biografia ano 03 caio prado júnior, militante...

6
Edição 19 MAR/2017 Ano 03 Intensificar as lutas para derrotar governo golpista nas Pág. 12 95 anos do PCB e 110 anos de Caio Prado Júnior o Março 2017 - Ano 03 BIOGRAFIA Caio Prado Júnior é autor de obras fundamentais para o entendimento da formação histórica e social do Brasil, tais como "História Econômica do Brasil" e "Formação do Brasil Contemporâneo". Filho de uma das famílias paulistas que dominavam o mercado do café no início do século 20, o intelectual que costuma ser apresentado como um dos grandes intér- pretes do Brasil, ao lado de Sérgio Buar- que de Holanda e Gilberto Freire, desgar- rou-se de sua origem burguesa e abraçou a militância comunista. Mas, em geral, pouco se fala de sua militância no Partido Comunista Brasileiro, algo que o historia- dor Luiz Bernardo Pericás busca recuperar no livro Caio Prado Junior - Uma biogra- fia, lançado pela Editora Boitempo. Nascido em São Paulo em 1907, Caio Prado Júnior formou-se pela Facul- dade de Direito em 1928, ano em que ingressou na vida política, filiando-se ao Partido Democrático (PD). Participou da Revolução de 1930, mas, descontente com os rumos tomados pelo regime de Vargas, entrou no Partido Comunista em 1931. Escreveu a primeira obra de referência sobre a formação histórica brasileira com base no materialismo histórico (Evolução Política do Brasil) em 1933, mesmo ano em que viajou à União Soviética. Assumiu a vice-presidência da Aliança Nacional Libertadora e, com o fracasso do levante comunista de 1935, ficou preso até 1937, quando partiu para o exílio, somente regressando ao país dois anos depois. Nos anos quarenta, dividiu a mili- tância política com as atividades intelectu- ais. Lançou os livros Formação do Brasil Contemporâneo, em 1942 e História Eco- nômica do Brasil, em 1945. Fundou a Edi- tora Brasiliense no ano de 1943. Chegou a pertencer aos Comitês de Ação que, surgi- dos no Rio e em São Paulo quando o PCB estava desarticulado nacionalmente, pro- punham a organização do partido sem orientação dogmática e aberto a divergên- cias, mas se recompôs com a direção naci- onal agrupada em torno de Prestes após a Conferência da Mantiqueira (1943), man- tendo-se no partido como um disciplinado militante de base. Elegeu-se deputado estadual pelo PCB de São Paulo em 1947. Foi um dos responsáveis pela edição da lutas dos trabalhadores (com ênfase à dos rurais), seu combate ao reacionarismo e autoritarismo, sua preocupação constante com a transformação efetiva do Brasil em uma verdadeira 'nação' (ou seja, em supe- rar os resquícios coloniais e tirar o país de sua posição dependente, subordinada e periférica) e sua visão política de longo prazo (tendo como objetivo o socialismo) são todos elementos que devem ser leva- dos em conta quando se estuda sua obra e que podem servir como ferramentas para a compreensão da realidade brasileira de hoje”. 2017: 95 anos do PCB e 110 anos do intérprete marxista do Brasil revista de cultura Fundamentos, mantida pelos comunistas paulistas entre 1948 e 1955. Dirigiu a revista Brasiliense entre 1955 e 1964 e prosseguiu com sua rica e prestigiosa produção intelectual (Dialética do Conhecimento, 1963; A Revolução Brasileira, 1966 e outros). Faleceu em São Paulo em 1990. Por ocasião dos debates para o V Congres- so do PCB, em 1960, Caio Prado se desta- cou com críticas contundentes à linha oficial do Partido e às análises dominantes acerca da realidade brasileira. Na Tribuna de Debates do Congresso, Caio Prado participou com um extenso texto, denomi- nado “As Teses e a Revolução Brasileira”, subdividido em sete partes, impressas em sucessivas edições do semanário Novos Rumos (órgão oficial do PCB). Caio Prado rebateu as posições hegemônicas sobre a questão agrária, rejeitando a tese do feuda- lismo brasileiro e opondo-se à ideia de que a tarefa principal e imediata no campo seria a luta contra a grande propriedade improdutiva, entendendo que por trás desta proposição revelava-se um conteúdo teórico revestido de reformismo burguês. Rejeitava também a formulação segundo a qual a contradição principal a ser enfrentada era entre nação e imperialis- mo norte-americano e seus agentes inter- nos. Tinha clareza de que o capitalismo brasileiro, longe de constituir algo à parte, integrava o sistema internacional do impe- rialismo e já ultrapassara a fase de mero exportador de matérias primas, caracterís- tica do período colonial e da economia até meados do século XX. Caio Prado critica- va a ausência de uma clara perspectiva socialista nas Teses, as quais, marcadas pela perspectiva imediata da revolução democrática burguesa, acabavam por deslocar para segundo plano a luta do pro- letariado por melhores condições de vida. No momento em que o PCB come- mora 95 anos de existência, vivendo o processo de Construção Revolucionária, a leitura de Caio Prado Júnior, um dos pre- cursores da crítica à etapa nacional bur- guesa, é muito atual. Segundo afirma Pericás: “suas opiniões sobre o imperialis- mo, sua postura em defesa da construção de organizações de massa, seu interesse pela solução da questão agrária, o apoio às 12 Caio Prado Júnior, militante comunista

Upload: lytram

Post on 12-Dec-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: BIOGRAFIA Ano 03 Caio Prado Júnior, militante comunistaopp.dls.hol.es/O_Poder_Popular_19-IMPRESSAO.pdf · no livro Caio Prado Junior - Uma biogra-fia, lançado pela Editora Boitempo

