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Biografia de Vincent van Gogh

O nome da família Van Gogh provavelmente é deriva-do da cidadezinha de Gogh, localizada na fronteira da Ale-manha com a Holanda, porém, no século dezesseis, os VanGogh já se achavam estabelecidos definitivamente naHolanda. De acordo com os Annales Généalogiques, deArnold Buchelius1, um Jacob van Gogh morava nessa épo-ca em Utrecht, “na [rua da] Coruja, atrás da Prefeitura”. Jan,filho de Jacob, que morava “na [rua da] Bíblia, abaixo doMercado do Linho”, vendia livros e vinho e era tambémcapitão da Guarda Civil. Seu brasão de armas era uma barracom três rosas, que permanece até hoje como as armas dafamília Van Gogh.

No século dezessete, encontramos muitos Van Goghocupando altas funções na administração pública holan-desa. Johannes van Gogh, magistrado de Zutphen, foi no-meado Tesoureiro Principal da União em 1628; Michel vanGogh – originalmente Cônsul-Geral para o Brasil e maistarde Tesoureiro da província de Zelândia – foi membro da“Embaixada” que foi homenagear e comunicar o reconheci-mento e apoio da Holanda ao rei Charles II da Inglaterra,quando este subiu ao trono em 1660. Mais ou menos nomesmo período, Cornelius van Gogh tornou-se um clérigo“Remonstrante” em Boskoop2. Seu filho Matthias come-çou a trabalhar como médico em Gouda e mais tarde tor-nou-se ministro protestante em Moordrecht.

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No começo do século dezoito, a posição social dafamília decaiu. David van Gogh, que se estabeleceu em Haia,era um fabricante de fios de ouro; seu filho mais velho, Jan,seguiu a mesma profissão e casou-se com Maria Stalvius;ambos pertenciam à Igreja Protestante Valã3. O segundofilho de David, Vincent (1729-1802) era escultor profissio-nal e, segundo consta, viveu em Paris na mocidade; em1749, ele foi um dos Cent Suisses4. Através dele, a práticada arte parece ter entrado na família, juntamente com a for-tuna; ele morreu solteiro e deixou uma certa soma em di-nheiro para seu sobrinho Johannes (1753-1840), filho deseu irmão Jan.

Johannes, como seu pai, foi fabricante de fios de ouro,e mais tarde foi nomeado “professor de Bíblia” e assumiutambém funções administrativas na Klosterkerk (Igreja doClaustro)5 em Haia. Casou-se com Johanna van de Vin, na-tural de Malines, e seu filho Vincent (1789-1874), graças aolegado de seu tio-avô Vincent, conseguiu cursar a Faculda-de de Teologia, na Universidade de Leijden [Leyden ouLeiden]. Este Vincent, o avô do pintor, era um homem degrande inteligência e com um extraordinariamente forte sen-so de dever. Na escola de Latim, ele se distinguiu e recebeutodo tipo de prêmios e honrarias. “O diligente e estudiosojovem, Vincent van Gogh merece ser indicado como exem-plo para seus colegas e companheiros, tanto por seu bomcomportamento, como por seu zelo persistente”, declarouo Reitor da Universidade, o Sr. De Booy,6 em 1805. Comple-tou seus estudos na Universidade de Leijden com plenosucesso e formou-se em 1811 aos vinte e dois anos deidade. Tinha muitos amigos e seu album amicorum7 pre-serva sua memória em versos gregos e latinos. Um peque-no ramalhete de violetas e miosótis bordado em fios deseda, assinado E. H. Vrydag, 1810 – foi executado pela jo-vem que se tornou sua esposa assim que ele garantiu sua

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subsistência, ao ser nomeado pastor da Paróquia deBenschop8. Eles viveram felizes por longo tempo; primeirona casa paroquial de Benschop, depois em Ochten e, apartir de 1821, em Breda, onde sua esposa morreu em 1875e onde ele permaneceu até sua morte, como um homemaltamente respeitado e estimado.

