarcus,queeraasegundajaneladepoisdaescadaria.Adistâncianãoeratãogrande,mas, sobre uma borda estreita, pareciam quilômetros. Igualmente intimidador era ofatodequeeuteriaqueatravessarajanela.Elaestavafechada,oquefaziasentidoseeleestavaforagido.Eutinhaalgunsamuletoscapazesdederreterovidro,masnãoconfiavanaminhacapacidadedeusá-losenquantomeequilibravaemcimadaquelabordaestreita,oquesignificavaqueteriadetestaroquãoboaminhamiratinhasetornadonaeducaçãofísica.Aindacientedoestadoprecáriodaescadadeincêndio,pegueiumabolsinhadepóna
bolsa.Medindoadistância,atirei-acomforçanadireçãodajanela,recitandoumfeitiço.E errei.A bolsinha atingiu a parede do prédio, estourando numa nuvem de poeira, ecomeçouacorroeroreboco.Meencolhidiantedaparededissolvida.Ofeitiçoacabouse
extinguindo,masdeixouumburacoperceptível.Porém,nãoatravessouaparedetodaepenseique,considerandooestadodoprédio,eraprovávelqueninguémnotasse.Eu só tinhamais uma bolsinha.A vidraça era relativamente grande e eu não podia
errardessa vez.Atirei com força—e acertei.Opó atingiuo vidro, espalhandoumareação e começando a fundi-lo imediatamente. Derreteu como gelo no sol.Agora,observandoansiosa,queriaqueareaçãocontinuasseomáximopossível.Precisavadeumburacograndeobastanteparapoderpassar.Felizmente,quandoparou, senti que seriasuficiente—seeuconseguissechegaratélá.Não tinha medo de altura, mas, enquanto engatinhava pela borda, senti como se
estivessenotopodeumarranha-céu.Estavacomocoraçãonabocaepenseiquaisseriamaschancesdesobreviveraumaquedadequatroandares.Minhasmãoscomeçaramasuareordeneiqueparassem.Nãotinhachegadoatéaquelepontoparaelasescorregaremnoúltimominuto.No fim, foi meu pé que escorregou. O mundo deu uma volta, e estendi o braço
desesperadamente, por pouco conseguindo segurar o lado interno da janela.Me jogueiparacimae,comumaexplosãodeesforçomovidapelaadrenalina,conseguipassarumapernapelajanela.Respireifundoetenteiacalmarmeucoração.Estavaemsegurança.Euia conseguir… Um momento depois, consegui passar a outra perna pela beirada,entrandonoquarto.Caínochão;minhaspernasestavamfracasetrêmulasenquantoeumeesforçavapara
acalmararespiração.Tinhasidoporpouco.Semeusreflexostivessemsidomaislentos,teria descoberto exatamente o que uma queda de quatro andares poderia fazer com ocorpohumano.Pormais quegostassede ciência, essenão eraumexperimentoque euestava ansiosa para realizar. Talvez passar tanto tempo perto de dampiros tivessemelhoradominhashabilidadesfísicas.Depois queme recuperei, consegui examinar o ambiente.Ali estava eu, nomesmo
apartamento que tinha observado na visão. Olhando para trás, avistei a igreja, everifiquei se era o mesmo ponto de vista. Sim. Exatamente o mesmo. Lá dentro,reconheciocolchãoeospoucospertencesdeMarcus.Dooutroladodoquarto,aportaque dava para o corredor tinha várias fechaduras novas e modernas. Dissolver amaçanetanãoteriadadoemnada.—Eagora?—murmurei.Euhaviaconseguidoentrar.NãotinhaacessoaMarcus,
mas, teoricamente, tinha acesso ao apartamento dele. Não sabia bem o que estavaprocurando,masdeviacomeçarporalgumlugar.Primeiro, examinei o colchão, sem esperarmuita coisa. Não tinha como esconder
alguma coisa embaixo, como o meu.Tinha, porém, como ocultar ratos e sabe Deusmais o quê. Com cuidado, levantei um canto, sabendo que devia estar fazendo umacareta—masnãohavianadaali,vivoounão.Meualvoseguintefoiumapequenapilhade roupas desordenadas.Vasculhar as roupas sujas (porque imaginava que estivessemsujasseestavamnochão)nãofoimuitomaispromissordoqueolharsobocolchão.Umcheiro de amaciante me disse que, na verdade, aquelas peças tinham sido lavadas
recentemente.Eramroupasmasculinasnormais,provavelmentedeumjovem,oqueseencaixava no perfil de Marcus. Jeans. Camisetas. Cuecas. Quase comecei a dobrá-lasenquantoremexianapilhaepreciseimelembrardequenãoqueriadeixarnenhumsinaldaminhapassagem.Sebemqueajaneladerretidaeraumaevidênciaumtantoóbvia.Haviaalgunsitenspessoaispertodocolchão:umaescovadedenteseumdesodorante
com um aroma descrito, sabe-se lá por quê, como “ fiesta oceânica”.Além de umacadeira de madeira velha e daTV antiga, só havia outra fonte de conforto eentretenimentonaquelecômodosemgraça:umacópiagastadeOapanhadornocampodecenteio.—Ótimo—murmurei, tentandoadivinharoque issodizia sobre alguémquenão
possuíanenhumoutroobjetopessoal.—MarcusFinchéumintelectualpretencioso.Obanheiro era claustrofóbico e quase não havia espaço para o boxe do chuveiro, o
vasoeapia,queestavapingando.Ajulgarpelamanchadefungonochão,deviaespirrarmuita água quando o chuveiro estava ligado. Uma grande aranha preta correu paradentrodoraloerecueirápido.Derrotada, fui investigaraportaestreitadoúnicoarmárionoapartamento.Depois
detodoaqueletrabalho,tinhaconseguidoencontrarMarcusFinch,masnãooencontraraempessoa.Minhabuscanãohaviadadoemnada.Eutinhapoucotempoparaesperare,sinceramente,sefosseeleeencontrasseumajaneladerretidaemcasa,dariameia-voltaesumiriadaliparasempre.Seelefugisse,eunãoteriaescolhaalémdecontinuarfazendofeitiçosdeclarividênciae…—Ahh!Algopulouemcimademimquandoabriaportadoarmário,enãoeraumratoou
umabarata.Eraumhomem.Oarmárioeratãominúsculoqueeraummilagreelecaberalidentro.Masnãotive
tempo para processar a logística espacial porque seu punho disparou e me atingiu nacara.Naminhavida,játinhasidoprensadacontraparedesemordidaporumStrigoi.Mas
nunca havia levado um soco e não era uma experiência que gostaria de repetir.Cambaleei para trás, tão surpresa que demorei para reagir. O rapaz avançou contramim,segurandomeusbraçosemechacoalhandoenquantoseaproximava.—Comovocêsmeencontraram?—eleexclamou.—Quantosoutrosestãovindo?Apesardadorque irradiavadomeu rosto, consegui recuperaros sentidos.Nomês
anterior, tinha feito um curso de defesa pessoal com um criador de chihuahuas meiomaluco que parecia um pirata. Apesar do comportamento pouco convencional deMalachiWolfe, ele realmente havia me ensinado algumas técnicas legítimas, que meforamúteisnaquelemomento.Deiumajoelhadanabarrigadomeuagressor.Seusolhosazuis se arregalaram enquantome soltava e caía no chão. Porém, não ficou caído pormuito tempo. Com dificuldade, se reergueu e partiu para cima demim,mas, a essaaltura,eu já tinhapegadoumacadeiraeaestavausandoparamantê-loafastado,como
umdomadordeleões.—Fiquelonge—eudisse.—Sóquero…Ignorando minha ameaça, ele avançou e puxou uma das pernas da cadeira,
arrancando-ademim.Depoismeencurralounumcantoe,apesardealgunstruquesqueEddie haviame ensinado, eu não tinha confiança suficiente para dar um soco.Mesmoassim,medefendibemquandoMarcustentoumesegurardenovo.Nósnosatracamosecaímosnochão.Euchutavaearranhava loucamente,dificultandoascoisasaomáximo.Foisóquandoeleconseguiumesegurarnochãocomtodoopesodeseucorpoquepareidemedebater.Noentanto,tinhaliberdadedemovimentoobastanteparacolocarumamãonobolso.—Quemenviouvocê?—eleperguntou.—Ondeestãoosoutros?Não respondi.Emvez disso, tirei umpequeno frasco do bolso e abri a tampa com
umamão. Imediatamente, saiu um vapor amarelo nocivo com a consistência de geloseco. Estendi o frasco para o rosto dele. Marcus se contorceu com repulsa, lágrimasescapando dos olhos.A substância em si era relativamente inofensiva, mas o gás agiacomo uma espécie de spray de pimenta. Eleme soltou e, com uma força que eu nãosabiaquetinha,conseguirolarparacimadeleemantê-lonochão.Deiumacotoveladanopulsodeleeelesoltouumresmungobaixodedor.Comooutrobraço,empunheiofrascodemaneiraameaçadora,comosefosseumfacão.Issonãooenganariapormuitotempo,mas, felizmente,medeutempoparareavaliarasituação.Agoraqueeleestavaparado, finalmente conseguidarumaboaolhadanele e fiquei aliviada aoverque tinhaatingidomeuobjetivo.Ele tinhaumrostobonitoe jovem,comumatatuagemazulnabochecha. Era um desenho abstrato que parecia uma treliça demeias-luas. Um tênuebrilhoprateadosaíapelasbordasdealgumaslinhasazuis.—Éumprazerconhecervocê,Marcus.Então, a coisa mais surpreendente aconteceu. Com os olhos lacrimejantes, ele
também estava tentando olhar direito para mim. Pareceu me reconhecer ao piscar efocaravisão.—SydneySage—eleexclamou,admirado.—Andeiprocurandovocê.Nãotivetempoparaficarsurpresaporque,subitamente,ouviocliquedeumaarma
esentiocanodelaencostarnaminhanuca.—Saiadecimadele—ordenouumavoz.—Esolteabombadefumaça.
7
EupodiaestardeterminadaaencontrarMarcus,masdefinitivamentenãoiaargumentarcontraumaarma.Ergui asmãos e levantei devagar, de costas para a recém-chegada. Com omesmo
cuidado,saídecimadeMarcusepusofrasconochão.Aindaestavasoltandogás,masareaçãologoseesgotaria.Entãocrieicoragemparaolharparatrás.Quandoviagarotaqueestavalá,malpudeacreditaremmeusprópriosolhos.—Vocêestábem?—elaperguntouaMarcus.Eleestavaselevantandocambaleante.
—Saíassimquevocêligou.—Évocê!—Nãoconseguidizernadamaisarticulado.Agarotaàminhafrentetinhamaisoumenosaminhaidadeelongoscabelosloirose
desgrenhados. Ela ainda estava com a arma apontada para mim, mas entreabriu umsorriso.—Éumprazervê-ladenovo.O sentimento não eramútuo.A última vez que tinha visto aquelamenina fora na
arena,duranteocombatecontraosGuerreirosdaLuz.Elatambémportaraumaarmanaocasião epassarao tempo todo comuma careta no rosto.Haviame empurradodeumladoparaooutroemeameaçado,semdisfarçarqueachavaumaheresiaeudefenderSonya.Emboraparecessemaiscalmaagoradoquequandoestavacomaquelesfanáticos,não conseguia ignorar quem ela era, ou as implicações disso. Olhei para Marcus,incrédula.Eleestavaesfregandoopulsoqueeutinhaacotovelado.—Você…vocêestácomeles!EstádoladodosGuerreirosdaLuz!Achoquenunca fiquei tão decepcionada na vida.Eu tinha apostado todas asminhas
fichas em Marcus. Ele havia se tornado um ser quase mítico na minha cabeça, umsalvador rebelde que me contaria todos os segredos do mundo e me libertaria de sermais uma engrenagem na máquina dos alquimistas. Mas era tudo mentira. Clarencemencionara que Marcus tinha convencido os guerreiros a deixá-lo em paz. Eu tinhapensadoqueMarcustinhaalgumpoderdebarganha incrívelcontraosguerreiros,mas,
pelojeito,osegredodesuainfluênciaeraqueelefaziapartedogrupo.Elelevantouosolhosparamim.—Quê?Aquelesmalucos?Claroquenão.Quase levantei a mão para apontar para a menina, mas achei melhor não fazer
nenhummovimento brusco. Preferi acenar com a cabeça na direção dela e notei quetodas as fechaduras naporta haviam sidodestravadas.Estivera tão concentradana lutacomMarcusquenemtinhaouvido.—Sério?Entãoporqueumaguerreiraacaboudesalvarvocê?— Não sou uma guerreira. —A voz dela era quase descontraída, mas a arma
contradiziaseutom.—Querdizer,suponhoqueseja,mas…—Sabrinaéumaespiã—Marcusexplicou.Elepareciamuitomaisàvontadeagora
queeunãoestavapulandoemcimadele.—Umabela espiã.Ela estádisfarçada entreeleshámaisdeumano.Foielaquemmecontousobrevocê.Mais uma vez, era difícil responder àquilo. Eu também não tinha certeza se
acreditavanaquelahistóriadeespiã.—Oqueeladisseexatamente?Ele me abriu um sorriso de estrela de cinema. Seus dentes eram tão brancos que
fiqueimeperguntando se tinha feito clareamentodental.Não combinavamuito comaimagem de rebelde foragido, mas nada naquele dia estava acontecendo como euesperava.— Ela me contou sobre uma garota alquimista que defendeu umaMoroi e depois
ajudoualiderarumgrupodedampirosinvasores.Liderar? Longe disso.Ninguém,muitomenos Stanton, havia achado necessáriome
informar sobre a invasão até que eu estivessenomeiodela.Mas eunãoqueria revelarmaisdoqueonecessário.—Osalquimistasautorizaramainvasão—afirmei.—Vicomovocêfalou—Sabrinadisse.SeuolharpassoudemimparaMarcus,com
intensidadeparamimeadmiraçãoparaele.—Foi inspirador.Eobservamosvocêporum tempo, sabe.Você passou um longo período com osMoroi e dampiros em PalmSprings.—Émeutrabalho—eudisse.Elanãopareceramuitoinspiradanaépoca.Parecera,
sim,decepcionadapornãopoderdispararcontramim.Marcusabriuumsorrisoespertinho.—Peloquemecontaram,vocêeaquelesMoroipareciamquaseamigos.Eaquiestá
você agora, procurando por mim. Definitivamente é a dissidente que estávamosesperando.Não, aquilo não estava saindo nem um pouco como o planejado. Na verdade, era
quase o oposto dos meus planos.Tinha ficado tão orgulhosa da minha capacidade derastrearMarcus,quando,naverdade,elejáestavadeolhoemmim.Nãogosteinemumpouco disso. Fez com que me sentisse vulnerável, por mais que ele estivesse dizendoalgumas das coisas que eu queria ouvir. Com a necessidade deme sentir no controle,
tenteimanteracalmaebancaradurona.—Outrosalquimistaspodemestarprestesaaparecer—eudisse.—Eles já estariam aqui a essa altura— ele respondeu, percebendomeu blefe.—
Nãomandariamvocê sozinha…apesar de eu ter entrado empânico quando a vi.Nãopercebiquemeraeacheiquehaviaoutrosjuntocomvocê.—Elefezumapausaeseuarpetulante se transformou em constrangimento.— Desculpa por, hum, ter dado umsocoemvocê.Sefazvocêsesentirmelhor,vocêfezalgumacoisabemgravecommeupulso.OrostodeSabrinaseencheudepreocupação.—Ah,Marcus.Vocêprecisairaomédico?Eletentoumoveropulsoefezquenãocomacabeça.—Vocêsabequenãoposso.Nuncasabemosquempodeestardeolhonumhospital.
Esseslugaressãomuitofáceisdemonitorar.—Vocêrealmenteestáseescondendodosalquimistas—eudisse,admirada.Elefezquesim,parecendoquaseorgulhoso.—Estavaduvidando?Imagineiquejásoubessedessaparte.—Eususpeitava,maselesnãomecontaram.Disseramquevocênemexistia.Ele pareceu achar graça naquilo. Na verdade, parecia achar graça em tudo, o que
considereiumtantoirritante.—Sei.Foioqueosoutrosdisseramtambém.—Queoutros?— Outros como você. — Aqueles olhos azuis se cravaram em mim por um
momento,comosepudessementrever todososmeus segredos.—Outros alquimistasquequeremsairdorebanho.Eusabiaqueestavadeolhosarregalados.—Existem…existemoutros?Marcusseacomodounochão,recostando-seàparede,aindaesfregandoopulso.— Vamos sentar. Sabrina, guarde a arma. Não acho que Sydney vá nos dar
problemas.Sabrina nãopareceumuito convencida,mas, depois de alguns segundos, obedeceu e
sentounochão,posicionando-sedemaneiraprotetorapertodele.— Prefiro ficar em pé— eu disse. De jeito nenhum sentaria naquela imundície.
DepoisderolarnochãocomMarcus,queriatomarumbanhodeantisséptico.Eledeudeombros.—Como quiser.Você quer respostas?Vai ter queme dar algumas primeiro. Por
queveiomeprocurarsemqueosalquimistassoubessem?Eu não gostava de ser interrogada, mas de que adiantava ficar ali e não entrar na
conversa?—Clarencemecontousobrevocê—respondi,finalmente.—Elememostrousua
fotoeviquevocêtinhatatuadoporcimadolírio.Nemsabiaqueissoerapossível.—Atatuagemnuncaseapagava.
—Clarence Donahue?—Marcus pareceu sinceramente alegre.— Ele é um caralegal.SuponhoquetenhaficadoamigadeleemPalmSprings?Euiadizerquenãoéramosamigos,masentãoreconsiderei.Oquemaisseríamos?—Conseguirissonãoéfácil—Marcuscontinuou,apontandoparaatatuagemazul.
—Vaitermuitotrabalhosequiserfazertambém.Deiumpassoparatrás.—Calmaaí.Nuncadissequequeriaisso.Porqueeufariaumacoisadessas?—Porquevai libertarvocê—elerespondeu, simplesmente.—Elaevitaquevocê
discuta sobre vampiros, não é?Você não acha que isso é tudo que ela faz, acha? Pensebem.Oqueimpedeatatuagemdeexerceroutrasformasdecontrole?Tivede abandonar todas as expectativas sobre aquela conversa, porque cada assunto
eramaismalucoqueoanterior.—Nuncaouvinadasobreisso.Enuncasentinadaassim.Elasómeimpededefalar
sobreosvampiros.Norestodotempo,soueuquemestánocontrole.Eleassentiu.—Talvez.Aprimeira tatuagemnormalmente só tem a compulsãode fala.Eles só
começam a retocar com outros componentes se têm motivos para se preocupar comvocê. Às vezes as pessoas resistem contra os retoques e, nesse caso… bom, elas sãomandadasparaareeducação.As palavras dele me causaram um arrepio e coloquei a mão na bochecha, me
lembrandodoencontroquetiveraaoreceberamissãodePalmSprings.— Fui retocada faz pouco tempo…mas foi coisa de rotina.— Rotina. Normal.
Nadaparecidocomoqueeleestavasugerindo.—Talvez.—Ele inclinouacabeçaeme lançouumolharpenetrante.—Você fez
algumacoisaerradaantesdisso,querida?Comoajudarumadampirafugitiva?—Dependedoquevocêentendeporerrado.Os dois riram.A risada deMarcus era alta, descontraída e até contagiosa, mas a
situaçãoeragravedemaisparaqueeumejuntasseaeles.—Eles devem ter reforçado sua lealdade ao grupo, então—ele disse, ainda rindo
baixinho.—Masounãofoimuitoforteouvocêlutoucontraela,senãonãoestariaaqui.—EleolhoudeesguelhaparaSabrina.—Oquevocêacha?Sabrinameexaminoucomumolharcrítico.Euaindaestavaachandodifícilacreditar
nopapeldelaemtudoaquilo.—Acho que ela seria umbom reforço. E, como ainda está lá dentro, pode ajudar
comaquela…outraquestão.—Tambémacho—eleconcordou.Cruzeiosbraços.Nãogostavaquediscutissemsobremimcomoseeunãoestivesse
ali.—Umbomreforçoparaquê?— Para o nosso grupo — ele respondeu. Depois se virou para Sabrina. —
Precisamos mesmo de um nome, sabia.— Ela bufou e ele se voltou para mim.—Somosumamistura.Algunssãoex-guerreirosouagentesduplos,comoSabrina.Outrossãoex-alquimistas.—Eoquevocêsfazem?—Fizumgestoindicandooapartamento.—Issoaquinão
pareceexatamenteumabasedeoperaçõesaltamentetecnológicaparaumgruposecreto.— Olha só você. Bonita e divertida — ele disse, parecendo encantado. — Nós
fazemosoquevocêfaz…ouquerfazer.GostamosdosMoroi.Queremosajudá-los,masseguindo nossos próprios termos. Em tese, os alquimistas também querem ajudá-los,mastodossabemosquenofundoissosebaseiaemmedoeintolerância,semmencionarnum controle rígido de seus membros. Então trabalhamos em segredo, já que osalquimistas não gostam muito daqueles que se desgarram do rebanho. Não gostamespecialmentedemim,eéporissoquevenhopararemlugarescomoesse.—Ficamosdeolhonosguerreirostambém—Sabrinadisse.Elafezumacareta.—
Odeio ficarcomaqueles lunáticos, tendoque fingirqueconcordocomeles.Elesdizemque sóqueremdestruirosStrigoi,mas,bom, as coisasque jáouvi falaremdosMoroitambém…Umadasminhaslembrançasmaisperturbadorasdaarenadosguerreirosmevoltouà
mente. Eu tinha ouvido um deles fazer um comentário misterioso sobre como, nofuturo,tambémlidariamcomosMoroi.—Masoque vocês realmente fazem?—Falar sobre rebeliões e operações secretas
eraumacoisa,mas fazeralgumamudançaconcretaeraoutra.Eu tinhavisitadominhairmãCarlynafaculdadeumavezevistováriosgruposdeestudantesquequeriammudaro mundo.A maioria deles ficava sentada bebendo café, conversando muito e fazendopouco.MarcuseSabrinaseentreolharam.—Nãopossocolocarvocêapardasnossasoperações—eledisse.—Nãoatésaber
queestádispostaaromperatatuagem.Romper a tatuagem.Havia algo sinistro e definitivo nessas palavras e, de repente,
fiquei semsaberoqueestava fazendoali.Quemeramaquelaspessoasdeverdade?Porque eu continuava falando com elas? Então, outro pensamento perturbadorme passoupelacabeça:Seráqueestouduvidandodelesporcausadocontroledatatuagem?Seráqueelaestámedeixandocéticaemrelaçãoaqualquerpessoaquequestioneos alquimistas?SeráqueMarcusestáfalandoaverdade?—Também não entendi essa parte— eu disse para os dois.—O que quer dizer
“romper”atatuagem?Ésócolocartintaporcima?Marcusselevantou.—Cadacoisaemseutempo.Agora,precisamosdaroforadaqui.Mesmoquevocê
tenha sido discreta, imagino que tenha usado recursos alquimistas parame encontrar,certo?Hesitei. Ainda que eles estivessem sendo sinceros e tivessem boas intenções em
relaçãoaosMoroi,eudefinitivamentenãorevelariameuenvolvimentocommagia.
—Maisoumenos.—Tenhocertezadequevocêédobem,masnãopodemoscorrerorisco.Esselugar
está comprometido. — Ele lançou um olhar nostálgico para a quitinete. Para sersincera,achavaqueeledeveriameagradecerporlhedarummotivoparairembora.Sabrinatambémselevantou,comorostomaissevero.—Vougarantirqueoabrigosecundárioestejapronto.—Vocêéumanjo,comosempre—eledisse.—Ei,comosabiaqueeuestavachegando?—perguntei.—Vocêtevetempodese
esconder emandar umamensagem para ela.—O que eu realmente queria saber eracomo ele tinha me visto através do feitiço de invisibilidade. Eu sentira a magia mepreencher.Tinhacertezadequehavialançadoofeitiçocorretamente,maselehaviamedescoberto.O feitiço não funcionava se alguém estivesse procurando você, então seráque ele tinha olhado pela janela justo quando eu estava subindo pela saída de incêndio?Piorcoincidênciaimpossível.—Tonymeavisou.—Marcusmeabriuaquelesorrisodeslumbrante.Achoqueele
queriaqueeusorrissedevolta.—Eleéumbommenino.Tony? Foi então que entendi. O menino do estacionamento. Ele havia fingido me
ajudareentãomedenunciara.Deviater faladocomMarcusenquantoeusubiaaescadadeincêndio.TalvezMarcussóabrisseaportacomalgumabatidasecreta.Pelomenoseutinhao confortode saberque lançarao feitiçodireito. Sónão tinha funcionadoporqueMarcusforaavisadoqueumagarotaestavaatrásdele.Elecomeçouaguardarseuspoucospertencesnumamochila.— Aliás, O apanhador no campo de centeio é um livro ótimo.— Ele deu uma
piscadinha.—Talvezumdiadessespossamosterumaconversasobreliteratura.Eu não estava interessada. Quando olhei para ele, vi que continuava esfregando o
pulso.Eunãoconseguiaacreditarquehaviacausadoumferimentotãograveemesentiumpoucoculpada,apesardetudooquehaviaacontecido.—Vocêdeveriacuidardisso—eudisse.Sabrinaconcordoucomacabeça.Elesuspirou.—Nãoposso.Pelomenosnãopormétodosconvencionais.Osalquimistastêmolhos
emtodaparte.Métodosconvencionais.—Hum,possoajudarvocêasetratarpormétodosnãoconvencionais—eudisse.—Vocêconhecealgummédicodiscreto?—Sabrinaperguntou,esperançosa.—Não.MasconheçoumMoroiusuáriodeespírito.Marcusficouparalisado,egosteiumpoucodesurpreendê-lo.—Sério?Ouvimos falardeles,masnuncaconhecemosnenhum.Aquelamulherque
eles tinham capturado… Sonya? Ela é uma, não é? Ela sumiu antes que pudéssemosdescobrirmais.Falar sobreAdrianme deixava nervosa,mas Sabrina já deveria saber da existência
deleseestavamevigiando.
—Sim,éumausuária,eexisteoutroemPalmSprings.Posso levarvocêatéeleepedirquecureseumachucado.OrostodeMarcusseencheudeentusiasmo.Sabrinaolhouparaele,horrorizada.—Vocênãopodesimplesmentesaircomela.—Eraciúmeoupreocupaçãonavoz
dela?—Porquenão?—eleperguntou.—Elaestáconfiandoemnós.Devemosomesmo
a ela.Além do mais, estou louco para conhecer um usuário de espírito. E o abrigosecretonãoé longedePalmSprings.Você fazospreparativosparaque tudoestejaemordememebuscadepois.Sabrinanãogostounemumpoucodaideia.Talvezeuaindanãoestivesseentendendo
a dinâmica do grupo,mas estava claro que ela o via como líder e era obcessivamenteprotetora. Na verdade, suspeitei que os sentimentos dela não fossem apenasprofissionais.Elesficaramdiscutindosobreasegurançadeleaosaircomigo,eosescuteisemdizerumapalavra.Enquantoisso,fiqueimeperguntandose euestariasegurasaindocomumcaradesconhecido.Clarenceconfiavanele , tenteimetranquilizar. Eeleébemparanoico.Alémdisso,comopulsodeMarcusmachucado,achavaqueconseguiriamedefender.ElefinalmenteconvenceuSabrinaadeixá-loir,masnãosemqueelasoltasse:—Sealgumacoisa acontecercomele,eu acabocomvocê.—Aparentemente, sua
fachadaduronanaarenanãotinhasidocompletamentesimulada.Nós nos despedimos, e logo eu eMarcus estávamos na estrada para Palm Springs.
Tenteiarrancarmaisinformaçõesdele,maselenãomordiaaisca.Emvezdisso,ficavameelogiandoedizendocoisasqueestavamaumpassodecantadasbaratas.Pensandoemcomoelehavia flertadocomSabrina também,nãoacheiquehavianadadeespecialemmim.Imagineiqueelesóestavaacostumadoa termulheresaseuspés.Eleerabonito,eutinhaqueadmitir,masseriaprecisomuitomaisparameconquistar.O sol estava se pondo quando estacionamos diante do prédio doAdrian e só então
penseiquedeveriateravisadoqueestávamoschegando.Agoraeratardedemais.Caminhamosatéaportaebatitrêsvezes.—Estáaberta—umavozgritoudedentro.Entrei,eMarcusmeseguiu.Adrianestavatrabalhandonumapinturaabstrataquepareciaumcastelocristalinode
ummundofantástico.—Quesurpresa—eledisse.SeusolhospousaramemMarcusesearregalaram.—
Caramba.Vocêoencontrou.—Graçasavocê—eudisse.Adrianolhouparamim.Umsorrisocomeçouaseformaremseurostoe,então,se
desfezinstantaneamente.—Oqueaconteceucomseurosto?—Ah.—Toqueideleveoinchaço.Aindadoía,masnãotantoquantoantes.Soltei
aspalavrasseguintessempensar.—Marcusmebateu.Eu nunca tinha vistoAdrian se mover tão rápido. Marcus não teve tempo para
reagir, talvez porque estivesse exausto depois da nossa luta.Adrian empurrouMarcuscontra a parede e, parameu espanto completo, deu um soco na cara dele. Uma vez,Adrianmedissera brincandoquenunca sujava asmãos, então eu não estava preparadaparaaquilo.Naverdade,seAdrianfosseatacaralguém,euimaginavaquefariaalgocommagiaeinduzidopeloespírito.Noentanto…quandoolheiparaele,percebiquealgotãodelicadocomoamagianãopassavanempertodasuacabeça.Eleentraranummododeaçãoprimitivo:verumaameaça,partirparacimadela.Eraoutro ladosurpreendente,masfascinante,doenigmaqueeraAdrianIvashkov.Marcus logoserecuperouerespondeunamesmamoeda.EleempurrouAdrianpara
trás,retraindo-seumpoucodedor.Mesmomachucado,eleaindaeraforte.—Oquefoiisso?Quemévocê?— Um cara que vai acabar com você por ter machucado Sydney — Adrian
respondeu.Ele tentoudaroutro soco,masMarcus se esquivoue acertouumque jogouAdrian
emcimadeumdoscavaletes.QuandoMarcussepreparouparadaroutrogolpe,AdrianoevadiucomumamanobraqueaprenderanocursodeWolfe.Euteriaaplaudidosenãoestivesse tão estarrecida com a situação. Sabia que algumas garotas achavam sexy terhomensbrigandoporelas,masnãoeraomeucaso.—Ei,vocêsdois,chega!—gritei.—Ninguémmachucavocêesaiimpune—Adriandisse.—Oqueaconteceuentreagentenãotemnadaavercomvocê—Marcusretrucou.—Tudooqueacontececomelatemavercomigo.Osdoisficaramsemedindo,àesperaqueooutroatacasse.—Adrian—exclamei—,foiumacidente!—Paramimnãopareceumacidente—elerespondeu,semtirarosolhosdeMarcus
emnenhummomento.—Vocêdeveriaouviroqueelaestáfalando—Marcusgrunhiu.Ocararelaxadoque
euhaviaconhecidodesapareceu,masachoque seratacado faria issocomqualquerum.—Podepoupá-lodeterseurostinhobonitoarrebentado.Quantotempolevapradeixarseucabeloassim?—Pelomenospenteioocabelo—Adrianretrucou.Marcus avançou,mas não diretamente contraAdrian.Ele pegouumquadro de um
cavaleteeousoucomoarma.Adrianconseguiuseesquivardenovo,masapinturanãoresistiu.AtelasepartiunomeioeMarcusajogouparaolado,prontoparaopróximogolpe.Adrianolhoudesoslaioparaatela.—Agoravocêrealmentemeirritou.— Chega!—Algo me dizia que eles não dariam ouvidos à razão.Aquilo exigia
intervençãodireta.Atravesseiasalaemecoloqueientreosdois.—Sydney,saiadafrente—Adrianordenou.— É verdade — concordou Marcus. — Finalmente disse alguma coisa que faz
sentido.—Não!—Estendi os braços para separá-los.—Vocês dois, para trás, agora!—
Minhavozecooupeloapartamentoemerecuseiasairdolugar.—Paratrás—repeti,enunciandoaspalavrasdevagar.—Sydney…—AvozdeAdrianestavaumpoucomaishesitantedoquequandome
disseparasairdafrente.Mevireideumparaooutro,lançandoumolharseveroparaosdois.—Adrian, realmente foi um acidente.Marcus, esse é o cara que vai ajudar você,
entãomostreumpoucoderespeito.Maisdoquequalqueroutracoisa,minhaspalavrasdeixaramosdoisconfusos.—Espere—Adriandisse.—Vocêdisse“ajudar”?Marcusestavaigualmenteatônito.—Essebabacaéusuáriodeespírito?—Vocês dois estão agindo como idiotas— repreendi. Da próxima vez que não
tivesse nada para fazer, pesquisaria em algum livro sobre comportamento causadoportestosterona.Eraummistérioparamim.—Adrian,podemosconversaremparticular?Noquarto,porexemplo?Adrian concordou, mas não sem antes disparar um último olhar ameaçador para
Marcus.EudisseparaMarcus ficarondeestavae torciparaquenão fosseemboranemchamasseoutrapessoaarmada.Adrianmeseguiuatéoquartoefechouaportaatrásdenós.—Sabe—eledisse—,emcircunstânciasnormais,vocêmechamarparaoquarto
seriaopontoaltodomeudia.Cruzei os braços e sentei na cama. Fiz isso pormero cansaço,mas, ummomento
depois,medeicontadoqueestavafazendo. ÉaquiqueAdriandorme.Estouencostandonoslençóisqueenvolvemseucorpoànoite.Oqueelevesteparadormir?Seráquevestealgumacoisa?Melevanteiemumsalto.—Foimesmoumacidente—eudisse.—Marcusachouqueeuestavalápararaptá-
lo.Adrian, sem ter nada contra a cama, sentou. Então soltou um resmungo de dor,
provavelmenteporcausadosoconoestômago.—Sealguémcomovocêaparecesseparameraptar,eudeixaria.Mesmosentindodor,elenãoparava.—Estoufalandosério.Foiporinstinto,eelepediumildesculpasnocarrodepoisque
descobriuquemeuera.Issochamouaatençãodele.—Elesabiaquemvocêera?Fizumresumodomeudia emSantaBárbara.Eleouviu comatenção, assentindoe
alternandoentreumaexpressãodeconfusãoeoutradesurpresa.—NãoimagineiquevocêacabariamachucandoMarcusquandootrouxeparacá—
eudisse,depoisdeterminarahistória.—Estavadefendendo suahonra.—Adrian abriu aquele sorrisodespreocupadoque
sempreconseguiamedeixar furiosaeencantada aomesmo tempo.—Muitomásculo,nãoacha?—Muitomesmo—respondi, seca.Eunãogostavadeviolência,maso fatodeele
ter feito algo tão inesperado pormim eramesmo incrível.Não que eu fosse dar essegostinhoparaele.—Wolfeficariaorgulhoso.Achaqueconseguenãodarmaisnenhumademonstraçãode“masculinidade”enquantoMarcusestáaqui?Porfavor?Adrianabanouacabeça,aindasorrindo.—Jádisseváriasvezesquefariaqualquercoisaporvocê.Sóficotorcendoparaque
umdiavocêpeçaalgocomo“Adrian,vamosparaumabanheiradehidromassagem?”ou“Adrian,melevaparacomerfondue?”.— Bom, às vezes a gente precisa…Você disse fondue? —Algumas vezes era
impossívelseguiralinhaderaciocíniodele.—Porqueeudiriaumacoisadessas?Eledeudeombros.—Eugostodefondue.Não sabia como responder a isso. Aquele dia estava ficando cada vez mais
desgastante.—Desculpepornãoestarpedindoumacoisatãochiquequantoqueijoderretido,mas
agora preciso descobrir mais informações sobre Marcus e o grupo dele… e sobre atatuagem.Adrianreconheceuagravidadedasituação.Levantouetocoudeleveolírionaminha
bochecha.—Não confio nele. Pode estar usando você.Mas… tambémnão gosto da ideia de
issocontrolarvocê.—Somosdois—admiti,perdendoumpoucodaposturarígidadeantes.Ele traçouocontornodomeurostopor alguns segundosofeganteseentãodeixoua
mãocair.—Talvezvalhaapenaajudarocarapraconseguiralgumasrespostas.—Prometequenãovaientraremmaisnenhumabriga?Porfavor?—Prometo—elerespondeu.—Desdequeelenãomeprovoque.—Vou pedir para ele prometer também. — Só me restava torcer para que a
“masculinidade”delesnãofossemaisforte.Enquantopensavaemtudoaquilo,outracoisaque tinha quase esquecidome veio àmente.—Ah…Adrian, tenho que pedir outrofavor.Umgrandefavor.—Fondue?—eleperguntou,esperançoso.—Não.Ésobreairmãdasra.Terwilliger…Conteioquehaviadescoberto.A ironiaemseurostodesapareceue se transformou
emincredulidade.—Evocê sómenciona isso agora?—eleexclamouquando terminei.—Queuma
bruxasugadoradealmasestáatrásdevocê?
—Elanemsabequeeuexisto.—Fiqueisurpresacomoquãodefensivamesentiderepente. — E sou a única pessoa que pode ajudar, pelo menos segundo a sra.Terwilliger.Elaachaqueeusoualgumtipodesuperdetetive.— Bom, você tem um quê de Sherlock Holmes— ele disse.A brincadeira não
durou; ele estava incomodado demais.—Mas você devia ter me contado! Podia terligado.—EstavameioocupadacomMarcus.—Agorasuasprioridadessãooutras. Issoémuitomais importantequeogrupinho
deVingadoresdele.Seprecisamosacabarcomumafeiticeiradomalantesqueelapeguevocê,claroqueajudo.—Elehesitou.—Comumacondição.Olheiparaele,desconfiada.—Qual?—Medeixecurarvocêtambém.Deiumpuloparatrás,quasemaischocadadoque ficariaseele tivessesugeridome
daroutrosoco.—Não!Dejeitonenhum!Nãoprecisa.Estoumelhorqueele.—VocêquervoltarparaAmberwoodcomacaraassim?Nãovaiconseguiresconder
esseroxo,Sage.EseCastilevir,comcertezavaiatrásdeMarcus.—Adriancruzouosbraçoscomardedesafio.—Esseéomeupreço.Ele estava blefando, e eu sabia disso.Talvez estivesse sendo egocêntrica,mas tinha
certezadequeelenãomedeixariaentrarnumasituaçãoperigosa sozinha.Noentanto,ele estava certo.Eu aindanão tinha visto amarca queMarcus havia deixado,masnãoqueriaterqueexplicaraquilonaescola.E,sim,haviaumaboachancedeEddiedecidircaçar meu agressor. Ser espancado por um dampiro vingativo poderia dificultar otrabalhocomMarcus.Mas…comoeupoderiaaceitar?Quandoeuusavamagia,pelomenos,eranosmeus
própriostermos.E,emboraminhatatuagemcontivessetraçosdesanguedevampiro,eumeconsolavacoma ideiadequeestava ligada aosquatroelementos“normais”,queeuconseguia entender. O espírito ainda era uma entidade desconhecida, com habilidadesquesemprenossurpreendiam.Comoeumepoderiamesujeitaraessamagiavampírica?Adivinhandomeudebateinterior,aexpressãodeAdrianseabrandou.—Euvivofazendoisso.Éumfeitiçosimples.Semsurpresas.—Talvez—eudisse,relutante.—Mascadavezquevocêusaoespírito,temmais
chancesdeficarlouco.—Jásouloucoporvocê,Sage.Pelomenosesseeraumterritórioconhecido.—Vocêdissequenãovoltariaafalardesseassunto.Elesimplesmenteficoumeolhando,semdizernada.Porfim,abriosbraços.—Tudo bem— eu disse, commais coragem do que realmente sentia.—Acabe
logocomisso.Adriannãoperdeutempo.Deuumpassoàfrente,estendeuobraçoepousouamão
naminhabochechaoutravez.Prendiarespiraçãoemeucoraçãoacelerou.Seriamuito,muito fácil para ele me puxar e me beijar outra vez. Um calorzinho formigante seespalhoupelaminhapelee,porummomento,penseiquefossesóminhareaçãonormalaotoquedele.Masnão.Eraamagia.Seusolhossefixaramnosmeuse,porumafraçãodesegundo, ficamossuspensosnotempo.Depois,ele tirouamãoedeuumpassoparatrás.—Pronto—eledisse.—Foitãoruimassim?Não, não tinha sido nada ruim.A dor latejante havia desaparecido.Tudo o que
restava era a voz constante na minha cabeça repetindo que o que havia acabado deacontecer era errado.Essamesma voz tentoumedizer queAdrian havia deixadoumamáculaemmim…maseradifícildeacreditarvindodele.Volteiarespirar.—Obrigada—eudisse.—Nãoprecisava.Eleabriuumdaquelessorrisinhosdele.—Ah,acredite,precisava.Umsilêncioconstrangedorpairouentrenósporummomento.Pigarreei.—Bom.PrecisamosvoltarparafalarcomMarcus.Talveztenhamostempodejantar
antesdeSabrinaaparecerevocêsdoispodemfazeraspazes.—Duvidoquemesmoumacaminhadasoboluarváresolvernossosproblemas.Suas palavras me lembraram de outra coisa que eu queria falar com ele quando
voltasseàcidade,algoquetinhaumaprioridademuitomenor.—Seucasaco;vocênuncapegoudevoltadepoisdocasamento.Estánomeucarro.Elefezumgestodedesdém.—Podeficarcomele.Tenhooutros.—O que vou fazer com um casaco de lã?— perguntei.—Aindamais aqui em
PalmSprings?—Durmacomele—sugeriuAdrian.—Pensandoemmim.Pusasmãosnacinturaetenteilançarumolharintimidador,oquenãoeranadafácil
considerandoaalturadele.Alémdisso,aspalavrasdelesubitamentetrouxeramdevoltaasensaçãodesnorteantequetiveraaomesentaremsuacama.—Vocêprometeuquenãovoltariaafalardecoisasromânticascomigo.—Issofoiromântico?—eleperguntou.—Sóestavafazendoumasugestãoporqueo
casacoépesadoequentinho.Imagineiquefossepensaremmimporqueessefoiumgestomuitolegaldaminhaparte.Maisumavezévocêquemestáinterpretandotudooqueeufalodemaneiraromântica.—Nãoestou.Vocêentendeuoqueeuquisdizer.Elemeneouacabeça,fingindocompaixão.— Sabe, Sage, às vezes acho que sou eu quem precisa de uma ordem de restrição
contravocê.—Adrian!Maselejáhaviasaídopelaporta,suarisadabrincalhonaecoandopelocorredor.
8
Sedependessedele,Adrianteriasaídoàcaçadairmãdasra.Terwilligernaquelamesmahora.MasotoquederecolherdeAmberwoodnãopermitiria;alémdomais,eupreferiaempreenderaquelabuscaàluzdodia.PelomenoselecurouMarcussemquesaíssemnobraçodenovo,oqueeraumavanço.Marcusperdeuumpoucodahostilidadee tentoupuxar conversa comAdrian sobre o que o espírito era capaz de fazer.Adrian deurespostascurtasepareceualiviadoquandoSabrinaapareceupara levarMarcusembora.Ele se despediu de mim com ar misterioso, dizendo apenas que me mandaria umamensagem em breve sobre o“próximo estágio”. Eu estava cansada demais para pedirmaisdetalhesevolteiaoalojamentoparadescansaremerecuperardaquelediamaluco.Fuiacordadaaoromperdodiacombatidasviolentasnaporta.Olheiparaorelógio,
fazendoumacaretaaonotarquefaltavaumahoraparaohorárioemquecostumavamelevantar.Continuei na cama, torcendo para que a pessoa desistisse. Se algo realmenteurgente tivesse acontecido, teriam me ligado no celular. Mas a tela não mostravanenhumaligaçãoperdida.Infelizmente,asbatidasnãopararam.Comumpressentimentoruim,finalmenteme
levantei,quasetemendooqueencontrariaatrásdaporta.EraAngeline.—Finalmente—eladisse,entrandosemqueeuaconvidasse.—Penseiquenunca
fosseabrir.— Desculpe — eu disse, fechando a porta atrás dela. — Estava muito ocupada
dormindo.Elacaminhoudiretamenteparaacamaesentoucomosefossedonadoquarto.Eunão
fazia a menor ideia do horário dela, masAngeline sempre me parecera alguém quedormiaatétarde.Pelojeito,nãoeraocasonaqueledia.Elaestavausandoouniformedaescola, com o cabelo vermelho-vivo amarrado atrás da cabeça no que era, para ospadrõesdela,umrabodecavaloatéquecaprichado.Meu medo cresceu. Liguei a cafeteira, que eu sempre deixava pronta com grãos
frescoseágua.Algomediziaqueprecisariadeumaxícaraparapassarporaquilo.—Qual é o problema?— perguntei,me acomodando na cadeira da escrivaninha.
Nem tentei adivinhar.Quando se tratava deAngeline, podia ser qualquer coisa, desdeatirar uma carteira através da sala num acesso de raiva até acidentalmente derrubarácidoclorídricoemoutroaluno.Ambostinhamacontecidopoucotempoantes.—Vourepetiremmatemática—elarespondeu.Era uma notícia desagradável, mas não totalmente inesperada.A comunidade de
Angelinenasmontanhas,emboraeducasseascrianças,nãoalcançavaosaltospadrõesdocurrículo deAmberwood. Ela tinha problemas em muitas matérias, mas, até então,estavaconseguindosevirar.— Já estou com problemas em espanhol— ela acrescentou.—Mas aquela piñata
quefizmedeualgunspontosextras,entãoestouaguentandobem,porenquanto.Tinhammefaladosobreapiñata.Angelineatinhafeitoparaafeiracultural,ehavia
sidotãocuidadosacomopapelmachêquenenhumdosseuscolegasconseguiraquebrá-lapormeiosnormais.Angelineacabarajogandoa piñatacontraumaparedeeprecisouserimpedidapelaprofessoraquandotirouumisqueirodobolso.—Mas,sereprovaremespanholeemmatemática,possoserexpulsa.Aquilomefezesquecerapiñatainflamávelevoltarparaopresente.—Ugh— resmunguei, sem saber um jeitomelhor de articular as ideias.O lado
ruim de uma escola que tinha altos padrões era que… bom, ela tinha altos padrões.Problemas emumamatéria poderiam ser tolerados,masnão emduas.E, seAngelinefosse expulsa, teríamos um nível de segurança a menos para Jill, sem contar que euprovavelmentelevariaaculpaportudoaquilo.—Asra.Haywarddissequeprecisodeumtutor.Eladissequeprecisomelhorarou,
pelomenos,mostrarqueestoumeesforçando.Isso era promissor, pensei. Mesmo se um tutor não pudesse ajudar, com sorte a
escolaseriamaistoleranteporcausadoesforçobem-intencionadodela.—Estábem—eudisse.—Vamosconseguirumtutorpravocê.Elafranziuatesta.—Porquenãopodeservocê?Vocêéinteligente.Éboaemmatemática.Porqueeunãopodia?Bom,primeiroporquetinhaqueimpedirumafeiticeiradomal
de sugar a juventude e o poder de garotas inocentes. Depois, precisava descobrir ossegredoseasmentirasqueaorganizaçãodaqualeu faziapartedesdeque tinhanascidoestavamecontando.Emvezdisso,respondi:—Andomeioocupada.—Masprecisaservocê.Seriamoleza—elaprotestou.—Muitoocupada—reiterei.—ÉumasurpresaEddienãopoder.Amençãoaonomedelefezbrotarumsorrisonorostodela.—Ele se ofereceu,mas as notas dele são sómedianas. Preciso de alguém que seja
muitobom.
—Entãovouarranjaralguémmuitobom.Eumesmanãopossoagora.Angelinenãogostounadadaresposta,maspelomenosnãodestruiuminhamesa.—Tá.Tudobem.Massejarápida.—Sim,majestade—murmurei,observando-asairmal-humorada.Pelo menos os problemas acadêmicos deAngeline eram um pouco mais fáceis de
resolver do que as outras intrigas sobrenaturais que ocupavammeu tempo. Como jáestava acordada e havia tomado café, achei que não fazia sentido voltar para a cama.Tomei banho e me vesti, depois fiz alguns trabalhos extras para a escola enquantoesperavapelocafédamanhã.Quandoorefeitórioabriu,desciasescadaseespereipertoda entrada. Demorou apenas cinco minutos para que minha amiga Kristin Sawyerchegasse.Elasempresaíaparacorrerantesdasaulase,depois,costumavaseraprimeiranafilaparaocafédamanhã.Elafaziacálculoavançadocomigo.— Ei — cumprimentei, sem conseguir acompanhar o ritmo dela. — Foi boa a
corrida?— Foi ótima— ela respondeu. Sua pelemorena ainda estava um tanto suada.—
Muitomelhor agoraqueo tempoestámais fresco.—Elameolhou comcuriosidade.—Nãocostumovervocêaquitãocedo.Aliás,nemcostumovervocêtomandocafédamanhã.—É a refeiçãomais importante do dia, não é?—Pegueimingau de aveia e uma
maçã.—Alémdisso,precisopedirumfavorpravocê.Kristinquasederrubouopratocomovosmexidosqueumdosatendentesentregava
paraela.Seusolhoscastanhossearregalaram.—Precisapedirumfavorpramim?Emborameusamigoshumanosnão fossemminharesponsabilidadedomesmomodo
queosMoroieosdampiros,eutomavacontadelesmesmoassim.HaviaajudadoKristindiversasvezes.—Sim…MinhaprimaAngelineprecisadeumtutordematemática.Kristinmeolhoucomexpectativa,comoseestivesseesperandoqueeu terminassea
história.Entãoelaentendeu.—Quem,eu?Não.Dejeitonenhum.—Ah, por favor. Seriamoleza.—Eu a segui até umamesa,me apressandopara
acompanhar seu ritmo.Talvez ela tenha pensado que, se andasse rápido o bastante,poderia fugir do meu pedido.—Angeline está em matemática básica.Você poderiaajudá-lacomasmãosnascostas.Kristinsentouemelançouumolhardemorado.— Sydney, vi sua prima bater num homem adulto e atirar um microfone numa
pessoa.Vocêrealmenteachaquevouaceitarumtrabalhoquevaiobrigá-laafazeroqueelanãoquer?Eseficarfrustradacomoqueeudisserpraela?Comovousaberquenãovaimefurarcomumcompasso?— Não dá para saber — admiti. — Mas acho improvável.Acho mesmo. Ela
realmentequermelhoraranota.Senão,podeserexpulsa.
—Sintomuito.—Kristinpareciasincera.—Sabequeeufariaquasequalquercoisaporvocê,masnãoisso.Vaiterqueencontraralguémquenãotenhamedodela.Pensei nas palavras dela várias vezes enquanto ia para a aula de história. Ela tinha
razão.MasasúnicaspessoascompletamenteàvontadecomAngelineeramEddieeJill,eeles estavam fora da lista de possíveis tutores. Cogitei que talvez devesse oferecerdinheiroaalguémquandofosseparaaauladecálculomaistarde.—Srta.Melbourne.Asra.Terwilliger tinhavoltadoàativa,semdúvidaparaoalíviodasubstituta.Ela
mechamouatésuamesacaóticaemeentregouumafolhadepapel.—Aquiestáalistadequefalei.Examinei a página.Continha o nome e o endereço de seismeninas.Deviam ser as
garotas que ela havia mencionado, com aptidão mágica mas sem clã ou mentor paracuidardelas.TodososendereçoseramnaregiãometropolitanadeLosAngeles.—Asra.Santoslheenviouasinformaçõesdequeprecisavaparaoprojeto,não?— Sim, enviou.—A sra. Santos havia memandado um e-mail sobre os bairros
históricosqueconhecia,eeuhaviareduzidoalistaadoiscandidatosprováveis.—Voucomeçaratrabalharno,hum,projetonofimdesemana.Asra.Terwilligerarqueouumasobrancelha.—Porquesónofimdesemana?Acheiquevocênuncaadiasseumatarefa.Fiqueiumtantodesconcertada.—Bom, normalmente não.Mas isso vai demorar um pouco…Precisarei viajar e
nãotenhomuitotempolivrenosdiasdesemana.—Ah—eladisse,entendendorápido.—Bom,nessecaso,podeusarohoráriodo
estudoindependentepara isso.Vai lhedarumtempinhoextra.Edireiàsra.Weathersque talvez você cheguedepois do toquede recolher.Tomarei as providências para queelaconcorde.Esseprojetoédeimportânciamáxima.Nãohaviacomoprotestar.—Começareihoje,então.Enquantovoltavaparaminhacarteira,umavozdisse:—Caramba,Melbourne.Bemquandoeuachavaqueaqueleseuestudoindependente
nãopodiaficarmaisfácil…agoravocênemprecisairmaispraaula?Parei e sorri paraTrey.Ele era o assistente da sra.Terwilliger naquelamatéria, o
quesignificavaqueviviaorganizandoexerocandopapéis.—Éumatarefamuitoimportante—eudisse.—Imagino.Qualé?—Nãoqueroentediarvocê.—Olheidenovoparaorostodele.Nempreciseime
esforçarparamudardeassunto.—Oqueaconteceucomvocê?Osolhosdeleestavamvermelhos,eoestadodesgrenhadodoseucabelopretosugeria
que não tinha tomado banho naquela manhã. Sua pele normalmente bronzeada estavacomumacorpálida,quasedoentia.Eleentreabriuumsorrisoeabaixouavoz.—OirmãodoCraigLolevouumascervejaspragenteontemànoite.Eramdeuma
microcervejaria.Eramboas.Solteiumsuspiro.—Trey,penseiquevocêfossemelhordoqueisso.Treymelançouoolharmaisindignadoqueconseguiuemmeioàsuaressaca.—Ei, algumas pessoas se divertemde vez em quando.Você deveria experimentar
umahoradessas.JátenteijuntarvocêeBrayden,masvocêestragoutudo.— Não estraguei nada! — Brayden era um barista que trabalhava comTrey e
compartilhava meu amor pelos estudos e por conhecimentos gerais. Nosso breverelacionamentotinhasidorepletodeinformações,masvaziodepaixão.—Foielequemterminoucomigo.—Ninguém adivinharia. Sabia que ele vive escrevendo poemas apaixonados sobre
vocênosintervalos?Issomepegoudesurpresa.— Ele… escreve? — Brayden havia terminado comigo porque minhas várias
obrigações com os vampiros viviam interferindo no nosso relacionamento, o que melevava a dar menos atenção a ele e cancelar muitos compromissos.— Fico mal porsaberquefoitãopesadoparaele.Éumasurpresaeleterum…acessodepaixãodesses.Treyriu.—Nãoseiseépaixão.Elesepreocupamaiscomaformadospoemaseficasentado
comlivrossobrepentâmetroiâmbicoeanálisedesonetos.—Tá,agoraparecequeestamosfalandodamesmapessoa.—Osinalestavaprestes
atocar;fizmençãodevoltarparaomeulugarquandopercebiumacoisanacarteiradeTrey.—Aindanãoterminouisso?Era uma lista de exercícios que tínhamos de resolver para a aula de química, com
vários problemas complicados sobre ácidos e bases. Precisávamos entregar no horárioseguinte, e parecia improvável queTrey fosse conseguir, já que tudo o que havia nopapelatéagoraeraonomedele.—Não…Euiaterminarontemànoite,mas…—Claro.A cerveja. Se divertir.—Nemme dei ao trabalho de esconderminha
desaprovação.—Éumaparteenormedanota.— Eu sei, eu sei.— Ele olhou para os papéis com um suspiro.—Vou fazer o
máximopossívelatélá.Créditoparcialémelhorquenenhumcrédito.Fiquei examinando-o por um instante e, então, tomei uma decisão que ia contra
muitos dos meus princípios mais básicos. Enfiei a mão na bolsa e tirei meu trabalhoterminado.—Toma—eudisse.Elepegouasfolhas,franzindoatesta.—Tomaoquê?—Éaminhalição.Useasminhasrespostas.—Eu…—Oqueixodelecaiu.—Vocêtemnoçãodoqueestáfazendo?—Sim.
—Achoquenãotem.Vocêestámedandosualição.—Sim.—Emedizendoparafingirqueéminha.—Sim.—Masnaverdadenãofuieuquefiz.—Querounãoquer?—perguntei, frustrada.Comeceiapegarospapéisdevolta,
maseleosseguroucomforça.—Ah, eu quero— ele disse.— Só gostaria de saber o que você quer em troca.
Porqueissonãocompensameubanimentoentremeusamigoseaminhafamília.—Elemanteveotomamigável,masnoteiumanotadeamarguraemsuavoz.Nãotinhajeito.Pormaisquegostássemosumdooutro,nossasrespectivasfiliaçõesaosguerreiroseaosalquimistas sempreestariamentrenós.Poderia serumapiada agora…mas algumdiatalveznãofossemais.—Precisodeumfavor—expliquei.—Umfavorzinho,naverdade.Nãotemnada
avercom…aquelascoisas.Comoeradeseesperar,Treyficoudesconfiado.—Quefavor?Osinaltocou,entãofaleirápido.—Angelineprecisadeumtutordematemática,senãovaireprovar.E,sereprovar,
vaiserexpulsa.Seriabemfácilpravocê.Epegariabemnoseucurrículoprafaculdade.—Sua prima é umpouquinhomaluca—ele disse.Mas não recusou, o que tomei
comoumbomsinal.—Vocêachavaelabonita—euolembrei.—Sim,masissofoiantes…—Elenãoterminouafrase,maseuentendi.Antesde
eledescobrirqueela eraumadampira.Osguerreiros tinhamosmesmos tabusqueosalquimistasquantoarelacionamentosinter-raciais.—Tudo bem—eu disse.—Entendi.Vou pegarmeu trabalho e voltar promeu
lugar.—Estendiamão,maselenãomedevolveuasfolhas.— Espera. Eu topo. Mas, se ela me machucar, tomara que você se sinta muito
culpada.Atemporadadebasqueteacaboudecomeçaremeutimevaidesmoronarseeuficarnobancoporcausadela.Abriumsorrisolargo.—Euficariaarrasada.Angeline não se animou muito quando lhe contei durante o almoço. Na verdade,
ficou vermelha de raiva e parecia prestes a atirar a bandeja para o outro lado dorefeitório.—Você quer que eu estude com aquele… aquele… caçador de vampiros?— ela
perguntou.Fiqueiimaginandoseelatinhaoutronomeemmente,masseconteve,numademonstração impressionante de autocontrole. — Ainda mais depois do que elestentaramfazercomSonya?—Treynãoécomoosoutros—defendi.—EleserecusouamatarSonyaeatéteve
o trabalho deme colocar lá dentro para ajudá-la, o que, aliás, acabou ferrando com avidadele.Eddiepareciaestarsedivertindo,apesardoassuntodesagradável.—Vocêesqueceudemencionarqueeleestáloucopravoltarparaaquelavida.AponteimeugarfoparaEddie.—NãovenhamedizerquetambémachaTreyumamáopção.—Para tutor?—Ele balançou a cabeça.—Não, ele é o.k. Só estou dizendo que
vocênãodeveria acreditarqueestá tudo àsmilmaravilhas comele.Émuitoprovávelqueogrupodeleestejatrabalhandocontraagente.—Eleémeu amigo—eudisse, torcendoparaquemeu tomdevozpusesse fimà
discussão.Depois de darmais alguns argumentos,Eddie convenceuAngeline a estudarcomTrey,lembrandoqueelaprecisavamanterasnotasaltas.Apesardisso,aspalavrasdeEddiemeperturbaram.Eu tinhacerteza absolutadequeTreyerameuamigo,masnãosabiaseaquelarixaentrenósumdiaviriaàtona.QuandoEddieeAngeline saíramparaasaulasda tarde,pedipara Jill ficarnamesa
pormaisumminuto.—OqueAdrianestáfazendoagora?—Estánaauladepintura—elarespondeuprontamente.—Olaçodeveestarfortehoje,hein?—perguntei.Emalgunsdiasasvisõesqueela
tinhadamenteedasexperiênciasdeleerammaisclarasdoqueemoutros.Elaencolheuosombros.—Não,massãoonzedamanhãdeterça-feira.—Claro—eudisse,me sentindo idiota.Eu sabiaoshoráriosde todomundo;era
necessárioparaomeu trabalho.—Devia ter imaginado.Você achaque elepoderá seencontrarcomigodepoisdaaula?—Praircaçarbruxas?Sim,eledeveestarsaindoagora.JillsabiaoqueAdriansabia,oquesignificavaquejáestavaapardaminhabuscapor
Veronica. Embora eu tivesse aprendido a aceitar que contar meus segredos aAdriansignificavacontaraJillindiretamente,aindaeraumpoucochocanteouviressesassuntosproibidos discutidos tão abertamente.Ao ver minha reação atordoada, Jill abriu ummeiosorriso.—Não se preocupe— ela disse.— Eu guardo os segredos deAdrian. E os seus
também.—Aamarguranavozdelatambémmepegoudesurpresa.—Você está brava comigo?—perguntei, sem entender.—Você não está…não
está chateada ainda por causa do que aconteceu entremim eAdrian, está? Pensei quetivessedeixadoissopralá.—EmboraadeclaraçãodeAdriandequemeamariaapesarde todos os obstáculos tivesse sido perturbadora, sua atitude mais relaxada tinhacontaminadoJillatéentão.—Adriandeixouumpoucopralá—eladisse.—Nãovêoperigodevocêsairpor
aícomoutrocara.Fiqueisementender.
—Outrocara?Vocênãoestáfalandodo…Marcus,está?Issoéloucura.—Émesmo?—Jillperguntou.Olaçoeramuitoestranhoàsvezes.Jillestavacom
ciúmenolugardeAdrian.—Eleéhumano,vocêéhumana.Vocêsdoistêmesselancedealquimistasrebeldes.Eeuviocara.Eleébembonito.Nãodáparasaberoquevaiacontecer.—Bom, eu sei o que vai acontecer: nada— eu disse.Mesmo através de um laço
psíquico, Marcus conseguia seduzir as garotas.—Acabei de conhecê-lo. Nem sei seconfio nele direito e definitivamente não sinto nada por ele. Olha, entendo que vocêqueira ajudarAdrian,masnãopode ficarbrava comigopeloque aconteceu.Você sabepor que o rejeitei, ainda mais depois do que aconteceu com Micah.— Micah era ocolegadequartodeEddiee,emboraelasoubessequenãopoderiahaverrelacionamentossérios entre humanos e vampiros, havia se surpreendido com a complexidade e adificuldadedasituação.—É…—Elafranziuatesta,visivelmentedivididaentreossentimentosdeAdriane
oqueela sabia ser certo.—Mas talvez comAdrian…sei lá.Talvez as coisaspossamserdiferentes.Outalvezaomenosexistaumjeitodefazercomqueelesoframenos.Desviei o olhar, sem conseguir encará-la. Não gostava de saber queAdrian estava
sofrendo,masoqueeupoderiafazer?Oqueelesqueriamqueeufizesse?Osdoissabiamdasregras.—Sintomuito—eudisse,pegandominhabandejaelevantando.—Nuncaquisque
nadadissoacontecesse.Adrianvaimeesquecer.—VocêrealmentequerqueAdrianaesqueça?—elaperguntou.—Comoassim?Porquevocêfariaumaperguntadessas?Elanãorespondeu;emvezdisso,fezumacenamexendoseupurêdebatata.Quando
percebiquenãoiaresponder,sacudiacabeçaecaminheiemdireçãoàsaída.Podiasentiro olhar dela pesando nas minhas costas enquanto aquela pergunta ecoava na minhacabeça:VocêrealmentequerqueAdrianaesqueça?
9
Como Jill haviadito,Adrian estavamais do que disposto a partir para a caça naquelatarde.Tantoque,quandofinalmentefaleicomele,seofereceuparamebuscarquandoasaulas terminassem para maximizar nosso tempo. Não vi problema, já que issosignificava que eu viajaria noMustang.Claro que preferiria ir dirigindo,mas teria deservir.—Quandovocêvaidarumnomeproseucarro?—pergunteiquandojáestávamos
naestradaparaLosAngeles.—Éumobjetoinanimado—elerespondeu.—Nomessãoparapessoasebichinhos
deestimação.FizcarinhonopaineldoMustang.—Nãoouveoqueeleestádizendo.—DepoismevolteiparaAdrian.—Aspessoas
vivemdandonomeparabarcos.—Tambémnãoentendoisso,mastalvezcompreendessesemeuvelhomearranjasse
agranaparaumiateparticular.—Elemelançouumolharrápidoedivertidoantesdevoltaraatençãoparaaestrada.—Comoumapessoafriae lógicacomovocêpodesertãoobcecadacomalgofútildessejeito?Nãosabiaquepartemeincomodavamais:serchamadadefriaoudeobcecada.—Sóestoudandoodevidorespeitoaumalindamáquina.—Vocêdeuumnomedecaféproseucarro.Issoésinalderespeito?—Domaisaltorespeito—respondi.Eledeuumarisadaincrédula.—Certo,então.Vocêdáonome.Aceitooquevocêquiser.— Sério? — perguntei, um tanto atordoada. De fato eu estivera importunando
Adrian para que desse um nome ao carro, mas não sabia se queria esse tipo deresponsabilidadenasmãos.—Éumadecisãomuitoimportante.—Uma questão de vida oumorte— ele disse, inexpressivo.—Melhor escolher
comcuidado.
—Sim,masvocêéa“mentecriativa”aqui!—Ébomvocêirtreinando.Fiqueiemsilêncioduranteamaiorpartedaviagem,desorientadacomaseriedadedo
dilemaquetinhaà frente.Oqueonomedeveriarefletir?Acoramarelabrilhante?Aslinhascurvilíneas?Omotorpotente?Eraumatarefaavassaladora.Adrian me tirou dos meus pensamentos quando começamos a nos aproximar dos
bairrosresidenciaisnosarredoresdeLosAngeles.—Nãovamosentrarnacidade,vamos?— Hein?— Eu estava dividida entreVento Estival e Pó de Ouro.—Ah, não.