Edição 19

MAR/2017

Ano 03

Intensificar as

lutaspa

raderrotar governogolpista

nas

Pág. 12 95 anos do PCB e 110 anos de Caio Prado Júnior

o

Março 2017 - Ano 03

BIOGRAFIA

Caio Prado Júnior é autor de obras fundamentais para o entendimento da formação histórica e social do Brasil, tais como "História Econômica do Brasil" e "Formação do Brasil Contemporâneo". Filho de uma das famílias paulistas que dominavam o mercado do café no início do século 20, o intelectual que costuma ser apresentado como um dos grandes intér-pretes do Brasil, ao lado de Sérgio Buar-que de Holanda e Gilberto Freire, desgar-rou-se de sua origem burguesa e abraçou a militância comunista. Mas, em geral, pouco se fala de sua militância no Partido Comunista Brasileiro, algo que o historia-dor Luiz Bernardo Pericás busca recuperar no livro Caio Prado Junior - Uma biogra-fia, lançado pela Editora Boitempo. Nascido em São Paulo em 1907, Caio Prado Júnior formou-se pela Facul-dade de Direito em 1928, ano em que ingressou na vida política, filiando-se ao Partido Democrático (PD). Participou da Revolução de 1930, mas, descontente com os rumos tomados pelo regime de Vargas, entrou no Partido Comunista em 1931. Escreveu a primeira obra de referência sobre a formação histórica brasileira com base no materialismo histórico (Evolução Política do Brasil) em 1933, mesmo ano em que viajou à União Soviética. Assumiu a vice-presidência da Aliança Nacional Libertadora e, com o fracasso do levante comunista de 1935, ficou preso até 1937, quando partiu para o exílio, somente regressando ao país dois anos depois. Nos anos quarenta, dividiu a mili-tância política com as atividades intelectu-ais. Lançou os livros Formação do Brasil Contemporâneo, em 1942 e História Eco-nômica do Brasil, em 1945. Fundou a Edi-tora Brasiliense no ano de 1943. Chegou a pertencer aos Comitês de Ação que, surgi-dos no Rio e em São Paulo quando o PCB estava desarticulado nacionalmente, pro-punham a organização do partido sem orientação dogmática e aberto a divergên-cias, mas se recompôs com a direção naci-onal agrupada em torno de Prestes após a Conferência da Mantiqueira (1943), man-tendo-se no partido como um disciplinado militante de base. Elegeu-se deputado estadual pelo PCB de São Paulo em 1947. Foi um dos responsáveis pela edição da

lutas dos trabalhadores (com ênfase à dos rurais), seu combate ao reacionarismo e autoritarismo, sua preocupação constante com a transformação efetiva do Brasil em uma verdadeira 'nação' (ou seja, em supe-rar os resquícios coloniais e tirar o país de sua posição dependente, subordinada e periférica) e sua visão política de longo prazo (tendo como objetivo o socialismo) são todos elementos que devem ser leva-dos em conta quando se estuda sua obra e que podem servir como ferramentas para a compreensão da realidade brasileira de hoje”.

2017: 95 anos do PCB e 110 anos do intérprete marxista do Brasilrevista de cultura Fundamentos, mantida pelos comunistas paulistas entre 1948 e 1955. Dirigiu a revista Brasiliense entre 1955 e 1964 e prosseguiu com sua rica e prestigiosa produção intelectual (Dialética do Conhecimento, 1963; A Revolução Brasileira, 1966 e outros). Faleceu em São Paulo em 1990.Por ocasião dos debates para o V Congres-so do PCB, em 1960, Caio Prado se desta-cou com críticas contundentes à linha oficial do Partido e às análises dominantes acerca da realidade brasileira. Na Tribuna de Debates do Congresso, Caio Prado participou com um extenso texto, denomi-nado “As Teses e a Revolução Brasileira”, subdividido em sete partes, impressas em sucessivas edições do semanário Novos Rumos (órgão oficial do PCB). Caio Prado rebateu as posições hegemônicas sobre a questão agrária, rejeitando a tese do feuda-lismo brasileiro e opondo-se à ideia de que a tarefa principal e imediata no campo seria a luta contra a grande propriedade improdutiva, entendendo que por trás desta proposição revelava-se um conteúdo teórico revestido de reformismo burguês. Rejeitava também a formulação segundo a qual a contradição principal a ser enfrentada era entre nação e imperialis-mo norte-americano e seus agentes inter-nos. Tinha clareza de que o capitalismo brasileiro, longe de constituir algo à parte, integrava o sistema internacional do impe-rialismo e já ultrapassara a fase de mero exportador de matérias primas, caracterís-tica do período colonial e da economia até meados do século XX. Caio Prado critica-va a ausência de uma clara perspectiva socialista nas Teses, as quais, marcadas pela perspectiva imediata da revolução democrática burguesa, acabavam por deslocar para segundo plano a luta do pro-letariado por melhores condições de vida. No momento em que o PCB come-mora 95 anos de existência, vivendo o processo de Construção Revolucionária, a leitura de Caio Prado Júnior, um dos pre-cursores da crítica à etapa nacional bur-guesa, é muito atual. Segundo afirma Pericás: “suas opiniões sobre o imperialis-mo, sua postura em defesa da construção de organizações de massa, seu interesse pela solução da questão agrária, o apoio às

12

Caio Prado Júnior, militante comunista

Page 2: BIOGRAFIA Ano 03 Caio Prado Júnior, militante comunistaopp.dls.hol.es/O_Poder_Popular_19-IMPRESSAO.pdf · no livro Caio Prado Junior - Uma biogra-fia, lançado pela Editora Boitempo

02

EX

PE

DIE

NT

EMarço 2017 - Ano 03

Comissão Nacional de Comunicação: Ricardo Costa, Ivan Pinheiro, Edmílson Costa, Otávio Dutra, Roberto

Telefax.: (21) 2262-0855 e (21) 2509-3843.

Diagramação: Mauricio Souza.

com uma grande vitória da classe traba-lhadora em defesa do serviço público. É urgente que ações como esta, que estão ocorrendo de forma fragmentada em vários municípios e estados, contribuam para a formação de um poderoso movi-mento nacional unificado de lutas, organizado para barrar os ataques pro-movidos pelos patrões e governos. O PCB propõe um calendário de reuniões com organizações da esquerda socialista e dos movimentos sociais, assim como as entidades nacionais da luta sindical e democrática, visando à articulação de um espaço de lutas mais amplo, para além dos blocos e frentes da esquerda socialista, pois, em razão das ameaças às liberdades democráticas e à soberania nacional, há um vasto campo progressis-ta que poderá ser atraído para engrossar e fortalecer as lutas anticapitalistas e con-tra os ataques aos direitos dos trabalha-dores. É imprescindível que, no interi-or do campo unitário, se fortaleça a esquerda socialista e classista, com vis-tas a constituir uma frente política per-manente, um campo alternativo à políti-ca de conciliação de classes e à direita, capaz de garantir que os interesses dos trabalhadores não sejam trapaceados por quem visa apenas canalizar a insatisfa-ção popular para as eleições em 2018. Quanto mais forte esse bloco estiver, maiores serão as possibilidades para se avançar no rumo das conquistas popula-res.

res, as negociatas, os escândalos diários e o mar de lama da corrupção são tama-nhos que a maioria da população ainda está perplexa diante da crise. Mas é necessário acabar com o desânimo, sacu-dir a poeira e dar a volta por cima, reto-mar as manifestações de rua e as lutas nos locais de trabalho, moradia e estudo para derrubar o governo usurpador. Só teremos condições de mudar a atual cor-relação de forças e construir uma nova realidade, em que as instituições estejam voltadas a atender os interesses popula-res, se as massas forem à luta contra o governo. Portanto, é hora de reunir for-ças para derrotar o governo e reverter as medidas tomadas contra os trabalhado-res, a juventude e a população em geral.