Eles tiveram doze filhos, dos quais um morreu na in-fância. Havia um sentimento cálido e cordial na família e,por mais distante que os filhos se tenham apartado em suasviagens pelo mundo, sempre permaneceram em contatoconstante e procuravam compartilhar da sorte ou do infor-túnio uns dos outros. Duas das filhas se casaram com ofi-ciais do exército em altas posições, os generais Pompe eGraeuwen; as outras três ficaram solteiras9.

Todos os seis filhos chegaram a ocupar posições des-tacadas na sociedade. Johannes seguiu a carreira marítimae atingiu o posto mais elevado da Marinha holandesa, o deVice-Almirante; seu sobrinho Vincent morou em sua casadurante alguns meses, no ano de 1877, enquanto ele eracomandante dos Estaleiros Navais em Amsterdam. Três deseus filhos se tornaram comerciantes de arte. O mais velho,Hendrik Vincent – o “Tio Hein”, como era referido nas car-tas que seus familiares escreviam uns aos outros – primeiroabriu uma casa comercial em Rotterdam, estabelecendo-sedepois em Bruxelas. Cornelis Marinus tornou-se proprietá-rio da firma “C. M. van Gogh”, bastante conhecida emAmsterdam (freqüentemente seus sobrinhos se referiam aele somente pelas iniciais, “C. M.”). O terceiro, que teve amaior influência sobre as vidas de seus sobrinhos, Vincente Théo (Theodore), chamava-se também Vincent10.

Em sua juventude, sofrera de constante má saúde enão pudera cursar a universidade, o que causou profundatristeza em seu pai, que tinha colocado nele suas maioresexpectativas. Ele abriu uma pequena papelaria em Haia, onde

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começou vendendo tintas e materiais para desenho; empouco tempo expandiu-a até atingir as dimensões de umagaleria de arte importante, conhecida em toda a Europa. Eraum homem extraordinariamente bem-dotado, espirituoso einteligente, exercendo grande influência sobre o mundo ar-tístico de seu tempo. A Casa Goupil de Paris ofereceu-lhesociedade, e a firma, na verdade, só alcançou o seu maiorrenome depois que Van Gogh aceitou o convite. Ele estabe-leceu-se em Paris, e o Sr. Tersteeg assumiu o cargo de ge-rente em Haia, e foi nessa filial que tanto Vincent comoThéo receberam seu primeiro treinamento no comércio dearte. Goupil foi “a casa” que exerceu uma influência funda-mental sobre os irmãos e na qual Théo trabalhou por toda asua vida e fez uma carreira muito bem sucedida. Vincenttrabalhou na Casa Goupil por seis anos; apesar de tudo,seu coração estava preso a ela, porque, em sua juventude,tinha sido “a mais bela, a melhor e a maior do mundo”.(Carta 332 a Théo)11

Somente um dos seis filhos do pároco Van Gogh se-guiu a vocação de seu pai. Theodorus (8 de fevereiro de 1822– 26 de março de 1885) estudou teologia em Utrecht, formou-se e, em 1849, assumiu a paróquia de Groote-Zundert, umapequena aldeia no Brabant, junto à fronteira belga, onde foiinstalado pároco por seu pai. Theodorus van Gogh era umhomem de aparência bastante atraente (alguns o chamavamde “o pároco bonito”), amável por natureza e apresentandobelas qualidades espirituais; porém não era um pregadoreloqüente e, desse modo, permaneceu esquecido durantevinte anos na pequena aldeia de Groote-Zundert, antes quefosse transferido para lugares melhores, como Etten, Helvoirte Nuenen. Porém, em seu pequeno círculo, era calorosa-mente amado e respeitado; seus filhos o idolatravam.

