biocombustÍveis o valor estratÉgico

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CENTRO UNIVERSITRIO DE BRASLIA FACULDADE DE CINCIAS JURDICAS E SOCIAIS CURSO RELAES INTERNACIONAIS

ANA PAULA CENCI VIDAL

BIOCOMBUSTVEIS: O VALOR ESTRATGICO DAS ENERGIAS RENOVVEIS PARA O BRASIL

Braslia 2009

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ANA PAULA CENCI VIDAL

BIOCOMBUSTVEIS: O VALOR ESTRATGICO DAS ENERGIAS RENOVVEIS PARA O BRASIL

Monografia apresentada como requisito parcial para a concluso do curso de bacharelado em Relaes Internacionais do Centro Universitrio de Braslia UniCEUB. Professor Orientador: Gonalves do Valle Dr. Marcelo

Braslia 2009

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VIDAL, Ana Paula Cenci. Biocombustveis: O Valor Estratgico das Energias Renovveis para o Brasil / Ana Paula Cenci Vidal. Braslia: O autor, 2009. 73 f. Monografia apresentada para obteno do ttulo de bacharel em Relaes Internacionais pelo Centro Universitrio de Braslia UniCEUB. Professor Orientador: Dr. Marcelo Gonalves do Valle. 1. Energia. 2. Petrleo. 3. Biocombustveis. I. Ttulo.

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ANA PAULA CENCI VIDAL

BIOCOMBUSTVEIS: O VALOR ESTRATGICO DAS ENERGIAS RENOVVEIS PARA O BRASIL

Banca Examinadora:

_____________________________ Prof. Marcelo Gonalves do Valle (Orientador)

_____________________________ Prof. Alaor Silvio Cardoso (Membro)

_____________________________ Prof. Cludio Tadeu C Fernandes (Membro)

Braslia 2009

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AGRADECIMENTOS

chegada hora mais desejada, porm a mais difcil. Aps mais de um ano de trabalho, dificuldades e superao o resultado gratificante, no entanto, preciso ter em mente que sozinha no conseguiria chegar at aqui. Portanto, preciso agradecer a todos que de alguma forma contriburam para o meu sucesso. Primeiramente agradeo a meus pais, Fabrcio e Maristela, por acreditarem no meu curso e na carreira que eu escolhi e por sempre me apoiarem nas minhas decises. Posteriormente, quero agradecer minha irm, Raphaela, pelo amor e carinho sempre demonstrados e minha famlia de forma geral, avs, tios e primos, por sempre contriburem para meu crescimento e formao. Agradeo igualmente a meu orientador, Professor Marcelo Valle, pela ateno, pacincia e preciosos conselhos. Tambm presto meus agradecimentos a todas as minhas amigas e ao meu noivo, Jos Guilherme, que me ajudaram e compartilharam as responsabilidades, as emoes, as angstias e as dificuldades que me cercaram nesse perodo. Sobretudo, agradeo a Deus por ter me dado a alegria de conviver com todas essas pessoas queridas e de finalizar mais uma etapa da minha vida.

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RESUMO

Essa monografia tem o objetivo de analisar a crescente importncia dos biocombustveis, em especial para o Brasil, como fator estratgico e de segurana energtica frente s crescentes preocupaes internacionais em relao ao abastecimento futuro de petrleo e s mudanas climticas. Para isso foi realizado um extenso trabalho de reviso bibliogrfica que pretende demonstrar a importncia da energia e, principalmente, do petrleo para a sociedade moderna e a evidente necessidade de se encontrarem substitutos a ele que combatam o aquecimento global e sejam de fornecimento contnuo. Nesse contexto, surgem as energias renovveis, dentre as quais se deu maior destaque aos biocombustveis devido grande experincia brasileira na rea e ao constante engajamento do atual governo em ressaltar seus benefcios.

