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ano III – n o 12 – maio/junho de 2017 85 o ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 BIOGRAFIA DO DEPUTADO ROMÃO GOMES E AINDA: Cartas dos combatentes; A tribuna da Assembleia, quatro anos depois; resenha do livro A GUERRA DE S. PAULO

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Page 1: BIOGRAFIA DO DEPUTADO ROMÃO GOMES - São Paulo · 2019-10-25 · em armas por São Paulo e em combate chefiou, inicialmente, o pelotão do 1o Batalhão Paulista da Milícia Civil,

ano III – no 12 – maio/junho de 2017

85o ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932

BIOGRAFIA DO DEPUTADO ROMÃO GOMES

E AINDA: Cartas dos combatentes; A tribuna da Assembleia, quatro anos depois; resenha do livro A GUERRA DE S. PAULO

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Esta edição comemorativa ao 85o aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932 traz como personagem da coluna Compromisso com a Memória o deputado estadual e combatente de 1932 Romão Gomes, homenageado após sua morte com a denominação de presídio da Polícia Militar.

No ano passado, a seção Na Tribuna da edição especial do Informativo acerca da Revolução de 1932 abordou os discursos dos deputados em

1935, quando a Assembleia Legislativa reabriu após ter sido fechada pela Revolução de 1930. Dando sequência, a presente edição registra os discursos de 1936. Quatro anos depois de finda a

Revolução, persiste o sentimento de heroísmo, mas questões mais administrativas sobre a Revolução Constitucionalista também entram na pauta do Plenário.

Em Documento em Foco, selecionamos algumas das cartas trocadas durante a Revolução. Sob a guarda do Acervo Histórico, fazem parte da documentação enviada pelos combatentes para solicitar a Medalha da Constituição, honraria concedida pela Assembleia Legislativa desde 1962.

Por fim, a coluna Livros do Acervo conclui esta edição especial com a resenha do livro A Guerra de S. Paulo, escrito por Manoel Osorio no calor dos acontecimentos.

Boa leitura!

Editorial

Assembleia Legislativa do Estado de São PauloPresidente: Cauê Macris

1o Secretário: Luiz Fernando T. Ferreira

2o Secretário: Estevam Galvão

Secretário Geral ParlamentarRodrigo Del Nero

Secretário Geral de AdministraçãoJoel José Pinto de Oliveira

Departamento de Documentação e InformaçãoDaniel Ranieri Costa

Divisão de Acervo HistóricoMônica Cristina Araujo Lima Horta

Coordenação editorialMaurícia Figueira

Projeto gráfico e diagramaçãoJair Pires de Borba Junior (Gráfica da Alesp)

TextosMônica Cristina Araujo Lima Horta; Maurícia Figueira;

Roseli Bittar; Silmara de Oliveira Lauar;

Thalita Ruotolo Gouveia

ColaboradoresDainis Karepovs; Françoise Evelyne Aron;

José Cavalli Júnior; Thaís Santos Pereira

Transcrição de documentoThalita Ruotolo Gouveia

RevisãoAirton Paschoa

EstagiáriosLorena Jade; Luara Allegretti; Matheus Matos

Imagem da capaFrente da Carta enviada pelo combatente Moacyr Domin-

gues, de São Paulo, Capital, que recebeu a Medalha da

Constituição em 1988

Telefones: (11) 3886-6308/6309

E-mail: [email protected]

Site: www.al.sp.gov.br/acervo-historico

Tiragem: 250 exemplares

Expediente

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Acervo Histórico 3

Em Compromisso com a Memória buscamos trazer a público uma breve biografia do coronel Romão Gomes, considerado um dos mais aguerridos soldados na Revolução Constitucionalista de 1932. À frente da Coluna Romão Gomes, única invicta nas batalhas entre os paulistas e as tropas de Getúlio Vargas, tornou-se líder entre seus soldados e ainda hoje é reverenciado pelos paulistas. Próximo ao fim do conflito, quando do armistício, recusou dar chancela aos termos de rendição. Exilado em Portugal, retorna após um ano e é indultado. Em 1935, foi eleito deputado estadual de São Paulo, pelo Partido Constitucionalista, como constituinte estadual, tendo exercido o mandato até 1937.

A trajetória militar e políticaRomão Gomes nasceu em São Manuel (SP), no

dia 27 de junho de 1890, filho de Antônio Gomes e Tereza Munhoz. Aluno do Colégio Oswaldo Cruz e do Instituto de Ciências e Letras, fez todos os cursos preparatórios em escola pública.

Ingressou na Força Pública de São Paulo no dia 13 de julho de 1911. Em 1914, juntou-se ao 2o Batalhão de Caçadores Paulistas. No ano seguinte foi promovido a cabo. Em outubro de 1916 passou ao posto de furriel e, em 1917, foi elevado à patente de segundo-sargento.

Em 1o de maio de 1921 matriculou-se no Curso Especial do Corpo Escola (que originou a atual Academia da Polícia Militar do Barro Branco), onde se diplomou aspirante a oficial em 18 de janeiro de 1923 e, em agosto do mesmo ano, foi promovido, por merecimento, a segundo-tenente.

Como oficial, desde logo se colocou numa posição de destaque entre seus companheiros de corporação. Professor de armamento e tiro na mesma escola de que há pouco tempo saíra, lecionou também matemática e organização de terreno no curso literário e científico.

Em decorrência de sua atuação durante a insurreição chefiada por Isidoro Dias Lopes, em 1924, quando atuou na defesa dos Campos Elísios,

no ano de 1925, ascendeu à patente de capitão.

Romão Gomes pegou em armas por São Paulo e em combate chefiou, inicialmente, o pelotão do 1o Batalhão Paulista da Milícia Civil, posteriormente denominado “Coluna Romão Gomes”. Esse pelotão operou durante a revolução inteira sob a estratégia da guerra de movimentos, ao contrário do que aconteceu na maioria dos outros setores de combate.

Romão Gomes ficou conhecido como guerreiro invicto e grande comandante no curso do movimento constitucionalista, ao mesmo tempo que se bacharelava pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ao recusar-se a reconhecer os termos do armistício com a ditadura, foi exilado em Portugal, retornando após quase um ano e sendo indultado. Após seu exílio, em 1935, foi eleito deputado estadual, pelo Partido Constitucionalista, tendo exercido o mandato até 1937.

Desempenhou funções de consultor jurídico na Força Pública e foi o primeiro militar a assumir o cargo de juiz no Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.

Romão Gomes atuou ativamente na Campanha Pró-Monumento e Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932. As primeiras providências foram tomadas em 1934, com a criação da Comissão Pró-Monumento, da qual foi presidente e, posteriormente, vice-diretor, integrada por personalidades de destaque da sociedade paulistana. Um concurso público para a escolha do projeto foi realizado em 1937. O edital exigia que a obra fosse eminentemente arquitetônica e não apenas escultórica, devendo destinar espaço para acolher as urnas funerárias dos chamados “heróis constitucionalistas”.

Faleceu na cidade de São José dos Campos no dia 11 de janeiro de 1946. Em 9 de julho de 1958, na celebração dos 26 anos da Revolução Constitucionalista, seus restos mortais foram trasladados para o Mausoléu do Soldado Constitucionalista.

Compromisso Com a mEmória

romão Gomes

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Por sua bravura, intensa atuação militar e sentimento patriótico, atingiu o posto de coronel, em promoção post mortem, e o presídio da Polícia Militar “Romão Gomes” (PMRG) recebe o nome em sua homenagem.

A coluna invictaComo é possível conseguir uma tropa que conserve sempre o espírito ofensivo dos primeiros dias, ou melhor, a eficiência cada dia mais aumentada? Muito fácil. Apenas três coisas deve fazer o chefe. Alimentar os homens, fazer-lhes justiça, conduzi-los. O que tudo se pode resumir nesta expressão: comandar a tropa! [Romão Gomes, (1933)]

Em 7 de julho de 1932, os comandantes das unidades da Força Pública se reuniram no gabinete do coronel Júlio Marcondes Salgado, comandante da corporação, e foram oficialmente inteirados do movimento constitucionalista a irromper no dia seguinte.

