bioma caatinga.2015

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BIOMA CAATINGA “A situação da Caatinga é a de um bioma ameaçado” 14:35, 23/04/2013 - REDAÇÃO ÉPOCA Comemoramos no próximo domingo (28) o Dia da Caatinga, uma data para nos lembrar de um dos biomas mais ameaçados e menos estudados do Brasil. Atualmente, mais de 50% da mata nativa já foi desmatada, e a região enfrenta uma forte estiagem – a pior seca do Nordeste nos últimos 50 anos. O Blog do Planeta conversou com Rodrigo Castro, presidente da Associação Caatinga, que acompanha de perto os problemas e os esforços de conservação na região. Castro fala sobre os problemas da região, e conta um pouco da proposta de aumentar o prestígio do bioma. Para isso, a ONG defende uma Proposta de Emenda da Constituição (PEC) que transformada a Caatinga em patrimônio nacional na Constituição brasileira, e atua na promoção e preservação do tatu-bola, espécie escolhida como mascote da Copa do Mundo de 2014. Blog do Planeta – Qual é a situação da Caatinga hoje? Rodrigo Castro – A situação da Caatinga, hoje, é a de um bioma ameaçado. São duas variáveis que tornam o bioma ameaçado. Uma é o nível do desmatamento. Mais de 50% da área de ocorrência da Caatinga já foi desmatada. A outra é o nível de proteção: a Caatinga tem o menor índice de áreas protegidas no país. A proteção legal do bioma é baixa e o nível do desmatamento é alto. Esses dois fatores colocam a Caatinga como um ambiente ameaçado. Blog do Planeta – Então mais da metade da Caatinga já foi desmatada? Castro – Sim, esse é o total acumulado. Mas os dados variam, de 45% a 46%, segundo o Ministério do Meio Ambiente, até dados de pesquisa que chegam a 60%, 65%. O seguro é dizer mais de 50%, mais da metade da Caatinga já foi desmatada. Blog do Planeta – Com todo esse desmatamento, como que o bioma está resistindo à forte seca que o Nordeste vem enfrentando nos últimos meses? Castro – Períodos de seca são comuns na Caatinga. Porém, o que torna essa seca grave é que já são dois anos consecutivos de estiagem prolongada. Como a Caatinga foi forjada por esse clima, essa estiagem vai trazer problemas em menor dimensão para o ecossistema. O grande problema é a convivência humana. O homem precisa da água para produzir. Sem essa água, aumenta a pressão no ecossistema. Quando não tem produção, aumenta a caça, a exploração de madeira, de lenha, de carvão. A pressão sobre recursos naturais cresce nesses períodos. Não é uma pressão climática. É uma pressão do homem que busca na mata alternativas em períodos que não tem produção. Blog do Planeta – É normal ter dois anos consecutivos de seca? Castro – Não é muito comum, mas acontece. Por exemplo, tradicionalmente a população que vive na Caatinga diz que a cada sete anos tem um período de seca prolongada. Mas isso não é um dado científico, é mais uma tradição. Olhando para os dados científicos, já ocorreu de ter estiagens longas, mas há muito tempo. Nos últimos 50 anos, é a primeira vez que vemos uma seca tão severa como a que está ocorrendo agora. Agora, uma questão precisa ser estudada mais a fundo sobre essa estiagem, que é o papel das mudanças climáticas. Quanto dessa seca pode ser atribuído a mudanças climáticas em curso? Isso ainda não dá pra dizer, mas tem pesquisadores estudando. A projeção do IPCC, para o futuro, é que as regiões semiáridas do planeta vão sofrer com períodos de grande estiagem. De acordo com essas projeções, há uma tendência de que, ao longo dos próximos cem anos, o semiário se torne árido. Blog do Planeta – E a Caatinga ainda é pouco estudada, não? Alguns cientistas dizem que é o bioma que tem menos pesquisa no Brasil. Castro – A Caatinga sempre foi retratada de forma muito negativa. Ela virou sinônimo de pobreza, de dificuldade, de fome, de falta de oportunidades. É uma imagem construída nos últimos cem ou cento e cinquenta anos. Esse estigma causa a falta de investimento, de políticas públicas, de enxergar a Caatinga como um dos elementos de biodiversidade do Brasil. Como o ecossistema não é valorizado, tem menos pesquisa, menos investimento. Um trabalho que estamos fazendo para tentar reverter esse estigma é uma mobilização nacional para que a Caatinga seja reconhecida como patrimônio nacional na Constituição. Hoje, a Caatinga não tem esse reconhecimento, assim como o Cerrado. Há uma proposta no Congresso que busca corrigir essa injustiça histórica.

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  • BIOMA CAATINGA

    A situao da Caatinga a de um bioma ameaado 14:35, 23/04/2013 - REDAO POCA

    Comemoramos no prximo domingo (28) o Dia da Caatinga, uma data para nos lembrar de um dos biomas mais ameaados e menos estudados do Brasil. Atualmente, mais de 50% da mata nativa j foi desmatada, e a regio enfrenta uma forte estiagem a pior seca do Nordeste nos ltimos 50 anos.

    O Blog do Planeta conversou com Rodrigo Castro, presidente da Associao Caatinga, que acompanha de perto os problemas e os esforos de conservao na regio. Castro fala sobre os problemas da regio, e conta um pouco da proposta de aumentar o prestgio do bioma. Para isso, a ONG defende uma Proposta de Emenda da Constituio (PEC) que transformada a Caatinga em patrimnio nacional na Constituio brasileira, e atua na promoo e preservao do tatu-bola, espcie escolhida como mascote da Copa do Mundo de 2014.

    Blog do Planeta Qual a situao da Caatinga hoje? Rodrigo Castro A situao da Caatinga, hoje, a de um bioma ameaado. So duas variveis que tornam o bioma ameaado. Uma o nvel do desmatamento. Mais de 50% da rea de ocorrncia da Caatinga j foi desmatada. A outra o nvel de proteo: a Caatinga tem o menor ndice de reas protegidas no pas. A proteo legal do bioma baixa e o nvel do desmatamento alto. Esses dois fatores colocam a Caatinga como um ambiente ameaado.

    Blog do Planeta Ento mais da metade da Caatinga j foi desmatada? Castro Sim, esse o total acumulado. Mas os dados variam, de 45% a 46%, segundo o Ministrio do Meio Ambiente, at dados de pesquisa que chegam a 60%, 65%. O seguro dizer mais de 50%, mais da metade da Caatinga j foi desmatada.