Palavras-chave: Brasil, Energia; Petrleo; Biocombustveis

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ABSTRACT

The objective of this research paper is to demonstrate the importance of biofuels, especially for Brazil, as strategic and energy security element once the international society has recently started to worry about the climate change and the future petroleum supply. With this purpose it has been done an extended research work which intends to demonstrate the importance of energy and, especially, of petroleum for the contemporary society as well as the evident need of founding a replaceable fuel for it that can reduce the global warming and be easily produced and found. In this context, the renewable energies appears between which was tried to give the most importance for the biofuels, once Brazil has a great experience in use and is constantly working to promote its benefits.

Keywords: Brazil; Energy; Petroleum; Biofuels

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SUMRIO

LISTA DE FIGURAS..................................................................................................... 9 LISTA DE SIGLAS ...................................................................................................... 10 INTRODUO ............................................................................................................ 11 1 A ENERGIA NA SOCIEDADE MODERNA ......................................................... 13 1.1 A EVOLUO DOS RECURSOS ENERGTICOS ........................................................... 13 1.2 PETRLEO: SURGIMENTO E CONSOLIDAO ........................................................... 16 1.3 PETRLEO, O ESGOTAMENTO DAS RESERVAS MUNDIAIS ......................................... 22 2 ENERGIAS RENOVVEIS................................................................................... 277 2.1 AS DIFERENTES FONTES DE ENERGIA RENOVVEL ................................................ 277 2.1.1 Energia Hidrulica ........................................................................................ 277 2.1.2 Energia Elica ................................................................................................. 29 2.1.3 Energia Solar................................................................................................. 311 2.1.4 Hidrognio .................................................................................................... 322 2.1.5 Energia da Biomassa ....................................................................................... 35 2.1.6 Gs Natural ................................................................................................... 366 2.1.7 Energia Nuclear ............................................................................................ 377 2.2 OS BIOCOMBUSTVEIS, BIODIESEL E ETANOL .......................................................... 39 2.2.1 Biodiesel ......................................................................................................... 39 2.2.2 Etanol .............................................................................................................. 44 3 O PAPEL DO GOVERNO BRASILEIRO DIANTE DA CRESCENTE DISCUSSO SOBRE OS BIOCOMBUSTVEIS. .................................................... 51 3.1 A EXPERINCIA BRASILEIRA. .................................................................................. 51 3.1.1 O Programa Nacional do lcool - Prolcool ................................................ 522 3.1.2 O Programa Nacional de Produo e Uso do Biodiesel ................................. 54 3.2 A IMPORTNCIA DOS BIOCOMBUSTVEIS PARA O BRASIL ........................................ 57 CONCLUSO............................................................................................................. 644 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................... 677

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LISTA DE FIGURAS

Grfico 1 - Demanda Mundial por Petrleo

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LISTA DE SIGLAS

ANP BNDES CNAL CENAL CIMA Embrapa EPE EUA FAO GNL GNC GTI IAA IMP INPE MAPA MCT MDA ONGs ONU OPEP P&D PIB PNPB Pronaf PVDs UNESP UNICA

Agncia Nacional do Petrleo, Gs- natural e Biocombustveis Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Conselho Nacional do lcool Comisso Executiva Nacional do lcool Conselho Interministerial do Acar e do lcool Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria Empresa de Pesquisa Energtica Estados Unidos da Amrica Fundao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao Gs Natural Liquefeito Gs Natural Comprimido Grupo de Trabalho Interministerial Instituto do Acar e do lcool Indstria Mundial do Petrleo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento Ministrio da Cincia e Tecnologia Ministrio do Desenvolvimento Agrrio Organizaes No- Governamentais Organizao das Naes Unidas Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo Pesquisa e Desenvolvimento Produto Interno Bruto Programa Nacional de Produo e Uso de Biodiesel Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Pases em Vias Desenvolvimento Universidade Estadual de So Paulo Unio das Indstrias de Cana-de-Acar