Vamosparaonorte.Pegueapróximasaída.A sra. Santos tinhame falado sobredois bairros conhecidospor suas casasde estilo
vitoriano.Euhaviafeitoumavastapesquisasobreosdoisnainternet,chegandoaolharimagens de satélite. Por fim, escolhi um que se pareciamais como daminha visão ecruzeiosdedosparaquetivesseamesmasortequetiveraaoprocuraroapartamentodeMarcus.Ouniversodefinitivamenteestavamedevendoalgunsfavores.Infelizmente, as coisas não pareceram tão promissoras quando enfim chegamos ao
endereçoque eu tinha anotado.Erauma área residencial calma, cheia de casas naqueleestilo característico, mas nenhuma igual à que eu tinha visto através do feitiço.Percorremosaruadecimaabaixoenquantoeuexaminavaosdoislados,torcendoparaquepudesseterdeixadoalgumacasapassardespercebida.—Argh—eudisse,meafundandonobanco.Semsorte.Pelojeito,ouniversotinha
medeixadonamãodessavez.—Vamos terqueolharooutro lugar,mas, sério,nãopareciaolugarcerto.— Bom, não vai doer se… —Adrian fez uma curva abrupta, entrando numa
travessaquequasepassaradespercebida.Leveiumtrancoquandoocarrobateunaguia.—Oquevocêestáfazendo?Cuidadocomospneus!—Veja.—Elefezoutracurva,entrandonaruaparalela.Amaioriadascasaserade
estilocontemporâneo…masumquarteirãotinhaoutrascasasvitorianas.Perdiofôlego.—Ali!Adrian parou o carro do outro lado da rua, em frente à casa daminha visão. Era
igualzinha,desdeavarandacobertaatéosarbustosdehortênsia.E,agora,soba luzdodia, eu conseguia ler a placa no jardim: POUSADA DOVELHOMUNDO . Letrasmenoresidentificavamacasacomoumlugarhistórico.— Bom, aqui vamos nós. — Adrian estava visivelmente satisfeito com sua
descoberta,apesardodanoaosseuspneus.—Talveza irmãdeJackieestejahospedadaaqui.—Escolhapeculiarparaumabasedeoperaçõesmágicasabomináveis—comentei.—Nãosei,não.Jáquenãotemnenhumcastelomal-assombradonobairro,porque
nãoumapousada?Respireifundo.—Certo.Vamos investigar.Tem certeza de que consegue confundir a mente das
pessoasquemevirem?— Fácil — ele respondeu. — Seria ainda mais fácil se você estivesse usando a
peruca.—Ai, caramba. Esqueci.—Abaixei e peguei uma peruca castanha na altura dos
ombros que a sra. Terwilliger havia me dado. Mesmo com a magia de Adrian,queríamos tomarcuidadosextras.Embora fossebomque aspessoas recebessemvisitasde uma loira de quem não conseguiriam se lembrar direito, seria ainda melhor serecebessem visitas de umamorena de quem não conseguiriam se lembrar direito.Coloquei a peruca, torcendo para que ninguém tivesse visto minha transformação.Levanteiacabeça.—Estáboa?OrostodeAdrianmostrouaprovação.—Estálinda.Vocêpareceaindamaisnerddoqueeuachavapossível.Saímosdocarro,efiqueipensandoserealmentequeriaparecernerd.Muitagentejá
me achava sem graça.O cabelo loiro talvez fosse a única coisa interessante emmim.Então pensei por um minuto na minha experiência recente de subir uma escada deincêndio,invadirumapartamentoesairnobraçocomumfugitivo.Semmencionarqueestava caçando uma bruxa perversa e poderosa ao lado de um vampiro capaz decontrolaramentedaspessoas.Bom,talvezeunãofossetãosemgraçaassim.Entramos num saguão pequeno e bonitinho, onde havia uma mesa ornamentada e
uma sala de espera com móveis de vime. Coelhos empalhados em roupas de festaenfeitavam as prateleiras, e pinturas a óleo da rainhaVitória estavam penduradas nasparedes. Pelo jeito, os donos levavam o estilo da casa bem a sério, embora eu nãosoubesseexatamentequaleraarelaçãocomoscoelhos.Umameninadaminhaidadeestavasentadaatrásdamesaelevantouosolhosdeuma
revista, surpresa. Ela tinha cabelo curto platinado e óculos de aro grosso.Dezenas decolares estavam pendurados em seu pescoço, formando um conjunto espalhafatoso quecontrariava meu senso estético minimalista. Contas rosa-shocking, uma estrela verdereluzente,ummedalhãodeouroediamante,umachapadeidentificação…eradedarnónacabeça.Piorainda:elaestavamascandochicletebemalto.—Oi—eladisse.—Possoajudar?Tínhamostodoumdiscursoplanejado,masAdrianimediatamentefugiudoroteiro.—Sim—eledisse,passandoobraçoaomeuredor.—Estávamosprocurandoum
lugar para dar uma fugidinha no fim de semana, e uma amiga nossa jurou que estapousada é a melhor em questão de romance.— Ele me puxou para mais perto.—Nosso aniversário de namoro está chegando. Estamos juntos faz um ano, mas, cara,passoutãorápido.—É verdade— eu disse, tentando não deixar o queixo cair. Forcei um sorriso e
torciparaqueestivesseparecendocontente.Ameninaolhoudemimparaele,suaexpressãocadavezmaisgentil.—Quefofo.Parabéns.
—Podemosdarumaolhadanasacomodações?—Adrianperguntou.—Querdizer,setiveralgumquartovago.—Claro—eladisse, levantando.Ela cuspiuo chicletenuma lata de lixo e foi até
nós.—SouAlicia.Meustiossãososdonosdaqui.—Taylor—eudisse,apertandoamãodela.—Jet—Adriandisse.Quasesolteiumresmungo.Poralgummotivoinexplicável,
“Jet Steele” era um pseudônimo queAdrian adorava usar.Mas no ensaio naquele dia,tínhamosdecididoqueelesechamariaBrian.Alicia olhou para nós de novo, com uma ruguinha na testa que logo desapareceu.
Imaginei que fosse a compulsão deAdrian, confundindo um pouco as percepções delasobrenós.—Venhamcomigo.Temosalgunsquartosvagosquevocêspodemdarumaolhada.
—Depoisdemaisumolharconfusoparanós,elasedirigiuparaaescada.— Não é ótimo, querida?—Adrian perguntou alto enquanto subíamos a escada
rangente.—Seiquevocêadoracoelhos.Vocênão tinhaumquandoeracriança?Qualeraonomedelemesmo?Pulinho?— Isso— respondi, resistindo à vontade de dar um soco no braço dele. Pulinho?
Sério?—Melhorcoelhodomundo.— Que legal —Alicia disse. — Então vou mostrar a vocês primeiro a Suíte
Coelhinho.A Suíte Coelhinho tinha mais coelhos empalhados e bem-vestidos como parte da
decoração.Acolchaquecobria a camadecasal tambémtinhaumabordadecoelhosecoraçõesalternados.Haviavárioslivrossobrealareira,incluindo AsaventurasdePedroCoelhoeCoelhocorre.Atéaquelemomento,nuncapensaraoquãoabsurdoumquartotemáticopoderiaser.—Uau—Adriandisse.Elesentounacamaetestouamaciezdocolchão,aprovando
comacabeça.—Éincrível.Oquevocêacha,florzinha?—Estousempalavras—respondihonestamente.Eledeuumtapinhanolugaraoladodele.—Querexperimentar?Respondi com um olhar e fiquei aliviada quando ele levantou. Adrian e camas
acendiamsentimentoscontraditóriosdentrodemim.Depoisdisso,AlicianosmostrouaSuíteGlória-da-manhã,aSuíteVeludoeaSuíte
Londres, todas competindo para superar umas às outras em questão de breguice. Noentanto, apesar da artimanha absurda deAdrian, o tour me deu a oportunidade deanotarmentalmenteonomedasoutrasportasnocorredor.SeguimosAliciaatéoandardebaixo.—NãopodemosveraSuíteSafiraouaSuítePríncipeAlberto?—perguntei.Aliciafezquenão.— Sintomuito, estão ocupadas. Posso dar um folheto com algumas fotos se vocês
quiserem.
Adrianmeabraçououtravez.—Docinho, não era na SuítePríncipeAlberto que aVeronica estava?Ela não está
maisaqui,está?—Não sei—respondi.Essa parte, pelomenos, era parecida comoque tínhamos
ensaiado.OlheiparaAlicia.—Vocênãopodenosdizer,né?SenossaamigaVeronicaestáaqui?Elaémuitobonita,temcabelopretoelongo…—Ah, sim—Aliciadisse, sorrindo.—Claroqueme lembrodela.Ela estavana
SuíteVeludo,masfechouacontaontem.Resisti àvontadededarumchutenamesa.Tãoperto.TínhamosperdidoVeronica
porumúnicodia!Sim,ouniversoestavadefinitivamentecontramim.Eunãopoderialançarofeitiçodeclarividênciaatéapróximaluacheia,queseriadaliaummês.—Ah,quepena—Adriandisse,aindacomaquelesorrisosimpático.—Achoque
sóvamosencontrarVeronicanoNatalmesmo.Obrigadopelaajuda.—Vocêsnãoqueremreservarumquarto?—Aliciaperguntou,esperançosa.—Ligamospravocêdepois—respondi.NãoqueriacorreroriscodedeixarAdrian
reservar um e depois dizer que fazia parte do disfarce.—Vamos dar uma olhada emoutros lugares. A gente não quer tomar nenhuma decisão precipitada pro nossoaniversáriodeumano.— Mas —Adrian disse, dando uma piscadinha para ela — estou com um bom
pressentimentosobreaSuíteCoelhinho.AlicianoslevouatéasaídaearregalouosolhosquandoviuoMustang.—Uau,quecarrolindo!—Éfantástico—eudisse.—Éonossobebê…querdizer,atétermosumbebêdeverdade.Vocênãoachaque
eleprecisadeumnome?—Adrianperguntou.—EstoutentandoconvenceraTaylor.—Maisumaveztivedelutarcontraavontadededarumsoconele.—Ah,claro—Aliciadisse.—Essetipodecarro…éarealezadosautomóveis.—Viu só?—Adrianmeencarou, triunfante.—Eolheque aAlicia é especialista
emrealeza.Vocênãoviutodosaquelesquadros?—Obrigadapelaajuda—eudisse,empurrando-oparaafrente.—Depoisagente
entraemcontato.Entramosnocarroe,depoisdedartchauparaAlicia,Adriandeupartidanomotor.
Fiqueiolhandoparaafrentesemreaçãoenquantonosafastávamos.—AssimcomonaSuíteCoelhinho,estousempalavrasparadescreveroqueacabou
deacontecer.Oquefoiaquilo?Aniversáriodenamoro?Jet?—JetcombinamaiscomigodoqueBrian—eleargumentou.—Eeraumahistória
muitomelhordoquealegarqueíamosfazerumavisitasurpresanoaniversáriodanossa“amiga”Veronica.— Isso eu não sei.Mas conseguimos a informação de que precisávamos… e não é
nadaboa.Adrianficousério.
—Tem certeza?TalvezVeronica tenha deixado a região.Talvez você e as outrasmeninasnãoestejammaiscorrendoperigo.— É, seria bom… tirando o detalhe de que outra garota em algum outro canto
sofreria emnosso lugar e não teríamos como impedir.—Tirei da bolsa a lista que asra.Terwilligertinhamedado.—UmdessesendereçoséemPasadena.Nãocustanadadarumapassadalánocaminhoeavisaragarota.AmeninaqueprocurávamossechamavaWendyStone.Elaestudavano Institutode
TecnologiadaCalifórnia,oquepareciaumaestranhavocaçãoparaumabruxaaprendiz.Claro,asra.Terwilligerhaviameditoqueessasmeninasnãoestudavammagia,esupusque o fato de não teremmentoras sugeria que pudessem, na verdade, ser resistentes asuashabilidadesinatas…umpoucocomoeu.Wendymoravanumprédiopertodocampusquefoifácildeachar.Eraocupadoem
sua maioria por estudantes, mas parecia um palácio perto do prédio de Marcus.Enquantopassávamosporjovenscommochilasnascostasconversandosobresuasaulas,senti uma pontada de tristeza que não experimentava havia muito tempo. Me tornaruma alquimista significava que eu não podia frequentar a universidade. Era um sonhoqueeutinhafaziatempo,emboramematricularemAmberwoodtivessediminuídoumpoucoessatristeza.Agora,nomeiodaquelealvoroçouniversitário,umaondadeinvejasurgiudentrodemim.Comoserialevaressetipodevida?Devotarseusdiasunicamenteàbuscaporconhecimento,semnenhumaintrigaouperigo?AtémesmoAdrian,comseucursodeartedemeioperíodo,conseguiateralgumtipodeexperiênciaacadêmica.—Nãofiquetriste—eledissequandochegamosaoandardeWendy.—Vocêainda
podeentrarnafaculdadeumdia.Olheiparaele,assombrada.—Comosabeoqueeuestavapensando?—Conheçovocê—eledissesimplesmente,semnenhuma ironia.—Suaauraestá
triste,entãoimagineiqueestarnocampusdeumafaculdadetinhaalgoavercomisso.Nãoconseguiencará-loevireiorosto.—Nãogostodisso.—Doquê?Dealguémsaberoquerealmenteimportanasuavida?Sim, era exatamente isso. Mas por que me incomodava? Porque esse alguém era
Adrian,medeiconta.Porqueumvampiromeentendiatãobem?Porquenãoumdosmeusamigos?Porquenãoumdosmeusamigoshumanos?—VocêpodeserJetsequiser—eudissebruscamente,tentandotomarasrédeasda
situaçãoeescondermeussentimentosconturbados.Afinal,nãoerahorade terapia.—Masnãovamosposardecasaldenovo.—Tem certeza? — ele perguntou. Seu tom ficou descontraído outra vez, e ele
voltou a ser o velhoAdrian que eu conhecia.— Porque tenho vários outros apelidoscarinhososparausar.Quindinzinho.Bombonzinho.Pudinzinhodepão.—Porque todoseles sãocomidascalóricas?—perguntei.Nãoqueriaestimulá-lo,
masaperguntaescapouantesqueeupudesse impedir.—Epudimdepãonãoémuito
romântico.TínhamoschegadoàportadeWendy.—Quer que eu chame você de aipo, então?— ele perguntou.— Não inspira a
mesmasensaçãoquenteecarinhosa.—QueroquemechamedeSydney.—Batinaporta.—Querdizer,Taylor.Umameninasardentacomcabeloruivoeencaracoladoabriuaporta.Elaestreitouos
olhos,desconfiada,quandonosviu.—Poisnão?—EstamosprocurandoWendyStone—eudisse.Elafechouacara.—Vocêssãodosetordegraduação?Porquejádissequeochequeestáacaminho.—Não.—Abaixeiavozemecertifiqueidequenãohavianinguémporperto.—
MeunomeéTaylor.Estamosaquiprafalarcomvocêsobre,hum,magia.A transformação foi súbita e surpreendente.Ela passou de desconfiada e cautelosa a
horrorizadaeindignada.—Não,nãoenão!Já faleimilvezesquenãoqueromeenvolver!Nãoacreditoque
vocêstêmacoragemdeaparecernaminhaportapratentarmeconverterprocircodehorroresqueéesseclãdevocês.Elatentoufecharaporta,masAdrianconseguiuimpedircomopé.Muitomásculo.—Espere—eledisse.—Nãoéessaaquestão.Suavidapodeestaremrisco.Wendyficouincrédula.—Vocêsvãomeameaçar,aindaporcima?—Não, não é nada desse tipo.Por favor— implorei.—Sónos escute por cinco
minutos.Depoisvamosemboraenuncamaisimportunaremosvocê.Wendyhesitoueentãofinalmentefezquesim,resignada.—Tá.Masvoupegarmeuspraydepimenta.Oapartamentodelaeralimpoeorganizado,excetoporumapilhadepapéiselivros
de engenharia espalhadospelo chão.Pelo jeito, tínhamos interrompido algum trabalhopara a faculdade, o que trouxeminha tristeza de volta. Ela cumpriu sua promessa depegarospraydepimentaeentãoficouparadananossafrentecomosbraçoscruzados.—Falem—ordenou.MostreiafotodeVeronica.—Jáviuessamulher?—Não.—Quebom.—Eramesmobom?OuseráquesignificavaqueVeronicapoderiater
marcadoWendy como futura vítima e estava esperando para dar o bote? — Ela éperigosa.Comopossodizer?Ela…— Ela encontra garotas com dons para a magia e suga as almas delas—Adrian
contribuiu,prestativo.Wendyestremeceu.—Desculpe,oquevocêdisse?
—Não é exatamente assim— eu disse.—Mas émais oumenos isso. Ela buscameninascommagiaeroubaopoderdelas.—Mas eu não usomagia—Wendy argumentou.—Como disse pra vocês, não
querome envolver com isso.Tem uma bruxa emAnaheim que viveme dizendo quetenhopotencialequedeveriaviraraprendizdela.Sempredigonãoenuncanemtenteiumfeitiço.Essasugadoradealmasnãotemporqueviratrásdemim.Asra.Terwilligermeavisaraquealgumasmeninaspoderiamdizerisso.Naverdade,
disseraqueamaioriausariaesseargumento.—Nãoimporta—eudisse.—Issonãovaiimpedi-la.AgoraWendy estava horrorizada, e tinha motivos para isso. Minha reação fora
parecida.Erafrustrantesaberqueaquilodoqualvocêvinhatentandofugirpoderiaestarvindoatrásdevocê.—Entãooquedevofazer?—elaperguntou.—Bom,fujadelasepossível.Seelavieratrásdevocê…bom,nãodeixeelaentrar.
Nãofiquesozinhacomela.—Eraumconselhoumtantobobo.—Seavir,aviseaquelabruxa emAnaheim.Aliás… sei que não quer, mas, se eu fosse você, entraria emcontatocomaquelabruxaagoramesmoepediriaajudaaela.Seriabomaprenderalgunsfeitiçosdefensivostambém.Entendoquevocênãoqueira.Acrediteemmim,entendodeverdade.Masissopodesalvarsuavida.Alémdisso…—Estendioamuletodeágata.—Vocêprecisausarissootempotodo.Wendyolhouparaoamuletocomosefosseumacobravenenosa.—Issoé algumtruqueprame fazer aprendermagiadequalquer jeito?Viremaqui
comessahistorinhadeque,seeunãoaprender,podemsugarminhaalma?Denovotivequedarcréditoaela.Euteriapensadoexatamenteamesmacoisa.—Estamos falandoaverdade—insisti.—Nãotenhocomoprovar…oumelhor,
tenhosim.Mepasseseue-mailevoumandarumanotíciasobreumadasvítimas.Wendypareciaprestesausarospraydepimenta.—Achoqueteriaouvidofalarsealgumameninativesseaalmasugadapormagia.—Não ficouexatamenteóbvioparaquemnãoconheceomundomágico.Deixeeu
mandar pra você e aí você pode tomar suas próprias decisões. É o melhor que possooferecer.Relutante, ela aceitou e anotou o e-mail dela.Adrian deu um passo à frente para
pegar o papel, mas ele devia ter se movido rápido demais, porque ela subitamenteapontoualatadespraydepimentanadireçãodele.—Paratrás!—exclamou.Nomesmomomento,puleinafrentedele,commedode
que levasse ummonte de spray de pimenta na cara. Lancei o primeiro feitiço em queconsegui pensar, um feitiço simples que criava um espetáculo de luzes coloridas eflamejantes,mas inofensivas.Um feitiço de escudo teria sidomuitomais útil,mas euainda não tinha praticado nenhum. Era uma coisa a corrigir para o caso de nossasmissõesfuturasenvolveremmaisspraydepimenta.—Paratrásvocê!—avisei.
Como eu esperava, o espetáculo luminoso foi assustador para uma pessoa avessa àmagia comoWendy. Ela recuou até o outro lado do apartamento e, felizmente, nãousouospray.—S-saiam—elagaguejou,comoolharapavorado.—Por favor, tome as precauções— eu disse. Pus o amuleto no chão.—E, por
favor,useisso.Voumandaroartigopore-mail.—Saiam—elarepetiu,semfazernenhummovimentoemdireçãoaoamuleto.EnquantoeueAdriansaíamosdoprédioeandávamossobosol,suspireialto.Estava
tãodecepcionadaquenemconseguiaficartristecomoambientedauniversidade.—Nãofoiexatamenteumsucesso—eudisse.Elepensouumpoucoeentãoabriuumsorriso.—Seinão,Sage.Vocêsecolocounamiradospraydepimentapramesalvar.Acho
quejáestáseapaixonandopormim.—Eu…imagineique seriaumapenaestragar seurostinhobonito—gaguejei.Na
verdade, não tinha pensado em nada tão específico.Tudo o que sabia era queAdrianestavaemperigo.ProtegerAdrianhaviasidoinstintivo.—Enfim,aquelefeitiçofoiincrível.Entreabriumsorriso.—Erainofensivoeessaéaquestão.Wendynãosabiadisso.Veronicavaiatrásdessas
meninas porque elas não têm nenhuma proteção mágica, e exatamente por isso nãoconseguem se defender. Não acho que um spray de pimenta vá ajudar, mas talvez oartigopossaconvencê-la.Ai,droga.Vouterquecriarume-mailfalsopraTaylor.—Nãosepreocupe—Adriandisse.—JetSteelejátemumquevocêpodeusar.Issoacaboumefazendorir.—Claroque tem.Pra falar com todas asmeninas que você conhecepela internet,
nãoé?Adrian não fez nenhum comentário, nem afirmativo nem negativo, o que me
incomodoumais do que deveria. Era para ser uma piada…mas e se não fosse? Se osboatosealgumasdasminhasobservaçõesfossemverdade,Adriantinhaexperiênciacommuitasmulheres.Muitas.Pensarnelecomoutrasmedeixouperturbada,muitomaisdoquedeveria.Quantasmeninaselejátinhabeijadocomamesmaintensidade?Quantasjátinhamestadonacamadele?Quantastinhamsentidoasmãosdeleemseucorpo?Elenãodevia ter amado todas. Algumas, provavelmente a maioria, tinham sido merasconquistas,meninasdecujorostoeleseesquecianamanhãseguinte.Atéondeeusabia,eueraapenasaconquistamáximaparaele,umtesteparasuashabilidades.Seriadifícilencontrarumdesafiomaiordoqueumahumanacomproblemasemrelaçãoavampiros.Mesmo assim, lembrando todas as coisas ditas e não ditas entre nós, tive quase
certezadequenãoerao caso.Pormaismalucoque fosse esse envolvimento amoroso,ele me amava… ou acreditava amar. Eu não era uma conquista qualquer. Seria atémelhor se fosse. Sem uma conexão emocional, ele acabaria desistindo e encontrandoconsolo facilmente nos braços de outra pessoa.Aquele seria um bom momento para
sugeririsso,aliás.Masfiqueiquieta.
10
Namanhãseguinte,procureiasra.Terwilligerantesdaaulaparafazerumresumodasaventuras do dia anterior. Ela ficou debruçada na mesa, bebericando um cappuccinoenquanto eu falava. Sua expressão foi ficando cada vez mais sombria à medida que ahistóriaavançava.— Hum, que pena — ela disse. — Fico contente que você tenha encontrado a
garota,mas não teremos outra pista sobreVeronica até a próxima lua cheia.Até lá,podesertardedemais.— Não tem nenhum outro feitiço de clarividência que a gente possa usar? —
perguntei.—Não—elarespondeu.—AmaioriaavisariaVeronicaqueestouprocurandopor
ela.Temumquepodememascarar…mastalveznãoconsigapenetraroescudoqueelaestáusandoparaseesconder.—Vale a pena tentar, não?—perguntei.O sinal tocou e os alunos começaram a
entrarnasala.Elameabriuumsorrisoenquantoseendireitava.— Ora, srta. Melbourne, nunca pensei que ouviria uma sugestão dessas vinda de
você.Mastemrazão.Vamosconversarsobreissomaistarde.Temumacoisaquequeriamostraravocê.Meu instintoantimagiacomeçouaapitar…masentãoparou.Emalgummomento,
contraaminhavontade,eutinhasidoenvolvidanaquilotudo.AgoraestavapreocupadademaiscomasoutrasvítimasdeVeronicaparadaratençãoaosmeusmedosdesempre.Aos olhos dos alquimistas, usarmagia era ruim.Aosmeus, era pior deixar inocentescorrendoperigo.Sem ter de combater mais nenhuma situação de perigo, senti o dia passar rápido.
Quandoencontreiasra.Terwilligerparanossoestudoindependente,elaestavacomsuascoisasarrumadas,esperandoqueeuchegasse.—Viagem de campo—elame disse.—Precisamos trabalhar nisso em casa.—
Um olhar melancólico perpassou seu rosto. — Pena que não podemos passar no
Spencer’s.Cafeína emagianão semisturavam,oqueeraumbommotivopara ficar longeda
segunda.Comeceiadizerque,comoeunãofarianenhumamagia,nãotinhaasmesmasrestrições. Um momento depois, achei que seria maldade.A sra.Terwilliger tinhaproblemas suficientes com uma irmã sedenta por sangue à solta. Não precisava depiadinhasparacompletar.Os gatos estavam esperando na porta quando chegamos à casa dela, o que foi um
pouco assustador. Nunca tinha visto todos juntos e contei treze. Não pude deixar deimaginarseonúmeroeraproposital.— Preciso dar comida para eles antes — ela me disse enquanto os bichanos se
atropelavamaosseuspés.—Depoiscomeçamos.Fiz que sim, semdizer nada, achandoque era umbomplano. Se aqueles gatos não
recebessem comida logo, era provável que se voltassem contra nós e estávamos emmenornúmero.Depois que a comida os distraiu, descemos até a oficina. Não havia muito que eu
pudesse fazer além de observar. Normalmente, a pessoa que fazia o feitiço tinha derealizar todo o trabalho sozinha.Ajudei com algumas medições, mas só. Eu já tinhavisto a sra.Terwilliger lançar alguns feitiços rápidos e extravagantes,mas nunca nadadaquelamagnitude. Logo ficou claro que era uma façanha e tanto. Ela não tinha nadapara se ligar aVeronica, nenhum fio de cabelo ou foto.O feitiço exigia que a pessoausasseuma imagemmentaldequemestavabuscando.Osoutroscomponentes,ervaseóleos, ajudavam a fortalecer a magia, mas a maior parte do trabalho cabia à sra.Terwilliger.Assistir à preparaçãodela despertou sentimentos contraditórios dentrodemim.Ansiedadeeraum,claro,mastambémumfascíniosecretoemveralguémcomaforçadelalançarumfeitiço.Quando tudo estava em seu devido lugar, ela declamou o encantamento.Tive que
abafarumgritoquandosentiaondadepoderqueirrompeudela.Nuncatinhasentidoopoderdeoutrapessoaantes,eaintensidadequasemefezcair.Asra.Terwilligerestavaolhando fixamente para um ponto alguns metros à sua frente. Depois de um longomomento,umpontobrilhantesurgiunoar.Elefoiaumentandoatésetransformarnumdiscoplanoetremeluzente,quepairoucomoumespelho.Deiumpassoparatrás,comumpoucodemedodequefosseseexpandireconsumirocômodotodo.Porfim,odiscose estabilizou. Um silêncio tenso reinou na oficina enquanto ela contemplava aquelasuperfície brilhante. Um minuto se passou e, então, o disco oval foi diminuindo atédesaparecer.Exausta,asra.Terwilligersesegurounalateraldamesaparanãodesabar.Elaestavasuandomuitoelhedeiosucodelaranjaquetínhamospreparadoantes.—Asenhoraviualgumacoisa?—perguntei.Eunãotinhavistonada,mastalvezsó
quemlançasseofeitiçopudesseveroqueelerevelava.— Não— ela respondeu. — O feitiço não conseguiu entrar em contato com a
mentedela.Abarreiraqueelacrioudevesermuitoforte.—Entãonãopodemos fazernadaatéomêsquevem.—Sentiumfrionabarriga.
Atéaquelemomento,nãohavianotadoquantoqueriaqueaquelefeitiçofuncionasse.Boaparte daminha vida envolvia solucionar problemas, eme sentia perdida quando ficavasemalternativas.—VocêeAdrianpodemcontinuaralertandoasoutrasmeninas—asra.Terwilliger
me disse. O rosto dela estava recuperando a cor.—Assim pelo menos reduzimos avelocidadedeVeronica.Olheiahoranomeucelular.Ofeitiçohavialevadomaistempodoqueeuimaginara.—Acho que não dá pra fazer outra viagem de ida e volta até LosAngeles hoje.
Amanhãfalocomele,etentamosacabarcomalista.Depoisquemeconvencidequeelanãodesmaiariaporexaustãomágica, fizmenção
desair.Elamedetevequandoeuestavaprestesapassarpelaporta.—Sydney?Olhei para trás, subitamente apreensiva. O problema de tantas pessoas me
chamarem por apelidos era que, quando alguém dizia meu nome verdadeiro,normalmentesignificavaquealgosérioestavaparaacontecer.—Sim?—Nósfalamossobreavisarasoutras,masnãoseesqueçadecuidardevocêmesma
também.Continue estudandoo livro.Aprenda a se proteger.Enunca deixedeusar oamuleto.Toqueiagranada,escondidasobablusa.—Sim,senhora.Voumecuidar.No caminho de volta para a escola, recebi a mensagem prometida de Marcus,
pedindoqueoencontrassenumfliperamaaliperto.Euconheciaolugareumaveztinhaidoaocampodeminigolfequeficavaaolado,entãonãofoidifícilchegaratélá.Marcusestavaesperandopormimjuntoàportae,felizmente,Sabrinanãoestavaporpertocomumaarma.Nuncatinhafrequentadofliperamasnavidaenãoentendiamuitobemagraçadeles.
Não combinavammuito com os padrões de criação domeu pai. Era uma sobrecargasensorial para a qual eu não estava preparada. O ar estava cheio do aroma de pizzaligeiramente queimada. Crianças e adolescentes animados corriam de um jogo para ooutro. E, por todos os lados, tudo parecia piscar e apitar. Pestanejei, pensando quetalvezmeupaiestivessecertoemevitaresseslugares.—Éaquiquevamosdiscutiratividadessecretas?—perguntei,incrédula.Elemeabriuumdaquelessorrisosdeestreladecinema.—Nãoéum lugar fácilpara aspessoasespionaremvocê.Alémdisso, faz anosque
nãojogoSkee-Ball.Aquelejogoédemais.—Quejogo?—Comoassim?—Foi legalpegarMarcusdesurpresaoutravez,mesmoporuma
coisatãotrivial.—Vocênãosabeoqueestáperdendo.Meempresteumdinheiroparaas fichas e eu mostro pra você.— Pelo jeito, ser um líder renegado e fugitivo nãopagavamuitobem.
Ele logo encontrou as máquinas de Skee-Ball. Comprei um monte de fichas eentregueiparaele.—Fiqueàvontade.Ele imediatamente colocou uma ficha e atirou sua primeira bola. Ela caiu
completamenteforadosaroseMarcusfezumacareta.—Vocênãoperdetempo—comentei.Osolhosdeleestavamconcentradosnojogoenquantofaziaseusegundolançamento,
queerroudenovo.—Éumatáticadesobrevivência.Quandovocêpassatantotempofugindo…sempre
escondido… bom, aproveita esses momentos de liberdade. E quando sai com garotasbonitastambém.—Comosabequeestamoslivres?Comopodetertantacertezadequeosalquimistas
nãoestãomeseguindo?—perguntei.Naverdade,tinhaquasecertezadequenãoestavasendoseguidaesóqueriatestá-lo.—Porqueelesteriamaparecidonaqueleprimeirodia.Eletinharazão.Pusasmãosnacinturaetenteiserpaciente.—Quantotempovocêvaijogar?Quandovamospoderconversar?—Podemosconversaragora.—Suabolaseguinteacertouoarodedezpontos,eele
comemorou.—Possoconversarejogaraomesmotempo.Vaiperguntando.Revelareiomáximodesegredossurpreendentesquepuder.—Nãoé fácilmesurpreender.—Masnãoperderiaaquelaoportunidade.Olheiao
redor, mas ele tinha razão. Ninguém conseguiria nos escutar num lugar barulhentocomo aquele. Na verdade,mal conseguíamos ouvir um ao outro.—O que você fezparaserexpulsodosalquimistas?—Não fui expulso.Eu saí.—Apartida acabou, e ele inseriumais uma ficha.—
PorcausadeumaMoroi.Congelei,semconseguiracreditarnoquetinhaouvido.MarcusFinchhaviacomeçado
umagranderebelião…porquetinhaseenvolvidocomumaMoroi?Eramuitopróximodaminhaprópriasituação.Comonãodissenada,elesevirouparamimeexaminoumeurosto.—Ah,não,nadadessetipo—eledisse,sedandocontadoqueeuestavapensando.
—Nemeufariaumacoisadessas.—Claroquenão—eudisse,torcendoparaconseguirescondermeunervosismo.—
Quemfaria?Elevoltouaojogo.—Nóséramosamigos.FuimandadoparaAtenas,ondeelamoravacomairmã.Issodesviouminhaatenção.—Atenas?Você foiparaAtenas?Éumdos lugaresparaondeeuqueria ir.Emvez
disso, me mandaram pra São Petersburgo, mas eu sempre tinha a esperança de que,talvez, pudessemme transferir para a Grécia.Oumesmo para a Itália.— Eu estavaquasebalbuciando,maselenãopareceunotar.
—QualéoproblemadeSãoPetersburgo?AlémdograndenúmerodeStrigoi…—OproblemaéquenãoéAtenasnemRoma.Meupaipediuespecificamentepara
e unão ser mandada para nenhum desses lugares. Ele achou que eu ficaria muitodistraída.Marcusparououtravezemeexaminoulongamente.Haviacompaixãoemseurosto,
comosetodaaminhahistóriaemeudramafamiliarestivessempassandodiantedosseusolhos.Eunãoqueriaqueelesentissepenademimedesejeinãoterfaladonada.Limpeiagarganta.—Então,mecontesobreessameninaemAtenas.Eleentendeuadeixa.—Comoestavadizendo,elaeraminhaamiga.Muitoengraçada.Sério,cara.Elame
fazia rolar de rir.A gente passava amaior parte do tempo juntos,mas você sabe queissoémeiorecriminado.Quaseri.“Meio”eraumeufemismo.AlquimistasnãodeveriaminteragircomMoroi
amenosquefosseabsolutamentenecessárioparaquestõesprofissionaisourelacionadasadeter ou esconder os Strigoi.A minha missão fugia um pouco das regras, visto queexigiaqueeufalassecomJillquasediariamente.—Enfim—elecontinuou.—Alguémpercebeuerecebimuitaatençãoindesejada.
Maisoumenosnamesmaépoca,comecei aouvirunsboatosdequealgunsalquimistasestavamprendendoalgunsMoroiàforça.Eatéquealquimistasestavaminteragindocomguerreiros.— Como assim? Impossível. Nunca trabalharíamos com aqueles lunáticos. —A
ideia de prisioneiros Moroi era absurda, mas foi a segunda parte que realmente medeixou pasma.Nem conseguia imaginar. Seria comodizer que os alquimistas estavamtrabalhandocomalienígenas.— Foi o que pensei.— Ele lançou outra bola, parecendo extremamente satisfeito
consigo mesmo quando conseguiu trinta pontos.— Mas continuei ouvindo rumores;então, comecei a fazer perguntas. Muitas perguntas. E, bom, foi então que as coisascomeçaramadesandar.Fazerperguntasnuncapegabem,aindamaissevocêincomoda.Penseinaminhaprópriaexperiência.—Éverdade.—Então, foi nessa época que saí.Oumelhor, fugi. Estava vendo os sinais.Tinha
ultrapassadoumlimiteesabiaqueerasóumaquestãodetempoatémemandaremumapassagemsódeidaparaareeducação.—Começououtrapartidaeelemechamoucomumgesto.—Quertentar?Estavatãoatordoadacomoqueelehaviaditoquedeiumpassoàfrenteepegueiuma
bola. Os alquimistas eram lógicos, organizados e racionais. Eu sabia que algunsgostariamde fazermaisparacombaterosStrigoi,masnãoerapossívelqueestivessemtrabalhandocomfanáticosarmados.—Stantonmedissequesótoleramososguerreiros.Quesóficamosdeolhoneles.—Foi o queme falaram também.—Elemeobservou enquanto eumepreparava
paraajogada.—Demoraumtempopraaprender,aliás.Vocêpodelevaralguns…Lancei a bola e acertei o aro de cinquenta pontos.Marcus não conseguiu falar nada
poralgunssegundos,perdendoapresunçãodeantes.—Vocêdissequenuncatinhajogado!—exclamou.—Eéverdade.—Acerteioutranoarodecinquentapontos.—Entãocomovocêestáfazendoisso?— Não sei.— Cinquenta pontos de novo.— É só pensar no peso da bola e na
distânciaatéoaro.Nãoétãodifícil.Émeiosemgraça,naverdade.Marcusaindaestavaassombrado.—Vocêéalgumtipodesuperatleta?Quaseridedesprezo.—Nãoprecisaseratletaprajogarisso.—Mas…não…—Eleolhouparaosaros,entãoparamim,eentãodevoltaparaos
aros.—Éimpossível.Eujogoissodesdecriança!Meupaisempremelevavaaoparquedediversõesnoverãoeeupassavapelomenosumahorajogandotodavez.—Talvezdevesseterpassadoduas.—Lanceioutrabola.—Agoramecontemais
sobreosguerreiroseosalquimistas.Vocêconseguiualgumaprova?Eledemorouváriosmomentosatéconseguirretomaraconversa.—Não.Tentei.Atéme aproximei dos guerreiros por um tempo… foi assim que
conheci Clarence.Meu pessoal descobriu alguns podres dos alquimistas e salvou outroMoroidosguerreiros,masnuncaconseguimosfazerumaconexãoentreosdoisgrupos.—Elefezumapausadramática.—Atéagora.Peguei abola seguinte.Aquela atividade comumestavame ajudando a analisar suas
palavraschocantes.—Oqueaconteceu?—Foisorte,naverdade.Temumcaratrabalhandocomagenteagoraqueacaboude
sairdosalquimistaseromperatatuagem—eleexplicou.Ele falavacomosenãofossenadademais,maseuaindanãoconseguiamelivrardasensaçãoincômodaqueaideiade“romper a tatuagem”me causava.—Ele tinhaouvidouma coisa que batia comoutraqueSabrinadescobriu.Agorasóprecisamosconseguirevidênciasqueliguemasduas.—Comovãoconseguirisso?—Naverdade,évocêquemvaiconseguir.Elefalouissoenquantoeuestavaatirandooutrabola.Elapassoulonge,ultrapassando
osarcose até amáquina.Entãobateunaparedeecaiupertodealgumasmeninas,quelevaram um susto. Marcus foi atrás da bola e deu um sorriso de desculpas, e elasresponderamquenãotinhasidonadademais.Assimqueforamembora,murmureiparaMarcus:—Oquevocêdisse?—Você me ouviu. Quer entrar pro grupo? Quer romper a tatuagem? — Era
irritantecomoeleestavaconvencido.—Entãoissofazpartedoprocesso.—Nunca disse que queria fazer essas coisas!— sussurrei.— Só queria descobrir
maissobreeles.— E aposto que adoraria saber se existem facções alquimistas trabalhando com os
guerreiros.Marcusestavacerto.Eurealmentequeriamuitosaber.Elesegurouminhamão.—Sydney,seiqueémuitacoisaparaabsorver.Nãoculpovocêporestaremdúvida,
e é exatamente por isso que preciso de você.Você é inteligente. Observadora.Vocêquestiona. E, assim como aconteceu comigo, esses questionamentos ainda vão causarproblemaspravocê,seéquejánãocausaram.Saiaagora,enquantopode,doseujeito.—Agenteacaboudeseconhecer!Nãovoufugirdogrupoquemecriou.—Soltei
minhamãodadele.—Estavadispostaaouviroquevocêtinhaadizer,masagoravocêfoilongedemais.Deimeia-voltaepartiemdireçãoàporta,semquererouvirmaisnada.Noentanto,
aspalavrasdele fervilhavamdentrodemim.Apesardeeu ter sidoabsolvidadepoisdemeu envolvimento comRose,minha ficha aindadevia estar suja.E, apesar de não terinsistidoemsabermaissobreMarcusFinch,seráqueosimplesfatodemencioná-lonãotinha deixado Stanton desconfiada?Quanto tempo levaria até que eles suspeitassem demim?Abriasportasesaísoba luz fulgurantedosol,queafugentouassombrasdoqueeu
tinhaacabadodeouvir.Marcusestavalogoatrásdemimetocoumeuombro.—Sydney,desculpa.Nãoestoutentandoassustarvocê—eledisse,agorasemaquela
atitude petulante. Ele parecia completamente sincero.—É só que percebo uma coisaem você… uma coisa com a qual me identifico.Acho que estamos do mesmo lado,queremos asmesmas coisas.Nós dois nos aproximamos dosMoroi e queremos ajudá-los,semquemintamparanósounosusem.Olheiparaele,desconfiada.—Continue.—Porfavor,ouçaoquetemosadizer.—Foioqueacabeidefazer.— Você me ouviu — ele corrigiu. — Quero que conheça os outros e ouça as
históriasdelestambém.Elesvãocontaroqueenfrentaram.Vãofalarsobreisto.—Eleapontouparaatatuagememseurosto.—E,quandoouvirmaissobreaquelatarefa…bom,achoquevaiquerernosajudarcomissotambém.—Ah,sim.Ograndemistérioquevaidesvendarumaconspiraçãoentrealquimistas
e guerreiros. — Ele continuou sério, o que me incomodou mais do que se tivesserevelado de repente que tudo não passava de uma grande piada.—E agora?Você vaichamarosoutrosevamostodospassarumdianofliperama?—Não— ele respondeu.— Seria muito arriscado.Vou juntar todo mundo em
outrolugareentãodigoavocêondenosencontrar,masvaiserdeúltimahoradenovo.Nãopossoarriscarquenosdescubram.—Nãopossopartirnumagrandeviagem—avisei.—Ninguémligamuitoquando
vouaLosAngeles,mas atravessaroestadovai atrair a atenção indesejadadequevocêestavafalando.—Eusei,eusei.Vaiserperto.Sóprecisogarantirquesejaseguro.—Suaanimação
tinhavoltado.—Vocêvai?Conversarácomagente?Pormaisquenãoquisesse,estavacuriosa.Aindaquemerecusasseaacreditarnuma
conexão entre guerreiros e alquimistas, queria descobrir que pistas aquelas pessoasacreditavam ter.Também queria ver esse grupinhomisterioso dele. ComoAdrian ostinha chamado?Marcus e osVingadores? E, claro, tinha a tatuagem.Marcus vivia sereferindoaossegredosdela,masaindanãohaviamedadodetalhes.—Vou—respondi,finalmente.—Comumacondição.—Podefalar.—Quero levar uma pessoa comigo— eu disse.— Juro que ele é de confiança.
DepoisqueSabrinaapontouumaarmapramim,vocêdeveimaginarporqueestouumpouconervosadeverseuclubinho.Marcuspareciaprestesaaceitar,masderepenterecuou.—NãoéaqueleAdrian,é?— Não, não. Quem eu quero levar é um dampiro. Ninguém interessado em
entregarvocêsparaosalquimistas,aindamaisserealmenteestiveremtrabalhandoparaprotegerosMoroi.Vocêdizquetemumbompressentimentoemrelaçãoamim,certo?Entãoprecisaconfiarquandodigoquenãoprecisasepreocuparcomele.Elesóiriaparaeumesentirumpoucomaissegura.— Você é que não tem por que se preocupar — Marcus disse. — Não vamos
machucá-la.—Queroacreditarnisso.Masnãotenhotantaconfiançaquantovocê.Elenãodissenadadeimediatoeentãodesatouarir.— Nada mais justo. Leve seu amigo. — Ele apertou minha mão, como se
estivéssemosfechandoumótimonegócio.—Entroemcontatocomvocêparapassarosdetalhes.Vocênãovaisearrepender,Sydney.Prometo.
11
Marcusdesapareceuacaminhodeseuesconderijomisterioso,eeu fuiparacasa.Oqueele haviame contado ainda parecia absurdo. Fiquei repetindo amimmesma que nadadaquilopodiaserverdade.Eramaisfácildelidarassim.De volta aAmberwood, encontrei o burburinho costumeiro da atividade estudantil
vespertina.Erareconfortantedepoisdaminhaexcursãocheiadesurpresas,semnenhumfanático ou feitiço misterioso por perto. Recebi umamensagem no celular assim queentreinoalojamento.EradeJill: Venhanosverquandovoltar .Pelo jeito,eunãoterianem umminuto de descanso.Deixei a bolsa no quarto e desci preguiçosamente até osegundoandar,semsaberoqueencontraria.Jillabriuaporta,parecendoimensamentealiviadaaomever.—GraçasaDeus.Temosumproblema.— Nóssempre temos um problema— eu disse. Entrei e viAngeline sentada no
chão,encostadanaparede,comumarangustiado.—Oqueaconteceu?Elalevantouosolhosrapidamente.—Nãofoiculpaminha.Meufrionabarrigaaumentou.—Nuncaé,né?Denovo:oqueaconteceu?ComoAngelineserecusavaafalar,Jilldisse:—ElacausouumaconcussãonacabeçadoTreycomumlivrodeálgebra.Antesqueeucomeçasseaentenderaquilo,Angelineselevantouemumsalto.—Omédicofalouquenãofoiumaconcussão!— Esperem. — Olhei para as duas, com um pouco de esperança de que elas
começassemarircomapeçaquedeviamestarpregando.—VocêfezalgumacoisacomTreyqueprecisoudecuidadosmédicos?—Malencosteinele—elainsistiu.SenteinacamadeJilleresistiàvontadedemeesconderdebaixodoslençóis.—Não.Você não pode fazer isso. Não de novo.O que o diretor disse?Ai, meu
Deus. Pra onde vamos mandar você? — Depois queAngeline tinha saído no braçoduranteumaapresentaçãomusicalantidrogas,ficouclaroquemaisumabrigaafariaserexpulsa.—Eddieassumiuaculpa—Jilldisse.Umsorrisodiscretoperpassouseuslábios.—
Não tinha muitas testemunhas, então Eddie disse que eles estavam brincando nabiblioteca jogandoo livrodeum ladoparaooutro.Disseque sedescuidou e lançouolivrocomforçademais…equeacabouacertandoTreysemquerer.—É—Angelineinterrompeu.—Foioqueaconteceumesmo.—Não,nãofoi—Jillcontestou.—Eu vi.VocêficoubravaporqueTreydisseque
nãodeveriasertãodifícilentenderqueoxsempretemumvalordiferente.—Eleestavamechamandodeburra!Variáveis não pareciam um conceito tão complicado para mim, mas eu podia ver
que, sob a presunção deAngeline, ela realmente estava constrangida. Sempre tive aimpressão de que, entre os Conservadores,Angeline era algo como uma líder. EmAmberwood,tinhaqueseesforçarparaacompanharoritmoacadêmicoesocial,perdidanum mundo muito diferente daquele em que havia crescido. Isso deixaria qualquerpessoa insegura. E, pormais que achasse questionável queTrey a tivesse chamado deburra, conseguia entender como alguns de seus comentários sarcásticos poderiam serinterpretadosdessamaneira.— Eddie vai ter problemas por causa disso?— perguntei. Duvidava que ele fosse
expulso por algo assim, mas, considerando minha sorte, era bem possível que elerecebesseapuniçãodequelivraraAngeline.—Detenção—Jilldisse.—Eleaceitoucommuitacoragem—Angelineacrescentou.—Apostoquesim—falei,enquantomeperguntavasealgumadasduaspercebiaque
estavamcomamesmaexpressãodeadoração.—Angeline,seiquedeveser frustranteterumtutor,masvocêprecisamanteracalma,tá?Treysóestátentandoajudar.Elapareceucética.—Eleémeioarroganteàsvezes.—Eusei,masaspessoasnãoestãoexatamentefazendofilaprapreencheressavaga.
Precisamosdevocêaqui.Jillprecisadevocêaqui.Eddieprecisadevocêaqui.—Noteiquepartede sua indignaçãopassouquandomencionei seus amigose seudever.—Porfavor,tentetrabalharcomTrey.Meioacontragosto,elaassentiu,emelevanteiparasair.Jillmeseguiuapressadaaté
ocorredor.—Ei,Sydney?ComofoioencontrocomMarcus?— Nada de mais — eu disse. Definitivamente não compartilharia as revelações
bombásticasdeMarcus.—Foiinformativo.EaprendiajogarSkee-Ball.Jillpareceuquaseofendida.—Vocês jogaram Skee-Ball? Pensei que quisesse descobrir a história secreta dos
alquimistas.
—Fizemosasduascoisasaomesmotempo—eudisse,nãogostandonadado tomdela.SaíantesqueelapudessefazeroutrocomentárioemandeiumamensagemparaEddie
quando cheguei ao dormitório.Ouvi o que aconteceu. Sinto muito. E obrigada . Arespostadelefoirápida:Pelomenosnãofoiumaconcussão.NocaminhoparaencontrarAdriannodiaseguinte,meprepareiparaoscomentários
sarcásticos.EraprovávelqueJilljátivessecontadoaelesobreoencontronofliperama,oqueprovavelmenteolevariaadizeralgocomo:“Bomsaberquevocêestátãodedicadaadescobriraverdadesobreosalquimistas.Ébomnãoperderojogodevista”.Quando estacionei em frente ao prédio doAdrian, ele já estava me esperando na
calçada.Assimqueviseurostosério,meucoraçãodisparou.Puleidocarro,quasesempararparatiraraschavesdaignição.—Oqueaconteceu?—perguntei,correndoatéele.Elepousouamãonomeuombro,maseuestavapreocupadademaisparaligarparao
toque.—Sydney,nãoqueroquepercaacalma.Nãovaiternenhumasequela.ExamineiAdriandecimaabaixo.—Vocêestábem?Semachucou?Porummomento,suaexpressãosombriasetornouconfusa.Entãoeleentendeu.—Ah,vocêachaquefuieu?Não,estoubem.Venha.Ele me levou até o fundo do prédio, onde ficava o estacionamento particular dos
moradores. Eu congelei, boquiaberta enquanto absorvia a cena terrível.Alguns outrosmoradoresestavamandandodeum ladoparaooutro,eumpolicial estavaparadoporperto, fazendo algumas anotações.Ao nosso redor, sete carros estacionados tinham ospneusfurados.IncluindooMustang.—Não!Corri até ele, ajoelhandoeexaminandoodano.Senti como se estivessenomeiode
umaguerra, segurandoumcompanheiromortono campodebatalha.Estavaprestes agritar:“Aguentefirme,amigo!”.Adrianseagachouaomeulado.—Ospneuspodemsertrocados.Achoqueoseguroatécobreisso.Euaindaestavahorrorizada.—Quemfezisso?Eleencolheuosombros.—Acho que foram uns pivetes. Fizeram a mesma coisa nuns carros no outro
quarteirãoontem.—Evocênãoachouquevaliaapenamecontar?—Não fazia ideiadequeviriamparacá também.Alémdisso, sabiaquevocê teria
umataqueeiaquererinstalarvigilânciavinteequatrohorasaqui.—Nãoémáideia.—Levanteiosolhosparaoprédio.—Vocêdeveriafalarcomo
proprietáriosobreisso.Adriannãopareciatãopreocupadoquantodeveriaestar.—Nãoseiseeleaceitaria.Querdizer,essanãoéumaregiãomuitoperigosa.AponteiparaoMustang.—Entãocomoissofoiacontecer?EmborapudéssemosusaroPingadoparairatéLosAngeles,tivemosdeesperarofim
do trabalhodapolíciaedepoispedirumguincho.Fizquestãode falar aomotoristadoguinchoqueeramelhorelenãocausarnenhumarranhãonocarroe,então,observeicomtristeza enquanto o Mustang era rebocado para longe. Depois que o ponto amareloreluzentedesapareceunumaesquina,pergunteiparaAdrian:—Estáprontoparair?—Agentetemtemposuficiente?Olheiparaocelularesolteiumresmungo.Tínhamosgastadotempodemaislidando
comasconsequênciasdovandalismo.Apesardisso,euodiavaesperaratéodiaseguinte,considerandoquejátinhaperdidoodiaanteriorlidandocomMarcus.Ligueiparaasra.Terwilliger e perguntei se elame daria cobertura caso eu voltasse depois do toque derecolher.—Sim,sim,claro—eladisse,numtomquesugerianãoentenderporqueeutinha
medadoaotrabalhodeligar.—Falecomomáximodegarotasquepuder.A sra.Terwilliger havia me dado seis nomes. Já tínhamos avisadoWendy Stone.
Outrastrêsmoravamrelativamentepertoumadaoutraeeramnossoobjetivonaquelanoite.As duas últimas moravam perto da costa, e planejamos falar com elas no diaseguinte.Adrian tentou conversar comigo durante todo o trajeto, mas minha cabeçaaindaestavanoMustang.—Ai, meu Deus, sou uma idiota — eu disse quando estávamos perto do nosso
destino.— Nunca usaria esse termo para descrever você — ele disse prontamente. —
Articulada.Elegante. Inteligente.Organizada.Bonita.Usaria esses termos,masnunca“idiota”.Quase perguntei por que “bonita” vinha depois de “organizada”, mas então me
lembreidaminhaverdadeirapreocupação.—Nãoparo de pensar naquele carro enquanto a vida de garotas inocentes está em
risco.Souumaimbecil.Minhasprioridadesestãotodaserradas.Meus olhos estavam concentrados na estrada, mas pude perceber que ele estava
sorrindo.—Se suas prioridades realmente estivessem erradas, você teria seguido o guincho.
Masvocêestáaqui,indoajudarcompletasdesconhecidas.Issoéumacoisanobre,Sage.—Não se exclua dessa— eu disse.—Você está sendo bem nobre também, indo
nessasviagenscomigo.—Bom,nãoé amesmacoisaque jogarSkee-Ball,maséoqueposso fazer.Como
foi,aliás?Descobriualgumacoisa?
— Sim, muitas… algumas bem inacreditáveis, na verdade. Mas ainda preciso deprovas.A sorte estava do nosso lado no começo.As duas primeiras meninas estavam em
casa,emboraareaçãodelastenhasidoparecidacomadeWendyStone.Dessavez,tiveocuidadodelevaroartigodejornalcomigo,comaesperançadecausarumaimpressãomaisforte.Aimagemmacabraasfezpararparapensar,massaísemsaberserealmentemelevariamasérioeusariamosamuletosdeágata.Nossa boa sorte acabou quando chegamos ao último nome. Ela também era uma
universitária, o que significava que visitaríamos outro campus. Seu nome era LynneTitus,emoravanarepúblicadeumafraternidade.Admitoque,enquantobatianaporta,estavacompletamentepreparadaparaencontrarumgrupodemeninasvestidasderosa,fazendo uma guerra de travesseiro na sala. Mas, quando nos deixaram entrar,encontramos uma casa organizada, não muito diferente do apartamento deWendy.Algumas meninas entravam e outras saíam, enquanto outras estavam sentadas comlivrosepapéis.—Lynne?—disseameninaqueabriuaporta.—Elaacaboudesair.Sabia que não deveria ficar surpresa.Aquelas meninas tinham suas próprias vidas.
Não estavam todas pacientemente esperando que eu chegasse e conversasse com elas.Preocupada,olheiparaumajanela,percebendoqueosolestavaprestesasepôr.—Temideiadequandoelavolta?—Não—ameninarespondeu.—Desculpe.Nãoseinemaondeelafoi.Adrianeeunosentreolhamos.—Vocêestálivredotoquederecolher—elemelembrou.—Eusei.Masnão significaquequeropassaranoite todaesperando.—Fizalguns
cálculosmentais.—Achoquepodemosficaraquialgumashoras.Três,nomáximo.Adrianpareceuadoraraideia,efiqueiemdúvidaseestavamaisanimadoporpassar
umtemponumcampus…ouporpassarumtempocomigo.— O que tem de divertido pra fazer aqui?— ele perguntou para nossa anfitriã,
observandoocalmoambienteacadêmicoaonossoredor.—Nenhumagrandefesta,né?Ameninalançouumolhardecensura.—Somosumafraternidademuitoséria.Seestãoprocurandofestas,comcertezatem
uma descendo a rua.Aquelasmeninas dão uma festa por noite.—Adrianme olhou,esperançoso.—Ah,sério?—eudisse.—Nãodápraprocurarummuseulegal?—Precisamos ficarporpertoparao casodeLynnevoltar—Adrian argumentou.
Algomediziaque,mesmosea festa fossedooutro ladodocampus,ele tambémteriainsistido.—Alémdisso, se quer tanto ir para a faculdade, precisa ver tudoo que elatemaoferecer.Enãoévocêquegostadecoisasgregas?Então,todasessasfraternidadestêmnomegrego.Definitivamente não era isso que eu tinha emmente, e ele sabia.Relutante, acabei
aceitando,maslogoaviseiqueelenãopoderiabeber.Euestavacomaperucamorenae
imaginavaqueeleestivesseusandooespíritoparaaumentaraindamaismeudisfarce.Oálcooldiminuiriasuacapacidadedeusarmagia.Alémdomais,simplesmentenãoqueriaverAdrianbêbado.Foi fácil encontrar a casa onde ocorria a festa pela música vindo dela. Um casal
bebendocervejaemcoposdeplásticonosbarrounaporta.—A festa é só para fraternidades — a menina disse. Parecia prestes a cair do
banquinho.—Comquemvocêsestão?AponteivagamentenadireçãodafraternidadedeLynne.—Hum,comeles.— Ergo IamAlfa—Adrian disse, sem hesitar. Eu estava esperando que o casal
comentasse que algumas daquelas letras nem gregas eram.Mas, talvez porqueAdriantivessefaladocommuitaconfiançaouporqueelesjátinhambebidodemais,omeninofezsinalparaqueentrássemos.Eraquasecomovoltarparaofliperama—umaenchenteavassaladoradeestímulos.
Acasaestavalotadaebarulhenta;fumaçapairavanoareoálcoolestavaportodaparte.Muitas pessoas nos ofereceram bebidas, e umamenina nos convidou— três vezes—paraparticipardeumjogoestranhoqueenvolviaumabolinhadepingue-pongueecoposde cerveja, esquecendo que já tinha falado com a gente antes. Fiquei olhandoassombrada,tentandodisfarçararepulsa.— Que desperdício da mensalidade. Isso está arruinando todos os meus sonhos
universitários—griteiparaAdrian.—Temalgumacoisapra fazeralémdebeberouserbabaca?Eleexaminoua sala,conseguindoveralémporcausade suaaltura.Entãoabriuum
sorriso.—Aquilopareceinteressante.—Elesegurounaminhamão.—Venha.Numa cozinha surpreendentemente bonita e espaçosa, encontramos várias meninas
sentadasnochão,pintandocamisetas.Ajulgarpelotrabalhomalfeitoepelasmanchasdetinta,elastambémtinhambebido.Umameninatinhaumcopodecervejaaoladodeumcopoidênticodetinta,etorciparaquenãoconfundisseosdois.—Oqueestãofazendo?—perguntei.Umadasmeninaslevantouosolhosesorriu.—Camisetasparaofestivaldeinverno.Querajudar?Antesqueeupudessedizernão,Adrianjáestavaagachadoaoladodelas.—Claro.—Elepegouumacamisetabrancaeumpincelcomtintaazul.—Oque
estamospintando?—Otrabalhotoscodasmeninastornavaaperguntaválida.—Nossosnomes—umadelasrespondeu.—Coisasdeinverno—aoutracorrigiu.Isso bastou paraAdrian. Ele começou a pintar flocos de neve na camiseta. Sem
conseguirmeconter,meajoelheiparavermelhor.Apesardeseusdefeitos,Adrianeraum bom artista. Ele misturou algumas cores, pintando flocos de neve intricados eestilizados. Em determinado momento, parou para acender um cigarro de cravo,
compartilhandoocinzeirocomumadasmeninas.Eraumhábitodequeeunãogostavamuito,mas, pelomenos, o resto da fumaça naquele lugar disfarçava a dele. Enquantoterminava e escrevia o nome da fraternidade, percebi que todas as outras meninastinhamparadoparaolhar.—Estálinda—disseumadelas,comosolhosarregalados.—Possoficarcomela?—Euquero—insistiuaoutra.—Voufazerumapracada—eleprometeu.Amaneiracomoelasoolhavameraum
lembrete incômodo da longa experiência dele commulheres.Me aproximei umpoucomais,paraqueelasnãopensassembesteira.Eledeuacamisetabrancaparaaprimeirameninaeentãocomeçouatrabalharnuma
azul. Depois que cumpriu sua promessa para cada uma delas, remexeu na pilha decamisetasatéencontrarumapretamasculina.—Precisoprestarhomenagemàminhafraternidade.—Claro—ironizei.—ErgoIamAlfa.Adrianassentiu,solene.—Umgrupodemuitatradiçãoeprestígio.—Nuncaouvifalardeles—disseameninaquepegouaprimeiracamiseta.—Elesnãodeixammuitagenteentrar—elecomentou.Comtintabranca,escreveu
asiniciaisdasuafraternidadedementira:EIA.—Nãoéissoqueosmarinheirosfalam?—perguntouumaoutra.— É que os IamAlfa têm origens náuticas— ele explicou. Para o meu espanto,
começouapintarumesqueletopiratanumamotocicleta.—Ah,não—resmunguei.—Nãoatatuagem.—Éonosso símbolo—eledisse.Certavez, tivemosde investigarumestúdiode
tatuageme,paradistrairodono,Adriantinhaentradoefingidoestarinteressadonumatatuagem que se parecia muito com o que estava desenhando agora. Quer dizer, euachavaqueeleestivessefingindo.—Nãoédahora?“Da hora” não era a expressão que eu usaria, mas, apesar de ser uma imagem
ridícula, ele realmente fez um belo trabalho. Sentei, abraçando os joelhos e merecostandonaparede.Ele logoparou comas piadas e ficou completamente absortonotrabalho,pintandoosossosdoesqueletometiculosamente, assimcomoosdoesqueletodepapagaionoombrodopersonagem.Fiqueiolhandoparaseurostoenquantopintava,fascinada pelo brilho em seus olhos.A arte era uma das poucas coisas que pareciamancorá-lonomundoetirá-lodaescuridãoquehaviadentrodele.Elepareciabrilharcomuma luz interior que realçava ainda mais seu rosto já bonito. Era mais um daquelesvislumbresrarosetocantesdanaturezaintensaepassionalquehaviaportrásdaspiadasquevivia fazendo.Essanatureza aparecia coma arte, ehavia aparecidoquandoelemebeijou.Derepente,Adrianolhouparamim.Nossosolharessecruzaram,esenticomoseele
pudesse ler minha mente. Com que frequência ele pensava naquele beijo? E, se erarealmente louco pormim, será que imaginava outras coisas além de beijos? Será que
fantasiavacomigo?Emquetipodecoisaspensava?Seuslábiosnomeupescoço?Suamãonaminhaperna?Essapernaestavanua…?Fiquei com medo de que meus olhos me traíssem e desviei o olhar rápido.
Desesperada,procureialgumcomentárioengraçadinhoeimpessoal.—Nãoseesqueçadoninjaatirandoshurikens.—Claro.—Pude sentir o olhar deAdrian emmim pormais algunsmomentos.
Havia algo de tangível nele, um calor que me envolvia. Não voltei a olhar até tercerteza de que sua atenção estava de volta na camiseta. Ele acrescentou os shurikens eentãoseafastou,triunfante.—Bemlegal,né?—Nadamal—respondi.Naverdade,estavaincrível.— Quer uma também? — Ele sorriu de uma maneira que reacendeu aqueles
sentimentoscalorosos.Nãoconseguinãoretribuirosorriso.—Nãotemostempo—conseguidizer.—PrecisamosverseLynnejávoltou.—Façorapidinho.—Nadadepirata—adverti.Eleencontrouumapequenacamisetaroxaecomeçoua
pintá-la.—Roxa?— É a sua cor — ele insistiu. Essas palavras me deram um calafrio. Adrian
conseguiaenxergaraauradaspessoas,uma luzqueascercavaequeestava relacionadacomapersonalidadedelas.Elemedisseraqueaminhaeraamarela,umacorcomumatodosos intelectuais.Maseu tambémtinha tonsderoxo,oque indicavaumanaturezapassionaleespiritual.Nãoeramqualidadesqueeucostumavaacharquepossuía…mas,àsvezes,bemquegostariadetê-las.Observei, fascinada, enquanto elepintavaumgrande coraçãoprateado comchamas
deumlado.Todoodesenhoeraemestilocelta.Eralindo.— De onde tirou isso? — perguntei, maravilhada. Já tinha visto boa parte dos
trabalhosdele,masnuncaalgocomoaquilo.Seusolhosestavamcravadosnocoração,completamenteabsorvidosnotrabalho.— Só uma coisa que me passou pela cabeça. Me lembra você. Doce e ardente ao
mesmotempo.Umachamanaescuridão, iluminandomeucaminho.—Aquelavoz…aquelas palavras.Reconheci um de seusmomentosmovidos pelo espírito.Deveria terme incomodado,mas havia algo de sensual namaneira como ele falava, algo quemefaziaperderoar.Umachamanaescuridão.Eletrocouopincelprateadoporumpreto.E,antesqueeupudesseimpedir,escreveu
nocoração:EIA.Eabaixo,emletrasmenores:membrahonorária.—Oque você está fazendo?—gritei.O encanto havia se partido.—Estragou a
camiseta!Adriansevoltouparamimcomumolharmalandro.—Penseiqueficarialisonjeadaemseraceitacomomembrahonorária.—Comofaçoparaentrar?—umadasmeninasperguntou.Apesar da minha indignação, peguei a camiseta quando ele a estendeu. Ergui com
cuidadoparanãoestragarapintura.Apesardaspalavrasridículas,ocoraçãoemchamas
ainda era espetacular. Ele se destacava, e não conseguia parar de admirá-lo. Comoalguém tão irreverente conseguia criar algo tão bonito? Quando finalmente voltei alevantarosolhos,deidecaracomAdrianmeobservando.Aqueletransedeantestomoucontademim,enãoconseguimemover.—Vocênãopintounada—eledissebaixinho.—Minhacriatividadeénula—eudisse.—Todomundotemumpoucodecriatividade—eleinsistiu.Entãomeentregouo
pincelprateadoeseencostounaparedetambém.Nossosbraçosepernassetocaram.Elepôs sua camiseta preta daEIA no colo.—Vai.Acrescente alguma coisa. Qualquercoisa.Fizquenãoemprotestoetenteidevolveropincel.—Nãoseidesenharnempintar.Vouestragartudo.—Sydney.—Ele colocouopincel de volta naminhamão.—Éumesqueletode
pirata,nãoaMonalisa.Vocênãovaidiminuirovalordele.Talvezfosseocaso,maseradifícil imaginaroqueeupoderiaacrescentaràquilo.Eu
sabiafazermuitascoisas,maspintardefinitivamentenãoeraumadelas,aindamaisemcomparação ao talento dele.No entanto, algo em seu olharmemotivou e, depois depensar muito, fiz o melhor que pude para desenhar uma gravata no pescoço doesqueleto.Adrianfranziuatesta.—Éumacorda?—Éumagravata!—esbravejei,tentandonãomesentirofendida.Eleriu,visivelmentesedivertindo.—Desculpe.— Ele pode ir a uma reunião executiva agora— acrescentei, achando necessário
defendermeutrabalho.—Estámuitoelegante.Adrianpareceugostaraindamais.—Claroquesim.Eleganteeperigoso.—Partedeseubomhumorfoidiminuindo,
eeleficoupensativoenquantomeexaminavalongamente.—Igualavocê.Tinha estado tão preocupada como desafio artístico que, até aquelemomento, não
havia percebido o quanto ele se aproximara de mim. De repente, vários detalhesentraramemfoco.Oformatodosseuslábios,alinhadoseupescoço.—Nãosouperigosa—murmurei.Eleaproximouorostodomeu.—Paramim,é.E, de algummodo, contrariando toda a lógica, nos beijamos. Fechei os olhos, e o
mundoaonosso redordesapareceu.Obarulho, a fumaça…tudo sumiu.Aúnica coisaque importavaerao sabordabocadele,ummistodecravoementa.Haviaumardorem seu beijo, um desespero… que retribuí, com a mesma ansiedade. Não o impediquando eleme puxou aindamais para perto, quase indo parar no colo dele.Ninguémnunca tinha me abraçado daquele jeito, e fiquei surpresa com a avidez com que meucorporespondeu.Seubraçoenvolveuminhacintura,mepuxandoaindamaisparaperto,
e suaoutramãodesceupelaminhanuca, se emaranhandonomeu cabelo.Por incrívelquepareça,aperucacontinuouno lugar.Eletirouos lábiosdosmeusecomeçouadarbeijossuavespelomeupescoço.Inclineiacabeçaparatrás,perdendoofôlegoquandoabocadeleretomoua intensidade.Haviaumcaráterselvagemnaquelebeijoqueenviavaondas elétricas por todo o meu corpo. Uma voz alquimista me advertiu que eraexatamente assim que os vampiros se alimentavam, mas eu não estava com medo.Adriannãomemachucaria,eeuprecisavasabera forçacomqueelepoderiamebeijare…—Ai,meuDeus!Adrianeeunos separamoscomose tivessem jogadoumbaldedeágua friaemnós,
embora nossas pernas continuassem entrelaçadas. Olhei ao redor em pânico, quaseesperandoverStantonnosobservando,indignada.Emvezdisso,levanteiosolhoseviorostoapavoradodeumagarotadesconhecida.Elanemestavaolhandoparanós.—Vocês não vão acreditar noque aconteceu!—ela gritou, se dirigindo às outras
artistas. Ela apontou vagamente para trás. — Um pouco adiante na rua da Capa,encontraramumameninainconsciente.Elesnãoconseguemacordaracoitada.Nãoseioqueaconteceu,masparecequeelafoiatacada.Tematépolícialánafrente.Adrian e eu nos entreolhamos por um instante, atordoados. Então, sem dizer uma
palavra, nos levantamos. Ele segurou minha mão para me estabilizar até que minhaspernas trêmulas recuperassem a força. Estou fraca por causa da notícia, disse a mimmesma.Nãoporqueestavaficandocomumvampiro.Masoperigo e a embriaguezdaqueles beijos desapareceramquase instantaneamente
quandovoltamosà fraternidadedeLynne.Haviapessoasapavoradaspor todo lado,easegurança do campus ficava entrando e saindo, o que permitiu que entrássemos pelaportaaberta.—Oqueaconteceu?—pergunteiparaumameninamorenaaliperto.— Lynne…— ela disse, mordendo os lábios.—Acabaram de encontrá-la num
auditóriovazio.Algoemseutomdevozmedeixouapreensiva.—Elaestáviva?Elaassentiu.— Acho que sim, mas dizem que tem alguma coisa muito errada. Ela está
inconscienteeparece…seilá…velha.Me virei paraAdrian e percebi vagamente que ele estava com tinta prateada no
cabelo.Euaindaestavacomopincelnamãoquandooabraçara.—Saco—elemurmurou.—Tardedemais.Euqueria gritarde frustração.Estivéramos tãopertode avisá-la.Disseramqueela
havia saídopouco antes de chegarmos.E se tivéssemos chegado antes?E se tivéssemosvisitado Lynne antes das outras duas? Eu tinha escolhido a ordem ao acaso. Pior: e setivéssemosconseguidoencontrá-laemvezdeficarbrincandodepinturacomasmeninasbêbadasdafraternidade?
