biografia garret

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Viagens • Literatura Portuguesa • 11.º ano Transcrição de registos áudio e radiofónicos 1 VIAG11 © Porto Editora fotocopiável Garrett: vida e obra Nascido a 4 de fevereiro de 1799, no Porto, e falecido em Lisboa a 9 de dezembro de 1854, Garrett ficará sempre “com um pé no Arcadismo, outro no Romantismo”, como afirmou José Régio. Pertencente a uma família abastada, de origem letrada e ascendência terceirense pelo lado do pai e da burguesia “brasileira” minhota pelo lado da mãe, a harmonia da sua infância será bruscamente alterada em consequência das Invasões Francesas, mais concretamente da primeira, que impelirão os seus pais a procurar o exílio num ambiente familiar: a Ilha Terceira, nos Açores. Ficam para trás os tempos felizes passados nas quintas da família, a quinta do Castelo e a quinta do Sardão, onde a velha Brígida e a mulata Rosa de Lima tantos romances tradicionais lhe contaram. Agora é um dos seus tios frades, D. Frei Alexandre da Sagrada Família, ulteriormente bispo de Angra do Heroísmo, quem se encarregará da educação do jovem João Baptista, dando-lhe uma sólida formação clássica e humanista. Contrariando os desígnios familiares que pretendiam destiná-lo à carreira eclesiástica, regressa em 1816 a Portugal para se matricular em Leis na Universidade de Coimbra. É aí que se começa a distinguir no meio académico da sua época, produzindo composições de nítida influência clássica: odes, sonetos, etc. Mas nem só a Literatura prende a atenção do jovem Garrett: a Política (outro dos vetores que nortearão a sua vida no futuro) atrai-o, bem como a toda a juventude estudantil conimbricense, e ele adere entusiasticamente aos novos ideais políticos europeus, ao liberalismo. Em 1820 dá-se em Portugal a revolução liberal que pretende cercear os poderes reais e proclamar uma constituição. Para a celebrar escreverá ele os seus primeiros textos dramáticos, as tragédias filosóficas Lucrécia e Mérope, profundamente imbuídas quer da forma quer dos ideais clássicos, exaltando valores tradicionais da Roma Antiga, tão caros aos revolucionários burgueses vintistas. No entanto a reação conservadora não se fará esperar e abater-se-á brutalmente sobre os liberais. Garrett, que entretanto terminara o seu curso e entrara no funcionalismo público, casara com Luísa Midosi, vendo-se obrigado a emigrar com ela para Inglaterra em 1823. Este primeiro exílio será decisivo para a formação literária e cultural do nosso autor, que inicia então os seus contactos com as obras de Byron, Walter Scott, Shakespeare, bem como com a poesia popular. Era portanto o desvendar dum mundo novo, pleno de virtualidades, que se lhe abre diante dos olhos. Tudo o impressiona, tudo o atrai: a literatura, claro, mas também a arquitetura, e os costumes, o equilíbrio britânico cujo enaltecimento Garrett fará durante toda a vida. Por necessidades económicas passa depois para França, para o Havre, como correspondente duma casa comercial, a Casa Lafitte. E é em Paris que publica dois poemas narrativos de carácter nacionalista Camões (1825) e D. Branca (1826) com que tenta implantar os novos ideais estéticos românticos europeus. Quão longe está já das suas tragédias vintistas ou mesmo do polémico Retrato de Vénus, tentativa de história da pintura em verso, por causa do qual escandalizaria toda a Lisboa e seria levado a tribunal, num julgamento de que, aliás, saiu absolvido. Espírito multifacetado, Garrett é bem um homem do seu tempo, intensamente comprometido com a vida em todos os domínios em que o ser humano pode intervir, e assim, à semelhança da maioria dos escritores europeus seus contemporâneos, a política é uma forte componente da sua atividade. Regressado ao reino em 1826,

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  • Viagens Literatura Portuguesa 11. ano Transcrio de registos udio e radiofnicos