A realidade desmentiu as expectativas que muitos

tinham de uma vitória fácil. Em face da resistência das tropas federais e da omissão de gaúchos e mineiros, cuja adesão era esperada, o movimento transformou-se em uma verdadeira guerra civil, longa e difícil. Foram três meses de combate.

A coluna paulista comandada por Romão Gomes, que atuou intensamente na região de São João da Boa Vista, foi a única invicta nas batalhas entre os paulistas e as tropas de Getúlio Vargas.

Na divisa entre São João da Vista e Águas da Prata, sucedeu uma das mais duras batalhas. Durante seis dias e seis noites os soldados paulistas trocaram tiro com a tropa federal. Embora em minoria, em homens e em armas, os paulistas saíram vitoriosos do embate.

Apesar do êxito na luta, Romão Gomes recebe ordens para recuar até o vilarejo de Lagoa Branca. Sem defesa, as cidades da região logo foram ocupadas pelo exército inimigo. Os soldados paulistas se revoltam e exigem a mudança do comando.

Romão Gomes assume o comando geral da região e ali mesmo, em Lagoa Branca, inicia o trabalho de reconquista das cidades tomadas.

Após reconquistar Lagoa Branca, dirigem-se para Vargem Grande do Sul, entrando na cidade logo pela madrugada, surpreendendo o inimigo. Em Pedregulho, um dos principais comandantes da tropa federal é preso.

Informados de que Romão Gomes e sua coluna invicta avançavam para recuperar São João da Boa Vista, os soldados invasores fogem. No dia 12 de setembro, a cidade é retomada pelos paulistas.

São Sebastião da Grama foi a última cidade a ser resgatada, em uma das batalhas mais violentas da região.

Porém, mais uma vez, a Coluna de Romão Gomes é chamada a recuar para as proximidades de Campinas onde em 1o de outubro a tropa recebe a notícia do fim do conflito. São Paulo havia capitulado.

Referindo-se ao comandante Romão Gomes, no seu notável discurso proferido em São João da Boa Vista, Armando Salles de Oliveira, interventor federal em São Paulo entre 21 de agosto de 1933 e 11 de abril de 1935, assim falou:

Capa do livro A Columna – Herbert V. Levy

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Deixe-me dizer que eu e Romão Gomes falamos a mesma linguagem e que gosto de apertar as mãos fraternas que ele invariavelmente me estende sempre que me ferem um ataque mais rude e uma injustiça mais viva. Somos, um e outro, soldados de um mesmo partido. Um e outro temos a mesma ideia – a de trabalhar pela grandeza de São Paulo.

Romão Gomes no plenário do Parlamento paulistaAo discursar por ocasião do 105o aniversário da

Força Pública de São Paulo, Romão Gomes faz um breve pronunciamento sobre as diferenças existentes entre o movimento armado que irrompeu em 1924, não preparado nas fileiras da Força Pública, com o propósito de levantar a milícia do Estado contra os poderes constituídos, e o movimento de 1932, que pugnava pela reconstitucionalização do País, assim discorrendo:

O SR. ROMÃO GOMES – PC – (...) Não poderia, entretanto, silenciar, nesta data, em primeiro lugar pelo fato auspicioso de se comemorar, hoje, o 105o aniversário de fundação da nossa Força Pública e, em segundo lugar, por ter o nobre deputado sr. César Salgado se referido a fatos históricos, à eficiência e ao desenvolvimento dessa corporação.(...)De fato, a Força Pública de São Paulo teve o seu apogeu com a missão francesa, para aqui trazida em 1906, e que era composta de figuras de escol do exército francês, destacadas pela sua cultura e capacidade técnica para a instrução de nossa Força Pública, à qual prestaram inestimáveis serviços, fazendo-a sair daquele meio antiquado em que se achava desde a sua organização, para se tornar uma corporação moderna, instruída, garbosa e eficiente, como, de fato, provou ser nos diversos embates que teve com elementos que se insurgiram contra a ordem e contra as instituições estaduais e nacionais.Em 1924, a Força Pública se manteve, em sua generalidade, fiel ao governo, havendo, apenas, uma pequena exceção ocorrida no Regimento de Cavalaria.

O movimento armado que irrompeu, nessa ocasião, em São Paulo, veio de fora, foi para aqui trazido por figuras de destaque da revolução, que todos conhecem e que eu me permito deixar de citar nomes.Mas foi, sr. presidente, um movimento importado, não preparado nas fileiras da nossa Força Pública ou dentro da guarnição de São Paulo. O gérmen veio de fora, os seus chefes vieram do Rio, com o propósito de levantar a milícia do Estado contra os poderes constituídos.Havia apenas um oficial da Força Pública comprometido com os iniciadores desse movimento, cujo nome foi citado há poucos momentos pelo nobre orador que me precedeu.(...)Mas o que desejo frisar aqui é que a Força Pública, apesar desta exceção, apesar de alguns elementos terem acompanhado aquele oficial, pelo seu valor militar e pelos seus conhecimentos técnicos, manteve-se fiel ao Poder constituído. Foi a Força Pública, portanto, que manteve, nos primeiros dias, o Governo do Estado, apesar dos combates intensos. Esse pequeno núcleo da Força Pública foi quem sustentou a revolução naqueles dias. A luta, por essa forma, foi violenta, entre elementos da própria Força Pública, a princípio, naturalmente, com a colaboração mais tarde de estranhos.[134a Sessão Ordinária, 15 de dezembro de 1936]

Romão Gomes rende homenagem aos combatentes da Força Pública de São Paulo que perderam a vida na Revolução Constitucionalista de 32:

Componentes da 2a Companhia, em Itapira

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O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. presidente, srs. congressistas, não era propósito meu ocupar esta tribuna, por isso que, nesta Casa, já se manifestaram hoje seletos e cultos oradores. Atendendo, entretanto, às palavras do nosso nobre colega e meu particular amigo o sr. Diógenes de Lima, de que não se devem prestar homenagens incompletas, sou forçado a erguer a minha voz e relembrar os nomes de companheiros valorosos da Força Pública de São Paulo que também perderam a vida, que também tombaram por esse ideal sagrado, que foi a revolução constitucionalista de 32.

Não é possível esquecermos o nome do coronel Marcondes Salgado; não é possível deixarmos de rememorar o nome do capitão Agostinho Uchoa, do capitão Marcelino da Fonseca, do tenente Almeida Quirini, do tenente Sobrinho e de muitos outros oficiais, de numerosos soldados e sargentos que sacrificaram a vida nos campos de batalha, honrando essa centenária Força

Pública de São Paulo, essa valorosa corporação, que sempre se manteve ao lado dos poderes constituídos, porque outra não é a sua missão.Sr. presidente, durante a revolução constitucionalista, encontravam-se permanentemente mais de duzentos feridos no hospital dessa corporação. Numerosas são as famílias que perderam os seus chefes e que, se não fosse o amparo da Caixa Beneficente da Força Pública, estariam ainda a mendigar. Graças a essa organização, graças à solidariedade dos componentes da Força Pública, que tudo fazem para amparar os que militam em suas fileiras, essas viúvas estão a coberto de maiores necessidades e os órfãos não passam fome.Considerando essa corporação como essencialmente paulista, tendo-se confundido com os valorosos voluntários que também tombaram no campo da luta, é justo que eu deixe aqui esta impressão e que fiquem constando dos Anais desta casa os nomes desses inesquecíveis soldados que morreram pela Constituição, pela grandeza de São Paulo e do Brasil.[5a Sessão Ordinária, 16 de abril de 1935]

Discursa em favor do projeto de sua autoria, que visa regulamentar artigo da Constituição estadual, assegurando o direito de remoção à professora pública primária, havendo vaga, quando distanciada do marido e este exercer cargo público efetivo:

O SR. ROMÃO GOMES – PC – Mas, sr. presidente, aproveitei-me do ensejo de me achar na tribuna, nesta hora do Expediente, para dar esse esclarecimento, tratando, a seguir, de justificar um projeto de lei que, dentro em breve, terei a honra de enviar à Mesa.A Constituição do Estado estabelece no art. 18 que compete à Assembleia Legislativa “decretar leis orgânicas, para a execução completa da Constituição”.E é nesse sentido que vou ter a honra de justificar um projeto, de autoria do nobre deputado sr. Henrique Bayma e deste humilde orador, que visa tornar exequível o art. 112 da referida Constituição.