EseeunãotivessebeijadoAdrian?Ou,talvez,tinhasidoelequemtinhamebeijado.Dequalquermodo,eunãotinhaexatamenteresistido.No entanto, quanto mais eu descobria, mais improváveis pareciam as chances de
termosconseguidoalgumacoisainvestigandonacasadeLynne.Ninguémsabiaaondeelahavia ido.Sóumapessoaatinhavistosair,umameninadecabelo loiroeencaracoladoquefrustrouapolíciadocampuscomrespostasvagas.—Desculpe—ela ficavarepetindo.—Nãoconsigo…nãoconsigomelembrarda
meninacomquemelasaiu.—Nada?—umdospoliciaisperguntou.—Altura?Idade?Cordocabelo?Ameninafranziuatesta,comosefizesseomaioresforçomentalpossível.Porfim,
desistiu,comumaexpressãoderrotada,emeneouacabeça.—Desculpe,masnãolembro.—Elatinhacabelopreto?—sugeri.Ameninaentreabriuumsorriso.—Talvez.Não,espere.Achoqueeracastanho.Não.Ruivo,talvez?Adrianeeunosafastamos,sabendoquenãohaviamaisnadaquepudéssemosfazer.—Aquela menina parece muito confusa— eu disse enquanto voltávamos para o
carro.—Semdúvida—eleconcordou.—Parecefamiliar?—Muito—murmurei,reconhecendoossinaisdemagia.Ninguém poderia negar.Veronica passara por ali. E nós tínhamos chegado tarde
demaisparadetê-la.
12
Eumesentiumfracassoquando,nodia seguinte,deianotíciaà sra.Terwilligerantesdeasaulascomeçarem.Comosemblantepálidoecarregado,eladissequenãohavianadaqueeupudesseter
feito.Mas eu não sabia se deveria acreditar nisso.Continuavame angustiando com asmesmasdúvidasdanoiteanterior.EseeunãotivessepassadoooutrodiacomMarcus?EsenãotivesseperdidotantotempogarantindoqueoMustangfossebemtratado?Esenão tivessemeenvolvidonuma intensademonstraçãopúblicade afeto comAdrian?Eutinha deixado minhas questões pessoais interferirem no trabalho e uma garota pagaracomaprópriavida.Queria faltarnaaulaeavisarasoutras imediatamente,masasra.TerwilligermegarantiuqueVeronicanãoconseguiriaatacartãocedo.Elamedissequenãohaviamalemesperaratéatarde.Concordei, relutante, evolteipara aminhacarteira,pensandoem ler algumacoisa
antesdocomeçodaaula.Nãoachavaqueconseguiria.—Srta.Melbourne?—elachamou.Levanteiosolhoseviqueaexpressãotristedela
havia se iluminado um pouco. Ela parecia achar graça em alguma coisa, o que eraestranho,considerandoascircunstâncias.—Sim?—Talvezsejabomfazeralgumacoisacomoseupescoço.Nãoentendinada.—Meupescoço?Elaenfiouamãonabolsaemeentregouumespelhinho.Abrieanaliseimeupescoço,
ainda tentando entender do que ela estava falando. Então eu vi.Uma pequenamancharoxaavermelhadanalateraldopescoço.—Oqueéisso?—exclamei.Asra.Terwilligerriu.— Embora ninguém me dê um faz tempo, se não me engano é conhecido como
“chupão”.—Elafezumapausaearqueouasobrancelha.—Issovocêsabeoqueé,não?
—Claro que sei!— Fechei o espelho.—Mas não tem como… quer dizer, nósmal…Elaergueuamãoparamecalar.— Não precisa justificar sua vida pessoal pra mim. Mas, nos próximos quinze
minutos,talvezqueiradarumjeitodemanterissoemsegredo.Eujáestavaempéquandoelaterminouafrase.Quandosaídoprédio,tiveaincrível
sortedeencontrarocirculardocampusparadobemnafrente.Corriatéelee,apesardeo caminho até o alojamento demorar só alguns minutos, parecia uma eternidade.Durantetodoessetempo,minhamentefervilhavacomoquehaviaacontecido.Estoucomumchupão.DeixeiAdrianIvashkovmedarumchupão.Como tinha deixado isso acontecer?A notícia devastadora sobre Lynne tinha feito
comqueeu ignorasseo impactodaquele lapso,masnãohaviamais como fugirdoquetinha acontecido. Contra todos os meus princípios, me deixei envolver nos beijos deAdrian. E não só nos beijos. Pensar na maneira como nossos corpos tinham sepressionadoumcontraooutromedeixavatãovermelhaquantonanoiteanterior.Não, não, não! Não podia pensar nisso. Devia esquecer que tinha acontecido.
Precisava garantir quenunca voltasse a acontecer.Oque tinha dado emmim?Eunãocorrespondia ao sentimento dele. Adrian era um Moroi. E, mesmo se não fosse,definitivamentenãoeraocaramaisadequadoparamim.Euprecisavadealguémsério,alguém com potencial de conseguir um emprego com plano de saúde.Alguém comoBrayden.É,eonamorodevocêsdeumuitocerto,né,Sydney?OqueaconteceracomAdriantinhasidoumerro.Claramenteumatopervertidode
luxúria, talvez incentivado pelo fato de ele ser tão proibido para mim. Só isso.Asmulheresgostavamdessetipodecoisa.Quandopesquisarasobrerelacionamentos,tinhavistoumlivroquesechamava Badboyseasmulheresqueseapaixonamporeles .Euohavia ignorado porque Brayden era praticamente o oposto de um badboy,mas talvezvalesseapenacomprá-loagora.Uma chama na escuridão. Eu precisava esquecer queAdrian tinha me chamado
assim.Tinhadeesquecer.Faltavamaisumminutoparachegaraoalojamento,entãomandeiumamensagemde
textorápidaparaAdrian: Estoucomumchupão!Vocêestáproibidodebeijardenovo .Sinceramente,nãoesperavaqueeleestivesseacordadoàquelahoradamanhã,então foiumasurpresareceberaresposta:Tudobem.Nãovoumaisbeijarseupescoço.Típico.Não!VocênuncamaisvaimebeijarEMLUGARNENHUM.Vocêdisseque
manteriadistância.Estoutentando,elerespondeu.Masévocêquenãomantémdistânciademim.Nãoacheiqueissomereciaumaresposta.Quandochegueiaoalojamento,pergunteiàmotoristaquantotempoelaesperariaaté
voltarparaocampuscentral.
—Vousairagoramesmo—elarespondeu.—Porfavor—implorei.—Espereumminutinho.Eupago.Elapareceuofendida.—Nãoaceitosuborno.Mas,quandovoltei correndododormitório,usandoumagola rolê,ela aindaestava
lá.Conseguientrarnasaladasra.Terwilligernomesmoinstanteemqueosinaltocava.Elamelançouumolhardequemsabedascoisas,masnãodissenadasobreminhatrocaderoupa.Durante a aula, recebi uma mensagem de Marcus. Pode nos encontrar hoje? San
Bernardino,às16h.Bom,eletinhaavisadoqueseriaemcimadahora.SanBernardinoficavaaumahora
de viagem. Eu tinha falado com Eddie que o encontro seria naquela semana, e eleaceitara me acompanhar. Só torci para que não tivesse nada planejado naquela tarde.Respondiamensagemdizendoqueiríamos,eMarcusmeenviouoendereço.Depoisdaauladehistória,umameninadaauladeinglêsmechamouparaperguntar
se podia pegarmeu caderno emprestadoporque tinha faltadonodia anterior.Eddie játinha saído quando terminei de falar com ela, então só consegui perguntar sobre SanBernardinonahoradoalmoço.—Claro—eledisse,assumindoaposturarígidadeguardião.JilljásabiasobreaviagemporqueeuhaviacontadoaAdrian.Mesentiumpoucomal
por tirar Eddie dela. Na verdade, muito mal. Ficar sem Eddie era um risco grave,embora eu tivesse consciência de que ele nem sempre passava todos os segundos pertoela.Àsvezeseraimpossível,eporissohavíamosconvocadoAngeline.Mesmoassim,sealgum alquimista descobrisse que eu estava usando o principal guarda-costas dela paraviagens pessoais, eu estaria numa fria.Quer dizer, era provável que já estivesse numafria mesmo sem isso, considerando que estava indo me encontrar com um grupo derebeldes. Virei para Angeline, que estava tentando decifrar umas anotações sobreequaçõesdesegundograu.—Angeline, você precisa ficar com Jill até a gente voltar— eu disse.— E não
saiamdoalojamento,sóporsegurança.Nãofiquempasseandopelocampus.Jillfezquesim,masAngelinelevantouosolhos,consternada.—TenhoqueencontrarTreypraestudar.Comovocêquerqueeupasse?Eunãoconseguiaresistiraumargumentoacadêmico.—Estudemnosaguãodoalojamento.Ésegurolá.Jillpodeficarfazendoostrabalhos
delacomvocês.Angeline não pareceu inteiramente satisfeita com a alternativa, mas não voltou a
protestar.Elafezmençãodevoltarparaocadernoeentãoolhoudenovoparamim.—Porquevocêestácomessablusa?—elaperguntou.—Estácalorhoje.—Era
verdade.Astemperaturasquentesforadeépocahaviamvoltado.Paraminhasurpresa,Eddieconcordoucomela.—Estavapensandoamesmacoisa.
—Ah,hum…— Por favor,não fiquevermelha,não fiquevermelha ,pedi amimmesma.—Sóestoucomfriohoje.— Que estranho— Jill disse, completamente inexpressiva. — Para alguém que
costumasertãofria,atéquevocêconsegueesquentarbemrapidinho.EraumafrasetípicadeAdrian.Jillsabiaperfeitamenteporqueeuestavacomagola
rolê, e lancei um olhar de recriminação para ela. Eddie e Angeline pareciamcompletamente confusos. Levantei, apesar demal ter tocado na comida. Isso ninguémestranharia.—Bom,precisoir.Encontrovocêdepois,Eddie.—Saíapressadaantesquealguém
pudessemequestionarmais.EstavaumpoucohesitanteemdeixarEddieconhecerMarcus.Eddiecertamentenãoo
denunciaria — e com certeza nãome denunciaria — para os alquimistas porconspiração.Ainda assim, não queria que Eddie pensasse que os alquimistas estavamenvolvidosemesquemasperversos contraosMoroi.Elepoderiamuitobemrepassar ainformação ao seu grupo, o que, por sua vez, poderia causar inúmeros problemasdiplomáticos.Amerasuspeitadequeosalquimistaspudessemestaremcontatocomosguerreiros era perigosa.Mas decidi que ter Eddie como proteção valia o risco de eleouvir algoquenãodevesseouvir.Ele erameu amigo, e eu confiavanele.Noentanto,preciseidaralgumasinformaçõesbásicasduranteotrajetoparaSanBernardino.—Quemsãoexatamenteessaspessoas?—eleperguntou.—Ex-alquimistas—eudisse.—Elesnãogostamde todososprocedimentos eda
burocracia.QuereminteragircomosMoroiedampirosàsuamaneira.—Nãoparecetãomau.—Eupodianotaracautelaemsuavoz.Eddienãoerabobo.
—Porquequisqueeufossecomvocê?—Nãoseimuitosobreeles,sóisso.Achoquetêmboasintenções,masvamosver.
—Escolhiaspalavrasseguintescomcuidado.Nãopodiadeixardeavisá-lo.—Elestêmmuitas teorias conspiratórias.Alguns até…hum…achamque pode haver alquimistastrabalhandocomosguerreiros.—Oquê?—Foiumasurpresaoqueixodelenãotercaído.— Eles não têm nenhuma prova concreta — acrescentei rápido. —Tem uma
guerreiraqueespionaparaeles.Elaachaqueouviualgumacoisa…mastudomeparecemeio estranho ainda. Eles querem que eu ajude a investigar,mas não acho que existamesmo algo do tipo.Quer dizer, os alquimistas ajudaram a arquitetar a invasão, nãofoi?Deterumaexecuçãoritualísticanãoajudariamuitoapromoverasrelaçõesentreosgrupos.—Nãomesmo—eleadmitiu,masficouclaroquenãoestavatotalmenteàvontade.Decidi passar para um assuntomais seguro.Não tinha por queme preocupar com
MarcuseosoutrosVingadores(nãoconseguiatirardacabeçaonomequeAdriantinhadado)atéouviroqueelestinhamadizer.—Comovãoas coisas?—perguntei.—ComAngeline?E Jill?Estou tãoocupada
com,hum,outrascoisasqueachoquenãoestamosconversandodireito.
Eledemoroupararesponder.—Tudo calmo com Jill, o que é bom. Queremos que as coisas fiquem o mais
paradaspossívelpraela.AsituaçãocomMicahmelhoroutambém.Muitosamigosdelenão falavammais com ela depois do término.Mas ele superou bem e agora eles estãoamigos…então,osoutrosacharamquetambémpodiamsereaproximar.—Quealívio.Quando chegamos aAmberwood, Jill tivera problemas para se adaptar. Namorar
Micah abrira vários círculos sociais para ela, e eu estava com medo do que poderiaaconteceragoraqueelestinhamterminado.Ascoisashaviampioradoquandoeuaproibidemodelarparaumaestilistateimosa,LiaDiStefano,quearriscouexpô-la.ParaJill,foicomo se tivesse perdido tudo que conquistara, por isso fiquei contente ao saber que ascoisasestavamvoltandoadarcertoparaela.—ÉfácilgostardaJill—acrescentei.—Apostoqueamaioriadelesestáfelizpor
continuaramigodela.— Pois é. — Foi tudo o que ele disse, mas havia muitas emoções nessas duas
palavras.Mevolteiparaeleeencontreiumolharsonhadoremseurosto.MicahpoderiatersuperadoJill,masEddienão.Fiqueimeperguntandoseelemesmosabiadisso.—ComoestáAngeline?Oolharsonhadorsedesfezeelefranziuatesta.—Confusa.Euri.—Comosempre.— Ela vai de um extremo a outro. Quando começamos a sair, ela, hum, não
conseguia desgrudar demim.—Não sabia exatamente o que isso queria dizer, e nãoqueria pensarmuito a respeito.—Agoramal consigo um tempinhopra ficar sozinhocomela.Elacomeçouajogarbasqueteporalgummotivo.Achoqueestámeiofascinadapelojogotertantasregras,comparadoàsinsanidadesqueosConservadoresfazemprasedivertir. E está realmente dedicada a melhorar aquela nota de matemática também.Acho que isso é bom. — Ele não parecia ter tanta certeza. Já eu fiquei mais quesatisfeita.—Achoqueapossibilidadedeserexpulsarealmenteadeixoucommedo.Apesarde
toda a dificuldade pra se adaptar aqui,Angeline não quer voltar pra casa.—QuandoRose estava fugindo, eu a escondi com Dimitri entre os Conservadores. Foi lá queconheciAngelinee,mesmonaquelaépoca,ela tinha imploradoparaqueRosea tirassedaquele mundo rural. — Dê um tempo pra ela. Isso vai se resolver e o… hum…entusiasmodelavaivoltar.Chegamos ao endereço em San Bernardino, uma loja de ferragens que parecia um
localestranhoparaumareuniãosecreta.PareiocarronoestacionamentoemandeiumamensagemparaMarcusdizendoqueestávamoslá.Nãohouveresposta.—Queestranho—eudisse.—Tomaraqueelenãotenhamudadodeideia.Eddietinhadeixadoseusproblemasamorososdeladoeestavacomaqueleolharalerta
deguardião.—Apostoqueestamossendoobservados.Seelessãotãoparanoicosquantovocêdiz,
a reunião não deve ser aqui. Elesmandaram você vir pra cá e estão procurando sinaisparaversefomosseguidos.Olheiparaele,admirada.—Nuncateriapensadonumacoisadessas.—Éporissoquevimtambém—eledisse,comumsorriso.Dito e feito. Dezminutos depois,Marcus memandou umamensagem com outro
endereço.Pelojeito,tínhamospassadonoteste.Onovolocaleraoutrolugarbarulhentoemovimentado:umrestaurante familiarcomatoresandandodeum ladoparaooutroemfantasiasdeanimaisgigantes.Eraaindamaisabsurdoqueofliperama,seéqueissoerapossível.—Elesempreescolheoslugaresmaisestranhos—comentei.Eddieestavaolhandoaoredor.—Égenial,naverdade.Barulhentodemaisparaalguémouvir.Umasaídanafrente
e outra nos fundos. E, se os alquimistas aparecessem, imagino que não fariam umescândalodiantedetantascrianças,fariam?—Achoquenão.Marcusnosencontrounaentradaenoschamoucomumgesto.—Oi, linda.Venha, temosumamesa.—EleparouparaapertaramãodeEddie.
—Prazer.Ésemprebomganharreforçosparaacausa.Eunão sabiaaocertooqueesperardosVingadores.Talvezumbandoderenegados
brutos, com cicatrizes de batalha e tapa-olho, comoWolfe. Em vez disso, o queencontramosfoiumcasaldividindoumpratodenuggets.Elestinhamlíriosdouradosnabochecha.Marcusnoslevouatéduascadeiras.—Sydney,Eddie.EstessãoAmeliaeWade.Noscumprimentamos.—Sabrinanãoestácomvocês?—perguntei.—Ah,elaestáaqui,sim—Marcusdisse,emumtomenigmático.Entendi a indireta e olhei ao redor. Eu não era a única que tinha levado proteção.
Sabrina estava escondida em algum lugar no meio da multidão, à espreita.Talvezvestindoumafantasiadeanimal.Fiqueimeperguntandoseelaterialevadoaarmaparaumlugarcomoaquele.Amelianosofereceuacomida.—Queremumpouco?Agentepediuumaporçãodequeijotambém.Recusei.Apesar da minha decisão de comer mais, frituras ainda estavam fora de
questão.—Vamosaoqueinteressa—eudisse.—Vocêsiammecontarsobreastatuagense
essatarefamisteriosaquetêmparamim.Waderiu.
—Elajáquerpôramãonamassa.—Éaminhagarota—Marcusdisse,maseracomoseeledissesse: Épor issoque
precisamos dela para a causa. Ele esperou até que uma garçonete vestida de gatotrouxesse a porção de queijo e anotasse nossos pedidos. Pelomenos imaginei que fosseumagarçonete.Eradifícildefinirogêneroportrásdafantasia.—O processo da tatuagem é simples—Marcus disse, depois que a garçonete se
afastou.—FaleipravocêqueosalquimistasconseguemcolocarcompulsãoMoroinela,certo?Paralimitaracomunicação…entreoutrascoisas,senecessário.Eu ainda não sabia se deveria acreditar na ideia de controle mental através das
tatuagens,masdeixeiqueelecontinuasse.— Quando os Moroi ajudam a fazer a tinta com o sangue, os usuários de terra
colocamacompulsãoqueevitaque falemossobrevampiros.Amagiade terraestáemharmonia com os outros três elementos: ar, água e fogo. Essa harmonia dá poder àtatuagem. Então se você conseguir um pouco de tintamágica e pedir para umMoroidesfazeramagiadeterranela,issodestróiolaçocomosoutroselementoseacabacomqualquercompulsãoládentro.Ésóinjetaressatinta“rompida”natatuagemqueelavaiquebraraharmoniadosoutroselementostambém,oque,porsuavez,destróitodasasoutrascoerçõesqueosalquimistaspossamtercolocadonela.Eddieeeuficamosolhando.—É“só”issoqueeuprecisofazer?—perguntei,incrédula.—Émais fácil do que parece—Amelia disse.—Aparte difícil…Bom,Marcus
acrescentououtraetapaaoprocesso.Nãoéestritamentenecessária…masajuda.Estávamosalihaviadezminutos,eeujáestavacomdordecabeça.—Vocêdecidiuimprovisarumpouco?A risada queMarcus soltou era contagiante como sempre…exceto que,mais uma
vez, a situação não era muito engraçada. Ele fez uma pausa, parecendo esperar queríssemostambém.Quandonãorimos,retomouaexplicação.— É um ponto de vista. MasAmelia está certa: ajuda.Antes de deixar qualquer
pessoa romper a tatuagem, peço que realizem uma tarefa. Uma tarefa que vádiretamentecontraosalquimistas.Eddienãoconseguiumaisseconter.—Comoumritualdeiniciação?—Maisdoqueisso—Marcusrespondeu.—Tenhoumateoriadeque,aofazeralgo
assim,quedesafietodootreinamentoquevocêteve,acompulsãoenfraqueceumpouco.Normalmenteatarefaenvolveinfiltraçãoeajudaacausa.Esseenfraquecimentoajudaanova tinta a surtir efeito.Além disso, é um bom teste. Desativar a tatuagem nãosignifica que você esteja pronta pra sair.Não desfaz anos de condicionamentomental.Tento encontrar pessoas que se consideram prontas pra se rebelar, mas, às vezes, nahoraH,elasdãoparatrás.Melhordescobrirantesdemexernatatuagem.MevireiparaAmeliaeWade.—E vocês dois fizeram isso?Cumpriramumdesafio e então suas tatuagens foram
desativadas?Osdoisassentiram.— Só precisamos selar com o azul agora. —Ao notar minha confusão,Wade
explicou: — Mesmo depois de romper os elementos, a tatuagem ainda pode serretocada.Alguémpoderiafazerissoàforçaecompelirvocê.Tatuaremcimacomtintaazulgarantequevocênuncavolteasercontrolado.—Eeuaquiachandoqueasuaerasóumaescolhaestética—eudisseaMarcus.Eletocoudistraidamenteasmeias-luas.—Ah,odesenhoé.Masatintaéobrigatória.Éumamisturaespecialbemdifícilde
conseguir;sóconheçoumcaranoMéxicoquefaz.VoulevarAmeliaeWadeparalánaspróximassemanas,praselaradeles.Vocêpodeircomagente.Ignoreiasugestãomaluca.—Essa tinta azul não deixameio óbvio para os alquimistas que alguma coisa está
acontecendo?—Ah,jásaímosdosalquimistas—Ameliadisse.—Nãoestamosmaiscomeles.Maisumavez,Eddieentrounaconversa.—Masvocês acabaramde falar sobre infiltração.Porquenãocontinuar realizando
missões secretas depois que os elementos estiverem rompidos?Ainda mais se isso jábastapara libertarvocês?Suas tatuagensestão iguais àsdaSydneyagora.Se realmenteacham que tem alguma coisa suspeita acontecendo, por que não trabalhar de dentro eesperarparaselaratatuagem?—Muitoarriscado—Marcusrespondeu.—Apessoapoderiacometerumdeslizee
dizeralgoqueatatuagemnãodeixariaantes.Ou,senãotomassecuidado,elespoderiamvê-la indo encontrar os outros. Então a mandariam para a reeducação, ondeconsertariamatatuagem.—Pramimparecequevalecorreresseriscopraconseguirmaisinformações—eu
disse.—Seapessoatomarcuidado…Marcusfezquenão,semobomhumordesempre.—Conheço pessoas que tentaram. Elas achavam que ninguém estava desconfiando
delas,eestavamerradas.Nãovamosmaiscometeresseerro.—Eletocouatatuagemde novo.— É assim que fazemos as coisas agora.Você completa a missão, rompe atatuagem,saidosalquimistaseselaatatuagem.Depois,trabalhamosdefora.Tambémnospoupaaperdadetempocomostrabalhinhosrotineirosdosalquimistas.—Entãoexistemoutros?—perguntei,entendendooqueelehaviainsinuado.—Claro.—Eleretomouobomhumor.—Vocênãoachouqueéramossónóstrês,
achou?Parafalaraverdade,eunãofaziaideia.— Então é isso que está me oferecendo: uma promessa duvidosa sobre a minha
tatuagem,massóseeucometerumatraiçãozinhaporvocês.—Estou oferecendo sua liberdade—Marcus corrigiu.—E a chance de ajudar os
Moroieosdampirossemfazerpartedenenhumaconspiração.Doseuprópriojeito.
Eddieeeunosentreolhamos.—Porfalaremconspiração—eudisse—,agoravocêspoderiammecontarsobre
essasupostaconexãoentrealquimistaseguerreiros…aquelaquevocêsprecisamqueeuprove.Otrionempercebeuosarcasmo,detãoempolgados.—Exato—Marcusdisse.—Contepraela,Wade.Wadeterminoudecomerum nuggetcobertocommolhorancheentãosedebruçou
sobreamesa.— Pouco antes deme juntar aMarcus, fuimandado para a base de St. Louis. Eu
trabalhavanasoperações,cuidandodoacessodevisitantes, fazendotours…nadamuitointeressante.Assenti. Pelomenos aquilome era familiar. Fazer parte dos alquimistas significava
cumprir todo tipo de função. Às vezes, isso implicava destruir corpos de Strigoi. Àsvezes,fazercaféparasupervisoresemvisita.Tudoemproldacausamaior.—Vimuitascoisas.Querdizer,vocêdeveimaginar.—Elepareceuconturbado.—
Asposturasseveras.Asregrasrígidas.AlgunsMoroivisitavam,sabe.Eugostavadeles.Ficava feliz por estarmos ajudando, apesar de todomundo aomeu redor agir como seajudar criaturas tão “malignas” fosse um destino terrível que éramos obrigados acumprir.Euaceitavaporquepensavaquenosdiziamaverdade.Enfim,certasemana…juro,houve ataquesdeStrigoi semparar em todoopaís.Acontece às vezes, sabe.Osguardiões mataram a maioria deles, e os alquimistas em campo estavam ocupadosacobertando tudo. Embora quase tudo estivesse resolvido, fiquei me perguntando porque sempre lidávamos só com as consequências se tínhamos tantos recursos.Tipo, eunão achava que deveríamos perseguir os Strigoi, mas deveria haver uma maneira deajudar osMoroi e guardiões a seremmais proativos. Então…mencionei isso aomeusupervisor.Marcus eAmelia estavam com expressões profundamente sinceras, e até eu estava
curiosa.—Oqueaconteceu?—pergunteibaixinho.OolhardeWadepareciavoltadoparaopassado.—Fuimuito repreendido.Meus superiores ficavam repetindo semparar como era
erradoterideiascomoessasobreosMoroi,quediráfalaressetipodecoisaemvozalta.Eles nãomemandaram para a reeducação,masme suspenderam por duas semanas e,tododia, eu tinhaqueouvir sermões sobre comoeraumapessoa terrível eque estavaprestes a ser corrompido.Terminada a suspensão, eu já acreditava neles… até queconheciMarcus.Elemefezperceberqueeunãoprecisavamaislevaraquelavida.—Entãovocêsaiu—eudisse,sentindoumrespeitoinesperadoporMarcus.—Sim.MasnãoantesdecompletaramissãoqueMarcusmedeu.Conseguipegara
listaconfidencialdevisitantes.Issofoiumasurpresa.Osalquimistassempreestavamcobertosdesegredos.Embora
amaioriadasnossas ações fosse registradadiligentemente,havia algumascoisasqueos
líderesdoaltoescalãonãoqueriamqueorestodasociedadesoubesse.Tudo,claro,pelobemmaior.A lista confidencial detalhava as pessoas que tinham acesso a essas coisas,mas que os chefões queriam manter em segredo. Não era algo que um alquimistacomumpoderiaver.—Vocêéjovem—eudisse.—Nãoteriaacessoaalgoassim.Waderiu.—Claro que não. Por isso a tarefa foi difícil.Marcus nãomanda a gente cumprir
tarefasfáceis.Preciseifazermuitascoisasperigosas,coisasquemedeixaramfelizporterfugidodepois.Alistanosmostrouaconexãocomosguerreiros.— Estava escrito “Reunião ultrassecreta com caçadores de vampiros”? — Eddie
perguntou.Além de suas habilidades de proteção, era por causa de momentos comoaquelequeeugostavadetê-locomigo.Wadeficousemgraçacomaironia.—Não. Ela estava toda codificada.Quer dizer, não dava nomes completos, só as
iniciais.Nemeuconseguipegarosnomescompletos.MasumdosregistroseraZ.J.Marcus e seus Vingadores me olharam com expectativa, como se isso devesse
significar algo para mim.Voltei a olhar para Eddie, mas ele estava tão desorientadoquantoeu.—Oquequerdizer?—perguntei.—Zebulon Jameson—Marcus respondeu.Mais uma vez, houve ummomento de
expectativa. Não disse nada, e Marcus pareceu incrédulo. —Você esteve com osguerreiros.Nãoselembradele?MestreJameson?Eu lembrava, sim. Era uma das autoridades do alto escalão dos guerreiros, um
homemintimidadordebarbagrisalhaqueusavaummantodouradoantiquado.— Não sabia o primeiro nome dele— respondi.— Mas não é meio exagerado
deduzirqueelesejaotalZ.J.?Talvezseja,seilá,ZacharyJohnson.—OuZekeJones—Eddiesugeriu.Agatavoltoucomoutra limonadaparaMarcuse logo tiveaprovadequeerauma
mulher.— Obrigado, querida — Marcus agradeceu, abrindo um sorriso que quase a fez
perderossentidosederrubarabandeja.Quandoelesevoltouparanós,tinharetomadoaposturaprofissional.—ÉaíqueentraSabrina.PoucoantesdeWadeconseguiralista,elaouviumestreJamesonfalarcomumdeseuscomparsassobreumaviagemquefariaaSt.Louis,umaviagememquepoderiadescobrirpistassobreumameninadesaparecida.Foinamesmaépoca.—Éuma grande coincidência—eu disse.Mas, aomesmo tempo,me lembrei de
uma coisa que Sonya Karp sempre dizia sobre omundo dosMoroi e dos alquimistas:Nãoexistemcoincidências.— Quem é essa menina desaparecida de quem eles estavam falando? — Eddie
perguntou,cauteloso.Olhei para ele e imediatamente entendi o que estava pensando. Uma menina
desaparecida em que os guerreiros estavam interessados. Havia uma meninadesaparecida em que os Moroi estavam muitíssimo interessados também. E que osalquimistasestavamdeterminadosemmanteremsegurança.ElaeraomotivopeloqualeuestavaalocadaemPalmSprings,aliás.Naverdade,euestavafingindoserirmãdela.Jill.NãodissenadaevolteiameconcentraremMarcus.Eleencolheuosombros.—Não faço ideia; só sei que encontrar essamenina causariamuitos problemas aos
Moroi.Osdetalhes aindanão importam.Antes,precisamosprovaro contato entreosgrupos.Os detalhes eram imensamente importantes para mim e Eddie, mas eu não tinha
certezadoquantoMarcuseseusamigossabiamsobreJill.Nãopodiademonstrarmuitointeresse.— E é isso que vocês querem de mim?— perguntei, me lembrando da conversa
anterior.—Ecomoeuconseguiria isso?Visitandomestre Jamesoneperguntandopraele?—Todos os visitantes são filmados quando passam pelas entradas de segurança—
Wade disse. — Mesmo os ultrassecretos.Você só precisa roubar uma cópia dessesvídeos.Estãotodosarmazenadosnoscomputadoresdeles.Aquelaspessoastinhamumaideiamuitodiferentedosignificadodapalavra“só”.—Eu sou uma alquimista a trabalho em Palm Springs— eu os lembrei.—Não
uma hacker. Nem fico em St. Louis! Como eu faria para entrar lá e roubar algumacoisa?Marcus inclinou a cabeça para me examinar, fazendo com que alguns fios de seu
cabelodouradocaíssemparaafrente.—Achoquevocêéperfeitamentecapazdeimprovisar.Nãoconsegueencontrarum
jeitodeirparaSt.Louis?Algummotivoprafazerumavisitaaalguém?—Não! Eu não teria como…—Minha voz foi perdendo a força enquanto eume
lembravadocasamento.Ian,comseuolharapaixonado,haviameconvidadoparavisitá-loemSt.Louis.Eletiveraaaudáciadeusarasfestasdefimdeanocomoumamaneiradeaumentarsuaschancescomigo.OsolhosdeMarcusbrilharam.— Já pensou em alguma coisa, não pensou?Você é genial, eu sabia. —Amelia
pareceuincomodadaaoouviroelogio.—Seriaarriscado—eudisse.—Ésempreassimcomagente—Marcusretrucou.Aindanãoestavaconvencida.—Conheçoalguémlá,masprecisariadepermissãoprair,oquenãoserianadafácil.
— Olhei para cada um deles. — Vocês sabem como é. Todos vocês já foramalquimistas.Sabemquenãopodemossimplesmentetirarfériasquandotemosvontade.WadeeAmeliativeramopudordeparecerconstrangidos,masMarcusnãosedeixou
abater.—Você vai deixar essa chance passar? Mesmo que não queira se juntar a nós ou
alterar a tatuagem, pelo menos considere.Você viu os guerreiros.Viu do que sãocapazes.Podeimaginaroqueaconteceriasetivessemacessoaosrecursosalquimistas?—Étudocircunstancial—argumentouacientistadentrodemim.—Sydney—Eddiedisse.Mevireiparaeleevialgoemseuolharquejamaisesperaria:súplica.Elenãoligava
para as conspirações alquimistas ou para osVingadores deMarcus.Mas se importavacomJill,etinhaouvidoalgoqueofezpensarqueelapoderiaestaremperigo. Issoerainaceitável para ele. Ele faria qualquer coisa em seu poder paramantê-la segura,masmesmoele sabiaquenãoeracapazderoubar informaçõesdosalquimistas.Eutambémnão era,mas ele não sabia disso. Confiava emmim, e agora, silenciosamente, estavaimplorandoparaqueeuajudasse.Marcusaproveitouomomento:—Você não tem nada a perder… quer dizer, se não for pega. Se conseguir as
imagens e não encontrarmos nada… bom, que seja.Alarme falso. Mas se tivermosprovas concretasdeque Jamesonesteve lá,nãoprecisonemdizer a importânciadisso.Sejacomofor,vocêdeveriaromperatatuagemesejuntaranós.Alémdisso,depoisdeumafaçanhacomoessa,realmentegostariadecontinuarcomosalquimistas?—Elemeolhoufixamente.—Masadecisãoésua.Sónosajudecomissoporenquanto.Contrariandotodoomeubomsenso,minhamentejáestavacomeçandoapensarem
maneirasderealizaratarefa.—Euprecisariademuitasinformaçõessobreasoperações—murmurei.—Possoforneceressasinformaçõesavocê—Wadesevoluntariouprontamente.Nãorespondi.Aquiloeraumamaluquice—umaideiamalucadeumgrupomaluco.
Masolheipara a tatuagemdeMarcusepara amaneiracomoosoutroso seguiam…amaneira como a própria Sabrina o seguia. Eles tinham uma dedicação, uma confiançainabalável que nada tinha a ver com os flertes bobos de Marcus. Era possível querealmenteestivessemcertos.—Sydney—Eddiedissenovamente.Edessavezacrescentou:—Porfavor.Senti minha determinação enfraquecer. Uma menina desaparecida, que poderia
causarmuitos problemas se fosse encontrada. Se realmente estivessem falando de Jill,comoeupoderiacorreroriscodequealgumacoisaacontecesseaela?Maseseeufossepega?Nãosejapega,umavozinteriormedisse.Comumsuspiro,mevireiparaWade.—Certo—eudisse.—Mepasseasinformações.
13
Wademecontoutudooquesabia .Eraminformaçõesúteis,maseunãotinhacertezaseseriamsuficientes.Primeiro,euprecisariairparaSt.Louis…eissojáeracomplicado.Estavamepreparandoparaostelefonemasqueteriadefazer,torcendoparaquetivesselábiasuficienteparaprocedercomoplano.Antes de empreender essa tarefa, só queria a normalidade e o conforto do meu
quarto.NocaminhodevoltaparaAmberwood,Eddieeeuanalisamostodososdetalhesdo encontro. Ele estava impaciente para fazermais algumprogresso, e prometi que omanteriaapardetudo.Eutinhaacabadodechegaràportaquandomeucelulartocou.Eraasra.Terwilliger.
Àsvezeseupodiajurarqueelatinhaumsensornafrentedomeuquartoqueaavisavanoinstanteemqueeuaparecia.—Srta.Melbourne—eladisse.—Precisamosnosencontrar.Meucoraçãoparou.—Nãoéoutravítima,é?Vocêdissetínhamostempo.— E temos— ela respondeu.— Por isso é melhor nos encontrarmos logo. Ler
sobrefeitiçoséumacoisa,masvocêprecisapraticar.MerecusoadeixarVeronicapegarvocê.As palavras dela desencadearam um misto de sentimentos dentro de mim.
Naturalmente, sentiminha reação automática contra a prática demagia.Mas ela logodiminuiu diante da descoberta de que a sra. Terwilliger gostava de mim e estavapreocupadacomaminhasegurança.Meuprópriodesejodenãoentraremcomatambémeraumamotivaçãoforte.—Quandoasenhoraquermeencontrar?—perguntei.—Amanhãdemanhã.Percebiqueodia seguinteera sábado.Mas já?Ondeminhasemana tinha idoparar?
Eu tinhaplanejado levarAdrianparabuscarocarrodelenamanhã seguinteeesperavaquenãofossedemorardemais.
—Podeseraomeio-dia?Tenhoumcompromissodemanhã.—Tudobem—a sra.Terwilligerdisse, um tanto relutante.—Meencontre em
casaeentãoiremosparaoParquedaPedraSolitária.Euestavaprestesadeitarnacamamasparei.—Porqueprecisasernomeiododeserto?—OParquedaRochaSolitáriaeralonge
eraramenterecebiamuitosturistas.Eunãotinhameesquecidodomedoquesentiradaúltimavezqueelatinhamelevadoparaomeiodonada.Pelomenosdessavezseriaàluzdodia.—Bom,achodifícilconseguirmospraticarnaescola—elaargumentou.—Verdade…—Tragaseuslivroseoscomponentesemquevemtrabalhando.Desligamos e escrevi uma mensagem rápida paraAdrian: Precisamos ser rápidos
amanhã.Vou encontrar a sra. T ao meio-dia . A resposta dele não foi totalmenteinesperada:Porquê? Claro que ele precisava saber de tudo que estava acontecendo naminha vida.Respondi que a sra.Terwilliger queria trabalharminha proteçãomágica.Dessa vez ele realmente me surpreendeu: Posso assistir? Queria saber como ela estáprotegendovocê.Uau,Adrianpedindopermissão?Eletinhaumhistóricodesimplesmenteseconvidar
para os passeios. Hesitei, ainda confusa depois do nosso momento acalorado nafraternidade.Noentanto,elenãotinhatocadonoassuntodesdeentão,esuapreocupaçãomecomoveu.Respondiquesimeelemandouumacarinhafeliz.Nãosabiaexatamenteoquevestirparaum“treinamentomágico”,então,namanhã
seguinte,opteiporroupasconfortáveis.AdrianmeolhoudecimaabaixoquandoentrounoPingado.—Casual,hein?NãovejovocêassimdesdeostemposdoWolfe.—Nãoseioqueela tememmente—expliquei, fazendoumacurvaemUna rua
dele.—Imagineiqueseriaamelhoropção.—VocêpodiatervestidoacamisetadaEIA.—Nãoqueriasujar—eudisse,sorrindo.Emparte,eraverdade.Aindaachava lindíssimoocoraçãoemchamasqueelehavia
pintado.Massemprequeolhavaparaacamiseta,aslembrançasdaquelanoitevoltavamàminhamente.Comopudefazeraquilo?Haviamefeitoessaperguntaumacentenadevezes e toda resposta que encontrava parecia falsa. Minha teoria principal era que eusimplesmente ficara fascinada pela seriedade com queAdrian encarava a arte, pelamaneira como a emoção e a paixão tinham tomado conta dele.Asmeninas gostavamtanto de artistas quanto debad boys, não é? Mesmo agora, algo ardia em meu peitoquandopensavanaqueleolharextasiadoemseu rosto.Adoravaqueele tivesse algo tãopoderosodentrodesi.Mas, conforme vivia repetindo, não era desculpa para ter subido em cima dele e
deixadoelemebeijar,aindamais nopescoço!Eucomprarao livro sobre badboyspela
internet,masnão tinha ajudado emnada. Finalmente, decidi que amelhor solução—senão amais saudável—era fingir que aquilonunca tinha acontecido.Não significavaqueeuhaviaesquecido.Tantoque, sentadaao ladodelenocarro, foidifícilnãopensarnasensaçãodocorpotãopertodomeu.Ouemcomoseusdedostinhamseemaranhadonomeucabelo.Ouemseuslábios…Sydney! Pare. Pense em outra coisa. Conjugue verbos em latim. Recite a tabela
periódica.Nada disso adiantou. Pelo menos Adrian continuou não comentando nada sobre
aquelanoite.Porfim,encontreiumadistraçãoaocontaraelesobreaviagemparaSanBernardino.Discutirsobreconspirações,gruposrebeldeseinvasõespraticamenteacaboucom todos os sentimentos ardentes que permaneciam emmim.Adrian não gostou daideia de que os alquimistas estivessem trabalhando com os guerreiros ou de que atatuagemestivessemecontrolando,mastambémnãoqueriaqueeumeenvolvessenumasituação perigosa.Tentei minimizar a quase impossibilidade de invadir a base de St.Louis,maseleclaramentenãoacreditouemmim.A sra.Terwilliger me mandou duas mensagens pedindo que eu não me atrasasse.
Fiqueideolhonorelógio,masocuidadocomoMustangeraalgoqueeulevavamuitoasério, e precisei me demorar na oficina para garantir que ele estava em perfeitascondições.Adrianqueriacomprarospneusbásicos,mas insistiparaquecomprasseunsdemelhorqualidade,convencendo-odequeocustoextravaleriaapena.E,depoisqueos inspecionei,me parabenizei pela escolha. Só depois deme certificar de que o carronãohavia sofridonenhumarranhãodesnecessário,deixeiqueelepagasse.Dirigimososdois carros atéVistaAzul, e fiquei contente quando chegamos bem na hora. Nãoestávamosatrasados,masasra.Terwilligerjáesperavapornósnaentrada.DesignamosAdriancomoomotoristadogrupo.—Céus—eudissequandoelaentrouapressadanocarro.—Asenhoratemqueira
algumlugardepois?Elameabriuumsorrisotenso,enãopudedeixardenotarapalidezemseurosto.—Não,mas temospouco tempo.Lanceiumfeitiçograndehojedemanhãquenão
vaidurarprasempre.Estamosemcontagemregressiva.Ela não disse mais nada até chegarmos ao parque, e esse silêncio me deixou
apreensiva,imaginandotodotipodecenárioassustador.Emboraconfiassenela,sentiumalíviosúbitoporterAdrianconosco.Apesar de não ser muito movimentado, o Parque da Rocha Solitária tinha alguns
excursionistas esporádicos. A sra. Terwilliger — que, aliás, estava com botas deexcursionista — caminhou pelo terreno rochoso em busca de um lugarconvenientemente afastado para fazermos o que tinha em mente.Algumas formaçõesrochosasestratificadaspontilhavamapaisagem,maseunãoconseguiaapreciardireitoabelezadelas.Namaiorpartedotempofiqueipensandosobrecomoestávamosnodesertosobosolapino.Mesmonãosendoverão,aindasofríamoscomocalor.OlheiparaAdrianenquantocaminhávamoseviqueeletambémestavaolhandopara
mim.Dobolsodocasaco,tirouumprotetorsolar.—Sabiaquevocêiaperguntar.Estouquasetãopreparadoquantovocê.—Quase—eudisse.Eletinhaprevistomeuspensamentosdenovo.Porumafração
de segundo, fingi que éramos só nós dois em uma agradável caminhada vespertina.Parecia que a maior parte do tempo que passávamos juntos era em alguma missãourgente. Como seria só passarmos o tempo sem o peso domundo nas costas?A sra.Terwilligerlogonostrouxedevoltaàdurarealidade.—Aqui deve servir — ela disse, examinando o terreno ao seu redor. Ela tinha
conseguidoencontrarumadasáreasmaisdesoladasdoparque.Eunãoficariasurpresasevisseurubuscirculandonocéu.—Trouxetudooquepedi?— Sim, senhora. —Ajoelhei e vasculhei minha bolsa. Dentro estava o livro de
feitiços,alémdealgumasmisturaslíquidaseherbáceasqueeutinhafeitoapedidodela.—Pegueocombustíveldeboladefogo—elainstruiu.OsolhosdeAdriansearregalaram.—Vocêdisse“boladefogo”?Dahora.—Você vê magia de fogo o tempo todo — eu o lembrei. — Dos Moroi que
conseguemlançar.—Sim,masnuncaviumhumanofazerumacoisadessas.Nuncavi você fazeruma
coisadessas.Teria preferido que ele não parecesse tão impressionado, porque me lembrou da
gravidadedoqueestávamosprestes a fazer.Eu teriame sentidomelhor seele tratasseaquilocomosenãofossenadademais.Masaquelefeitiçoeramesmoassombroso.Uma vez eu lançara um feitiço que envolvia atirar um amuleto produzido
meticulosamente recitandopalavras queo faziamarder emchamas.Tinhaumenormecomponente físico. Jáesseeraumdosmaismentais eenvolvia,basicamente, a criaçãodefogodonada.Ocombustívelaqueasra.Terwilligerhaviasereferidoeraumabolsinhacomcinzas
demadeira de teixo queimada. Ela a pegou dasminhasmãos e examinou o conteúdo,murmurandoemaprovação:—Sim,sim.Muitobom.Uniformidadeexcelente.Vocêqueimoupelotempoexato.
—Eladevolveuabolsinha.—Mas,comotempo,nãovaimaisprecisardisso.Éoquetorna esse feitiço tãopoderoso.Elepode ser realizadomuito rápido, compouquíssimapreparação.Masvocêprecisapraticarmuitoparachegaraessenível.Fizquesimetenteiagircomoumaestudante.Atéaquelemomento,oqueeladizia
eraparecidocomoqueolivrotinhadescrito.Seeupensasseemtudoaquilocomoumexercícioextraclasse,erabemmenosintimidante.Nemumpoucoassustador.Asra.Terwilligerinclinouacabeçaeolhouatrásdemim.—Adrian?Talvezvocêqueiraficarmaislonge.Bemlonge.Tá.Talvezumpoucoassustador.Ele obedeceu e se afastou. Aparentemente, a sra. Terwilliger não temia por si
mesma,poiscontinuouapoucosmetrosdemim.
—Agora—elacomeçou—,apliqueascinzaseestendaamão.Pus amão dentro da bolsinha, tocando as cinzas com o polegar e o indicador. Em
seguida, esfreguei de leve todos os dedos uns nos outros até que toda a palma damãoestivessecobertaporumafinacamadacinzenta.Coloqueiabolsinhanochãoeestendiamão,comapalmavoltadaparacima.Eusabiaoquevinhaa seguir,masespereipelasinstruções.—Reúnasuamagiapara invocarachamadascinzas.Semencantamento, sócoma
forçadevontade.Amagiasurgiudentrodemim.InvocarumelementomelembravadoqueosMoroi
faziam,oquefoiumpoucoestranho.Meuesforçoresultouemumafaíscavermelha,quepairouno ar sobre apalmadaminhamão.Aospoucos, foi crescendoe crescendo, atéficardotamanhodeumaboladetênis.Oêxtasedamagiatomoucontademim.Prendia respiração, mal conseguindo acreditar no que tinha acabado de fazer.As chamasvermelhas se retorciam e giravam e, embora eu pudesse sentir seu calor, não mequeimavam.A sra.Terwilliger soltou um resmungo que parecia ao mesmo tempo divertido e
surpreso.— Excelente. Às vezesme esqueço do seu talento natural. Essa ainda é vermelha,
mas algomedizquenãovaidemorarmuitoparavocêconseguirproduzirbolas azuis,semprecisardascinzas. Invocarelementosémais fácildoque tentar transformarumasubstânciaemoutra.Fiqueiolhandopara a bolade fogo, em transe,mas logopercebi que estava ficando
cansada.Aschamasbruxulearameforamdiminuindoatédesapareceremporcompleto.—Quantoantesvocêatirarabola,melhor—eladisse.—Vaiconsumirtodaasua
energia tentando sustentá-la. É melhor lançá-la contra o adversário e invocar outra.Tentedenovoe,dessavez,atire.Invoquei o fogo mais uma vez e senti uma pontada de satisfação ao ver que ele
assumiu um tom mais alaranjado. Eu havia aprendido logo nas primeiras aulas dequímicana infânciaque,quantomaisclaraachama,commaiscalorela ardia.Mesmoassim,aindapareciafaltarmuitoparachegaraoazul.Eentão…atirei.Quer dizer, tentei. Meu controle sobre a bola vacilou quando tentei lançá-la na
direção de um trecho descampado. Ela se desfez, e as chamas se transformaram emfumaça,quefoilevadapelovento.— É difícil — me justifiquei, sabendo como a desculpa soava esfarrapada. —
Segurar abola e atirarpareceumsimplesmovimento físico.Maspreciso fazer isso aomesmotempoquecontroloamagia.— Exato. —A sra.Terwilliger parecia muito satisfeita. — E é aí que entra a
prática.Felizmente, não precisei de muitas tentativas para descobrir como fazer tudo dar
certo aomesmo tempo.Adrianme aplaudiu quando consegui atirar uma bola de fogo
direito, resultando emumbelo lançamento que atingiu comperfeição a pedra emqueestava mirando. Lancei um olhar triunfante para a sra. Terwilliger e esperei pelopróximo feitiço que treinaríamos. Para a minha surpresa, ela não pareceu tãoimpressionadaquantoeuesperava.—Denovo—eladisse.—Mas já aprendi— protestei.—Deveríamos praticar outro. Eu estava lendo a
segundapartedolivro…—Vocênãoestáprontaparaissoainda—elamerepreendeu.—Seachaessefeitiço
cansativo, desmaiaria só de tentar osmais avançados.Vamos.— Ela apontou para ochãoáridododeserto.—Denovo.Euqueriadizerque,paramim, era impossível não avançarna leituradeum livro.
Eracomoeufuncionavaemtodasasmatérias.Masalgomediziaquenãoeraomelhormomentoparafazeressecomentário.Elamefezpraticarolançamentoinúmerasvezes.Depoisqueficouconvencidadeque
eu tinha aprendido,me fez praticar o aumento do calor do fogo. Finalmente conseguichegaraumtomamarelo,masnãomaisqueisso.Entãopreciseirealizarofeitiçosemas cinzas. Quando cheguei a esse ponto, voltamos a praticar os lançamentos. Elaescolheudiversosalvoseacerteitodoscomfacilidade.—PareceSkee-Ball—murmurei.—Fácilesemgraça.—Sim—asra.Terwilligerconcordou.—Éfácilacertarobjetosinanimados.Mas
alvosemmovimento?Alvosvivos?Nãoétãofácilassim.Então,vamospassarparaessaparte?Aboladefogoqueeuestavasegurandodesapareceucomaminhasurpresa.—O que a senhora quer dizer?— Se ela esperava que eu começasse amirar em
pássaros ou roedores, estavamuito enganada. Jamais incineraria algo vivo.—O quevocêquerqueeuacerte?Asra.Terwilligerajeitouosóculoserecuoualgunspassos.—Eu.Espereieladizerqueeraumapiadaou,pelomenos,maisalgumaexplicação,masela
ficou em silêncio. Olhei paraAdrian atrás de mim, na esperança de que pudesse meexplicaraquilo,maselepareciatãoespantadoquantoeu.Olheiparaochãochamuscadoondeminhasoutrasbolasdefogohaviamacertado.—Asenhoranãopodemepedirparafazerisso.Elaentreabriuumsorriso.—Garantoqueposso.Váemfrente,nãovaimemachucar.Preciseipensarporalgunssegundosparaformularumaresposta.—Euatiromuitobem.Possoacertarasenhora.Elarespondeucomumarisadasincera.—Acertar,sim.Machucar,não.Váemfrenteeatire.Nãotemosmuitotempo.Eu não sabia quanto tempo havia se passado exatamente, mas o sol estava
definitivamente mais baixo no céu. Voltei a olhar para Adrian, pedindo ajuda em
silêncioparalidarcomaquelainsanidade.Eledeudeombros.—Vocêétestemunha—disseparaele.—Ouviuqueelamemandoufazerisso.Eleassentiu.—Vocêécompletamenteinocente.Respirei fundo e invoquei a próxima bola. Estava tão exausta que ela se acendeu
vermelha e tive que me esforçar para aquecê-la. Então levantei os olhos para a sra.Terwilliger e me preparei para o lançamento. Era mais difícil do que eu tinhaimaginado, e não só porque eu estava commedo demachucá-la.Atirar algo no chãoquase não exigia pensamento.A concentração nesse caso ficava apenas na mira. Masenfrentarumapessoa,olharnosolhosdelaevê-larespirar…bom,elaestavacerta.Eracompletamentediferentedeacertarumobjetoinanimado.Comeceiatremer,semsaberseconseguiriafazeraquilo.—Estáperdendo tempo—elaadvertiu.—Estáconsumindosuaenergiadenovo.
Atire.Aordemmefezagir.Euatirei.Aboladefogovooudaminhamãodiretamentecontraela—masnãoencostou.Não
consegui acreditar nos meus próprios olhos. A uns trinta centímetros da sra.Terwilliger,abolaatingiuumabarreirainvisível,dividindo-seemchamaspequenasquelogosedissiparamemfumaça.Fiqueiboquiaberta.—Oquefoiisso?—exclamei.—Um feitiço de escudo poderosíssimo— ela disse, visivelmente satisfeita com a
minha reação. Ela ergueu um pendente que estava escondido sob a blusa.Não parecianadadeespecial, sóumacornalinaenvolta em fiosdeprata.—Fazerumdesses exigemuitoesforço…emantê-lo,aindamais.Oresultadoéumescudoinvisível,comovocêpercebeu,quequasenenhumataquefísicooumágicopodepenetrar.Adrianlogoestavaaomeulado.—Quer dizer que existe um feitiço que deixa você protegido de qualquer coisa e
você sópensouemmencionar agora?Vocênãoparade falarqueSydneyestá correndoperigo! Por que não ensina só esse?Assim sua irmã não poderá encostar nela. —EmboraAdrian não parecesse prestes a atacá-la como havia acontecido com Marcus,estavaquaseigualmentefurioso.Seurostoestavainflamado;seuolhar,duro.Elecerrouospunhos,masachoquenempercebeu.Eramaisumadaquelasreaçõesinstintivas.Asra.Terwilligerpermaneceufirmediantedaraivadele.— Se fosse tão simples, acredite, eu faria isso. Infelizmente, há muitas questões
envolvidas. Uma é que Sydney, apesar de ser um prodígio, não tem poder suficientepara lançaresse feitiço.Euquasenãotenhopodersuficiente.Outroproblemaéqueeleduramuitopouco,eéporissoqueestouinsistindotantonaquestãodotempo.Elesósemantém por seis horas e exige tanto esforço que não dá para simplesmente ativá-lo esustentá-lopelotempoquevocêquiser.Jáestouexaustaeficareiaindamaisdepois.Nãovou conseguir lançar esse feitiço, e acho que nenhum outro, por mais um dia… nomínimo.ÉporissoqueprecisoqueSydneyestejasemprepreparada.
Adriane eunãodissemosnadade imediato.Euhavianotadoo cansaçodelaquandoelaentraranocarro,masnãotinhapensadomuitoarespeito.Aolongodotreino,havianotadoqueelaestavasuandoeparecendoaindamaiscansada,mastinhaculpadoocalorporisso.Sóagoraconseguiaentenderplenamenteaextensãodoqueelahaviafeito.—Porqueseesforçoutanto?—perguntei.—Paramantervocêviva—elarespondeu,seca.—Agoranãofaçacomquetenha
sidoemvão.Sótemosmaisumahoraatéofeitiçoperderaforçaevocêprecisamiraremalguémsempensarduasvezes.Vocêhesitademais.Elaestavacerta.Mesmosabendoqueelaestavaprotegida,eradifícilatacá-la.Eunão
conseguia aceitar o caminho da violência. Precisava esquecer todas as minhaspreocupaçõesinternasetrataraquilocomoumjogodeSkee-Ball.Mirar,atirar.Mirar,atirar.Nãopensedemais.Em pouco tempo, consegui combater meus medos e atirar sem hesitação.A sra.
Terwilliger até tentou semoverumpouco, paramedar uma sensaçãomelhor doqueseriacombateruminimigoreal,masnãoacheimuitodifícil.Afinal,elaestavacansadaenãoconseguiacorrerdeumladoparaooutrooudesviardasbolasdefogo.Naverdade,fiqueicompena.Elapareciaprestesadesmaiare sentiumapontadadeculpaenquantopreparavameupróximolançamento…—Ahh!Umachamasaiudaspontasdosdedosdasra.Terwilligerassimquelanceiabolade
fogo. Errei feio, e a bola desapareceu antes de chegar perto dela.A bola de fogo delapassou a menos de trinta centímetros de mim. Com um sorriso exausto, ela caiu dejoelhosesoltouarespiração.—Estãodispensados—eladisse.—Oquefoiisso?—perguntei.—Eunãotenhoumescudomágico!Elanãopareceuteramesmapreocupação.—Nem chegou perto de você.Tomei cuidado. Só queria mostrar que, por mais
“fácil e sem graça” que pareça, tudo vai pelos ares quando alguém realmente estáatacando você.Agora,Adrian, me faria o favor de trazer minha bolsa?Tenho umastâmarassecasqueachoquetantoeuquantoSydneyadoraríamoscomeragora.Ela estava certa. Eu tinhame concentrado tanto na lição que nem percebera como
estava cansada. Ela estava aindamais,mas o treino definitivamente tinhame afetado.Nuncausaramagiaportantotempo,emeucorpoestavafracoeexauridoporcausadaquedadeaçúcarnosangue.Comeceiaentenderporqueelahaviamealertadoparaficarlonge da parte realmente difícil. Praticamente engoli as tâmaras secas que ela havialevadoparanóse,emboraoaçúcarajudasse,estavaloucaparacomermais.Adriannosacompanhou gentilmente até a entrada do estacionamento, levando cada uma em umbraço.—Penaqueestamosnomeiodonada—resmungueidepoisqueentramosnocarro.
—Vocêficariasurpresocomoquantoeucomeriaagora.Achoquevoudesmaiarantesdevoltarmosparaacivilização.
—Naverdade—Adriandisse—,deveserseudiadesorte.Achoqueviumlugarnãomuitolongedaquiquandoagenteestavavindo.Eu não tinha visto nada, mas estivera preocupada demais com a lição da sra.
Terwilliger para reparar. Depois de cinco minutos na estrada, vi queAdrian estavacerto sobre o restaurante. Ele pegou a saída em uma estradinha sombria, parando noestacionamentodecascalhodeumrestaurantepequeno,recém-pintadodebranco.Fiqueiolhandoincrédulaparaaplaquetaemfrente.—“TortaseTal”?—Vocêqueriaaçúcar—Adrianmelembrou.OMustangsoltoupoeiraecascalhonoar,emearrepieipelocarro.—Apartedo“Tal”nãoémuitoestimulante.—Penseiquevocêfosseficarmaisincomodadacomapartedas“Tortas”.Apesar da minha apreensão,Tortas eTal era um restaurante bonito e limpinho.
Havia cortinas de bolinha nas janelas, e a vitrine estava cheia de todo tipo de tortaimaginável, alémde coisas“tais” comobolosde cenoura ebrownies.Éramos asúnicaspessoascommenosdesessentaanosnolugar.Pedimos nossas tortas e nos sentamos numamesa de canto. Pedi uma de pêssego;
Adrian,dechocolate;easra.Terwilliger,denozes.E,claro,eueelapedimoscaféparaa garçonete assim que nos sentamos, uma vez que havíamos passado por uma duraabstinênciadevidoàmagia.Deiumgoleeimediatamentemesentimelhor.Adrian comeu sua fatia numritmo razoável, comoumapessoanormal,mas eu e a
sra. Terwilliger devoramos as nossas como se não comêssemos havia um mês.Conversarerairrelevante.Tudooqueimportavaeraatorta.Adriannosobservoucomprazer,enãointerrompeuatéquenósduastivéssemosquaselimpadooprato.Eleapontouparaomeupratovazio.—Maisumafatia?—Vou pedir mais café. — Olhei para o prato brilhando e não pude deixar de
perceberque aquelavozinha interiorquecostumava ficarme lembrandodaquantidadedecaloriasqueeu ingeria andavaquietanosúltimos tempos.Naverdade,nempareciaestar mais dentro de mim. Eu tinha ficado brava com a “intervenção” alimentar deAdrian,mas as palavras dele acabaram tendo um impactomaior do que eu esperava.Não que tivesse alguma coisa a ver especificamente com ele, claro. Diminuirminhasrestrições alimentares era simplesmente uma ideia sensata. Só isso. — Estou bemmelhoragora.—Eupegopravocê—elemedisse.Quandovoltou,traziaumacanecaparaasra.
Terwilligertambém.—Imagineiquetambémfossequerer.Elaagradeceucomumsorriso.—Obrigada.Vocêémuitoatencioso.—Enquantoelabebia,noteiqueaindaparecia
cansada,emborativéssemosacabadodenosreabastecerdeaçúcar.Elanãopareciamaisprestesadesmaiar,masestavaclaroquenãotinhaserecuperadotãorapidamentequantoeu.