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INTRODUO

Conforme mencionou Simes (2007), a energia elemento fundamental para o crescimento e desenvolvimento das sociedades modernas. Sendo altamente dependente dos bens industrializados e fixada nos valores de desenvolvimento econmico, acumulao de capital e livre comrcio, a sociedade moderna extremamente dependente do uso do petrleo para bom funcionamento de sua economia e conduo de suas atividades sociais. No entanto, nos ltimos anos, a garantia do abastecimento futuro de petrleo tornou-se cada vez mais questionvel. Essa contestao est enraizada, principalmente, no fato de as principais jazidas estarem localizadas em regies geopolticas de grande instabilidade e conflito. Alm disso, geralmente, os principais consumidores no so grandes produtores e isto acaba gerando uma grande dependncia entre pases importadores e exportadores, onde os ltimos possuem o monoplio e o controle do insumo. No entanto, nos ltimos anos outro fator tem despertado a preocupao da sociedade, o aquecimento global. Para sanar, ou amenizar, essas questes entram em pauta as energias renovveis, capazes no s de reduzir os efeitos provocados pelas mudanas climticas, mas tambm de evitar o seu agravamento. Alm disso, como o prprio nome diz, elas so inesgotveis e, portanto, mais eficientes no ponto de vista da segurana energtica. Dentre as diversas fontes existentes de energias renovveis os biocombustves se apresentam como uma das opes mais benficas para os pases, uma vez que no demandam nenhuma alterao significativa no modo de vida atual para a sua utilizao e, dessa forma, podem ser considerados uma soluo de curto e mdio prazo para reduzir as emisses de gases de efeito estufa. Alm disso, a produo de biocombustveis demanda uso extenso de mo-deobra quando comparado s demais, e por isso trs tambm benefcios sociais para aqueles pases produtores, em especial os menos desenvolvidos que possuem grande competitividade agrcola. O Brasil hoje um dos grandes promotores destes benefcios e, como ser visto, tem chances de se tornar um dos principais atores internacionais diante da transio para uma sociedade de baixo carbono.

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Para melhor compreender todos estes assuntos essa monografia foi dividida em trs captulos com o objetivo de que, ao final, o leitor possa entender a importncia da energia para a sociedade moderna, a necessidade de se investir nos biocombustveis e nas demais fontes renovveis e, principalmente, o valor da disseminao destes combustveis para o Brasil. O primeiro captulo trata da relevncia da gerao de energia, a partir do petrleo, para o desenvolvimento da sociedade moderna. J o segundo, refere-se s principais fontes de energias renovveis existentes atualmente e qual a sua capacidade de substituir o petrleo como motor da economia mundial. Por ltimo, o terceiro captulo relata a experincia brasileira na utilizao e produo de biocombustveis, alm de determinar a importncia dos mesmos para o pas durante o governo Lula, principalmente aps a descoberta de petrleo na camada pr-sal. Dessa forma, esta monografia pretende identificar o valor dos biocombustveis para o Brasil como ferramenta de segurana energtica e promoo poltica no cenrio internacional.

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1 A ENERGIA NA SOCIEDADE MODERNA

Este captulo tem como objetivo demonstrar a importncia da energia, de modo geral, e do petrleo, de maneira especfica, para a evoluo da humanidade ao longo da histria. Para isso, ele ser dividido em trs sees. A primeira engloba uma pequena trajetria histrica das principais fontes de energia utilizadas no processo de civilizao e socializao da humanidade, a segunda destaca o petrleo como a principal fonte energtica perante a evoluo econmica e militar da sociedade moderna e a terceira focaliza no declnio dessa fonte e na crescente preocupao em achar fontes alternativas a ela.