Os trabalhadores da Prefeitura de Florianópolis demonstraram que o caminho da vitória contra os pacotes neoliberais aplicados por governos bur-gueses é a luta levada a cabo com muita unidade e organização. Após 38 dias de greve, os servidores e as servidoras muni-cipais daquela cidade barraram o pacote de maldades do prefeito Gean Loureiro. A greve terminou no dia 23 de fevereiro,

A situação do país é muito grave e a paciência da população está chegan-do ao limite. A economia brasileira está em frangalhos, com a maior recessão de sua história moderna: o desemprego já atinge 13 milhões de trabalhadores com carteira assinada e mais cerca de 7 milhões que já desistiram de procurar emprego, além do arrocho salarial e a queda na renda da população. A crise financeira dos Estados e Municípios está levando o caos aos serviços públicos, com o precário atendimento à saúde, atraso de salários e demissão de funcio-nários públicos, processo que se agrava com a crise nas penitenciárias brasilei-ras, cuja face mais visível são os massa-cres ocorridos em vários Estados. O governo Temer assumiu, por intermédio de um golpe parlamentar e midiático, com o objetivo central de aplicar um ataque brutal aos direitos dos trabalhadores, da juventude e da popula-ção em geral, mediante o ajuste fiscal, a reforma trabalhista e da previdência, a reforma do ensino médio e a entrega do pré-sal e do Aquífero Guarani para as multinacionais, além das privatizações do patrimônio público, tudo isso para favorecer o capital monopolista, os ban-queiros e o agronegócio. Um governo completamente desmoralizado perante a opinião pública, mas que ainda se sus-tenta porque está realizando o trabalho sujo para o grande capital nacional e internacional. A ofensiva contra os trabalhado-

EDITORIAL

O Poder Popular, um jornal a serviço das lutas populares e da Revolução Socialista.

Intensificar as lutas nas ruaspara derrotar o governo golpista

POR UM BLOCO DE LUTASANTICAPITALISTA, NA

PERSPECTIVA DO PODE POPULAR E DO SOCIALISMO!

11

Março 2017 - Ano 03

revolucionários (SR) tentavam livrar o Governo Provisório dos ataques irados das massas, formando uma “Comissão de Contatos” destinada a ajudar o Governo a tranquilizar a população revoltada. De Zurique, Lênin escrevia aos camaradas bolcheviques um primei-ro esboço de teses sobre o momento político por qual passava a Rússia, defi-nindo o Governo Provisório como de uma coalizão de forças que havia usur-pado o poder ao proletariado, enquanto mencheviques e SRs eram caracteriza-dos como grupos atrelados às classes dominantes: “Desconfiança total. Nenhum apoio ao novo governo”. Nas Cartas de Longe, enviadas para o Prav-da, jornal dos bolcheviques, Lênin indi-cava o caminho da transição da revolu-ção democrático burguesa para a revolu-ção socialista.

políticos e sociais dos cidadãos comuns, assim como os oficiais ficavam destituí-dos de seus títulos especiais. E mais: ficavam proibidos os maus tratos aos soldados, que, caso continuassem a ocor-rer, deveriam ser denunciados aos comi-tês. A resolução foi lida em todas as uni-dades militares, sendo igualmente adota-da pelos Sovietes das outras cidades. Instituía-se, na prática, um duplo poder, com o povo armado sendo orientado a agir pelos Sovietes. O Governo Provisório atuava de forma titubeante, lançando mão de subterfúgi-os e expedientes vários para ganhar tem-po, deixando de aplicar as medidas radi-cais que interessavam às massas. Enten-dendo que o momento da mais aberta pressão popular havia passado, adotava meias medidas, como no caso das nacio-nalidades, em que seguia a mesma políti-ca do regime derrubado, não reconhe-cendo o direito à autonomia dos povos. Quanto à reforma agrária, em 19 de mar-ço, o Governo decretava: “A questão agrária não pode ser concretizada atra-vés de ocupações, invasões ou usurpa-ções. O uso da força e pilhagem é recurso dos mais prejudiciais e perigosos no contexto das relações econômicas”. Ficava evidente a defesa do princípio da propriedade privada e a prevenção con-tra qualquer tipo de manifestação mais incisiva dos camponeses na luta pelo direito à terra. O Ministério da Agricul-tura estava encarregado de fazer levanta-mentos sobre reservas de terras, distribu-ição de propriedades, etc, mas tudo per-manecia como antes. Exortava-se o povo a esperar pela Assembleia Constituinte, apontada como recurso possível para resolver os problemas sociais, mas sua convocação era adiada a toda hora. Assim Lênin definia a política do Gover-no Provisório: “Tudo prometer, nada cumprir”. As medidas concretas eram adotadas pelos Sovietes, que decidiram sobre o reinício do trabalho nas fábricas e usinas de Petrogrado, Moscou e dema-is cidades, decretando a jornada de oito horas, bem como sobre a questão do abastecimento. Entretanto, no interior dos Sovietes, mencheviques e socialistas

Em 1º de março de 1917, o Sovi-ete dos Deputados Operários e Soldados de Petrogrado aprovava resolução no sentido de que, em todas as companhias, regimentos, batalhões, divisões, unida-des militares e conselhos da Marinha de Guerra, deveriam ser eleitos comitês de representantes dos escalões mais baixos nas divisões citadas; todas as unidades deveriam eleger seu representante para o Soviete; em todas as manifestações e posições políticas, o exército deveria ficar subordinado às orientações do Soviete; as ordens baixadas pela Comis-são da Duma do Estado somente seriam obedecidas caso não entrassem em con-tradição com as determinações do Sovi-ete; todos os armamentos ficariam sob controle dos comitês das companhias de batalhões e, sob hipótese alguma, pode-riam ser entregues aos oficiais; os solda-dos passavam a ter os mesmos direitos

Março de 1917: A Dualidade de poderes

100 ANOS DA REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE

Page 3: BIOGRAFIA Ano 03 Caio Prado Júnior, militante comunistaopp.dls.hol.es/O_Poder_Popular_19-IMPRESSAO.pdf · no livro Caio Prado Junior - Uma biogra-fia, lançado pela Editora Boitempo

Março 2017 - Ano 03

03

brutalidade do ajuste fiscal operado pelo PMDB é tão grande que até as polícias militares começam a sair do controle, e as Forças Armadas já vêm sendo chama-das para assegurar a repressão a protes-tos e a gestão militar das cidades. Enquanto isso, as direções pele-gas das grandes centrais sindicais mais uma vez encenam unidade em reuniões de cúpula para discutir uma greve geral que, se depender delas, nunca vai sair do papel. O campo classista e combativo, por sua vez, apesar de ser o único capaz de dirigir a resistência dos trabalhadores em sintonia com seus reais interesses, sem conciliação de classes, segue frag-mentado e refém do sectarismo. Há cada vez menos tempo disponível para rever-ter essa situação. Muito mais que os interesses das organizações anticapita-listas que atuam no movimento sindical brasileiro, estão em jogo os interesses da classe trabalhadora. Esse sempre foi e continuará sendo o referencial para as ações da Unidade Classista. A tarefa central dos militantes classistas é construir a luta nas bases e contribuir para a organização de um bloco unitário de lutas. Devemos mobili-zar as diversas categorias de trabalhado-res para fazer avançar as lutas no rumo da greve geral, que promova uma efetiva paralisação da produção contra a PEC 287 (Reforma da Previdência) e os ata-ques da burguesia aos direitos dos traba-lhadores.