Em maio de 1851, ele desposou Anna Cornelia Car-bentus, nascida no ano de 1819 em Haia, onde seu pai,

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Willem Carbentus, tinha uma oficina de encadernação delivros. Ele fora encarregado de encadernar a primeira Cons-tituição da Holanda, o que lhe granjeou a honraria de“Encadernador do Rei”. Sua filha mais moça, Cornelia, jáestava casada com Vincent van Gogh, o negociante de obrasde arte; sua filha mais velha era esposa de Stricker, umeclesiástico muito respeitado em Amsterdam. A vida matri-monial de Theodorus e de Anna Carbentus foi muito feliz.Em sua esposa, ele achou uma companheira e uma colabo-radora que se dedicava a seu trabalho paroquial de todo ocoração. Apesar de ter de criar sua própria família, comtodas as tarefas domésticas que isso determinava, ela acom-panhava Theodorus nas visitas aos paroquianos. Seu espí-rito alegre e cordial nunca era abatido pela monotonia datranqüila vida aldeã. Foi uma mulher admirável e capaz dedespertar muito amor. Viveu até a avançada idade de oiten-ta e sete anos e, apesar de ter perdido o marido e três filhosadultos, conservou até o fim a energia e o espírito que fezcom que suportasse todas as vicissitudes da vida.

Uma de suas qualidades, juntamente com seu pro-fundo amor pela natureza, era a grande facilidade com queconseguia expressar seus pensamentos no papel: suasmãos, sempre ocupadas com trabalhos destinados aos ou-tros, empunhavam prontamente não apenas a agulha decostura ou a agulha de tricô, mas também uma pena deescrever. “Eu só estou lhe mandando umas poucas linhas”era uma de suas expressões favoritas, e quantas dessas“poucas linhas” chegavam justamente a tempo de trazerconforto e energia àqueles a quem eram endereçadas. Du-rante quase vinte anos, foram para mim uma fonte constan-te de esperança e coragem e, neste livro, que é um monu-mento a seus filhos, devo incluir algumas palavras dedicadasà grata lembrança de sua mãe.

A 30 de março de 1852, chegou um filho natimorto na

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casa paroquial de Zundert, mas um ano depois, exatamentena mesma data, Anna van Gogh deu à luz um menino sau-dável, que recebeu o nome de Vincent Willem, em homena-gem a seus dois avós e que, em qualidades, caráter e apa-rência, lembrava muito mais sua mãe que seu pai. A energiae força de vontade inquebrantável que Vincent demons-trou através de sua vida foram, em princípio, traços herda-dos de sua mãe; foi dela, também, que ele herdou a visãoarguta e inquisidora que se projetava por baixo do supercíliosaliente. Os cabelos louros do pai e da mãe saíramavermelhados em Vincent; ele tinha estatura média, ombrosbastante largos e dava a impressão de ser forte e robusto.Isso também é confirmado pelas palavras de sua mãe, ouseja, que nenhum de seus filhos, exceto Vincent, era muitoforte. Uma constituição mais fraca que a sua certamenteteria se quebrantado muito antes sob a pesada tensão aque Vincent a submeteu.

Ele foi um menino de temperamento difícil, freqüente-mente turbulento e teimoso; sua criação não foi a adequa-da para contrabalançar essas características, porque os paiseram muito indulgentes, especialmente com relação ao fi-lho mais velho. Certa vez, a avó Van Gogh, que viera deBreda para visitar o filho e a nora em Zundert, testemunhouum dos terríveis acessos de raiva do pequeno Vincent. Ten-do aprendido através da experiência com seus próprios dozefilhos, ela agarrou o pequeno raivoso pelo braço e, com umcerteiro tapa na orelha, tirou-o para fora da sala. A mãeindulgente ficou tão indignada com esse procedimento quenão falou com a sogra o dia inteiro; e somente o caráterigualmente gentil do jovem pai conseguiu promover a re-conciliação entre elas. No final da tarde, ele atrelou os ca-valos a uma carroça de passeio e levou as duas mulheresaté o campo. Foi então que, sob influência de um belíssimopôr-do-sol, elas finalmente perdoaram uma a outra.