Mapa de combates da Coluna Romão Gomes

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Quando se debatiam na Constituinte estadual as questões atinentes aos funcionários públicos em geral, em especial aos professores, tive a honra de apresentar uma emenda ao Projeto de constituição, assim redigida:“É garantido o direito de remoção, em havendo vaga, independente de outras restrições, à professora pública primária que estiver ou vier a estar distanciada do marido, em pleno regime matrimonial, quando este exercer função pública de caráter efetivo”.Essa emenda foi recebida com gerais aplausos nesta Casa. Depois de conseguir parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, entende a douta Assembleia, na sua sabedoria, que se deveria modificar a redação, de modo a se tornar menos rígida. Assim, voltando à tribuna, sugeri, então, esta redação:“Fica assegurado o direito de remoção à professora pública primária que estiver ou vier a estar afastada do marido, quando este exercer função pública efetiva”.Finalmente, não foi essa também a redação que se tornou vencedora em plenário e, sim, a atual redação do art. 112 que reza:“À professora pública primária será concedida preferência para remoção, de acordo com a lei, quando se tratar do provimento de vaga verificada no lugar de residência do marido, exercendo este cargo público efetivo”.A meu ver, a simples preferência não assegura o direito que tive em vista garantir às professoras casadas com funcionários públicos. Em todo o caso, como é matéria vencida e não mais se pode discutir, vamos ver, dentro desse preceito, o que se pode fazer de útil em prol desses eficientes funcionários do Estado. [117a Sessão Ordinária, 28 de novembro de 1935]

Subscritor de parecer favorável ao projeto do deputado Ismael Guilherme, que promove ao posto imediato os militares mortos em combate na Revolução Constitucionalista de 32, Romão Gomes assoma à tribuna a fim de manifestar seu apoio integral à iniciativa parlamentar.

O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. presidente, o Projeto no 113, agora em 1a discussão, visa premiar o esforço titânico que esses valorosos soldados da Força Pública prestaram a São Paulo, no momento angustioso em que se debatia assediado por todos os cantos e o seu povo se encontrava sem garantias de espécie alguma. É sobremaneira justa essa medida e, sendo justa, é louvável e digna do nosso reconhecimento.Dou o meu apoio integral, sr. presidente, ao projeto em debate, certo de que ele vai ao encontro do desejo geral da população de São Paulo, por isso que visa atenuar o sofrimento das famílias desses valorosos soldados, que serão promovidos ao posto imediato. E, assim sendo, as suas famílias receberão pensão correspondente a esse posto imediatamente superior.[121a Sessão Ordinária, 3 de dezembro de 1935]

Pedro de Toledo só soube da Revolução naquele 9 de julho, quando as tropas já estavam nas ruas. Por lealdade ao Governo Provisório, que o colocara no cargo, pensou em resistir. No entanto, se foi o último a aderir, Pedro de Toledo esteve também entre os últimos a aceitar a derrota. O seu inconformismo transparece claramente no último manifesto divulgado pelo governo constitucionalista, nos seguintes termos: “Fica encerrada nesta faixa do território brasileiro a campanha militar pela restauração do regime legal. Mas o anseio não se sopitará. Comprimida, a campanha há de expandir-se certamente, por não ser possível que um povo como o nosso persista em viver num regime de arbítrio”. Romão Gomes rende homenagem a Pedro de Toledo, por ocasião do primeiro aniversário de sua morte:

O SR. ROMÃO GOMES – PC – (...) Este dia, primeiro aniversário de sua morte, não podia passar sem que, nesta Casa, se comemorasse essa data e se prestasse uma homenagem a esse ilustre morto, homenagem essa tão merecida, pois que outra coisa não é senão a revelação de nosso profundo reconhecimento pela sua benemerência decorrente dos serviços prestados a São Paulo e ao Brasil.

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(...)Se não bastassem os serviços por ele prestados como embaixador e como parlamentar, para recomendá-lo e relembrar sua existência, servindo ela de paradigma a todos nós, temos ainda os trabalhos relevantes que ele prestou a São Paulo e ao Brasil no momento, talvez, mais difícil da nacionalidade.Sr. presidente, depois da vitória do movimento revolucionário de 1930, uma série de ideologias começou a se esboçar na opinião pública. Não havia, propriamente, um credo político novo, em torno do qual se congregassem todos os cidadãos. Combateu-se o regime deposto porque se falseavam os princípios constitucionais de 1891.Vitorioso o movimento, entretanto, como não se pregou uma nova ideologia, era de se supor que a nação brasileira quisesse, novamente, reeditar aqueles princípios da Constituição antiga.Não se conseguiu fazer isso, de início. Várias ideologias dominavam alguns grupos audazes da opinião pública e não se coordenando eles numa linha, adotando um credo qualquer, de modo que pudessem congregar a maioria dos cidadãos e fazer-se uma nova constituição, tendo-se em vista essa crença ou esse novo credo, mister se fazia um movimento maior, de modo a nortear a opinião pública e coordená-la.Para aqui veio, nesse estado de coisas, o embaixador Pedro de Toledo, nomeado interventor em São Paulo.Logo de início, pôde ele verificar que o ponto de vista de São Paulo, sustentado por paulistas e brasileiros que aqui viviam, era no sentido de que se desse ao País uma constituição, a fim de que se reconduzisse a nacionalidade para o caminho da lei, para o respeito do direito, e, nesse sentido, convicto de que não havia outro caminho a seguir, sopesada bem a situação,

aceitou o grande embaixador Pedro de Toledo o título de governador de São Paulo, outorgado pelo povo em geral, pelo Exército e pela Força Pública, como único remédio.(...)Batido o exército constitucionalista, foi Pedro de Toledo o homem que soube portar-se com a galhardia e coragem, na derrota, que faltam geralmente aos melhores generais. Não abandonou o seu posto, depois de desfeito o exército da lei, não fugiu para embaixada. Ele se manteve firme, ereto, esperando as consequências no palácio da cidade e assumindo a responsabilidade de seu

ato. Foram encontrá-lo ali os homens que o deveriam tirar do poder. Mas ele caiu de pé, com honradez e firmeza, como sempre soube portar-se.A amizade que conquistou, já pelos seus trabalhos anteriores, já pela conduta retilínea que soube observar durante a sua gestão, naqueles dias tétricos de 32, foi tão acentuada, foi tão viva, que ainda hoje ela perdura

no espírito de todos nós e ainda há de perdurar. Todos admiramos Pedro de Toledo e prova disso demos quando voltou do exílio. Foi tão grande e sincera a manifestação que se lhe prestou dessa vez, que nenhuma outra se fez até hoje, entre nós, a outra pessoa, que se lhe equipare.O seu espírito conciliador sempre o manteve nesse estado de bem-querença.(...)Terminando, sr. presidente, devo frisar que foi o destemor e exemplo de Pedro de Toledo que conseguiu coordenar os diferentes grupos de opinião, a que me referi, e formar uma caudal poderoso que fizesse sentir ao Governo Provisório haver chegado a hora de convocar a Constituinte brasileira. [15a Sessão Ordinária, 29 de julho de 1936]

Romão Gomes apresenta as razões que o levaram a acolher reivindicação do comandante do Corpo

(...) foi Pedro de Toledo o homem que soube portar-

se com a galhardia e coragem, na derrota, que

faltam geralmente aos melhores generais.