1.1 A EVOLUO DOS RECURSOS ENERGTICOS

A importncia da energia incontestvel para a civilizao humana. de conhecimento de todos que evolues econmicas e sociais ocorreram a partir da descoberta de novas fontes energticas. O domnio do fogo possibilitou aos primeiros seres humanos cozinharem seus alimentos e se aquecerem com mais facilidade, alm de, possibilitar, posteriormente, a fundio do metal para fabricao de novas ferramentas de caa e pesca. Esses novos utenslios permitiram ao homem a domesticar plantas e animais, o que levou ao fim das migraes e ao surgimento das primeiras aldeias. De acordo com Tessmer1, a partir desse momento, o homem torna-se sedentrio, o que possibilita o desenvolvimento de atividades de olaria e artesanato em seu tempo livre. Ao final da Civilizao Antiga, incorporado o uso da energia hidrulica na atividade agrcola, o que permitiu a expanso das comunidades. A fora hidrulica impulsionou o surgimento de moinhos e ferramentas de silagem que facilitavam a armazenagem dos alimentos e conseqentemente reduziam o uso da fora humana e animal. Essas pequenas mudanas geraram um aumento populacional e o incio do comrcio entre aldeias do excesso da produo de gros. Posteriormente foi a1

TESSMER, Hlio. Uma sntese histrica da evoluo do consumo de energia pelo homem. Data no divulgada. Disponvel em:< http://www.liberato.com.br/upload/arquivos/0131010716090416.pdf> (acesso em 23/10/2009)

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descoberta da energia elica que proporcionou o desenvolvimento da navegao. A utilizao de velas em detrimento de remadores possibilitava maior espao para cargas e menor custo viabilizando e expandindo o comrcio martimo. Durante toda a Idade Antiga e Idade Mdia, as principais fontes de energia da sociedade eram a queima de madeira, a fora hidrulica e elica. O mesmo autor afirma ainda que foi na Idade Mdia, com a expanso do uso de moinhos hidrulicos e de vento, que se inicia o ciclo de utilizao e busca por recursos tcnicos de melhor rendimento produtivo caracterizando essas estruturas como os primeiros

empreendimentos capitalistas energticos. No entanto, foi na Revoluo Industrial que a humanidade sofreu o primeiro ciclo de grandes transformaes. A utilizao do carvo mineral em grande escala, possibilitada atravs de tcnicas de extrao mais avanadas, e a inveno da mquina a vapor permitiram o avano das indstrias. Nessa poca as fbricas foram potencializadas permitindo a produo em escala de artefatos anteriormente fabricados mo2. Dessa forma, a fora humana passou a ser utilizada para operar as mquinas e no mais para produzir, tendo fortes conseqncias sociais como o desemprego. No entanto, os avanos tecnolgicos como o tear, os navios e as locomotivas movidas a vapor ocasionaram um aumento significativo da produo, alm de reduo de custos e de maior eficincia nos transportes3. Todas essas inovaes levaram a um novo fluxo migratrio do campo para as cidades, apesar dos ndices de desemprego, alterando a estrutura da sociedade europia da poca. O segundo ciclo de transformao social, considerado como a Segunda Revoluo Industrial, ocorreu no fim do sculo XIX com a descoberta do petrleo e a inveno do motor a exploso. Este desencadeou novos avanos como a fabricao de submarinos, automveis e avies mais eficientes e potentes, o que facilitava o transporte de cargas e principalmente as operaes de guerra. possvel afirmar que alguns dos grandes avanos tecnolgicos foram desenvolvidos em perodos de guerra ou de escassez de energia, como foi o caso da utilizao do carvo mineral aps o devastamento de grandes reas de floresta na Europa da Idade Mdia. Nesse perodo2

Os efeitos da tecnologia no mercado de trabalho. Disponvel (acesso 20/08/2009). 3 Disponvel em (acesso em 20/08/2009).