—Asenhoratemcertezadequeestábem?—perguntei.— Não se preocupe, vou ficar. — Ela deu mais um gole no café, com o rosto
pensativo.—Nãofaçoessefeitiçoháanos.Esquecioquantoeleexigedemim.Eu estava assombrada com o trabalho que ela havia tido por mim. Desde queme
identificara como uma usuária de magia em potencial, eu só vinha resistindo às suaspropostaseatémesmosendohostil.—Obrigada— disse para ela.— Por tudo… queria poder compensar a senhora
peloesforço.Elapôsacanecanamesaecolocoumaisaçúcar.—Ficofelizemfazerisso.Nãoprecisamerecompensar.Mas…depoisquetudoisso
tiver terminado, gostariamuitoquevocê conhecessemeuclã.Nãoestoupedindoparaentrar—elaacrescentou,rápido.—Sóconversar.SuspeitoqueachariaoStellemuitointeressante.—Stelle—repeti.Elanuncatinhachamadooclãpelonomeantes.—Estrelas.— Sim— ela concordou.—Nossas origens são italianas, embora, como você já
devetervisto,amagiaqueusamosvenhadediversasculturas.Euestavasempalavras.Ela tinha feito tantopormim…semdúvidanãoserianada
demaissóconversarcomoutrasbruxas,certo?Mas,seeraalgotãopequeno,porqueeuestavacomtantomedo?Arespostameocorreualgunssegundosdepois.Conversarcomoutrasbruxaseversuaorganizaçãolevariameuenvolvimentomágicoaoutronível.Euhaviaprecisadodemuito tempoparame acostumar àmagia que estavausando.Tinhasuperado muitos dos meus medos, mas parte de mim tratava a magia como umaatividade paralela. Como um passatempo. Conhecer outras bruxas mudaria tudo. Euteria que aceitar que fazia parte de algo muito maior do que um mero exercícioocasional.Conhecerumclãpareciadefinitivo.Eeunão sabia seestavaprontapara serconsideradaumabruxa.—Voupensar—eudisseporfim.Queriapoderoferecermais,masmeusinstintos
deproteçãohaviamassumidoocomando.—Jáestábom—eladissecomumpequenosorriso.Entãoseucelulartocou,eela
baixouosolhos.—PorfalaremStelle,precisoconversarcomumadasminhas irmãs.Encontrovocêsnocarro.—Elaterminouocaféesaiu.EueAdrianaseguimosalgunsminutosdepois.Euaindaestavaapreensivaemrelação
aoclãesegurei-opelobraço.Dissebaixinho:—Adrian, como cheguei a esse ponto? Estou tentando descobrir os segredos dos
alquimistas e praticandomagia no deserto!—No verão passado, quando estava comRosenaRússia, eumal conseguia tolerar a ideiadedormirnomesmoquartoqueela.Tinha ficado com vários mantras alquimistas se repetindo na minha cabeça, meadvertindo do perigo dos vampiros. E, agora, ali estava eu, aliada a vampiros equestionandoos alquimistas.AquelameninanaRússianão tinhanada emcomumcomessaemPalmSprings.Não,no fundo,ainda souamesmapessoa. Precisava ser…porque, senão,quemeu
era?Adrianmeabriuumsorrisocompreensivo.—Acho que foi uma série demotivos. Sua curiosidade. Sua necessidade de fazer a
coisa certa.Tudo isso trouxe você até aqui. Sei que os alquimistas ensinaram você apensardeumjeito,masoqueestáfazendoagora…nãoéerrado.Passeiamãonocabelo.—Mesmoassim,apesardetudoisso,nãoconsigoterumaconversinhadenadacom
oclãdasra.Terwilliger.— Você tem limites. — Com carinho, ele arrumou uma das minhas mechas
teimosas.—Nãotemmalnenhumnisso.—Marcusdiriaqueéatatuagemqueestámeimpedindo.Adriandeixouamãocair.—Marcusdizmuitascoisas.—Nãoachoqueesteja tentandomeenganar.Eleacreditanacausa,eestoumesmo
preocupada com o controlemental…mas, pra falar a verdade, é difícil acreditar quealgo esteja me impedindo quando faço coisas como essa.—Apontei para fora, ondeestava a sra. Terwilliger. — O dogma alquimista diz que essa magia é errada eantinatural.OsorrisodeAdrianvoltou.—Sefazvocêsesentirmelhor,vocêpareciabemnaturallánoparque.—Fazendooquê?Atirandobolasdefogo?—Balanceiacabeça.—Nãotemnadade
naturalnisso.—Vocêpodenãoachar,mas…enfim.Vocêestava…incrível,lançandoaquelefogo
comoumaantigadeusadaguerra.Irritada,desvieioolhar.—Falasério.Eleseguroumeubraçoemepuxoudevoltaparaele.—Estoufalandosério.Engoliemseco,semconseguirdizernada.Sóconseguiapensarnaproximidadeentre
nós, e que ele estavame segurando a uma distância de poucos centímetros. Quase tãopertoquantonafraternidade.—Nãosouumaguerreiranemumadeusa—conseguidizer,finalmente.Adrianseaproximouaindamais.—Paramim,éasduascoisas.Eu conhecia aquele olhar.Conhecia porque já o tinha visto antes. Estava esperando
queelemebeijasse,mas,emvezdisso,elepassouosdedosnomeupescoço.—Aíestá,hein?Medalhadehonra.Demoreiumtempoparaperceberqueeleestavafalandodochupão.Tinhaperdidoa
cor,masnãodesapareceraporcompleto.Meafastei.—Não!Foiumerro.Vocêestavaforadesiquandofezissocomigo.Elearqueouasobrancelha.
—Sage,me lembromuito bem de tudo o que aconteceu naquela noite.Você nãopareciatãorelutante.Estavapraticamenteemcimademim.—Nãomelembromuitodosdetalhes—menti.Eletirouamãodomeupescoçoetocouapontadodedonosmeuslábios.—Masposso ficar sónosbeijos sevocêquiser.Nãodeixomaismarcas.—Ele fez
mençãodeseaproximaremeafasteirapidamente.—Não!Issoéerrado.—Oquê?BeijarvocêoubeijarvocênoTortaseTal?Olheiaoredor,percebendosubitamentequeestávamosdandoumshowzinhoparaa
clienteladorestaurante,emboraelesnãopudessemouvir.Deiumpassoparatrás.—Asduascoisas—respondi,sentindominhasbochechasarderem.—Sefortentar
fazer algo inapropriado, o que, aliás, você disse que não tentaria mais, pelo menosescolhaumlugarmelhor!Eleriubaixinho,eobrilhoemseusolhosmedeixouaindamaisconfusa.—Estábem—eledisse.—Dapróximavezqueforbeijarvocê,prometoescolher
umlugarmaisromântico.—Eu…comoassim?Não!Nempensar!—Comeceiasairemdireçãoàportaeele
meseguiu.—Vocênãofalouquemeamariadelonge?Quenãovoltariaafalar,hum,nessas coisas? — Para alguém que teoricamente estava mantendo distância, ele nãoestavafazendoumbomtrabalho.Eeuestavamesaindoaindapioremfingirindiferença.Elemeultrapassouebloqueouasaída.— Disse que não falaria, se você não quisesse. Mas você está me dando sinais
contraditórios,Sage.—Nãoestou—eudisse,surpresaporconseguirdizeraquilonacaradele.Nemeu
acreditavaemmimmesma.—Vocêestásendopresunçosoearroganteeummontedeoutrascoisasseachaquemudeideideia.—Viu,éexatamente isso.—Aliestavaeledenovo,entrandonomeuespaço.—
Achoquevocêgostadas“outrascoisas”.Meesforceiparanãocairnadeleemeafastei.—Eugostodehumanos.Outra lição alquimista me veio à mente. Eles se parecem conosco, mas não se
engane.OsMoroi não têm amaldade dos Strigoi,mas criaturas que bebem sangue emanipulam a natureza não têm lugar no nosso mundo.Trabalhe com eles somente onecessário.Nãosomosiguaisaeles.Mantenhaomáximodedistânciapossível.Éparaobemdasuaalma.Adrian não pareceu acreditar naquilo também, mas se afastou e saiu. Eu o segui
alguns segundos depois, pensando que, naquele dia, havia brincado com fogo váriasvezes.
14
O domingo começou calmo. Estávamos nos aproximando do próximo ataque deVeronica,esentiumfrionabarrigaaopensaremqualseriaopróximopassodela…eem como estávamos demãos atadas para impedi-la. Então, recebi ajuda de uma fonteinesperadaquandomeucelulartocoueumnúmerodesconhecidoapareceunatela.Normalmenteeunematenderia,masminhavidaestavamuito longedonormalnos
últimosdias.Alémdomais,ocódigodeáreaeradeLosAngeles.—Alô?—Oi!Porfavor,aTaylor?Leveiumtempoparamelembrardaminhaidentidadesecreta.Nãomelembrei,no
entanto, de ter dado meu número verdadeiro a nenhuma das meninas que tínhamosavisadosobreVeronica.—Poisnão?—respondi,desconfiada.—AquiéAlicia,daPousadadoVelhoMundo.—Oi—eudisse,aindasemsaberporqueoucomoelaestavameligando.Elaestavaanimadaealegre,comoquandonosconhecemos.—Queriasabersevocêsjátomaramumadecisãosobreoquartoparaoaniversário
devocês.—Ah…então.Aindaestamospensando.Mas,hum,achoquevamosescolheralgum
lugarmaispertodacosta.Sabecomoé,passeiosromânticosnapraiaetudoomais.— Entendo, claro — ela disse, embora parecesse decepcionada com a perda de
hóspedes.—Semudardeideia,meavise.Estamoscomumapromoçãoestemês,entãovocês poderiam alugar a Suíte Coelhinho a um preço muito bom. Lembro que vocêcomentouquefaziavocêselembrardoseucoelhodeestimação.Comoeraonomedele?—Pulinho—eudisse,inexpressiva.—Pulinho!Verdade.Quenomefofo.— É, demais. —Tentei pensar numa maneira delicada de formular a pergunta
seguinte,masacabeidecidindoserdireta.—Alicia,comoconseguiumeunúmero?
—Ah,Jetmedeu.—Eledeu?—Sim.—Ela parecia ter superado a decepção e agora soava alegre e animada de
novo.—Elepreencheuumafichaenquantovocêsestavamaquiecolocouseunúmero.Quasesolteiumresmungo.Típico.—Bomsaber—eudisse.Fiqueimeperguntandocomque frequênciaAdriandava
meunúmeroparaaspessoas.—Obrigadaporavisar.—Éumprazer.Ah!—Eladeuumarisadinha.—Jáiameesquecendo.Suaamiga
voltou.Congelei.—Queamiga?—Veronica.Elachegouontem.Minhaprimeirareaçãofoidefelicidade.Asegunda,depânico.—Vocêcontouqueperguntamossobreela?—Ah,não.Lembreiquevocêsdisseramquequeriamfazerumasurpresa.Quasesolteiumsuspirodealívio.—Obrigada.Nós,hum,nãoqueríamosestragarasurpresa.Achoquevamospassar
aíefazerumavisitinha,masnãocontenadapraela.—Podedeixar!Desliguei e fiquei olhando para o celular.Veronica estava de volta, exatamente
quando pensávamos ter perdido o rastro dela. Liguei imediatamente para a sra.Terwilliger, mas caiu na caixa postal. Deixei uma mensagem de voz e, logo depois,mandeiumadetexto,dizendoquetinhaumanotíciaurgente.Meucelulartocouquandoestava prestes a ligar paraAdrian.Quase quis que fosseAlicia commais informaçõesparamedar,masviqueonúmeroeradeStanton.Respireifundoetenteiatendercomamaiorcalmapossível.—Srta.Sage—eladisse.—Recebisuamensagemontem.—Sim.Obrigadapormeligardevolta.Eu havia ligado no dia anterior, pouco antes de encontrarAdrian. O treinamento
mágicoda sra.Terwilliger tinhaganhadoprioridadenaqueledia,maseunãohaviameesquecidodomeuacordocomMarcus.—Eutenho,hum,umfavorprapedir—continuei.Stanton,queraramentesesurpreendia,ficouclaramentesurpresaagora.—Você sem dúvida tem o direito de pedir…mas não faz o tipo que geralmente
pedefavores.—Eu sei, eme sintomeiomal por isso. Então, se a senhora disser que não, vou
entender.—Naverdade,seeladissessenão,euteriaváriosproblemas,maseramelhornão parecer muito ansiosa.— Bom, estive pensando que vou ter que passar o Natalaqui… com os Moroi. E claro que entendo isso. Faz parte da missão, mas… bom,estariamentindo se dissesse que isso nãome incomoda. Então estava pensando se temalgumjeitodeeureceberpermissãoparairaumadasgrandescerimôniasdefimdeano.
Fariaeumesentir…ah,nãosei.Maisligada.Purificada,até.Estousemprecercadaporeles aqui, por essa corrupção, sabe? Às vezes sinto que nem consigo respirar direito.Deveparecerridículo.Cortei a tagarelice. Quando Marcus tinha sugerido que eu aproveitasse o fato de
conheceralguémemSt.Louis,euhaviapensado imediatamenteem Ian.Entãopercebiquenãoseriasuficiente.Ausentar-separaalgomaisespiritualevoltadoaogrupo,comoas cerimônias anuais de fim de ano dos alquimistas, era outra questão. Muitosalquimistasrecebiampermissãoparaviajare frequentaressascerimônias.Elasestavamrelacionadas à nossa fé e à nossa união de grupo. Inclusive, Ian tinha falado delas nocasamento,comaesperançademelevaravisitá-lo.Malsabiaelequedariacerto.Maisoumenos.— Não parece nem um pouco ridículo— Stanton disse. Isso soava promissor, e
tenteiabrirospunhoserelaxar.—Estavapensandoque talvezpudesse irantesdas fériasde inverno—acrescentei.
—Jillpodeficardentrodoslimitesdaescola,entãonãodevehavertantorisco.EEddieeAngelineestãosemprecomela.EupoderiadarumapassadinhaemSt.Louisparaumaviagemrápidanofimdesemana.—St.Louis?—Quasepudevê-lafranzindoatesta.—TemcerimôniasemPhoenix
também.Seriamuitomaispertoparavocê.— Eu sei. Só… — Torci para que meu nervosismo me ajudasse a parecer
convincente.—Eu,hum,estavapensandoemverIandenovo.—Ah,entendi.—Houveuma longapausa.—Essaéuma surpresamaiordoque
vocêquerercompareceràscerimônias.Peloquevinocasamento,vocênãopareciatãoencantadapelosr.Jansen.Então eu estava certa: Stantonpercebera a paixonite dele.No entanto, ela também
havia notado que não era recíproca. Ela era extremamente observadora, o queme fezlembrardosavisosdeMarcussobrecomoosalquimistasprestavamatençãoatudooquefazíamos.Comeceiaentenderosmedosdeleeporqueretiravaseusrecrutasdasgarrasdosalquimistastãorapidamente.Seráqueeujáestavachamandoatenção?Seráquetodasessascoisinhasquefazia,incluindoessepedido,estariamlentamentemeincriminando?Mais uma vez, torci para que o nervosismome fizesse parecer uma simples garota
apaixonada, da qual Stanton teria pena. St. Louis não era tão longe de avião, e oresultadofinaldavanamesma.—Bom,aquelaeraumaviagemprofissional.Nãoqueriadesviardonossoobjetivo.—Claro.—Apausaqueelafezaseguirfoideapenasalgunssegundos,maspareceu
durar horas.—Bom, não vejo por que não deixá-la ir.Você tem feito um excelentetrabalhoe,claro,possoentenderavontadedereencontrarrostosconhecidos.Vocêestápassandomais tempo comosMoroi do quemuitos alquimistas passarão na vida e nãohesitouquandoaqueleIvashkovsejogouemcimadevocênocasamento.Tambémnãohesiteiquandoele se jogouemcimademimna fraternidade.Ouserá
quefuieuquemejogueiemcimadele?
—Obrigada.Elameautorizouairnofimdesemanaseguinteedissequeeupoderiausarosfundos
alquimistaspara agendar aviagem.Quandodesligamos, considerei ligarpara Ian,masentãodecidiporumaabordagemmaisimpessoal.Escreviume-mailrápidodizendoqueestaria na cidade e que gostaria de encontrá-lo.Depois de pensar por alguns instantes,mandeiumamensagemparaMarcus:Tudopreparado.Chegou a hora do almoço, e Eddiememandou umamensagem perguntando se eu
poderiaencontrarJilleelenorestaurantedomeualojamento.Desciasescadasnahoramarcada e encontrei Eddie, taciturno, sentado sozinho em uma mesa. Fiquei meperguntando onde estavaAngeline e lembrei que ela não tinha sido mencionada namensagem.Emvezdefalardela,mefoqueiemquemEddiehaviamencionado.—CadêaJill?Eleapontoucomacabeçaparaooutro ladodorestaurante.Seguiseuolharevi Jill
empé, perto de umamesa, rindo e conversando. Ela estava segurando uma bandeja eparecia ter parado no caminho de volta da fila de comida. Micah e outros meninosestavamnaquelamesa,efiqueifelizdeverqueelerealmentenãopareciaterproblemasemseramigodeladenovo.—Legal—eudisse,voltandoaolharpara a comida.—Quebomqueelaestá se
dandobemcomtodomundo.Eddieolhouparamim,assombrado.—Nãovêoqueestáacontecendo?Eu estava prestes amorderminhamaçã e parei.Odiava essas perguntas ardilosas.
Significavam que eu não tinha visto alguma sutileza social, o que, aliás, não erameuforte.AoolhardenovoparaJill,tenteiadivinhardoqueeleestavafalando.—Micahestátentandovoltarcomela?—Claroquenão—Eddiedisse,comose fosseminhaobrigaçãosaber.—Eleestá
saindocomClaireCiprianoagora.—Desculpe.Nãoconsigoacompanharosnamorosde todomundo.Voucolocarna
minha lista de coisas a fazer depois de, sabe, desvendar conspirações alquimistas edescobrirseosguerreirosestãoatrásdeJill.OolhardeEddieaindaestavacravadoemJill,eeleassentiu,oquemefezpensarque
nãotinhaouvidoumapalavradoqueeutinhadito.—TraviseJuanqueremchamarJillprasair.— E daí? Ela aprendeu a lição sobre relações entre humanos e vampiros. — Eu
tambémdeveriateraprendido.—Elavaidizernão.—Mesmoassim,elesnãodeveriamincomodá-la—eleresmungou.Jill não parecia exatamente incomodada com a atenção.Na verdade, era bomvê-la
sorridenteealegredenovo.Aautoconfiançacombinavacomelaedestacava seu statusreal, eelaestavaclaramentecurtindoapaqueraqueestava rolando.Umacoisaqueeuhavia aprendido naminha educação social era que paquerar não era omesmo que saircomalguém.Minhaamiga Julia eraumaespecialistanessadiferença.Se fazia Jill feliz,
eunãovianenhumproblemanaquilo.Paradizeraverdade,quempareciamaisincomodadocomospretendentesdeJillera
Eddie. Em tese, ele tinha a desculpa de que queria protegê-la, mas aquilo pareciapessoal. Decidi trazê-lo de volta para sua própria vida amorosa, aquela com que elerealmentedeveriasepreocupar.—EAngeline,cadê?Jillcomeçouaviremnossadireção.Parecendoaliviado,Eddiesevirouparamim.—Bom,erasobreissoquequeríamosconversar.Semprequealguémqueriafalarcomigo,significavaquealgoestranhoestavaprestes
aacontecer.Emergênciasdefatonuncatinhamintrodução.Elaseramditaslogodecara.Jácoisaspremeditadaseramummistério.—Oqueestáacontecendo?—pergunteiquandoJillsesentou.—ComAngeline?ElatrocouumolharsignificativocomEddie.—Agenteachaqueelaestá tramandoalgumacoisa—eladisse.—Algumacoisa
ruim.Denovonão.OlheiparaEddie.—Elaaindaestádistante?— Sim. Ela almoçou com a gente ontem.— Ele franziu a testa.—Mas estava
estranha.Nãoconseguiuexplicarporqueandatãoocupada.Jillconcordou.—Na verdade, começou a ficar cada vezmais brava quando a gente insistiu. Era
estranho.Achoqueelasemeteuemalgumaconfusão.Merecosteinacadeira.—Angeline normalmente se mete em confusões espontâneas, não premeditadas.
Vocêsestãofalandocomoseelaestivesseplanejandoalgumacoisaemsegredo.Nãoéoestilodela.Nomáximo,estácomprandoroupascurtasescondida.Eddiepareciaquerersorrir,masnãoconseguiu.—Éverdade.Jillnãopareceutãoconvencida.—Vocêprecisafalarcomela.Descobriroqueestáacontecendo.—Por quevocêsnão falamcomela?—perguntei,olhandoparaosdois.—Vocês
estãosemprecomela.—Nós tentamos—Jillprotestou.—Mascomoeudisse,quantomais falávamos,
maisbravaelaficava.—Bom,issoconsigoentender—retruquei.—Vejam,sintomuitosetemalguma
coisaestranhaacontecendocomela.Nãoqueroqueelasemetaemconfusão,acreditememmim.Masnãopossoficarlevandoameninapelamãootempotodo.Jáarrumeiummonitordematemáticapraela.Meutrabalhoégarantirqueelacontinuenaescolaenãodestruaodisfarce.Orestoé irrelevante,esimplesmentenãotenhotempopra isso.E,seelanãofalacomvocês,porqueachamquefalariacomigo?Eutinhasidoumpoucomaisrudedoquepretendia.Realmentegostavadetodoseles.
Também não queria que houvesse problemas no grupo. No entanto, era sempre umpouco frustrante quando vinham atémim com dramas como esse, como se eu fosse amãedeles.Eleseramumasdaspessoasmaisinteligentesecompetentesqueeuconhecia.Não precisavam de mim, eAngeline não era nenhum gênio do crime. Descobrir osmotivosdelanãodeveriasertãodifícil.Nenhumdosdoisfalounadadeimediato.—Ésóquevocêémuitoboaemfalarcomaspessoas—Jilldisse, finalmente.—
Vocêsecomunicamuitobem.Essedefinitivamentenãoeraumelogioqueeuouviamuito.— Não faço nada de especial. Só sou persistente. Continuem tentando e talvez
consigam.—AoverqueJillestavaprestesaprotestar,acrescentei:—Porfavor.Nãomepeçamprafazerissoagora.Vocêssabemquetemmuitacoisaacontecendonaminhavidanomomento.Lancei um olhar significativo para os dois. Ambos sabiam sobre Marcus, e Jill
também sabia sobre a irmã da sra.Terwilliger. Depois de alguns momentos, elescaíramemsieambospareceramsemgraça.EddiedeuumacutucadinhaemJill.—Elatemrazão.DeveríamoscontinuartentandocomAngeline.—Estábem—Jilldisse.Meualívioduroupouco.—Vamostentarmaisumpouco.
Então,senãodercerto,Sydneypodeintervir.Solteiumresmungo.Quandonosseparamos,nãopudedeixardemelembrardocomentáriodeMarcusem
SanBernardino,sobrecomoosalquimistasficavampresosatrabalhosrotineiros.TenteimetranquilizarpensandoqueJilleEddiecuidariamdissosozinhos,equeeurealmentenão teria de intervir. Partindo do princípio, claro, de queAngeline realmente nãoestivesseplanejandonadacatastrófico.Infelizmente,essasnoçõeslogoforamabaladasquando,maistarde,entreinocircular
queme levaria aocampuscentral.Nos finsde semana, sóhaviaumônibusqueparavaem todos os prédios, e aquele tinha acabado de passar no alojamento masculino.EncontreiTrey sentado num banco, olhando pela janela com um sorriso no rosto.Quandomeviu,osorrisosedesfez.—Ei—eudisse,mesentandoaoladodele.Elepareciameionervoso.—Estáindo
estudar?—EncontrarAngeline,naverdade.Não tinha como fugir dela naquele dia, mas, pelo menos, se estava estudando
matemática, parecia improvável que estivesse planejando um golpe ou um incêndiocriminoso.Noentanto,aexpressãoconturbadadelemepreocupou.—Ela…não bateu em você de novo, bateu?—Não notei nenhumamarca,mas,
comAngeline,nuncadavaparasaber.—Hum?Não, não.Não recentemente.—Ele hesitou antes de voltar a falar.—
Melbourne,porquantotempoprecisaqueeufaçaisso?
—Nãosei.—Euvinhameconcentrandoemfazê-lapassarpelosproblemasatuais,não futuros.Umdiadecadavez.—Aprova finaldelavai ser antesdas férias.Seelapassar,achoquevocêficalivre.Amenosquequeiracontinuardepoisdasférias…querdizer,seelanãoestivercansandomuitovocê.Issooassustoumuitomaisdoqueeuesperava.—O.k.Bomsaber.Ele parecia tão triste quando desceu no ponto da biblioteca que fiquei pensando se
aquelasrespostasdequímicateriamvalidoapena.EugostavadeTrey.NuncapenseiqueimporAngelineaelecausariaumamudançatãoradicalemsuavida.Massupusqueessefossesimplesmenteoefeitodelanomundo.Observei enquantoele se afastavae entãomedirigi aoprédiode ciências.Umadas
professoras, a sra.Whittaker, era uma botânica amadora que sempre fornecia comprazerváriasplantaseervasparaasra.Terwilliger.Elapensavaqueasra.Terwilligerutilizavaasplantasemprojetosdeartesanato,comopot-pourrievelas,enãoera raroeuterdepegarasúltimasprovisões.Quandoentreinasaladela,asra.Whittakerestavacorrigindoprovasemsuamesa.—Oi,Sydney—eladisse,quasesemlevantarosolhos.—Coloquei tudoali,em
cimadaquelebalcão.—Obrigada.Fui até lá e fiquei surpresa ao encontrar um estoque de especiarias. Era a maior
quantidadequeeujátinhabuscadoparaela.— Ela pediu bastante coisa dessa vez — a sra.Whittaker comentou, como que
imaginandomeuspensamentos.—Realmentevaiusaralhonopot-pourri?—Ah,issoépara,hum,umpratoqueelaestáfazendo.Sabecomoé,festasdefim
deanoetudomais.Ela assentiu e voltou ao trabalho. Uma coisa que sempre ajudava em questões
alquimistas(edefeitiçariatambém)eraqueaspessoasraramente imaginavammotivossobrenaturaisparacomportamentosefenômenosestranhos.Quase considerei visitar Trey e Angeline na biblioteca, para avaliar o
comportamento dela commeus próprios olhos,mas concluí que seriamelhor nãomeenvolver.EddieeJilllidariamcomoproblema.Semmaisnadaparafazer,meatreviater esperança de que realmente poderia ficar em casa e ler naquele dia. Mas, quandovolteiaoalojamento,fuirecebidapelavisãoespantosadeMarcus,sentadonumbancodolado de fora, tocando violão. Quatro meninas estavam paradas perto dele, ouvindomaravilhadas.Caminheiatéocírculoecruzeiosbraços.—Sério?—perguntei.Marcuslevantouosolhoseabriuumsorriso.Umadasmeninaschegouasuspirar.—Oi,Sydney.Quatroparesdeolhossevoltaramparamim,exibindoummistodeincredulidadee
ciúme.—Oi—eudisse.—Vocêéaúltimapessoaqueeuesperavaveraqui.
— Nunca faço o que é previsível. — Ele jogou o cabelo para trás e começou aguardaro violãode volta no estojo.—Desculpem,meninas.Eu e Sydneyprecisamosconversar.Elasmeolharamcomaindamaisincredulidade,oquemeincomodouumpouco.Era
tão inacreditável assim que um cara bonito quisesse conversar comigo?As fãs dele sedispersaramcommávontade,eMarcuseeufomosdarumavoltapelocampus.—Você não deveria estar escondido?— perguntei.— Em vez de ficar pedindo
esmolacomoviolão?—Não pedi dinheiro pra elas emnenhummomento.Alémdisso, estou disfarçado
hoje.—Eleapontouparaabochecha,enoteiquesuatatuagemestavaquaseinvisível.—Vocêestáusandomaquiagem?—perguntei.—Nãome julgue— ele disse.—Assim posso andar por aí commais liberdade.
Sabrinameajudouaencontrarotomcertoparaaminhapele.Paramospertodeumasárvoresemquehaviacertaprivacidade.—Entãoporqueestáaqui?Porquenãoligououmandoumensagem?—Porque tenhoumaentrega.—Ele colocou amãonobolsoda camisa emedeu
uma folhadepapeldobradaqueparecia terviajadoomundoantesdechegaratémim.Quando abri e consegui alisar o papel, vi vários desenhos traçados meticulosamente.Olheidevoltaparaele.—AplantadoWade.— Como prometido. — Um pouco daquela presunção diminuiu, e ele pareceu
sinceramenteimpressionado.—VocêtemmesmoumjeitodeirparaSt.Louis?—Está tudo fechado—respondi.—Querdizer, tirandoaparteemque invadoo
servidordeles.Mastenhoalgumasideiassobrecomofazerisso.Eleriu.—Claroquetem.Nemvoumedaraotrabalhodeperguntar.Todagarotatemseus
segredos.Talvez algum dia você revele os seus. — Pelo seu tom, ele poderia estarfalandodesegredosnãoprofissionais.—Quandoissotudoacabar.—Algumdiavaiacabar?—perguntei.Eraparaserumapiada,masminhavozsoou
maistristedoqueeupretendia.Elemeolhoulongamente.—Não,naverdadenão.Mas selar a tatuagemnoMéxicoédivertido.Tomaraque
você venha com a gente. Pelomenos podemos aproveitar a praia e tomarmargaritasenquantodesfazemosmagiasperversas.Vocêtembiquíni?—Não.Enãobebo.—Entãopodemossairpratomarumcaféqualquerdia.Issoseiquevocêbebe.—Andomuitoocupada—eudisse,pensandoemtudooquemeafligia.—Evocê
sabequeeuaindanãodecidinemsevoufazeraprimeirafasederomperatatuagem.—Você deveria, Sydney.— Ele tinha retomado o ar profissional e apontou para
minhabochecha.—Faça issopelomenos.Nãodeixequeelescontrolemvocêmaisdoque já controlaram. Sei que acha a gente meio maluco, mas isso é algo que levamos
muitoasério.—Oi,Sydney.OlheiparaoladoeviminhaamigaJuliaCavendishcarregandoumagrandepilhade
livros. Alguns segundos depois, Marcus olhou para ela também. Os olhos dela searregalaram,eelatropeçouederruboutudonochão,corando.—Ai,meuDeus.Souumaidiota.Fizmençãodeajudar,masemumafraçãodesegundoMarcusjáestavaaoladodela,
comaquelesorrisodeastrodecinema.—Acontecenasmelhoresfamílias.Prazer,souDave.—J-Julia—elagaguejou.Desdequeaconhecera,nuncaatinhavistoencantadapor
umgarotoantes.Normalmente,elaeraumadevoradoradehomens.—Pronto.—Eledevolveuoslivrosparaela,todosnumapilhaorganizada.—Obrigada.Muitoobrigada.Nãoprecisava.Tipo,aculpafoiminha.Nãocostumo
ser tão destrambelhada. E você deve estar ocupado. Deve ter muita coisa pra fazer.Claro.—NuncatinhavistoJuliafalarsemparartambém.Marcusdeuumtapinhanascostasdela,epenseiqueelafossedesmaiar.—Ésempreumprazerajudarumadonzelaemapuros.—Elemedeuumacenode
cabeça.—Precisoir,Sydney.Depoisfalocomvocê.Respondicomoutroaceno.Assimqueeleseafastou,Juliaderrubouoslivrosdenovo
ecorreunaminhadireção.—Sydney,vocêprecisamedizerqueméessecara.—Elejádisse.Dave.—Sim,masqueméessecara?—Ela agarroumeubraço e parecia estar prestes a
mechacoalharatéqueeudesserespostas.—Sóumcaraqueconheço.—Penseiumpoucomais.—Umamigo,acho.Elasegurouofôlego.—Vocêsdoisnãoestão…assim…—Quê?Não!Porquevocêpensariaumacoisadessas?—Porqueeleélindo,ué—elarespondeu,comoseissobastasseparaquefôssemos
almasgêmeas.—Vocênãoficacomvontadedearrancararoupadele?—Nemumpouco.— Sério? — Ela me examinou, como se eu estivesse brincando. — Nem um
tiquinho?—Não.Eladeuumpassoparatrásecomeçouapegaroslivros.—Caramba,Syd.Nãoseioquepensardevocêàsvezes.Tipo,ficocontentequeele
estejasolteiro…eleestásolteiro,né?Maseujáteriapartidopracimadelesefossevocê.As palavras de Jill sobre como ele era humano e tinha“aquele lance de alquimista
rebelde” me voltaram à mente.Talvez eu devesse começar a considerar Marcus oualgum outro ex-alquimista como opção romântica. Ter alguém que não fosse umvampiroproibidonaminhavidapoderia facilitar ascoisas.Tenteiprocuraremmima
mesmareaçãoqueasoutrasmeninastinhampertodeMarcus,masnãoencontreinada.Pormaisquetentasse,simplesmentenãosentiaamesmaatraçãoporele.Ocabelodeleeraloirodemais,pensei.Eseusolhosprecisavamdeumpoucomaisdeverde.—Desculpe—eudisseaJulia.—Sónãosintonadaporele.—Seéoquevocêdiz…Aindaachovocêmaluca.Euiriaatéoinfernoporumcara
desses.Todas as reflexões sobre relacionamentosdesapareceram,e sentium frionabarriga
no caminho enquanto voltávamos para o alojamento.O inferno era uma boa analogiaparaaquiloemqueeuestavamemetendo.—Vocêpodeestarmaispertodaverdadedoqueimagina.Elasorriu.—Viu?Sabiaquevocênãoiaresistir.
15
A sra.Terwilliger estava me esperando no saguão quando Julia e eu chegamos aoalojamento.—Sério, você colocouum aparelhode rastreamento emmim?—perguntei. Julia
deuumaolhadanorostoseverodaprofessoraefoiemborarapidinho.—Sómuita coincidência—a sra.Terwilliger respondeu.—Soubeque você tem
umanovidade.—Porincrívelquepareça,tenho.Asra.Terwilligerestavacomumaexpressãograveenquantomelevavaparao lado
de fora, para termosmais privacidade emmais uma reunião ultrassecreta ao ar livre.Nosúltimosdias,elamalpareciaamesmaprofessorahippieeestabanadaqueeuhaviaconhecidoquandoentraraemAmberwood.—Conte—elamandou.Contei sobre o telefonema deAlicia, e a expressão conturbada dela não inspirou
muita confiança. Parte de mim estivera esperando que ela revelasse algum planofantásticoeinfalívelquevinhatramandosecretamente.—Bom,nessecaso—eladissedepoisqueterminei—,achoquetereideirparalá.—Euéquevoupralá—corrigi.Elaabriuumsorrisinho.—Você já fezmais queo suficiente.Éhorade eu assumiro comandoe lidar com
Veronica.—Masasenhorajámemandoupraláantes.— Quando não tínhamos certeza de onde era o esconderijo ou do que ela estava
fazendo.Dessavez,temostestemunhasocularesconfirmandoqueelaestálá.Nãopossoperderessaoportunidade.—Elaolhouparaumrelógiopertodaportae suspirou.—Iria hoje à noite se pudesse, mas não fiz as preparações necessárias.Vou começar atrabalharnelasagoraepartiramanhãànoitinha.Tomaraquenãoapercadenovo.—Não.—Ainsubordinaçãonaminhavozfoiumasurpresaatéparamim.Eunão
contradizia professores, nem nenhum tipo de autoridade, com frequência. Tá, naverdadenunca.—Elajánosenganouantes.Vamosinvestigarprimeiro.Vocênãopodeserevelarainda;vaiquealgumacoisadáerrado?Vaiestarprontaamanhãànoite?EntãodeixeAdrianeeuirmosládedia…querdizer,sealguémconseguirmetirardaescola.Umpoucodatensãodeladiminuiu,eelaabriuumsorriso.—Achoqueconsigofazerisso.Masodeiocontinuarcolocandovocêemperigo.—Jáultrapassamosessepontofaztempo.Elanãotinhacomoargumentarcontra isso.CombineicomAdrianquemebuscasse
nodiaseguinte,depoisdedarumabroncaem“Jet”porterdadoonúmerodetelefoneda“Taylor”.Namanhã seguinte, a sra.Terwilliger foi fiel à suapalavra.Fui liberadadasaulaspor causadeuma“viagemdecampo”.Avantagemde seruma aluna-modeloeraquenenhumdosprofessoresarranjavaproblemasquandoeufaltavaàsaulas.Elessabiamque eu faria os trabalhos. Era provável que me deixassem tirar folga pelo resto dosemestre.Durante o trajeto, contei aAdrian que havia conseguidomarcar a viagempara St.
Louis para cumprir a tarefa sinistra deMarcus.A expressão dele foi ficando sombria,maselemanteve silêncio a respeitodo assunto.Eu sabiao conflitoque aquiloeraparaele. Ele não gostava do Marcus. Não gostava que eu me envolvesse numa missãopotencialmente perigosa. No entanto, também confiava em mim para tomar minhasprópriasdecisões.Nãoerade suanaturezadiscordardemimoumedizeroque fazer,embora,secretamente,pudessequererfazerisso.Seuúnicocomentáriofoideapoio.—Tome cuidado, Sage. Pelo amor deDeus, tome cuidado. Já vi você fazer umas
coisas loucas,mas isso já édemais, atémesmopravocê.Vocêdeve ser aúnicapessoacapazdefazeralgoassim,mas…nãobaixeaguardaemnenhummomento.Quando disse que pretendia usar Ian para conseguir maior acesso, a expressão
conturbadadeAdriandeulugaraumadeincredulidade.— Espere um pouco. Deixe eu ver se entendi. Você vai seduzir um cara pra
conseguirespionarosalquimistas?SeduzirIan?Ugh.— Não tire conclusões precipitadas — repreendi. — Só vou tentar usar os
sentimentosdelepormimpraconseguiroqueeuquero.—Uau.Quefrieza,Sage.Quefrieza.— Ei.— Fiquei um pouco indignada com a acusação.—Não vou prometer me
casarcomeleedepoisdarumfora.Elemeconvidouprajantarenquantoeuestiverlá.Vamosnosdivertirevoutentarconvencê-loamelevaremumtourpelabase.Sóisso.—Eesse“convencimento”nãoenvolvenadafísico?Lancei umolharde censurapara ele e torci paraquepudessemeverpelo cantodo
olho.—Adrian.Pareçootipodepessoaquefariaumacoisadessas?— Bom… — Ele parou, e imaginei que estivesse contendo algum comentário
sarcástico. — Não, acho que não. Pelo menos não com um cara como ele.Você
comprouumvestido?Pronto,Adrianmudandodeassuntoaleatoriamenteoutravez.—Projantarepracerimônia?Játenhoummonte.—Acho que isso responde à minha pergunta.— Ele parecia estar travando uma
grandebatalhamental.Enfim,disse:—Voudaralgunsconselhosavocê.—Ai,não.Elevoltouaolharparamim.—Quemsabemaissobreospontosfracosdoshomens,euouvocê?—Tudobem,desembucha.—Merecuseiaresponderdiretamente.—Compreumvestidonovo.Umquemostremuitapele.Curto.Semalça.Talvez
com um sutiã com enchimento também.— Ele chegou a ter a audácia de dar umaavaliadarápidanomeupeito.—Hum,talveznão.Masdefinitivamentesaltoalto.—Adrian!—exclamei.—Vocêviucomoos alquimistas sevestem.Achaqueeu
poderiausaralgoassimnumacerimônianaigreja?Elenãoestavanemligando.—Dêumjeito.Troquederoupaoualgoassim.Masgarantoque,sedesejaqueum
homem faça algo potencialmente difícil pra você, a melhor maneira é distrair o caraparaqueelenãopensenasconsequências.—Vocênãoconfiamuitonoshomens.—Ei,estoufalandoaverdade.Jámedistraímuitocomvestidossensuais.Eu não achava que fosse um argumentomuito válido, poisAdrian se distraía com
muitascoisas.Fondue.Camisetas.Gatinhos.—Entãoéisso?Mostroumpouquinhodepeleevouteromundoaosmeuspés?—Não,masajuda.—Omaisincríveleraqueeleestavafalandomuitosério.—E
você tem que fingir confiança o tempo todo, como se o negócio já estivesse fechado.Depois,quando for fazeropedido,não seesqueçadedizerquevai ficar“devendoumaparaele”.Masnão falemaisnada.A imaginaçãodelevai fazerorestodo trabalhoporvocê.Balanceiacabeça,contenteporestarmoschegandoaodestino.Nãosabiaquantomais
conseguiriaouvir.—Esseéoconselhomaisridículoquejáouvi.Émeiosexistatambém,masnãosei
quemofendemais,oshomensouasmulheres.— Ouça, Sage. Não sei muito sobre química ou invadir computadores ou
fotossíntere, mas tenho muita experiência com isso. — Acho que ele quis dizerfotossíntese, mas não o corrigi. — Use o meu conhecimento. Não desperdice meusconselhos.Elepareciatãosinceroqueeufinalmentedissequeconsideraria,emborafossedifícil
meimaginarusandoumaroupacomoaqueelehaviadescrito.Minharespostaodeixousatisfeito,eelenãodissemaisnada.Quandochegamosàpousada,coloqueiaperucamorenaparaquepudéssemosvoltara
serTayloreJet.Meprepareienquantonosaproximávamosdaporta.
—Ondeestamosnosmetendo?—murmurei.Eutinhademonstradomuitacoragemenquanto convencia a sra.Terwilliger, mas só agora estava me dando conta de quepoderíamosdar de cara comuma feiticeira domal.Eu ainda não tinha desenvolvido acapacidadedesentiramagiadosoutros,entãopoderiamuitobemserpegadesurpresacasoelatambémtivesseencontradoumjeitodemudaraaparência.Tudooquepoderiafazer era confiar que o espírito de Adrian e o amuleto da sra. Terwilliger medisfarçariam.SeVeronicaestivesselá,pareceríamosumcasalcomum.Aomenoseraoqueeuesperava.Alicia estava lendo outra revista quando entramos. Ela usava osmesmos óculos de
arogrossoeosmesmoscolaresespalhafatosos.Seurostoseiluminouaonosver.—Vocêsvoltaram.Adrianmeabraçouimediatamente.—QuandoficamossabendoqueVeronicatinhavoltado,ficamoscomvontadedever
nossaamigalogo.Nãoémesmo,favodemel?—Sim—respondi.Pelomenoseleestavausandoapelidosmaissaudáveis.—Ah.—OsorrisoexultantedeAliciasedesfezumpouco.—Elaacaboudesair.—Vocêestádebrincadeira—eudisse.Comonossasortepoderiasertãoruim?—
Querdizerqueelajáfezoregistrodesaída?— Não, ainda está hospedada na SuíteVeludo.Acho que só saiu para resolver
algumascoisas.Mas…—Ela ficouencabulada.—Talvezeu tenha,hum,estragadoasurpresa.—Ah,é?—perguntei,cautelosa.SentiobraçodeAdrianficartensoaomeuredor,
masnãohavianadaderomânticonisso.—Nãoconseguiresistir.Disseaelaquepoderiateralgumasvisitas inesperadasem
breve.Visitasagradáveis—elaacrescentou.—Queriagarantirqueelanãoficasseforapormuitotempo.—Quegentildasuaparte—Adriancomentou.Seusorrisoestavatãotensoquanto
omeu.Aotentarnos“ajudar”,Aliciapoderiamuitobemterdestruídotudo.Oquefazeragora?Nãopreciseitomarumadecisãoimediataporqueumamulherde
meia-idadeentroupelaporta.— Oi — ela cumprimentouAlicia. — Queria saber se posso dar uma festa de
casamentoaqui.Paraaminhasobrinha.—Claro—Alicia disse, olhandodeum ladopara ooutro.Ela pareceuumpouco
confusaemrelaçãoaquemajudar,efuirápidaemintervir.—Ah— eu disse. — Já que estamos aqui, podemos dar outra olhada na Suíte
Coelhinho?Nãoconseguimosparardefalardela.Aliciafranziuatesta.—Penseiquefossempassaroaniversárionacosta…—Evamos—Adriandisse,seguindominhadeixa.—MasTaylorestavapensando
sobre oAlgodãozinho um dia desses e achamos que deveríamos reconsiderar.— Eutinhaquedarcréditoaeleporreforçarahistóriaqueeutinhainventadosobreviajarmos
paraacosta.Maseradeseesperarqueelelembrasseonomedocoelhodementiraqueelemesmohaviacriado.—Pulinho—corrigi.—ASuíteCoelhinhoaindaestávaga?—eleperguntou.—Agentepodedaruma
olhadinharápidaenquantovocêajudaamoça.Aliciahesitouummomentoantesdeentregarumachave.—Claro.Meavisemsetiveremalgumadúvida.Peguei a chave e segui emdireção à escada comAdrian.Atrás de nós, ouvíamos a
mulher perguntando se havia problema em montar uma tenda no quintal e quantasplacaselétricasapousadapoderiasustentarsemriscodeincêndio.Quandochegamosaosegundoandar,Adriandisse:—Deixe-meadivinhar.VocêquerdarumaespiadanaSuíteVeludo.Respondicomumsorriso,contenteporeleteradivinhadomeuplano.—Sim.Muitoboaaideia,né?Setivermossorte,Aliciaficarádistraídaporumbom
tempo.—Eupoderiatercompelidoamenina—elemelembrou.—Vocêjáestáusandoespíritodemais.Encontrei a SuíteVeludo e enfiei a chave na fechadura, na esperança de queAlicia
tivessenosdadoachavemestra,enãoaespecíficadaSuíteCoelhinho.Quandoelanosmostrouolugardaúltimavez,sótinhausadoumachave.Umcliquemeinformouquetivemos sorte e que eu não teria que usar nenhuma substância química para derretermetalnaqueledia.Tínhamos visto a Suíte Veludo durante a última visita e, no geral, ela parecia
igualzinha.Lençóisdeveludo,móveiscobertosdeveludoeatéumpapeldeparedecomtextura de veludo. Só que, dessa vez, o quarto não estavamais intocado como antes.Indíciosdenunciavamqueelehaviasidoocupadorecentemente.Acamaestavadesfeita,eocheirodexampunobanheiroindicavaumbanhorecente.—TalvezAliciatenhaseenganadoeVeronicafoiembora,sim—Adriandisse.Ele
abriuumagavetadepoisdaoutraenãoachounada.Noarmário,encontrousapatosdesaltoaltoenfiadosnumcantoeumcintonocabide,coisas fáceisdeesquecerquandosearrumaamalarapidamente.—Alguémsaiudaquiàspressas.Minhas esperanças caírampor terra.Ao revelarnossa“surpresa”,Alicia parecia ter
assustado Veronica, fazendo com que ela abandonasse o quarto. Não encontramosnenhumsinaldequevoltariae,comoAdrianhaviadito,elapareciatersaídoàspressas,a julgar pelas coisas que foram deixadas para trás: uma gilete no boxe, um frasco deperfume na pia do banheiro, e uma pilha de folhetos de restaurantes na mesa decabeceira.Senteinacamaedeiumaolhadanosfolhetos,nãomuitoconvencidadequepudessem
medizeralgumacoisa.Comidachinesa, indiana,mexicana.PelomenosVeronicatinhaumgostodiversificado.Chegueiaofimdapilhaejogueitodosnochão.—Ela foi embora—eu disse.Não dava para negar os fatos.—Aquela idiota da
AliciaabriuobicoeagoraperdemosVeronicadenovo.Adriansentouaomeulado,orostorefletindoamesmafrustração.—Vamosencontrá-la.Diminuímosavelocidadedelaescondendoasoutrasmeninas.
Talvezissonosdêtempoatéapróximaluacheia,eentãovocêpoderáusarofeitiçodeclarividênciaoutravez.—Tomara—eudisse,emboranãoestivessetãootimista.Eleajeitouumpoucodocabelodaminhaperucaeviroumeurostoparaele.—Vaificartudobem.Elanãosabenadasobrevocê.Sabiaqueeleestavacerto,masaquilonãoeraumgrandeconsolo.Encosteiacabeça
noombrodele,desejandopoderreparartodaasituação.Eraomeutrabalho,nãoera?— Isso significa que outra pessoa pode sofrer no meu lugar. Não quero que isso
aconteça.Precisodeteressamulherdeumavezportodas.—Quanta coragem.— Ele entreabriu um sorriso e passou a ponta dos dedos no
meu rosto, descendo devagar pelo pescoço até o ombro. Onde quer que me tocasse,deixava um rastro de arrepio. Como continuava a fazer aquilo comigo? Marcus, queseduzia todasasmeninasdomundo,não tinhanenhumefeito sobremim.MasumlevetoquedeAdrianmedesfaziaporcompleto.—VocêpoderiacompetircomCastile—acrescentou.—Parecomisso—adverti.—DecompararvocêaCastile?— Não é disso que estou falando, e você sabe.—As mãos dele eram perigosas
demais,assimcomoestarnacamacomele.Commedodeserbeijadamaisumavez,meafasteiderepente,eomovimentorápidoopegoudesurpresa.Seusdedosficarampresosnomeucabeloenosdoiscolares,oquefezcomqueasduascorrentesserompessemeaperucamorenaquasesaísse.Rapidamente,segureiagranadaantesquecaísse,masacruzescorregou.GraçasaDeuseutinhaseguradoamais importante.—Nadadebeijos—avisei.Prendioamuletodenovoeendireiteiaperuca.—Vocêtinhaditonadadebeijosanãosernumlugarromântico—elemelembrou.
—Está querendo dizer que este lugar não é romântico?—Ele indicou com a cabeçatodaacafonicedeveludoaonossoredor.Entãopegouapequenacruzeaergueunoar,parecendopensativoenquantoexaminavaamaneiracomoaluzerarefletidanasuperfíciedourada.—Vocêmedeuistoumavez.—Evocêmedevolveu.—Euestavabravo.—Eagora?Eledeudeombros.—Agorasóestoudeterminado.—Adrian—suspirei.—Porque continua fazendo isso?Os toques…osbeijos…
sabequenãoquero.—Nãoparecequenãoquer.— Pare de falar essas coisas. Dá raiva. Daqui a pouco vai dizer que eu estava
pedindo.—Porqueeletinhaquesertão irritante?Tudobem,eurealmentenãotinhapassado umamensagemmuito clara na fraternidade.Ou noTortas eTal.Mas, dessavez, estava conseguindo resistir.—Acabei deme afastar de você. Precisa que eu sejaaindamaisdireta?—Não sãoexatamente suas ações—eledisse, ainda segurandoa cruz.—Éa sua
aura.Solteiumresmungo.—Não,não,issonão.Nãoqueromaisouvirsobreauras.—Masestou falandosério.—Ele seviroue seesticounacama,deitandode lado.
Entãoafagouolugaraoladodele.—Deite.—Adrian…—Nãovoubeijarvocê—eledisse.—Prometo.—Vocêmeachaidiota?—perguntei.—Nãovoucairnessa.Elemeolhoulongamente.—Vocêrealmenteachaquevouatacá-laoucoisaassim?—Não—respondirápido.—Claroquenão.—Entãodeite,porfavor.Desconfiada, me deitei de lado também, olhando para ele a poucos e intensos
centímetrosdedistância.Umolhararrebatadoeumtantodispersosurgiuemseurosto.Elehaviaseentregadonasmãosdoespírito.—Sabeoqueestouvendoagora?Aauradesempre.Umamarelo-ouroestável,forte
esaudável,compontinhosderoxoaquieali.Mas,quandofaçoisso…Elecolocouamãonomeuquadriletodoomeucorpoficoutenso.Suamãodeslizou
sobacamisetaeparounaminhacintura.Minhapeleardiasobotoquedele,eoslugaresnãotocadosansiavamporaquelecalor.—Está vendo?—ele disse. Ele estava no auge do espírito agora,mas, aomesmo
tempo, estava comigo.—Quer dizer, acho que não.Mas, quando toco emvocê, suaaura…arde. As cores ficam mais fortes, brilham com mais intensidade, o roxoaumenta. Por quê, Sydney? Por quê?— Ele me puxou para mais perto.— Por quereageassimsenãosignificonadapravocê?—Haviaumdesesperosinceroemsuavoz.Foidifícilfalar.—É instinto.Oualgoassim.VocêéMoroi.Eusoualquimista.Claroqueeu teria
umareação.Ouachouqueeuseriaindiferente?—Areaçãodamaioriadosalquimistasenvolverianojo,repulsaeáguabenta.Eraumótimoargumento.— Bom… fico mais à vontade com os Moroi do que a maioria dos alquimistas.
Talvezsejasóumareaçãopuramentefísica,causadaporhormônioseanosdeevolução.Meucorponãosabequeéerrado.Soususcetívelaodesejocomoqualqueroutrapessoa.— Devia haver um livro sobre isso ou pelo menos um artigo em alguma revistafeminina.A sombra de um sorriso perpassou seus lábios. Ele estava em completa sintonia
comigoagora.—Não,nãoé.Querdizer,é,masnãosemmotivo.Conheçovocêosuficientepara
saberdissoagora.Vocênãoéotipodepessoa“suscetívelaodesejo”semqueexistaumsentimento para amparar esse desejo. — Ele desceu a mão para o meu quadril,deslizando-apelaminhaperna.Sentiumcalafrioeeleaproximouorostodomeu.Haviatantascoisasemseusolhos,tantodesejoetantoanseio.—Viu?Denovo.Minhachamanaescuridão.—Nãomebeije—murmurei.Foioúnicoargumentoqueconseguiformular.Seele
mebeijasse,euestariaperdida.Fecheiosolhos.—Vocêdissequenãomebeijaria.—Enãovou.—Seus lábiosestavamaumcentímetrodosmeus.—Amenosque
vocêqueira.Abriosolhos,prontaparadizernão—quenãoimportavaoqueminhaaurapudesse
estardizendo,aquilonãopoderiacontinuar.Quenãohavianenhumsentimentoportrásdaquele desejo.Tentei me agarrar ao meu argumento anterior. Eu me sentia tão àvontadepertodosMoroi agoraqueeraóbvioqueumaparteprimitivaemmim ficavaesquecendooque ele era.Eraum instintobásico.Eu estava tendouma simples reaçãofísicaaele,àssuasmãos,aosseuslábios,aoseucorpo…Eleseguroumeubraçoerolouparacimademim.Fecheiosolhosepusosbraçosem
voltadopescoçodele.Sentiseuslábiostocaremosmeus,nãoaindacomoumbeijo,masummerotoquede…Aportaseabriuemeretraí.Aliciaentrou,levouumsustoepôsamãonabocapara
abafarumgritodesurpresa.—Ah…ah—elagaguejou.—Desculpem…eu…nãoimagineique…Adrianeeunosafastamosimediatamenteenossentamos.Meucoraçãoestavaprestes
a sairpelaboca, e sabiaqueestavavermelha.Arrumei aperuca rapidinho, aliviada aoperceberqueaindaestavanolugar.Elerecuperouavozprimeiro.—Desculpe…nos animamos umpouquinho demais. Estávamos olhando os outros
quartosedecidimos,hum,experimentarumpouco.—Apesardaspalavras inocentes,eleestavacomumarpresunçoso,dotipoquesevêemummeninoqueacaboudefazeruma conquista. Era fingimento ou ele realmente achava que tinha conseguido algumacoisa?Aliciapareciatãoconstrangidaquantoeu.—Entendi.Bom,estequartoestáocupado.É…—Ela franziu a testa aoolhar ao
redor.—ÉdaVeronica.Masparecequeelafoiembora.Finalmenteconseguifalar.—Foiporissoqueachamosqueestavavazio—eudisserapidamente.—Nãotinha
nadaaqui.Felizmente,Aliciapareciaterseesquecidodanossaposiçãocomprometedora.—Que estranho.Ela não fez o registro de saída.Quer dizer, pagou adiantado em
dinheiro,masmesmoassim…Muitoesquisito.Saímos logo depois disso, mais uma vez dizendo paraAlicia que entraríamos em
contato.Nenhumdenós faloumuitodepoisqueentramosno carro.Euestavaperdidaem meus próprios pensamentos, que se dividiam entre a frustração pelo sumiço deVeronica e a confusão causada porAdrian. No entanto, me recusava a admitir essaúltima parte, e escolhi minha tática de sempre. Quanto antes aquele momento fosseesquecido, melhor. Eu tinha quase certeza de que poderia continuar repetindo isso amimmesma.Partedemim,quasetãosarcásticaquantoAdrian,sugeriuqueeupegasseum livro sobre negação da realidade da próxima vez que passasse pela seção deautoajuda.—Maisumbecosemsaída—eudissequandoestávamosdevoltaàestrada.Mandei
umamensagempara a sra.Terwilliger: V foiembora.Nãoprecisaentraremação.Arespostadelachegoualgunsminutosdepois: Vamoscontinuartentando.Euquasepodiasentir a decepção dela pelo celular. Ela não era a única.Adrian parecia especialmentemelancólico no caminho de volta. Respondeu a tudo que eu disse, mas estavavisivelmentedistraído.Quandome deixou emAmberwood naquela noite, encontrei tudo em um silêncio
misericordioso. Nenhuma crise, nenhuma missão perigosa.Tinha a impressão de quefazia séculos que eu não tinha um momento para mim, e deitei, me sentindoreconfortadapelas tarefas rotineirasde liçãode casa e leitura.Caíno sono coma caraafundadanolivrodecálculo.Tive um daqueles sonhos absurdos que todomundo tem.O gato daminha família
conseguia falareestavadirigindooMustangdeAdrian.Elemeperguntouseeuqueriafazer uma viagem aBirmingham.Eudisse que tinhamuitos trabalhos para fazer,masque,sequisesseirparaFargo,eupoderiaconsiderar.Estávamos negociando quem pagaria a gasolina quando, de repente, o sonho se
dissolveu em trevas. Uma sensação fria tomou conta de mim, seguida por um pavorquase igual ao que senti quandoAdrian e eu enfrentamos um Strigoi no apartamentodele.Agargalhadadeumamulher soouaomeuredor, sórdidae repulsiva,comoumafumaçatóxica.Umavozsurgiudaescuridão,ecoandoemminhamente.Ela escondeu vocêmuito bem,mas não vai ser assim para sempre.Você não pode
ocultar umpoder como o seu eternamente. Estou no seu rastro.Ainda vou encontrarvocê.Mãos surgiram das trevas para me pegar, envolvendo minha garganta e me
impedindo de respirar. Gritei e acordei naminha cama, cercada por livros. Eu tinhadeixado a luz acesa, o que afugentou parte do terror do pesadelo.Mas só um pouco.Estavapingandodesuor,eminhacamisetaestavaempapada.Toqueimeupescoço,masnãohavianadadeerradocomele.Agranadacontinuavapenduradanolugar,masnãoacruz.Nãoprecisatermedodeumsonho,pensei.Nãotinhanenhumaimportânciae,aliás,
com tudo o que vinha acontecendo nos últimos tempos, era uma surpresa eu não terpesadelos com mais frequência. No entanto, quando me lembrei dele, não tive tantacerteza.Haviaalgodemuitoterrívelerealnaquelesonho,umhorrorquepareciatocar
minhaalma.Nãoquisdormirdepoisdisso;fizumaxícaradecaféetenteivoltaraler.Funcionou
porumtempo,mas,pertodasquatro,meucorponãoaguentavamais.Caínosonoemcimadoslivrosdenovo,masdessaveznãosonhei.
16
Na manhã seguinte, relatei toda a viagem à pousada para a sra. Terwilliger. Nosencontramos no Spencer’s e, numa rara demonstração de que conseguia acordar cedo,Adriannosacompanhou.—Tenho um grupo de estudos daqui a pouco— ele explicou. Seu humor estava
muitomelhor,semnenhumamençãoda…indiscriçãododiaanterior.Emboranãohouvessemuitoo que contar, surgiram rugas depreocupaçãono rosto
delaenquantoouviaanossahistória.Overdadeiropânicosurgiuquandomencioneimeusonho.Osolhosdasra.Terwilligersearregalaram,eelasegurouaxícaradecafécomtantaforçaquepenseiquefossequebrar.—Eladescobriu—murmurou.—Sejapor essa tal deAliciaoude algumaoutra
forma,Veronicadescobriusobrevocê.Nãodeveriatermandadovocêpralá.Penseiquepassariadespercebidaseasoutrasmeninasfossemenfeitiçadas,maseuestavaerrada.Fuiegoísta e ingênua. Teria sido melhor se ela soubesse que era eu quem a estavaperseguindo desde o começo.Tem certeza de que estava disfarçando a aparência deSydney?—EssafoiparaAdrian.— Positivo — ele respondeu. —Todo mundo com que conversamos, todas as
meninaseatémesmoAlicia…ninguémtemumaideiaclaradaaparênciadeSydney.—Talvezelaestejaespionandovocê—sugeri.—Eviuagentejunto.Eunãoestava
disfarçadaporaqui.—Talvez— a sra.Terwilliger concordou.—Mas também sabemos que ela está
agindoemLosAngeles.Eladeve terpassadobastante tempoperseguindoasvítimas,oque não deixaria muito tempo para que viesse até aqui e me espionasse tanto assim.Veronica pode ser poderosa, mas não consegue se teletransportar.—A expressão daminha professora endureceu, resoluta. — Bom, não há nada a fazer agora além decontrolarosdanos.Elaaindanãosabeexatamenteondevocêestáouqueestárelacionadaamim.Voufazeroutroamuletoparatentarfortaleceroquevocêjátem,maspodenãofuncionarseela já tiverencontradoumamaneiradechegaratévocê.E,enquanto isso,
não se preocupemais com ataque.Você precisa se focar na defesa, especialmente emfeitiços de invisibilidade. Sua melhor proteção contra Veronica agora é que elasimplesmentenãoencontrevocêcasovenhaprocuraremPalmSprings.Euvinhalendosobreosfeitiçosavançadosdeataque,apesardosavisosdela.Comessa
novareviravolta,porém,sabiaqueela tinharazãoequeadefesaeramais importante.Mesmoassim,nãoconseguiamelivrardomedodequeVeronicativessemedescobertoenquantoespionavaasra.Terwilliger,oque,porsuavez,mefaziatemerpelasegurançadaminhaprofessora.—Asenhoravivedizendoqueelanãoestáatrásdasenhora…mastemcerteza?—Ela vaime evitar se puder— a sra.Terwilliger disse, como ar confiante.—
Tenho o poder, mas não a juventude e a beleza que ela procura. E nem mesmo elamatariaaprópriairmã.Éoúltimoresquíciodehumanidadequeaindalheresta.— Será que ela vai manter essa postura quando você a confrontar? —Adrian
perguntou.—Não—asra.Terwilligerrespondeu.—Nessecasovaletudo.Queriaencontrar
vocêhojeànoiteparapraticaroutrastáticasdefensivas.Olheiparaela,desconfiada.—Asenhoravaiestardisposta?Semofensas,masjápareceexausta.—Ficarei bem.Me encontre no parque de novo em torno das dez.Vou falar para
Weathersliberarvocê.Precisamosmantê-laemsegurança.—Elaficouolhandoparaonadaporalguns instanteseentãovoltoua se concentraremmim.—Considerandoasatuais circunstâncias… não seria má ideia você conseguir alguns, hum, meios maisbásicosdedefesatambém.—Básicos?—perguntei,confusa.—Elaquerdizerumaarmaouumafaca—Adrianrespondeu,entendendoantesde
mim.Asra.Terwilligerassentiu.— Se algum dia você confrontarVeronica, émais provável que resulte emmagia
contramagia…mas,bom,nuncasesabe.TerumplanoBpodesalvá-la.Nãogosteinadadessaideia.—Nãoseilutarcomumafaca.Enãogostodearmas.— Mas gostaria de entrar em coma e envelhecer antes da hora? — Adrian
perguntou.Craveiosolhosnele,surpresaaovê-loapoiaraideia.—Claroquenão.Masondeconseguiríamosumaarmaemtãopoucotempo?Pelacaraquefez,eleviuqueeutinharazão.Então,voltouaseentusiasmar.—Achoquetenhoumaideia.—Tenho certeza de que vão dar um jeito— a sra.Terwilliger disse, já com a
cabeçaemoutracoisa.Elaolhouorelógiodepulso.—Estáquasenahoradaaula.Nos levantamos, nos preparando para sair, mas puxei Adrian para trás. Não
conseguia imaginarcomoelesabiaondeconseguirumaarmaemtãopoucotempo.Ele
nãome explicou e simplesmente disse queme encontraria depois da aula.Antes de irembora,melembreideoutracoisaquequeriaperguntar.—Adrian,vocêficoucomaminhacruz?—Asua…Ah.—Aoolharnosolhosdele,quasepudeverosacontecimentosdodia
anteriorpassandopelasuamente,incluindoomomentoemquerolamospelacama.—Deixeicairquando…ah,bom,antesdeagentesair.Vocênãopegou?Fizquenãoeorostodeleesmoreceu.—Desculpa,Sydney.—Tudobem—eudisseautomaticamente.—Nãoestátudobem,eaculpaéminha.Seicomoelaéimportanteparavocê.Elarealmenteeraimportanteparamim,maseumeculpavaquasetantoquantoele.
Deveriaterpensadonelaantesdesairmos,masestiveraumpoucoperturbada.—Ésóumcolar—eudisse.Issonãolheserviudeconsolo.Elepareciatãoabatidoquandonosseparamosquetorci
para que não se esquecesse da nossa visita ao seu fornecedormisterioso de armasmaistarde.Noentanto,nãohaviacomoquemepreocupar.Quandoasaulasterminaram,oMustangestavaemfrenteaoalojamento.Adrianpareciamaisanimado,enãovoltouamencionarocolar.Quando me contou de seu plano para a arma, fiquei em choque, mas, depois de
pensarumpouco,concluíqueelepoderiaterrazão.Eassim,poucomenosdeumahoradepois, estávamos fora da cidade, a caminho de uma casa que parecia abandonada nomeiodeumgrandeterrenodesolado.HavíamoschegadoàEscoladeDefesaWolfe.—Nuncapenseiquevoltaríamosaqui—comentei.AcasadeWolfenãotinhajanelas,enãohaviacarrosàvista.—Talvezelenãoestejaemcasa—murmureiparaAdrianenquantocaminhávamos
atéaporta.—Agentedeviaterligadoprimeiro.—Wolfenãomepareceotipoquesaimuitodecasa—Adriandisse.Elebateuna
portae,quaseinstantaneamente,ouvimosumalvoroçodelatidosepassinhosapressados.Fiz uma careta.Wolfe, por motivos que eu nunca conseguiria entender, tinha umamatilhadechihuahuasemcasa.Certavez,eledisseraqueoscãesmatariamumapessoacomumsimplescomando.Esperamos algunsminutos,mas os latidos eram o único sinal de que havia vida lá
dentro.Adrianbateumaisumavez(deixandooscachorrosaindamaisagitados)eentãoencolheuosombros.—Achoquevocêtem…Aporta se abriude repente, apenas uma fresta, e umolho cinzanos examinoupor
trásdeumacorrente.—Ah—disseumavozrouca.—Sãovocêsdois.Aporta se fechoueouvi a corrente sendodestravada.Ummomentodepois,Wolfe
saiurapidamente,comcuidadoparanãodeixarnenhumcachorroescapar.Eleusavaumtapa-olho do lado esquerdo,mas não devia fazermuita diferença, pois seu outro olho
pareciaenxergaratravésdemim.—Vocêsdeviam ter ligado—eledisse.—Quase solteios cachorrosemcimade
vocês.Wolfe estava usando sua bermuda favorita, além de uma camiseta que exibia uma
águia-de-cabeça-brancadirigindoumcaminhãoenorme.AáguiatinhaumabandeiradosEstadosUnidosemumadasgarraseumaespadadesamurainaoutra.Eraumaescolhadearmapeculiarparaumacamisetapatriótica,masfaziatempoquetínhamosaprendidoanãoquestionaroguarda-roupadeWolfe.Aprendemosaliçãoquandoeleexpulsouumamulherdanossaturmaqueteveaaudáciadeperguntarseelesótinhaumabermudaouváriasiguais.—Doquevocêsprecisam?—eleperguntou.—Ospróximoscursos sócomeçam
depoisdoAno-Novo.Adrianeeunosentreolhamos.— Hum, precisamos de uma arma — eu disse. — Quer dizer, uma arma
emprestada.Wolfecoçouabarba.—Nãoempresto armaspara alunosquenão fizerammeucursode tiro. Segurança
vememprimeiro lugar.—Noentanto,acheipromissorqueelechegasseaemprestararmas. Era característico deWolfe sequer se dar ao trabalho de perguntar por quequeríamosuma.— Já tenho treinamento— eu disse. Era verdade. Era obrigatório para todos os
alquimistas.Eutinhamesaídobem,mas,comomencionaraaAdrian,nãogostavanemumpoucodearmas.Umafacapelomenostinhaoutrasutilidades.Masumrevólver?Sóserviaparaferirematar.Wolfe arqueou a sobrancelha do seu olho bom. Ficou claro que não acreditava em
mim.—Consegueprovar?—Osenhortemumcampodetiro?—repliqueicomfrieza.Elepareceuquaseofendido.—Claroquetenho.Ele nos levou até uma construção atrás da garagememque nos treinava. Eu nunca
havia entrado ali antes,mas, assim como na casa dele, não havia janelas.A porta erarevestidadefechadurassuficientesparaatenderaospadrõesdesegurançaalquimistas.Elenosconduziuparadentroefiqueiboquiabertaaovernãoapenasumcampodetiro,mastambémumaparedecobertapordiversostiposdearma.Wolfedeuumaolhadarápidapelopequenoabrigo.—Ostampõesdeouvidodevemestaremcasa.Jávolto.Continueicontemplandoaparede,conscientedequeestavacomosolhosarregalados.—Nãotemcomoissoestardentrodalei.ArespostadeAdrianfoiinesperada.—Vocênotouotapa-olhodele?