Como têm demonstrado exaus-tivamente os dados da Associação Naci-onal dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), da Auditoria Cidadã da Dívida, além de outras institu-ições e pesquisadores reconhecidos, o famigerado “rombo da Previdência” não passa de uma grotesca e repugnante far-sa. Mesmo em tempos de crise, o sistema brasileiro de Seguridade Social continua arrecadando mais do que gastando. Em 2015, por exemplo, sobraram mais de 11 bilhões de reais. Portanto, mesmo dei-xando de lado o viés social da questão para encará-la de um ponto de vista pura-mente contábil, a cantilena contrarrefor-mista não tem sustentação alguma na realidade. Os cálculos “criativos” através dos quais os prepostos da classe domi-nante buscam justificar o brutal ataque aos direitos adquiridos pelos trabalhado-res isolam a Previdência do conjunto da Seguridade Social, o que contraria a Constituição. Temer e seus aliados no parlamento aprovaram a elevação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) para 30%, ampliando o desvio oficial de verbas das políticas sociais para o pagamento da dívida pública, a qual, além de nunca ter sido auditada como prevê a lei, está atrelada à mais alta taxa de juros do mundo. Não satisfeitos, determinaram o congelamento dos investimentos públicos pelos próximos vinte anos. No mesmo período, porém, o pagamento de juros da dívida pode cres-cer à vontade, pois para este gasto – a

UNIDADE CLASSISTA

verdadeira causa do rombo nas contas do Governo – não foi estabelecido teto.Agora pretendem criar regras tão absur-das para a aposentadoria que, caso apro-vadas, a tornarão praticamente inacessí-vel à imensa maioria dos brasileiros. Por detrás da virulenta campanha contra essa conquista histórica dos trabalhadores, está a intenção de destruir a Previdência pública, baseada em princípios de soli-dariedade e justiça social, para favorecer o mercado de planos privados.

Querem transferir para

as empresas particula-

res o controle sobre cen-

tenas de bilhões de reais

movimentados no regi-

me geral previdenciário,

sem contar os regimes

próprios.

Assim, os capitalistas poderão realizar aplicações financeiras com os recursos e, caso percam suas apostas no cassino da especulação, basta anunciar falência e deixar o ônus para quem traba-lhou e pagou a previdência por toda a vida. Estamos diante de mais um capí-tulo da ofensiva da burguesia contra as barreiras legais erguidas com muita luta pelo proletariado para impor limites à exploração e à ganância dos patrões. A

venha construir a Unidade Classista!Acesse nosso site: www.unidadeclassista.org.br

O enfrentamento decisivoao assalto da Previdência:Construir a luta pelas bases e

organizar o campo sindical classista

10

Março 2017 - Ano 03

Foi aprovada, no dia 08 de feve-reiro, pelo Senado Federal, a Medida Provisória 746/2016, que trata da cha-mada reforma do Ensino Médio. Dentre as mudanças previstas, está a enganosa proposta de implantação do ensino inte-gral de sete horas, sendo que em até 5 anos as escolas deverão cumprir 1.400 horas letivas, o que entra em franca con-tradição com a política desenvolvida pelo governo Temer, que congelou por 20 anos os investimentos nos serviços públicos, a exemplo da Educação. Com a aprovação da MP, passa a ser opcional o ensino de Filosofia, Soci-ologia, Artes e Educação Física, com a especialização do curso nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional, os chamados “Itinerários Formativos”. As escolas perdem a autonomia para decidir sobre os projetos político-pedagógicos e seus currículos, alterando completamente a Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Não houve qualquer diálogo com aque-les que lidam diretamente com o ensino na sala de aula: estudantes e professores. Trata-se de mais um expediente golpista, aliado às demais medidas conservadoras postas em prática pelo governo Temer, que busca atacar os direitos dos trabalha-dores, da juventude e da população em geral, além de desmontar os serviços públicos mais fundamentais para favore-cer processos de privatizações e a ampli-ação dos lucros capitalistas. Os argumentos centrais para a prioridade dada ao ensino técnico e pro-fissionalizante se baseiam na suposta falta de trabalhadores aptos para o siste-ma produtivo e no combate ao desem-prego. Entretanto, nas leis do mercado

A quem interessa a ‘‘Reforma” do Ensino Médio?

EDUCAÇÃO

sam dar aulas. Aprofunda-se assim o processo já em curso de desvalorização do magistério, hoje marcada pela reali-dade dos péssimos salários, da retirada progressiva de direitos e das condições sofríveis de trabalho, que fazem com que grande parte da categoria sofra as doen-ças típicas da profissão, como o estresse, o burnout, a depressão, etc. E o pacote de maldades do governo golpista não para por aí: a contrarreforma da previdência pretende acabar com as aposentadorias especiais, como se professores e outras categorias fossem “privilegiadas”. O desmantelamento da educa-ção pública vem acompanhado de inicia-tivas já em andamento em alguns esta-dos, no sentido do gerenciamento do ensino por Organizações Sociais (OSs), entidades da iniciativa privada. A tercei-rização dos serviços garantir apenas lucros a empresários e esquemas corrup-tos aos políticos burgueses. Apesar do cenário sombrio, é preciso lembrar que, no último período, foram constantes as mobilizações de estudantes secundaristas, universitários, professores e demais trabalhadores na resistência a esses ataques. No final do ano passado cerca de 1.000 escolas secundaristas, institutos e universidades estavam ocupados por estudantes con-trários à reforma do Ensino Médio e à PEC da Morte.

É hora de retomar as lutas nas escolas, universidades e nas ruas, contra o desmonte da Educação Pública, direito de todos e dever do Estado!

capitalista, a formação técnica e profissi-onal nunca garantiu pleno emprego. De fato, a intenção do governo está em garantir uma formação em massa de baixa qualidade, colocando no mercado técnicos que ficarão à disposição das empresas com salários rebaixados. Os filhos da classe trabalhadora serão forçados a cursar o ensino técnico, enquanto os jovens pertencentes a famí-lias de maior renda, estudando em esco-las particulares, poderão fazer a opção pela universidade e se especializar na área de seu interesse. Isto só fará aumen-tar o fosso na educação oferecida aos ricos e aos pobres, ampliando o quadro de desigualdades já tão drástico em nossa sociedade.