    Blog do Planeta Com todo esse desmatamento, como que o bioma est resistindo forte seca que o Nordeste vem enfrentando nos ltimos meses? Castro Perodos de seca so comuns na Caatinga. Porm, o que torna essa seca grave que j so dois anos consecutivos de estiagem prolongada. Como a Caatinga foi forjada por esse clima, essa estiagem vai trazer problemas em menor dimenso para o ecossistema. O grande problema a convivncia humana. O homem precisa da gua para produzir. Sem essa gua, aumenta a presso no ecossistema. Quando no tem produo, aumenta a caa, a explorao de madeira, de lenha, de carvo. A presso sobre recursos naturais cresce nesses perodos. No uma presso climtica. uma presso do homem que busca na mata alternativas em perodos que no tem produo.

    Blog do Planeta normal ter dois anos consecutivos de seca? Castro No muito comum, mas acontece. Por exemplo, tradicionalmente a populao que vive na Caatinga diz que a cada sete anos tem um perodo de seca prolongada. Mas isso no um dado cientfico, mais uma tradio. Olhando para os dados cientficos, j ocorreu de ter estiagens longas, mas h muito tempo. Nos ltimos 50 anos, a primeira vez que vemos uma seca to severa como a que est ocorrendo agora.

    Agora, uma questo precisa ser estudada mais a fundo sobre essa estiagem, que o papel das mudanas climticas. Quanto dessa seca pode ser atribudo a mudanas climticas em curso? Isso ainda no d pra dizer, mas tem pesquisadores estudando. A projeo do IPCC, para o futuro, que as regies semiridas do planeta vo sofrer com perodos de grande estiagem. De acordo com essas projees, h uma tendncia de que, ao longo dos prximos cem anos, o semirio se torne rido.

    Blog do Planeta E a Caatinga ainda pouco estudada, no? Alguns cientistas dizem que o bioma que tem menos pesquisa no Brasil. Castro A Caatinga sempre foi retratada de forma muito negativa. Ela virou sinnimo de pobreza, de dificuldade, de fome, de falta de oportunidades. uma imagem construda nos ltimos cem ou cento e cinquenta anos. Esse estigma causa a falta de investimento, de polticas pblicas, de enxergar a Caatinga como um dos elementos de biodiversidade do Brasil. Como o ecossistema no valorizado, tem menos pesquisa, menos investimento.

    Um trabalho que estamos fazendo para tentar reverter esse estigma uma mobilizao nacional para que a Caatinga seja reconhecida como patrimnio nacional na Constituio. Hoje, a Caatinga no tem esse reconhecimento, assim como o Cerrado. H uma proposta no Congresso que busca corrigir essa injustia histrica.

  • Blog do Planeta Essa proposta tem algum efeito prtico? O que a Caatinga ganha se for reconhecida como patrimnio nacional? Castro como uma criana que nasce e no tem a certido de nascimento. A Constituio deu uma certido de nascimento oficial e reconheceu os outros biomas brasileiros, mas o Cerrado e a Caatinga so rfos, no foram qualificados dentro da nossa legislao.

    A implicao existe a mdio prazo. Sem esse reconhecimento, voc no consegue desenvolver legislaes que sejam favorveis proteo desses biomas. uma situao desfavorvel. Uma vez patrimnio nacional, vai levar um tempo, mas poderemos aprovar no Congresso legislaes similares a Lei da Mata Atlntica, s que para a Caatinga. O reconhecimento importante como marco para os biomas e para construir uma estratgia de proteo no futuro.

    Blog do Planeta H resistncia da parte do Congresso, ou dos parlamentares ligados ao agronegcio, para votar essa PEC? Castro mais uma presso por parte dos ruralistas do Cerrado, porque Caatinga e Cerrado esto na mesma PEC. Digamos que h a preocupao de que qualquer mudana no status do Cerrado possa ter alguma implicao de restrio no uso e ocupao do Cerrado. No vai ter. Nosso enfoque no restringir, o enfoque positivo. Transformar o Cerrado em patrimnio nacional valoriza a produo da regio, dos gros produzidos no Cerrado, e vai ajudar no futuro o prprio produtor. A mdio prazo, o reconhecimento muito positivos para qualificar o agronegcio. Vai ter reconhecimento, qualificao e, no futuro, sustentabilidade.

    So vrios os argumentos para defender a ideia de transformar Caatinga e Cerrado em patrimnio nacional. So mais de dois teros do territrio nacional que no esto reconhecido na Constituio. Alm disso, so os dois nicos biomas onde vive o tatu-bola, o animal que mascote da Copa do Mundo. Como que a gente no reconhece como patrimnio nacional a casa do tatu-bola?

    Blog do Planeta O tatu-bola um projeto da Associao Caatinga. Como vocs convenceram a organizao da Copa do Mundo para escolher essa espcie como mascote? Castro Foi uma iniciativa que comeou em janeiro de 2012. Ns queramos trazer a questo ambiental para a Copa do Mundo. Na poca, a Copa no tinha mascote, ento ns decidimos sugerir o tatu-bola. Comeamos uma campanha na internet que teve muito espao na mdia, nas redes sociais, e ganhou uma dimenso que a gente nunca imaginou. Como a repercusso foi muito boa, fizemos uma proposta oficial, com argumentao tcnica, explicando porque o tatu-bola deveria ser escolhido mascote da Copa. Ele predestinado para ser mascote: vira bola quando est em perigo, uma espcie nica do Brasil, s existe na Caatinga e em algumas regies de Cerrado, est ameaado de extino. So muitos argumentos favorveis. Encaminhamos para a Fifa, para o Ministrio do Esporte, e em setembro tivemos a grata surpresa do anncio. Mas o

    grande desafio vem agora. Ns precisamos transformar a visibilidade que ele est ganhando para a conservao da espcie, que est ameaada. A gente acredita que a Copa do Mundo pode ajudar a salvar o tatu-bola da extino.

    Fotos: Divulgao/Associao Caatinga (Bruno Calixto) http://colunas.revistaepoca.globo.com/planeta/2013/04/23/%E2%80%9Ca-situacao-da-caatinga-e-a-de-um-bioma-ameacado%E2%80%9D/

    Segunda, 23 de abril de 2012

    Caatinga, um bioma desconhecido e a "Convivncia com o Semi rido". Entrevista especial com Haroldo Schistek " A Caatinga ocupa 11% do territrio nacional e mereceria, sem dvida, um enfoque apropriado e polticas pblicas feitas exclusivamente para a rea que engloba. Esta rea corresponde s superfcies da Alemanha e Frana juntas", constata o idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuria Apropriada IRPAA, com sede em Juazeiro, BA. "A Caatinga o bioma mais frgil que temos no Brasil. A cincia, identificando sua fauna e flora, nos mostra que no existe uma Caatinga s, mas muitas formas, criadas pela interao de seus seres vivos com o conjunto edafoclimtico local. O clima Semi rido, com uma estao chuvosa curta e longos meses sem chuva, onde a evaporao potencial supera a precipitao praticamente em todos os meses do ano", constata, em entrevista concedida por e-mail IHU On-Line,Haroldo Schistek. Segundo ele, defensor do paradigma "Convivncia com o Semi-rido", a "Caatinga ocupa 11% do territrio nacional e mereceria, sem dvida, um enfoque apropriado e polticas pblicas feitas exclusivamente para a rea que engloba.