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de Bombeiros, tenente-coronel Amaro Sobrinho, no sentido de que fosse apresentado projeto assegurando a exclusividade da cor vermelha aos carros dos bombeiros:

O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. presidente, há poucos dias, o insigne comandante do Corpo de Bombeiros, brilhante combatente do fogo que é, o tenente-coronel Amaro Sobrinho, mandou-me, com a carta que passarei a ler, vários documentos, por onde se verifica que esse distinto comandante pleiteia uma medida que se me afigura justa, pelos motivos que vou expor.Deseja ele que os carros do Corpo dos Bombeiros usem a cor vermelha em sua pintura externa, mas só esses carros, sem que outros veículos possam usá-la também. É essa uma medida técnica, para maior eficiência do valoroso Corpo de Bombeiros.É tradicional, sr. presidente, a cor vermelha nos veículos das corporações de bombeiros, e, já na capital federal, desde 1915, é expressamente proibido, a qualquer outro veículo terrestre, usar essa cor em sua pintura externa. Dizia eu que nas corporações de bombeiros é tradicional a cor vermelha de seus veículos e exemplifiquei com a capital federal, mas poderia exemplificar com todos os países do universo, pois que em toda parte o corpo de bombeiros usa seus veículos com a pintura vermelha externa. É uma cor característica dos bombeiros, assim como o branco é uma cor característica da Cruz Vermelha. A cor dos veículos da Cruz Vermelha é internacional, como universal é a dos bombeiros. [68a Sessão Ordinária, 30 de setembro de 1936]

Em 1932, a Associação Comercial de São Paulo participou, com as demais lideranças paulistas, das tentativas de diálogo com o governo, reivindicando respeito a São Paulo e a sua autonomia – o que vinha sendo negado pelo presidente Getúlio Vargas, que revogou a Constituição e centralizou a administração política e econômica do País.

Quando ficou evidente que não havia possibilidade de acordo com Getúlio, a ACSP, em consonância com o sentimento geral da população paulista, engajou-se na campanha pela defesa da

Constituinte imediata, que culminou na deflagração da Revolução.

Por ter assumido toda a responsabilidade pela participação das classes empresariais e dos empresários paulistas na Revolução, o então presidente da ACSP Carlos de Souza Nazareth foi preso e exilado, após a deposição das armas pelos revolucionários. No pronunciamento

abaixo transcrito, evidencia-se a participação ativa da Associação durante a revolução.

O SR. ROMÃO GOMES – PC – Sr. presidente, o Projeto de lei no 83, cuja discussão acaba de ser anunciada por V. Exa., merece, sem dúvida alguma, comentários, dado o papel importante que a Associação Comercial de São Paulo desempenha na economia e na prosperidade do Estado e mesmo do País.Por esse projeto, fica o Poder Executivo autorizado a doar a essa entidade um terreno, junto ao Viaduto da Boa Vista, para que ali a Associação Comercial possa construir o prédio destinado a sua sede.(...)Nos pródromos da Revolução de 1932 – a

Quando ficou evidente que não havia possibilidade de acordo

com Getúlio, a ACSP, em consonância com o sentimento

geral da população paulista, engajou-se na campanha

pela defesa da Constituinte imediata, que culminou na deflagração da Revolução.

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23 de maio – por iniciativa da Associação Comercial, foi fechado todo o comércio. Esta medida foi, sem dúvida, de largo alcance, pois veio a fornecer a matéria-prima para se fazer aquele movimento de opinião que no momento se verificou. Foi ela que providenciou o fechamento do comércio, proporcionando, assim, a centenas de milhares de pessoas participarem daquelas horas sensacionais por que passava a nossa terra naquele instante. Não fosse isso, não tivesse essa Associação Comercial tomado tal iniciativa, talvez não tivéssemos a organização de um governo exclusivamente paulista, como o tivemos.Mas, sr. presidente, outros serviços de relevância prestou essa Associação durante os dias da luta. O seu trabalho foi tão intenso e, em alguns departamentos, tão perfeito que, estou certo, poderia servir de modelo aos melhores estados-maiores de tropas regulares.Entre outros, posso citar o Departamento de Compras, que visava, não só o abastecimento das tropas, mas a aquisição de material necessário, de metais, para a fabricação de munições e cartuchos. A organização do serviço de donativos tinha em mira auxiliar pecuniariamente a campanha, havendo também um departamento destinado a organizar o alistamento de voluntários e os batalhões da milícia civil. Organizou-se ainda alojamento para as tropas; a assistência geral auxiliava não somente os que estavam em luta, mas as famílias dos combatentes. O RCM, organização do serviço de transporte, foi órgão de grande importância e que prestou relevantes serviços durante o desenrolar da campanha. Criaram-se também oficinas para a confecção de roupas e fardamentos para os combatentes.(...)De fato, nosso prezado ex-companheiro, sr. Carlos de Souza Nazareth, era presidente da Associação Comercial naquela ocasião, e todos nós sabemos que S. Exa. se desdobrou em trabalhos dos mais profícuos em favor da nossa causa. S. Exa. produziu muito, bem como os seus auxiliares, e, nesse particular, não desejo

destacar nomes porque todos os que pertenciam à Associação Comercial de São Paulo, e, depois, fizeram parte do MMDC, praticaram prodígios de inteligência, trabalhando abnegadamente e com a máxima eficiência.Foi organizado, também, sr. presidente, o cadastro industrial, por meio do qual o MMDC tinha conhecimento das várias indústrias existentes no interior do Estado, de modo a poder socorrer-se delas para o preparo do material necessário. Organizaram-se também as delegacias técnicas, que prestaram relevantíssimos serviços durante a campanha de 32, bem como vários hospitais de sangue e um corpo de policiais encarregado de manter a ordem na Capital e no Interior durante o período das operações. Organizou-se, ainda, um serviço postal eficientíssimo, enfim, vários outros serviços foram organizados pela Associação Comercial de São Paulo. Entre estes se destaca sobremaneira o serviço da campanha do ouro, que honrou de modo extraordinário os paulistas, porque esse movimento excedeu de muito a outros semelhantes que têm sido organizados em outros países.(...)Dizia eu, então, sr. presidente, que a campanha de ouro excedeu todas as expectativas; a campanha dos capacetes de aço foi um serviço relevantíssimo, também levado a cabo pela Associação Comercial de São Paulo. O MMDC foi uma espécie de estado-maior das forças em operações. Os seus serviços foram de tal maneira relevantes que, findo o movimento, os préstimos dessa entidade se prolongaram, socorrendo os exilados em Portugal, principalmente os exilados pobres, como este que tem a honra de ocupar a tribuna neste momento; e não somente os exilados, mas as próprias famílias destes recebiam a visita e os socorros da Associação Comercial de São Paulo, através do MMDC.Foram tão eficientes a campanha do ouro e a organização do MMDC que o grande governador Pedro de Toledo considerou esses dois institutos como de utilidade pública, regulamentando-se, pelo Decreto no 5.657, o da campanha do ouro, e 5.627, o do MMDC.

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Sr. presidente, a Associação Comercial de Sâo Paulo, depois de findo o movimento, colaborou eficientemente, coordenando os diferentes partidos políticos e a antiga Federação de Voluntários para a elaboração da Chapa Única. De modo que vimos assim, em rápidas palavras, que os serviços dessa benemérita organização tiveram e têm orientadores competentes e dignos, não se cingindo ela, simplesmente, aos assuntos que dizem respeito ao comércio e à indústria, mas, sim, a todos aqueles que interessam a São Paulo e à nação.

Ninguém mais pedindo a palavra, é encerrada a discussão.Posto depois a votos, é o Projeto no 83 aprovado.[80a Sessão Ordinária, 15 de outubro de 1936]

Fontes bibliográficasMONTENEGRO, Benedito. Cruzes paulistas: os que tombaram pela glória de São Paulo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1936, p. 9.