Querem reproduzir uma polí-tica adotada no período da d i t a d u r a e m p re s a r i a l -militar, que priorizou o ensi-no prossionalizante e bus-cou a todo custo, através da censura e da repressão, con-trolar a atuação do professor na sala de aula, castrando a educação de cunho crítico e libertador. Algo que a onda conservadora em curso busca implementar nova-mente.

Outro aspecto danoso presente na MP refere-se à formação exigida dos professores, permitindo que, no lugar de professores formados em licenciatura, profissionais com “notório saber” pos-

Page 4: BIOGRAFIA Ano 03 Caio Prado Júnior, militante comunistaopp.dls.hol.es/O_Poder_Popular_19-IMPRESSAO.pdf · no livro Caio Prado Junior - Uma biogra-fia, lançado pela Editora Boitempo

04

Março 2017 - Ano 03

SOMOS TODAS E TODOSTALY NAYANDRA!

Chega de criminalização e violência doEstado Burguês sobre os movimentos de luta!

MULHERES REVOLUCIONÁRIAS

da e assusta a presença de

uma mulher combatente,

organizadora e propagan-

dista política das lutas con-

tra a ordem vigente.

A Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Mon-tenegro expressou em nota solidariedade à camarada Taly Nayandra, externando “ao Estado Burguês e seu aparato mili-tar, ao agronegócio, aos empresários e a essa sociedade patriarcal e misógina que NÃO NOS CALARÃO! Estaremos na luta até o fim dessa sociedade patriarcal de classes! Não aceitaremos caladas a repressão e criminalização de nenhuma lutadora!”. Por sua vez, a Comissão Política Nacional do PCB exige rigorosa apura-ção do caso e condenação às práticas criminosas de tortura que continuam existindo no aparato repressivo estatal brasileiro.

Punição aos policiais torturadores!Abaixo a repressão!

Pelo fim da Polícia Militar!

mente, gritando: “Fala alguma coisa agora, sua comunista filha da puta”. A camarada Taly chegou a desmaiar após o espancamento que sofreu. Depois de recuperada, os dois policiais que a espancaram a deixaram em uma rua no bairro São Raimundo, Zona Oeste de Manaus. Ao descer do carro, os policiais pediram para ela correr e não olhar para trás, ameaçando lhe dar um tiro nas cos-tas. Tudo isso comprova o caráter da prisão, evidenciando a perseguição polí-tica e a clara intenção de intimidar e afas-tar das trincheiras da luta todo militante que se coloca contra o Estado Burguês e o capitalismo, que, no Amazonas, se estrutura através das grandes empresas e do agronegócio, explorando e extermi-nando os povos indígenas e trabalhado-res que lá vivem.

Numa sociedade patriarcal e

machista, onde é relegado

às mulheres o espaço priva-

do do lar, os trabalhos mais

subalternos e precarizados

e/ou a prostituição, incomo-

Na noite de sábado de carnaval, 25 de fevereiro, a camarada Taly Nayan-dra, foi brutalmente atacada pela Polícia Militar do Amazonas, sendo presa num episódio claramente forjado pela polícia e sofrendo tortura física e psicológica por mais de uma hora dentro da delega-cia e depois fora dela. Taly Nayandra é militante indí-gena do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, da União da Juventu-de Comunista e do PCB no Amazonas e vem encabeçando inúmeras lutas em Manaus. Na última eleição foi candidata a vice-prefeita na coligação “ Manaus por Nós: Construindo o Poder Popular”. Segundo nota pública do Comi-tê Regional do PCB do Amazonas, a militante relatou que, ao sair de um bar próximo à Praça da Saudade, em Mana-us, com um grupo de colegas, foi surpre-endida por tiros disparados em direção ao grupo que estava com ela. Dois homens e também uma mulher não iden-tificados começaram a disparar tiros para o alto e também para o grupo de pessoas que, ao se depararem com a situação, correram para se proteger. Após alguns segundos, apareceu uma viatura da polícia militar que, ao invés de averiguar o que se passava, iniciou sua caçada para prender sem motivo alguns dos militantes que corriam. A camarada Taly não conseguiu fugir e foi presa junto com outro compa-nheiro. Na delegacia, sofreu uma sessão de espancamentos com chutes, tapas no rosto, ouvidos e socos nas costas. O rapaz foi solto. A camarada Taly seguiu na delegacia por mais de uma hora sendo espancada por um policial que, além da opressão física, a oprimiu psicologica-

09

Março 2017 - Ano 03

Polícia Federal. Em 2013, outra agência estadunidense, a NSA (Agência de Segu-rança Nacional dos EUA), espionou a Petrobras e a então presidenta da Repú-blica, Dilma Rousseff, com o objetivo de obter, sem sucesso, vantagens para petrolíferas estadunidenses no leilão do Campo de Libra, na Bacia de Santos, a maior reserva do pré-sal. Em 2010, Exxon Mobil e Che-vron fizeram lobby junto ao Congresso para flexibilizar ainda mais o regime de exploração do pré-sal, com envolvimen-to direto do Senador José Serra e de diplomatas dos EUA. Serra elaborou projeto de lei que retira a obrigatorieda-de da participação da Petrobras na exploração do pré-sal e sua exclusivida-de na operação dos campos, projeto apro-vado pela Câmara dos Deputados em outubro de 2016. O golpe parlamentar e midiático que pôs Michel Temer no governo teve como um de seus propagandistas o Movi-mento Brasil Livre (MBL), cujos princi-pais membros são ligados a instituições financiadas pelos irmãos Charles e David Koch, bilionários estadunidenses da indústria do petróleo. A Operação Lava Jato, que investiga crimes de cor-rupção envolvendo a Petrobras, contou com apoio direto dos Estados Unidos no fornecimento de dados sigilosos sobre a companhia. Juízes que comandam a operação e policiais federais foram trei-nados por instrutores estadunidenses. Em janeiro deste ano, foi anun-ciado o leilão de 21 campos de óleo e gás da Petrobras a partir de 2018 e licitação para uma obra no Complexo Petroquí-mico do Rio de Janeiro com a participa-ção de 30 empresas estrangeiras e nenhuma nacional. A luta pela Petrobras 100% esta-tal e sob controle dos trabalhadores con-tinua sendo necessária!

to à lavra do xisto e passou a negociar com a empresa estadunidense Cameron & Jones Company. Um ano após o golpe, o governo aprovou o investimento priva-do estrangeiro na indústria petroquími-ca, beneficiando empresas como a Union Carbide, a Phillips Petroleum e o grupo Rockefeller, além da Dow Chemical – presidida no Brasil pelo general Golbery do Couto e Silva, ex-diretor do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Socia-is), que conspirou contra Jango e era financiado pelo governo dos EUA.