Comdificuldade,tireiosolhosdoarsenal.—Hum,sim.Desdeodiaemqueoconhecemos.—Não,não.Querdizer,juroqueficavanooutroolhodaúltimavez.—Nãoficava,não—eudisseimediatamente.—Temcerteza?—Adrianperguntou.Percebi que não tinha. Palavras e números eu decorava com facilidade.Mas outros
detalhes,comoroupas,cabelooutapa-olhos,eramfáceisdeesquecer.—Nãofazsentido—eudisseporfim.—Porqueelefariaumacoisadessas?—EleéMalachiWolfe—Adriandisse.—Porquenãofariaumacoisadessas?Nãohaviacomorebateresseargumento.Wolfevoltoucomosprotetoresdeouvido.Depoisdeexaminaraparede,selecionou
umrevólverpequenoe,então,abriuumarmarinhoquecontinhaamunição.Pelomenoselenãodeixavaummontedearmascarregadasàsolta.—Podedeixar—eudisse.Pegueiaarmadasmãosdelee,semamenordificuldade,
acarreguei.Elesoltouumgrunhidobaixodeaprovaçãoeapontouparaooutroladodocampo, onde havia um grande papel recortado mostrando uma silhueta humana comváriosalvos.—Poisbem—eledisse.—Nãosepreocupeemacertaros…Disparei, esvaziandoopente comperfeiçãonos alvosmais difíceis.Devolvi a arma
para ele. E ele a devolveu para mim. Atrás dele, pude ver Adrian de os olhosarregalados.—Podeficar—Wolfedisse.—Vocêpassounoteste.Precisacomprarsuaprópria
munição,mas,sepreencheroacordodelocação,jápodelevar.Logo descobri que o “acordo de locação” era só uma folha de papel em que ele
escreviaotipodaarmadeumladoeeucolocavaminhasiniciaisnooutro.—Sério?—perguntei.—Étudoqueprecisofazer?Assim,euagradeço,mas…—
Eunãosabiamaisoquedizer.Wolfeignoroumeusprotestos.—Você é uma boa menina. Se diz que precisa de uma arma, acredito em você.
Alguémestácausandoproblemas?Coloqueiorevólvernabolsa.—Umacoisaassim.WolfeolhouparaAdrian.—Evocê?Precisadeumaarmatambém?— Estou bem assim —Adrian disse. —Além disso, não tenho treinamento.
Segurançavememprimeirolugar.Wolfe abriu o armário de munição e tirou um longo tubo de madeira e um saco
plásticocheiodoquepareciamserpequenosdardos.—Querpegarminhazarabatana?Nãodemoramuitopraaprenderausarisso.Quer
dizer, você nunca vai ter a habilidade e a astúcia dos guerreiros amazônicos de quemroubeiaarma,maspodeselivrardealgumassituaçõesperigosas.
—Valeu,masachomelhornão—Adriandissedepoisdeváriossegundos.Elequasepareceuterconsideradoaoferta.EuaindaestavaemchoquecomaspalavrasdeWolfe,semsaberseacreditavanoque
tinhaouvido.—OsenhorjáfoiparaaAmazônia?Dessavez,Wolfearqueouasobrancelhaacimadoseutapa-olho.—Nãoacreditaemmim?—Não, não, claro que acredito— respondi rapidamente.— É só que o senhor
nuncamencionouantes.Eleficoucomoolharperdido.—Fazanosquetentoesqueceroperíodoquepasseilá.Mastemcoisasdequenãodá
parafugir.Pairouumlongosilêncioconstrangedor.Porfim,limpeiagarganta.—Bom,obrigada.Precisamosir.Tomaraqueeunãopreciseusaraarmatãocedo.— Fique com ela pelo tempo que precisar— ele disse.— Se eu quiser de volta,
encontrovocê.Depois desse comentário perturbador,Adrian e eu fomos embora.Ainda que eu
entendesseosmotivosdasra.Terwilligerparasugerirmétodosdedefesa“tradicionais”,nãoestavanemumpoucoàvontadelevandoumaarmacomigootempotodo.Teriaquedeixarorevólvernocarroparaocasodeasautoridadesdaescolaalgumdiarevistaremmeuquarto.Meuskitsdealquimiaemagiajáeramumrisco.Eutinhaquasecertezadequenãohaveriacomoargumentarseencontrassemumaarma.Adrianme levoude volta aAmberwood.Quando estava abrindo a porta do carro,
olheiparaele.—Obrigada—eudisse.—Portudo.Porteridoàpousada.Porsugerirfalarcom
Wolfe.—Ei,valeuapenasópordescobrirmosqueeletemumazarabatana.Euri.—Naverdade,ficariamaissurpresaseelenãotivesse.Vejovocêdepois.Adrianassentiu.—Antesdoquevocêimagina.—Comoassim?—perguntei,meenchendodedesconfiança.Elefugiudaperguntaeenfiouamãoembaixodoassento.— Liguei paraAlicia — ele disse, enquanto pegava uma caixinha. — Ela não
conseguiuencontraracruz.A faxineiradeles já tinhapassadoe limpadooquarto,masela falou que daria umaolhada nomeio das roupas de cama.Ah, e tambémpergunteisobreVeronica.Elanãovoltoumais.Eramnotíciasdesanimadoras,masfiqueicomovidaporeleterligado.—Obrigadapelatentativa.Eleabriuacaixaetirouumcolarcomumacruzinhademadeira.— Comprei outra pra você. Claro, sei que não tem como substituir aquela, mas
queriadaralgumacoisapracompensar.Enãovenhamedizerquenãopodeaceitarumpresente caro— ele disse, adivinhando o protesto que eu estava prestes a fazer.—Comprei num camelô por cinco dólares, e tenho quase certeza de que a corrente é delatão.Mordi a língua e peguei o colar.A cruz não pesava quase nada. Olhando mais de
perto,pudeverumminúsculodesenhodefloresprateadasnasuperfície.—Nãofoiocamelôquefezisso.Issoétrabalhoseu.— Então… sei que você gosta de coisas mais básicas, mas eu sempre preciso de
algumenfeitinho.Passeiodedonasuperfíciedacruz.—Porqueglórias-da-manhã?—Porquenãosoumuitofãdelírios.Abriumsorriso.Quando voltei ao dormitório, deixei o colar na cômoda. Lancei um último olhar
carinhosoparaeleeentãotenteidecidirqualseriaamelhormaneiradepassarorestododia.Nossaviagemnãotinhademoradotanto,entãoeutinhatempodesobraparajantareversenãoestavaatrasadacomostrabalhosdaescola.AcabeicomendocomKristineJulia,paravariarumpouco,oquefoiumaboapausadodramadosmeusoutrosamigos.Claro, amaiorpartedo jantar consistiu em Julia falando semparar sobre“Dave”.Nofim,elaeKristinexigiramsaberquandoeuolevariaatéládenovo.Ao cair da noite, comecei ame preparar para o encontro com a sra.Terwilliger.
Não sabia ao certo que tipo de magia praticaríamos ao ar livre, mas imaginei quedeveria me preparar para qualquer eventualidade. Coloquei na bolsa uma grandevariedade de itens do kit e me precavi com uma barra de cereal para me recuperardepoisdamagia.Quandoestava tudoemordem,voltei parao andardebaixo.Estavaquasenaportadoalojamentoquandoasra.Weathersmechamou.—Sydney?Olheiparatrás.—Sim?—Aondeestáindo?Estáquasenahoradotoquederecolher.Franzindoatesta,fuiatéamesadela.—Voufazerumatarefaparaasra.Terwilliger.Asra.Weatherspareceuconfusa.—Seiquevocêtemfeitomuitascoisasassimparaela…masnãorecebiautorização
paradeixarvocêsairhojedepoisdohorário.—Elapareciaestarpedindodesculpas.—Tenhocertezadequeestátudoprogramado,mas,enfim,regrassãoregras.—Claro—eudisse.—Maseladisseque avisaria a senhora.Temcertezadeque
nãorecebeunada?Umbilhete?Umtelefonema?Elafezquenão.—Nadinha.Sintomuito.—Entendi—murmurei,mas não sabia se tinha entendidomesmo.Apesar de sua
personalidadedistraída,asra.Terwilligercostumavaserboanessetipodecoisa.Asra.Weathersprometeuquemedeixaria saircasoa sra.Terwilligerdesseapermissãoportelefone,então,subiparaoquartoetenteiligarparaela.Caiudiretonacaixapostal,enão houve resposta paraminhamensagemde texto. Será que tinha acontecido algumacoisa? Será que aquele confronto mágico que eu vinha temendo havia finalmenteocorrido?Fiquei andandopelodormitóriopor quaseumahora, sendo consumidapor todas as
minhaspreocupações.Veronica.Marcus.St.Louis.Asra.Terwilliger.Osonho.Váriase várias vezes, fiquei imaginando o pior resultado possível para todas elas.Quando jáestavaachandoqueficariamaluca,asra.Terwilligerfinalmentemeligoudevolta.—Por que você não apareceu?—ela perguntou assim que atendi. Fiquei aliviada.
Elatinhaidoatéoparque.Issoexplicavaafaltaderespostas;nãohaviasinallá.—Eu tentei!A sra.Weathers nãome deixou sair.A senhora esqueceu deme dar
permissão.—Tenho quase certeza de que não… —A voz dela foi perdendo a força e a
segurança.—Querdizer,penseiquetinha…—Tudobem—eufalei.—Asenhoraestácommuitacoisanacabeça.—Não,nãoestátudobem.—Elapareciabrava,masconsigomesma,nãocomigo.
—Euprecisavaterfeitoisso.—Bom,asenhorapodeligarparaasra.Weathersagora—eudisse.—Agoraétarde.Jáestouemcasa.Vamosterderemarcar.—Sintomuito—eudisse.—Eutentei.Asra.Terwilligersoltouumsuspiro.—Seiquetentou.Aculpanãoésua.Éminha.Estoudeixandoissotudomecansare
agoraestouficandoesquecida.Jáassumiriscosdemaisàssuascustas,eissopôsVeronicanasuacola.Nãopossodeixarqueelaavancemais.Senti um calafrio na espinha quando pensei naquelas meninas em coma, e na
possibilidade de me tornar uma delas. Eu estava conseguindo me manter calma econtroladaduranteainvestigação,masosonhodanoiteanteriorhaviafeitocomquemedesse conta dos perigos que estava enfrentando.Aquela imagem da menina no jornalpairou emminhamente enquanto eu andava com o celular de um lado para o outro.Parei em frente ao espelho e tentei me imaginar daquele jeito, envelhecida antes dotempo. Fechei os olhos e virei o rosto. Não podia deixar isso acontecer comigo.Simplesmentenãopodia,eprecisavadasra.Terwilligerparamemanteremsegurança.Eu até podia ser umprodígio,mas não era nemumpouco capaz de enfrentar alguémcomoairmãdela.—Descanseumpouco—eudisseenfim.—Asenhoraparececansada.—Voutentar.Evocêtomecuidado,srta.Melbourne.—Podedeixar.Tomar cuidado era a única coisa que eupoderia fazer sozinha por enquanto. Sóme
restavatorcerparaqueissobastasse.
Quandodesligamos,eunãoqueriadormir.Estavacommedo,enãoapenasdevidoaosonhodanoite anterior.A sra.Terwilliger haviameexplicadoque existia um tipodefeitiçodebuscaqueencontravapessoasduranteosono,eeutemiaque,seVeronicamealcançasseoutravez,poderiadescobrirminha localização.Oproblemaeraque,depoisdaúltimanoitemaldormida,euestavaaindamaisexaustaagora.Meucafédesempreeminhastentativasdedistraçãofracassarame,semqueeupercebesse,adormeci.Nãoseiquantotemposepassouatéeusonhar.Emummomento,estavamergulhada
noesquecimentodo sono.No seguinte, estavano salãoemqueocorrera a recepçãodeSonyaeMikhail.Eraexatamenteigual:floresemtodaparte,mesascobertasportoalhasbrancasecoposdecristal.Aúnicadiferençaeraqueosalãoestavavazioesilencioso.Eraestranhovertodoaquele luxoeglamoursemninguémparadesfrutar.Eupoderiaestarnuma cidade fantasma. Olhei para baixo e vi que também estava usando o mesmovestidodaquelanoite.—Eupoderiaterfeitoelevermelho,sabe.Caimelhoremvocê…Nãoqueazulnão
fiquebom.Adrian caminhou até mim, usando o mesmo terno azul-marinho. Finalmente
entendi.Estava emum sonhode espírito.Eramais umadas façanhas incríveis daqueleelemento, a capacidade do usuário de invadir os sonhos de outra pessoa. Não, nãoinvadir.Ousuárionaverdadecriavatodoosonho,controlandoosmínimosdetalhes.—Faztempoquevocênãomecolocanumdesses—eudisse.—Eveja comovocêprogrediu.Daúltima vez, estava gritando e esperneando.—
Eleestendeuamão.—Querdançar?—Nãotemmúsica—eudisse.Nãoquetivessealgumaintençãodedançar.Masele
estavacertoarespeitodaminhareação.Eunãohaviaexatamentegritadoeesperneado,masmeioque tiveumataque, sim.Na época, ainda tinhamuitomedode vampiros emagia, e ficar cercada por um mundo totalmente construído por magia havia medeixadoperturbada.Eagora?Agora,pelojeito,euestavatãoàvontadecomaquiloqueminhamaiorpreocupaçãoeraqueele tinhamecolocado logonaquelevestido.Aponteiparaaroupa.—Vocêpodemudarisso?—Vocêmesmapodemudar—elerespondeu.—Estouliberandoocontrole.Ésó
seimaginarcomoestánomundoreal.Fizoqueeledissee,umsegundodepois,estavausandoumacalçajeanseumamalha
azul-clara.Eleficouvisivelmentedesapontado.—Éassimquevocêdorme?—Não.—Euri.—Estavatentandonãodormir.Nãofuncionou.Porquevocême
trouxepracá?Ele andouumpoucoepegouuma taçade cristal, aprovandocoma cabeça como se
fosseumespecialistaemfabricaçãodevidro.—Exatamenteporisso.Vicomoaquelesonhotedeixouincomodada.Imagineique,
seatrouxesseparaumdesses,Veronicanãoconseguiriatealcançar.
Eu nunca teria pensado nisso, mas a magia vampírica era sem dúvida preferível àdela.Olheiaoredor,apreciandomelhorosalão.Pareciaumsantuário,umlugarondeelanãomealcançaria.Aomenos,eraoqueeuesperava.NãofazíamosamenorideiadecomoamagiadelafuncionariacontraadeAdrian.Atéondeeusabia,elapoderiamuitobementrarpelaportacomobuquêdeSonyanasmãos.— Obrigada— agradeci, me sentando em uma das mesas.— Foi gentil da sua
parte.—EraumdaquelesmomentosincríveisemqueAdrianhaviatidoadelicadezadeadivinharmeuspensamentos…Ou,nocaso,meusmedos.—Bom, teve uma pontinha de egoísmo daminha parte.Queria ver você de novo
nessevestido.—Elepensouumpouco.—Naverdade,queriavervocêdenovonaquelevestidovermelhodoHalloween,masimagineiqueseriaforçarabarra.Desvieiosolhos,enquantoaimagemdaquelevestidovoltavaàminhamemória.Lia
DiStefano havia feito a fantasia para mim. Ela usara como inspiração uma túnica daRomaantigaeacaboucriandoumvestidoleve,vermelhoedourado.FoinaquelediaqueAdrianmedisseraqueeueraacriaturamaislindaquejátinhacaminhadosobreaterra.Issotinhaacontecidoantesdeelesedeclararparamim,mas,mesmonaquelaépoca,suaspalavras haviam mexido comigo. Pensei no que ele estava fazendo por mim agora edecididarumapequena recompensa a ele.Voltei ameconcentrarnaminha roupaeovestidoazulvoltou.—Melhorassim?—perguntei.Eleabriuumsorrisoquetambémmefezsorrir.—Sim.Torcendoparaquenãoestivesseprestesareceberumarespostasugestiva,perguntei:—Então,oqueagentevaifazer?—Tem certeza de que não quer dançar? Posso criar umamúsica.—Meu silêncio
respondeupormim.—Estábem,estábem.Quetalumjoguinho?BancoImobiliário?JogodaVida?Batalhanaval?Twister?Tanto faz,masmerecusoa jogarScrabblecomvocê.Começamos com batalha naval — eu venci — e depois passamos para Banco
Imobiliário.Esse foiumpouco trabalhosodemontarporqueAdrian sóconseguiacriarcoisasqueeracapazdeimaginar.Elenãoconseguiaselembrardetodasasruasecartas,então fizemos nosso melhor para recriá-las. Nenhum de nós conseguia se lembrar deumadasruasamarelas,entãoachamamosde“ruadoJet”.Apartida semostrou surpreendentemente equilibrada, emedeixei levarpelo jogo.
Opoderficoualternandoentrenós.Exatamentequandoumpareciatertodoocontrole,o outro se recuperava. Eu não tinha dúvida daminha capacidade de vencer… até queperdi.Fiqueialisentada,perplexa,olhandofixamenteparaotabuleiro.—Vocêjáperdeualgumjogonavida?—eleperguntou.—Eu…sim,claro…sónãoachava…—…queeupodiaganhardevocê?—Não,é sóque…nãoacontecemuito.—Levanteiosolhosparaeleebalancei a
cabeça.—Parabéns.Eleserecostounacadeiraeriu.—Acho que ganhar de você melhorou sua opinião a meu respeito mais do que
qualqueroutracoisaquejáfiznavida.— Sempre tive uma boa opinião a seu respeito.— Eume alonguei, surpresa por
sentircãibrasnocorpo.Eraestranhocomoaqueles sonhospodiamterumcomponentetãofísico.—Fazquantotempoqueagenteestáaqui?—Nãosei.Nãoémanhãainda.—Elenãopareciapreocupado.—Oquevocêquer
jogaragora?—Nãodeveríamosjogarmaisnada—eudisse,melevantando.—Estamosaquifaz
horas.Euestoudormindo,masvocênão.Nãopodeficaracordadoanoitetoda.—Souumvampiro,Sage.Umacriaturadanoite,lembra?—Sim,masestáseguindoumhoráriohumano—repreendi.Mesmoassim,elenãopareceupreocupado.—Sótenhoumaaulaamanhã.Eucompenso.—Eoespírito?—Comeceiaandardeumladoparaooutro, inquieta,aomedar
contadasimplicações.—Vocênãopodeusarmuito.Nãofazbemparavocê.—Prefirocorrerorisco.—Elenãodisse,masestavacorrendoesseriscopormim.Volteiàmesaepareidiantedele.—Você precisa tomar cuidado. Somando isso à caça aVeronica…— Me senti
subitamentemal.Não tinha pensado duas vezes empedir a ajuda dele para aquilo. Euhaviame esquecido dos riscos.—Quando tivermos acabado comVeronica, você vaiprecisarpararcomoespírito.— Não se preocupe.— Ele sorriu.— Quando nos livrarmos daquela vaca, vou
comemorartantoquenãovouficarsóbriopordias.— Não é exatamente a melhor maneira de comemorar. Já pensou em tomar
antidepressivos?—Eusabiaqueajudavamusuáriosdeespíritoabloquearamagia.Osorrisodelesedesfez.—Nãovouencostarnisso.Lissatomoueodiou.Ficarsemoespíritoquaseadeixou
maluca.Cruzeiosbraçosemeencosteiàmesa.—Sim,masusaroespíritovaideixarvocêmalucotambém.—Chegadebroncahoje,Sage.EstáestragandominhavitóriaespetacularnoBanco
Imobiliário.Eleestavadescontraídodemaisparaumassuntotãosério,maseuoconheciabemo
bastanteparasaberquandonãoiaceder.—Estábem.Entãovamosterminarbem.Memandedevoltaedurmaumpouco.—Tem certeza de que vai ficar bem?—A preocupação dele era muito intensa.
Pensei que ninguém nunca havia se preocupado tanto comigo. Bom, talvez a sra.Terwilliger.—Elajádeveterdesistido.—Eunãofaziaideia,naverdade,masnãopodiadeixar
queele seesforçasse tanto.A ideiadeVeronicamedescobrir aindameaterrorizava…masa ideiadeAdriansecolocaremperigoeraquaseaindamaisassustadora.Elevinhase arriscando tanto por mim. Eu não podia fazer menos por ele.—Mas você podevoltaramanhãànoite.OrostodeAdrianseiluminoucomoseeutivesseaceitadoumencontroamoroso.—Combinado,então.Derepente,o salão sedissolveuaomeuredor.Voltei a ter sonhos tranquilosepor
pouconãooouvidizer:—Bonssonhos,Sage.
17
Emboranossosplanosmágicostivessemfracassado,asra.Terwilligerhaviapedidoqueeupassassenasaladelaantesdasaulasnamanhãseguinte,paraquepudéssemosdiscutirnossa estratégia eospróximospassos.Quasenão tive tempodepassarno restaurante,mas encontrei Jill, Eddie eAngeline sentados juntos. Parecia fazermuito tempodesdequetodosestivéramosnumasituaçãorelativamentenormal,efiqueifelizcomessebrevemomento de amizade. Era um refúgio na tempestade que vinha sendominha vida nosúltimostempos.Jillestava sorrindomuitocomalgumacoisaemqueEddienãopareciaveramenor
graça.—Elenãomecontounadadisso—eledisse.—Claroquenão.—Jilldeurisada.—Estáenvergonhadodemais.Mesenteicomabandeja.—Quemestáenvergonhadodemais?—Eusempreimaginavaquequalquermenino
dequemelesestivessemfalandofosseAdrian,emborafossedifícilimaginarAdriancomvergonhadealgumacoisa.—Micah—Jillrespondeu.—Euoconvenciamodelarparaoclubedecosturade
novo.DessavezeletrouxeJuaneTravistambém.—Comoconseguiu isso?—perguntei. JillhaviaconhecidoLiaatravésdoclubede
costuradaescola.QuandoJilleMicahaindanamoravam,elaohaviaconvencidoaservirdemodelo para algumas roupasmuitomalfeitas. Ele tinha aceitadopor amor,mas eunãotinhatantacertezadequehaviagostado.Jillsedebruçounamesa,comumbrilhoeufóriconoolhar.—Claire fezMicah se sentir culpado. Foimuito engraçado.Mas não sei como ele
convenceuJuaneTravis.Talvezelesestivessemdevendoumfavoraele.—Talvezelestenhamsegundasintenções—Eddiedisse.Fiqueisurpresacomotom
dele até me lembrar das últimas novidades que havia me contado. Será? Claire era anovanamoradadeMicah.JuaneTraviseramamigosdele,egostavamdeJill.Eddienão
gostavadofatodequeelesgostavamdela.Entendi.Pelojeito,Eddienãotinhaescondidosuasopiniõessobreoassunto,porqueJillrevirouosolhos.—Dá pra parar de se preocupar com isso?—ela pediu. Ela estava sorrindo,mas
parecia um tanto incomodada. — Eles são caras legais. E não vou fazer nenhumabesteira.NãoprecisaficarmedandosermãosobrehumanoseMoroi.Aprendialição.Seusolhoscordejadesevoltaramparamim,eosorrisodelavacilouumpouco.Ela
meexaminouporummomentolongoeangustiante,efiqueicuriosaparasaberemqueestavapensando.Seráque ainda tinhaesperançadeum final feliz entremimeAdrian?SeráqueestavaseperguntandoporqueeueAdriannosmetíamosemtantassituaçõesdeintimidade?Eutambémqueriasaberporquê.Porfim,Jilldesviouoolhar,retomandoobomhumor.—Sóestoucuidandodevocê—Eddiedisse,obstinado.—Vocêtemquecuidardosassassinos.Dessescarascuidoeu.Nãosouumacriança
e, alémdisso,nunca tivemos tantosmodeloshomens.Vai serótimo.Seconseguirmosmaisalguns,oclubepodefazerumprojetosóderoupasmasculinas.Eddieaindapareciasériodemaisparaumadiscussãocomoaquela.— Eddie poderia se voluntariar também— sugeri. —Aposto que a postura de
guardiãodeleficariaótimanapassarela.Ele ficou vermelho, e até eu precisava admitir que foi fofo. Se Jill tinha ficado
irritadacoma superproteçãodele,nãodavamaisparanotar.Pelaexpressãoencantadadela, era de pensar que nunca tinha visto nada mais incrível do que Eddie vermelho.Acho que ele estava horrorizado demais com a ideia de desfilar numa passarela paraperceber.Angelinetinhaficadocompletamentequietaatéentão.Olheiparaela,esperandoque
tivesse algum comentário engraçado sobre seu namorado sendo incentivado a virarmodelo. Mas, para a minha surpresa, ela não estava prestando a mínima atenção àconversa.Tinhaumlivrodegeometriaabertoetentavadesesperadamentedesenharunscírculosàmão.Eratorturanteveraquilo,mas,depoisdocomentáriodeKristindequeAngeline poderia apunhalar alguém com o compasso, talvez fosse melhor desenhar àmãomesmo.—Oquevocêacha,Angeline?—perguntei,sóparatestaroníveldeconcentração
dela.—Eddiedariaumbommodelo?— Humm? — Ela não levantou os olhos. —Ah, sim.Você devia deixar Jill
experimentaralgumasroupasemvocê.AgorafoiJillquemficouvermelha.Eddie,aindamais.Quandoacheiqueocafédamanhãnãopudesse ficarmaisbizarro,Treypassoupela
mesaedeuumchutedelevenacadeiradeAngeline.—Ei,McCormick.—Eleapontouparaopapelquadriculado.—Horadedaruma
olhadanassuascurvas.Em vez de rebater com alguma resposta sarcástica, ela levantou os olhos
instantaneamente,comumgrandesorrisonorosto.
—Estoutrabalhandonelasdesdequeacordei—eladisse.—Achoqueestãoficandoboas.—Parecemboasdaqui—Treydisse.Aqueleseramospiorescírculosqueeujátinhavistonavida,masimagineiqueTrey
estavatentandoincentivá-la.Fiqueisurpresacomaseriedadecomqueelaestavalevandoaquelanotadematemática.Paramim,pareciaqueestavapondoaquiloacimadetodooresto, inclusive sua vida pessoal. Ela juntou as coisas para que eles pudessem ir para abiblioteca. Eddie pareceu desapontado, mas não podia protestar sem revelar seurelacionamento comAngeline.Trey sabia que não éramos parentes de verdade,mas onamorodosdoisaindaerasegredo.Percebi então que estava quase na hora de encontrar a sra.Terwilliger.Terminei
minhabananaàspressasefaleiparaEddieeJillqueosveriadepois.NãofaziaamenorideiaseelesficariamconversandosobremodelosousobreavidaamorosadeJill.Aparecibemnahoradareunião,masencontreiasaladasra.Terwilligertrancadae
escura.Mesmoemtemposdecrise,penseiqueela tinhaodireitodechegarumpoucoatrasadadevezemquando,entãosenteinocorredorecomeceialermeulivrodeinglês.Estava tão concentrada quenempercebi quanto tempohavia se passado até ouvir o
sinaltocareperceberqueosalunosestavamcomeçandoalotaroscorredores.Levanteiosolhosnoexatomomentoemqueaquelaprofessorasubstitutacomarcansadochegouàportaapressadacomummolhodechaves.Levanteicomdificuldade.—Asra.Terwilligerfaltouhoje?—perguntei.—Elaestábem?—Elesnãomecontamosmotivos—asubstitutadisse,brusca.—Sómemandam
apareceraqui.Tomaraqueelatenhadeixadoumatarefadestavez.Conhecendoasra.Terwilliger,tiveopressentimentodequeseriaoutrodiade“lição
de casa”.Arrastando os pés, entrei na sala atrás da substituta, sentindo um aperto deansiedade.A hora seguinte foi angustiante.Mal ouvi a substituta nosmandar fazer a lição de
casa. Em vez de prestar atenção, ficava olhando discretamente para o celular, naesperançadequechegasseumamensagemdasra.Terwilliger.Nãoaconteceu.Fuideumaaulaparaaoutra,masestavadistraídademaisparaprestaratenção.Até
levei um susto em inglês quando quase confundi Henrique IV com HenriqueVI aoresponder a uma questão dissertativa. Felizmente, me dei conta antes de colocar esseerrovergonhosonopapel.Quandovoltei à sala da sra.Terwilligerparao estudo independenteno fimdodia,
estava esperando que a substitutame dissesse que eu poderia ir emboramais cedo denovo.Emvezdisso,encontreiaprópriasra.Terwilliger,remexendoemunspapéisnamesa.—A senhora voltou!—exclamei.—Estava commedode que tivesse acontecido
algumacoisa.—Comigonão—eladisse.Seurostoestavapálidoecansado.—Masoutrapessoa
nãoteveamesmasorte.
—Não.De novo, não.—Me afundei numa cadeira, e todos osmedos que vinhalevando de um lado para o outro naquele dia pesaram com tudo em meu peito.—Penseiquetínhamosprotegidoaquelasmeninas.Asra.Terwilligersentounaminhafrente.—Não foram elas. Ontem à noite,Veronica atacou uma integrante do meu clã.
Alana.Leveialgunsmomentosparaprocessaranotícia.—Oseuclã…querdizer,umabruxaexperiente?—Sim.—Alguémcomoasenhora?Orostodelamedeuarespostaantesqueelafalasse:—Sim.Euestavatremendo.—Masasenhoradissequeelasóvaiatrásdegarotasjovens.—Normalmente.Assimelaconseguepegarabelezaeajuventudedelas,juntocom
opoder.—Asra.Terwilligernãopareciaterdesepreocuparcomalguémembuscadesua juventude. O cansaço e o estresse estavam surtindo efeito, fazendo com que elaparecessemais velha do que realmente era.—Algumas usuárias demagia que fazemessefeitiçosóestãopreocupadascomopoder,nãocomajuventude.MasessenuncafoioestilodeVeronica.Elaéfútil.Semprequisasvantagenssuperficiais…pranãofalardasvítimas fáceis. Alguém do meu clã seria mais difícil de atacar, o que torna essecomportamentosurpreendente.—Issosignificaquea senhorapodeserumalvo—eudisse.—Esse tempotodoa
senhoraficoudizendoqueestásegura,masissomudatudo.A sra.Terwilliger meneou a cabeça e uma centelha resoluta se acendeu em seus
olhos.—Não.Talvezelatenhafeitoissoparamedespistar,paramefazerpensarquetem
outra pessoa por trás desses feitiços. Ou talvez para me levar a pensar que não estáinteressadaemvocê.Sejaqualforomotivo,elanãovaimeatacar.Euadmiravaasra.Terwilligerporterairmãemtãoaltaconta,masnãoconseguia
ter a mesma confiança de que o carinho fraternal seria mais forte do que uma buscamalignaporpoderejuventude.— Sem querer ofender, mas não existe a mínima chance de que a senhora esteja
enganada?Asenhoradissequeelasóvaiatrásdeaprendizesjovens,masobviamentenãoéocaso.Elajáestáfazendocoisasqueasenhoranãoestavaesperando.Asra.Terwilligerserecusouadesistirdesuaopinião.—Veronicapodeestar fazendomuitas coisas terríveis,masnãovaimeenfrentar a
menosquesejaobrigada.—Elamedeuumnovolivrodefeitiçoseumabolsinha.—Esó porque ela foi atrás de uma bruxa mais velha, não significa que você não estejacorrendorisco.Marqueialgumaspáginasemquequeroquedêumaolhadinha.Temumfeitiçoaíqueachoquepodeserespecialmenteútil.Junteialgunscomponentesparavocê,
e o resto acho que você consegue lançar sozinha…mas lembre-se de fazer num lugarafastado. Nesse meio-tempo, ainda preciso preparar aquele amuleto secundário queprometi.Muitacoisaprafazerultimamente.Sentiummistodesentimentos.Maisumavez,estavaimpressionadacomofatodea
sra.Terwilligernãomediresforçospormim.Noentanto,nãoconseguiame livrardomedodequeelaestivesseemperigo.—Talvezsejabomfazerumprasenhoratambém,porviadasdúvidas.Elaentreabriuumsorriso.—Ainda insistindonisso,hein?Enfim,depoisqueeu tivergarantidooseu,agente
pensaemoutro.Maspodelevartempo.Oqueestoupensandoparavocêéespecialmentecomplexo.Issofezeumesentiraindapior.Elasemprepareciatãocansadaultimamenteetodas
essascoisasquevinhafazendopormimsóagravavamasituação.Mas,pormaisqueeuargumentasse,elaserecusavaadarouvidos.Saídasalamesentindotristeeconfusa.Euprecisava desabafar com alguém. Claro, minhas escolhas eram limitadas quando oassuntoera esse.MandeiumamensagemparaAdrian: Vatacouumabruxadeverdadeontem à noite.A sra.T se recusa a se proteger. Ela só se preocupa comigo . Comosempre,arespostaveiorápido:Querconversar?Eu queria? Não fazia o tipo que sentava e analisava meus sentimentos, mas a
companhiamefariabem.SabiaquenãodeveriapassarmaistempocomAdriandoqueoestritamente necessário, considerando comomeus sentimentos por ele eram confusos.Maseleeraaúnicapessoacomquemqueriaconversar.Precisolançarunsfeitiçospraelaagora.Quervirmebuscareircomigo?Elemerespondeucomumacarinhafeliz.Elahaviameditoparairaalgumlugarafastado,entãodecidipeloParquedaRocha
Solitáriadenovo.QuandoAdrianeeuchegamos,olugarestavaardendosobocalordofimdetarde,eacheidifícilacreditarquefaltavamsóalgumassemanasparaoNatal.Euestava usando roupas confortáveis, como da outra vez, e tirei meu casaco deAmberwood enquanto caminhávamos penosamente pelo terreno rochoso. Ele tambémtirouocasaco,efiqueisurpresaquandovioqueestavausandoporbaixo.—Sério?—perguntei.—SuacamisetadaEIA?Eleabriuumsorrisolargo.— Ei, é uma camiseta muito boa. Estou pensando em abrir uma divisão da
fraternidadenocampusdaCarlton.—Carltoneraa faculdadeemqueele frequentavaaulasdearte.Erabempequenaenemchegavaaterfraternidades.—Umadivisão?—ironizei.—Vocênãoquerdizeraúnicadivisão?—Precisacomeçaremalgumlugar,Sage.Chegamosaomesmo localondeeuhaviapraticadocoma sra.Terwilliger,e tentei
ignorarasmarcaschamuscadasnoterreno.Adrianhaviadecididotransformaraquiloemumpiqueniquenodesertoetrouxeraumacestacomumatoalhaeumagarrafatérmicacomlimonada.
—PenseiquepoderíamospassarnoTortaseTalnavolta, jáquevocêadoraaquelelugar— ele explicou, inexpressivo, enquantome servia um copo.—Deve dar umaforcinhapravocêdepoisdofeitiço.—Queria que tudo isso acabasse logo— eu disse, passando amão sobre o couro
gasto do livro da sra.Terwilliger. Era um volume antigo escrito à mão chamadoInvocações e conjurações. — Odeio viver com essa incerteza, com medo de queVeronica esteja espreitando a cada esquina. Minha vida já é complicada demais sembruxasnaminhacola.Adrian,sério,deitousobreatoalhaeapoiouacabeçanocotovelo.—Seéqueelaestánasuacola.Me sentei de pernas cruzadas, tomando cuidado para manter muito mais distância
entrenósdoquenaSuíteVeludo.—Asra.Terwilligernãomeouve.Elasóficasepreocupandocomigo.—Deixequeelasepreocupe—elesugeriu.—Querdizer,entendototalmenteque
vocêestejapreocupadacomela.Tambémestou.Masprecisamosaceitarqueelasabedoqueestáfalando.Elaestáenvolvidanessascoisashámuitomaistempodoqueagente.Nãoconseguiconteroriso.—Desdequandovocêestáenvolvidocommagia?—Desdequecomeceiacuidardevocê,esermásculoecorajoso.— Engraçado, não é assim que eu me lembro.—Me esforcei para manter uma
expressãoneutra.—Sepensaremtodasascaronasquedeipravocê,emcomoconseguique você frequentasse a faculdade… bom, parece que sou eu quem está cuidando devocê.Eleseinclinouparamim.—Achoqueestamoscuidandoumdooutro.Nósnosolhamose sorrimos,masnãohavianadadesensualnisso.Nãoeranenhum
joguinho,nenhumatentativamaliciosadeAdriandaremcimademim.Eeunãoestavacommedo.Éramossóduaspessoasquegostavamumadaoutra.Issomelembroudoquehavia nos unido inicialmente, antes de todas as complicações amorosas.Nós tínhamosuma conexão. Contra toda a lógica, nos entendíamos e, como ele mesmo disse,cuidávamosumdooutro.Eununcahaviatidoumarelaçãoassimcomninguémefiqueisurpresacomoquantovalorizavaanossa.—Enfim,achomelhorcolocaramãonamassa.—Baixeiosolhosparaolivro.—
Aindanão tive tempodeolharoqueelaquerqueeu faça. Issonãopareceum livrodedefesa.—Talvez você esteja passando de bolas de fogo para raios e trovões —Adrian
sugeriu.—Aposto que seria igual a atirar shurikens. Exceto que, enfim, daria paraqueimarpessoas.Quandoencontreiapáginaqueasra.Terwilligerhaviamarcado, liotítuloemvoz
alta:—InvocaçãodeCallistana.
—Oquesignifica“callistana”?—Adrianperguntou.Examineiapalavra,tomandocuidadoparadecifraraescritarebuscadacorretamente.—Não sei. Parece a palavra grega que significa“bonito”,mas não exatamente.O
subtítuloé“Paraproteçãoeavisoavançado”.—TalvezsejaumtipodeescudocomooqueJackietinha—Adriansugeriu.—Só
quemaisfácil.—Podeser—concordei.Bemqueeugostariadeumpouquinhodeproteção.Abri a bolsinha que a sra.Terwilliger haviame dado.Dentro, encontrei resina de
sangue-de-dragão,umpequeno frascodeóleode gardênia, ramosdebagade zimbro eumcristaldequartzoesfumaçadoereluzente,rutiladocomlinhasdeouro.Emboraelativessedadoosingredientes,asinstruçõesexigiamqueeuosusasseemedissedemaneiramuitoespecífica,oque fazia sentido.Comosempre,erao trabalhodequem lançavaofeitiçoquefortaleciaamagia.Adriansentoueleuporsobremeuombro.—Nãofalaexatamenteoqueacontecequandovocêlança—elecomentou.—É…nãoestoumuitoanimadacomessaparte.—Aparentemente,quemlançasse
aquelefeitiçodeveriasaberoqueestavafazendo.Sefossealgumtipodeescudoprotetor,talvezocampodeforçasematerializasseaomeuredor,comoodasra.Terwilliger.—Enfim,nãotemostempoaperder.Logovamosdescobrir.Adrianriuenquantomeobservavacaminharatéumtrechodeterrenodescampado.—Souo único aqui surpreso por você estar praticandomagia sem saber o que vai
acontecer?—Não—garantiaele.—Nãoé.Preciseipegarosramosdebagadezimbroumaumefazerumpequenocírculocom
eles,dizendo“Fogoefumaça”cadavezquecolocavaumnochão.Quandoterminei,ungicadabagacomumagotadeóleoerecitei“Soproevida”.Dentrodocírculo,acendiumapequenapilhaderesinaecoloqueioquartzoesfumaçadoemcima.Emseguida,deiumpassoparatrásereliofeitiço,decorandoaspalavraseosgestos.Quandotivecertezadeque os sabia de cor, entreguei o livro paraAdrian e lancei umolhar esperançoso paraele.—Medesejesorte—eudisse.—Vocêfazasuaprópriasorte—elerespondeu.Tenteinãorevirarosolhosevolteiparaocírculo.Reciteiocomplexoencantamento
emgrego,apontandoparaosquatropontoscardeaisenquantofalava,deacordocomasinstruções do livro. A rapidez com que a magia se formou dentro de mim foisurpreendente, e me encheu daquele poder exultante. Pronunciei as últimas palavras,apontandoparaocírculodezimbro.Sentiamagiasairdemimepassarparaoquartzo.Entãoespereiquealgumacoisaacontecesse.Masnadaaconteceu.Voltei a olhar paraAdrian, na esperança de que ele tivesse visto algo que eu não
percebera.Eleencolheuosombros.—Talvezvocêtenhafeitoalgumacoisaerrada.
—Deucerto—insisti.—Eusentiamagia.—Talvezsónãodêparaver.E,comoriscodelevarumabronca,precisodizerque
vocêficalindaquandofazessascoisas.Todagraciosae…—Seusolhossearregalaram.—Hum,Sydney?Aquelapedraestápegandofogo.Olheidevoltaparaocírculo.—Ésóaresinaqueestá…Parei.Ele tinha razão.Oquartzoestava soltando fumaça.Fiqueiolhando, fascinada
e,então,lentamente,oquartzocomeçouaderreter.Mas,emvezdesedissiparemumapoça, o líquido estava adquirindo outro contorno, que logo endureceu formando algonovoeinesperado:umdragãocristalino.Era pequeno— cabia na palma da mão— e brilhava como o quartzo marrom-
escuro. Pareciamais como tipo serpentino associado à cultura chinesa do que comosdragões alados da mitologia europeia. Todos os detalhes estavam esculpidosmeticulosamente,desdeacrinaatéasescamasdapele.Erafascinante.Eestavasemexendo.Solteiumgritoedeiumpuloparatrás,esbarrandoemAdrian.Elepôsumbraçoao
meu redor, damaneiramais protetora que pôde,mas estava claramente tão assustadoquanto eu. O dragão abriu suas pálpebras de cristal e olhou para nós com olhinhosdourados.Soltouumpequenogrunhidoeentãocomeçouaandarnanossadireção,comasgarrinhasraspandoasrochas.—Quediaboéisso?—Adrianperguntou.—Achaqueeusei?—Foivocêquemcriou!Façaalgumacoisa.Quasepergunteisenãoeraelequemdeveriacuidardemim,maseletinharazão: eu
tinha invocado aquela coisa. Não importava para onde andássemos ou corrêssemos, odragão continuava a nos seguir e soltar gritinhos agudos que pareciam unhas raspandonumalousa.Pegueiocelulare tentei ligarparaasra.Terwilliger,masnãohaviasinalali.Correndo até a toalha, apanheio livrode feitiços e então corridevoltaparaondeAdrian estava. Abri no índice, procurando “callistana”. Encontrei duas entradas:“Callistana, Invocaçãode”e“Callistana,Banimentode”.Eradese imaginarqueosdoisestariam lado a lado no livro, mas estavam separados por várias páginas. Procurei apágina do segundo feitiço e encontrei instruções breves e diretas: “Depois que teucallistana tiver sealimentadoedescansado,podes invocá-loebani-loduranteumanoeumdia”.Abaixo,haviaumencantamentocurto.LevanteiosolhosparaAdrian.—Dizqueprecisamosalimentaraquilo.—Seráqueassimelecalaaboca?—eleperguntou.Seubraçoestavaaomeuredor
denovo.—Nãofaçoideia.—Talvezdêparacorrermaisrápidodoqueele.Todososmeusinstintosparaesconderosobrenaturalvieramàtona.
—Não podemos simplesmente deixar um dragão por aí pra algum excursionistaencontrar!Precisamosarranjarcomidapraele.—Nãoqueeufizesseamenorideiadoquedarparaelecomer.Comsorte,humanosevampirosnãoestavamnocardápio.UmaexpressãoresolutaperpassouorostodeAdrian.Emumagrandedemonstração
de coragem, ele avançou até a cesta de piquenique e conseguiu fechar o dragão dentrodela,baixandoatampacomforça.Ochoramingoficoumaisbaixo,masnãocessouporcompleto.—Uau—eudisse.—Másculoecorajoso.Apreensivo,Adrianolhouparaacesta.—Sóesperoquenãosoprefogo.Pelomenosestápreso.Eagora,oqueagentefaz?—Agora damos comida pra ele.—Tomei uma decisão.—Vamos levá-lo pro
TortaseTal.Não sabia se dragões comiam torta, mas era a fonte de alimento mais próxima
disponível.Alémdisso,eutinhaquasecertezadequeocelularfuncionarialá.Adriannoslevoudecarroparaopequenorestauranteenquantoeuseguravaacestabarulhentacomcuidado.Eleentrou,enquantoeufiqueinocarrotentandoligarparaasra.Terwilliger.Caiunacaixapostalenemmepreocupeicomasformalidades.Seráqueelanuncaestavapertodocelular?— Me ligueagora — eu disse entredentes. Os gritinhos do dragão estavam
começandoameirritar.Adrian voltou cerca de dezminutos depois carregando duas sacolas. Fiquei olhando
assombradaenquantoeleentravanocarro.—Vocêcomproualojatoda?—Não sabiadeque tipoelequeria—ele argumentou.Asduas sacolas continham
meia dúzia de fatias de torta diversas. O conteúdo de cada uma estava anotadocuidadosamentenoembrulho.—Tambémnãosei—eudisse.Adrianvasculhouassacolasetirouumafatiadetortadecoco.—Seeufosseumdragão,gostariadessa.Nãodiscuti,sobretudoporquenãohavianenhumargumentológiconaquelafrase.Ele
tirou a tampa da torta e então olhou paramim com expectativa. Engolindo em seco,abri a cesta e torci para que o dragão não saísse e atacasseminha cara com as garras.Adrian colocou a torta rapidamente dentro da cesta.Ansiosos, nos debruçamos paraolhar.Aprincípio, pareceuqueo dragão realmente sairia atrás de nós.Então, percebeu a
torta.Acriaturinhadecristalcheirouafatia,deualgumasvoltasaoredordelaeentãocomeçou a roê-la com mordidinhas minúsculas. O melhor de tudo foi que os gritospararam. Ficamos olhando maravilhados enquanto o dragão chegava a um terço datorta.Então,de repente, ele roloudecostas e começoua roncar.Adrianeeu ficamosali,parados,atéfinalmentecriarmoscoragemparaolharumparaooutro.—Achoquevocêestavacertosobreosabor—eudisse.
—Seráquedáprabaniressacoisaagora?—eleperguntou.—Achaqueelecomeuedescansouobastante?Pegueiolivrodefeitiçoserelioencantamento.—Vamosdescobrirlogo.Reciteiaspalavras.Ocorpododragãosoltou fumaça.Elecomeçoua tremeluzire,
em questão de segundos, estávamos olhando para um pedaço inerte de quartzoesfumaçado.Emmais umademonstraçãode coragem,Adrian apanhou a pedra,mas amanteve o mais longe possível enquanto a examinava. O toque do meu celular nosassustou, e ele deixou o cristal cair de volta dentro da cesta.Olhei para a tela e vi onomedasra.Terwilliger.—Asenhoramefezinvocarumdragão!—exclamei.—Nadadisso—elarespondeu.—Callistanassãoumtipodedemônio.Congelei.—Demônio?—Bom—ela emendou—,umdemôniomuitopequenoenormalmentebenigno.
—Nãorespondiporumtempo.—Sydney?Aindaestáaí?—A senhorame fez invocar um demônio— respondi, com a voz dura.— Sabe
como me sinto em relação ao sobrenatural. Passou esse tempo todo tentando meconvencerdequeusamosmagiaparaobemmaiornabatalhacontraomaleacaboumefazendoinvocarumacriaturadoinferno!—Criatura do inferno?— Ela bufou.—Nãomesmo.Você não sabe nada sobre
demônios. Falei que são benignos, não falei? Callistanas podem ser muito úteis. Elesavisamsetemmagianegraporpertoeatétentamdefendervocêseforatacada.Nãoqueconsigamcausarmuitosdanos.Eunãotinhatantacerteza.—Sesãotãoúteis,porqueasenhoranãotemum?—Ah,bom, já estounumnível emqueconsigo sentirmagianegra sozinha.Além
disso, como perdão da palavra, callistanas são um saco. Eles fazem aquele barulhinhoirritante quando estão com fome. Gatos são mais do que adequados para as minhasnecessidades.—Sim—eudisse.—Noteiapartedobarulho.Deiumpoucodetortapraeleeo
transformeidevoltanumapedra.— Pronto, viu?— Fazia dias que eu não a ouvia tão contente.—Veja como já
avançou.Aconteçaoqueacontecernesseproblemãoemquenosmetemos,maisdoquenuncatenhocertezadequefizaescolhacertaaopôrvocênocaminhomágico.Euestavacomcoisademaisnacabeçaparaagradeceroelogio.—Então,oquefaçoagora?—Ele vai desaparecer sozinho depois de um ano e um dia.Até lá, pode chamá-lo
quandoprecisar.Podetentartreiná-lo.E,claro,vaiprecisardarcomidaparaele.Oquequerquefaça,eleserá lealavocê.Elecriaumvínculocomaprimeirapessoaquevêevaiprecisarpassartempocomvocê…Sydney?Aindaestáaí?
Eutinhaficadoemsilênciodenovo.—Aprimeirapessoaquevê?—finalmenteconseguiperguntar.—Enãoapessoa
quelançouofeitiço?—Bom,normalmentesãoamesmapessoa.OlheiparaAdrian,queestavacomendoumafatiadetortadeamoraenquantoouvia
atentamenteomeuladodaconversa.—Oqueacontece se tiverduaspessoas láquandoeleabrirosolhos?Adrianestava
comigoquandofizainvocação.Agorafoielaquemficouemsilêncio.—Ah…Humm.Bom,achoquedeviaterfaladoalgumacoisaantesdevocêlançaro
feitiço.Aqueleeraoeufemismodoséculo.—A senhora devia terme falado várias coisas antes de eu lançar o feitiço!O que
aconteceseodragão…oudemônio,sei lá,viuAdrianeeu?Elecriouumvínculocomosdois?—Pense nesses termos— a sra.Terwilliger disse, depois de váriosmomentos de
consideração.—Ocallistanaachaquevocêssãoospaisdele.
18
Eu definitivamente não estava esperando voltar do passeio daquele dia com a guardacompartilhada de um minidragão. (Eu me recusava a chamá-lo de demônio.) E logoficouclaroqueAdriannãoseriao“pai”maisdedicado.—Podeficarcomeleagora—elemedissequandovoltamosaAmberwood.—Eu
ficonosfinsdesemana.—Vocênãofaznadadavida—protestei.—Alémdisso,faltampoucosdiasparao
fimdesemana.Enemsabeseeleémenino.—Bom,nãoachoqueeleváseimportar,eeuéquenãovouinvestigarpradescobrir
averdade.—Adriancolocouoquartzonacestaefechouatampaantesdemeentregá-la.—Vocênãoprecisainvocá-looutravez,sabe.Pegueiacestaeabriaportadocarro.—Eu sei.Masme sintomal deixando o bicho feito pedra.—A sra.Terwilliger
haviameditoqueseriamaissaudávelparaeleseodeixassesairdevezemquando.—Viu? Já está com instintomaternal.Você tem jeito pra coisa, Sage.—Adrian
sorriuemedeuumasacolacomfatiasdetorta.Eletinhaficadocomalgumas.—Vejasó.Vocênemprecisamais rompera tatuagem.Achaqueestariacuidandodeumbebêdragãoummêsatrás?— Não sei. — Mas ele tinha razão. Provavelmente eu teria saído correndo e
gritando pelo deserto. Ou talvez tentado um exorcismo. —Vou ficar com ele porenquanto,masvocêprecisacumprirsuaparteemalgummomento.Asra.Terwilligerdissequeocallistanaprecisapassartempocomnósdois.Humm…—Hummoquê?Balanceiacabeça.—Sóestoupensandomaispra frente. Imaginandooque fariacomeleserealmente
fosseparaoMéxico.Adrianmeolhou,confuso.—OquetemnoMéxico?
Foientãoquepercebiqueissonuncatinhavindoàtona.AdriansósabiadatarefaqueMarcus me passara e do rompimento da tatuagem, não do selamento. Eu não estavaguardando segredo sobre o resto,mas, de repente,me senti desconfortável ao contarissoparaele.—Ah. Então…Marcus diz que, depois que eu fizer esse tal ato rebelde, podemos
romperoselementosemelivrardocontroledatatuagem.Masprarealmenteconterofeitiço e garantir que a tatuagem nunca mais seja reparada, preciso tatuar em cima,como ele fez. Ele chama isso de selar a tatuagem, e só funciona com um compostoespecialqueédifícildeencontrar.ElefezadelenoMéxicoevailevaralgunsVingadoreslápraquefaçamtambém.—Entendi.—OsorrisodeAdrianhaviasumido.—Entãovocêvaicomeles?Encolhiosombros.—Nãosei.Marcusquerqueeuvá.—Claroquequer.Ignoreiotomdele.—Estoupensandoainda…maséumgrandepasso.Nãosópela tatuagem.Se fizer
isso,nãotemmaisvolta.Estareidandoascostasparaosalquimistas.—Eparanós—eledisse.—CasosóestejaajudandoJillparacumprirordens.—Vocêsabequeaquestãonãoémaisessa.—Denovonãogosteidotomdele.—
Sabequegostodela…detodosvocês.Seurostoestavasério.—Emesmoassimfugiriacomumcaraqueacaboudeconhecer.—Nãoéverdade!Nãoiríamos“fugir”juntos.Euvoltariapracá!Eviajaríamospor
ummotivomuitoespecífico.—Praiasemargaritas?Fiqueisempalavrasporalgunsmomentos.Oqueeledisseeramuitoparecidocoma
piadadeMarcus.SeráqueissoeratudoqueaspessoasassociavamaoMéxico?— Entendi agora — retruquei. —Você estava concordando plenamente que eu
rompesseatatuagemepensasseporcontaprópria,massóenquantofosseconvenienteavocê, né?Assim como aquela história deme“amar de longe”, que só funciona quandonãotemaoportunidadedepôrasmãosemmim.Eoslábios.E…tudomais.Adrianraramenteficavabravo,enãodiriaqueestavaexatamentebravoagora.Mas
comcertezaestavaexasperado.—Vocêrealmenteestánegandotantoarealidade,Sydney?Realmenteacreditaemsi
mesmaquandodizquenãosentenada?Aindamaisdepoisdoquevemacontecendoentrenós?—Nãovemacontecendonadaentrenós—respondiautomaticamente.—Atração
físicaémuitodiferentedeamor.Vocêdeveriasaberdissomelhorquequalquerpessoa.—Puxa—eledisse.Suaexpressãonãohaviamudado,masviumamágoaemseus
olhos.Euhaviaferidoossentimentosdele.—Éissoqueincomodavocê?Meupassado?Quetalvezeusejaumespecialistanumaáreaemquevocênãoé?
—Umaáreaemquevocêadorariameeducar,né?Maisumagarotapracolocarnasualistadeconquistas.Eleficousempalavrasporalgunsinstanteseentãoergueuumdedo.— Primeiro, não tenho uma lista.— Outro dedo.— Segundo, se tivesse uma,
poderiaencontraralguémmuitomais fácilparacolocarnela.—Parao terceirodedo,ele seaproximoudemim.—E,porúltimo, seiquevocê sabequenãoéumasimplesconquista, então não finja realmente acreditar nisso. Nós passamos por muita coisajuntos.Somosmuitopróximos, temosuma ligaçãomuito forte.Eunãoestavatomadopelo espírito quando disse que você éminha chama na escuridão.Nós afugentamos astrevasumdooutro.Nossospassadosnãoimportam.Oquetemosémaiordoqueisso.Eu amo você e, por trás dessa fachada lógica, calculista e supersticiosa, sei que vocêtambémmeama.FugirproMéxicoeevitartodososseusproblemasnãovaimudarisso.Vocêsóvaiacabarconfusaeassustada.—Jámesintoassim—eudissebaixinho.Adrianserecostounobanco,comoarcansado.—Bom,essaéamaiorverdadequevocêfalouatéagora.Pegueiacestaeabriaportadocarrocomtudo.Semdizeroutrapalavra,saíapassos
durosemdireçãoaoalojamento,merecusandoaolharparatrás,paraqueelenãovisseas lágrimasque inexplicavelmentehaviamsurgidonosmeusolhos.Eusónãosabiaquepartedaconversahaviameabaladomais.Senti que conseguiria conter as lágrimas quando cheguei ao quarto, mas ainda
precisava me acalmar. Mesmo depois de tranquilizar minhas emoções, era difícilesquecer as palavras dele. Você é a minha chama na escuridão. Nós afugentamos astrevasumdooutro.Eunemsabiaoqueissoqueriadizer!Pelomenossubirclandestinamenteparaoquartocomumdragãomedistraiu.Entrei
com a cesta, na esperança de que dragões demoníacos não fossem consideradoscontrabando.Ninguémmeparouenquantoeusubiaasescadas,efiqueimeperguntandocomooprenderiaseoinvocassedenovo.Quandochegueiàporta,encontreiJillparadadoladodefora,comumbrilhoentusiasmadonosolhosverde-claros.—Querover—eladisse.Olaçoeramaisintensoemmomentosdegrandeemoção
e,a julgarpelacaraqueAdrian tinha feitoquandoodragãoestavanosperseguindo,asemoções dele estavam fortes. Fiquei me perguntando se ela havia testemunhado nossadiscussão também ou se isso não tinha passado através do laço.Talvez ela já estivesseacostumadaàtensãoentremimeeleaessaaltura.— Não posso libertar o dragão ainda — eu disse, deixando que ela entrasse no
quarto.— Preciso de alguma coisa onde possa guardá-lo. Como uma gaiola.Talvezcompreumaamanhã.Jillfranziuatesta,eentãoabriuumsorriso.—Tenhouma ideia.—Elaolhouparaomeudespertador.—Esperoquenãoseja
tardedemais.E, semexplicação, saiuprometendovoltar logo.Euaindaestavaumpoucotrêmula
porcausadamagia,masnãohaviatidotempodecorrigirasituaçãocomtodasasoutrasagitaçõesdodia.Entãomesenteiàescrivaninhacomumlivrodefeitiçosecomiorestodatortadecremedecoco,quejáestavamole,tomandocuidadoparaantescortarforaaparte que o dragão havia comido. Não sabia se callistanas transmitiam germes, maspreferinãoarriscar.Jill voltou uma hora depois, trazendo um aquário de vidro retangular, do tipo em
quesecolocampeixesouhamsters.—Onde conseguiu isso?— perguntei, tirando o abajur da escrivaninha para que
aquilocoubesse.—Comaminhaprofessoradebiologia.Nossoporquinho-da-índiamorreualgumas
semanasatráseelaficoutristedemaisparacompraroutro.—Ela não perguntou para que você usaria?—Examinei o tanque e vi que estava
impecável. Pelo jeito, alguémo limpara depois do falecimento do porquinho-da-índia.—Nãopodemosterbichinhosdeestimação.—Faleipraelaqueestavaconstruindoumdiorama.Elanãoquestionou.—Ansiosa,
Jill colocou o aquário em cima damesa.— Podemos devolver quando você compraroutro.Coloquei o cristal de quartzo dentro do aquário e fechei a tampa com força, me
certificando de que estava bem presa. Jill insistiu mais um pouco, e finalmentepronuncieiaspalavrasdeinvocação.Depoisdesoltarumpoucodefumaça,oquartzosetransformou em dragão outra vez. Felizmente, ele não estava mais fazendo aquelebarulho, então imaginei que ainda estivesse cheio. Em vez disso, ficou andando pelotanque, examinando seu novo lar. Em determinado momento, tentou escalar um dosladosdanovagaiola,massuasgarrinhasnãoconseguiamseagarraraovidro.—Ufa,quealívio—eudisse.OrostodeJillestavamaravilhado.—Acho que ele vai ficar entediado aí dentro.Você devia comprar uns brinquedos
praele.—Brinquedosparaumdemônio?Dartortanãoéosuficiente?—Elequervocê—elainsistiu.Eraverdade.Quandoolheiparaotanque,encontreiocallistanameobservandocom
adoração.Eleestavaatéabanandoorabinho.—Não—eudisseparaele,comfirmeza.—IssonãoéumfilmedaDisneypraeu
terumamiguinhofofo.Vocênãovaisair.Corteiumpedaçodetortademirtiloecoloqueidentrodotanque,casoelequisesse
umlanchinhonoturno.Eumerecusavaaarriscarumchamadonomeiodanoite.Depoisdepensarummomento,coloqueitambémumabolinhaantiestresseeumlenço.—Pronto—eudisseaJill.—Comida,brinquedoeumacama.Estáfeliz?Ocallistanapareciaestar.Elejogouaboladeumladoparaooutroalgumasvezese
então se enrolou no ninho que eu tinha feito com o lenço. Parecia mais ou menossatisfeito,excetopelofatodequeficavaolhandoparamimatodahora.
—Óin—eladisse.—Comoeleéfofo.Quenomevocêvaidarparaele?Comoseeuprecisassedemaisumacoisacomquemepreocupar.—O“pai”delepodedaronome.JáestoudevendoumparaoMustang.Depois de olhar o callistana encantada pormais um tempo, Jill finalmente foi para
seu próprio quarto. Eume preparei para ir para a cama também, sempre de olho nodragão.Maselenão feznadaameaçador,eeuatéconseguidormir,emborativesseumsonoagitado.Ficavaimaginandoqueeleencontrariaumamaneiradesaireviriaparaacamacomigo.E,claro,tambémtinhamedodequeVeronicaviesseatrásdemim.Acabeiatingindoumsonoprofundo,duranteoqualAdrianmelevouparaumsonho
deespírito.Depoisdanossabrigadeantes,eusinceramentenãoesperavavê-lonaquelanoite, o que haviame deixado triste.O salão do casamento sematerializou ao nossoredor,masaimagemtremiaeficavasaindodefoco.—Penseiquenãoviria—eudisseaele.Nada de trajes formais naquela noite. Ele estava usando a mesma roupa de antes,
jeans e a camiseta daEIA, embora ambos parecessem um poucomais amassados. Foientãoquemetoqueiqueeracomoeleestavanomundoreal.—AchouqueeuabandonariavocênasgarrasdaVeronica?—Não—admiti.—Qualéoproblemadosalão?Elepareceuumpoucoenvergonhado.—Meucontrolenãoestámuitobomhoje.Nãoentendiporquê…nocomeço.—Vocêestábêbado.—Bebiumpouquinho—elemecorrigiu,serecostandoemumadasmesas.—Se
estivesse bêbado, nem estaria aqui. E, na verdade, até que está bom depois de quatroWhiteRussians.—Whiteoquê?—Fizmençãodesentar,masestavacommedodequeacadeirase
desmaterializasseembaixodemim.—É um drinque— ele disse.—Era de se imaginar que eu não gostaria de uma
coisacomessenome,sabe,considerandominhaexperiênciapessoalcomrussos.Maselessão surpreendentemente deliciosos.Os drinques, não os russos.TemKahlúa também.Podeserodrinquequevocêsemprequisnavida.—Kahlúanão temgostodecafé—eudisse.—Entãonemcomece.—Euestava
morrendodecuriosidadedesaberporqueelehaviabebido.Àsvezes,Adrianbebiaparaatenuaroespírito,maselepareciaaindaquereracessaramagianaquelanoite.E,claro,duranteboapartedotempo,nemprecisavadeummotivo.Nofundo,fiqueipensandosenossabrigaoterialevadoabeber.Nãosabiaseissofaziaeumesentirculpadaoubrava.—Eutambémprecisavavirmedesculpar—eledisseesentou,aparentementesem
medodascadeiras.Porummomento,sentiummedoinexplicável,acheiqueelefosseretiraroquehavia
ditosobreeuserumachamanaescuridãoparaele.Emvezdisso,eledisse:—Sevocêprecisa irparaoMéxico terminaroprocesso, eu entendo.Foiumerro
criticar você por isso ou sugerir que eu tinha algum poder de decisão nessa história.Umadas coisasmais incríveis sobre você é que, no fimdas contas, sempre tomaboasdecisões. Nem sempre dá pra dizer o mesmo sobre mim. Decida o que quiser, vouapoiarvocê.Aquelaslágrimasirritantesameaçaramvoltar,episqueiparaquenãorolassem.—Obrigada.Issosignificamuitoparamim…E,prafalaraverdade,aindanãoseio
quevoufazer.SeiqueMarcustemmedoqueeuacabememetendoemencrencaevolteaficarsobocontroledosalquimistas.Mas,enfim,achoquecontinuarfazendopartedosalquimistasmedariamaispodere,alémdisso…nãoquerodeixarvocê.Ahn,vocês.Eleabriuumsorrisoqueiluminoutodooseurosto.Comoumachamanaescuridão.—Bom,“nós”ficamosmuitocontentesemouvirisso.Ah,etambémseráumprazer
cuidardonossoqueridofilhotinhodedragãoenquantovocêestiveremSt.Louis.Retribuíosorriso.—Comoumapedraounaformareal?—Aindanãodecidi.Comoeleestáagora?—Estátrancadonumaquário.Achoqueeuacordariaseelesubissenacamacomigo,
entãoaindadeveestardormindo.—Aomenoseraoqueeuesperava.—Bom,tenhocertezadequesubirnacamacomvocêseria…—Adrianengoliuo
comentárioqueestavaprestesafazer.Emvezdisso,apontouparaamesaeumtabuleirodeBancoImobiliárioapareceu.—Vamosjogar?Caminheiatéamesaeexamineiotabuleiro,quetambémparecia tersofridocoma
bebedeiradele,considerandoquemetadedasruasestavaembranco.Asqueestavamlátinhamnomescomo“travessaCastile”e“avenidaChavedeCadeia”.—Estãofaltandoalgumascoisasnotabuleiro—eudisse,diplomática.Adriannãopareceupreocupado.—Bom,achoqueissomelhoraassuaschances.Nãopuderesistiràprovocaçãoemeatreviasentaremumadascadeiras.Sorripara
eleecomeceiacontarodinheiro,contenteportudoestar(relativamente)normalentrenósdenovo.