em em

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fica caracterizado o surgimento das indstrias de grande porte, como as metalrgicas, siderrgicas, petroqumica, dentre outras, e o aprofundamento da especializao da mo-de-obra. Com a utilizao cada vez maior de mquinas para realizar o trabalho humano, inicia-se tambm nessa poca o surgimento e desenvolvimento do setor de servios como bancos e transportadoras4. A energia eltrica tambm passa a ser utilizada nesse perodo e permite a iluminao das cidades e o desenvolvimento da comunicao que passa a ser quase instantnea5. A Primeira Guerra Mundial foi o palco de grandes inovaes tecnolgicas na rea de transportes, com a utilizao de avies e submarinos operados por motores de combusto interna, e de produo, com a fabricao em escala de armas, mquinas e alimentos que pudessem suprir as necessidades de um mundo em guerra. No entanto, foi aps a Segunda Guerra Mundial, com o Fordismo6, que a indstria automobilstica deu seu grande salto, popularizando o automvel e aumentando a demanda por combustveis derivados do petrleo. O modelo de produo em massa com reduo de custos e maximizao de lucros, resultante da idia desenvolvida por Henry Ford, empresrio norte-americano, fundador da Ford Motors, traria uma nova perspectiva de mercado e de organizao social. Posteriormente o desenvolvimento da indstria automobilstica tornaria o transporte terrestre crucial para sociedade moderna. Atualmente, possvel afirmar que sem gasolina ou leo diesel o comrcio mundial extremamente prejudicado, podendo comprometer seriamente o

abastecimento de regies mais isoladas e/ou menos desenvolvidas. A sociedade depende destes combustveis tanto no transporte rodovirio, quanto no areo e no martimo, alm de sua importncia para a fabricao de plsticos, pesticidas e fertilizantes, essenciais na produo de alimentos. Mais amplamente, a sociedade moderna incapaz de funcionar sem energia, uma vez que todas as atividades domsticas e servios so profundamente dependentes deste recurso para permitir o funcionamento de mquinas e equipamentos4

Disponvel em (acesso em 20/08/2009). 5 Disponvel em (acesso em 20/08/2009). 6 Idealizado pelo empresrio estadunidense Henry Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company, o Fordismo um modelo de Produo em massa que revolucionou a indstria automobilstica na primeira metade do sculo XX. Ford utilizou risca os princpios de padronizao e simplificao de Frederick Taylor e desenvolveu outras tcnicas avanadas para a poca. Suas fbricas eram totalmente verticalizadas. Ele possua desde a fbrica de vidros, a plantao de seringueiras, at a siderrgica. Disponvel em (acesso em 20/08/2009).

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como eletrodomsticos, aparelhos de ar condicionado, computadores, impressoras, luz, dentre outros7. Dessa forma, percebe-se que a economia de escala, a formao de grandes centros urbanos, a logstica de transporte e de comrcio, nacional e internacional, teve seu incio, ou sua exploso, aps a utilizao do petrleo como fonte primria de energia, que trouxe mais eficincia aos sistemas produtivos surgidos na poca da Primeira Revoluo Industrial. Portanto, cabe reservar uma parte deste captulo para discutir apenas o petrleo, sua histria, evoluo e importncia para a economia e poltica mundial.

1.2 PETRLEO: SURGIMENTO E CONSOLIDAO

As primeiras evidncias do uso de petrleo na humanidade datam de 4000 a.C e esto contidas no Antigo Testamento, que relata o uso do leo, aflorado naturalmente em solo do Oriente Mdio, pelos rabes e povos da Mesopotmia e Egito. Na poca ele era utilizado para fins blicos e de iluminao e at mesmo em escala comercial, considerados os padres da poca8. No entanto, este no era a fonte principal de recursos energticos, como j discutido anteriormente. De acordo com Simes (2006), a histria da moderna indstria do petrleo teve incio com a perfurao do primeiro poo de petrleo em 1859 por Edwin Laurentine Drake, no estado da Pensilvnia, Estados Unidos9. O poo permitia a produo em escala comercial e foi o marco inicial da indstria petrolfera. A partir deste momento os Estados Unidos tornaram-se o principal produtor e comerciante da poca com uma produo suficiente para abastecer o seu mercado e dar incio ao mercado internacional do petrleo. Porm o grande responsvel pelo desenvolvimento da indstria petrolfera americana foi o empresrio John Rockfeller, fundador da Standard Oil, empresa responsvel por transformar, armazenar e transportar o leo bruto e seus derivados at os centros consumidores, desencadeando a verticalizao da indstria petrolfera. O

Disponvel em< http://www.gdse.gov.mo/por/GDSE_Pages/info.asp> (acesso em 20/08/2009). Disponvel em (acesso em 25/05/2009). 9 Disponvel em (acesso em 25/05/2009).8