Nos anos 1970, o gover-no Geisel deu início ao pro-cesso de desmonte do mono-pólio estatal da Petrobras. O então ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki, e o economista Roberto Campos defenderam os chamados contratos de risco, promo-vendo a abertura da estatal ao capital estrangeiro. Por meio de decretos-leis e do sucateamento da Petrobras, a ditadura buscou iniciar as privatizações das estatais, que se tornariam realidade durante a década de 1990. Em 1995, o monopólio estatal da Petro-bras foi quebrado pelo Congresso brasi-leiro, o que permitiu a abertura do setor petrolífero à iniciativa privada em 1997 por Fernando Henrique Cardoso. No mesmo ano, o governo privatizou a Vale do Rio Doce. Mesmo após a ascensão dos governos petistas, agentes da CIA conti-nuaram agindo livremente no Brasil, colaborando em diversas operações da

Relatórios disponibilizados pela Agência Central de Inteligência dos EUA, desde o final de 2016 revelam o interesse do imperialismo no petróleo brasileiro. Alguns documentos mostram também que os Estados Unidos temiam as negociações entre Brasil e União Soviética no setor petrolífero pouco antes do golpe de 1964. Em 1959, o Brasil havia impor-tado cerca de 420 mil barris de óleo cru da URSS em troca da exportação de cacau. Um acordo foi firmado entre os dois países, em 1962, com a União Soviética fornecendo equipamento e assistência técnica para a construção da usina de produção de gás de xisto em Pindamonhangaba (SP). Estimava-se que o sudeste brasileiro possuía reservas de 102 bilhões de barris de óleo de xisto, menor apenas do que as dos Estados Unidos. A URSS utilizava o óleo de xisto na fabricação de produtos químicos e também em locomotivas e usinas termo-elétricas. No início de 1964, a CIA temia que as medidas nacionalistas anunciadas pelo presidente João Goulart (PTB) atingissem as companhias privadas de distribuição de petróleo que recebiam pesados investimentos europeus e dos EUA. Jango acabou sendo derrubado por um golpe empresarial militar que contou com o apoio direto dos EUA, por meio de diversos expedientes: financia-mento de políticos da oposição, forte propaganda anticomunista e antirrefor-mas nos meios de comunicação, mobili-zação de entidades da sociedade civil, até o deslocamento de navios próximos à costa brasileira. Além disso, militares que atuaram no golpe e na repressão durante todo o período da ditadura foram treinados por instrutores estadunidenses na Escola das Américas, no Panamá. Logo nos primeiros anos do regime militar, a Petrobras cortou rela-ções com a União Soviética com respei-

Como sempre agiu o imperialismo natentativa de desmonte da Petrobras

HISTÓRIA

A CIA de olho nopetróleo brasileiro:

Comício da Central do Brasil,em 13 de março de 1964

Page 5: BIOGRAFIA Ano 03 Caio Prado Júnior, militante comunistaopp.dls.hol.es/O_Poder_Popular_19-IMPRESSAO.pdf · no livro Caio Prado Junior - Uma biogra-fia, lançado pela Editora Boitempo

08

Março 2017 - Ano 03

explosão de violência nos presídios e em alguns estados, em virtude da paralisa-ção das polícias militares. O elevado gasto dos governos com a segurança se traduz em menos recursos para áreas que poderiam pro-mover mais desenvolvimento e justiça social. No México e no Brasil, o custo do “combate à violência” corresponde a seis vezes o que se investe em programas de combate à pobreza, como o Progresa e o Bolsa Família, já reveladores por si só de uma opção rebaixada de enfrenta-mento aos problemas sociais.

As vítimas da violência

Nove de cada 10 pessoas víti-mas de violência são homens, sendo que 50% deles têm entre 15 e 30 anos, ocu-pando a faixa de idade mais produtiva economicamente para qualquer socieda-de. Mas as mulheres não estão mais a salvo na região do que no resto do mun-do: são duas vezes mais os casos de femi-nicídio na América Latina do que no resto do mundo. Paralelamente a este quadro, os governos burgueses passam a adotar uma política cada vez mais repressora, visando a impedir a eclosão de revoltas populares. Movimentos sociais e lutado-res são criminalizados a todo instante. De acordo com denúncia feita pela Comissão Interamericana de Direi-tos Humanos (CIDH), 14 defensores de direitos humanos foram assassinados na América Latina desde o início de 2017.

A cada três homicídios que ocor-rem no mundo, um deles é registrado na América Latina e no Caribe. Trata-se da região mais violenta do planeta, fora das zonas de guerra. Por mais que possa parecer paradoxal, aqui gasta-se mais do Produto Interno Bruto (PIB) com segu-rança do que nos países mais desenvol-vidos, que possuem taxas mais baixas de violência, segundo estudos recentes do BID (Banco Interamericano de Desen-volvimento). Enquanto os países de capitalis-mo desenvolvido investem entre 1,3% e 2,75% do PIB com a segurança interna, o percentual destinado ao “combate à violência” na América Latina é de 3,55%, que corresponde a 261 bilhões de dólares. Comprova-se assim não haver correlação direta entre investir mais em segurança pública e a redução da violên-cia e da “criminalidade”. É evidente que o quadro não é paradoxal, mas caracte-rístico das contradições inerentes ao sistema mundial hegemonizado pelo capital. A América Latina possui 9% da população planetária, mas registra um terço das vítimas de homicídios em todo o mundo. Os maiores percentuais de investimento com a segurança pública são dos países que apresentam quadros mais alarmantes de desigualdades socia-is. O Brasil aparece em quinto lugar, comprometendo 3,78% do PIB com a segurança. No entanto, os primeiros meses de 2017 já demonstraram bem a falência desta política, expressa na

INTERNACIONAL

Violência na América Latina: Aumentode gastos com repressão não é solução

Sete dos homicídios ocorreram na Colômbia; dois, na Guatemala; dois no México e três na Nicarágua. A violência incide principalmente contra pessoas que se opõem a projetos de extração, que defendem o direito à terra e aos recursos naturais dos povos indígenas na região.No caso da Colômbia, desde a assinatura do acordo inicial de paz entre o governo e as Farc, em setembro de 2016, 40 líde-res sociais foram mortos, isto é, um assassinato a cada três dias. Movimentos sociais afirmam que a repressão está ocorrendo de forma sistemática, levada a cabo por grupos paramilitares de extre-ma-direita. Nos momentos de crise profun-da do capitalismo, como este em que vivemos, parcelas significativas das sociedades, sob o bombardeio da grande mídia burguesa, costumam apelar para que haja mais polícias e, mesmo, forças armadas, nas ruas, mais equipamentos de repressão, como se tais expedientes fossem capazes de superar os conflitos existentes. Pelo contrário, o aumento de gastos públicos com o chamado combate à violência, justamente por não atacar as causas estruturais das desigualdades sociais, só faz acirrar ainda mais a situa-ção. E atinge mais diretamente as cama-das populares e os grupos que se rebelam contra a exploração e as péssimas condi-ções de vida. A solução para a segurança pública está no maior investimento em programas que busquem reduzir as desi-gualdades sociais, no rumo da superação do sistema capitalista.