    1 VIAG11 Porto Editora fotocopivel

    Garrett: vida e obra

    Nascido a 4 de fevereiro de 1799, no Porto, e falecido em Lisboa a 9 de dezembro

    de 1854, Garrett ficar sempre com um p no Arcadismo, outro no Romantismo, como afirmou Jos Rgio. Pertencente a uma famlia abastada, de origem letrada e

    ascendncia terceirense pelo lado do pai e da burguesia brasileira minhota pelo lado da me, a harmonia da sua infncia ser bruscamente alterada em consequncia das

    Invases Francesas, mais concretamente da primeira, que impeliro os seus pais a

    procurar o exlio num ambiente familiar: a Ilha Terceira, nos Aores. Ficam para trs

    os tempos felizes passados nas quintas da famlia, a quinta do Castelo e a quinta do

    Sardo, onde a velha Brgida e a mulata Rosa de Lima tantos romances tradicionais lhe

    contaram. Agora um dos seus tios frades, D. Frei Alexandre da Sagrada Famlia,

    ulteriormente bispo de Angra do Herosmo, quem se encarregar da educao do

    jovem Joo Baptista, dando-lhe uma slida formao clssica e humanista.

    Contrariando os desgnios familiares que pretendiam destin-lo carreira eclesistica,

    regressa em 1816 a Portugal para se matricular em Leis na Universidade de Coimbra.

    a que se comea a distinguir no meio acadmico da sua poca, produzindo

    composies de ntida influncia clssica: odes, sonetos, etc. Mas nem s a Literatura

    prende a ateno do jovem Garrett: a Poltica (outro dos vetores que nortearo a sua

    vida no futuro) atrai-o, bem como a toda a juventude estudantil conimbricense, e ele

    adere entusiasticamente aos novos ideais polticos europeus, ao liberalismo.

    Em 1820 d-se em Portugal a revoluo liberal que pretende cercear os poderes

    reais e proclamar uma constituio. Para a celebrar escrever ele os seus primeiros

    textos dramticos, as tragdias filosficas Lucrcia e Mrope, profundamente

    imbudas quer da forma quer dos ideais clssicos, exaltando valores tradicionais da

    Roma Antiga, to caros aos revolucionrios burgueses vintistas. No entanto a reao

    conservadora no se far esperar e abater-se- brutalmente sobre os liberais. Garrett,

    que entretanto terminara o seu curso e entrara no funcionalismo pblico, casara com

    Lusa Midosi, vendo-se obrigado a emigrar com ela para Inglaterra em 1823. Este

    primeiro exlio ser decisivo para a formao literria e cultural do nosso autor, que

    inicia ento os seus contactos com as obras de Byron, Walter Scott, Shakespeare, bem

    como com a poesia popular. Era portanto o desvendar dum mundo novo, pleno de

    virtualidades, que se lhe abre diante dos olhos. Tudo o impressiona, tudo o atrai: a

    literatura, claro, mas tambm a arquitetura, e os costumes, o equilbrio britnico cujo

    enaltecimento Garrett far durante toda a vida.

    Por necessidades econmicas passa depois para Frana, para o Havre, como

    correspondente duma casa comercial, a Casa Lafitte. E em Paris que publica dois

    poemas narrativos de carcter nacionalista Cames (1825) e D. Branca (1826) com que tenta implantar os novos ideais estticos romnticos europeus. Quo longe est j

    das suas tragdias vintistas ou mesmo do polmico Retrato de Vnus, tentativa de

    histria da pintura em verso, por causa do qual escandalizaria toda a Lisboa e seria

    levado a tribunal, num julgamento de que, alis, saiu absolvido.

    Esprito multifacetado, Garrett bem um homem do seu tempo, intensamente

    comprometido com a vida em todos os domnios em que o ser humano pode intervir, e

    assim, semelhana da maioria dos escritores europeus seus contemporneos, a

    poltica uma forte componente da sua atividade. Regressado ao reino em 1826,

  • Viagens Literatura Portuguesa 11. ano Transcrio de registos udio e radiofnicos

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    publica uma Carta de Guia para Eleitores, funda O Cronista e colabora em O

    Portugus. No entanto, em 1827 obrigado pelas circunstncias polticas a novo exlio

    em Inglaterra, durante o qual passar dificuldades, s voltando a Portugal em 1832,

    integrado no exrcito liberal de D. Pedro. durante esta segunda permanncia nas

    Ilhas Britnicas que publica Adozinda (1828), Da Educao e Lrica de Joo Mnimo

    (1829), este ltimo sob pseudnimo, e Portugal na Balana da Europa (1830). Tendo

    colaborado com Mouzinho da Silveira na elaborao de vrios decretos, na Ilha

    Terceira, participa ativamente no desembarque do Mindelo e no cerco do Porto,

    experincias que o impelem a escrever um romance histrico, O Arco de SantAna, que s publicar anos mais tarde, em 1845.