19
Nãoseicomo,masperdidenovo.SeAdrianfossecapazdefazercálculosdecabeça,poderiajurarqueestavausandoseus
poderesparaafetaramaneiracomoodadorolava.Omaisprovável,porém,eraqueeletinhaumtalentonaturale inexplicávelparaBanco Imobiliário…oumuita,masmuitasorte.Apesar de tudo, foi divertido, e perder para ele era muito melhor do que terVeronicame atormentando durante o sono. Ele continuou ame visitar em sonho nosdiasseguintese,emboraeununcamesentissecompletamenteasalvodeVeronica,pelosmenosnãoprecisavagastarmeusneurôniosmepreocupandocomelaotempotodo.EssahonrapassouaserdaminhaviagemparaSt.Louisnofimdesemana,quechegouantesdoqueeuimaginava.Depoisqueentreinoavião,medeicontadoqueestavaprestesafazer.Aqueleerao
ponto de virada. Na segurança de Palm Springs, eu vinha conseguindo manter umapostura relativamente calma e controlada. St. Louis parecera muito longe até então.Agora, as tarefas diante de mim pareciam colossais e um tanto malucas. Sem falarperigosas.Não havia nenhuma parte daquilo que não pudessememeter em encrenca.Mentir para Stanton. Invadir servidores ultrassecretos.Até mesmo seduzir Ian paraconseguirinformaçõespoderiaterconsequências.E, sinceramente, quem era eu para achar que conseguiria seduzi-lo e arrancar
segredosdele?EunãoeracomoRoseouJulia.Oshomenssejogavamaospésdelas.Maseu?Eunãotinhaomenortraquejosocialeomenorjeitocomromance.Ianpoderiaatégostar demim,mas isso não significava que eu tinha algum podermágico sobre ele.Claro,seessapartedoplanofracassasse,euficarialivredasoutrastarefas.Aquilotudoeracompletamenteopressivoe,enquantoeuolhavafixamentepelajanela
do avião, observando St. Louis se aproximar cada vezmais,meumedo foi crescendo.Minhasmãosestavamsuadasdemaisparasegurarumlivroe,quandorecuseicomida,foiporcausadofrionabarriga,nãoporumaobsessãocomcalorias.Não conseguia decidir se ficava em um quarto de hotel ou na própria base, que
hospedava alquimistas em visita como eu. No fim das contas, me decidi pelo hotel.Quantomenostempopassassesoboolharvigilantedosmeussupervisores,melhor.Assim também não teria que me preocupar que minha roupa chamasse muita
atenção. Não tinha seguido todas as sugestões deAdrian, mas o vestido que haviacompradoparaaviagemeraumpoucomaischamativodoqueeuusavanormalmentenodia a dia. Certo, muito mais chamativo.Teria destoado completamente dos trajessimplesedecoresneutrasdosalquimistas.Mas,quandoencontreiIannosaguãodohotelparaojantar,percebiquetinhafeitoaescolhacerta.—Uau—eledisse,deolhosarregalados.—Vocêestáincrível.Pelojeito,osinstintosalquimistasdelenãoseofenderamcomaminharoupa.Eraum
vestido justoque iaatéomeiodacoxa,abertonascostasecomumdecote tãograndequemedeixavaconstrangida,juntandoosseiosaumpontoqueeunemachavapossível.Qualquermodéstiaqueasmangaslongaspudessemoferecereradesfeitapelacombinaçãodetecidos:umforrobegecobertoderendapretaemarrom.Davaailusãodequeeunãoestava usandonada por baixo.A vendedora haviame garantido que todas as partes dovestido deveriam ficar apertadas daquele jeito (pela primeira vez na vida, eu tinhapedido para experimentar um númeromaior) e que eu precisava de um salto de pelomenosdezcentímetrosparafazeroconjuntofuncionar.Comaajudadeváriosgrampos,eu tinha até conseguido prender o cabelo em um coque, o que não era nada fácil commeucorteemcamadas.Fiqueienvergonhadaenquantoatravessavaosaguão,masninguémmelançounenhum
olharestarrecido.Ospoucosquerecebiforamdeadmiração.Ohotelerabemchique,eeuerasómaisumaentreasváriasmulheresusandovestidoformal.Nadaescandalosoouforadocomum. Vocêconsegue,Sydney. Eusarumvestidoreveladornãodeviasertãodifícilquantoinvadirumservidor,certo?Certo?SorriquandomeaproximeideIanedeiumrápidoabraçonele,oquefoiestranho—
emparteporqueeraIan,emparteporqueeumesentianuanaquelevestido.Esselancedemulherfataleramaisdifícildoqueeuimaginava.—Quebomvervocêdenovo—eudisse.—Seicomodeveserinconveniente,tão
emcimadahora.Iansacudiuacabeçacomtantaforçaquequaseespereiouvirumchocalho.—Nã…não.Inconvenientenenhum.Convencidadequeeletinhadadoumaboaolhada,vestimeucasacopreto,eapontei
paraasaída.—Vamosenfrentarofrio?Ele correu na minha frente para abrir a porta.Alguns flocos de neve dispersos
estavam caindo e pousaramnomeu casaco e nomeu cabelo.Meu hálito formava umanuvem gélida no ar, e tive uma lembrança súbita de atravessar o terreno baldio comAdrianparausarofeitiçodeclarividência.MalsabiaeuqueprocurarMarcusresultariaemcumprirmissõesparaeleemumvestidojusto.
Ian havia parado o carro no estacionamento em frente ao hotel. Ele dirigia umCorolla,queeraaindamaissemgraçaporserbranco.Umambientadoremformatodeárvore ficava pendurado no espelho retrovisor,mas, em vez de ter o aroma de pinhotradicional, umpequeno rótulo chamava o perfumede“Cheirinho de carro novo”.Naverdade, fedia a plástico. Assumi uma expressão destemida. Marcus estavadefinitivamentemedevendouma.—Fiz uma reserva para nós num restaurante de frutos domarmuito bom—ele
disse.—Ébempertodabase,entãopodemosirparaacerimônialogodepois.—Pareceótimo—eufalei.Eununcacomiafrutosdomaremumestadotãolonge
dacosta.O restaurante se chamava Esconderijo Fresco, o que não melhorou muito minha
opinião sobre ele. Mesmo assim, eu precisava dar crédito pela tentativa de criar umambiente romântico.A maior parte da iluminação vinha de velas, e um pianista nocantotocavamúsicasagradáveis.Outraspessoasbem-vestidasenchiamasmesas,rindoeconversandodiantedetaçasdevinhoecoquetéisdecamarão.Orecepcionistanosguiouatéumamesanocanto,cobertaporumatoalhabordôedecoradacomumramalhetedeorquídeasverdes.Eununcatinhavistoumatãodepertoefiqueisinceramentefascinadacom sua aparência exótica e sensual. Se ao menos estivesse ali com qualquer outrapessoa…Hesiteiemtirarocasaco.Faziacomquemesentisseexposta,epreciseimelembrar
das consequências da ligação entre alquimistas e guerreiros.Assim que o vestido foirevelado outra vez, tive o prazer de ver Ian se derreter de novo. Eu me lembrei doconselho deAdrian sobre autoconfiança e abri um sorriso convencido, na esperança dedara impressãodequeestavafazendoumgrandefavoraIanaopermitirqueficassenaminha presença. E, para a minha surpresa total e absoluta, pareceu funcionar.Inesperadamentemepegueicomumpensamentoperigoso:talveznãofosseovestidoquetinhapoderali.Talvezfosseeu.Abriocardápioecomeceiaprocurarumaopçãodecarneoufrango.—Oquevocêrecomenda?—Odouradoéótimo—eledisse.—Opeixe-espadatambém.Ogarçomparouaonossolado,epediumasaladaCaesardefrango.Imagineiqueeles
nãoteriamcomoerrarasanchovasnomolho.Ficamossozinhosesperando,semnadaparafazersenãoconversar.Iancomeçou:—Achoquenãopodemefalarondeestá,né?— Desculpe, mas não posso. Sabe como é.— Passei exatamente meia colher de
manteiga numpãozinho.Nãoqueria exagerar,mas poderiamepermitir umpoucodeprazer já que havia pedido uma salada.—Posso dizer que estou em campo.Mas nãopossocontarmuitomais.OsolhosdeIansedesviaramdomeudecoteesevoltaramparaachamadavela.—Tenhosaudadedisso,sabe.Ficaremcampo.
—Você ficava, né? O que aconteceu?— Eu não tinha pensado muito sobre issoultimamente,mas, quando Ian acompanhara Stanton e eu até a corteMoroi, ele haviasido tirado de seu posto para fazer a viagem. Ele tinha uma missão mais no sul, naFlóridaounaGeórgia,seeunãoestivesseenganada.—OqueaconteceufoiqueaquelesMoroinosprenderam.—Elesevirouparamim
emesurpreendicomafúriaemseuolhar.—Nãolideimuitobemcomisso.—Nenhumdenóslidou.Elebalançouacabeça.— Não, não. Eu realmente não lidei bem. Meio que perdi a cabeça. Eles me
mandaramparaocontrolederaivadepoisdisso.Quase deixei o pãozinho cair. Por essa eu não esperava. Semepedissempara citar
dez pessoas que precisavam de controle de raiva, Ian não estaria nem no fim da lista.Meupai,poroutrolado,estariapertodotopo.—Por…porquantotempovocêficoulá?—gaguejei.—Duassemanas,edepoismedeixaramsair.Eunãosabiaa intensidadedaraivaqueelehaviasentidoparaser levadoaocontrole
deraiva,masacheiinteressantequeduassemanasforamobastanteparaosalquimistasoconsideraremprontoparatrabalhardenovo.Enquantoisso,oesquemadeKeithdeusarosMoroiparaganhardinheirohaviafeitocomquemerecessepelomenosdoismesesnareeducação—talvezmais,jáqueeunãoouvianotíciasdelefaziatempo.—Maselesnãomedeixarammaistrabalharemcampo—Ianacrescentou.—Acho
quenãopossoficarpertodosMoroiporumtempo.Éporissoqueestoupresoaqui.—Nosarquivos.—Sim.— Não parece tão ruim— eu disse a ele. Não era totalmente mentira.— Um
montedelivros.—Nãoseengane,Sydney.—Elecomeçouadespedaçaropãodecenteio.—Sósou
umbibliotecáriosupervalorizado.Talvez,masnãoeracomissoqueeuestavapreocupada.Minhapreocupaçãoeraque,
segundoWade, os arquivos ficavam em um andar protegido, logo acima da sala devigilância que abrigava as imagens de segurança. Ele haviame desenhado ummapa decada andar, fazendo questão de que eu memorizasse a planta e os melhores jeitos deentraresair.—Mesmo assim, eu adoraria ver— eu disse.—Quer dizer, a história que eles
contêm é fascinante. — Também não era totalmente mentira. Eu me debrucei,pousandooscotovelosnamesa,etiveoprazerdeverosolhosdeledesceremparaomeudecote.Nãoeratãodifícil.Parafalaraverdade,nãosabiaporquenãotinhacomeçadoausarmeus“encantos femininos”muitoantes.Claro,não sabiaque tinhaalgumencantofeminino até aquelemomento.—Vocêpoderiame levar emum tour?Nos arquivos,especificamente.Vocêpareceotipodepessoacomacessoa…muitoslugares.Ianengasgoucomopãozinho.Depoisdeumacessodetosse,olhouparaomeurosto,
depoisparameudecote(denovo)edepoisnovamenteparameurosto.—Hum, eu adoraria,mas não é exatamente aberto ao público…quer dizer, nem
mesmopropúblico alquimista. Só quem tem autorização especial de pesquisador podeentrar.Maspodemosvisitaraspartesdeacessogeraldoprédio.—Ah.Entendi.—Baixeiosolhosparaoprato,fazendoumlevebeicinho,masnão
dissemaisnada.Quandoogarçomchegoucoma comida, torciparaquemeu silêncioestivessefazendocomqueelereconsiderasseoquepoderiaestarperdendo.Por fim, Ian não conseguiu aguentar mais. Ele pigarreou, talvez porque ainda
estivessecompãopresonagarganta.— Bom, talvez eu consiga… sabe, o problema é levar você para os andares de
segurançamáxima.Seagentepassassepelopostodecontrole,nãoseriadifícillevarvocêatéosarquivos,aindamaisseeuestivertrabalhando.— Mas você não pode fazer nada em relação ao posto de controle principal? —
provoquei,comosetodohomemdeverdadedevessesercapazdefazerisso.—Não, quer dizer… talvez.Tenho um amigo que trabalha lá.Não sei se ele vai
trabalhar amanhã,mas,mesmo assim, talvez possa ajudar. Ele estáme devendo umagrana,entãopossousarissocomomoedadetroca.Acho.—Ah, Ian.—Abriumsorrisoqueesperava ser tãobomquantoodeMarcus.—
Que incrível.—Eume lembreidoqueAdrianhaviadito.—Vou ficardevendoumapravocêsefizerissopormim.Ele ficou visivelmente contente com a minha reação, e fiquei me perguntando se
Adrianestavacertosobreainterpretaçãode“ficardevendouma”.— Ligo pra você hoje à noite, depois da cerimônia — Ian disse. Ele parecia
determinadoagora.—Tomaraquedêcertoantesdoseuvooamanhã.Euorecompenseiescutandoatentamenteatodasassuaspalavraspelorestodojantar,
como se nunca tivesse ouvido nada tão fascinante. Enquanto isso, meu coração estavaaceleradocomaideiadequeagoraeuestavaaumpassodecumpriratarefadeMarcus,a um passo de talvez provar uma conexão entre um bando de fanáticos armados e aorganizaçãoaqueeutinhaservidotodaaminhavida.A salada eraminúscula, então aceitei vero cardápiode sobremesas depois doprato
principal. Ian sugeriu que dividíssemos,mas achei essa ideia um pouco íntima demaisparaomeugosto,semfalarqueeraanti-higiênica.Acabeicomendoumafatiadetortade limão sozinha, confiante que ainda faltava muito para atingir dois quilos. QuandoAdrianmedisseraqueeupareceriamaissaudávelseganhasseumpouquinhodepeso,elehaviaacrescentadoqueeupoderiaaumentarotamanhodomeusutiã.Eunemconseguiaimaginaroqueissofariaporaquelevestido.Abase alquimistaemSt.Louis ficavadentrodeumcomplexo industrial gigantesco
sob a fachada de uma fábrica. Instituições Moroi — a corte e suas escolas —normalmente fingiam ser universidades. Era irônico o fato de “criaturas da noite”viverememmeioa jardinslindamenteplanejados,enquanto“servosdaluz”,comonós,seescondiamemprédiosfeiosesemjanelas.
Dentro,porém,tudoeralimpo,reluzenteeorganizado.Umarecepcionistafeznossoregistrodeentradaquandochegamosaoguichêprincipalenosdeupassagem,juntocommuitosoutrosquehaviamchegadopara a cerimônia.Havia líriosdouradospor toda aparte.Paramuitos,eraumeventofamiliarmuitoanimado,eváriascriançasarrastavamseus pais alquimistas.Tive uma sensação estranha ao olhar para aquelas crianças quehaviam nascido dentro do mundo alquimista. Fiquei pensando como elas se sentiriamdali a dez anos. Será que estariam animadas em assumir o desafio?Ou começariam aquestionaroquehaviamaprendido?A base tinha três andares acima do nível do solo e cinco abaixo. Seria difícil para
pessoascomunssimplesmenteentraremali,mas,mesmoassim,tomávamosprecauções,mantendoassalasmaisnormaisnoandarprincipal.Enquantopercorríamosocorredorem direção ao auditório, passamos pelo departamento financeiro, de viagem e demanutenção. Todas as salas tinham janelas abertas que davam para o corredor,mantendooidealalquimistadequenãotínhamosnadaaesconder.Assalasdesegurançamáximanosubsolo,porém,nãoeramtãoacessíveis.Eu já tinha visitado aquela base uma vez para um seminário de treinamento, que,
aliás,haviaacontecidonomesmoauditórioemqueentramosparaacerimônia.Apesardo tomespiritual do evento, o salão quasenão lembrava uma igreja.Alguémhavia sedado ao trabalho de decorar as paredes com guirlandas de sempre-viva enfeitadas comlaços vermelhos e de colocar vasos de bico-de-papagaio no palco. O salão tinhaequipamento audiovisual de última geração, incluindo uma tela gigante que dava umavisãograndiosadetudooqueacontecianopalco.Oauditórioeratãobempensadoqueaté quem estava sentado nos cantos mais extremos tinha uma boa visão, por issoimagineiqueatelaservissesóparadardestaque.Ianeeunossentamospertodomeiodoauditório.—Vocênãovaitirarseucasaco?—eleperguntou,esperançoso.Eu é que não deixaria o vestido à mostra naquele retiro de cinza, marrons e
colarinhosaltos.Alémdomais,secontinuassecomocasaco,dariaalgoparaeleesperaransioso.Adrianseorgulhariadaminhacapacidadedemanipularosexooposto…enãopude deixar de imaginar se ele seria capaz de resistir àquele vestido. Claramente, euestavaficandoautoconfiantedemaiscommeunovopoder.—Estoucom frio—eudisse, apertandoocasaco.Erameio ridículo,vistoque as
luzesdopalcoeograndenúmerodepessoas jáestavamdeixandoo salãoabafado,masimagineique,comoestavafrioláfora,amentirapoderiapassarimpune.Para alguém que costuma ser tão fria, até que você consegue esquentar bem
rapidinho.—Sydney?Évocê?Congelei,nãopela surpresadeouvirmeunome,maspelavozqueohaviadito.Eu
reconheceriaaquelavozemqualquerlugar.Lentamente,desvieiosolhosdeIaneencareimeupai.Eleestavaparadoaonossolado,usandoumcasacodelãpesado,comflocosdeneveemseucabeloloiro-escurojáumpoucogrisalho.
—Oi,pai—eudisse.Então,viquemestavaaoladodele.—Zoe?Preciseime segurar para não pular em cima dela e lhe dar um abraço. Eu não via
nemfalavacomminhairmãmaisnovadesdeanoiteemquetinhasidotiradadacamaeenviada para a missão em Palm Springs. Era a missão que ela achava que eu tinharoubadodela, apesarde todososmeusprotestos.Era amissãoque a havia afastadodemim.Olheiparaelaagora,tentandoavaliaremquepéestávamos.Elanãodemonstrouum
ódioostensivo,comononossoúltimoencontro,oqueeraumbomsinal. Infelizmente,também não estava muito simpática e afetuosa. Parecia estar com um pé atrás, meobservandocomcuidado,quasecomdesconfiança.Noteiquenãotinhaumlíriodouradonabochechaainda.—Quesurpresavervocêaqui—meupaidisse.Suas palavras de despedida haviam sido“nãome envergonhe”; portanto, não fiquei
exatamenteespantadacomsuasbaixasexpectativas.—São as festas—eudisse. Forçarum sorriso foimuitomais difícil doque vinha
sendocomIan.—Éimportanteestarcomogrupo.ConheceIanJansen?Ian,deolhosarregalados,avançoueapertouamãodemeupai.Ficouclaroquenão
estavaesperandoconhecermeuspaistãocedo.—Éumprazerconhecerosenhor.Meu pai assentiu com gravidade e alternou o olhar de mim para ele. Qualquer
surpresa que houvesse tido em me ver ali havia sido superada por me ver com um“namorado”.OlhandodesoslaioparaIan,tenteiimaginá-loatravésdosolhosdealguémcomomeupai.Arrumado,respeitador,alquimista.OfatodequeIanmeentediavaerairrelevante.Duvideiquemeupaipensassemuitosobremeusnamoros,mas,sepensasse,provavelmentenãoteriaimaginadoqueeuficariacomumbompartidocomoaquele.—Osenhorgostariadesentarcomagente?—Ianperguntou.Precisavadarcrédito
a ele: havia superado seu choque inicial e estava agora agindo como um perfeitopretendente.—Seriaumahonra.A princípio, pensei que estava exagerando. Então percebi que conhecer meu pai
poderiarealmenteserumahonra.JaredSagenãoeranenhumastrodorock,mastinhaumareputaçãoentreosalquimistasque,paraospadrõesdeles,eraextraordinária.Meupaipareceugostardabajulaçãoeaceitou.ElesentouaoladodeIan.—Sentecomasuairmã—eledisseaZoe,apontandoparamimcomacabeça.Zoe obedeceu, mas ficou olhando fixo para a frente. Entendi, então, que também
estava nervosa. Ao olhar para minha irmã, percebi quanta saudade sentia dela.Havíamosherdadoosolhos castanhosdonossopai,mas ela tinhao cabelo castanhodanossamãe,oquemedeixavacomumpoucodeinveja.Zoetambémpareciamuitomaisarrumadadoquedaúltimavezqueatinhavisto.Elaestavacomumvestidobonitodecaxemiramarrom-escuroenãotinhaumúnicofiodecabeloforadolugar.Algoemsuaexpressãome incomodou,masdemorei para perceber exatamenteo quê.Logomedeiconta.Elapareciamaisvelha.Pareciaquaseadulta,comoeu.Imagineiqueerabesteira
daminhaparteficartriste,vistoqueelajátinhaquinzeanos,maspartedemimqueriaqueelacontinuasseumamenininhaparasempre.—Zoe— eu disse baixinho, embora não precisasseme preocupar que os homens
ouvissem.MeupaiestavainterrogandoIan.—Fazmuitotempoqueeuqueriafalarcomvocê.Elafezquesim.— Eu sei.Amamãeme fala sempre que você liga.—Mas ela não deu nenhuma
desculpaparaevitarminhasligações.—Desculpepelamaneiracomodeixei ascoisas.Nuncaquismagoarvocêoupuxar
seutapete.Penseiqueestavafazendoumfavoravocê,evitandoqueseenvolvesse.Abocadelaficoutensaealgofirmebrilhouemseusolhos.— Não ligo de me envolver. Quero me envolver, você sabe disso. E teria sido
ótimo! Estar no campo com quinze anos. Eu poderia ter começado uma carreirabrilhante.Opapaificariaorgulhoso.Escolhiminhaspalavrascommuitocuidadoparanãoofendê-la.—Sim,masumanoamaiscomopapaivaiserrealmente,hum,brilhante.Eletem
muitaexperiência,evocêvaificarfelizporpoderaprenderomáximopossívelantesdecomeçar,acredite.Mesmosetiverqueesperarporumamissãoaosdezesseis,aindavaiestarnanossafrente.Cada palavra que saía da minha boca fazia com que eu me sentisse mal, mas Zoe
pareceuconvencida.Eunão ficava incomodada como fatodeelaquerer fazerpartedacausa,masmedoíaoquãoóbvioeraqueelasóestavafazendoaquiloparaimpressionarnossopai.—Achoquesim.Eestouaprendendomuitomesmo.Masqueriaterpelomenosuma
experiênciaemcampo,mesmoquenão fossenomeupróprioposto.Ésóteoriacomopapai.NuncanemviumMoroi.—Tenhocertezadequeelevaidarumjeitonisso.—Eunãogostavadeencorajar
aquilo,mas,pelomenos,elaestavaconversandocomigo.As luzesdiminuíram,pondo fimànossa conversa.Amúsicadeumórgãoencheuo
salão, e o aromade olíbano pairou ao nosso redor. Incenso e resina eram ingredientescomuns em magia, e minha mente logo começou a fazer associações com o livro defeitiços que eu havia meticulosamente copiado. “Olíbano é usado para curarqueimaduras. Também pode ser usado para lançar feitiços de adivinhação oupurificação…”Interrompiessalinhadepensamentoimediatamente.Emboraestivessequieta,pensar
sobremagianomeiodeumacerimônia sagradados alquimistaseraumsacrilégio.Memexi,desconfortável,imaginandooquetodasaquelaspessoaspensariamsesoubessemaverdadesobremim:queeupraticavamagiaequehaviabeijadoumvampiro…Os sacerdotes alquimistas eram chamados de hierofantes. Eles davam bênçãos e
ofereciamconselhosmoraisquandonecessário.Nodiaadia,usavamternos,mas,paraaquelaocasião,ohierofanteprincipalestavausandomantosquemetrouxeramàmentea
lembrança desagradável do que alguns dos guerreiros vestiam. Era outro lembrete deque tínhamos história em comum—e, talvez, um futuro em comum.Marcus estavacerto.Aquele era um mistério que eu precisava resolver, qualquer que fosse minhadecisãosobreorompimentodatatuagem.Euhaviaparticipadodecerimôniascomoaquelaalgumasvezes,esabiaasoraçõesem
latim de cor. Cantei com o resto da congregação e ouvi atentamente enquanto ohierofantereafirmavanossosobjetivos,suavozecoandopelosistemadesom.Emboraareligião alquimista tivesse algumas relações fracas com o cristianismo, haviapouquíssimasmenções aDeus, Jesus oumesmooNatal.Amaior parte do sermão foisobrenossaobrigaçãodeajudaraprotegerahumanidadedatentaçãodeseguirosStrigoique ofereciam uma imortalidade profana. Essa recomendação, ao menos, não eraexagerada.Eu tinha ouvido histórias sobre— e até visto commeus próprios olhos— o que
acontecia quando humanos decidiam servir aos Strigoi. Os Strigoi prometiamtransformar seus servos como recompensa. Esses humanos os ajudavam a espalhar suamaldadeeelesprópriossetornavammonstros,mesmoantesdatransformação.Manteressesvampirosnefastosescondidoseraparaobemdoshumanos fracos, incapazesde seproteger. Prestei aindamais atenção quando o hierofantemencionou osMoroi em seusermão, como um meio para atingir o fim de derrotar os Strigoi. Ele não inspiravasentimentos exatamente carinhosos ou calorosos em relação a eles, mas, pelo menos,tambémnãoclamouafavordadestruiçãodosMoroiedampiros.Concordei com boa parte damensagem,mas ela não inspirou omesmo ardor em
mimcomoantigamente.E,quandoohierofantecomeçouafalarcomsuavozmonótonasobre dever, obediência e o que era “natural”, comecei a me sentir desligada. Quasedesejeiqueelefalassemaissobreodivino,comoacontecerianacerimôniadeumaigrejanormal.Considerando tudoo que vinha acontecendonaminha vida, não seriamal teruma ligação com uma força superior. Em alguns momentos, enquanto escutava ohierofante,pensava se tudooqueeleestavadizendo tinha sido simplesmente inventadoporumbandodegentereunidanaIdadeMédia,semnenhumaordemsagrada.Ao fim da cerimônia, estava me sentindo uma traidora.Talvez a brincadeira de
Adrian estivesse certa: eu nem precisava deMarcus para romper a tatuagem eminhaligaçãocomogrupo.Aoolharparameuscompanheiroseparaosoutrosalquimistasnosalão, ficou claro que eu estava sozinha ali.Todos pareciam cativados pelo sermão,devotadosàcausa.Mais uma vez, me veio a lembrança perturbadora dos guerreiros e sua devoção
fanática.Não, não, pormais que os alquimistas possam ser culpados de alguma coisa,nãotemosnadaavercomaquelecomportamentomaluco.E,noentanto…percebiqueera um pouco mais complexo do que isso. Os alquimistas não disparavam antes deperguntar, tampouco faziam com que seus membros lutassem uns contra os outros.Éramoscivilizadoseracionais,mastínhamosatendênciadefazeroquenosmandavam.Eraessaasemelhança,eelapoderiaserperigosa.
MeupaieZoesaíramcomigoeIan.— Não foi incrível? — ela perguntou. — Ouvir aquilo… enfim, fico muito
contentequeopaidecidiutermaisumaalquimistana família.Ébomaumentarnossosnúmeros.Seráqueessa tinhasidorealmenteamotivaçãodele?Ouele tinha tomadoadecisão
porquenãoconfiavamaisemmimdepoisqueajudeiRose?Era irritante que a única conversa que conseguia ter comZoe girasse em torno da
retóricaalquimista,masaceitei,depoisdosilênciodosúltimosmeses.Nofundo,sentiasaudadedeconversarcomoantigamente.Euqueria aquilodevolta.Emboraelaestivesseumpoucomaisanimada,aquelavelhaintimidadequeantesexistiaentrenósficaraparatrás.—Queria que tivéssemosmais tempo— eu disse, quando nossos grupos estavam
prestesasesepararnoestacionamento.—Temtantacoisaquequerodizeravocê.Ela sorriu, e havia uma sinceridade nesse sorriso que me enterneceu. Talvez a
distânciaentrenóspudesseserreparada.—Eutambém.Desculpepor…enfim,ojeitocomoascoisasaconteceram.Tomara
queagenteseencontredenovoembreve.Eu…estavacomsaudades.Issoquasemederrubou,eoabraçodelaaindamais.—Vamosnosencontrarlogo,prometo.Ian, que meu pai parecia ver agora como futuro genro, me levou de volta para o
hotel e não conseguia parar de falar efusivamente sobre como tinha sido incrívelconhecerJaredSage.Quantoamim,aindaconseguiasentiroabraçodeZoenapele.Eleprometeuqueentrariaemcontatocomigonamanhãseguintesobreotourpelos
arquivos. Então, para a minha confusão, fechou os olhos e se aproximou. Levei ummomento para entender que ele estava esperando um beijo de boa-noite. Sério? Eraassimqueeletentavaconseguirumbeijo?Seráquejátinhabeijadoalguémnavida?AtéBrayden havia demonstrado um pouco mais de paixão. E, claro, nenhum meninochegavaaospésdeAdriannessequesito.Comonão fiznada, ele finalmente abriuosolhos.Deioutro abraçonele—como
casaco—edisse ter ficadomuitocontenteporele terconhecidomeupai.Elepareceusatisfeitocomisso.Adrianfezsuavisitanoturnadepoisquedormi.Naturalmente,quissaberosdetalhes
dovestido.TambémficoutentandodescobrircomoexatamenteeutinhaconvencidoIanepareceu sedivertir comospoucosdetalhesque contei a ele.Mas,namaiorpartedotempo, eu não conseguia parar de falar sobre Zoe.Adrian logo desistiu dos outrosassuntosesimplesmenteficououvindoenquantoeulhecontavatodososdetalhes.— Ela falou comigo,Adrian! —Andei de um lado para o outro pelo salão do
casamento,mexendoasmãos,eufórica.—Enãoestavabrava.Nofim,estavaatéfelizemmever.Sabeoquantoissosignificapramim?Assim,seiquevocênãotemirmãos,masteralguémquevocênãovêfaztempoaceitarvocêdevolta…—Nãoseicomoé—eledissebaixinho.—Maspossoimaginar.
Eu estava concentrada demais na minha alegria naquela hora, mas, depois, fiqueipensandoseeleestavasereferindoàmãe,queestavapresa.— É bom ver você tão feliz— ele acrescentou.— Não que andasse triste, mas
estavacommuitacoisanacabeça.Nãoconseguiconteroriso,epareideandarporummomento.—Estádizendoquebruxasdomaleespionagemsãoestressantes?—Não.—Eleveionaminhadireção.—Éonossodia adia.Masestou indopra
camaagora.Achoquevocêconseguesevirarsemmimhoje.Ele vinha me visitando todas as noites desde o sonho deVeronica.A maioria das
viagens era curta agora,mas,mesmo assim, eu sabia que demandavamuito esforço eespíritodele.—Obrigada.Àsvezesparecequenemtenhocomoagradecervocêobastante.—Nãoprecisaagradecer,Sage.Boasorteamanhã.Certo.Roubarinformaçõesultrassecretasdeumabasedesegurançamáxima.—Obrigada—repeti.Perdiumpoucodaanimação,masnãotoda.—Aconteçao
queacontecer,fazeraspazescomZoemefezacharqueessamissãovaleuapena.— Isso é porque você não foi pega.—Ele envolveumeu rosto com asmãos e se
aproximou.—Tomecuidadoparanãodeixarissoacontecer.Nãoqueroterquevisitarvocêemsonhosnaprisão…ounaversãoalquimistadeumaprisão.—Ei,pelomenoseuteriaasuacompanhia,certo?Elefezquesim,cabisbaixo,eosonhodesapareceuaomeuredor.
20
Ianme acordou cedo namanhã seguinte com um telefonema.No começo, pensei quetalvez quisesseme levar para a base antes que os outros alquimistas acordassem,masdescobriqueelesóqueriatomarcafé.Considerandoqueeraelequemmedariaacesso,nãopuderecusar.Elepretendiamelevarparaabaseaindademanhã,masoconvenciairmos lá pelo meio-dia. Isso significava prolongar o café da manhã, mas o sacrifíciovaleria a pena. No entanto, eu estava usando calça cáqui e blusa de linho outra vez.Espionagens à parte, vestidos de festa e bufês de café da manhã simplesmente nãocombinavam.Noentanto,medeiaoluxodeabrir doisbotõesdacamisa.Entrarnabasedessejeitoerapraticamenteescandaloso,eIanpareceufascinadocomoatode“rebeldia”.O domingo na base estava muito mais calmo do que a noite anterior. Embora
alquimistasnuncativessempausasdeverdadeemsuasobrigações,amaiorpartedabasefuncionavaemhoráriocomercial,duranteasemana.Nãotiveproblemasempassarpelarecepçãoprincipaldenovo,mas,comoprevisto,demoramosumpoucoparaconseguirentrar na área de segurançamáxima.O rapaz em serviço não era o amigo que estavadevendoumfavora Ian.Foiprecisoesperarqueelesaíssedasalados fundose,mesmoassim, Ianprecisou insistirbastantepara convencero colega amedeixar entrar.Achoque ficou claro para os dois que Ian só estava tentando me impressionar. Por fim, oprimeirorapazaceitouoquepareciaserumpasseio inofensivo.Afinal,eutambémerauma alquimista, e só estava fazendo um passeio pela biblioteca. O que poderia darerrado?Elesrevistaramminhabolsaemefizerampassarporumdetectordemetal.Eutinha
doisfeitiçosemmentequepoderiarealizarsemcomponentesfísicos,então,pelomenos,não teria que explicar cristais ou ervas.A parte problemática era um pen drive quehavia escondido no sutiã. Eles poderiam não questionar se eu estivesse carregando nabolsa,masnãoqueriacorreroriscodepedirempararetê-lo.Noentanto,seopendriveaparecessenoescaneamento,euteriamuitomaisdificuldadeparaexplicarporqueestavaescondido.Fiqueitensaaopassarpelodetector,mepreparandoparacorreroutentarum
golpedeWolfe.Mas,comoeuesperava,eleerapequenodemaisparaserdetectadoenosderampermissãoparaentrar.Eraumobstáculoamenos,embora issonãomedeixassemenostensa.—Você acabou trocando isso pelo dinheiro que ele estava devendo a você? —
pergunteienquantoIaneeudescíamosemdireçãoaosarquivos.—Sim.—Ele fezumacareta.—Tentei trocarpormetadedoqueelemedevia,
maseratudoounadapraele.—Entãoquantoestepasseioestácustandopravocê?—Cinquentadólares.Masvaleapena—eleacrescentou,rápido.Ojantartinhasidomaisoumenosomesmo.Aquelefimdesemanaestavacustando
osolhosdacaraparaIan,aindamaisporquesóeureceberiaumarecompensa.Nãopudedeixardemesentirumtantoculpada,epreciseimelembrarváriasvezesdequeaquiloeraporumaboacausa.Teriameoferecidopara reembolsar todoaqueledinheiro,masalgo me dizia que isso ia contra tudo que eu vinha tentando conseguir com meus“encantosfemininos”.Os arquivos eram trancados com fechaduras eletrônicas que se abriram quando Ian
passou seu cartão. Quando entramos, quase me esqueci de que aquilo era apenas umpretextoparaoplanomaior.Euestavarodeadaporlivros,livrosemaislivros,alémderolosdepapeledocumentosescritosempergaminho. Itensantigosedelicados ficavamprotegidos em caixas de vidro, acompanhados por anotações e plaquetas sobre comoacessar suas cópias digitais nos computadores. Dois alquimistas, jovens como nós,trabalhavam em mesas e transcreviam livros antigos em seus laptops. Uma pareciamuito animada com seu trabalho; o outro, entediado. Ele pareceu gostar da distraçãoquandoentramos.Devo ter feito a expressão admirada como era esperada demim, pois, quandome
volteiparaIan,eleestavameobservandocomorgulho.— Bem legal, né? — Pelo jeito, ser um bibliotecário supervalorizado havia se
tornadoumtrabalhomuitomaisinteressanteparaele.—Venha.Elenãoprecisoufalarduasvezes.Começamosaexplorartodaasaladearquivos,que
se estendia muito mais além do que eu havia imaginado a princípio. Os alquimistasprezavam pelo conhecimento, o que ficava claro com aquele acervo, que remontava aséculosatrás.Euficavaolhandoparaasprateleiras,querendolertodososvolumes.Elesvinhamemdiferenteslínguaseabarcavamumavariedadedetópicosúteisparaoofício:química,história,mitologia,sobrenatural…Eravertiginoso.—Comovocêsorganizam?—perguntei.—Comodáparaencontraralgumacoisa?Ian apontou para pequenas plaquetas nas estantes que eu não havia notado. Elas
traziamcódigosalfanuméricosquenãofaziampartedenenhumsistemadearquivamentoqueeuconhecia.—Elascatalogamtudo.Eodiretórioestáaqui.Ian me levou até um painel sensível ao toque instalado na parede.Toquei nele e
apareceuummenudeopções: AUTOR,PERÍODO,TEMA, LÍNGUA.Apertei TEMA
e fui levadaporuma sériede tópicoscadavezmaisespecíficos até finalmenteperceberqueestavapesquisandopor“magia”naseçãodesobrenatural.Opainelmedeuumalistadetítulos,cadaumcomseuprópriocódigonosistemadeorganização.Paraaminhasurpresa,realmentehaviavárioslivrossobremagia,efiqueimorrendo
decuriosidade.Osalquimistastinhamregistrosdebruxas?Oueratudoespeculação?Omais provável era que fossem livros moralistas pregando como seria pervertido parahumanostentaraquelasfaçanhas.—Possodarumaolhadaemalgunslivros?—perguntei.—Seiquenãopossoficar
sentadalendoatardetoda,maséquetemtantahistória…sóquerofazerpartedissoporumtempinho.Ficariadevendoumaparavocê.Parafalaraverdade,nãoacheiqueafrasefuncionariadenovo,masfuncionou.—Claro.—Eleapontouparaumasalinhanosfundos.—Precisoorganizaralgumas
coisas.Meencontraaquidenovoemumahora?Agradeciváriasvezeseentãovolteiàtelasensívelaotoque.Queriamuitoinvestigar
os livrosdemagia,masprecisavame lembrardomotivodeestar ali.Como já estavanos arquivos, poderia muito bem fazer uma pesquisa que ajudasse a causa. Navegueipelosmenusatéencontraraseçãodehistóriaantigadosalquimistas.Eutinhaesperançade encontrar uma referência a caçadores de vampiro em geral ou aos guerreiros emespecífico.Não tive essa sorte.Omelhor que poderia fazer era seguir os códigos dasvárias estantes que detalhavam a formação dos alquimistas.A maioria dos livros eradensaeescritaemestiloantiquado.Osmaisantigosnemerameminglês.Passeiosolhosporalgunse logopercebiqueuma tarefacomoaquela levariamuito
maisdoqueumahora.Os livrosmaisrecentesnãomencionavamosguerreiros,oquenão era nenhuma surpresa, visto que essas informações agora eram escondidas. Se eufosseencontraralgumareferênciaacaçadoresdevampiros,serianoslivrosmaisantigos.Eles não ofereciammuito em termos de índices e sumários, e eu não tinha como lertudo.Ao lembrardaminhaverdadeiramissãoali, coloqueios livrosde ladodepoisdeuns dezminutos e fui atrás de Ian.Aquela tensão de antes retornou, e comecei a suarfrio.—Ei,temalgumbanheiroaqui?Torciparaquenãotivesse.Euviraumnocorredorquandotínhamoschegadoàquele
andar.Partedomeuplanodependiadesairdosarquivos.—Descendoocorredor,pertodasescadas—eledisse.Algumproblemadetrabalho
estava exigindo a atenção dele e, com sorte, faria com que não reparasse na hora.—Batenaportaquandovoltar.Voufalarparaosescribasabrirempravocê.Durantetodoodia,eutinhasentidoumfrionabarrigaquevinhatentandoignorar.
Agoranãohaviacomofugir.Erahoradoimpensável.Não havia espaço para sutilezas na segurança alquimista. O corredor tinha uma
câmera em cada ponta. Elas ficavam voltadas uma para a outra, proporcionando umaimagemlongaecontínuadocorredor.Osbanheirosficavamnofimdocorredor,quasediretamente embaixo de uma câmera. Entrei no feminino e verifiquei que não havia
ninguémnemcâmerasládentro.Pelomenosaliosalquimistaspermitiamumpoucodeprivacidade.Lançar o feitiço de invisibilidade foi fácil. Sair foi um pouco mais complicado.A
posiçãodascâmerasmefezpensarqueaportadobanheiroeramuitorenteàparedeparaqueconseguissemdarumaboavisãodela.Aportaseabriaparadentro,entãoconseguisairdiscretamente,confiantedequenenhumacâmerahaviapegadoumaportaseabrindomisteriosamente.Omaiorproblemafoiaportadaescada.Ficavanocampodevisãodeuma das câmeras.A sra.Terwilliger havia dito que o feitiço de invisibilidade meprotegeria de fotos e vídeos. Por isso, não tinha medo de ser vista. Simplesmenteprecisavacorreroriscodeacâmeragravaraportaseabrindosozinha.Emborasoubessequehaviaguardasassistindoàs imagensdascâmerasaovivo,havia
muitas para que eles examinassem todas a cada segundo. Se não aparecesse nenhummovimento súbito naquela câmera, eu duvidava que algum guarda notaria. E, se ascoisas continuassem tranquilas naquele andar, ninguém teria motivo para rever asimagens. Já o andar de operações… bom, se tudo corresse de acordo com o plano,aqueledomingosonolentoestavaprestesaficarmuitomaisagitado.Entreie saídiscretamentedasescadas, abrindoaportaomínimopossível.Oandar
de operações tinha aindamais segurança do que o de arquivos, com portas pesadas deaparênciaindustrialqueexigiamcódigosecartõesdeacesso.Eunãotinhaailusãodequeconseguiria invadir alguma delas. Entrar na sala de segurança, assim como o restodaquelamissão,exigiaumaestranhacombinaçãodesorteelógica.Oquemaissepodiaesperardealquimistaseraapontualidade.Eusabiacomooshoráriosdelescostumavamfuncionar.Apausaparaoalmoçoaconteciapontualmenteemhorastípicas:onze,meio-diaeuma.EsseeraomotivopeloqualeuhaviapedidoparaIanmarcarnossavisitanessehorário—assim,poderiaficarrelativamentecertadequealgunsfuncionáriosestariamentrando e saindo da sala. Faltavam cincominutos para omeio-dia, e cruzei os dedosparaquealguémsaísselogo.No fim das contas, alguém entrou. Um homem veio assobiando pelo corredor.
Quando se aproximou da porta, o cheiro de hambúrguer denunciou seu pedido dealmoço. Prendi a respiração enquanto ele passava o cartão e digitava os números.Afechadurasoltouumestalo,eeleabriuaporta.Entreiapressadaatrásdeleepasseipelaporta sem ter de segurá-la ou abri-la mais. Infelizmente, ele parou antes do que euimaginava, e esbarrei nele. Me afastei imediatamente, e ele olhou ao redor,sobressaltado.Por favor, não pense que tem uma pessoa invisível aqui. Seria horrível chegar tão
longe e ser descoberta logo agora. Felizmente, subterfúgios mágicos não eram aprimeiracoisaemqueosalquimistaspensavamparajustificaralgoestranho.Depoisdemaisalgunssegundosdeconfusão,eledeudeombrosecumprimentouumdoscolegas.Wade havia descrito a sala comperfeição.Umaparede era coberta pormonitores,
alternando entre visões de diferentes câmeras.Alguns guardas ficavam de olho nasimagens, enquanto outros trabalhavam em computadores.Wade também havia dito
qualdoscomputadorescontinhaosarquivosdequeeuprecisava.Eumeaproximeidele,tomandocuidadoparaevitaroutroscontatos acidentais.Umamulher jáestava sentadanaestação.—Eu estava pensando em comida tailandesa—ela disse a umdos colegas.—Só
precisoterminaresserelatório.Não!Elaestavaprestesasairparaoalmoço.Paraqueoplanodessecerto, issonão
poderiaacontecer.Seelasaísse,ocomputadortravaria,eeuprecisavadeleacessível.Elaestavaatrasadaparaoalmoço,oquesignificavaqueeutinhaqueagirlogo.Aquelasalanãoera livredevigilância.Atéosvigilanteseramvigiados.Felizmente,
só havia uma câmera. Escolhi um computador com a tela virada para a câmera emeposicionei atrás dele. Vários fios saíam de trás do painel e as ventoinhas giravamconstantemente lá dentro. Coloquei a mão em cima do painel e fiz mais um examerápido.Apartede trásdocomputadornão ficavaaoalcancedacâmera,masnão serianada bom se ficasse no campo de visão de alguém. No entanto, todo mundo pareciaocupado.Erahoradeagir.Criei uma bola de fogo, das menores. Eu a mantive na mão e a pousei junto ao
painel.Apesardotamanho,invoqueiomaiorcalorqueconsegui.Nãoexatamenteazul,mas quase lá. Logo surtiu efeito e, em questão de segundos, as cordas e o painelcomeçaramaderreter.Ocheirodeplásticoqueimadochegouatémim,eocomputadorcomeçouasoltarfumaça.Foiosuficiente.Fizaboladefogosumiremeafasteicorrendodocomputador.Todos tinhampercebidoqueeleestavaqueimandoaessa altura,eumalarmedisparou.Houvegritosdesurpresa,ealguémpediuumextintordeincêndioaosberros.Todosse levantaramdesuascadeirasparaolhar, incluindoamulherqueestavanocomputadorqueeuprecisavausar.Não havia tempo a perder. Sentei imediatamente na cadeira e inseri o pen drive.
Com luvas, peguei o mouse e comecei a clicar pelos diretórios.Wade não haviaconseguido me ajudar muito nesse aspecto.Tínhamos esperança de que encontrar osarquivosseriaintuitivo.Enquantoisso,euestavaplenamentecientedopassardotempo,edequealguémpoderianotarummousesemexendosozinho.Mesmodepoisdeapagarofogo,osalquimistascontinuarampertodocomputadorfumegante,tentandoimaginaroque teria acontecido.Superaquecimentonãoeraumproblemararo,masumachamasurgindotãorápidodefinitivamenteera.Aquelescomputadorescontinhaminformaçõesextremamenteimportantes.Parecia havermilhões de diretórios.Olhei alguns candidatos prováveis,mas nunca
chegavaalugarnenhum.Cadavezqueficavasemsaída,xingavamentalmenteotempoperdido.Osalquimistasnãoficariamlongepormuitotempo.Porfim,depoisdemuitabusca estressante, encontrei um diretório de imagens antigas de vigilância. Continhapastas ligadas a todas as câmeras do prédio, incluindo uma chamadaPOSTO DECONTROLEPRINCIPAL.Cliqueinelaeencontreiarquivosnomeadospordata.Wadehaviaditoque,depoisdeumtempo,aquelesarquivoseramarmazenados,masodiadeque eu precisava ainda estava lá. As câmeras gravavam um quadro por segundo.
Multiplicadoporvinte equatrohoras, issogeravaumarquivogigantesco,masnãodotamanho que uma filmagem contínua criaria. O arquivo cabia no meu pen drive, ecomeceiatransferência.Aconexãoerarápida,mas,mesmoassim,eraumatransferênciaetanto.Atelame
disse que ainda faltavam dez segundos.Dez segundos!A dona do computador poderiavoltaraqualquermomento.Eumedeiaoluxodedarmaisumaolhadanosalquimistas.Eles ainda estavam apurando o mistério. O problema de cientistas como nós era queumafalhatecnológicacomoaquelaerafascinante.Alémdisso,nãopassoupelacabeçadenenhumdelesconsiderarumaexplicaçãosobrenatural.Elesficaramlançandoteoriasunsparaosoutrosecomeçaramadesmontarocomputadorderretido.Acópiadosarquivosterminou, e me levantei correndo da cadeira, no exato segundo em que a mulhercomeçouavoltarparalá.Euestavaplenamentepreparadaparaarriscarmaisuma“portafantasma” enquanto os outros estavam distraídos, mas o alarme de incêndio haviachamado a atenção de outras pessoas no corredor.Alquimistas entravam e saíam comtanta frequência que não vi problema em segurar a porta por tempo suficiente parapassarporeladespercebida.Praticamentecorridevoltaparaoandardosarquivosepreciseimeacalmarquando
entrei no banheiro de novo. Desfiz o feitiço de invisibilidade e esperei que minharespiraçãovoltasseaonormal.Coloqueiopendrivedevoltanosutiãeasluvasdevoltana bolsa.Dei uma olhada no espelho e achei que estava parecendo inocente o bastanteparavoltaraosarquivos.Umaescribamedeixouentrar.Eraameninaconcentrada,eoolharqueme lançou
deixouclaroqueabriraportaparamimeraumdesperdíciodetempo.Ianaindapareciaatoladodetrabalho,oquefoiumalívio.Eutinhaficadoforatempodemaisparaumaidaaobanheiro,eestavacommedodequeeleestivesseseperguntandoondeeuestava.Ascoisas teriam sido ainda piores se ele tivesse mandado a menina me procurar, tantoporque eu não estaria no banheiro como porque ela ficaria muito incomodada com ainterrupção.Naseçãodehistória,mesenteicomumlivroquepegueiaoacasoefiqueifingindo ler.Estavanervosa e inquietademaispara entender aspalavras,pormaisquetentasse me acalmar. Os alquimistas não tinham motivo para suspeitar que eu haviacausadoofogo.Nãotinhammotivoparapensarqueeuhaviaroubadoinformações.Nãotinhammotivoparadesconfiarqueeuestivesseligadaaqualquerpartedaquilo.Passadaaumahora,Ianveioameuencontroefingiestardesapontadaporterqueir
embora.Naverdade,estavaloucaparadaroforadaqueleprédioomaisrápidopossível.Ele me levou até o aeroporto e não parou de falar sobre a próxima vez em que nosveríamos.Fiqueisorrindoeconcordandocomacabeça,comoeleesperavademim,maso lembrei de queo trabalho tinha que vir emprimeiro lugar e queminhaposição eraespecialmente desgastante. Ele ficou visivelmente decepcionado, mas não tinha comonegarminhalógica.Obemmaiordosalquimistasvinhaemprimeirolugar.Felizmenteelenãotentouumdaquelesbeijosridículosdenovo,emborasugerissequemarcássemosuma conversa por vídeo qualquer hora. Falei para elememandar um e-mail, embora
prometesseamimmesmaquejamaisabririaume-maildele.Não relaxei até o avião decolar, quando a possibilidade de ser descoberta pelos
alquimistas parecia bemmais baixa.Meu ladomais paranoico ficou commedo de quehouvesseumgrupoesperandopormimnoaeroportodePalmSprings,mas,até lá,eutinhaalgumashorasdepaz.Euhavia imaginadoquesimplesmenteentregariaopendriveparaMarcusedeixaria
por issomesmo.Masagora,comoarquivoemmãos,acuriosidade foimais forte.Euprecisavasolucionaraquelemistério.SeráqueoZ.J.quehaviavisitadoosalquimistaseramesmoomestreJameson?Comumcopodecafénamão,abrioarquivoecomeceiaassistir.Mesmocomumquadroporsegundo,ovídeodurouumaeternidade.Amaiorparte
não mostrava nada além de um posto de controle pacato, e os momentos maisinteressanteseramquandoosguardasmudavamdeposiçãooufaziamintervalos.Muitosalquimistasentravamesaíam,mas,considerandoaduraçãototaldovídeo,erampoucoseesparsos.AtéIanapareceuumavez,paracomeçarseuturno.Eu não estava nem nametade quando o avião começou a descer. Desanimada,me
preparei para uma noite com mais do mesmo quando voltasse ao alojamento. Pelomenos conseguiria fazer um café decente para aguentar aquilo.Quase fiquei tentada asimplesmente jogar o arquivo nas mãos de Marcus no dia seguinte e deixar que eletivesseotrabalhodeassistirovídeo…masaquelavozinhaincômodainsistindoparaqueeu descobrisse a verdade por conta própria acabou vencendo.Não era uma questão demeracuriosidade.EunãoachavaqueMarcusfosserealmentefabricarevidências,mas,sepudessevercomosprópriosolhosque…Láestavaelenatela.Elenãoestavausandoaquelesmantosexagerados,masnãohaviacomoconfundirsua
barbaantiquada.Eleusavaroupascasuaisdeexecutivoepareciaestarsorrindocomalgoqueumhomemao seu ladodizia.Ohomem tinhaum lírionabochecha,masnãoeraninguémqueeuconhecia.MestreJameson.Comosalquimistas.AconspiraçãodeMarcus edosoutrosVingadores tinhadado frutos.Um ladomais
desconfiado de mim queria acreditar que aquilo era uma montagem, que talvez elestivessem alterado o vídeo e plantado aquilo lá. Mas não. Eu mesma tinha copiado oarquivo de um servidor alquimista. Era possível que Marcus tivesse outros agentesinfiltradostrabalhandoparaele,masaquilonãohaviasidofácilparamim,mesmocomaajudademagia.Alémdisso,porqueMarcusteriatantotrabalhoparamefazeracreditarnaquela história? Se fosse alguma trama perversa para que eume juntasse a ele, haviavários outrosmeios que ele poderia ter tentado, com evidênciasmuitomais fáceis deforjar.Meus instintos me diziam que aquilo era verídico. Eu não tinha me esquecido das
semelhanças entre nossos rituais ou do fato de que os guerreiros queriam que nossosgrupos se unissem. Os alquimistas e os guerreiros podiam não ser melhores amigos
ainda, mas alguém havia ao menos concedido uma reunião ao mestre Jameson. Aquestãoera:oquehaviaacontecidonessareunião?SeráqueoalquimistadovídeotinhamandadoJamesonemborademãosabanando?Ouseráqueosdoisestavamjuntosagora?Fosse qual fosse o resultado, era uma prova irrefutável de que alquimistas e
guerreiros ainda estavam em contato. Stantonme dissera que apenas os vigiávamos equenãotínhamosinteresseemouviroqueelestinhamadizer.Nãoeraaprimeiravezquementiamparamim.
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Umaparte demim queriamuito que aquilo fossementira.Assisti ao vídeomais trêsvezes,criandoteoriasmalucas.TalvezmestreJamesontivesseumirmãogêmeoquenãofosse um fanático que odiava vampiros.Mas não.O vídeo nãomentia.Quemmentiaeramosalquimistas.Eunãopodiaignoraraquilo.Nãopodiaesperarmais.Precisavaresolveresseassunto
imediatamente,senãoantes.EnvieiumamensagemparaMarcusassimqueoaviãopousou: Vamosnosencontrar
hoje.Semjoguinhos.Semrodeios.HOJE.Quandochegueiaoalojamento,eleaindanãohaviarespondido.Oqueseráqueestava
fazendo? RelendoOapanhadornocampodecenteio?Seeu soubesseemqueburacoeleestavametido,teriaidoparalánamesmahora.Nãohavianadaafazeralémdeesperar,então liguei para a sra.Terwilliger, tanto para me distrair como para conseguir umpoucodeliberdade.— Nenhuma novidade — ela me disse quando atendeu. — Ainda estamos
observandoeesperando…masseusegundoamuletoestáquasepronto.—Nãofoiporissoqueliguei—eudisse.—Precisoqueasenhorameconsigauma
extensãodotoquederecolherhoje.—EumesentiamalporusarminhaprofessoraparaalgototalmentenãorelacionadoàbuscaporVeronica,masprecisavafalarcomMarcus.—Ah,é?Vaimefazerumavisitasurpresa?—Hum…não.Épraoutracoisa.Elaviugraçanaquilo.—Agoravocêusaminhaassistênciaparaassuntospessoais?—Nãoachaquefizpormerecer?—repliquei.Asra.Terwilligerriu,algoqueeunãoaouviafazerhaviamuitotempo.Elaaceitou
meupedidoeprometeuligarparaarecepçãodoalojamentoimediatamente.Assimquedesligamos, meu telefone tocou com a resposta de Marcus.Tudo o que a mensagemcontinhaeraumendereçoqueficavaameiahoradedistância.Imaginandoqueeleestaria
prontoparameatender,apanheiminhabolsaepegueiaestrada.Considerandomeus últimos encontros comMarcus, não teria ficado surpresa se ele
me levasse a uma loja de departamentos ou a um bar de karaokê. Em vez disso, medeparei comuma antiga loja demúsica, do tipo que vendia discos de vinil.Na porta,estava pendurada uma grande placa em que se lia “ FECHADO”, o que era reforçadopelas janelasescurasepeloestacionamentovazio.Saídocarroeconfirmeioendereço,meperguntandoseoGPShaviamelevadoparaolugarerrado.Minhaansiedadedeantesdeu lugar aonervosismo.Comoeuestava sendodescuidada!Umadasprimeiras liçõesdeWolfe era evitar lugares perigosos e, no entanto, ali estava eu, me colocando emrisco.Então,domeiodassombras,ouvialguémsussurrarmeunome.Mevireinadireção
do som e vi Sabrina surgir emmeio à escuridão, portando uma arma, como sempre.Talvez, se mostrasse para ela o revólver no meu porta-luvas, pudéssemos ter ummomentodeafinidade.—Váparaosfundos—eladisse.—Batanaporta.—Semdizeroutrapalavra,ela
voltouparaassombras.A entrada dos fundos parecia o tipo de lugar em que as pessoas pediam para ser
roubadas,efiqueimeperguntandoseSabrinaviriaemmeusocorrosefossepreciso.Batina porta, quase esperando que me pedissem uma senha do tipo “iguana enferrujada”,como em uma sociedade secreta. Em vez disso, Marcus abriu a porta, já com umdaqueles sorrisos com que sempre esperava me conquistar. Por mais estranho queparecesse,naquelanoitemedeixoumaisàvontade.—Oi,linda.Podeentrar.Passei por ele e vi que estávamos no quartinho dos fundos da loja, cheio demesas,
prateleiras e caixas de discos e fitas cassetes.Wade eAmelia estavam encostados naparedenamesmaposição,comosbraçoscruzados.Marcustrancouaportaatrásdenós.—Bomvervocêinteira.Pelasuamensagemepelasuacara,vocêencontroualguma
coisa.Araivaqueeuvinhaguardandodesdeaminhadescobertaexplodiucomtudo.Peguei
olaptopdabolsaeresistiàvontadedebatê-locomforçaemcimadamesa.—Sim!Não consigo acreditar.Vocês tinham razão. Sua teoriamirabolante estava
certa.Osalquimistasestãomentindo!Enfim,algunsdeles,pelomenos.Sei lá.Metadenãosabeoqueaoutrametadeestáfazendo.Pensei queMarcus fosse fazer algum comentário presunçoso ou, pelomenos, soltar
um“euavisei”.Masseurostobonitoestavatristeeamargurado,oquemelembroudafotoqueeutinhavistodeleedeClarence.—Droga—eledissebaixinho.—Estavatorcendopravocêvoltarcomummonte
devídeoschatos.Amelia,troquedeposiçãocomSabrina.Queroqueelavejaisso.Ameliapareceudecepcionadaporsermandadaembora,masnãohesitouemobedecer
àordem.QuandoSabrinavoltou,euestavacomovídeopreparadonotempocerto.Eles
sereuniramaomeuredor.—Prontos?—perguntei.Elesassentiram,epudeveromistodeemoçõesdentrode
cadaum.Aliestavaaevidênciadateoriadaconspiraçãoqueelestantoqueriamprovar.Aomesmo tempo, as implicaçõeseramarrasadoras, eos trêsentendiammuitobemoperigopotencialdaquiloqueestavamprestesaver.Comeceiovídeo.Duravaapenasalgunssegundos,maseramsegundosfortesemque
afigurabarbadasurgianatela.OuviSabrinarespirarfundo.—Éele.MestreJameson.—Elaolhouparacadaumdenós.—Esselugarémesmo
alquimista?Eleestevemesmolá?—Sim—Wade respondeu.—E quem está com ele éDaleHawthorne, umdos
diretores.Issoativouminhamemória.—Conheçoessenome.EletemomesmocargodeStanton,nãoé?—Maisoumenos.—Épossívelqueelanãosaibadeumavisitacomoessa?—perguntei.—Mesmona
posiçãodela?QuemrespondeufoiMarcus.—Talvez.Mas levarumguerreiroali,mesmonumandardesegurançamáxima,é
muita coragem.Mesmo que ela não saiba da reunião, pode apostar que outras pessoassabem.Sefossecompletamentesecreto,Hawthorneteriaencontradoomestreemoutrolugar. Claro, a lista protegida também significa que não era uma coisa a que todomundotinhaacesso.Então era possível que Stanton não tivesse mentido para mim… pelo menos não
sobre o fato de que os alquimistas estavam em contato com os guerreiros. Ela semdúvida tinhamentidoquandoafirmaraqueosalquimistasnãoconheciamMarcus,vistoque ele dissera ser um personagem famoso entre o alto escalão. Mesmo que ela nãosoubessearespeitodemestreJameson,issonãomudavaofatodequeoutrosalquimistas—alquimistasimportantes—tinhamamigosperigosos.Eupoderianemsempregostardos procedimentos deles, mas sempre quis acreditar que estavam fazendo o bem pelomundo.Talvezestivessem.Talveznão.Eujánãosabiademaisnada.Quandotireiosolhosda figuracongeladademestre Jameson,encontreiMarcusme
observando.—Vocêestápronta?—eleperguntou.—Prontapraquê?Ele caminhou até outramesa e voltou com uma caixinha.Quando a abriu, vi um
pequenofrascodelíquidoprateadoeumaseringa.—Oqueé…Ah.—Derepente,entendi.—Éosanguepraromperatatuagem.Elefezquesim.—Quandoelementossãotirados,ocorreumareaçãoqueodeixaprateado.Demora
algunsanos,mas,comotempo,odouradonasuapelevaificarprateadotambém.Todosestavamolhandoparamimcomexpectativa,edeiumpassoparatrás.
—Nãoseiseestouprontapraisso.—Porqueesperar?—Marcusperguntou,eapontouparao laptop.—Vocêviuo
vídeo.Sabedoqueeles sãocapazes.Vai continuarmentindopara simesma?Nãoquerseguiremfrentecomosolhosabertos?— Então… Quero, mas não sei se estou pronta para injetarem uma substância
estranhaemmim.Marcusencheuaseringacomolíquidoprateado.—Possodemonstrarnaminhatatuagemsefizervocêsesentirmelhor.Nãovaime
machucar,evocêvaiverquenãotemnenhumefeitocolateral.—Não temos certeza se eles fizeram alguma coisa comigo—protestei. Ele tinha
um argumento lógico, mas eu ainda estava morrendo de medo de dar aquele passo.Podia sentir minhas mãos tremendo.— Pode ser um desperdício. Pode ser que nãotenhanenhumacompulsãodelealdadeemmim.—Mas você também não tem certeza— ele argumentou.— E sempre tem um
pouquinhodelealdadenaprimeiratatuagem.Nãoobastanteparafazerdevocêumrobôescravo,masenfim.Vocênãosesentiriamelhorsabendoquetudofoiembora?Eunãoconseguiatirarosolhosdaagulha.—Voumesentirdiferente?— Não. Exceto que vai poder abordar alguém na rua e começar a falar sobre
vampiros. — Eu não sabia dizer se ele estava brincando ou não. — Mas aí sómandariamvocêparaumhospício.Será que eu estava pronta para aquilo? Será que realmentedaria o próximopasso e
me juntaria aos Vingadores de Marcus? Eu tinha passado no teste dele, como eleesperava. E, obviamente, aquele grupo não era inútil. Eles ficavam de olho nosalquimistasenosguerreiros.TambémpareciamquereromelhorparaosMoroi.OsMoroi…ou,mais especificamente, Jill.Nãohaviameesquecidodocomentário
de Sabrina de que os guerreiros estavam interessados em uma menina desaparecida.Quemmais poderia ser além de Jill? E será que esse tal deHawthorne tinha acesso àlocalizaçãodela?SeráquetinhapassadoessainformaçãoparamestreJameson?Eseráqueessa informação poderia colocar em risco as pessoas ao redor dela, comoAdrian, porexemplo?Eramperguntasparaasquaiseunãotinharesposta,masprecisavadescobrir.—Certo—eudisse.—Podefazer.Marcusnãoperdeutempo.Achoqueficoucommedodequeeumudassedeideia,o
quetalveznão fosse infundado.Senteiemumadascadeirase inclineiacabeçaparaqueeleconseguisseencostarnaminhabochecha.Wadesegurouminhacabeçacomcuidado.—Sópragarantirquevocêfiqueparada—eledisse,emtomdedesculpas.AntesqueMarcuscomeçasse,perguntei:—Ondevocêaprendeuafazerisso?Eleestavacomumaexpressãosoleneporcausadatarefa,masminhaperguntatrouxe
seusorrisodevolta.
—Tecnicamentenãovoutatuarvocê,seédissoqueestácommedo—eledisse.Naverdade, eu estava commedo demuitas coisas.— São só algumas injeções, como seestivéssemosretocando.—Eo processo propriamente dito?Como você descobriu?—Eu deveria ter feito
essaperguntaantesdesentarnacadeira.Masnãoestavaesperandofazeraquilotãocedo,outãoderepente.—UmMoroiamigomeucriouahipótese.Eumeoferecicomocobaia,edeucerto.
—Elevoltouaficarsérioeergueuaagulha.—Pronta?Respireifundo,sentindocomoseestivesseàbeiradeumprecipício.Erahoradepular.—Sim.Doíatãopoucoquantooretoque,sóalgumaspicadinhasnapele.Incômodas,masnão
exatamente doloridas.Na verdade, o processo nem foi longo,mas pareceu durar umaeternidade. Enquanto Marcus trabalhava, eu ficava me perguntando: o que estoufazendo? Por fim,Marcus deu um passo para trás eme observou com um brilho nosolhos.SabrinaeWadetambémsorriram.—Prontinho—Marcusdisse.—Bem-vindaaogrupo,Sydney.Tireimeuespelhinhodabolsaparaolharatatuagem.Minhapeleestavaavermelhada
por causa das picadas da agulha, mas, se o resto do processo também fosse como oretoque,airritaçãopassarialogo.Foraisso,olírionãopareciadiferente.Eu também nãome sentia diferente.Não queria invadir a base alquimista e exigir
justiça, nem nada do tipo.Aceitar o desafio dele de falar para alguém de fora sobrevampirosdeviaseromelhorjeitodeverseatatuagemhaviasidoalterada,maseunãoestavacomvontadedefazerissotambém.—Ésóisso?—perguntei.—Só isso—Marcus respondeu.—Depois que selarmos, você não vai ter que se
preocuparcom…—Nãovouselar.Todosossorrisossefecharam.Marcuspareceuconfuso,comosetivesseouvidoerrado.—Vocêprecisaselar.VamosproMéxiconofimdesemanaquevem.Depoisdisso,
osalquimistasnuncaconseguirãopegarvocê.—Nãovouselar—repeti.—EnãovouparaoMéxico.—Aponteiparaolaptop.