05

Março 2017 - Ano 03

MOVIMENTOS SOCIAIS

desigualdade. As polícias têm como missão principal conter a revolta das camadas populares, assim como as mani-festações dos trabalhadores organiza-dos, para que a desigualdade e os privilé-gios da classe dominante se mantenham. A natureza militar das PMs estaduais faz com que os policiais dessas corporações não desenvolvam, como prioridade, a prática investigativa, sendo corriqueiro o uso da repressão. A estrutura da corpo-ração impede que os profissionais se sindicalizem para lutar por seus direitos, e a rígida hierarquia traz distorções diversas. As soluções para tudo isso requerem mudanças estruturais na eco-nomia e nos rumos da política brasileira, para que um novo ciclo de desenvolvi-mento social aponte para a superação da desigualdade inerente ao capitalismo, com vistas à melhoria das condições de vida da maioria da população e não o atendimento aos interesses dos grandes empresários e banqueiros.

É urgente a desmilita-rização da Polícia Militar e a criação de uma nova institui-ção policial civil uniformiza-da, com melhores salários, formação técnica e planos de carreira para os policiais, dirigida por um Conselho Popular de Segurança Públi-ca, para fazer valer uma segurança pública comuni-tária sob controle dos traba-lhadores.

grande maioria das prisões oferece con-dições extremamente degradantes para os presos, que, em muitos casos, sequer conseguem dormir no chão das celas. Não há, com raras exceções, iniciativas de oferecer educação, aprendizagem profissional e trabalho e prática de esportes. Muitos estados transferem a gestão dos presídios para a iniciativa privada e os custos chegam a R$ 5.000,00 por preso a cada mês, ao passo que, nas poucas prisões onde há trabalho regular para os internos, esse custo cai para cerca de R$ 800,00 reais por preso ao mês. Estes números revelam o escár-nio que caracteriza as relações entre o Estado e os interesses econômicos priva-dos, onde os “empresários” do sistema penitenciário engordam seus bolsos às custas da degradação das condições de vida dos presidiários. Os policiais militares vivem e trabalham em condições precárias. Em geral, esses profissionais vêm de setores proletários e, por conta de seus baixos salários, são levados a fazer trabalhos informais de segurança que os empur-ram para situações de risco extremo e para a exaustão física e psicológica, também reforçada pela violência das ações, pela exposição ao risco de morte no enfrentamento do crime, pelas cons-tantes operações em comunidades carentes e de repressão a movimentos sociais e de trabalhadores, que geram repulsa de grande parte da população. Sua reivindicação por melhores salários é justa. As razões de fundo para toda essa problemática estão na própria natu-reza do capitalismo, gerador, em si, de

A onda de violentos conflitos envolvendo facções criminosas nos presídios, que deixaram um rastro de 130 mortos, além dos feridos, expôs não apenas a fragilidade e as distorções estruturais do sistema prisional brasilei-ro, como também a sua completa falên-cia. A greve dos policiais militares do Espírito Santo gerou um quadro de pâni-co, com ações criminosas nas ruas e também inúmeros saques a lojas e super-mercados.

Atualmente o Brasil possui a quarta maior popu-lação carcerária do mundo, com 622 mil detentos e ape-nas 371 mil vagas, segundo dados do Ministério da Justi-ça. Do ano 2000 para cá, a população carcerária mais que dobrou de tamanho.

São milhares de infratores de baixa periculosidade, autores de peque-nos furtos, que cumprem longas penas ao lado de assassinos e estupradores. Milhares de presos sequer tiveram um julgamento. Milhares deles seguem nas prisões após o encerramento de seu tempo de reclusão. O número excessivo de aprisionados reflete a incapacidade da Justiça de julgar com rapidez, separar os crimes por grau de gravidade e os infra-tores por faixa de periculosidade, para que se provessem penas alternativas nos casos mais leves. No Brasil, a taxa de reincidência de prisões dos ex-detentos é altíssima. A

POR UMA SEGURANÇA PÚBLICA POPULARCrise do sistema exige mudanças radicais

Page 6: BIOGRAFIA Ano 03 Caio Prado Júnior, militante comunistaopp.dls.hol.es/O_Poder_Popular_19-IMPRESSAO.pdf · no livro Caio Prado Junior - Uma biogra-fia, lançado pela Editora Boitempo

06

Março 2017 - Ano 03

que podem ser utilizados como meio de pagamento. O cliente, possuidor de um saldo na conta corrente, pode movimen-tar esse saldo através de transferências (eletrônica, com cartão de débito e che-que), sem ter que sacar moeda manual para fazer pagamentos. Desta forma, o montante de moeda manual que os ban-cos mantêm em seus cofres é uma fração do total dos saldos em conta corrente.A criação de moeda escritural Os bancos comerciais possuem, em caixa, um montante de papel-moeda que foi depositado por todos os seus clientes. Cada cliente terá, em sua conta corrente, o registro de quanto possui de depósito, porém, esse registro é contábil, pois o papel moeda fica no caixa, no cofre ou nos caixas eletrônicos. Como os bancos sabem que os clientes não irão sacar ao mesmo tempo, em dinheiro, todo o saldo que possuem, os bancos oferecem crédito aos clientes. O multiplicador bancário é o mecanismo pelo qual esses bancos comerciais criam a moeda escritural. A partir de um depósito em papel moeda de $ 100,00 em uma conta corrente, o banco reserva uma porcentagem (por exemplo, 20%) para eventuais saques e empresta o restante. Esse empréstimo, por sua vez, também é depositado e, no momento que vira um novo depósito (dessa vez de $ 80,00), o banco reserva, novamente 10% e empresta o restante. O processo se repete até o limite do encaixe (o montan-te de papel-moeda em poder do banco). Com um encaixe de 20%, os bancos são capazes de criar $ 400,00 em crédito.