  • Schistek avalia ainda que no se pode pensar o Semi rido Brasileiro com seu bioma Caatinga de forma isolada, com propostas setoriais. A educao escolar tradicional tem contribudo muito para espalhar uma imagem de inviabilidade econmica, feiura e morte, diz. Haroldo Schistek telogo pela Universidade de Salzburgo, ustria, agrnomo pela Universidade de Agricultura em Viena e tem Faculdade de Agronomia do Mdio So Francisco em Juazeiro, na Bahia. idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuria Apropriada IRPAA, com sede em Juazeiro, fundado em 1990. Trabalha com assessoria relacionada a recursos hdricos, desenvolvimento rural, beneficiamento de frutas nativas, questes agrrias, entre outras reas. elaborador de apostilas, livros, relatrios. Alm disso, acompanha e coordena programas junto de agricultores, dentro do conceito da Convivncia com o Semi rido. Atualmente integra a Coordenao Coletiva do IRPAA como coordenador administrativo.

    Confira a entrevista. IHU On-Line Como podemos definir a atual situao da Caatinga? Quais os avanos e dilemas que ainda preocupam as populaes que vivem o local e os pesquisadores que estudam o bioma? Haroldo Schistek A situao da Caatinga catastrfica. Esse bioma continua sendo o mais desconhecido do Brasil embora seja caraterstico nosso, s existe no nosso pas. Cientificamente tem-se avanado, mas os polticos que tomam a deciso no querem reconhecer sua fragilidade e realizar as propostas da sociedade civil que, de um lado, poderiam garantir a sua preservao e, de outro lado, poderiam garantir uma renda estvel para a populao humana. A essncia nesta proposta se resume no paradigma da Convivncia com o Semi rido. A Caatinga ocupa 11% do territrio nacional e mereceria, sem dvida, um enfoque apropriado e polticas pblicas feitas exclusivamente para a rea que engloba. Esta rea corresponde s superfcies da Alemanha e Frana juntas! imagine quantas polticas localizadas regionalmente podemos encontrar nesses dois pases e aqui no temos, at o momento, nenhuma poltica consistente para a rea toda. IHU On-Line De que maneira podemos pensar formas de preservao da Caatinga? Haroldo Schistek Infelizmente, preciso insistir num fato que todos preferem no mencionar, por ser incmodo, por tocar em privilgios de uma minoria e de ser perigoso e, em muitos casos, at mortal. Trata-se da questo da terra, ou melhor, do tamanho dela. A Embrapa Semi rido afirma que na grande regio da Depresso Sertaneja uma propriedade necessita de at 300 hectares de terra para ser sustentvel, sendo a atividade principal a criao de caprinos e ovinos. Assim, a principal forma de preservar a Caatinga dotar as famlias de um tamanho de terra adequado s condies de semiaridez. Quanto mais seca a regio, mais terra se precisa. E qual a realidade? Propriedades de dois, trs, dez hectares, enquanto no outro lado da cerca uma nica pessoa possui dois ou trs mil hectares. E no falo de reforma agrria, mas de adequao fundiria, pois as famlias possuem terra, so da terra, mas s precisam dela em tamanho suficiente para ter uma produo estvel, poder acumular reservas e assim suportar as instabilidades climticas. Se for assim, poderemos esquecer para sempre os programas famigerados como Bolsa Famlia, carros-pipa e cestas de alimentos. IHU On-Line Existe a possibilidade de recuperao de reas do bioma em alguns casos? O que falta para que isso acontea? Haroldo Schistek O grande mal que se fez Caatinga no vem de agora, deste ou do sculo passado. Vem desde a primeira ocupao pelos portugueses e tem alguma coisa a ver com a monocultura de cana de acar no litoral nordestino. O gado, indispensvel para o manejo da cana de acar e para a alimentao da populao humana, num certo momento, numa poca que no existia o arame farpado, no podia mais ficar prximo s plantaes e foi por decreto governamental mandado para o interior. E j em 1640 se estabeleceu o primeiro curral para gado bovino no mdio So Francisco, dando assim incio a uma sequncia at hoje mantida: uma poltica concebida fora da regio, introduzindo algo no adaptado ao clima, servindo a interesses estranhos. No demorou e se formaram dois imensos latifndios que ocuparam toda a regio desde o Maranho at Minas Gerais: os morgados da Casa da Torre e outro da Casa da Ponte. Para o povo, s existia lugar como vaqueiro, que mantinha sua rocinha para alimentar a famlia, mas ele nunca poderia ser dono daquele pedao de cho. Essa a origem da agricultura familiar na regio. Caatinga pensada de forma micro O que se precisa uma mudana de percepo em relao Caatinga: devemos deixar de pensar esta regio em termos macro Brasil. Em vez disso, pens-la em termos micro. Tendo em vista unicamente a Caatinga e sua populao humana, encontrando solues sustentveis, estaremos beneficiando o bioma, os homens e mulheres e, em ltima consequncia, o Brasil macro. IHU On-Line Quais as principais caractersticas da Caatinga? Haroldo Schistek A Caatinga o bioma mais frgil que temos no Brasil. A cincia, identificando sua fauna e flora, nos mostra que no existe uma Caatinga s, mas muitas formas, criadas pela interao de seus seres vivos com o conjunto edafoclimtico local. O clima Semi rido, com uma estao chuvosa curta e longos meses sem chuva, onde a evaporao potencial supera a precipitao praticamente em todos os meses do ano. Em Juazeiro da Bahia, temos, por exemplo, cerca de 550 mm de chuva, mas a evaporao potencial atinge at 3.000 mm por ano. Os solos so, em sua maioria, rasos e de baixa fertilidade. Ento, pode-se perguntar: o que fazer com um pedao do Brasil desse jeito, uma vez que quase no chove, e, muitas vezes, os solos so inapropriados? Alm disso, em 80% da regio no existe lenol fretico, pois a natureza nos oferece uma resposta muito clara. Porm, na Caatinga h uma diversidade de plantas e animais maior que em outros biomas do Brasil. Existem plantas e animais que aprenderam a conviver de maneira perfeita com esse tipo de chuva e de solo e que descansam durante os oito meses em que no h chuva, para resplandecer de maneira inacreditvel depois das primeiras chuvas numa exploso de cores, perfumes, frutas e sementes. A convivncia com o Semi rido consiste nisto: aprender com a natureza a realizar as atividades; criar plantas e animais aos quais ela d suporte e no insistir em algo que no possui a maleabilidade gentica como o caso do milho e do gado bovino.