—Olhesóoqueconsegui!Secontinuarondeestou,possodescobriroutrascoisas.Possodescobriroquemaisos alquimistaseosguerreirosestão tramando juntos.—Poderiadescobrir se Jill estava correndo perigo.— Ficar marcada para sempre e virar umadissidenteseriaofimdetodasessasoportunidades.Eunãoteriacomovoltaratrásdepoisdisso.Acho que Marcus sempre conseguia o que queria, e minha revelação o pegou
completamentedesprevenido.Wadecontinuouadiscussão.—Você jánão temcomovoltar atrás.Deixaráumrastrodemigalhas atrásde si,
Sydney.Olhasóoquevocêfez.Alémdisso,jáfezperguntassobreMarcus.MesmoquenãoestejadefendendoosMoroi,osalquimistassabemquevocêpassamuitotempocomeles. E, algum dia, alguém pode perceber que você esteve lá no dia em que asinformaçõesforamroubadas.—Ninguémsabequeforamroubadas—eudisseprontamente.—Você achaqueninguém sabe—Wade corrigiu.—Essas coisinhas bastampara
levantarsuspeita.Continuefazendomaisevocêsóvaipiorarascoisas.Elesvãocomeçaranotareéaíquetudoirápelosares.Marcushaviaserecuperadodochoqueinicial.—Exato.Ouça,sequisercontinuarondeestáatéagenteirproMéxico,tudobem.
Pense com calma. Depois disso, você precisa fugir.Vamos continuar trabalhando defora.—Vocês podem fazer o que quiserem.—Comecei a guardarmeu laptop.—Eu
voutrabalhardedentro.Marcusseguroumeubraço.—Vocêestácavandosuaprópriacova,Sydney!—eledisse,muitosério.—Vaiser
pega.Livreimeubraço.—Voutomarcuidado.—Todomundocometeerros—Sabrinadisse,falandopelaprimeiravezemmuito
tempo.—Voucorreresserisco.—Pendureiabolsanoombro.—Amenosquevocêsme
impeçamàforça.Nenhumdelesrespondeu.— Então estou indo. Não tenho medo dos alquimistas. Obrigada por tudo que
fizerampormim.Ficomuitoagradecidamesmo.—Euqueagradeço—Marcusdisse,enfim.ElebalançouacabeçaparaWade,que
pareciaprestesaprotestar.—Porconseguirovídeo.Para falaraverdade,nãoachavaquevocê fosseconseguir.Penseique fossevoltardemãosabanando,masmesmoassimeuteriarompidoatatuagempravocê.Comoprêmiodeconsolação,sabe.Emvezdisso,vocêconfirmouaimpressãoqueeutinha:vocêéincrível.Seriamuitoútilparanós.—Bom,vocêssabemcomomeencontrar.—Evocêsabecomonosencontrar—eledisse.—Vamosficaraquiasemanatoda
semudardeideia.Abriaporta.—Nãovoumudardeideia.Nãovoufugir.Amelia me deu tchau quando entrei no carro, sem saber que eu tinha acabado de
desafiarseuqueridolíder.NocaminhodevoltaparaAmberwood,fiqueisurpresacomaliberdadeque estava sentindo, enão tinhanada a ver coma tatuagem.Era a noçãodequeeuhaviadesafiadoatodos:osalquimistas,osguerreiros,osVingadores.Nãoserviaaninguém,qualquerque fosseacausa.Eraapenaseu,capazde tomarminhaspróprias
decisões.Nãoeraalgocomquetivessemuitaexperiência.Eestavaprestesafazeralgodrástico.NãotinhafaladonadaparaMarcuseseugrupo
porque estava com medo de que fossem mesmo me impedir. Quando voltei paraAmberwood, fui direto para o quarto e liguei para Stanton. Ela atendeu no primeirotoque,oqueconsidereiumsinaldivinodequeestavafazendoacoisacerta.—Srta.Sage,queinesperado.Gostoudacerimônia?—Sim—eudisse.—Foimuitoinspiradora.Masnãoéporissoqueestouligando.
Nós temos um problema.Os Guerreiros da Luz estão atrás de Jill.— Eu não podiaperdertempo.— Por que eles fariam uma coisa dessas?— Ela pareceu genuinamente surpresa,
mas, se havia algo em que eu acreditava com todo o coração, era que os alquimistassabiammentirmuitobem.— Porque sabem que, se o paradeiro de Jill vier à tona, a sociedade Moroi pode
desmoronar.O foco deles ainda são os Strigoi,mas eles adorariamque a situação dosMoroifossedemalapior.—Entendi.—Eununcasabiaseelafaziaessaspausasparaorganizarospensamentos
ouseerasópeloefeitodramático.—Ecomoexatamentevocêficousabendodisso?—Aquelemeninoqueeuconheçoque foidosguerreiros.Aindanosdamosbem,e
ele está com o pé atrás em relação a eles. Elemencionou ter ouvido falar sobre umameninadesaparecidaquepoderiacausarváriosproblemassefosseencontrada.—TalvezfosseerradocolocarTreynomeiodaquelamentira,maseurealmenteduvidavadequeStantonfosseinterrogá-lotãocedo.—EvocêimaginouquefosseaDragomir.— Claro — exclamei. — Quem mais poderia ser? A senhora conhece outras
meninasMoroi?Éóbvioqueéela!—Acalme-se, srta.Sage.—Avozdelaera inexpressivae imperturbável.—Não
precisaseexaltar.— Precisamos agir! Se há uma chance de os guerreiros estarem de olho nela,
precisamostirá-ladePalmSpringsimediatamente.— Essa — ela disse, incisiva — não é uma possibilidade. Foi preciso muito
planejamentoparacolocá-lanaposiçãoatual.Nãoacrediteinesse argumentonemporumsegundo.Metadedonosso trabalhoera
controlardanosenosadaptarasituaçõesquemudavamrapidamente.—Ah,é?Evocêscontaramcomapossibilidadedeaquelespsicopatascaça-vampiros
aencontrarem?Stantonignorouaindireta.—Você tem alguma evidência de que os guerreiros realmente têm informações
concretassobreela?Seuamigoforneceualgumdetalhe?—Não—admiti.—Masmesmoassimprecisamosfazeralgumacoisa.—Nãotemnenhum“nós”aqui.—Suavozinexpressivasetornoucortante.—Não
évocêquemdecideoquevamosfazer.
Quase protestei, mas me contive. O pavor se instalou em mim. O que eu tinhaacabadode fazer?Minha intenção tinha sido levar Stanton a tomar alguma atitude realouver se, semquerer,elarevelariaquesabiadealgumcontatocomosguerreiros.Eupensara quemencionarTreymedaria credibilidade, considerando que obviamente nãopoderia contar o verdadeiro motivo que me fazia temer pela segurança de Jill. Noentanto, em algummomento, havia passado de um pedido para uma exigência.Tinhaquase dado uma ordem para ela aos berros. Esse não era o comportamento típico deSydney.Nãoeraocomportamentotípicodosalquimistas.OqueeramesmoqueWadehaviadito?Deixaráumrastrodemigalhasatrásdesi,Sydney.Seráqueeuagiradaquelamaneiraporquehaviarompidoatatuagem?Aquilonãoeraumamigalha.Eraumpãointeiro.Euestavaàbeiradainsubordinação
e, de repente, pude imaginar a lista de que Marcus sempre me advertia, aquela queregistrava todas as coisas suspeitas que eu andava fazendo. Será que Stanton já estavaatualizandoessalistanaqueleexatomomento?Euprecisavacorrigiraquela situação,mascomo?Comopoderiaretiraroquehavia
dito? Minha mente estava em disparada e levei vários segundos para me acalmar ecomeçarapensarracionalmente.Amissão.Concentre-senamissão.Stantonentenderia.—Desculpe— eu disse, por fim. Fique calma. Seja respeitosa. — Só estou… só
estoupreocupadacomamissão.Vimeupainacerimônia,sabe.—Esseeraumfatoqueela poderia conferir.—A senhoradeve ter visto comoestavam as coisas nanoite emque saí de casa.Como a nossa relação estavamal. Eu…preciso que ele se orgulhe demim.Setudoforpelosaresaqui,elenuncavaimeperdoar.Ela não respondeu, e torci para que isso significasse que estava ouvindo com
atenção…eacreditandoemmim.—Querofazerumbomtrabalhoaqui.QuerocumprirnossosobjetivosemanterJill
escondida.Mas já houve tantas complicaçõesqueninguémpreviu…PrimeiroKeith, eagora os guerreiros. Nunca tenho certeza de que ela está completamente protegida,mesmo com Eddie eAngeline. Isso acaba comigo. E…—Eu não era nenhuma atrizcapazdefingirlágrimas,masfizomelhorquepudeparafazerumavozembargada.—Enuncamesintoprotegida.Faleiparaasenhora,quandopediparairàcerimônia,comoé terrível estar com osMoroi. Eles estão por toda parte, e os dampiros também. Eucomocomeles.Vouparaaaulacomeles.Estarentrealquimistasnesse fimdesemanasalvou a minha vida. Não estou tentando fugir das minhas obrigações. Entendo queprecisamos fazer sacrifícios. E agora já não fico tão mal entre eles, mas às vezes oestresse é insuportável. Por isso, quando ouvi essa história dos guerreiros, perdi ocontrole…fiqueipensandoquepoderiafracassar.Desculpe.Nãodeveriaterlevantadoavozcomasenhora.Estavadescontrolada,eissoéinaceitável.Corteimeudiscursoefiqueitensaesperandoarespostadela.Comsorte,tinhafalado
o bastante para que Stanton desconsiderasse a ideia de que eu fosse uma dissidente.Claro, eu poderia ter acabado deme fazer passar por uma alquimista completamentefraca e instável que precisava ser retirada daquelamissão. Se isso acontecesse…bom,
nessecasotalvezeuteriadeaceitaraofertadeMarcussobreoMéxico.Apausatípicadelafoiespecialmenteangustiantedessavez.—Entendo—eladisse.—Enfim,levareitudoissoemconsideração.Essamissãoé
deimportânciacrucial,acrediteemmim.Suaspreocupaçõesforamouvidasedecidireiamelhoratitudeasertomada.Nãoeraexatamenteoqueeuqueriaouvir,mas, se tudodessecerto,ela seria fielà
suapalavra.Queriamuitoacreditarqueestavasendosincera.—Obrigada,senhora.—Maisalgumacoisa,srta.Sage?—Não,senhora.E…medesculpe,senhora.—Desculpasanotadas.Clique.Eu vinha andando de um lado para o outro enquanto falava e agora fiquei parada
encarandoocelular.MinhaintuiçãomediziaquerealmentetinhafeitocomqueStantontomassealgumaatitude.Omistérioeraseessaatitudeseriabenéficaoucatastróficaparamim.Foi difícil dormir depois do telefonema e, dessa vez, não tinha nada a ver com
Veronica. Eu estava agitada demais, nervosa demais com o que havia acontecido comMarcuseStanton.Tenteirecuperaraquelasensaçãodeliberdade,masfoisóumafaíscadessa vez, fraquejando diante dasminhas novas inseguranças.Ainda assim, eramelhordoquenada.Caí no sono em tornodas três.Tive a vaga impressão de que se passaram algumas
horas até eu ser tragada para um dos sonhos deAdrian, de volta ao salão da festa decasamento.—Finalmente—eledisse.—Estavaquasedesistindo.Penseiquevocêfossepassara
noite inteira acordada. — Ele havia parado de usar o terno naqueles sonhos,provavelmente porque eu sempre aparecia de calça jeans. Naquela noite, ele tambémestavadejeans,ecomumacamisetapretalisa.—Eutambém.—Retorciasmãosecomeceiaandardeum ladoparaooutroali
também.O nervosismo de antes se transferiu para o sonho.—Acontecerammuitascoisashojeànoite.Osonhopareciareal,sólido.Adrianestavasóbrio.—Vocênãoacaboudevoltar?Quantacoisapodeteracontecido?Quandocontei,elemeneouacabeça,abismado.—Caramba,Sage.Comvocêétudoounadamesmo.Ascoisasnuncaficamparadas
nasuavida.Pareinafrentedeleemeapoieinumamesa.— Eu sei, eu sei.Você acha que acabei de fazer uma grande besteira?MeuDeus,
talvezMarcusestivessecertoetivesseumpoucodecompulsãonatatuagemmeforçandoaserleal.Euficolivreporumahoraesaiocompletamentedalinhacomaminhachefe.—Vocêpareceterencobertoseurastro—eledisse,emborasuatestaestivesseum
poucofranzida.—Maseuficariadesapontadosemandassemvocêparaumlugarmenosestressante.Seriaapiorcoisaquepoderiaacontecer,peloquevocêdisse.Comeceiarir,masdenervosismo.—Oquedeuemmim?EstavafazendocoisasmalucasmuitoantesdeMarcusromper
a tatuagem. Encontrar rebeldes, caçar feiticeiras domal, até comprar aquele vestido!GritarcomStantonésómaisumamaluquicenumalongalista.ÉcomofaleipravocênoTortaseTal:nãoseimaisquemeusou.Adriansorriuesegurouminhasmãos,seaproximandodemim.—Bom,emprimeiro lugar,oespecialistaemmaluquicesaqui soueu,e issonãoé
nada. E quanto a você, tem sido a mesma guerreira bonita, corajosa, ridiculamenteinteligente e viciada em café desde o dia em que nos conhecemos.— Finalmente elecolocou“bonita”notopodalistadeadjetivos.Nãoqueeudevessemeimportar.— Puxa-saco— zombei. —Você não sabia nada sobre mim quando a gente se
conheceu.—Sabiaqueerabonita—eledisse.—Sótorciparaquefosseorestotambém.Ele sempre tinhaaquelebrilhonosolhosquandoelogiavaminhaaparência,comose
estivesse vendo muito além disso. Era intenso e desorientador… mas eu não meimportei.Eessanãofoiaúnicacoisaquemeperturbou.Comoeletinhaseaproximadotantodemimsemqueeupercebesse?Eracomosetivessehabilidadessecretasdeespião.Suasmãos estavamquentesnasminhas;nossosdedos, entrelaçados.Eu ainda tinhaumresquício daquela alegria de antes dentro demim, e estar junto dele intensificava essesentimento.Overdedeseusolhosestava lindocomosempre,e fiqueimeperguntandose os meus tinham o mesmo efeito sobre ele. Havia um pouco de amarelo-âmbarmisturadocomocastanhoqueumavezelehaviaditoquepareciaouro.Ele é a única pessoa que nunca me diz o que fazer, percebi.Ah, claro, me pedia
muitas coisas, semprebajulandoe commuita lábia.Masnão exigianadademim,nãocomoos alquimistasouMarcus.AtémesmoJill eAngelinecostumavamcomeçar seuspedidoscom“Vocêtemque…”.—Porfalarnaquelevestido—eleacrescentou—,aindanãoovi.Ribaixinho.—Vocênãoaguentaria.Elearqueouasobrancelha.—Éumdesafio,Sage?Euaguentomuitacoisa.—Nãoconsiderandoonossohistórico.Semprequeusoalgumaroupaminimamente
atraente,vocêperdeocontrole.—Não é totalmente verdade— ele disse.— Eu perco o controle com qualquer
roupa que você usar. E aquele vestido vermelho não era“minimamente atraente”. Eraumpedaçodocéunaterra.Umpedaçodocéuvermelhoesedoso.Eudeveriaterreviradoosolhos.Deveriaterditoquenãoestavaaliparafazeroque
elequeria.Mashaviaalgonosolhosdeleenamaneiracomomesentianaquelanoitequemefezquererverasuareação.Romperatatuagemnãohaviamudadonadaentrenós,
mas, somado a tudo que eu tinha feito naquela semana, me fez criar coragem. Pelaprimeiravez,quiscorrerumriscocomele,apesardetodososmeusvelhosargumentosracionais.Alémdisso,nãohaviaperigoemdeixá-lodarumaolhada.Manipuleiosonhocomoelehaviameensinado.Algunsmomentosdepois,ovestido
curtode renda substituiuo jeans e a blusa.Criei atéos saltos, oque aumentouminhaestatura. Ainda não estava tão alta quanto ele, mas o pequeno aumento haviaaproximadonossosrostos.Osolhosdelesearregalaram.Aindasegurandominhasmãos,deuumpassoparatrás
a fimdeexaminaroconjunto todo.Haviaalgodequase tangívelnamaneiracomoseuolharpercorreumeucorpo.Eupraticamentesentia todosos lugaresemqueseusolhospousavamemmim.Quandoelesvoltaramaencontrarosmeus,minharespiraçãoestavaarquejanteeeusabiamuitobemquenãohaviamuitaroupaentrenós.Talvezhouvessesimalgumperigoemdeixá-lodarumaolhada.—Umpedaçodocéu?—conseguiperguntar.—Não— ele respondeu.—Do outro lugar. Onde vou arder por pensar o que
estoupensando.Eleseaproximoudemimnovamente.Suasmãossoltaramasminhasepassarampara
aminhacintura,enoteiquenãoeraaúnicacomarespiraçãopesada.Elemepuxouparaperto,unindonossoscorpos.Omundoerapurocaloreeletricidade,densocomatensãoao nosso redor, e só faltava uma faísca para essa tensão explodir. Eu estava meequilibrandoàbeiradeoutroprecipício,oquenãoerafácilfazerdesaltoalto.Pusosbraçosemtornodopescoçodelee,dessavez,fuieuquemopuxouparaperto.—Droga—elemurmurou.—Quefoi?—perguntei,semtirarosolhosdosdeleemnenhummomento.Elepassouasmãosnomeuquadril.—Nãoeraparaeubeijarvocê.—Nãotemproblema.—Oquê?—Nãotemproblemaseeubeijarvocê.Era difícil surpreenderAdrian Ivashkov,mas consegui quando trouxe sua boca para
pertodaminha.Euobeijeie,porummomento,eleficoupasmodemaispararetribuir.Isso durou, hum, mais ou menos um segundo. Então a intensidade que eu passara aconhecer tãobemvoltoucom força total.Elemeguioupara trás,me levantandoparaque eu sentasse em cima de uma das mesas. A toalha foi empurrada para trás,derrubandoalgunscopos.Ouvioqueparecia serumpratodeporcelana seespatifandonochão.Toda a lógica e a razãoqueeucostumava terhaviamdesaparecido.Nãohavianada
alémdepeleepaixão,eeunãomentiriaparamimmesma—pelomenosnãonaquelanoite. Eu o queria. Arqueei as costas, sabendo muito bem que aquilo me deixavavulnerável e que era um convite para ele. Ele aceitou o convite e empurrou minhascostassobreamesa,descendoocorposobreomeu.Aquelebeijoavassaladorpassouda
minhabocaparaanuca.Eledesceuaalçadomeuvestidoetambémdosutiã,expondomeuombroedandoaseus lábiosmaispeleparaconquistar.Umcoporoloudamesaecaiu, logoseguidoporoutro.Adrianparouobeijoeabriosolhos.Eleestavacomumolharexasperado.—Umamesa—eledisse.—Umadrogadeumamesa.Algunsmomentosdepois,amesahaviadesaparecido.Euestavanoapartamentodele,
na sua cama, e fiquei contente por não haver mais talheres nas minhas costas.Completadaamudança,seuslábiosvoltaramaencontrarosmeus.Aurgênciadaminharesposta surpreendeu até a mim. Nunca pensei que seria capaz de agir tãoinstintivamente, deme afastar tanto da razão que costumava guiarmeus atos.Minhasunhassecravaramnascostasdele,eeledesceuoslábiospelomeuqueixoatéomeiodomeu pescoço. Continuou descendo até chegar à base do decote do vestido. Soltei umgemidoeelebeijoutodooentornododecote,sóobastanteparameprovocar.—Nãosepreocupa—elemurmurou.—Vocêvaicontinuarcomovestido.—Ah,é?Essadecisãoésuaporacaso?—Sim—elerespondeu.—Vocênãovaiperdersuavirgindadeemumsonho.Seé
que issoépossível.Nãoqueropensarno ladofilosóficodaquestão.Alémdomais,nãoprecisamosapressarascoisas.Àsvezesvaleapenasedemorarnajornadaporumtempoantesdechegaraodestino.Metáforas.Eraopreçodeficarcomumartista.Euestavaprestes adizer isso.Masentão suamão subiupelaminhapernaevoltei a
me envolver. Eu podia até continuar com o vestido, mas ele não via mal em tomaralgumas liberdades.Aquela mão entrou sob o vestido, subindo pela minha perna atéchegaraoquadril.Sentiumardorpordentroemeconcentreicompletamentenotoquedaquelamão. Ela estava semovendo devagar demais, e a segurei, pronta para fazê-laavançar.Adrianriuepegoumeupunho,tirandoaminhamãoeasegurandocontraoslençóis.—Nuncapenseiqueseriamaisdevagarquevocê.Abriosolhoseencontreiosdele.—Euaprendorápido.Todo aquele ímpeto selvagem e ardente dentro de mim deve ter transparecido,
porqueeleprendeuarespiraçãoeseusorrisosedesfez.Elesoltoumeupunhoeseguroumeurostonasmãos,aproximandoodeleaapenasumcentímetrodomeu.—MeuDeus,Sydney.Vocêé…Oardoremseusolhossetransformouemsurpresa,eeleolhouparacimaderepente.— Que foi? — perguntei, sem saber se aquela era alguma parte estranha da
“jornada”.Elefezumacaretaecomeçouadesaparecerdiantedosmeusolhos.—Estãoacordandovocê.
22
Abriosolhos,tontapelochoquerepentinodeserarrancadadosonho.Meucorpoestavalento e apertei os olhos diante da luz.A lâmpada que eu havia deixado acesa na noiteanterior se somou à luz do sol que passava pela janela,masmeu celularmostrava queaindaeraabsurdamentecedo.Alguémbateunaportaepercebiqueeraissoquetinhameacordado.Ajeiteiocabeloelevanteidacamacambaleante.— Se ela estiver precisando de ummonitor de geografia agora, eu realmente vou
para oMéxico—murmurei.Mas não eraAngeline que estava atrás da porta quandoabri.EraJill.—Acaboudeacontecerumacoisagrave—eladisse,entrandorapidamente.—Nãocomigo.Se ela notou minha irritação, não demonstrou. Na verdade, examinando-a mais
atentamente, percebi que ela parecia (ainda) não saber do que havia acontecido entremimeAdrian.Deacordocomoqueeuhavia aprendido, sonhosdeespíritonãoeramcompartilhadospelo laço,amenosqueapessoaquetinharecebidoobeijodassombrasfosselevadadiretamenteparadentrodosonho.Suspirei e senteina cama,querendovoltar adormir.Ocalore a emoçãodo sonho
estavamperdendoaforça,eagorasómesentiaexausta.—Qualéoproblema?—AngelineeTrey.Resmunguei.—Ai,meuDeus.Oqueelafezcomeleagora?Jill sentounaminhacadeirae assumiuumolhar firmeedecidido.Oqueelaestava
prestesafalarnãodeviasernadabom.—ElatentoutrazerTreyparaonossoalojamentoontemànoite.—Comoassim?—Eurealmenteprecisavadormirmais,porquemeucérebroestava
tendodificuldadesparaentenderalógicadaquilo.—Elanãoestá tãodedicadaànotadematemáticaassim…está?
Jillergueuumasobrancelha.—Sydney,elesnãoestavamestudandomatemática.—Entãooqueestavam…Ah.Ah,não.—Caídecostasnacamae fiqueiolhando
paraoteto.—Não.Issonãopodeestaracontecendo.—Tambémtenteirepetirissoparamimmesma—eladisse.—Nãoadiantou.Eumevireideladoparaencará-ladenovo.—Certo,supondoquesejaverdade,estárolandofazquantotempo?—Nãosei—Jillpareciatãocansadaquantoeu,emuitomaisexasperada.—Você
sabe como ela é.Tentei arrancar respostas dela, mas ela ficou repetindo que não eraculpadelaequesimplesmentetinhaacontecido.—EoqueTreydisse?—Não consegui falar com ele ainda. Ele foi levado embora assim que eles foram
pegos. — Ela abriu um sorriso triste. — O bom é que ele vai ter muito maisproblemasdoqueela,entãonãoprecisamosnospreocuparqueelasejaexpulsa.Ah,não.—Precisamosnospreocuparqueelesejaexpulso?—Achoquenão.Ouvihistóriasdeoutraspessoasquefizeramissoesóficaramem
detençãopormuitotempooucoisaassim.Pelo menos isso. EAngeline ficava tanto em detenção que eles teriam ainda mais
tempoparaficarjuntos.— Bom, então acho que não há muito o que fazer. Quer dizer, as consequências
sentimentaisvãoserumazona,claro.—Então…—Jillmudoudeposição,nervosa.—Erasobreissoqueeuqueriafalar.
Sabe,alguémprecisacontaraoEddie…Eulevanteidacamaemumsalto.—Euéquenãovoufazerisso.—Ah, claro que não. Ninguém esperaria que você fizesse.— Eu não tinha tanta
certeza,masdeixeiqueelacontinuasse.—Angelinevaicontar.Éacoisacertaafazer.—Sim…—Euaindanãotinhabaixadoaguarda.—MasalguémprecisafalarcomEddiedepois—elaexplicou.—Vaiserdifícilpra
ele,sabe?Nãopodemosdeixá-losozinho.Elevaiprecisardeumamigo.—Vocênãoéamigadele?—perguntei.Elaficouvermelha.—Sim,claro.Masnãoseiseseriacertoconsiderandoque…enfim,vocêsabeoque
sintoporele.Émelhoreleteralguémmaisracionaleobjetivoporperto.Alémdisso,nãoseisefariaumbomtrabalho.—Achoquefariaumtrabalhomelhordoqueeu.—Vocêémelhornessascoisasdoquepensa.Conseguedeixarascoisasmaisclaras
e…Jillparoudefalarderepente.Seusolhossearregalarame,porummomento,parecia
que ela estava vendo algo que eu não conseguia ver. Demorei um momento para
entender.Nãosóparecia—eraexatamenteoqueelaestava fazendo.Elaestava tendoum daquelesmomentos em que ficava em sincronia com amente deAdrian. Eu a vipiscar e, lentamente, voltar a se concentrarnomeuquarto.Seusolhos se focaramemmim,eelaempalideceu.Eassim,derepente,percebiqueelasabia.Rosehaviaditoque,àsvezes,nolaço,erapossívelobservarasmemóriasrecentesde
alguém mesmo que você não estivesse sintonizada com o laço naquele momento.Quando Jill olhou para mim, pude ver que ela havia visto tudo, todas as coisas quetinham acontecido entre mim eAdrian durante a noite. Era difícil dizer qual de nósestava mais horrorizada. Repassei tudo o que havia feito e dito, todas as posiçõescomprometedoras em que havia me colocado, literal e figurativamente. Jill haviasimplesmenteme“visto”fazercoisasqueninguémnuncamaistinhavisto…querdizer,excetoAdrian, claro. E o que ela havia sentido?Como erame beijar? Passar asmãosdela,querdizer,delenomeucorpo?Era uma situação para a qual eu não estava nem um pouco preparada. Minhas
indiscrições ocasionais com Adrian também haviam chegado até Jill, mas nós —especialmente eu — tínhamos ignorado. Naquela noite, porém, havíamos levado ascoisasaumnívelcompletamentediferente,quedeixavaJilleeuatônitasesempalavras.Fiquei aflita por ela terme visto tão vulnerável e exposta, emeu ladomais protetorestavapreocupadocomosimplesfatodeelatervistoalgumacoisa,ponto.Ficamos olhando uma para a outra, perdidas emnossos próprios pensamentos,mas
Jillserecuperouprimeiro.Desviandoosolhos,elaandourápidoatéaporta.—Hum,achomelhoreuirembora,Sydney.Desculpeporterincomodadovocêtão
cedo.Acho que dava para ter esperado.Angeline vai conversar com Eddie ainda demanhã, então quando tiver um tempo para falar com ele, sabe, seria ótimo.— Elarespiroufundoeabriuaporta,aindaserecusandoameolharnosolhos.—Precisoir.Atémais.Desculpadenovo.—Jill…Ela fechou a porta e me afundei na cama, sem conseguir ficar de pé. Era oficial.
Todosos resquícios de ardor edesejo que eu sentia por ter ficado comAdrian haviamdesaparecidoporcompletodiantedaexpressãode Jill.Atéaquelemomento,nãohaviaentendido verdadeiramente o que significava me envolver com alguém que tinha umlaço.TudooqueAdriandiziaparamim,elaouvia.Todosentimentoqueeletinhapormim,elatambémtinha.Todavezqueelemebeijava,elasentia…Comecei a me sentir enjoada. Como Rose e Lissa haviam lidado com aquilo? Em
algum lugar da minha mente atordoada, lembrei de quando Rose me contou queconseguia bloquear várias das experiências de Lissa, mas que tinha levado alguns anosparaaprenderafazerisso.AdrianeJillestavaligadospelolaçofaziapoucosmeses.OchoquedesaberoqueJilltinhavistolançouumasombrasobretudooquehaviade
sensualeemocionantenaquelanoite.Eumesentiexposta.Mesentifácilevulgar,aindamais ao lembrar de como havia provocado as coisas. Aquela sensação de enjooaumentou,enãohouvecomoevitaraavalanchedesentimentosqueseseguiu.
Euhaviamedeixadoperderocontrole, tinha sido tomadapelodesejo.Nãodeveriater feitonadadaquilo,enãosóporqueAdrianeraMoroi(embora,claro,essetambémfosseumproblema).Aminhavidagiravaemtornoderazãoelógica,eeuhaviajogadoambaspela janela.Esses erammeuspontos fortes e, aodeixá-los de lado, eu tinhametornado fraca.Ainda estava arrebatada pela liberdade e pelos perigos por que haviapassadonanoiteanterior,semmencionarqueestavainebriadaporAdrianeporeleterme dito que eu era bonita e corajosa e “ridiculamente inteligente”. Eu havia mederretido com o olhar dele ao me ver naquele vestido absurdo. Saber que ele medesejavahaviamedesnorteado,fazendocomqueeutambémodesejasse…Nadadaquiloestavacerto.Comgrandeesforço,levanteieconseguiescolherasroupasparaodia.Cambaleeiaté
o chuveiro feito um zumbi e fiquei tanto tempo no banho que perdi o café damanhã.Não tinha importância. Não teria conseguido comer nada mesmo, não com todas asemoções que estavam fervilhando dentro de mim. Mal falei com as pessoas enquantopassava pelos corredores, e foi só quando sentei na sala da sra. Terwilliger quefinalmente me lembrei que havia outras pessoas no mundo, com seus própriosproblemas.Maisespecificamente,EddieeTrey.Eu tinha certeza de que eles não estavam tão traumatizados quanto Jill e eu pelos
acontecimentos da noite anterior.Mas ficou claro que ambos haviam tido umamanhãdifícil.Nenhumdelesfalououfezcontatovisualcomninguém.AchoqueeraaprimeiravezqueeuviaEddieignoraroambiente.Osinalmeinterrompeuantesqueeutivesseachancededizeralgumacoisa,epasseiorestodaaulaolhandoparaosdois,preocupada.Elesnãopareciamestarprestesasemeteremalgumaloucuramovidapelatestosterona,oqueeraumbomsinal.Mesentimalporambos—especialmenteporEddie,quehaviasido o mais enganado— e me preocupar com eles me ajudou a não pensar no meuprópriodrama.Umpouquinho,pelomenos.Aofimdaaula,quisfalarantescomEddie,masasra.Terwilligermeinterpelou.Ela
meentregouumgrandeenvelopeamareloquepareciaconterumlivro.Aparentemente,osfeitiçosqueeuprecisavaaprendernãoacabavamnunca.—Algumas das coisas de que conversamos— elame disse.— Estude assim que
puder.—Certo.—GuardeioenvelopedentrodabolsaeolheiaoredorembuscadeEddie,
maselejáhaviaidoembora.Trey estava na minha aula seguinte, e sentei ao lado dele, como sempre. Ele me
olhoudeesguelhaeentãodesviouosolhos.—Então—eudisse.Eleabanouacabeça.—Nãocomece.—Nãovoucomeçarnada.Eleficouquietoporalgunssegundoseentãosevirouparamimcomoolharfebril.
—Eu não sabia, juro. Sobre ela e Eddie. Ela nunca mencionou e, claro, eles nãofalamsobreissoaqui.Eununcateriafeitoissocomele.Vocêprecisaacreditar.Euacreditava.ApesardetodososdefeitosdeTrey,eleerahonestoetinhaumbom
coração.Sealguémhaviasecomportadomalnaquelahistória,eraAngeline.—Naverdade,estoumaissurpresaporvocêterseenvolvidocomalguémcomoela.
—Nãoprecisavaelaborarque“alguémcomoela”sereferiaaofatodeelaserdampira.Treyenfiouacabeçanacarteira.—Eusei,eusei.Équetudoaconteceutãorápido.Numdiaelaestavaatirandoum
livronaminhacabeça.Nooutro,agenteestavasepegandoatrásdabiblioteca.—Ai.Eunãoprecisavaficarsabendodessaparte.—Levanteiosolhoseviquenossa
professora de química ainda estava organizando a mesa, o que nos dava mais algumtempo.—Eagora,oquevocêvaifazer?—Oquevocêacha?Precisoterminar.Nãodeveriaterdeixadochegartãolonge.A Sydney de trêsmeses antes teria dito que era óbvio que ele precisava terminar.
MasestaSydneydisse:—Vocêgostadela?—Sim, eu…—Ele parou e então abaixou a voz.—Acho que amoAngeline. É
muitaloucura?Depoisdesóalgumassemanas?—Não…Não sei. Não soumuito boa em entender essas coisas.—Na verdade,
queria dizer que era péssima.—Mas, se é assimque você se sente… talvez… talveznãodevessejogarissofora.OsolhosdeTreysearregalaram,esuatristezasetransformouemchoque.—Vocêestáfalandosério?Comopodedizerumacoisadessas?Maisdoqueninguém,
vocêsabecomoascoisasfuncionam.Vocêstêmasmesmasregrasquenós.Eumalpodiaacreditarnasminhasprópriaspalavras.—Ogrupodelanão,eelesparecemviverbem.Porummomento,penseiveruma faíscadeesperançanosolhosdele,masentãoele
balançouacabeça.—Nãoposso, Sydney.Você sabequenão.Mais cedooumais tarde vai acabar em
desastre.Tem ummotivo para as nossas raças não semisturarem. E, se algum dia aminha família descobrir… Cara. Nem consigo imaginar. Eu nunca mais teria comovoltar.—Vocêquermesmovoltar?Elenãorespondeu.Emvezdisso,disseapenas:—Nãotemcomodarcerto.Acabou.—Eununcaotinhavistotãotriste.Aaulacomeçouepôsfimànossaconversa.Não vi Eddie no restaurante na hora do almoço. Jill estava sentada comAngeline
numamesanocantoepareciaestardandoumfortesermão.ElapoderianãosesentiràvontadeconsolandoEddie,maspelo jeitonãotinhaproblemaalgumemdefendê-lo.EunãoqueriaouvirasjustificativasdeAngelineouolharnosolhosdeJill,entãopegueiumsanduíche e fui comer do lado de fora. Não tinha tempo para procurar Eddie no
restaurantedoalojamentomasculino,porissomandeiumamensagem.Quertomarcafédepois?Não fique com pena de mim, ele respondeu. Eu não achava nem que ele fosse
responder,entãojáeraalgumacoisa.Sóqueroconversar.Porfavor.Amensagem seguinte não veio tão rápido, e quase pude imaginar a batalhamental
que ele estava travando. Tá,mas depois do jantar.Tenho um grupo de estudos . Ummomentodepois,acrescentou:MasnãonoSpencer’s.TreytrabalhavanoSpencer’s.Agora que o drama deAngeline podia esperar, voltei à confusão que era minha
própriavidaamorosa.NãoconseguiatiraraexpressãodeJilldacabeça.Nãoconseguiame perdoar por ter perdido o controle. E, agora, estava com as palavras deTreyecoando na minha mente.Mais cedo ou mais tarde vai acabar em desastre.Tem ummotivoparaasnossasraçasnãosemisturarem.Como se invocado pelos meus pensamentos,Adrian me mandou uma mensagem.
Querpegarodragãohoje?Eutinhameesquecidocompletamentedocallistana.EleficaracomAdrianenquanto
eu estava em St. Louis, e agora era a minha vez. Como Adrian não conseguiatransformá-lo de volta em quartzo, o dragão tinha ficado em sua verdadeira formadurantetodoofimdesemana.Podeser,respondi.Sentiumfrionabarrigaquando fuiatéacasadelemais tarde.Eu tiveraorestodo
dia para pensar sobre minhas alternativas e finalmente me decidi por uma das maisextremas.Quandoeleabriuaporta,seurostoestavailuminado…atéveromeu.Suaexpressão
ficouaomesmotempotristeeexasperada.—Ah,não—eledisse.—Lávem.Entrei.—Lávemoquê?—Vocêdizendoqueoqueaconteceuontemànoitefoiumerroenuncamaispodese
repetir.Desvieiosolhos.Eraexatamenteoqueeuiadizer.—Adrian,vocêsabequenãotemcomodarcerto.—PorqueMoroiehumanosnãopodemficarjuntos?Porquevocênãosenteomesmo
queeusintoporvocê?—Não—respondi.—Querdizer,nãosóéisso.Adrian…Jillviutudo.Elepareceulevaralgunssegundosparaentender.—Comoass…Ah.Droga.—Poisé.—Eunem tenhopensadomais nisso.—Ele sentouno sofá e ficouolhandoparao
nada.Ocallistanaentroucorrendona salae seempoleirounobraçodo sofá.—Quer
dizer, sei que acontece.Até conversamos sobre isso em relação a outras garotas. Elaentende.—Entende?— exclamei.— Ela tem quinze anos!Você não pode fazer amenina
passarporisso.—Você até podia ser inocente aos quinze,mas Jill não é. Ela sabe como as coisas
funcionam.Nãoconseguiaacreditarnosmeusprópriosouvidos.—Masnãosouumadasoutrasgarotas!VejoJilltododia.Sabecomoédifícilolhar
para a cara dela, sabendoque elame viu fazendo aquilo?Ai,meuDeus, e se tivessemacontecidooutrascoisas?—Entãooque issoquerdizer,exatamente?—eleperguntou.—Você finalmente
tinhamudadodeideiaeagoravaiterminarascoisasporcausadela?—Beijarvocênãoé“mudardeideia”.Elemeolhoulongamente.—Nãofoisóumbeijo,srta.EuAprendoRápido.Tenteinãodemonstrarcomomesentiaenvergonhadadessafrase.—É exatamente por isso que acabou.Não vou deixar Jill ver uma coisa dessas de
novo.—Entãovocêadmitequepoderiavoltaraacontecer.—Teoricamente,sim.Masnãoquerocorrerorisco.—Entãovaisimplesmenteevitarficarsozinhacomigo?—Vouevitarvocê,eponto.—Respireifundo.—VouproMéxicocomMarcus.— Como assim? —Adrian se levantou em um salto e veio até mim. Recuei
imediatamente.—Eaquelahistóriadetrabalhardisfarçada?— Isso só funciona se eu continuar disfarçada!Acha que vou conseguir isso me
encontrandocomvocêàsescondidas?—Vocêjápassametadedotempocomigo!—Nãosabiaseeleestavabravoounão,
masestavavisivelmentechateado.—Ninguémpercebe.Vamostomarcuidado.— Basta um deslize— eu disse. — E não sei mais se consigo confiar em mim
mesma.Nãoposso correro riscodeos alquimistas descobrirem sobrenós.NãopossoexporJillaoquefaríamosjuntos.Elesvãomandaroutroalquimistapracuidardelae,setudodercerto,Stantonvaitomarumaatitudeemrelaçãoaosguerreiros.—Jillsabequenãopossodeixarminhavidadelado.—Masvocêprecisa—retruquei.Agoraeleficoubravo.—Evocêsabedissoporqueéespecialistaemnegarasimesmaascoisasquequer.E
agoravaifugirdopaísparagarantirquenuncamaisvaiserfeliz.—Exatamente.—Fui até o callistana e recitei o encantamento que o retornava à
formainerte.ColoqueiocristaldentrodabolsaecrieicoragemparalançaroolharmaisfriopossívelparaAdrian.Devetersidoforteporqueelepareciater levadoumtapanacara.Ver a dor em seu rosto partiumeu coração. Eu não queria ferir os sentimentos
dele. Não queria deixá-lo para trás.Mas que escolha eu tinha?Muita coisa estava emrisco.—Nãotemmaisvolta—eudisse.—Tomeiminhadecisão,Adrian.Vouembora
neste fimde semana, então,por favor, não torne as coisasmais difíceis doque já são.Queria que continuássemos amigos.—Meu tom fez parecer que estávamos fechandoumnegócio.CaminheiatéaportaeAdriancorreuatrásdemim.Nãoconseguiasuportaraagonia
norostodeleepreciseidetodaaminhaforçadevontadeparanãodesviarosolhos.—Sydney,nãofazisso.Vocêsabequeéumerro.Nofundo,vocêsabe.Nãorespondi.Nãoconseguiresponder.Fuiembora,meobrigandoanãoolharpara
trás. Estava commuitomedo de queminha determinação vacilasse, e era exatamentepor issoqueprecisava ir emboradePalmSprings.Nãoestavamais segurapertodele.Ninguémdeveriaterodireitodeexerceressepodersobremim.Tudooquequeriaerameescondernoquartoechorar.Porumasemana.Masnunca
haviadescansoparamim.Tudogiravaemtornodosoutros,emeuspróprios sonhosesentimentoseramdeixadosde lado.Por isso,eunãoestavanamelhorposiçãoparadarconselhos amorosos a Eddie quando nos encontramos naquela noite. Felizmente, eleestavaabsortodemaisnasprópriasemoçõesparaperceberasminhas.—Nuncadeveria termeenvolvidocomAngeline—elemedisse.Estávamosnum
café dooutro ladoda cidade.Ele havia pedidoum chocolate quente emexia nele faziaquaseumahora.—Vocênãosabia—eudisse.Eradifícilmanterminhapartedaconversaquandoeu
ficavamelembrandodadornosolhosdeAdrian.—Vocênãotinhacomosaber,aindamaisnocasodela.Elaéimprevisível.— E é por isso que eu não deveria terme envolvido.— Ele finalmente pousou a
colhernamesa.—Relacionamentos sãoperigososmesmoquandovocênão seenvolvecomumapessoacomoela.Eeunãotenhotempopraessetipodedistração!EstouaquiporJill,nãopormim.Nuncadeveriatermedeixadoenvolvernessahistória.—Nãotemnadadeerradoemquererficarcomalguém—eudisse,diplomática.A
menosqueessapessoavireseumundodeponta-cabeçaefaçavocêperderocontrole.—Talvez quandome aposentar eu tenha tempo.—Não consegui perceber se ele
estavafalandosério.—Masnãoagora.Jilléminhaprioridade.Eunãotinhaporquemefazerdecupido,masprecisavatentar.—Você já pensou seriamente em ficar com Jill? Sei que gostava dela.— E tinha
certezaabsolutadequeaindagostava.— Isso está fora de questão— ele disse com firmeza.—Como você sabemuito
bem.Nãopossopensarneladessejeito.—Elapensaemvocêdessejeito.—Aspalavrassaíramdaminhabocaantesqueeu
pudessemeconter.Depoisdomeuprópriodesastreamorosonaqueledia,umapartedemimqueriamuitoquepelomenosalguémfossefeliz.Nãoqueriaqueninguémsofressecomoeu.
Elecongelou.—Ela…Não.Nãopodeser.—Sim.Todauma gamade emoções passoupelos olhos deEddie. Incredulidade.Esperança.
Alegria.E,então…resignação.Elepegouacolherdenovoevoltouamexerochocolatecompulsivamente.—Sydney, sabequenãoposso.Maisdoqueninguém,você sabecomoépreciso se
focarnotrabalho.—Essaeraasegundaveznaquelediaquealguémmefalava“maisdoqueninguém,você…”.Achoquetodomundotinhaumaideiapreconcebidademim.—Vocêdeveriapelomenostentar—eudisse.—Olhebempraeladapróximavez
queestiveremjuntos.Vejacomoelareage.Pareciaqueeleiatentar,oqueconsidereiumapequenavitória.Derepente,seurosto
ficoualerta.—O que aconteceu com você eMarcus?A viagem pra St. Louis.Você descobriu
algumacoisasobreJill?Escolhioquediriaaseguircommuitocuidado,tantoporquenãoqueriapreocupá-lo
como porque não queria que ele tomasse nenhuma atitude drástica que, mesmo semquerer,acabariarevelandominhastransaçõescomMarcus.—Descobrimosalgumasevidênciasdequeosguerreirosfalaramcomosalquimistas,
mas nada quemostre que estejam trabalhando juntos ou que realmente tenhamplanosemrelaçãoaela.Tambémtomeialgumasatitudespragarantirqueelafiqueprotegida.AindanãotinhaouvidonenhumanotíciadeStantonenãotinhacertezaseessaúltima
partedariaresultados.MasEddiepareceualiviadoeeunãoqueriaestressá-loaindamaisnaqueledia. Seuolharpassoupara algo atrásdemime ele colocouo chocolatequenteaindaintactosobreamesa.—Estánahoradeir.Olheiparaorelógioatrásdemimeviqueeletinharazão.Aindatínhamostempode
sobraantesdotoquederecolher,masnãoqueriaarriscar.Termineimeucaféeoseguiatéasaída.Osolestavasumindonohorizonte,colorindoocéudevermelhoeroxo.Atemperaturatinhafinalmenteabaixadoparaníveisnormais,masaquiloaindanãopareciainvernoparamim.Haviavárioscarrosmalestacionadosemfrenteaocafé,por issoeuhaviaparadooPingadonosfundos,afimdeevitarquealgumapessoadescuidadabatesseneleaoabriraporta.—Obrigado pelo apoiomoral—Eddie disse.—Às vezes você realmente parece
umairmã…Foientãoquemeucarroexplodiu.Querdizer,maisoumenos.PrecisoadmitirqueareaçãodeEddiefoiincrível.Elemejogounochão,protegendo
meu corpo com o dele.A explosão havia sido ensurdecedora, e gritei quando umaespéciedeespumacaiunaminhacara.Espuma?Eddie se levantou com cautela, e fiz omesmo.Meu carro não tinha explodido em
chamasnemnadaassim.Emvezdisso,estavacheiodeumasubstânciabrancaquetinhaestourado com tanta força que havia derrubado as portas e quebrado as janelas. Nosaproximamosdalambançae,atrásdenós,ouvipessoassaindodocafé.—Queporrafoiessa?—Eddieperguntou.Toqueinaespumaemmeurostoeaexamineinapontadosdedos.—Éaquiloquetemdentrodoextintordeincêndio—respondi.—Mascomoéquefoipararnoseucarro?—eleperguntou.—Etãorápido?Olhei
pra ele quando a gente estava saindo.Você que é a especialista em química. Será quepodiaacontecerumareaçãotãorápido?—Talvez — admiti. Naquele momento, estava chocada demais para realmente
pensaremalgumafórmula.PasseiamãonocapôdoPingadoequischorar.Euestavaàbeira de um ataque de nervos.—Meu pobre carro. Primeiro o doAdrian, agora omeu.Porqueaspessoasfazemcoisasassim?—Osvândalosnãoseimportam—disseumavozatrásdemim.Olheiparatráse
vi umdos baristas, um homemmais velho que imaginei ser o dono do café.— Já vicoisas assim antes.Malditospirralhos.Vou ligarprapolícia por você.—Elepegouocelulareseafastou.—Nãoseisevamosconseguirchegarantesdotoquederecolheragora—eudissea
Eddie.Elemedeuumtapinhasolidárionascostas.—Acho que, se você mostrar o boletim de ocorrência no alojamento, eles vão
entender.—É, tomara que…Ai.Apolícia.—Corri para o ladodopassageiro e encarei a
parededeespuma,desolada.—Qualéoproblema?—Eddieperguntou.—Alémdoóbvio,querdizer.—Precisomexernoporta-luvas.—Abaixeiavoz.—Temumaarmaládentro.Elenãoacreditounoqueouviu.—Oquê?Eu não disse mais nada, e ele me ajudou a abrir caminho em meio à espuma.
Estávamos ambos cobertos por ela quando cheguei perto do porta-luvas. Depois deconfirmar que não havia ninguém atrás de nós, peguei a arma rápido e a coloqueidiscretamente dentro da bolsa. Estava prestes a fechar o porta-luvas quando algobrilhantechamouminhaatenção.—Impossível—eudisse.Era a minha cruz, a dourada que eu havia perdido. Eu a peguei e derrubei
imediatamente, gritando de dor. O metal havia me queimado. Considerando que asubstância da espuma era fria, não parecia provável que tivesse esquentado a cruz.Envolviamãonamangadacamisaevolteiapegaracruzcomcuidado.Eddieespiouporsobremeuombro.—Vocêsempreusaessacruz.Fiz que sim com a cabeça e continuei olhando fixamente para ela. Uma sensação
terrível tomoucontademim.Acheiumpaninhonabolsa e embrulhei a cruz antesdeguardá-la. Então, peguei o celular e liguei para a sra. Terwilliger. Caixa postal.Desligueisemdeixarmensagem.—Qualéoproblema?—Eddieperguntou.—Nãoseidireito—respondi.—Masachoquenãoénadabom.Eu aindanãohaviadesenvolvido a capacidadede sentir resíduosmágicos,mas tinha
quase certeza de que algo tinha sido feito com a cruz, algo que resultara na morteespumosadoPingado.Alicianãohaviaconseguidoencontraracruz.SeráqueVeronicatinhavoltadoaohoteleapegado?Sesim,comohaviamelocalizado?Eusabiaqueitenspessoaispoderiamserusadospararastrearalguém,emboraosmaiscomunsfossemfiosdecabeloepedaçosdeunha.ParaumabruxatãoavançadaquantoVeronica,noentanto,eraprovávelqueumobjetocomoaquelepudesseservirtambém.Veronicapodiatermeencontrado.Mas,nessecaso,porquedestruirmeucarroem
vezdesugarminhavida?A polícia chegou logo depois e anotou nossos depoimentos. Em seguida chegou o
guincho. Pude ver pelo rosto do motorista que não havia muitas esperanças para oPingado.Ele levoumeupobrecarroemborae,depois,umdospoliciais fezagentilezadenos levar de volta aAmberwood.Contra todas as previsões, conseguimos chegar atempo.Assim que entrei no quarto, tentei ligar para a sra.Terwilliger de novo. Ela não
atendeu.Esvazieiminhabolsaemcimadacamaeviquehaviajuntadováriositensaolongodo
dia.Umdeleseraumarosquinhaquehaviapegadonocafé.Coloqueinoaquário juntocom o cristal de quartzo e invoquei o callistana. Ele logo saiu correndo atrás darosquinha.Pegueiacruzeviqueagoraestava fria.Qualquerque fosseo feitiçoquehavia sido
usadonela, jáhaviasedesfeito.Aarmaestavaao ladodela,e logoaescondidentrodabolsa outra vez. Restou o envelope da sra.Terwilliger, que eu havia ignorado o diatodo.Talvez,senãoestivessetãodistraídacomquestõespessoais,poderiatersalvadooPingado.Pegueiolivrodefeitiçosesentialgumacoisasacudirdentrodoenvelope.Eraoutro
envelope menor. Nele, havia uma mensagem da sra. Terwilliger: Aqui tem outroamuleto para disfarçar suas habilidades mágicas, só por precaução. É um dos maispoderososqueexistemeexigiumuitotrabalho,entãotomecuidadocomele.Sentiaquelaculpafamiliarquemeatacavasemprequeelameajudavatanto.Abrio
envelopemenor e encontrei um pendente prateado de estrela com olivinas. Levei umsusto.Eu já tinha visto aquele amuleto— aquele amuleto poderoso e feito com cuidado
paraesconderforteshabilidadesmágicas.EuotinhavistonopescoçodeAlicia.
23
Porummomento,acheiquedevia sercoincidência.Afinal,oquehaviade tãoespecialnuma estrela comolivinas?Alicia poderia ter simplesmente nascido em agosto e ter apedradoseumêsdenascimentoemmeioàquelabalbúrdiadecolaresquesempreusava.No entanto, se havia algo em que eu acreditava mais do que nunca, era a crença deSonyadequenãoexistemcoincidênciasnonossomundo.Senteinochãoetenteiencontraralógicanaquilotudo.SeoamuletoqueAliciausava
era igual àquele, significava que ela também era uma poderosa usuária de magiatentando esconder suas habilidades. Será que sabia a respeito deVeronica? Será queestava tentando seproteger? Se sim, ela não teria agidodemaneira tãodespreocupadacomofatodeVeronicaestarnapousada.Logo,ouAlicianãosabiaquemrealmenteeraVeronica(oqueseriamaisumacoincidênciasuspeita)ouestavaacobertandoVeronica.SeráqueAliciaestavaaliadaaVeronica?Essa me pareceu a resposta mais provável. EmboraVeronica atacasse usuárias de
magiajovensepoderosas,eraplausívelquevissevantagensemterumacomoassistente.E, como havíamos notado, ela tinha vítimas de sobra para escolher.Assim,Aliciapoderia ajudar e acobertar seus planos perversos, como quando um casal curiosochegassefazendoperguntas.Solteiumresmungo.Aliciaestevebrincandocomagentedesdeocomeço.Desdeo
segundoemqueentramospelaportacomhistóriassobrenossoaniversáriodenamoroenossa “amiga” Veronica, ela sabia que estávamos mentindo. Sabia que não éramosrealmenteamigosdeVeronica,epode ter sidopoderosaobastantepara impedirpartedacompulsãodeAdrian.Elahavia fingidoacreditaremtudo, sendoprestativaapontodemeligarquandoVeronicatinhavoltado.Eujánãosabiaoqueeraverdade.Nãofaziaideia seVeronica tinha chegado a ir embora ou voltado depois.Tinha, porém, umasuspeitacrescentedequemeucarronãoeraoúnicoqueelahaviaincapacitado.Eu conseguia entender que ela havia usado a cruz para me encontrar, mas como
localizaraoMustang?Quebrei a cabeça tentandoachar alguma informaçãoquepudesse
ternos identificado.AmagiadeespíritodeAdrianhaviaconfundidonossasaparências,acobertando qualquer ligação a nós. Então me lembrei.Alicia havia nos levado até asaídaeadmiradooMustang.Umapessoainteligente,alguémquejáestivessealertaporcausa da nossa visita, poderia ter anotado a placa e usado a informação para rastrearAdrian.Masporquefurarospneus?Paranosatrasar,claro.Lynnehaviasidoatacadanaquela
noite.Echegamostardedemaisparaavisá-la.Quantomaiseurepensavaosacontecimentosdasúltimassemanas,maiscomeçavaa
perceber que havíamos sido muito, muito descuidados. Havíamos acreditado queestávamossendomuitocuidadososemnosesconderdeVeronica.Ninguém,nemmesmoa sra.Terwilliger, havia considerado que ela poderia ter uma cúmplice com a qualtambém deveríamos ficar atentos. E os pesadelos… haviam começado no dia em queAdrianeeudeitamosnacamadeveludo.Nodiaemqueminhagranadaescorregara,oquepoderiaserobastanteparaqueAliciasentisseapresençadeumausuáriademagianapousada.Aquilome levou de volta ao presente.A sra.Terwilliger. Precisava contar a ela o
quehaviadescoberto.Ligueipelaterceiravez.Elanãoatendeudenovo.Emborasempreimaginasseasra.Terwilligerrealizandorituaisnoturnos,erainteiramenteplausívelqueela já estivesse na cama àquela altura. Será que uma coisa dessas poderia esperar até amanhã?Logodecidiquenão.Nãopodia.Estávamoslidandocomusuáriasdemagiaperigosas
e violentas, e meu carro tinha acabado de ser atacado.Algo podia estar acontecendoenquanto eu ficava ali parada, tentando decidir. Eu teria que acordá-la… se é queconseguiriachegaratéela.Leveisóumsegundoparatomarminhapróximadecisão.LigueiparaAdrian.Ele atendeunoprimeiro toque,mas pareceudesconfiado, o que era justo depois do
queeuhaviafeitonaqueledia.—Alô?Torciparaqueelefosseocaranobrequeachavaqueeleera.—Adrian,seiqueascoisasestãomalentrenósequetalvezeunãotenhaodireitode
pedir,masprecisodeumfavor.ÉsobreVeronica.Elenãohesitou.—Doquevocêprecisa?—VocêpodevirparaAmberwood?Precisodasuaajudapratransgredirotoquede
recolheresairdoalojamento.Houvealgunssegundosdesilêncio.—Sage, fazdoismesesqueestouesperandovocêdizeressaspalavras.Querqueeu
leveumaescada?Oplanojáestavaseformandonaminhacabeça.Osguardasquepatrulhavamànoite
ficavamdeolhono estacionamento estudantil,maso terrenonos fundosquasenão eravigiado.
—Consigo sair sozinha doprédio. Se você vier pela estrada e não pegar a entradaprincipal, vai ver uma estradinha de serviço que sobe a colina e passa atrás do meualojamento.Estacioneali,pertodobarracãodeferramentas,eencontrovocêassimquesair.Quandoelerespondeu,suavozestavaséria.— Queria muito acreditar que você está me chamando para alguma aventura
noturnaincrível,masnãoestá,né?Deualgumacoisaerrada.—Muitoerrada—concordei.—Explicopravocênocarro.Rapidamente, vesti uma calça jeans limpa e uma camiseta, colocandopor cimaum
casacolevedecamurçacontraofriodanoite.Porsegurança,tambémdecidipôralgunssuprimentos na bolsa. Se tudo desse certo, só avisaria a sra.Terwilliger e voltaria aoalojamento.Mas,considerandocomoascoisasandavamnosúltimostempos,nãopodiasuporqueseriatãosimples.Levaramaletadessaveznãoserianadaprático,entãotiveque tomar algumas decisões rápidas sobre as substâncias químicas e os componentesmágicosdequepoderiaprecisar.Enfieialgunsnabolsaeoutrosnosbolsosdacalçaedocasaco.Quando estava pronta, desci até o quarto de Julia e Kristin. Elas já estavam de
pijama,masaindanãotinhamidodormir.QuandoJuliameviucomocasacoeabolsa,seusolhossearregalaram.—Legal—eladisse.—Seiquevocêjásaiuantes—eudisse.—Comovocêfez?NãoerararoosmuitosencontrosdeJuliaaconteceremforadoshoráriospermitidos
pelaescola,etantoelacomoKristinjáhaviamcomentadosobresuasproezas.Eutinhaesperança de que talvez Julia soubesse de algum túnel secreto e que eu não tivesse quearriscarnenhumafaçanhaacrobáticamaluca.Noentanto,eraexatamente issooqueeuprecisava fazer. Ela e Kristin me levaram até a janela e apontaram para uma grandeárvoreplantadadiantedela.—Nossoquartotemumaboavistaeacessofácil—Kristindisse,orgulhosa.Olheiparaaárvoreretorcidacomdesconfiança.—Issoéfácil?—Metadedoalojamentojáusou—eladisse.—Vocêtambémconsegue.—Agentedeveria começar a cobrar—Julia refletiu,entãomeabriuumsorriso.
—Não sepreocupe.Vamosdaruma amostra grátis pra vocêhoje.Comece comessegalhoaqui,passeparaaqueleedepoisuseaquelesramosaliprasesegurar.Achei curioso queumapessoa quedissera na aula de educação física que badminton
eraumesporte“perigoso”nãotivessereservasemdescerumaárvoredoterceiroandar.Claro,oantigoapartamentodeMarcusficavanoquarto,eaquelaescadadeincêndioeramil vezes mais perigosa do que a árvore. Pensar emAlicia e na sra.Terwilliger melembroudaimportânciadaquelamissão,e,decidida,aceneiparaJuliaeKristin.—Vamoslá—eudisse.Julia se animou e abriu a janela para mim. Kristin ficou olhando com o mesmo
entusiasmo.—Por favor, diga que você está saindo para encontrar um cara irresistível— ela
pediu.Pareiquandoestavaprestesapassarpelajanela.—Naverdade,sim.Masnãodojeitoquevocêestápensando.QuandochegueiaogalhoqueJuliahavia indicado,descobriqueela tinharazão.Era
muito simples — tão simples, aliás, que fiquei surpresa por nenhum funcionário daescola ternotadoessa rotade fuga tão fácil e cortadoa árvore.Bom,melhorparanósque tínhamos de sair à noite.Alcancei o chão e acenei paraminhas amigas, que aindaestavamolhando.Haviaalgunspostesde iluminaçãonoterrenonosfundosdoalojamento,exatamente
paradesencorajar estudantesdesobedientes comoeu.Também ficavadentroda rotadepatrulhadeumdosguardas,masnãoeraumaposiçãoemqueeleficavaparadootempotodo.Elenãoestavanomeucampodevisão,entãotorciparaqueestivesseocupadocoma outra parte do terreno. Havia sombras suficientes no gramado para que eu pudesseficar escondida durante todo o trajeto, até chegar à cerca dos fundos. Ela era bemiluminada e, na verdade, a única vantagemque eu tinha era que sabia escalar rápido equeoguardaaindanãohaviadadosinaldevida.Novamentemeapoiandonaesperançadequeouniverso estavamedevendo alguns favores, aindamais depois demeenganaremrelaçãoaAlicia,engoliemsecoecomeceia subir.Nãoouvinenhumgritoquandocaídooutrolado,esolteiumsuspirodealívio.Eutinhaconseguido.Voltarseriamaisdifícil,masesseeraumproblemaparamaistarde,umcomque,setudodessecerto,asra.Terwilligerpoderiameajudar.Encontrei Adrian esperando por mim no Mustang no lugar exato que eu havia
indicado.Elemeolhoudeesguelhaenquantoligavaocarro.—CadêsuaroupadeMulher-Gato?—Nalavanderia.Elesorriu.—Claro.Agora,paraondevamos,eoqueestáacontecendo?—Vamosparaacasadasra.Terwilliger—respondi.—Eoqueestáacontecendoé
queoinimigoestavaembaixodonossonarizessetempotodo.Fiquei olhando paraAdrian enquanto contavaminhas revelações e vi sua expressão
passardeincredulidadeaapreensãoàmedidaqueeufalava.— A aura dela era perfeita demais — ele disse depois que terminei. —
Perfeitamente neutra, perfeitamente normal. Ninguém é assim. Mas não deiimportância.Imagineiquetalvezfossesóumaaurahumanaesquisita.—Dáparainfluenciaraaparênciadaaura?—perguntei.—Não tanto— ele respondeu.—Não seimuito sobre esses amuletos que vocês
usam,masimaginoquefoiumdelesquedistorceuaaparênciadadela.Meafundeinobanco,aindacomraivapornãoterdescobertoaquiloantes.—OboméqueelanãosabequedescobrimossobresuarelaçãocomVeronica.Isso
podenosdaralgumavantagem.Quando chegamos à casa da sra.Terwilliger, encontramos todas as luzes acesas, o
que foiuma surpresa.Eu imaginavaqueela estariadormindo,emboradefinitivamentenãofosseaprimeiravezqueelanãoatendiaotelefone.Mas,quandochegamospertodacasaebatemosnaporta,ninguématendeu.Adrianeeunosentreolhamos.—Talvez ela tenha saído com pressa— ele disse. Seu tom expressava o que as
palavrasnãodiziam.Eseasra.Terwilliger jáhouvessedescobertoomesmoquenósetivessesaídoparaconfrontarAliciaeVeronica?Eunãotinha ideiadograudepoderdeAlicia,masaschancesnãopareciampromissoras.Quando ninguém atendeu na segunda vez que bati, quase chutei a porta de tanta
frustração.—Eagora?Adriangirouamaçanetaeaportasimplesmenteseabriu.—Quetalesperarmosaquidentro?Fizumacareta.—Nãoseisegostodaideiadeinvadiracasadela.—Eladeixouaportadestrancada.Équaseumconvite.—Eleabriuaportamaisum
poucoeolhouparamimcomexpectativa.Não queria voltar paraAmberwood antes de falar com ela, tampouco queria ficar
sentada na frente da porta.Torcendopara que ela não ligasse se ficássemos à vontade,assenti,resignada,eentreiatrásdeAdrian.Acasadasra.Terwilligereraamesmadesempre,bagunçadaeperfumadapelocheirodeincenso.Pareidesúbito.—Espere.Temalgumacoisaerrada.—Demoreialgunssegundosparadescobriro
queerae,quandopercebi,nãoconseguiacreditarquenãohaviamedadocontaantes.—Osgatossumiram.—Droga—Adriandisse.—Vocêtemrazão.Pelomenos um vinha sempre cumprimentar os visitantes e os outros costumavam
ficar em cima dos móveis, embaixo das mesas ou simplesmente ocupando o meio dopiso.Mas,agora,nãohavianenhumgatoàvista.Fiqueiolhando,incrédula.—Oqueseráquepode…Um som agudode estourar os tímpanosmepegoude surpresa.Olhei para baixo e
encontreiodragãocolocandoa cabeçapara foradabolsae tentandomeescalar.Tardedemais, percebi que esquecera de fechar o aquário. Pelo jeito, ele havia entradodiscretamentedentrodabolsaenquantoeuestavanoquarto.Osomqueestavafazendoagoraeraparecidocomogritinhodefome,sóqueaindamaisirritante.Então,comosenãobastasseisso,elebeliscouminhaperna.Meabaixeietenteitirá-lodemim.—Eunãotenhotorta!Oquevocêestátentando…Ahh!Alguma coisa passou voando por cima daminha cabeça e bateu na parede atrás de
mim com um esguicho alto. Algumas gotas úmidas caíram na minha bochecha ecomeçaramaarder.Foiumasurpresanãoouvirochiadodepelequeimando.
—Sydney!—Adriangritou.Me virei para onde ele estava olhando e me deparei comAlicia parada no batente
entre a sala e a cozinha.A palma de sua mão estava voltada para nós, com umasubstânciacintilanteegosmenta.Provavelmenteamesmaqueestavaqueimandominhapeleagora.Quasepasseiamãoparalimparaquilo,masfiqueicommedodequepassasseparaosmeusdedos.Tenteisimplesmenteignorar.—Sydney—Aliciadisse,animada.—Oueudeveriadizer“Taylor”?Imagineique
veria vocês dois de novo.Mas não tão cedo. Parece que o problema no seu carro nãoatrasouvocêshoje.—Jásabemosde tudo—eudisseaela,aindadeolhonaquelagosma.—Sabemos
quevocêestátrabalhandoparaVeronica.Oarpetulantedelavacilouporummomento,superadopelasurpresa.—TrabalhandoparaVeronica?Fazséculosquemelivreidela.— Se livrou de…— Fiquei sem entender por alguns segundos. Então, as outras
peçasdoquebra-cabeçase juntaram.—Évocêquemestáabsorvendoopoderdaquelasmeninas.EdaquelabruxaemSanDiego.E…deVeronicaTerwilliger.EuhavialocalizadoVeronicanapousadacomofeitiçodeclarividência.Quandoasra.