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empresrio dominou o mercado americano at 1911 quando o presidente americano, Theodore Roosevelt, pediu a dissociao da companhia atravs da Sherman Act10, pretendendo obter maior controle sobre os lucros e vantagens polticas adquiridas pelo grande cartel americano ao longo das ltimas dcadas do sculo XIX. Todavia, conforme afirma Simes (2007), foi na Primeira Guerra Mundial que o petrleo assumiu carter estratgico. A deciso do primeiro Lorde do Almirantado Britnico de substituir a esquadra britnica, at ento movida a carvo mineral, por uma movida a petrleo foi fundamental para o sucesso ingls na guerra. Essa alterao permitiu a reduo de peso da carga de combustvel e a liberao de grande parte da tripulao para os momentos de batalha. Alm disso, a partir deste momento os britnicos abriam mo de um recurso abundante em seu territrio, o carvo, para se tronarem dependentes de um insumo que provinha do Oriente Mdio, o que levou a Inglaterra a se tornar scia majoritria das grandes empresas petrolferas que estavam surgindo. Logo aps esse episdio percebida pela sociedade internacional a importncia do petrleo iniciando-se uma corrida poltica e armada ao domnio das regies produtoras. J na Segunda Guerra Mundial o petrleo teve um papel estratgico ainda maior. Segundo o mesmo autor, a ofensiva alem contra a Unio Sovitica era justificada pela necessidade de se controlar as reservas existentes em Baku, atual capital do Azerbaijo. J o Japo teria atacado Pearl Harbour com o objetivo de neutralizar as tropas americanas e facilitar a tomada das grandes reservas da Indonsia. Por ltimo, o autor afirma que os 6 bilhes de litros de petrleo (de um total de 7 bilhes utilizados pelos aliados) fornecidos pelos Estados Unidos foram decisivos para a vitria aliada e, a escassez do produto, foi igualmente importante para reduzir a capacidade de resistncia das foras do Eixo. Baldwin (1959) refora estes argumentos quando afirma que as principais tticas dos Aliados para combater as naes do Eixo foram os boicotes do fornecimento de petrleo a estes pases, deixando-os dependentes de suas prprias reservas. O mesmo autor acrescenta ainda que o petrleo era indispensvel na formulao de qualquer estratgia de vitria, sendo as campanhas de guerra diretamente10

Legislao do Congresso Americano, nomeada pelo Senador John Sherman em 1890, que visava proibir monoplios empresarias nos EUA. A lei autorizava o governo norte-americano a processar cartis em ordem de dissolv-los. No entanto, a Suprema Corte suspendeu o uso desta durante anos. Somente em 1904, como resultado da campanha trust-busting do Presidente Roosevelt, que a lei voltou a ser aplicada para combater a Standard Oil e a American Tobacco Company. (traduo prpria) Disponvel em < http://www.infoplease.com/ce6/history/A0844878.html> (acesso em 18/08/2009).