Fontes virtuaishttps://www.youtube.com/watch?v=6O3p86Q-o90

Na tribuNa

o que foi falado no plenário da alesp, em 1936, acerca da revolução Constitucionalista

Na edição do ano passado, de junho/julho de 2016, edição de no 7, transcrevemos discursos parlamentares de 1935 concernentes à Revolução Constitucionalista de 1932.

Na presente edição comemorativa dos seus 85 anos, estampamos novos extratos dos debates transcorridos no ano seguinte, em 1936, – um ano após a reabertura das casas legislativas do País, fechadas que foram pela Revolução de 1930, e quatro anos após a Guerra Paulista.

Neles a Assembleia rememora o heroísmo dos voluntários, homenageia os mortos em batalha e cobra providências do governo a fim de regularizar o salário atrasado dos militares que participaram do movimento constitucionalista.

Logo na Sessão Solene de instalação dos trabalhos legislativos, ocorrida emblematicamente em 9 de julho, o então presidente da Assembleia Laerte de Assumpção, do Partido Constitucionalista (PC), versa sobre o sentido da data:

Essa atmosfera de civismo e trabalho exprime e assinala a eficiente contribuição de São Paulo, neste e em todos os campos de suas atividades,

à grande tarefa de realizar as legítimas aspirações dos paulistas e da comunhão brasileira.Esse mesmo pensamento vibra e transluz no alto e nobre sentido da caríssima data que hoje celebramos. Permitiu Deus, ao nosso povo, a grande fortuna de promugar, a 9 de julho, a

Laerte de Assumpção

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sua nova lei constitucional. Nove de julho é o dia constitucionalmente fixado para a instalação anual de sua Assembleia Legislativa.Aliam-se, na comemoração da imarcescível data paulista, evocações indestrutíveis e frutos abençoados da jornada de 32.Os brasileiros sinceros já souberam sentir e compreender a exata significação da suprema data, que a totalidade dos paulistas festeja em toda a extensão do seu território.Nesses frutos e nessas evocações refulge a memória dos que se bateram e morreram pela causa sagrada.A eles, aos grandes mortos, a nossa reverência e a nossa gratidão.[Sessão Solene de instalação, 9 de julho de 1936]

No dia seguinte, na primeira sessão, um dos primeiros discursos dos deputados relembra 32:

O SR. VALENTIM GENTIL – PC – (...) a evocação de 32 encontra em nossas almas uma vibração cada vez mais intensa e mais profunda. E à medida que aqueles acontecimentos, perdendo o colorido inicial, se apresentam na sua forma natural, serena, soberba e exata, nós compreendemos – e nisso vai todo o nosso orgulho – que o destino, em

sua infinita generosidade, nos reservou a ventura de viver um dos episódios mais emocionantes da vida brasileira, em que se revelaram, numa espontaneidade comovedora e com uma energia desconcertante, todas as virtudes de um povo – grande na paz, no sentido propulsionador do progresso e nas suas múltiplas manifestações, e maior ainda na guerra, na revelação de sua inesgotável capacidade de lutar e de sofrer por um ideal.(...) São Paulo tem tido, nos quadros da vida nacional, uma atuação bem nítida e uma responsabilidade bem definida. Eis por que se sentiu no direito, e, sobretudo, no dever, de assumir, em julho de 1932, a iniciativa de uma atitude de desassombro e de sacrifício, com o objetivo bem claro de reconduzir os homens e as instituições às normas fixas e invioláveis de um sistema constitucional, condição que sempre se lhe afigurou indispensável à existência de um povo consciente e culto e de uma pátria grande, una e indivisível.[1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936]

O deputado Alfredo Ellis, do Partido Republicano Paulista (PRP), procedeu a retrospecto dos acontecimentos que levaram os paulistas a se rebelarem em 1932:

Sr. presidente, no dia 25 de outubro de 1930, começou a população paulista a sofrer os impulsos de uma arrancada contra a política que até então dominava. E, então, verificou-se que o nosso povo inteiro, sob o látego de pessoas que não haviam compreendido a nossa psicologia coletiva, começou a se excitar. Sob dores que se faziam cada vez mais cruciantes durante o ano de 1931, a ditadura, infelizmente, não soube compreender os anseios da nossa população, fazendo com que governantes exóticos ditassem sua vontade ao paulista, que sofria com esse estado de coisas. A sua autonomia já não lhe pertencia mais e o nosso Estado não possuía mais o direito de se governar, os nossos eram preteridos e a noite opaca começou a nos umbrar. As vítimas começaram a se transformar em mártires.[1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936]

Valentim Gentil

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Acervo Histórico 13

Um requerimento cujo teor remete à Revolução foi a primeira votação de 1936:

Requeremos se consigne na ata dos nossos trabalhos um voto de solidariedade às homenagens ontem prestadas pelo povo de São Paulo à grande data paulista “9 de julho” e um outro de profunda saudade ao nobre vulto de Pedro de Toledo e de todos os mortos daquele glorioso movimento.Sala das sessões, 10 de julho de 1936[1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936]

Alfredo Ellis relembrou a importância de Pedro de Toledo para a Revolução Constitucionalista, ele que, tendo sido interventor de São Paulo, nomeado por Getúlio Vargas, em 1932, assumiu a chefia civil do movimento. Declarado governador do Estado, foi afastado do governo com o fim da Revolução e morreu em 1935 no Rio de Janeiro.

O SR. ALFREDO ELLIS – PRP – Foi, então, nesse tumultuar de paixões, nesse 32 de milagres, que surgiu o nosso glorioso 23 de maio, tendo sido criado pelo povo o secretariado, que o nobre e grandioso Pedro de Toledo sabia sentir o anseio do povo paulista. Foi aí que encontramos o nosso verdadeiro Moisés para nos guiar; Pedro de Toledo, conduzindo o seu povo à salvação, fez o 9 de julho. (...) Pedro de Toledo, como varão plutarquiano, continuou até a rezar no evangelho da crença arraigada no sentimento paulista, conduzindo-nos ao 9 de julho imortal. Assim, assistimos àquela arrancada sublime, iniciada nesse dia memorável, tendo todos nós, paulistas, comungado na taça homérica do sacrifício. E, ontem, a população do nosso Estado assistiu, comovida e entusiasmada, com lágrimas, e com vibrações, à tributação àqueles que se foram, àqueles que não voltaram e àqueles que estão ainda conosco. Abeirando-nos do túmulo daqueles que se foram e homenageando aqueles que voltaram, num mesmo sentimento de paulistanidade, estamos, neste momento, tributando o maior louro à nossa terra.[1a Sessão Ordinária, 10 de julho de 1936]

O deputado Alfredo Ellis elaborou projeto de lei propondo a alteração do nome de um distrito na região de Iguape para Pedro de Toledo. O distrito viria a se tornar município em 1948. Sobre o projeto, argumentou o deputado:

O SR. ALFREDO ELLIS – PRP – (...) Assim, no artigo 2o do meu projeto, consubstanciei a ideia da mudança da denominação desse distrito de paz [Prainha, no município de Iguape], para lhe dar o nome imortal e glorioso de Pedro de Toledo, que foi o nosso segundo governador civil, aclamado pelo povo de São Paulo, tendo sido o primeiro o vulto aureolado de Prudente de Morais.Recordo-me bem daquele dia histórico e inesquecível de 10 de julho de 1932. Então, o perfil alvinitente e enérgico de Pedro de Toledo resplandecia como um Pedro eremita, pregando uma nova cruzada, em prol da nossa liberdade. E Pedro de Toledo, sr. presidente, se impôs definitivamente a todos os paulistas pela sua têmpera e pela firmeza com que soube enfrentar aqueles dias tumultuosos e luminosos para maior glória do Estado de São Paulo e da nossa gente. (...) Temos uma dívida imorredoura para com a memória de Pedro de Toledo, que, por São Paulo, tudo enfrentou. Ele foi o nosso patriarca, que, por nós, tudo ofereceu, no sublime holocausto da hóstia de 32. [63a Sessão Ordinária, 24 de setembro de 1936]