  • IHU On-Line No que consiste e qual a importncia da produo adaptada e das formas de captao e armazenamento de gua para o bioma? Haroldo Schistek Devemos abdicar da ideia que o fornecimento de gua para as famlias e suas criaes possa trazer algum benefcio Caatinga. primeira vista, a gua parece o fator limitante quando, na verdade, a capacidade de produzir forragens para os animais e alimento para os humanos. Ela continua mantendo populaes humanas e rebanhos em reas reduzidas. Mas, fornecendo gua, h somente uma maior presso sobre o bioma j fragilizado. Em relao produo adaptada, defendemos a manuteno ou reestabelecimento da vegetao nativa, pois a Caatinga em p vale mais do que a Caatinga derrubada. Somente em pequenas reas, especialmente para o consumo local e utilizando todos os preceitos agronmicos de preservao da umidade e da estrutura do solo, pode-se pensar em plantios de roas, utilizando plantas adaptadas s irregularidades climticas. IHU On-Line No que consiste o recaatingamento e de que forma ele pode ser uma soluo para os problemas enfrentados no bioma? Haroldo Schistek O prprio termo j quer chamar ateno de que o desafio diferente. Poderamos ter chamado de reflorestar a Caatinga. Mas Caatinga no uma floresta, no estepe, nem savana Caatinga mesmo. Tambm no se trata de criar uma reserva do tipo Ibama. Temos um caso deste na regio de Juazeiro-Sobradinho. Querem expulsar todos os moradores para criar um parque de preservao natural. Para proteger a Caatinga. E quem protege as famlias que tm sua base de vida h geraes nestas reas? Ademais, podemos afirmar com toda certeza que estas reas que se pretendem proteger so preservadas assim at hoje, pois foram utilizadas no sistema de Fundo de Pasto. Recaatingamento O recaatingamento um processo complexo, pois inclui amplas medidas educativas e aprofundamento em conhecimentos sobre a natureza para as populaes. No se trata de trazer um agente de fora, que cerque uma rea e plante mudas. No bioma, formam-se pessoas. Portanto, necessrio que cada uma seja convencida do valor da Caatinga em p, que seja o plantador e cuidador das plantas e cercas nos anos seguintes. Quem se interessar pode acessar: http://www.recaatingamento.org.br/. IHU On-Line Quais as principais ameaas que a Caatinga enfrenta? Haroldo Schistek Podemos dizer que a principal ameaa o caminho econmico (equivocado!) tomado pelo Brasil nos ltimos anos. Nosso pas se tornou campeo mundial em exportao de commodities, e as reas da Caatinga se tornaram objetos de cobia para grandes empreendimentos. Depois de alguns anos de maior calma, est agora recrudescendo a grilagem de terra e o assassinato de agricultores familiares e de seus representantes, quando resistem ao roubo de suas terras. No bioma, querem fazer de tudo: usina nuclear, grandes barragens para hidroeltricas, interminveis reas irrigadas para, por exemplo, produo de etanol, minerao, parques elicos, criao industrializada de caprinos e bovinos, entre outros. IHU On-Line De que maneira ela pode ser utilizada de forma sustentvel? Qual o papel da populao nesse sentido? Haroldo Schistek No se pode pensar o Semi rido Brasileiro com seu bioma Caatinga de forma isolada, com propostas setoriais. A educao escolar tradicional tem contribudo muito para espalhar uma imagem de inviabilidade econmica, feiura e morte. Ainda recentemente, encontrei um livro didtico, no captulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditvel: Caatinga morta. Na verdade, os arbustos e rvores retratados somente estavam em hibernao, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores. Ou seja, precisamos de uma educao contextualizada, que leve o contexto da vida dos alunos, das plantas da Caatinga, da sua casa de adobe, para dentro da sala de aula. Tivemos experincias magnficas nesse sentido com os alunos preservando ateno de maneira inacreditvel, sendo as faltas s aulas quase no registradas. Materiais nesse sentido j existem. Precisamos que o Ministrio da Educao e Cultura faa uma volta de 180 graus em termos de polticas educacionais, pois no somente necessrio que exista material didtico apropriado. indispensvel que a formao de professores nas universidades seja no sentido da contextualizao e que a formao continuada do corpo docente acompanhe a proposta. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional nos d cobertura total nesse sentido. Criao de animais A Caatinga representa um pasto nativo de grande valor nutritivo, muito apropriado para a criao de animais de mdio porte menos para gado bovino, que pouco aproveita o pasto, consome muita gua e causa ainda eroso no solo, por causa de seu maior peso. No entanto, faz-se necessrio evitar o superpastoreio, atravs da anlise criteriosa de capacidade de suporte e de fornecimento de alimento suplementar na segunda metade dos meses secos. Mas preciso ficar atento forma organizacional. Caracterstica da chuva na Caatinga A caracterstica da chuva irregular em dois sentidos: no tempo e no espao geogrfico. Quer dizer, nunca se sabe quando se ter outra chuva nem em que rea ela cair. Essa irregularidade muito acentuada. O Fundo de Pasto, forma tradicional de posse de terra no Semi rido, remoto desde as Sesmarias, atende a esta caracterstica. As reas de pasto no so individualizadas, no possuem cercas para separar cada propriedade. Os animais de todos os proprietrios pastam livremente em toda a rea, deslocando-se sempre para aquelas manchas onde choveu recentemente. Com isso eles evitam superpastoreio e garantem animais bem alimentados. Organizando dessa maneira a terra, de forma coletiva, a rea necessria por famlia pode ser bem menor, mesmo na Depresso Sertaneja: entre 80 e 100 hectares. A rea do Fundo de Pasto fica sob a responsabilidade de uma associao, dos prprios donos. Temos belos exemplos de como essa forma organizacional eleva a conscincia ambiental e proteje a Caatinga. Diversidades Alm da criao de animais, existem grandes riquezas extrativistas, como o umbu ou a maracuj do mato que, beneficiado em forma de geleia, doce e compota, at j conquistaram o paladar europeu.