Terwilliger tentou um feitiço de localização diferente, não conseguiu nada. Eu tinhaimaginadoqueeraporqueVeronicatinhaalgumtipodeescudo.Mas,naquelemomento,tivecertezadequeeraporqueVeronicajáestavaemcoma.Nãohaviaumamenteativaparaasra.TerwilligerencontrarporqueAliciahaviaconsumidoadeVeronica.Asra.Terwilliger…—Vocêestáaquiatrásdela—eudisse.—Nãodemim.—As menos treinadas são alvos mais fáceis —Alicia disse. — Mas não têm o
mesmopoderdebruxasexperientes,quepodemserabsorvidascomamesmafacilidadese você as derrubar antes.Não preciso de juventude, comoVeronica precisava; só dopoder. Quando ela me mostrou como o feitiço funcionava, consegui pegá-la nummomentodedistração.AquelaoutrauniversitáriamedeuforçasparaconseguirvencerAlana Kale. — Onde eu tinha ouvido esse nome?Alana… ela era do clã da sra.Terwilliger. — E agora, finalmente, posso apanhar minha maior presa: JaclynTerwilliger.Pra falar a verdade,não tinha certeza se conseguiria acabar comela,masparece que ela vem se cansando muito nas últimas semanas.Tudo para proteger suaqueridaaprendiz.—Nãosou…—Nãoconseguiterminarafrase.Estavaprestesadizerquenãoera
aprendiz da sra.Terwilliger, mas… será que não era mesmo? Eu não estava maisbrincandocommagia.Tinhaentradodeverdadenoramo.E,agora,precisavaprotegerminhamentora,assimcomoelahaviameprotegido.Senãofossetardedemais.—Ondeelaestá?—perguntei.—Perto—Aliciadisse,claramenteadorandoestarcomavantagem.—Queriaque
você não tivesse descoberto tudo isso.Você teria dado uma ótima presa depois queaprendesseumpoucomais.ClaroquenãoénadapertodeJaclyn.Hoje, elaéogrande
prêmio.—Diga onde ela está—Adrian ordenou, com um tom de voz poderoso que eu
reconheci.OolhardeAliciapassoudemimparaele.—Ah,faça-meofavor—elazombou.—Nãopercatempocomsuacompulsãode
vampiro. Percebi o que estava acontecendo depois daquela primeira visita de vocês,quandoacheidifícilme lembrardosseusrostos.—Elamostrouumapedrade jadenomeiodeseuamontoadodecolares.—Fizestedepoisdaqueledia.Medeixa imuneaosseus“encantos”.Umamuletoqueresistiaàmagiadosvampiros?Seriaútilterumnomeurepertório.
Pesquisariasobreele…seconseguissesobreviveràquelanoite.ViAlicia se preparar para lançar aquela gosma de novo e desviei com um pulo,
puxandoAdriancomigoemdireçãoàsala.Asubstânciarespingouatrásdenós.Tireidabolsa uma flor seca de cardo e joguei na direçãodeAlicia, gritandoumencantamentoemgregoqueacegaria.Elafezumleveacenoeriudaminhacara.—Sério?—perguntou.—Esse feitiçodecegueiracorretiva?Talvezvocênãoseja
umprodígiotãograndeassim.Adrian abriu um pequeno painel na parede ao nosso lado. Eu nem tinha notado,
porqueestavadistraídademaistemendoqueeladerretessemeurosto.Viamãodelesemexerrápidoe,subitamente,estávamosmergulhadosnaescuridão.—Issosimécegueiracorretiva—elemurmurou.Alicia praguejou. Fiquei paralisada pela escuridão ao meu redor. Por mais que
aprovassequalquertentativadedeixarAliciamaislenta,tambémfiqueimeioperdida.SentiamãodeAdrianseguraraminha.Semdizerumapalavra,elemepuxouparao
fundoda salade estar.Euo segui rápido, confiandoem sua visão superiorde vampiroparanosguiar.JáconseguiaouvirAliciaentoandoalgumacoisaetivecertezadequeelalogoinvocariaumfeitiçodecriaçãodeluz.Ou,então,umquemagicamenteconsertassecaixasdefusível.—Cuidado—Adrianmurmurou.—Escada.Ditoe feito.Sentimeupébateremumdegraudemadeira.Descemoscorrendo,o
mais rápido e silenciosamente possível, até o porão. Meus olhos ainda não haviam seajustado à escuridão, e me perguntei se não tínhamos acabado de entrar em umcalabouço secreto.Mas, enquanto eleme guiava por entre caixas amontoadas, percebique o porão era usado simplesmente como um depósito comum.Havia ummonte detralhas ali. Depois de ver a casa já bagunçada da sra.Terwilliger, fiquei curiosa parasaberoquemaiselateria.—Foiumaboaideia—eudissecomavozmaisbaixaqueconsegui.—Masagora
estamospresosaquidentro.Seriamelhorsetivéssemosconseguidosair.—Eusei—elerespondeu,tambémaossussurros.—Maselaestavapertodaporta,
enãodeutempodequebrarumajanela.Acimadenós,oassoalhorangiaenquantoAliciacaminhavapelacasa.
—Ésóumaquestãodetempo—eudisse.—Estavatorcendoquefossesuficienteparavocêpensaremalgumacoisaparatirara
gentedaqui.Nãodáparausaraquelasbolasdefogo?Vocêeraótimacomelas.—Não aqui dentro.Aindamais no porão.Vai incendiar a casa toda. E ainda não
sabemosondeasra.Terwilligerestá.—Fiqueiquebrandoacabeça.Acasaerapequenae não haviamuitos lugares ondeAlicia pudesse ter escondido a sra.Terwilliger. E euprecisavapartirdoprincípiodequeelarealmenteestavapresaemalgumlugar, jáqueaindanãohaviaaparecidoemnossoauxílio.PeloqueAliciadisse,pareciaqueelaaindanão havia sugado o poder da sra. Terwilliger, então, com sorte, ela só estavaincapacitada.—Devehaveralgumacoisaquevocêpossa fazer—Adriandisse,apertandominha
mão.—Vocêégenialeandalendotodosaqueleslivrosdefeitiços.Era verdade. Eu vinha lendo toneladas de informações nos últimos meses,
informaçõesquenemdeveriateraprendido—mas,naquelemomentodeterror,minhamentenãoconseguiafocaremnada.—Esquecitudo.—Não esqueceu, não.—A voz dele era calma e reconfortante na escuridão. Ele
empurroumeucabeloparatrásemedeuumdaquelesbeijinhosnatesta.—Relaxeeseconcentre.Elanãovaidemorarpradesceratrásdenós.Precisamosacabarcomelaou,pelomenos,atrasá-laparaconseguirescapar.Suas palavras sensatasme concentrarame permitiramque as engrenagens de lógica
queguiavamminhavidavoltassema funcionar.Raiosde luz atravessavamaspequenasjanelas no porão, permitindo que meus olhos se ajustassem ao breu e eu conseguissedistinguiralgunsvultosnocômodo.AindapodiaouvirAliciacaminhandopeloandardecima,entãosolteiamãodeAdrianefuidemansinhoatéaescada.Fazendoalgunsarcosgraciososcomamão,entoeiumfeitiçonaescadaevoltei rapidamenteatéondeestavaAdrian,reencontrandooabrigodeseubraço.—Certo—eudisse.—AchoqueissodeveatrasarAliciaumpouquinho.—Oquevocêfez?—eleperguntou.Naquele exatomomento, ouvimos a porta no topo da escada se abrir.Uma luz se
projetouparabaixo,emboracontinuássemosnasombra.—Vocêsnãotêmalternativa—ouviAliciadizer.—Nãotêmpraonde…Ahh!Houveuma sériedebaques surdos enquantoeladeslizava escada abaixo, até cairno
chãocomumestrépito.—Geloinvisívelnosdegraus—eudisseaAdrian.—Seiquenãodevodizer isso—ele falou—,mas achoqueamovocê aindamais
agora.Peguei a mão dele e tentei não pensar em como suas palavras mexiam comigo,
mesmonaquelasituaçãodevidaoumorte.—Venha.Saímos do nosso esconderijo e encontramosAlicia estatelada no chão, tentando se
levantar. Uma bola prateada pairava perto dela, balançando de acordo com seusmovimentos.Ao nos ver, ela resmungou e fezmenção de lançar algo contra nós. Euhaviaprevistoissoejátinhaumamuletopronto.Balancei-opelofiodesedaepronuncieialgumas palavras rápidas enquanto passávamos por ela. Um breve escudo cintilantereluziuentrenós,portemposuficienteparaabsorverospequenosdardosbrilhantesqueelalançouemnossadireção.Oescudoeraparecidocomoqueasra.Terwilligerhaviausadonoparque,masprecisavaserinvocadonahoraenãoduravamuitotempo.Não sabia o queAlicia planejava fazer em seguida, mas obviamente algo de ruim
estavaporvir.Lanceium feitiçopreventivoquenuncahaviausadoantes,umdaquelesqueasra.Terwilligerhaviaditoparaqueeunemmedesseaotrabalhodetentar.Exigiamuitaenergiaeerapoderososeusadodojeitocerto,maspareciasimplesetinhaefeitosinteressantes. Basicamente fiz com queAlicia voasse para o outro lado do porão comumarajadadepodernoexatosegundoemqueelaestavaprestesalevantar.Elacaiudecostasnumapilhade tralhasdeNatal.Umacaixadeenfeitesdespencou, seespatifandonopisoduroaoladodela.Lançar o feitiço me deixou tonta, mas consegui continuar andando. Invoquei uma
boladefogoquandochegueiàescada,masamantivenamão,segurando-abaixocomosefosse jogarumaboladeSkee-Ball.Minha intençãoeraapenas levá-lacomigo.Esperavaqueeladerretesseogeloe,depoisdosprimeirospassos,percebiqueestavacerta.—Cuidado—Adrianalertou.—Osdegrausaindaestãomolhados.Chegamos ao topo da escada, mas Alicia já estava subindo atrás de nós. Dos
primeiros degraus, ela usou o mesmo feitiço que eu havia usado contra ela, lançandoumarajadadeenergia invisível contramimeAdrianquenos jogounochão.Euvinhasegurandoaboladefogo,apesardaadvertênciadasra.Terwilligerdequeissodrenavameu poder. QuandoAlicia me derrubou, a bola voou da minha mão e caiu no sofá.Como ele estava coberto por um tecido barato que parecia vir diretamente dos anos1970,nãofoiumagrandesurpresaquandorapidamentepegoufogo.Obomfoiqueo incêndioresolveuoproblemadaescuridão.Oruim foiqueacasa
poderiacairemcimadenós.Ocallistana,quenãotinhasidorápidoobastanteparanosacompanharquandodescemosaescada,veiocorrendoatémim.Só tiveuma fraçãodesegundoparatomarumadecisão.—Procure a sra.Terwilligerno restoda casa—eudisse aAdrian.—Voudeter
Alicia.O fogo crescente criava sombras estranhas no rosto dele, ressaltando sua angústia
diantedessaproposta.—Sydney.—Essa éumadaquelashoras emquevocêprecisa confiar emmim semquestionar
—eudisse.—Válogo!Encontreasra.Terwilligeretire-adaqui.Vimilharesdeemoçõesperpassaremseurostoantesdeeleobedeceresaircorrendo
emdireçãoaooutroladodacasa.Ofogoestavaseespalhandorapidamentepelasaladeumamaneiraque sópodia sermágica.A fumaça crescentemedeuuma ideia, e lancei
umfeitiçoqueaintensificou,criandoumamuralhaenevoadanaentradaquedavaparaaescadadoporão.ElapermitiuqueeueodragãorecuássemosumpoucoantesdeAliciaaparecereabrirafumaçacomamesmafacilidadecomqueabririaumacortina.—Aquilodoeu—eladisse.Lancei um feitiço quedeveria envolvê-la em teias de aranha,mas elas caíram antes
mesmo de chegar até ela. Era muito frustrante. Eu havia decorado tanta coisa, masaqueles feitiços“corretivos” não estavam funcionando. Foi então que entendi por que aprincipal estratégia da sra. Terwilliger havia sido me esconder e ocultar minhashabilidades. Como eu poderia enfrentarVeronica?Alicia a havia derrotado, sim,masprovavelmente só depois de enfraquecê-la como havia feito com a sra.Terwilliger.Entenditambémporqueasra.Terwilligermedisseraparaconseguirumaarma,aqual,medeicontaagora,euhaviadeixadonocarro.O feitiço de gelo havia funcionado porqueAlicia não estava esperando por ele. O
único outro que havia surtido efeito fora a rajada de poder, um feitiço avançado emfunçãodoqualeuaindaestavafraca.Percebiqueseriaprecisomaisumdaqueles.Eunãofazia ideia se tinha a capacidade para lançar um segundo,mas tentar eraminha únicachancede…Gritei ao sentir o que parecia ser um choque elétrico demil volts passar pelomeu
corpo.OgestodeAliciahaviasidosutil,eelanemhaviafaladonada.Caídenovo,mecontorcendo de dor enquanto ela caminhava a passos largos naminha direção, com orosto triunfante. Com bravura, o dragão se colocou entre nós, e ela simplesmente ochutouparaolado.Ouviogritoagudodocallistanaenquantoeleescorregavapelopiso.—Talvezdevesseabsorvervocê—Aliciadisse.Oschoquesdiminuíram,econsegui
me sentar ali enquanto recuperavao ar.—Vocêpode serminhaquintavítima.PossovoltaratrásdeJaclyndaquiaalgunsanos.Vocêsereveloumuitomaispoderosadoqueeuimaginava…etemumainteligênciaqueirrita.Atéqueseesforçouhoje.—Quemdissequeacabei?—conseguidizer.Lancei o primeiro dos feitiços avançados em que consegui pensar.Talvez inspirada
pelos enfeites deNatal estilhaçados,me veio àmente a imagem de cacos partidos.Ofeitiçonãoexigiapalavrasnemcomponentesfísicos,apenasumsuavemovimentocomamão.O resto foi tirado demim, um escoamento de energia e poder que doeu quasetantoquantoofeitiçoelétricoqueAliciahaviaacabadodeusar.Masosresultadosforamimpressionantes.Na mesa de centro da sra.Terwilliger (agora em chamas) havia um pêndulo de
Newtoncomcincobolinhas.Useiofeitiçodetransmutaçãonelas,forçando-asasairdesuaformaesféricaesequebraremlâminasfinaseafiadas.Elasselibertaramdascordassobomeucomando.Essafoiapartefácil.Apartedifícilfoi,comoasra.Terwilligerhaviadito,realmenteatacaralguém.Não
só fazercomqueapessoa levasseumtombo—issonãoera tãoruim.Masumataquefísicodeverdade,umque eu sabia quepoderia causar ferimentos graves ediretos, eraumaquestãocompletamentediferente.PormaisterrívelqueAliciafosse,pormaisque
houvesse tentadomematar e quisesse sacrificar a sra.Terwilliger e inúmeras outras,aindaassimeraumapessoaviva,enãoeradaminhanaturezausaraviolênciaoutentartiraravidadealguém.Era,porém,daminhanaturezasalvaraminhavidaeadaspessoasqueeuamava.Criei coragem e comandei as lâminas na direção dela. Elas a atingiram no rosto.
Alicia gritou e tentou desesperadamente arrancá-las, mas, ao fazer isso, perdeu oequilíbrio e rolou escada abaixo. Ouvi o grito agudo que soltou ao cair no porão.Emboranãopudessevê-la,sualanternamágicaaseguiualegrementeatéláembaixo.Meu triunfo durou pouco. Eu estava mais do que simplesmente tonta — estava
prestes a desmaiar.O calor e a luz do fogo eram opressivos,masminha visão estavaobscurecida pelo cansaço de lançar um feitiço para o qual ainda não estava preparada.Agora,tudooqueeuqueriaerafecharosolhosedeitarnochão,ondeestavaquentinhoeconfortável…—Sydney!A voz deAdrianme tirouda tontura, e consegui abrir os olhos pesados para olhar
paraele.Elemeenvolveuemseusbraçosemepôsdepé.Quandoviuqueminhaspernasnão estavam reagindo, simplesmente me carregou no colo. O dragão, que não haviasofrido nenhum ferimento grave ao ser chutado, se agarrou naminha camisa e entroucorrendonabolsa,queaindaestavapenduradanomeuombro.—Onde…sra.Terwilliger…—Não está aqui—Adrian disse, correndo emdireção à porta.O incêndio agora
estava se espalhando pelas paredes e pelo forro. Embora ainda não houvesse chegado àfrente da casa, nosso caminho estava cheio de fumaça e cinzas. Nós dois estávamostossindo e meus olhos lacrimejavam. Adrian chegou à porta e girou a maçaneta,gritandoquandosuamãofoiqueimada.Entãosimplesmentearrombouaportacomumchute,esaímosparaaliberdadedoarpurodanoite.Os vizinhos estavam se reunindo do lado de fora, e pude ouvir sirenes ao longe.
Algunsficaramolhandoparanós,curiosos,masamaioriaestavaparalisadademaispeloincêndioquetomavacontadacasadasra.Terwilliger.AdrianmelevouatéoMustange, com cuidado, me encostou no carro, mas continuou com o braço ao meu redor.Ficamosolhandoassombradosparaoincêndio.—Juroqueprocurei,Sydney—eledisse.—NãoconseguiencontrarJackienacasa.
Talvezelatenhafugido.—Torciparaqueeleestivessecerto.Senão,havíamosacabadodeabandonarminhaprofessoradehistóriaparaumamorteentreaschamas.—OqueaconteceucomAlicia?—Daúltimavezquevielaestavanoporão.—Sentiumnónoestômago.—Não
seiseelavaisairdelá.Adrian,oquefoiqueeufiz?—Você estava se defendendo. Eme defendendo. E, com sorte, defendendo Jackie.
—Eleapertouobraçoaomeuredor.—Aliciaeradomal.Pensenoqueelafezcomasoutrasbruxas…noquequeriafazercomvocês.—Nuncasuspeiteidenada—eudisse,emchoque.—Eumeachavatãointeligente.
E, toda vez que falava com ela, pensava que era só uma menina besta e distraída.Enquanto isso, ela estava rindo pelas minhas costas e prevendo meus passos o tempotodo.Éhumilhante.Nãoconheçomuitagenteassim.—OMoriartydoseuSherlockHolmes?—elesugeriu.—Adrian—eufalei.Foitudoquepreciseidizer.De repente, ele voltou a olhar paramim, notandominha roupa pela primeira vez
naquelanoite,agoraquemeucasacoestavaaberto.—VocêestáusandoacamisetadaEIA?—Poisé,nuncatravobatalhasmágicassem…Ummiadorepentinochamouminhaatenção.Olheiaoredoratéverumpardeolhos
verdes me observando de trás de um arbusto do outro lado da rua. Consegui meendireitareviqueminhaspernas,emborafracas, jásustentavammeupeso.Deialgunspassos vacilantes em direção ao arbusto, eAdrian imediatamente correu para o meulado.—Oquevocêestáfazendo?Vocêprecisadeajuda—eledisse.Apontei.—Precisamosseguiraquelegato.—Sydney…—Meajude—eupedi.Ele não conseguiu resistir. Novamente me apoiando com o braço, me ajudou a
atravessar a rua na direção do gatinho. Ele correu na nossa frente no meio de doisarbustoseentãosevirouparaolharnanossadireção.—Elequerqueagenteosiga—eudisseaAdrian.E foi o que fizemos, cortando caminho por entre casas e ruas até que, quando
estávamos a cerca de quatro quarteirões da casa, o gato disparou para dentro de umparque.Toda energia que eu ainda tinha quando comecei a correr atrás dele haviaacabado.Euestavadenovotontaeofegante,etendodemeesforçarparanãopedirqueAdrianme carregasse.Alguma coisa nomeio do parque chamouminha atenção emeproporcionouumaúltimaexplosãodeadrenalinaparacorreratélá.Deitadanagrama,estavaasra.Terwilliger.Elaestavaacordada,felizmente,maspareciaquasetãoexaustaquantoeu.Lágrimase
marcasdesujeirasugeriamquehaviapassadopormausbocados.ElaconseguiraescapardeAlicia,masnãosemumcombate.Porissoquenãotínhamosconseguidoencontrá-ladentrodacasa.Aomever,elapiscou,surpresa.—Vocêestábem—eladisse.—Emeencontrou.—Osgatosnostrouxeramatéaqui—eudisse,apontando.Todosostrezeestavam
sentadospeloparque,cercandosuadona,secertificandodequeficariabem.Elaolhouaoredoreabriuumsorrisofracoecansado.—Viu?Faleiquegatossãoúteis.— Callistanas também não são nada mau— eu disse, olhando para a bolsa. —
Aquelegritinhoirritantepracacetemesalvoudelevarummontedeácidonacara.
Adrianbotouamãonopeito,fingindoestarhorrorizado.—Sage,vocêacaboudefalarumpalavrão!Levantandoosolhos,asra.Terwilligeronotoupelaprimeiravez.—Vocêtambémestáaqui?Desculpeportê-loarrastadoparaomeiodessabagunça.
Vocênãotinhanadaavercomisso.—Tudo bem—Adrian disse, sorrindo. Ele pousou a mão no meu ombro. —
Certascoisasnãotêmpreço.
24
Mesentibemmalporterincendiadoacasadaminhaprofessora.Asra.Terwilliger,porrazõesóbvias,pareceuacharesseomenordosmales.Elanão
tinhacertezaseosegurocobririaosdanos,masaseguradorafoibemrápidaemmandaralguémparainvestigaracausadoincêndio.Aindaestávamosesperandoovereditodelessobreoqueosegurocobriria,maspelomenosnãoencontraramnenhumsinalderestosmortaishumanos.Partedemimficoualiviadapornãotermatadoninguémdeverdade,mas outra parte ficou commedo de que aquela não fosse a última vez que veríamosAlicia. Qual tinha sido a comparação boba deAdrian? O Moriarty do seu SherlockHolmes.Eradeseimaginarquelevarcacosdevidronacaraedepoisserlargadanumacasaemchamaspoderiadeixarumapessoacomrancordevocê.Uma investigação rápida acabou revelando queVeronica estava em um hospital de
LosAngeles, internadacomopessoadesconhecida.Visitara irmãemcomasetornouaprioridade da sra.Terwilliger, e ela alimentou esperanças de talvez encontrar umamaneiradedesfazerofeitiço.Emboraestivessemuitoocupadaagora,minhaprofessoraarranjava tempoparacontinuar insistindoqueeuconhecesse seuclã,eaceiteipormaisdeummotivo.Umdeleseraqueeunãopodiamais continuar fingindoquenãoqueriausarmagia.Outroeraquenãoplanejavaficar.AindaestavadecididaairparaoMéxicocomMarcus,easemanapassouvoando.As
provas finais do semestre foram tranquilas e, antes que eu me desse conta, chegou asexta-feira,odiaanterioràviagem.Corrioriscodemedespedirdosmeusamigos.Omais seguro seria desaparecer sem deixar vestígios, mas eu confiava que todos eles,inclusiveAngeline, guardariammeu segredo e fingiriam não saber de nada quando osalquimistas descobrissem que tinham uma desertora. Contei paraTrey também. Pormais quenossa relaçãonão estivessemuitoboa, ele ainda erameu amigo e eu sentiriafaltadele.Comopassardodia,oalojamento foi ficandocadavezmais silencioso,excetopela
músicanatalinaquetocavasempararnosaguão.Semquererexcluiroutrasreligiões,asra.Weathers havia colocado tambémummenorá e um cartaz de“FelizKwanzaa”, acelebração africanadessa épocado ano.Odia seguinte eraoficialmenteoúltimo antesquetodostivessemde irembora,eváriaspessoas jáestavampartindoparaas fériasdeinverno. Eu havia terminado de fazer as malas, que, aliás, ficaram leves. Não queriacarregarmuitopesonabagagem,umavezquenãofaziaideiadoqueesperardoMéxico.Aindaprecisavamedespedirdeduaspessoas:AdrianeJill.Euestavaevitandoosdois
por motivos muito diferentes, mas o tempo estava acabando. Sabia que Jill estava aapenasumlancedeescadas,masAdrianeramaisdifícil.Tínhamosconversadoalgumasvezesdepoisdoincêndioparadiscutiralgunsdetalhespráticos,maselelogoficouquieto.Nenhum telefonema, nenhuma mensagem, nenhum sonho. Talvez eu devesse ficarcontente.Talvezdevesseaproveitarachancedepartirsemnenhumadespedidadolorosa.Masnãoconseguia.Meupeitodoíacoma ideiadenãoovernuncamais.Pormaisqueelefosseomotivodeeuestarpartindo,sentiaqueprecisavadeumadespedida.Nãoéumaquestãodedespedida,Sydney.VocêquerverAdrian.PrecisaverAdrian.
Eéexatamenteporissoquetemdeirembora.Finalmenteme decidi e liguei para ele.Demorei tanto tempo para juntar coragem
quemal consegui acreditar quando ele não atendeu. Resisti ao ímpeto de tentarmaisuma vez logo depois. Não. Eu podia esperar.Ainda haveria tempo no dia seguinte eclaroque…claroqueelenãoestavameevitando.Ouestava?Decidi adiar a conversa com Jill até o dia seguinte também. Dizer adeus para ela
seria tão difícil quanto, e não só por causa do que ela vira através do laço. Eu tinhacertezadequeelaachariaqueeuaestavaabandonando.Naverdade,seeu ficasseemeenvolvesse comAdrian,poderia serpega enuncamais conseguiriaprotegê-la. Se fosseemboraeficasselivre,pelomenospoderiatentarprotegê-ladelonge.Torciparaqueelaentendesse.A esperame deu a oportunidade de cuidar de uma tarefa desagradável: devolver a
armaparaMalachiWolfe.EununcatinhaidoàcasadelesemAdriane,emborasoubesseque não tinha por que ter medo deWolfe, havia algo de perturbador em ir até ocomplexosozinha.Para minha surpresa absoluta,Wolfe me deixou entrar na casa quando cheguei.
Estavacomplementeemsilêncio.—Cadêoscachorros?—perguntei.—Treinando — ele respondeu. — Tenho um amigo que é treinador de cães
profissional,eeleestádandoumasaulasdediscriçãopraeles.Eletrabalhavacomcãesdapolícia.Eunãoachavaquediscriçãofaziapartedocódigogenéticodoschihuahuas.Claroque
nãofaleiisso,masfiqueiolhandoassombradaparaacozinhadeWolfe.Euesperavaumacozinha parecida com a de um navio. Em vez disso, encontrei um cômodosurpreendentementegracioso,compapeldeparedeazulxadrezeumpoteemformadeesquiloparaguardarbiscoitos.SealguémmepedisseparadescreveracozinhaqueWolfe
nunca teria, eu teria descrito algo como aquilo. Não… espere. Na geladeira, haviaalguns ímãs que pareciam shurikens. Isso, pelomenos, combinavamais com oWolfequeeuconhecia.Adrianvai ficar loucoquandoeucontarpraele. Então lembreiquepoderianãover
Adrianpormuitotempo.Essaideiadestruiutodoomeubomhumor.—Então, do que precisa?—Wolfe perguntou.Olhei para ele e de repente tive a
estranha impressãodequeotapa-olhorealmenteestiveranumolhodiferentedaúltimavez.Eudeveriaterprestadomaisatenção.—Outraarma?Volteiameconcentrarnoquetinhaidofazerali.—Não.Nempreciseidaprimeira,masobrigadaporemprestar.—Tireiaarmada
bolsaeadevolviparaele.Eledeuumaexaminadanaarmaedepoisacolocoudentrodeumagaveta.—Resolveuseuproblema?Aindapodeficarcomelasequiser.—Vousairdopaís.Levaraarmaparaafronteirapodemearranjarproblemas.—Entendi—eledisse.Elepegouumpotedebiscoitoseabriuatampa,oferecendo
paramim.Umcheiroincrívelchegouàsminhasnarinas.—Querum?Acabeidefazer.ErarealmenteumapenanãopodercontartudoaquiloparaAdrian.—Não,obrigada.Jácomiaçúcardemaisnasúltimassemanas.—Acheiquedeveria
terumcartãofidelidadenoTortaseTal.—Achoquevocêestámelhoragora.Nãoémaissópeleeosso.—Eleaprovoucom
a cabeça, o que foi muito estranho e um tanto assustador.— Então, pra onde estãoindo?—ParaoMéxi…Ah,Adriannãovaicomigo.Voucomoutrapessoa.— Sério?— Ele colocou o esquilo de volta no balcão.—Que surpresa. Sempre
acheique,quandosaíamdaqui,vocêsdoisiampracasaefaziam“sessõesdetreinamento”particulares.Fiqueivermelha.—Não!Nãoénadadessetipo…Querdizer,somossóamigos.— Eu tinha uma amiga assim. Sally Dente-Prateado. — Ele assumiu aquela
expressãodistantequesempresurgiaquandotinhaumahistóriaparacontar.—Desculpe,osenhordisse…—NuncaconheciumamulhercomoSally—eleinterrompeu.—LutamosnaSuíça
juntos,sempreprotegendoumaooutro.Escapamosvivos,masporpouco,eelaqueriavoltar para os Estados Unidos e se casar. Eu não. Eu tinha sonhos, sabe. Era jovemnaquelaépoca,atraídopeloperigoepelaglória.DeixeiSallyefuimorarcomumxamãnas ilhasÓrcades.Leveidoisanosemuitosritosdepassagemparapercebermeuerro,mas,quandovoltei,nãoconseguimaisencontrá-la.Quandofechoosolhosànoite,aindaconsigoveraqueledentebrilhandocomoumaestrela.Issomeassombra,minhajovem.Meassombra.Franziatesta.—Achoqueosorcadianosnãofazemritosdepassagem.Nemosxamãs.
Wolfeseaproximoueapontouumdedoparamim,seuolhoarregalado.—Aprenda comosmeus erros,minha jovem.Não vá para asÓrcades.Você não
precisadeumavisãomísticaparaenxergaroqueestábemdebaixodoseunariz,estámeouvindo?Engoliemseco.—Sim,senhor.Saí logo depois disso, pensando que estar num país diferente de MalachiWolfe
poderiaserumaboaideia.Namanhãseguinte,estavaprontaparamedespedirdeJill,maselafoimaisrápidae
apareceu na minha porta. Era a primeira vez que conversávamos de verdade desde amanhãseguinteaoúltimosonhocomAdrian.Elaentrounoquartoefranziuatestaaoverminhamala.—Vocêvaimesmo?—Sim.Etenhocertezadequevocêsabeporquê.Ela cruzou os braços e me olhou diretamente nos olhos, sem nada do
constrangimentodaúltimavez.Foidifícilaguentaraqueleolharpenetrante.—Sydney,vocênãoprecisalargarAdrianporminhacausa.—Émaiscomplicadodoqueisso—eudisseautomaticamente.—Não é, não— ela disse.—Pelo que vi e ouvi, você só está commedo.Você
sempre controlou todos os detalhes da sua vida.Quando não conseguiu, como comosalquimistas,encontrouumjeitoderecuperaressecontrole.—Nãotemnadadeerradoemquerercontrole—retruquei.—Excetoquenemsempredáparatercontrole,eàsvezes issoébom.Ótimo,até
— ela acrescentou. — E é assim comAdrian. Por mais que tente, você nunca vaiconseguircontrolaroquesenteporele.Nãovaiconseguirnãoamá-lo,eéporissoqueestáfugindo.Eusousóumadesculpa.Quemeraelaparamedarsermãodaquelejeito?—Acha que estou mentindo sobre como é constrangedor que você veja tudo que
acontece entre nós?Todos os detalhes mais íntimos ficam à mostra. Não posso fazerisso.Nãoconsigoviverdessejeito.—Adrianaprendeu.—Eletevedeaprender.— Exato.— Parte da agressividade dela diminuiu.— Sydney, ele me trouxe de
voltadosmortos.Éacoisamais incrívelquealguémjáfezpormim.Nãotenhocomoretribuir isso a ele,mas posso deixar que leve a vida do jeito que bem entender.Nãoesperoqueelefiquemeprotegendoporcausadolaço,enãovoujulgaroqueelefaz…ouoquevocêfaz.Umdia,vamosaprenderabloquearolaço.—Umdia—eurepeti.—Sim.E,atélá,faremosomelhorpossível.Tudooquevaiconseguirindoembora
édeixartrêspessoasinfelizes.—Três?—Franziatesta.—Estouprotegendovocê.
—Você acha mesmo que fico contente quando ele está triste?Acha que gosto daescuridãoque tomacontadele?—Comoeunãodissenada, ela insistiu.—Veja,nãotenhoamesmareaçãofísicaavocêqueeletem,mas,quandoeleestácomvocê,eleficatãofelizqueissoirradiapramim,eéumadasmelhoressensaçõesquejáexperimentei.Nuncaestiveapaixonadacomovocêsestão.—Nãoestou…—Nãoconseguiterminarafrase,eelameolhoucomoquemsabia
das coisas.Tentei outra tática. — Ficar aqui é arriscado, ainda mais com ele. Osalquimistas podem descobrir tudo… sobre ele, sobre minha tatuagem, sobre a sra.TerwilligeresabeDeusoquemais.—E, senãodescobrirem,olhe sóoquevocêganha.Adrian.Todosnós.Magia.A
chancederevelarossegredosdeles.Seiquevocêadoraessavida.Porquedesistir?Vocêé inteligentedemaispra serpega.Evamosajudarvocê.AchamesmoqueMarcuseosVingadoresconseguemfazermuitacoisaquandoestãosemprefugindodosalquimistas?Balanceiacabeça.—Elessãocomoeu.Elesmeentendem.Elaestavaobstinada.—Elesnãosãonemumpoucocomovocê.Elesfalam.Vocêage.ErasurpreendenteverJilldaquelejeito,tãoconfianteetãomaissensatadoqueuma
garotanormaldasuaidade.Eraumpoucoirritantetambém.Seelaeratãosensata,porquenãoconseguiaentenderquantacoisaestavaemrisco?—Jill,ficarémuitoarriscado…emtodosossentidos.—Claroqueé!—elaexclamou,comosolhosardentesderaiva.—Tudonavida
quevaleapenatemseusriscos.SeforproMéxico,vocêvaisearrepender…eachoquesabedisso.Meu celular tocou, interrompendominha resposta. Era Eddie. Ele quase nuncame
ligava,eopânicotomoucontademim.—Qualéoproblema?—perguntei.Elepareceudesconcertado.—Acho que não é um problema… só uma coisa inesperada. Jill está com você?
Vocêsprecisamdescer.Estamosaquifora.Eledesligouefiqueicompletamenteconfusa.—Quefoi?—Jillperguntou.—Umacoisainesperada,parece.Descemos até o saguão, sem mais nenhuma menção a Adrian. Quando saímos,
encontramosEddieeAngeline,queestavamclaramenteevitandoolharumpara a carado outro. Parado perto deles estava ummenino alto e bonito, com cabelo preto bemcortado e olhos azuis brilhantes. Ele estava com uma expressão séria, e examinava aárea.—Eleéumdampiro—Jillmurmurouparamim.Os olhos dele se concentraram em nós duas quando nos aproximamos, e sua
expressãoagressivarelaxouumpouco.
—Jill,Sydney—Eddiedisse.—EsteéNeilRaymond.Elevai ficarcomagenteaqui.Neil fez uma reverência tão grande para Jill que foi uma surpresa não bater com a
cabeçanochão.— Princesa Jillian— ele disse com a voz grave.— É uma honra servir aVossa
Alteza. Farei o melhor trabalho que minhas habilidades permitirem, mesmo quesignifiquesacrificarminhaprópriavida.Jilldeuumpassoparatrás,analisando-ocomolhosarregalados.—O-obrigada.Eddieolhoudeumparaooutro,franzindoumpoucoatesta.— Neil foi enviado como reforço. Parece que você reclamou que Jill não tinha
proteção suficiente, é isso?—Ele se dirigiumim e, amenos que estivesse enganada,haviaumtomacusatórioemsuavoz.—Não…eu…Ah.Achoque sim.—Quandoestava tentandocorrigir a situação
com Stanton, uma de minhas queixas havia sido de que nunca achava que Jill estavaprotegida.Achoque essa era a resposta de Stanton.Era inesperado, comoEddie haviadito, mas proteção nunca era demais. Pela maneira como estava medindo Neil, Jilltambémnãopareceuvermalnenhumnaquilo.Aperteiamãodele.—Bomtervocêaqui,Neil.Elesvãofazervocêsepassarpormaisumprimo?—Sóumalunonovo—ele respondeu.Melhor.Nossa“família” estava correndoo
riscodedominarAmberwood.EuteriagostadodeconhecerNeilumpoucomais,masmeutempoestavaacabando.
Marcus viria me pegar em breve para irmos à estação de trem, já que a situação dePingadohaviasidodeclaradaperdatotal.Achoqueessafoimaisumadespedida.Eu disse tchau para todos antes de ir pegarminhamala, fingindo que só precisava
terminaralgumatarefa.Eddie,AngelineeJillsabiamaverdade,epudeveramágoaeatristeza nos olhos deles, especialmente nos de Jill.Torci para que ficassem bem semmim.Quandodesciasescadasdenovo,viqueJilleraaúnicaqueaindaestavalá.—Esquecidedarissoavocê—eladisse,meestendendoumpequenoenvelope.Meu
nomeestavaescritodoladodefora,ereconhecialetra.—Tenteifalarcomeleepenseiqueestivessemeevitando.Esseéojeitodeledeme
dar tchau?— Fiquei desapontada por não poder verAdrian pessoalmente uma últimavez.Talvez uma carta fossemelhordoquenada,mas queria partir com aqueles olhoslindosainda frescosnamemória.—Ele…eleestámuitomagoado?—Nãoconseguiasuportaraideiadeferirossentimentosdele.—Leiaacarta—elarespondeu,comumarmisterioso.—Elembre-se,Sydney.A
questãoaquinãosoueu.Sãovocês.Vocêpodecontrolartodasasoutrascoisas,masnãoisso.Desapegueeadmitaseussentimentos.Foi assim que nos despedimos, e fui me sentar no meio-fio para esperar Marcus.
Fiquei olhando para o envelope, observando o modo comoAdrian havia escrito meu
nome.Quaseoabritrêsvezes…masperdiacoragememtodas.Porfim,viocarrodeMarcuschegando,eenfieioenvelopedentrodabolsa.Assimquemebuscou,Marcuscomeçouafalarempolgadosobreseusgrandesplanos
para o futuro. Eumal conseguia ouvir. Só ficava pensando emAdrian e no vazio queseriaminhavidasemele.MarcuseeuhavíamosficadodeencontrarWadeeAmelianaestação de trem, mas eu não conseguia imaginar algum deles me entendendo comoAdrian,apesardeseremhumanosedeteremumpassadoparecidocomomeu.Nenhumdeles teria o humor ácido ou seria tão perturbadoramente compreensivo como ele. E,brilhando sob todas essas emoções, estavam as memórias mais quentes… a maneiracomohavíamosnosbeijado,amaneiracomoeumesentianosbraçosdele…—Sydney?Estáprestandoatenção?Pestanejei emevoltei paraMarcus.Achoque eramais umdaquelesmomentos em
queelenãoconseguiaacreditarquealguémnãoestavafascinadoportudooqueeledizia.—Desculpe—eudisse.—Estoucomacabeçameiolonge.Eleabriuumsorriso.—Bom, então tentepensar empraias emargaritas, porque sua vida está prestes a
mudar.Praiasemargaritaseramtudooqueeletinhanacabeça.—Você esqueceu a parte de selar a tatuagem.Amenos que seu tatuador também
sejaumbartender.—Lávemvocêdenovo,bonitaedivertida.—Eleriu.—Vaisermuitolegal.—Quantotempovamosficarlá?—Bom,primeirovamoscuidardastatuagens.Éacoisamaisimportante.—Fiquei
aliviadadeverqueeleestavalevandoaquiloasério.—Depoisvamosaproveitarolugarpor algumas semanas sem chamar muita atenção. Então voltamos e vamos atrás deoutrosalquimistasinsatisfeitos.—Eentãorepetimostudodenovo?—perguntei.Noespelhoretrovisor,conseguia
ver o horizonte de Palm Springs desaparecendo enquanto seguíamos de carro para onorte.Sentiumapontadadesaudadenopeito.—Aliciaroutraspessoasparaconseguirinformaçõesimportantesedepoisaslibertar?—Exato.Seguimosemsilênciopormaisumminutoenquantoeuprocessavaaspalavrasdele.—Marcus, o que vocês fazemcomas informações que reúnem?Oque vão fazer a
respeitodemestreJameson?— Continuar encontrando evidências— ele respondeu prontamente.— Essa é a
maiorpistaquejátivemos.Agorasabemosquevaleapenainsistireprocurarmais.—Émaisdoqueumapista.PorquenãopassaressainformaçãoaosMoroi?—Osalquimistasnegariamtudo.Alémdisso,nãoqueremosserprecipitados.— E daí se eles negarem? — perguntei. — Pelo menos os Moroi vão ter uma
vantagem.Eleme olhou de soslaio de um jeito queme lembrou umpai tentando ser paciente
comofilho.Ànossafrente,viaplacaindicandoaestaçãodetrem.—Sydney,seiqueestáansiosa,masconfieemmim.Éassimquefazemosascoisas.—Nãoseiseéojeitocerto.—Você temmuitas ideiaspara alguémqueacaboudeentrar.—Ele riubaixinho.
Queriaqueparassecomaquilo.—Sóespereevaiacabarentendendo.Nãogosteidaquelaatitudecondescendente.—Achoque jáentendi.Equersaber?Achoquevocêsnãofazemnada.Querdizer,
descobriram uma informação impressionante… mas e agora? Vão ficar esperando?Vocês ficam fugindo e se escondendo. Como isso vai ajudar em alguma coisa? Suasintençõessãoboas…massósãoisso:intenções.—EuquasepodiaouviravozdeJillnaminhacabeça:Elesfalam.Vocêage.Ironicamente,Marcusestavasempalavras.—Vocêspoderiam fazer tanta coisa—continuei.—Quandodescobri quemvocê
era, me pareceu ter todo o potencial do mundo. Na verdade, ainda tem. Mas essepotencialestásendodesperdiçado.—Eleparouocarronoestacionamentodaestaçãodetrem,aindacompletamenteboquiaberto.—Deondeestátirandoessascoisas?—eleperguntoufinalmente.—Demim—respondi.—Porquenãosoucomovocês.Nãopossonãofazernada.
Nãopossofugir.E…nãopossoircomvocês.Foibomdizeraquelascoisas…epareceucerto.Durantetodaasemana,meucérebro
vinha me dizendo que a coisa certa a fazer era ir embora antes que a situação comAdrianeos alquimistas fossepor água abaixo.E, sim,provavelmenteera a coisamaisinteligente a se fazer.Meu coraçãonão concordara plenamente emnenhummomento,maseuvinhatentandoignorá-lo.FoisóquandoouviJilleMarcusquepercebique,pelomenosdessavez,meucérebrodeveriaoptarpelasoluçãomenoslógica.PreciseidarcréditoaMarcus.Elerealmentepareciapreocupado,nãosóincomodado
pornãoconseguiroquequeria.—Sydney, seiquevocêestá apegadaaesse lugare aessaspessoas,masnãoémais
seguropravocêficaraqui.Nãoéseguropravocêficaremlugarnenhum,nãoenquantoos alquimistas estiverem de olho em você. Não enquanto sua tatuagem estivervulnerável.—Medisseramrecentementequetudonavidaquevaleapenatemseusriscos—eu
disse,semconseguirconterosorriso.NuncapenseiquecitariaumafrasedeJill.Marcusdeuumsoconopainel.— Isso é besteira sentimental! Parece bom na teoria, mas a realidade é
completamentediferente.—Quetipoderealidadevocêpoderiatercriadosetivesseficadocomosalquimistas?
—perguntei.—Quantacoisavocêpoderiaterdescoberto?—Nenhumasetivessesidopego—elerespondeu,categórico.—E,pormaisque
vocênosconsidereinúteis,jálibertamosdezenasdealquimistas.AjudamosClarenceeosMoroi.
—Vocês não são inúteis, Marcus. Fazem um bom trabalho. Mas vamos seguircaminhosdiferentes.Vouficarefazerascoisasdomeujeito.Nãofoiissoquevocêdissequandonosconhecemos?QueíamosajudarosMoroinosnossosprópriostermos?Essessãoosmeus.—Vocêestádesperdiçandoseutempo!—O tempo émeu. Faço o que quiser com ele—eu disse.Adrian haviame dito
exatamenteamesmacoisanovooparaocasamento,quandoprometeraquecontinuariame amando de longe. Fiquei com pena de Marcus, ainda mais porque ele estavarealmentecontandoqueeuiriacomele.Elesegurouminhamão.—Sydney,porfavor,nãofaçaisso—elepediu.—Pormaisconfiantequesesinta,
pormaiscuidadosaquepensequeé,ascoisasvãosairdoseucontrole.—Elasjásaíram—eudisse,abrindoaportadepassageiro.—Evouparardelutar
contraelas.Obrigadaportudo,Marcus.Mesmo.—Espere,Sydney—elemechamou.—Sómedizumacoisa.Olheiparatráseesperei.—Deondesurgiuisso?Quandovocêmeligouprafalarquevinhacomagente,disse
quetinhasedadocontadequeeraacoisamaisinteligenteafazer.Oquefezvocêmudardeideia?Abriumsorrisoqueesperavasertãodeslumbrantequantoosdele.—Descobriqueestouapaixonada.Pegodesurpresa,Marcusolhouaoredor,comoseesperassevermeu objetd’amour
nocarrocomagente.—Evocêacaboudedescobririsso?Tevealgumtipodevisão?— Não precisei — respondi, pensando na viagem fracassada deWolfe para as
Órcades.—Estavabemdebaixodomeunarizessetempotodo.
25
Depois que Marcus finalmente aceitou que eu não iria com eles, me desejou sorte,emboracontinuasseestupefato.Oplanoinicialeraabandonarocarronaestação,maseleme deu as chaves como um presente de despedida.Observei enquanto ele se afastava,semsabersehaviacometidoumerro.Entãopenseiemolhosmuito,muitoverdes,eemtodootrabalhoqueeueAdriantínhamosquefazerjuntos.Eraacoisacertaafazer…sótorciparaquenãofossetardedemais.Elecontinuousematenderàsminhasligações.Seráquemeodiava?Ouestavaenfiado
em algum buraco, bebendo, deprimido, para afogar as mágoas?Tirei a carta dele dabolsa, sem saber o que encontraria. Conhecendo Adrian, estava esperando umadeclaraçãode amor longa e rebuscada.Qual não foiminha surpresa ao encontrar umalongasériedenúmeros.Osnúmerosnãosignificavamnadaparamim.Euosestudeiporumtempo,aplicando
algunscódigoscomunsqueconhecia.Nãosurgiunenhumaresposta—emboranãofosseumagrandesurpresa.CódigosematemáticacomplexanãoeramexatamenteoestilodeAdrian. Mas, então, por que ele havia me deixado aquela carta? Era óbvio que haviapartidodoprincípiodequeeuconseguiriadecifrarosentidodaquilo.Segurei a carta um pouco longe, torcendo para que algo visual se revelasse. E deu
certo.Quandoolhei paraopapel, percebi quehavia uma separação entreos números,dividindo-osemdoisgruposdemodofamiliar.Digitei-osnateladelatitudeelongitudedo meuGPS. Um momento depois, apareceu um endereço em Malibu, sul daCalifórnia.Seráqueeracoincidência?Sempensarduasvezes, tireio carrodoestacionamentoe segui emdireção à costa.
Erainteiramenteplausívelqueeuestivesseprestesaperderduashorasemeiadeviagem(cinco, se contasse a volta), mas não achava que seria perda de tempo. Não existemcoincidências.Foiaviagemmaislongadaminhavida.Aperteiovolantecomforçadurantetodoo
trajeto. Estava animada,mas aomesmo tempomorrendo demedo.Quando estava a
poucosquilômetrosdoendereço,comeceiaverplacasparaaGettyVilla.Fiqueiconfusapor alguns segundos. O Getty Center era ummuseu muito famoso, mas ficava maispertodeLosAngeles.Nãoentendiarelaçãoouporqueeutinha idopararemMalibu.Mesmoassim,seguiasinstruçõesobedientementeefuipararnoestacionamentodaVillaparavisitantes.Quando cheguei à entrada, encontrei a resposta que vinha procurando.AVilla era
ummuseumenordoGettyCenter,especializadoemartedaGréciaedaRomaantigas.Naverdade,boapartedaGettyVilla fora construídapara lembrarum temploantigo,com pilares cercando os pátios repletos de jardins, fontes e estátuas.A entrada eragratuita, mas exigia reserva. Havia pouco movimento naquele dia, e logo resolvi oproblemafazendoumareservaon-linepelocelular.Quandoentrei,quasemeesqueciporqueestavaali,emborasóporumsegundo.O
museueraumsonhotransformadoemrealidadeparaumaamantedeclássicoscomoeu.Salasemaissalasdedicadasaomundoantigo.Joias,estátuas,roupas…eracomoseeutivesseentradoemumamáquinadotempo.Aintelectualdentrodemimqueriaestudare ler as informações sobre todososobjetos expostos.O restodemim, como coraçãoacelerado e mal se contendo de euforia, passava rapidamente por cada sala, gastandoapenasotemposuficienteparaprocurarAdrianepassarparaapróxima.Depoisdeolharemquasetodasasáreasinteriores,entreinoperistiloexterno.Perdi
o fôlego.Eraumjardimgigantescoaoar livreconstruídoaoredordeumapiscinaquedeveriaterpelomenossessentametrosdecomprimento.Estátuasefontespontilhavama superfície, e em todo lugar havia árvores e outras plantas maravilhosamente bemcuidadas.Osolabrasador,apesardeserdezembro,iluminavatudo,eoarzuniacomocanto de pássaros, o som da água e conversas ao longe.Turistas andavam de um ladopara o outro, parando para admirar o jardim e tirar fotos. Mas nenhum deles eraimportante…nãoquandofinalmenteencontreiquemeuestavaprocurando.Eleestavasentadodooutroladodojardim,àbeiradapiscina.Estavadecostaspara
mim, mas eu o teria reconhecido em qualquer lugar.Trêmula, me aproximei dele,ardendocomaqueleestranhomistodemedoeansiedade.Quantomaismeaproximava,maisdetalhadosficavamseustraços.Seucorpoaltoeesguio.Osfioscastanhosqueosoldestacavaemseucabelo.Quandofinalmentechegueiaooutroladodapiscina,pareibematrásdele,semcoragemdeavançarmais.—Sage—eledisse,semlevantarosolhos.—Penseiqueestariaaosuldafronteira
agora.—Nãopensou,não—eudisse.—Nuncateriamedadoaquelacartaouvindoaté
aqui.Vocêsabiaqueeunãoiriaembora.Elefinalmentelevantouosolhos,apertadossobosolardente.— Eu tinha quase certeza de que você não iria embora. Eu queria que não fosse
embora.FoiumdebateeternoentremimeJill.Oqueachoudojeitocomouseilatitudeelongitude?Bemdahora,hein?— Genial— respondi, tentando conter o sorriso. Parte do meu medo diminuiu.
Estávamos de volta a um território tranquilo e conhecido. SóAdrian e eu.—Vocêsupôsqueeusaberiaoquesignificavamaquelesnúmeros.Poderiaterficadosentadoaquiodiatodo.—Nah.—Adrianselevantouedeuumpassonaminhadireção.—Vocêéesperta.
Eusabiaqueentenderia.— Não tão esperta. — Quanto mais ele se aproximava, mais meu coração se
acelerava.—Leveimuito tempopradescobrir certas coisas.—Apontei para a nossavolta.—Ecomoépossívelvocêsaberdaexistênciadeumlugarassimeeunão?Elepassouapontadosdedosnaminhabochecha.Ocalordosolnãoeranadaperto
doardordaqueletoque.—Foifácil—eledisse,meolhandodiretamente.—Precisavacomeçarabuscaem
algumlugar,entãodigitei“Romaantiga”e“Califórnia”nocelular.Esseeraoprimeiroresultado.—Quebusca?—perguntei.Elesorriu.—AbuscaporumlugarmaisromânticodoqueoTortaseTal.Adrian ergueumeu rosto na direção dele eme beijou.Como sempre, omundo ao
nosso redorparoude girar.Não,omundo se transformouemAdrian, só emAdrian.Beijá-lo foi tão estonteante como sempre, com aquela paixão e urgência que nuncaimaginei que fosse sentir. Mas naquele dia havia ainda mais no nosso beijo. Eu nãopensava mais se aquilo era certo ou errado. Era o ápice de uma longa jornada… outalvezocomeçodeoutra.Pus os braços ao redor do pescoço dele e o puxei paramais perto.Não ligava que
estávamosempúblico.NãoligavaqueeleeraumMoroi.Tudooqueimportavaeraqueele eraAdrian, meuAdrian. Meu companheiro. Meu parceiro no crime, na longabatalha em que eu havia acabado de me alistar para corrigir os males dos mundosalquimistaeMoroi.TalvezMarcusestivessecertoeeuhouvesseacabadodeentrarnumabatalha perdida, mas não me importava. Naquele momento, parecia que, desde queAdrianeeuestivéssemosjuntos,nãohaveriaobstáculoquenãopudéssemossuperar.Não sei por quanto tempo ficamos nos beijando. Como disse, o mundo ao nosso
redor desapareceu. O tempo havia parado. Eu estava tomada pela sensação de ter ocorpodeAdriancontraomeu,pelocheirodeleepelogostodeseus lábios.Eratudooque importava agora, e me peguei pensando naquilo que não havíamos terminado nosonho.Quando finalmente nos separamos — cedo demais para o meu gosto —,
continuamos abraçados. O som de risadinhas me fez olhar para o lado, onde duascrianças pequenas estavam apontando para nós. Quando me viram olhar para elas,saíramcorrendo.EumevolteiparaAdrian,querendoderreterdefelicidadeaoolharnosolhosdele.—Émuitomelhordoqueamardelonge—eudisse.Eletiroualgunsfiosdecabelodomeurostoeolhoufundonosmeusolhos.
—O que fez vocêmudar de ideia?Tipo, sei que nunca conseguiria ficar longe demim,masnãovoumentir…vocêmedeixoumorrendodemedoporumtempinho.Meencosteinoseupeito.—Forammuitascoisas,naverdade.UmconselhosurpreendentementebomdeJill.
UmadashistóriasencantadorasdeWolfe…Aliás,precisocontaravocêsobreacozinhadele.Alémdisso,fiqueipensandoemquandoagenteestavaemcimadamesa.Adriansemoveuumpoucoparaquepudéssemosolharumparaooutrodenovo.Era
umdaquelesrarosmomentosemqueeleficavacompletamenteatônito.—Deixe-meverseentendi.Ofuturodanossarelaçãodependeudeumameninade
quinze anos,deumahistóriaprovavelmente falsadeum treinadorde chihuahuas, edodiaemquebeijeivocê semnenhumromantismo,mascommuitahabilidade,emcimadetalhereseporcelanas?—Poisé—eudisse,depoisdepensaralgunssegundos.— Foi só isso, então? E eu aqui achando que conquistar você seria difícil.— Ele
voltoua ficar sérioedeuumbeijode levenaminha testa.—Oqueagentevai fazeragora?—Agora vamosdarumaolhadanessemuseu incrível a quevocême trouxe.Você
vaiamararteetrusca.Aquelesorrisomalandroqueeuadoravavoltou.—Apostoquesim.Mas…eonossofuturo?Oquevamosfazeremrelaçãoanós?Segureisuamão,aindamantendo-operto.—Desdequandovocêsepreocupacomasconsequênciasoucomofuturo?—Eu?Nunca.—Eleconsiderou.—Querdizer,desdequevocêfiquecomigo,não
mepreocupo.Masseiquevocêgostadesepreocuparcomessascoisas.—Nãodiriaquegosto—corrigi.Umventinholevebagunçouseucabelo,eresisti
aoímpetodearrumá-lo.Sefizesseisso,tinhacertezadequecomeçaríamosanosbeijardenovo,eacheiquedeveriaserresponsáveleresponderàsperguntasdeleantes.—VamosfugirparaficarcomosConservadores?—elesugeriu.— Claro que não — zombei. — Isso seria covarde e imaturo. E você nunca
sobreviveriasemgelparacabelo,emboratalvezgostedosdestiladosdeles.—Entãooquevamosfazer?—Vamoscontinuarmantendoissoemsegredo.Eleriubaixinho.—Eissonãoécovarde?—Éemocionanteeousado—respondi.—Másculoecorajoso,eudiria.Penseique
vocêfossetopar.—Sage—eleriu.—Topoqualquercoisadesdequevocêestejacomigo.Masserá
que vai ser suficiente? Não estou ignorando completamente as consequências, sabe.Entendocomoessasituaçãoéperigosaparavocê,aindamaissecontinuarquestionandoosalquimistas.EtambémseiquevocêficaincomodadacomJillnosobservando.Certo. Jill. Jill, que provavelmente estava testemunhando tudo aquilo naquele
instante,querendoounão.Seráqueelaestava felizpela felicidadedeAdrian?Seráqueestava inundada pela alegria do nosso amor? Ou será que aquilo estava sendoinsuportavelmenteconstrangedorparaela?— Nós três vamos dar um jeito — eu disse, por fim. Não podia pensar muito
naquela questão ou era provável que começasse a ficar histérica. — E, quanto aosalquimistas… só vamos precisar tomar cuidado. Eles não me seguem em todos oslugares e, como você disse, já passamos metade do tempo juntos mesmo.— Eu sóesperavaqueissofosseobastante.Tinhaqueser.E,então,voltamosanosbeijar.Nãohaviacomoevitar,nãoquandoestávamosjuntos
daquele jeito, tão longedomundoreal,dasnossasvidasnormais.O lugareraperfeitodemais.Eleeraperfeitodemais—apesardeserumadaspessoasmais imperfeitasqueeu conhecia. E, para falar a verdade, havíamos perdido tempo demais com dúvidas ejoguinhos.Seexisteumacoisaque se aprendeao ter avida sobperigoconstanteéquevocênãopodedesperdiçá-la.AtéMarcushaviaadmitidoissonofliperama.PassamosorestododianaVilla,amaiorpartenosbeijandonosjardins,emboraeuo
tenhaconvencidoadarumaolhadaemalgunsartefatosnassalasinternas.Eupodiaestarapaixonada,mas ainda era amesma pessoa, afinal.Quando omuseu fechou no fim datarde, jantamosemumrestaurantede fondueàbeira-mare ficamos láporumtempo,sentadospertoumdooutro,observandoaluabrilhantereluzirsobreooceano.EuestavaconcentradaemolharasondasquandosentioslábiosdeAdrianroçaremna
minhabochecha.—Oqueaconteceucomodragão?Fizavozmaisindignadaqueconsegui.—Eletemumnome,sabia?Adrianseafastouemelançouumolharcurioso.—Prafalaraverdade,nãosabia.Quenomevocêescolheu?— Pulinho.—QuandoAdrian começou a rir, acrescentei:—Melhor coelho do
mundo.Eleficariaorgulhosodesaberqueseunomeestásendopassadoadiante.—É,tenhocertezaquesim.DeuumnomeparaoMustangtambém?—AchoquevocêserefereaoIvashmóvel.Elemecontemplou,admirado.—Jáfaleiqueamovocê?—Sim—respondi.—Váriasvezes.—Quebom.—Adrianmepuxouparamaisperto.—Sóparagarantir, srta.Eu
AprendoRápido.Solteiumresmungo.—Vocênuncavaiesquecerisso,vai?—Esquecer?Dejeitonenhum.Voujogarissonasuacaraparasempre.Eu suspeitava que o carro deMarcus fosse roubado, então o deixamos emMalibu.
Adrianme levoudevolta ao alojamentoemedeuumbeijodeboa-noite,prometendomeligardemanhãzinha.Eradifícildeixá-loirembora,pormaisqueeusoubessequeera
besteira pensar que não conseguiria viver sem ele durante doze horas. Entrei noalojamentocomoseestivesseflutuandonoar,commeuslábiosaindaardendoporcontadosseusbeijos.Era loucura,eusabia, tentarmanterumrelacionamentocomele.Não,nãosó isso.
Era perigoso, e parte daminha euforia diminuiu quandome dei conta disso. Eu haviafaladováriaspalavrasbonitas,tentandotranquilizarosmedosdele,massabiaaverdade.Tentardescobrirossegredosdosalquimistasjáseriadifícil,eminhatatuagemaindanãoestavasegura.OqueeutinhacomAdrianhaviaelevadooperigoaomáximo,masesseeraumriscoqueeuaceitavacomprazer.—Srta.Melrose.Avozfriadasra.Weathersmetrouxedevoltaàrealidade.Pareinomeiodosaguão
doalojamentoeolheiparaela.Elasaiudetrásdesuamesaeveioatémim.—Sim?—Jáémeia-noite.Olheiparaorelógio,surpresaaoverqueelaestavacerta.—Temrazão.— Por mais que estejamos às vésperas das férias de inverno, você ainda está
registradanoalojamentoatéamanhã,oquesignificaquetemdeobedeceràsregras.Jápassoudotoquederecolher.Aúnicacoisaqueconseguifazerfoiatestaroóbvio.—Sim,jápassou.Asra.Weathersesperou,comoseesperassequeeufalassemais.—Vocêestava…fazendoumtrabalhoparaa sra.Terwilliger?—Haviaumolhar
de desespero em seu rosto que chegava a ser cômico. — Não recebi nenhumanotificação,masclaroqueelapodedarumjeitonissodepois.Foi então que me dei conta de que a sra.Weathers não queria que eu tivesse
problemas.Elaestavatorcendoparaqueeudessealguma justificativaporterquebradoas regras, uma razãopara quepudesse evitar o castigo.Eu sabia quepoderiamentir edizerqueestavaajudandoasra.Terwilliger.Sabia,inclusive,queasra.Terwilligermedaria respaldo.Masnãopodia fazer isso.Pareciaerradomancharmeudia comAdriancomumamentira.E,defato,eutinhaquebradoasregras.—Não—respondiàsra.Weathers.—Nãoestavacomela.Sóestava…fora.Asra.Weathersesperoumaisalgunssegundoseentãomordeuolábio,resignada.— Muito bem, então.Você conhece as regras.Vai ter que servir uma detenção
quandoasaulasvoltarem.Fizquesim,solene.—Sim,senhora.Euentendo.Ela parecia ainda estar esperando que eu corrigisse a situação. Eu não tinha nada a
oferecerparaelaemevireiparasair.— Ah, quase me esqueci! — ela falou. — Estava tão surpresa com essa…
transgressão.—Elavoltouaserainspetoraeficientequeeuconhecia.—Porfavor,me
avise se a suaprimavai ficar comvocênoquartoou se ela vai precisar deumquartoindividual.Pestanejei,confusa.—PorqueAngelineficariacomigo?—Nãoela.Suaoutraprima.Fizmenção de dizer que não tinha outra prima,mas uma voz dentro demimme
aconselhouanãonegarnemconfirmaraspalavrasdela.Eunãofaziaideiadoquepoderiaser, mas todos os meus instintos estavam me dizendo que alguma coisa estavadefinitivamenteprestesaacontecer.Oquequerque fosse,euprecisavamanterminhasopçõesabertas.—Elajáestavacomtodaaburocraciapronta—asra.Weathersexplicou.—Então
deixeiameninanoseuquarto,jáqueésóporessanoite.Engoliemseco.—Entendi.Posso,hum,avisarasenhoradepoisdasférias?— Claro.—Depois de ummomento de hesitação, ela acrescentou:— E vamos
discutirsuadetençãotambém.—Sim,senhora—respondi.Subiasescadas,sentindoumfrionabarriga.Quem estava esperando nomeu quarto?Quemmais poderia fazer parte daminha
famíliaimaginária?Nofimdascontas,eraalguémdaminhafamíliaverdadeira.Quando destranquei a porta, encontrei Zoe sentada na minha cama. Seu rosto se
iluminouaomever,eelaavançoucomtudoparamedarumabraçoforte.—Sydney!—elaexclamou.—Estavacommedodequenãofossevoltarhoje.— Claro que voltei — eu disse, rígida. Estava tão chocada que mal consegui
retribuiroabraço.—Oquevocêestáfazendoaqui?Eladeuumpassoparatráseolhouparamimcomumsorrisolargo.Nãohaviamais
raiva nela, nemmesmo a desconfiança de St. Louis. Ela estava extremamente alegre,felizdeverdadepormever.Eunãosabiaporqueelaestavaali,mascomeçouasurgirdentrodemimaesperançadequefinalmenteteríamosnossareconciliação.Atéelafalar:—Elesme deram uma posição em campo!Memandaram pra cá.—Ela virou o
rosto,mostrando a tatuagemde lírio douradona bochecha.Meu coraçãoquaseparou.—Souoficialmenteumaalquimistaagora.Querdizer,umaaprendiz.Precisoaprendermuitacoisa,porissoelesacharammelhorqueeuficassecomvocê.—Entendi— eu disse.O quarto estava girando. Zoe. Zoe estava ali… e ela era
umaalquimista,queficariacomigo.Suaexpressãoexultanteficouumpoucoconfusa.—Eparece que você disse a Stanton que precisava de reforço alquimista?Que era
muitodifícilficarsozinhacomtantosMoroi?Tenteisorrir,masnãoconsegui.
—Algoassim.—EuhaviafeitopressãoparaqueStantontomasseumaatitude,eelatomou.Sónãotinhasidoaqueeuesperava.OentusiasmodeZoevoltou.— Então agora você não está mais sozinha. Estou aqui com você, não que você
precisedemim.Vocênuncasemeteuemencrenca.Não,eusótinhaumromancecomumvampiro,estavaprestesaentraremumclãde
bruxas e investigava segredos que ninguém queria que eu descobrisse. Não, nenhumaencrencamesmo.Comoeuconseguiriaesconderaquilotudodela?Zoevoltouameabraçar.—Ah, Sydney!Vai ser demais— ela exclamou.—Vamos ficar juntas o tempo
todo!
FIM
CORTESIADEMALCOMSMITHPHOTOGRAPHYRICHELLEMEAD nasceu em Michigan, mas atualmente mora em Seattle, nosEstadosUnidos.Éautoradediversosbest-sellersdefantasiaparaadultosejovens,entre eles a aclamada série Academia de Vampiros, e seus livros já foramtraduzidosparamaisdedozelínguas.Alémdeescritora,Richelleéleitoraassíduaeadoramitologia e humor.Quando não está escrevendo, gosta de passar o tempocomafamília,viajarecomprarvestidos.