Em setembro de 1936, foi apresentado à deliberação da Assembleia um requerimento solicitando homenagens a dois aviadores mortos em batalha, com o seguinte teor:

Requerimento no 51, de 1936Requeiro, uma vez consultada a Casa, a inserção de um voto de profunda saudade e cívica admiração, na ata dos nossos trabalhos, em honra dos intrépidos aviadores José Ângelo Gomes Ribeiro e Machado Bittencourt, heróis legítimos da aviação militar do Brasil, tombados no campo da honra, precisamente há quatro anos, quando

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defendiam as armas revolucionárias de 1932.Requeiro, mais, sejam comunicadas às famílias dos mesmos as homenagens prestadas pela Casa.Sala das sessões, 24 de setembro de 1936. – Machado Florence

O requerimento foi apresentado pelo deputado classista Machado Florence. A legislatura de 1935 foi a única na nossa história a ter, além dos deputados eleitos pelo povo, deputados classistas, eleitos por determinados segmentos sociais. Machado Florence era o representante da Imprensa na Assembleia Legislativa. Ao justificar seu requerimento, o deputado evocou a morte dos aviadores:

O SR. MACHADO FLORENCE – Sr. presidente, mais ou menos em dia triste e escuro como o de hoje, há quatro anos, no dia 24 de setembro de 1932, a cidade de São Paulo, vivendo, então, horas de maior intensidade, recebia, através de comunicados procedentes de Santos, a notícia de que haviam tombado, na defesa dos ideais pelos quais nos batíamos, naquele trimestre de glórias e de dores, os denodados aviadores patrícios José Ângelo Gomes Ribeiro e Mário de Machado Bittencourt.São Paulo inteiro, sr. presidente, ao receber a notícia, sofreu amargamente, levando em conta que, além do prejuízo material de dois guerreiros do espaço que sucumbiam, existia ainda a dor natural que sempre aparece quando se vê a queda cheia de beleza de uma mocidade cheia de heroísmo.(...)Não podemos, sr. presidente, na homenagem que hoje fazemos, nesta Casa, determinar apenas como sendo uma glória paulista os nomes desses dois aviadores.Não, sr. presidente! Eles são glórias legítimas da nacionalidade, e, posso dizer, são figuras mais gloriosas da nossa aviação militar!(...) A história do mundo, a vastíssima história universal é cheia de fatos imperecíveis, que, não obstante o desaparecimento dos seus autores, pemanecem para todo o sempre nas suas páginas maravilhosas. (...) E esse entusiasmo não tem,

não pode ter ligações políticas. Ele tem que ser examinado de uma maneira natural, apenas levando-se em conta os fatos praticados pelos que heróis se tornaram.Não posso fazer diferença no sentido do heroísmo dos 18 do Forte de Copacabana e aqueles que defenderam, bravamente, o 12o Regimento, em Belo Horizonte, por ocasião da revolução de 1930. Os 18 do Forte estavam animados por um ideal, para eles superior, para eles sincero e certo; os legalistas do 12o Regimento, de Belo Horizonte, assim também se apresentavam no cumprimento de seu dever, defendendo a última cidadela da legalidade dentro do Estado de Minas Gerais.[63a Sessão Ordinária, 24 de setembro de 1936]

Interessante notar que, decorridos quatro anos da Revolução, os discursos na tribuna da Assembleia não se limitavam apenas a elogios dos combatentes e a lamentações pelas mortes. Os discursos exibem também um lado menos heroico, por assim dizer. Em 1933, havia sido instalada uma comissão de sindicância para apurar irregularidades em requisições militares referentes à Revolução de 1932. O deputado Diógenes de Lima solicitou ao governo informações a respeito desses valores:

O SR. DIÓGENES DE LIMA – PRP – Sr. presidente, srs. deputados, há três meses dirigi à Mesa um requerimento, que tomou o número 48, solicitando ao Exmo. sr. secretário da Fazenda se dignasse informar:“1o) em quanto montavam as importâncias pagas e a pagar pelo Tesouro do Estado das requisições militares da Revolução Constitucionalista de 1932, em Mato Grosso e Goiás.”Pedi eu, sr. presidente, tais informações, que foram solicitadas em setembro do presente ano, e não foram dadas até hoje.Decorreram quatro anos desde que tais requisições foram feitas, tempo mais do que suficiente para o Governo do Estado verificar da procedência dos pedidos feitos pelos interessados.(...)

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Pedi mais, sr. presidente, a relação discriminada de todas as requisições, com o respectivo número de ordem, nome dos interessados, local da procedência, valor declarado, importâncias a pagar e pagas, em quanto importam as reduções feitas pela comissão de sindicância nomeada pelo Decreto no 6.045, de 18 de agosto de 1933, informação essa que o sr. secretário da Fazenda podia fornecer no momento.(...) Essa comissão de sindicância já terminou os seus trabalhos há mais de dois anos. Dela fazia parte o ilustre deputado sr. César Salgado, e o seu trabalho já foi, há muito, concluído.(...) Pedi, finalmente, informações sobre se foram instaurados pela polícia os necessários inquéritos para apurar a responsabilidade das pessoas envolvidas nas falsificações de diversas requisições de Mato Grosso.[124a Sessão Ordinária, 5 de dezembro de 1936]

O deputado César Salgado, responsável pela citada comissão de sindicância, relatou seu trabalho:

O SR. CÉSAR SALGADO – PRP – De fato, sr. presidente, quando interventor federal, neste estado, o sr. general Daltro Filho, fui eu surpreendido por um decreto, longamente fundamentado de S. Exa., nomeando-me para proceder a rigorosa verificação da legitimidade dos processos das requisições militares de 32.Dizia o sr. general Daltro Filho, dentre outras considerações, que se impunha a sindicância ante a denúncia de graves irregularidades, e até de crimes, que importavam em vultosa lesão ao Tesouro do Estado.(...) Se a comissão de sindicância, em pouco mais de um ano, conseguiu, através de inúmeras dificuldades, apurar o mérito de cerca de dois mil

processos suspeitos; se para isso foi necessário trasladar-me a Mato Grosso, onde percorri, em companhia do meu prestimoso auxiliar dr. Lamartine Mendes, todo o sul do Estado, de Três Lagoas a Campo Grande, à fronteira do Paraguai, a Porto Esperança e a Corumbá; se me foi dado, nesse lapso, coligir provas as mais diversas para invalidar a fraude “camuflada” por documentos revestidos de todos os requisitos materiais de autenticidade; se, ao depois, processos examinados de São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Goiás, acompanhados dos respectivos pareceres e da relação em ordem alfabética e numérica

dos seus titulares com as importâncias pedidas e a pagar; se pude enfim desmascarar os planos de um verdadeiro complô cuidadosamente organizado para um assalto em grande estilo aos cofres de São Paulo, não vejo por que a Secretaria da Fazenda acha exíguo o tempo de três meses para transmitir as simples informações solicitadas.(...) A audácia dos fraudadores chegou ao cúmulo de fantasiar requisições em nome de pessoas

e de firmas inexistentes em cidades deste Estado e de Mato Grosso. E dizer-se que até esses processos se achavam no Tesouro com ordem de pagamento quando assumi a sindicância!(...) Para termos a certeza de que medidas imprescindíveis foram tomadas, para que a Assembleia possa verificar quais os recursos de que lançou mão o Poder Executivo, por intermédio da polícia, na apuração de graves responsabilidades, é que também inscrevemos no pedido de informações esse item referente aos inquéritos que deviam ter sido rigorosamente instaurados.[124a Sessão Ordinária, 5 de dezembro de 1936]