  • Encontramos tambm, como em nenhum bioma brasileiro, uma grande diversidade de plantas medicinais, com uso industrial, ainda no explorada ou apenas de maneira irregular. J o potencial lenheiro duvidoso e, a nosso ver, no deve ser cogitado em se tratando de Caatinga. IHU On-Line Gostaria de acrescentar algum aspecto no questionado? Haroldo Schistek O Semi rido Brasileiro era algo desconhecido para a percepo geral e o IRPAA desmistificou isso. Sempre se falava no Nordeste tem seca. Mas Nordeste Maranho com sua regio pr-amaznica; a regio com as chuvas de Belmonte da Bahia com seus 3.000 mm por ano e do oeste baiano com chuva to regulares que parece que tem um contrato com So Pedro. Isso foi parte da nossa campanha nos primeiros dez anos de existncia do IRPAA: dizer que a regio da seca o Semi rido que fica na maior parte no Nordeste, mas abrange tambm parte de Minas Gerais. Programas para o Semi rido Fiquei contente quando Dilma, em seu discurso de posse, falou em programas especficos para o Semi rido e no mais Nordeste. Para dar visibilidade, criamos o nome Semi rido Brasileiro, como iniciais em maisculo. Ento, devemos distinguir quando se fala de uma regio semirida ou quando fala do Semi rido Brasileiro. At a sigla criada SAB j se popularizou. http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/508737-caatingaumbiomadesconhecidoeaqconvivenciacomosemi-aridoqentrevistaespecialcomharoldoschistek

    Desmatamento silencioso da Caatinga tem intensificado a desertificao do semirido brasileiro O semirido todo tem um milho de km, ento cerca de 10% a 15% dessa rea est numa situao de severidade muito grande, adverte o pesquisador da Embrapa.

    28 de julho de 2015 20h35 - Da IHU On-Line Mais de 50% das reas do semirido brasileiro j esto com processo de desertificao acentuado, e cerca de 10 a 15% do territrio enfrenta

    uma situao de desertificao severa. Para se ter uma ideia, a soma das extenses de terras degradadas no Cear, na Bahia e em

    Pernambuco equivale a 63 mil km de desertificao, informa Ido Bezerra de S, na entrevista a seguir, concedida IHU On-Line por telefone.

    O pesquisador explica que a desertificao um fenmeno de degradao ambiental que acontece particularmente em regies ridas, semiridas e submidas secas, a exemplo do Nordeste e de parte do Sudeste brasileiro.

    De acordo com o engenheiro florestal, no Brasil a desertificao no semirido tem se agravado por causa do desmatamento na Caatinga. Ao desmatar a Caatinga, os solos ficam completamente expostos a todas as intempries, frisa. Alm do desmatamento, Bezerra de S enfatiza que a irregularidade das chuvas contribui para que a degradao seja ainda mais acentuada em algumas regies. H locais, por exemplo, aqui onde estou agora, em Petrolina que no extremo oeste de Pernambuco , em que chove 450 a 500 milmetros por ano. O grande problema essa irregularidade das chuvas: elas caem de forma muito concentrada, chove muito em pouco tempo, ou seja, os 500 milmetros se concentram em apenas dois, trs meses e, s vezes, 20%, 30% da chuva do ano cai em apenas um dia.

    Ele informa ainda que o maior polo de produo de gesso do pas, localizado em Araripe, no Cear, responsvel pela produo de 95% de todo o gesso produzido no pas, utiliza energia de biomassa, mas aproximadamente 50% dessa energia oriunda de desmatamentos ilegais e clandestinos. O governo sabe disso, as autoridades sabem disso e estamos com um trabalho muito importante de conscientizao dessas empresas que utilizam biomassa na sua matriz energtica. Entre as solues para tentar reduzir a desertificao, o pesquisador chama ateno para a necessidade de investir em planos de manejo florestal sustentvel para a Caatinga, de modo a utilizar o bioma de forma contnua e sustentvel e recuperar as reas degradadas, que levam de 30 a 40 anos para serem regeneradas.

    Ldo Bezerra de S graduado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e doutor em Geoprocessamento pela Universidad Politcnica de Madrid. Atualmente pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria - Embrapa.

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line - O senhor tem chamado ateno para o fato de que a desertificao avanada em mais de 20 ncleos do Semirido. Em que consiste esse fenmeno? Ldo Bezerra de S - Desertificao um termo utilizado pela UNCCD, que a sigla em Ingls de Conveno das Naes Unidas para o Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos das Secas, que trata da degradao ambiental em regies ridas, semiridas e submidas secas. Ento, podemos utilizar o termo desertificao somente em regies que tm essa climatologia. No Brasil essa situao se encontra no Nordeste e em parte do Sudeste, ou seja, no Norte de Minas Gerais. Isso significa dizer que s podemos utilizar o termo desertificao para nos referirmos a essas regies. Por exemplo, no se pode utilizar o termo para

  • tratar de um problema srio que h no Rio Grande do Sul, ou para indicar a situao de uma rea muito grande em Roraima ou em Rondnia, porque elas no esto nessa situao climtica de aridez ou de semiaridez.

    No caso do Brasil, no semirido encontra-se uma rea de aproximadamente um milho de km, ou seja, trata-se de rea muito grande em termos de espacialidade. Para se ter uma ideia, essa extenso equivale a duas vezes o tamanho de Espanha e Portugal juntos. Quando falamos isso na Europa, as pessoas reagem de forma apreensiva por se tratar de uma rea muito grande. Agora, desertificao no um termo binrio, branco ou preto, porque existe uma gradao.

    Na Embrapa fazemos um mapeamento que demonstra uma gradao que vai de uma desertificao muito baixa at uma degradao moderada, acentuada e severa, porque h lugares que so muito preocupantes, que tm uma severidade do processo muito forte, enquanto em outros lugares a degradao mais branda. O que temos de fazer tentar frear os vetores de crescimento dessas reas, e para isso desenvolvemos algumas tecnologias, as quais so transferidas para as regies que percorremos.