Vale destacar que o dinheiro utilizado pelos ban-cos para conceder crédito (que rendem juros aos ban-cos) não tem custo algum, pois são provenientes dos saldos das contas correntes

ca que afeta diretamente nossa vida. Historicamente, os bancos pri-vados – chamados de bancos comerciais – guardavam, em seus cofres, ouro e prata dos clientes e, em contrapartida, emitiam Certificados de Depósitos. Rapidamente, esses Certificados de Depósitos ou Notas Bancárias passaram a circular muito mais que o ouro ou a prata. Os banqueiros perceberam, então, que poderiam emitir mais papel-moeda do que guardavam de metal em seus cofres, desde que os possuidores desses papéis-moedas não fossem, todos ao mesmo tempo, resgatar o ouro deposita-do. No entanto, ainda havia uma relação entre o papel-moeda que circula-va e a quantidade de ouro e prata. Essa paridade, ou lastro metálico da moeda, não existe mais. Hoje, todas as moedas não possuem valor em si, são determina-das por lei. Mesmo assim os bancos comerciais criam moeda através do mul-tiplicador bancário. Esses bancos não criam moeda manual e sim moeda escri-tural, que são saldos em conta corrente

Na edição de fevereiro de O Poder Popular (Nº 18), apresentamos as funções da moeda e a importância radical que ela tem no capitalismo. Além disso, o artigo “Os donos do mundo” destacou a importância dos bancos cen-trais e como são controlados, hoje, pelos mais poderosos operadores do sistema financeiro internacional. Os Bancos Centrais surgiram quando o capitalismo já estava consoli-dado, já existiam milhares de bancos privados de todos os tipos e tamanhos, e nasceu da necessidade de se controlar, de alguma forma, os bancos privados que, até aquele momento, podiam emitir papel moeda. O Banco Central surge, assim, como o instrumento regulador da moeda e detentor do monopólio da emis-são da moeda manual (a moeda de papel e as moedinhas metálicas). No entanto, é importante entender que o Banco Cen-tral não é o único que “cria moeda”. Os bancos comerciais criam moeda através da concessão de crédito. Essa criação privada de moeda não é visível, aos olhos dos trabalhadores, mas está por trás de grande parte da política econômi-

As verdadeiras causas dacrise econômica e do chamado

“desequilíbrio scal” no Brasil – PARTE 3

ECONOMIA

curto para ser revertida, e o BC cobra uma taxa de juros acima da taxa do mer-cado. Quando não há turbulências ou ameaças de falências bancárias, esse recurso é usado moderadamente pelos bancos, apenas para emergências. Entre-tanto, quando a crise se estabelece, esse mecanismo é utilizado de forma agressi-va, para estancar ou evitar uma crise sistêmica.

A partir de 2008, depo-is da quebra do Leman Brot-hers, o FED (Federal Reserve, Banco Central dos EUA) inje-tou trilhões de dólares nos bancos em troca de títulos podres, que não foram e não serão resgatados, já que 2008 foi apenas o estouro de uma enorme bolha especula-tiva em que alguns poucos lucraram muito. - Operação no mercado aberto: diariamente, o Banco Central compra ou vende títulos da dívida pública com obje-tivo de regular a quantidade de moeda em circulação. Assim, se na avaliação do BC há muito dinheiro disponível na eco-nomia (e supostamente geraria inflação), o BC vende títulos da dívida pública para recolher esse dinheiro. Essas operações são determinadas de acordo com a políti-ca monetária aprovada pelo COPOM (Comitê de Política Monetária), e a venda de títulos públicos está muito mais relacionada à necessidade de os bancos aplicarem o dinheiro que está sobrando, do que com as necessidades de recursos do governo. No próximo número de O Poder Popular trataremos da política de metas da inflação e das reais causas do déficit público.

um todo. - Depósito compulsório: para cada tipo de depósito feito nos bancos comerciais, por exemplo, depósito à vista (na conta corrente), em poupança ou a prazo (diversos tipos de aplicações financeiras que se pode fazer nos ban-cos), o Banco Central determina que os bancos recolham uma taxa de encaixe compulsoriamente. Assim, o BC pode controlar o multiplicador bancário, redu-zindo a capacidade dos bancos de criar crédito. - Taxa de redesconto ou assis-tência de liquidez: Todos os bancos, ao concederem empréstimo, ficam com diversos títulos como garantia. Os ban-cos comerciais costumam emprestar e tomar emprestado recursos entre si, é o chamado mercado interbancário, para cobrir qualquer eventualidade de caixa. No entanto, em situação de crise finance-ira e bancária, como a que ocorreu em 2008 a partir dos EUA, o mercado inter-bancário “trava”, ou seja, como os ban-cos não sabem a real situação de seus concorrentes, mesmo que tenham encai-xe sobrando, não emprestam, por causa do risco de quebra generalizada. Nesse momento, o Banco Central é o empresta-dor de última instância. Toda operação entre os bancos e o Banco Central é feita através de troca de títulos. Assim, quando um banco pre-cisa de dinheiro, mas não consegue no mercado interbancário, recorre ao BC, que o socorre em troca de títulos. Esses títulos são de vários tipos, desde títulos públicos que os bancos mantêm em suas carteiras, até títulos privados, hipotecá-rios, comerciais (as duplicatas que as empresas descontam nos bancos), etc. Ou seja, um determinado banco empres-tou mais dinheiro do que tinha, por isso tem uma carteira cheia de títulos, assim, o BC repassa dinheiro a esse banco e fica com os títulos em seu poder. Essa opera-ção, normalmente, tem um prazo muito

dos clientes. Se há uma demanda muito gran-de por crédito, os bancos até poderiam emprestar a totalidade do encaixe e, teoricamente, criariam moeda ilimitada-mente, mas correriam o risco de não ter dinheiro para eventuais saques.Foi justamente por esse motivo que sur-giram os Bancos Centrais. Para regular as reservas bancárias e impedir quebra de bancos e prejuízos aos depositantes. Os maiores correntistas de bancos são, historicamente e até hoje, os grandes empresários, os capitalistas. Mas, hoje, todos nós não só fornecemos gratuita-mente nosso dinheiro aos bancos quando mantemos saldos em conta corrente, como estamos sujeitos à quebra bancá-ria.

Funções do Banco Central

Regulação: por seu caráter público garantido por lei, o Banco Cen-tral determina inúmeras regras para o funcionamento do sistema bancário e financeiro, como a taxa que os bancos comerciais devem manter sobre os depó-sitos à vista e a prazo, o montante de capital próprio que cada tipo de institui-ção financeira deve ter, além de regula-mentações que afetam todo o sistema de pagamentos e de crédito. Banco do governo: Muitos eco-nomistas liberais afirmam que os Bancos Centrais públicos servem apenas para emprestar dinheiro aos governos e, segundo suas doutrinas, permitiriam a expansão dos gastos públicos além dos recursos tributários recolhidos e interfe-ririam na liberdade de mercado, prejudi-cando o bom funcionamento da econo-mia. De fato, os Bancos Centrais surgem também para emprestar dinheiro aos governos. É através da venda de títulos do Tesouro Nacional que o governo pega dinheiro emprestado da sociedade. As operações de compra e venda dos títulos públicos são feitas, diariamente, pelo Banco Central. Banco dos Bancos: Essa é a principal função dos Bancos Centrais – e que os economistas liberais não conside-ram teoricamente importante, mas, na hora de uma crise financeira ou bancária, agradecem muito por ela existir. Como Banco dos bancos, o Banco Central tem, principalmente, três instrumentos que auxiliam, no dia a dia, a circulação da moeda e a estabilidade do sistema como

Março 2017 - Ano 03

07