Os deputados também abordaram a questão dos pagamentos atrasados dos militares que participaram da Revolução:

a vastíssima história universal é cheia de fatos imperecíveis, que, não obstante o

desaparecimento dos seus autores, pemanecem para todo o sempre nas suas páginas maravilhosas

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O SR. DIÓGENES DE LIMA – PRP – (...) Sr. presidente, decorridos que são quatro anos, esses nobres oficiais que foram sacrificar suas vidas, seu sossego e o seu bem-estar, até hoje não receberam o miserável soldo a que fizeram jus pelo serviço de campanha. (...)O SR. ROMÃO GOMES – PC – Os oficiais da ativa, os inferiores e as praças receberam os seus vencimentos, que se dividem em soldo e gratificação, durante o movimento armado de 1932, no fim de cada mês, sem exceção alguma. (...) V. Exa. está se referindo, naturalmente, ao terço de campanha e não ao soldo, como disse há pouco.O SR. DIÓGENES DE LIMA – PRP – Seja o terço de campanha; o que é certo é que não têm recebido.O SR. ROMÃO GOMES – PC – (...) Esse soldo e gratificação, ou esses vencimentos, foram pagos pontualmente. Existe ainda o terço de campanha, que também foi pago a todos os oficiais e praças, e foi feito pontualmente porque os referidos proventos foram sacados em folha. O que há é o seguinte: como os quadros da Força Pública foram desdobrados na ocasião, para se aumentar o efetivo da tropa, necessário se tornou que os oficiais exercessem cargos superiores aos de sua patente. Assim um capitão que exercia o cargo de major ou de tenente-coronel, na ocasião, recebeu os vencimentos correspondentes ao seu posto efetivo. Devo frisar que tais vencimentos absolutamente não foram retardados. Agora, os vencimentos que lhes cabiam, correspondentes aos cargo de maior responsabilidade que exercia, e que nada mais são que a diferença entre os vencimentos da patente efetiva e os do cargo transitório — esses vencimentos, ou essa diferença é que ficou para ser paga. É verdade também que mais de dois terços desses oficiais já receberam a diferença aludida, sendo que outros ainda não. Neste particular, S. Exa. o nobre deputado sr. Diógenes de Lima tem toda a razão. O que desejo, porém, deixar bem claro, é que não se trata de soldo, nem tampouco de ordenado ou vencimentos.

Muitos dos deputados da legislatura 1935-1937 haviam participado na Revolução de 1932. No trecho a seguir, em que se discute o pagamento dos militares, breves depoimentos nos mostram a participação dos parlamentares na Guerra Paulista.

O SR. ERNESTO LEME – PC – Eu desejo dar a V. Exa. apenas um esclarecimento: os componentes do batalhão a que eu pertencia se recusaram terminantemente a receber.O SR. ALFREDO ELLIS – PRP – Os do meu batalhão também, o que não se deu com os oficiais.O SR. ROMÃO GOMES – PC – Perdão: os oficiais em sua generalidade são pobres e não poderiam deixar que a fome medrasse em seus lares.O SR. ALARICO CAIUBY – PC – Eu também nada recebi, durante os três meses que servi na campanha constitucionalista.O SR. CINTRA GORDINHO – PC – Aliás, ninguém foi servir à campanha constitucionalista com o intuito de ganhar. (...)O SR. ROMÃO GOMES – PC – V. Exa há de convir comigo que o movimento constitucionalista de São Paulo foi um movimento contra a União, e, portanto, contra o poder constituído. Em tais condições, chegou-se a entender que os pagamentos extraordinários não deveriam ser feitos àqueles que serviram nesse movimento considerado de rebeldia. Mas eu mesmo, como já afirmei, tive ocasião de esclarecer em pareceres que era justo atender à pretensão dos interessados; e com esses pareceres concordou a digna administração da Força Pública e o honrado Governo do Estado.[124a Sessão Ordinária, 5 de dezembro de 1936]

Ernesto Leme

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Carta enviada pelo combatente Antonio Alves Siqueira Jr., de São Paulo, Capital, que recebeu a Medalha da Constituição em 1966

doCumENto Em foCo

medalha da Constituição – Cartas dos combatentes de 32

Nesta edição, dedicada a relembrar a história da Revolução de 1932, decidimos publicar alguns documentos que trazem à tona o lado humano das batalhas, expondo os pensamentos e sentimentos de quem estava nas trincheiras: cartas enviadas por combatentes durante a guerra paulista.

As cartas selecionadas estão sob guarda do Acervo Histórico da Assembleia Legislativa junto a demais documentos enviados pelos participantes da Revolução com a finalidade de receber a Medalha da Constituição. Esta Medalha, instituída por meio da Resolução no 330, de 1962, oriunda do Projeto de resolução no 15, de 1959, de autoria do deputado estadual Israel Dias Novaes (UDN), foi criada com o intuito de condecorar e homenagear os civis ou militares que tenham participado da Revolução de 9 de julho de 1932.

De acordo com a resolução, qualquer veterano de 32 interessado em receber a medalha deveria solicitá-la ao comandante da unidade em que atuou ou ao dirigente civil sob cujas ordens

prestou serviços. A partir daí, seria organizado um inquérito com documentos coletados e o histórico da atuação do interessado. Estes documentos eram então encaminhados à Comissão da Medalha, constituída na Assembleia Legislativa.

Toda a documentação enviada pelos veteranos ao longo dos anos foi catalogada pelo Acervo Histórico da Assembleia Legislativa em 2015, havendo, sob nossa custódia, aproximadamente 10 mil processos de ex-combatentes e civis que atuaram em 32 solicitando a Medalha.

Em 2016, foi realizada na Assembleia Legislativa a exposição “Medalhas da Constituição: Visões sobre 32 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo”, que, além de cartas, reuniu fotos, recortes de jornal e documentos outros pertencentes aos combatentes e civis que atuaram no movimento constitucionalista. Atualmente, a exposição pode ser visitada virtualmente através do link: https://www.al.sp.gov.br/acervo-historico/exposicoes/medalhas/

“Correio Militar do M. M. D. C.

Papai a bençaEspero que esta vá

encontrar todos gozando de perfeita saúde.

Eu vou indo bem, um pouco cansado, pois entrei num combate de 20 horas seguidas, o que parece que não é brincadeira.

Sem outras novidades,Fim.”

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“Das trincheiras do Setor Norte, 7 de setembro de 1932Querida Ida,Neste momento o que mais desejo a ti e sua prezada

família é saúde e felicidades. Eu aqui presentemente vou indo bem. Cara Ida, creio eu que depois de muito tempo, e eu aqui das trincheiras a escrever-te estas poucas linhas sinceras, você há de dizer : Será possível que Antoninho se lembra de mim ainda? Pois, Ida, poderás crer que nas noites de vigília e combate que tive, jamais esqueci de você

porque és única respiração de minha vida, que jamais poderei esquecer.

Hoje faz justamente 57 dias que eu me empenhei para a defesa de nossa São Paulo e querido Brasil, e creio que estará para breve o soar de nossa almejada vitória para o bem de todos [ilegível] beija nosso Cruzeiro do Sul.

Se quiseres me escrever adiante, te mando meu endereço de trincheira e espero, querida Ida, de ainda falar muito contigo na volta de nossa vitória.

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Acervo Histórico 19

Carta do combatente Antonio Andreoni, de Campinas, que recebeu a Medalha da Constituição em 1982Sem mais, desejando novamente paz e saúde a você e a sua

prezada família.Receba muitas saudades do AntoninhoMeu endereço até segunda ordem:Antonio Andreoni Soldado no 1516o R.I. 2a cia pel. sob comando do Tenente Eurípedes

Simões SILVEIRASNão arrepare no papel que é cavado com dificuldade e

escrito em cima de um prato.”

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“31 de julho de 1932Mariazinha querida,Estamos novamente em Bandeirantes, de volta da Sibéria!!!