    Retirada da cobertura vegetal No Brasil, esse processo comeou justamente por conta da retirada da cobertura vegetal florestal; em outras palavras, por causa do desmatamento. O desmatamento da Caatinga gerou todo esse processo, porque ao desmatar a Caatinga os solos ficam completamente expostos a todas as intempries: h uma insolao muito forte, de mais de duas mil horas/ano de sol, e um regime de chuvas muito complicado, porque no a questo de quantidade de chuvas, mas sim a sua irregularidade na distribuio. H locais, por exemplo, aqui onde estou agora, em Petrolina que no extremo oeste de Pernambuco , em que chove 450 a 500 milmetros por ano. Essa quantidade foi verificada em uma srie histrica de mais de 30 anos de acompanhamento dos regimes de chuvas. O grande problema essa irregularidade das chuvas: elas caem de forma muito concentrada, chove muito em pouco tempo, ou seja, os 500 milmetros se concentram em apenas dois, trs meses e, s vezes, 20%, 30% da chuva do ano cai em apenas um dia. Isso gera um fator de degradao muito forte. Aliado a isso, no s no semirido do Brasil, mas no semirido do mundo inteiro, os solos de fertilidade natural so baixos. No que no existam solos bons no semirido, ao contrrio, mas o que predomina aqui na regio so solos de baixa fertilidade natural, so solos rasos, so aqueles com pouca profundidade. Ou seja, quando se comea a cavar, logo se chega rocha que formou esse solo, e esse tambm um fator muito severo da desertificao. Climatologia e solo Quando associamos essa climatologia questo de solos, que so condies naturais, e acrescentamos o fator humano imposto a este ambiente, a se exacerbam e se aceleram esses processos ruins de desertificao. Esse o contexto em que vivemos hoje no semirido. Estamos tentando reverter toda a parte que induzida pelo homem, porque no temos muita governabilidade sobre a natureza. Esses 20 ncleos do semirido que enfrentam essa situao de desertificao correspondem a que percentual do semirido? Mais de 50% das reas do semirido brasileiro j esto com processo de desertificao acentuado e aproximadamente 16 mil hectares da Caatinga j foram desmatados. Alm disso, alguns ncleos no Cear, na Bahia e em Pernambuco esto com as reas bastante comprometidas. Para se ter uma ideia, somando a rea desses municpios, o desmatamento est em torno de 63 mil km, isso significa que se trata de uma rea que equivale a quase a extenso de Pernambuco, que tem 100 mil km. O semirido todo tem um milho de km, ento cerca de 10% a 15% dessa rea est numa situao de severidade muito grande. E, se formos completar isso com a parte que fica um pouco mais acentuada e moderada, o percentual ultrapassa os 50% do semirido. Temos ainda situaes muito degradantes na regio Sul do Piau, regio de Gilbus, e em Pernambuco tem um cenrio muito ruim na regio de Cabrob e Salgueiro. Tambm tem uma rea grande, entre a Paraba e o Rio Grande do Norte, onde h um conjunto de municpios doze ou dez em condies precrias. Ento, quando falamos em 20 ncleos, apenas uma questo didtica, porque na realidade a rea se estende a uma extenso muito maior do que isso. Como vimos, mais de 50% de uma regio bastante comprometida. Estamos fazendo alguns estudos para verificar essa situao estado por estado, a fim de ver a situao de cada um deles. Estamos concluindo um trabalho em Pernambuco, o qual ser publicado no mximo em outubro deste ano. Pernambuco tem 185 municpios, dos quais 122 esto em situaes que tm problemas de desertificao. Estamos ranqueando esses dados e verificamos que alguns municpios tm praticamente toda a sua rea com um processo bastante acentuado ou severo de desertificao. Ento, frear essa degradao a grande dificuldade, porque custa muito capital humano e tambm financeiro, e leva tempo para fazer. Alm disso, as propriedades familiares maiores passam a ser subdivididas, ento a pessoa tem trs, quatro, cinco, seis filhos e depois essa rea desmembrada e passa para os filhos. Isso tambm um fator de degradao, porque as pessoas tendem a tirar sua sobrevivncia da base de recursos naturais de sua propriedade. Assim, a primeira coisa que fazem desmatar uma rea para plantar e esse plantio vem sendo feito de forma desordenada, sem tecnologia, sem insumos agropecurios adequados, em ambientes tambm inadequados, e esses fatores geram um processo de retrao muito intenso. Frear isso um pouco mais complicado, porque se trata de um problema social, por isso a Embrapa tem uma unidade encravada no corao do semirido, na cidade de Petrolina, para tentar desenvolver algumas tecnologias que possam minimizar sabemos que erradicar praticamente impossvel esse manejo equivocado que se faz do recurso natural. Um grande problema nosso a questo do desmatamento, seguido de queimada, porque o agricultor do semirido descapitalizado: ele no tem acesso