    Terminada a guerra civil com a vitria dos liberais -lhe confiado o cargo de

    Cnsul-Geral em Bruxelas, para onde parte em 1834. Esta nova ausncia no

    estrangeiro vir a revelar-se decisiva em toda a sua vida: sob o ponto de vista pessoal,

    ela marca a data da sua separao da mulher; sob o ponto de vista cultural, o

    momento do encontro com a arte, a filosofia, a lngua dos romnticos alemes, de

    Herder a Goethe, de Schiller aos Schlegel. tambm a poca de dar largas ao seu

    dandismo, frequentando os sales de Bruxelas. O seu esprito adquire definitivamente

    um cunho cosmopolita que marcar a sua escrita e de que o melhor exemplo so as

    Viagens na Minha Terra.

    Regressado a Portugal em 1836, por achar insuficientes as condies para o

    exerccio do seu cargo, lana-se na oposio com o seu amigo Passos Manuel,

    preparando com os seus artigos nO Portugus Constitucional a vitoriosa revoluo de Setembro, que os levar ao poder nesse mesmo ano. -lhe ento confiado o encargo de

    apresentar sem perda de tempo, um plano para a fundao e organizao de um teatro nacional, o qual, sendo uma escola de bom gosto, contribua para a civilizao e

    aperfeioamento moral da nao portuguesa. E isso mesmo que ele faz: indica como prioridades absolutas a criao de um Conservatrio de Arte Dramtica, de uma

    Inspeo dos Teatros e a construo dum Teatro Nacional, colaborando ativamente na

    organizao de um reportrio dramtico portugus subordinado aos seus ideais

    nacionalistas. Tendo sido nomeado Inspetor-Geral dos Teatros em 1837, publica logo

    a seguir Um Auto de Gil Vicente (1838), D. Filipa de Vilhena (1840) e O Alfageme de

    Santarm (1842), data que marca tambm o seu afastamento dos cargos polticos que

    Garrett at a ocupara, como consequncia da subida ao poder de Costa Cabral.

    Continuando politicamente ativo no Parlamento, tambm na produo literria esta

    poca fecunda, publicando em 1843 Viagens na Minha Terra, Frei Lus de Sousa e o

    primeiro volume do Romanceiro. De 1845 datam o primeiro volume dO Arco de SantAna e de Flores Sem Fruto e de 1848 a comdia teatral A Sobrinha do Marqus.

    No ano de 1849 Garrett v concretizar-se algo por que sempre se tinha batido:

    inaugurado o Teatro Nacional D. Maria II. Com a publicao do segundo volume dO Arco de SantAna em 1850, parecia fechar-se o ciclo da sua obra, mas tal no acontece. Os seus ltimos anos so indelevelmente marcados pela paixo que nutre

    pela Viscondessa da Luz, Rosa Montufar Infante, que lhe inspirar as suas

    composies lricas mais sentidas, que sairo a pblico em 1853 sob o ttulo de Folhas

    Cadas.

  • Viagens Literatura Portuguesa 11. ano Transcrio de registos udio e radiofnicos

    3 VIAG11 Porto Editora fotocopivel

    Tendo em 1851 sido nomeado Visconde e Par do Reino, ttulo que afirma ter aceite

    para o poder legar filha ilegtima que tivera da sua ligao com Adelaide Pastor

    Deville dando-lhe assim uma posio na sociedade, ocupou ainda por alguns meses o

    cargo de ministro dos Negcios Estrangeiros, e trabalhava num novo romance de

    inspirao braslica, Helena, data da sua morte em 1854.

    NABAIS, Palmira, 2006. Frei Lus de Sousa. Introduo por Palmira Nabais. Lisboa: Ulisseia