E aqui recebi sua cartinha e os cigarros que você me mandou.É muito útil você aprender enfermagem, porém eu não

gostaria que você saísse de São Paulo. Enquanto você aprende micróbios, eu estou aprendendo com o sargento Lemos da Força Pública a lidar com a metralhadora pesada. Já sei montá-la inteirinha e se tiver um bom municiador, aguento firme na retranca.

Aceito o seu conselho de não levantar a cabeça, mas não é preciso – a metralhadora cava os beiços da trincheira e vai buscar o camarada. É o que eu penso que aconteceu ao primo Fernão.”*

Carta recebida por Maria Eulália Botelho de Moraes Salles, de São Carlos, que atuou

como enfermeira na Revolução de 32, e enviada por seu esposo, dr. Taylor de

Moraes Salles, também agraciado com a Medalha da Constituição em 1966

*Fernão Salles, combatente do Batalhão Fernão Dias, que

tinha como comandante o capitão Pietscher, foi morto em combate

durante batalha das tropas constitucionalistas na cidade de Ouro

Fino, em Minas Gerais

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Acervo Histórico 21

Nova carta de Antonio Alves Siqueira Jr.

“Correio Militar do M. M. D. C.Ao sr. tenente coronel Siqueira,Papai, é o meu maior prazer que estas linhas encontrem

todos gozando de perfeita saúde.Papai, escrevo apenas para dizer-lhe que na data de

hoje passei a “cabo” “const.” da guarda do 8o Batalhão em Itapetininga

A bença recomendações aos nossos colegas”

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A exposição “Medalhas da Constituição: Visões sobre 32 está disponível no link

https://www.al.sp.gov.br/acervo-historico/exposicoes/medalhas/

“Senhorita Yolanda,Desde o dia em que eu vim outrora para as linhas

de frente, só tenho escrito a você, mas ter resposta nenhuma. Será porque você não sabe aonde que eu estou? Não é por falta de eu te escrever. Mas queira aceitar uns abraços de seu noivo.

Moacyr Domingues, cabo do Batalhão Bahia.”

Carta enviada pelo combatente Moacyr Domingues, de São Paulo,

Capital, que recebeu a Medalha da Constituição em 1988

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Acervo Histórico 23

Entre os livros pertencentes à Divisão de Acervo Histórico sobre o agitado período que sacudiu São Paulo entre as décadas de 1920 e 1930, diversos abordam a revolução encabeçada pelos paulistas em 1932 pela reconstitucionalização do País, então sob o governo Vargas.

Um dos mais polêmicos é A Guerra de S. Paulo: 1932 – Esboço crítico do maior movimento armado no Brasil 1, de Manoel Osorio, jornalista e escritor gaúcho. Publicado em 1933, no calor dos acontecimentos, como obra de opinião, Osorio registra que “este livro não pode documentar os seus argumentos, visto que é escrito na ocasião em que os acontecimentos se desenrolam. Nós nos limitamos a aduzir o que a imprensa nos oferece” (p. 151).

Escrito em São Paulo durante a contenda, faz contraponto crítico ao ideal paulista, na grande maioria de seus argumentos. Exatamente esse aspecto parece indicar sua leitura. Sua contemporaneidade dos fatos pode, talvez, mostrar outras facetas da São Paulo do início dos anos 30.

Sem a visão distanciada no tempo, o autor ainda não tem a percepção dos desdobramentos do movimento que, apesar de derrotado, acelerou a reconstitucionalização do País em 1934.

Dividido em duas partes, na primeira – A

1 Esta obra (São Paulo, Empresa Editora Americana, 1932) está registrada sob o número AH 28714, disponível para consulta na Divisão de Acervo Histórico da Alesp, de segunda a sexta-feira, das 9 às 19 horas, exceto feriados.

Política – o livro de Osorio trata, sob o ponto de vista de um simpatizante, dos problemas que a revolução de 1930 enfrentou em São Paulo, com as dificuldades da implantação daquele governo no Estado, passando pelos eventos que culminaram com a morte dos cinco jovens que inspiraram a criação da instituição que persiste até os dias de hoje – a Sociedade Veteranos de 32 – MMDC, em homenagem a Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, mortos em 23 de

liVros do aCErVo

a Guerra de s. paulo, de manoel osorio

Capa do livro A Guerra de São Paulo 1932

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maio de 1932, e Alvarenga, falecido alguns dias mais tarde.

A obra evolui em suas observações sobre a situação política do momento em São Paulo, citando com familiaridade nomes e fatos hoje fartamente conhecidos pela história com a desenvoltura de quem os conheceu pessoalmente.

Relata, uma a uma, as interventorias federais e suas dificuldades para governar o Estado, até a chegada do embaixador Pedro de Toledo, que veio a ser aclamado governador pelos constitucionalistas, e depois passou para o lado do movimento, fazendo parte de sua liderança.

Ao longo de todo o trabalho, Manoel Osorio tece observações sobre a índole do povo paulista: trabalhador, em quem “vê-se aquela fisionomia concentrada e quieta”, e que toca seu cotidiano sem consciência do que se desenrola à sua volta.

De acordo com o autor, essa última característica favorece o campo aberto à influência da imprensa, que, após os primeiros tempos da revolução de 30, começa a difundir a ideia da necessidade urgente de se fazer uma nova constituição e vai incitando os ânimos no rumo do movimento constitucionalista de 1932.

Na segunda parte do livro – A Guerra – Osorio mapeia a revolução constitucionalista, que ele chama de “A Guerra de São Paulo”, descrevendo manifestações, movimentos e personagens importantes e suas relações, desde alianças militares, movimentos sociais, recuo e desistência de estados que haviam se comprometido a participar; transcrevendo muitos artigos jornalísticos considerados influenciadores ou fantasiosos, discursos vários para convocação de voluntários, para arrecadação de ouro a fim de financiar o movimento, para estimulação e manutenção do ânimo dos paulistas, realizados antes, durante e depois da deflagração do movimento em 9 de julho de 1932.

O abandono de São Paulo por três estados que haviam se comprometido a apoiá-lo prejudica enormemente as possibilidades de sucesso do movimento. Se unidos, em poucos dias, segundo os idealizadores, invadiriam o Palácio do Catete,

no Rio de Janeiro, e deporiam Getúlio Vargas sem derramamento de sangue, o que não aconteceu. Apoiado somente por forças do então Mato Grosso, São Paulo se vê isolado, cercado pelas forças federais.

Osorio abre assim o capítulo “A guerra e a Ditadura”:

Estamos a treze de setembro. A imprensa [de S. Paulo] divulga vasto noticiário pelo qual vemos o país quase inteiro conflagrado. No Rio Grande do Sul, (...) em Minas, no Pará, no Estado do Rio estão em armas muitos mil homens.O espírito popular é incapaz de formular juízo sobre a realidade da situação; além disso, o seu otimismo continua ao serviço da guerra. Convenceu-se de que duvidar da vitória é comprometê-la (...) (p. 147).

Esgotados finalmente os recursos bélicos de São Paulo, em 2 de outubro o governo paulista divulga carta de armistício, também reproduzida no livro.

Manoel Osorio assim conclui seu trabalho:

Encerremos este livro. Nestes dias o espírito do povo está por demais sensibilizado para que se escreva com minúcia os episódios da luta. Talvez em outras edições o façamos.Nesta guerra, entretanto, há uma página que é impossível se escrever. Nem o tempo, nem a inteligência humana, nem a História, com a pesquisa tantas vezes falha de seus autores, conseguirão interpretar a realidade da abnegação do povo paulista e o heroísmo de seus filhos.O sangue derramado há de se apagar sobre a terra; os ossos, cedendo à fatal transformação dos seus elementos, desaparecerão; os mutilados, cujos males oferecem generosamente perdão aos erros dos que ficaram vivos e sãos, terão no futuro o prêmio de sua bravura; o exemplo, porém, a mais profunda lição dos povos, cresce e avulta com os séculos, na memória das gerações.O adversário não venceu os combatentes. Esgotou alguns dos seus principais elementos de guerra (p. 209).