  • tecnologia nem a crdito. Por isso, eles se utilizam do meio que podem, ou seja, desmatam e queimam reas, e queimar rea um crime ambiental e dar um tiro no prprio p, porque o semirido de um modo geral pobre, o solo pobre em matria orgnica. E se est sendo queimado o pouco de matria orgnica que j existe, isso realmente muito ruim. Queimam para limpar o terreno, na iluso de que a produtividade ser melhor em funo da queima, mas esse um erro e estamos sempre tentando corrigi-lo. A matria orgnica do solo o que mais comporta a reteno de gua. Assim, um dos grandes problemas do semirido a questo da gua. Se, em um solo que recebe pouca gua, parte da vegetao queimada, o solo fica ainda mais empobrecido de matria orgnica e, por conseguinte, retm mais gua. Esse tipo de informao, que est um pouco defasada no Brasil, tem de chegar ao produtor rural, porque s vezes ele age de forma errada por ignorncia, ou s vezes porque no tem outra forma de fazer, e s vezes at por m-f. "Pernambuco tem 185 municpios, dos quais 122 esto em situaes que tm problemas de desertificao" Qual a causa de a desertificao ser mais intensa nesses 20 ncleos do Semirido e quais so eles? Como se chegou a essa situao? Ns chegamos a essa situao em funo da primeira causa, que o desmatamento, ou seja, a retirada da cobertura, principalmente da cobertura florestal, porque ela quem protege o substrato do solo de todas as intempries. Alm disso, o sobrepasteio dessa vegetao contribui para esse fenmeno. Depois, h o problema do manejo que dado a esse solo, com plantaes inadequadas, sem fazer o terraceamento, sem conter a eroso. Quando a cobertura retirada e as chuvas so de alta intensidade, embora poucas ao longo do ano, acontece um processo de carreamento do solo. Portanto, isso provoca um tipo de eroso laminar, que degrada bastante essas reas, porque vai retirando lminas do solo: a cada ano vai um milmetro, por exemplo, e as pessoas no percebem isso, mas no passar de 10 anos houve a perda de 10 milmetros, o que equivale a um centmetro do solo. necessrio manter o mximo possvel da vegetao, proteger esse solo, plantar corretamente nos lugares certos, com a cultura certa e com o manejo certo. Isso fundamental para que se evite esse processo de desertificao, no s aqui, mas em qualquer regio que tenha essa climatologia e tambm esse tipo de solo. De que maneira a desertificao acaba impactando na vida das pessoas que vivem no semirido? Considero a desertificao como um jogo de domin, em que uma causa empurra a outra e, no final da ponta, quem mais se prejudica o homem que vive no semirido. Em um passado no muito longnquo, existia o xodo do nordestino que saa da sua terra para ir para o Sudeste, o Centro-Oeste e s vezes at para o Sul, ou ento para as capitais, em busca de emprego, renda e de manter a sua vida, porque a terra dele ficou de um jeito to improdutivo que no conseguiu mais rendimentos para sustentar a famlia. Esse processo vem diminuindo gradativamente de uns 50 anos para c, mas ainda acontece. No entanto, o xodo agora no mais para o Sudeste, para o Sul, para o Centro-Oeste; as pessoas esto indo para os polos de desenvolvimento que existem no prprio Nordeste, que absorvem muita mo de obra. Na cidade de Petrolina, onde estou, tem o maior polo de fruticultura irrigada do Brasil. Cidades como Feira de Santana, na Bahia, tem um polo muito grande tambm, tanto de pecuria quanto de servios. Campina Grande, na Paraba, Juazeiro do Norte, no Cear, tambm so outros polos que absorvem muita mo de obra. Por fora da desertificao, chamamos essas pessoas que migram para as regies do Nordeste de refugiados ambientais. Qual o risco de esse processo de desertificao se espalhar para outros pontos do semirido? O risco iminente. Por isso o governo, atravs do Ministrio do Meio Ambiente, elaborou um Plano de Ao Nacional de Combate Desertificao. Esse um plano nacional que foi desenvolvido pelo Ministrio do Meio Ambiente, com o apoio de diversos rgos de governo e tambm da sociedade civil, entre eles o Ibama, a ANA e a Embrapa. Por fora deste programa, foram institudos os programas estaduais, que so chamados de Planos de Aes Estaduais PAES. Na realidade, quem mais conhece sua situao de desertificao o prprio estado e, s vezes, o prprio municpio, por isso preciso ir at a ponta. Cada estado do Nordeste que padece desse problema elaborou seus programas e alguns j criaram leis. Ento, a ideia dotar esses estados e, por conseguinte, os municpios de algumas prticas e tecnologias que vo diminuindo e minimizando esse problema. A governana da desertificao passa, justamente, por esses programas que saem da esfera federal e chegam at o municpio, ensinando o que se deve e o que no se deve fazer para acelerar esse processo de desertificao. No passado, o problema era muito maior, no entanto, aps o advento desses programas, estamos minimizando a situao pouco a pouco. J estamos conseguindo identificar esses processos de desertificao mais intensos e coloc-los na esfera municipal, que onde acontecem as aes. Tambm estamos atualizando informaes sobre a desertificao para que os estados possam priorizar os investimentos, pois no temos muitas pessoas trabalhando com essa questo e precisamos de mais pessoas para poder equacionar essa situao. A forma de frearmos um pouco esse processo com tecnologia e com informao, dizendo o que fazer, como fazer, onde fazer, quanto custa e, s vezes, intensificando um processo de fiscalizao, de sensibilizao e tambm de penalizao das pessoas que esto fazendo as coisas erradas, pois tambm existe um segmento empresarial muito forte no Nordeste, que vive deste produto da desertificao e do desmatamento, porque utilizam muita madeira, lenha e carvo em suas matrizes energticas, e de forma insustentvel. Ento, essa uma forma tambm de pression-los para que possam fazer a coisa certa e para que no degradem ainda mais o ambiente. Existe uma legislao pertinente para que possamos controlar esse quadro, e com esse controle iremos conter um pouco o avano do processo de desertificao por todo o semirido brasileiro.

  • Em que consiste o Plano Nacional de Combate Desertificao? Por que ele no tem sido efetivo no semirido? O plano foi publicado em 2005. Essa alternncia da governabilidade do plano impede que muitas aes sejam levadas a cabo, e creio que esse um fator muito importante. Ao invs de se fazer um plano de governo, deveria ser feito um plano de Estado, um plano que realmente pudesse incentivar, ter recursos financeiros e humanos destinados para isso, e que fosse um objeto realmente mais eficaz e eficiente, mas infelizmente isso no acontece. Em geral esses planos fazem parte de uma poltica partidria que, s vezes, causa um pouco de angstia nas pessoas que trabalham com o assunto, porque vemos tanta coisa sendo construda, as quais no so efetivadas do modo como gostaramos. Ns, enquanto instituio, temos um limite de fazer a parte de pesquisa, de demonstr-la, de divulgar as tecnologias disponveis, mas temos uma limitao, s podemos chegar at uma esfera de execuo de algumas atividades, porque a partir da foge da nossa alada como empresa de pesquisa. "Enquanto na Amaznia e no Cerrado os desmatamentos so de grandes extenses, na Caatinga o desmatamento feito de forma muito particular" Que fatores tm levado a Caatinga a sofrer um processo de degradao e como esse processo contribui para a desertificao do semirido? O que mais contribui para que isso ocorra exatamente a derrubada da Caatinga. A energia no Brasil est muito cara, e no semirido, em particular, h muitas empresas que precisam de energia e que utilizam a energia de biomassa. Ocorre que esse tipo de energia exatamente o produto da derrubada e do desmatamento da Caatinga. Hoje o Ibama, em nvel federal, e os estados, com suas secretarias de meio ambiente e suas agncias, esto tentando controlar para que esse processo de utilizao da lenha e do carvo no seja realizado de forma no manejada, ou seja, retirado da natureza forma ilegal, clandestina. Para se ter uma ideia, como falei no incio da nossa conversa, entre 2002 e 2008 foram desmatados aproximadamente 16 mil Km. Se multiplicarmos esse valor por 100, teremos o resultado dessa rea por hectares. No intervalo de apenas seis anos foi destrudo praticamente 20% de todo o estado de Pernambuco, por exemplo. Isso muito srio e por isso precisamos frear esse desmatamento ou incentivar, coisa que j est sendo feita, a realizao de planos de manejo florestal da Caatinga. O que um plano de manejo florestal sustentvel da Caatinga? So planos elaborados por equipes de engenheiros florestais, em que a vegetao da Caatinga utilizada de forma contnua e sustentvel. Dependendo do lugar em que j foi desmatada, a Caatinga pode levar de 30 a 40 anos para se regenerar. Assim, os estudos de manejo vieram para isso. Aqui na regio, onde existe o maior polo de gesso do Brasil, na regio do Araripe, se produz 95% de todo o gesso do Brasil, seja gesso para forro, para divisria, para construo civil, para uso ortopdico. Para transformar o minrio em gesso, preciso desidrat-lo o termo usado calcinar e para isso se utiliza energia, sendo que a mais utilizada a de biomassa, e mais de 50% dessa energia oriunda de desmatamentos ilegais e clandestinos. O governo sabe disso, as autoridades sabem disso e estamos com um trabalho muito importante de conscientizao dessas empresas que utilizam biomassa na sua matriz energtica. H uns trs anos existiam poucos planos de manejo, da ordem de 12, 14 planos de manejo florestal e hoje eles passam de 300. Ento, energia, se for de forma sustentvel, muito boa para a natureza e para o homem tambm, porque ela legalizada, gera um melhor rendimento porque padronizada, ou seja, tem uma srie de vantagens que concorrem para que esses planos sejam mais ampliados. Que medidas so necessrias para reverter esse processo de desertificao? O monitoramento, que est sedo executado, do desmatamento da Caatinga, fundamental. Verificamos que a Amaznia, a Mata Atlntica e at o Cerrado tm muita visibilidade no cenrio nacional e internacional, mas a Caatinga tem menos visibilidade. Por isso, necessrio monitorar, ver onde esto ocorrendo os problemas e fazer aes mais efetivas. Acredito que assim conseguiremos mostrar, inclusive na mdia nacional, como est sendo feito esse controle. Queremos dar visibilidade para a Caatinga e talvez seja um pouco mais difcil, porque enquanto na Amaznia e no Cerrado os desmatamentos so de grandes extenses, na Caatinga o desmatamento feito de forma muito particular. o que chamo de desmatamento formiguinha, ou seja, no tem uma frente contnua de desmatamento que vista em uma imagem de satlite com muita facilidade, como se v na Amaznia e no Cerrado. Ento, queremos monitorar esse desmatamento. Deseja acrescentar algo? O interessante que cada estado da nossa Federao que est sendo afetado pelo problema tenha seus Planos de Aes Estaduais. Precisaramos que os rgos que esto encarregados da execuo desses planos, dentro dos estados, ou seja, as secretarias de meio ambiente e as agncias, gerncias ou institutos de pesquisa ambientais que esto dentro dos municpios, sejam fortalecidos e dotem esses organismos de dinheiro e de pessoas para que possamos fazer um trabalho mais eficiente e rpido, porque a degradao ocorre em velocidade sempre maior do que a recuperao. Por conta disso, precisamos ser mais proativos nesse sentido. http://www.mst.org.br/2015/07/28/desmatamento-silencioso-da-caatinga-tem-intensificado-a-desertificacao-do-semiarido-brasileiro.html

  • 03/08/2015 LenhaecolgicaajudaacombaterdesertificaodacaatingaSustentabilidadeEstado

    http://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,lenhaecologicaajudaacombaterdesertificacaodacaatinga,1548077 1/2

    O ESTADO DE S. PAULO22Agosto2014|17h17

    Reportagemfinalistado2.PrmioTetraPakdeJornalismoAmbiental

    MarinadeLimaCardoso,19anos(UFRN)*

    Desde2010,oprojetoCaatingaViva,coordenadopeloengenheiroagrnomoAuriclioCosta,trabalhaparaimplementarumanovafonteenergticanaregioconhecidacomoBaixoAu,nooestedoRioGrandedoNorte.

    Apreocupaoinicialdoprojeto,patrocinadopelaPetrobrasAmbientalemparceriacomcincooutrasinstituiespblicaseprivadas,vemdeumdadodoDepartamentodeCombateDesertificaodoMinistriodoMeioAmbiente(MMA):cercade40%damatrizenergticadasindstriasdoNordestevemdalenha,retiradaatravsdodesmatamentodacaatinga.ndicequetemcontribudodiretamenteparaadesertificaoouseja,aperdadacapacidadeprodutivadessenicobiomaexclusivodoBrasil.

    "Ainiciativadeproduzirumabiofbricadebriquetes(lenhaecolgica)surgiuapartirdaobservaodedoisproblemasdaregio:agrandeextraodelenhautilizadapelasindstriasdecermicaetijoloetambmpelodesperdciodosrestosdapodaurbananascidades",explicaAuriclio.

    Comprevisoparacomearaoperarnosegundosemestredesteano,abiofbricainstaladanoInstitutoFederaldeEducao,CinciaeTecnologiadeIpanguau(IFRN),214kmdacapitalNatal,jestnafasedostestesfinaiseatenderaos10municpiosqueformamamicrorregiodoBaixoAuequeconcentramemseuterritrio33empresasdecermica,segundooDiagnsticodaIndstriadeCermicaVermelhadoRN,publicadoem2013.

    Comumaequipedenovepessoas,entreprofessores,tcnicosealunos,trabalhandodentrodafbricaeoutracommaisde100pessoasatuandodiretaeindiretamenteemcampo,nacoletadosresduosdaspodasdervores,oprojetoutilizaumatecnologiachamadaadensamentolignocelulsicoqueutilizaomaterialcoletado(folhasdemangueirasecajueiros,palhadecarnaba,restosdecultura,entreoutros)queseriaincineradonolixoeotransformaemblocosdematriaorgnicacompactadosquepoderoserutilizadoscomofontedeenergia"nosnosfornosdascermicas,mastambmnaspizzarias,padariaserestaurantes",apontaAuriclio.

    Escassaecomaextraocadavezmaisdistante(entre200kma300kmdospoloscermicosdaregio),alenhajvemsetornandocaraparaosempresrios.JooWalacedaSilva,proprietriodaCermicaPortaldoVale,jestudaautilizaodosbriquetesdaCaatingaViva."Apesardalenhaaindaserafontemaisbarata,tenhomuitointeressepelautilizaodosbriquetesnoprocessodequeimadaindstria,poissuaorigemcombatediretamenteodesmatamentodacaatingaeaindareaproveitaosresduosqueiriamparaolixo",relataoempresrio.

    ParaOnildoMariniFilho,coordenadordoCentroNacionaldePesquisanoCerradoeCaatiga(CECAT),doInstitutoChicoMendes(ICMBio),asubstituiodalenhaextremamenteimportanteparaobioma."Acaatingaperdeugrandepartedasuabiomassacomousointensivodalenha,principalcombustveldaregio,ehojeestdescaracterizada.Muitomaisrida",contaele.

    SegundooRelatriodoMonitoramentodoDesmatamentodoBiomaCaatinga,43%dareadobiomafoidesmatadaat2009.Almdisso,deacordocomAlvamarCosta,superintendentedoIBAMA/RN,aregiodoBaixoAudeverserumadasmaisatingidaspeladesertificaonosprximosanos.Noentanto,apsaaberturadabiofbrica,Auricliocontaqueaideiaser"disseminaratecnologianacadeiaprodutivadaregio,fazendodelaumarefernciaparareverteroquadroatualdedesmatamento".

    Lenha ecolgica ajuda a combaterdesertificao da caatinga