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influenciadas pelo acesso ou no a essa fonte. Dessa forma, pode-se afirmar que durante a guerra o corte total no fornecimento de leo a qualquer uma das potncias envolvidas poderia significar sua derrota eminente. O perodo do ps-guerra confirmou a importncia estratgica e econmica do petrleo. Com a popularizao dos veculos a exploso, desenvolvidos no perodo entre guerras, o petrleo passou a ter seu preo negociado nas principais Bolsas de Valores internacionais, e tornou-se uma commodity11. Nessa poca o mercado internacional do petrleo era dominado pelas chamadas Sete Irms 12, sete empresas multinacionais do ramo, em maioria americanas, que possuam o domnio do transporte e refino do leo bruto. A explorao do mesmo ficava a cargo dos pases menos desenvolvidos, principalmente os do Oriente Mdio, detentores da maior parte das reservas de petrleo do mundo. Simes (2006) define que este perodo da indstria petrolfera foi caracterizado pela abundncia do leo, pela utilizao cada vez mais freqente de seus derivados e por seus preos baixos, inferiores a US$ 5 por barril, uma vez que as multinacionais no repassavam seus lucros aos pases produtores. Este monoplio exercido pelas Sete Irms gerou uma onda de nacionalizao das empresas e o surgimento, em 1960, da OPEP, Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo, em maioria pases do Oriente Mdio. O objetivo da organizao, poca em que foi criada, era garantir preos justos e estveis aos produtores, o suprimento regular da demanda e o repasse justo dos lucros aos investidores do setor13. A partir deste momento o petrleo passa a ter, alm de tudo, um grande valor poltico. Segundo Conant & Gold (1980) a poltica de petrleo dos pases produtores, em geral pases em vias de desenvolvimento (PVDs), se baseia na crena de que a independncia econmica um requisito essencial para a independncia poltica, logo o domnio de suas plataformas os levaria a um respaldo poltico internacional de forma mais rpida. Essa viso faz sentindo quando constatado que a grande maioria dos PVDs sofreram com o neocolonialismo empresarial na fase inicial da hegemonia do petrleo.

Commodity um termo de lngua inglesa que, como o seu plural commodities, significa mercadoria, utilizado nas transaes comerciais de produtos de origem primria nas bolsas de mercadorias.. Disponvel em (acesso em 13/08/2009). 12 Sete companhias que controlavam o mercado mundial do petrleo, sendo elas cinco americanas, a Standard Oil of New Jersey (conhecida pelo mundo como Esso e Exxon nos EUA), a Standard Oil of California (hoje parte da Chevron), a Gulf Oil (tambm parte da Chevron), a Mobile Oil e a Texaco; uma britnica, a British Petroleum; e, uma anglo-holandesa, a Royal Dutch-Shell.. Disponvel em (acesso em 13/08/2009).

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Alm disso, a distncia geogrfica entre os principais centros produtores e consumidores, bem como o fato de a maior parte da demanda no se encontrar nos pases da OPEP, desencadeou o incentivo por parte dos governos para a descoberta e controle de novas jazidas. Alguns historiadores acreditam que o fator gerador dos principais confrontos mundiais aps a Segunda Guerra teria sido primeiramente o controle de novas fontes petrolferas, alterando o eixo colonialista da indstria mundial do petrleo (IMP), que passou do oriente Mdio para frica e Amrica Latina. A partir dessa alterao de eixo e do surgimento da OPEP, Simes (2006) afirma que a indstria petrolfera entraria em um segundo momento do seu desenvolvimento, onde este seria caracterizado pelo primeiro choque do petrleo em 1973, quando os pases da OPEP decidiram fazer um boicote de fornecimento aos Estados Unidos e Europa. Estes eram acusados de se aliarem a Israel na Guerra do Yom Kippur, conflito entre israelenses e rabes por territrios do Egito, que teve os israelenses como vitoriosos. De acordo com o referido autor, este fato levou o preo do barril a ultrapassar os 10 dlares e desencadeou grandes problemas para o abastecimento das economias mundiais, altamente dependentes dos derivados para movimentar sua economia. A necessidade de reabastecimento de seus estoques levou os pases do Ocidente a usar seu poder coercitivo contra Israel obrigando-os a renegociarem com os rabes os territrios adquiridos. Pinto Jnior (p.75, 2007) destaca que a partir do primeiro choque h uma reconfigurao da IMP. Segundo ele, at este momento a indstria era controlada por cartis internacionais que operavam segundo concesses dos pases detentores das reservas. A partir do surgimento da OPEP o cenrio alterado e passa a operar com trs atores distintos e igualmente influentes, os quais seriam: as empresas de petrleo, os governos e as organizaes internacionais., o que configura o incio da desintegrao vertical das multinacionais. Ou seja, nesse perodo houve a dissociao destes cartis atravs das estatizaes promovidas pela OPEP. A partir deste movimento foi necessria a reviso dos contratos de longo prazo e compra de petrleo com os pases detentores das reservas assumindo efetivamente seu controle levando os antigos cartis a se especializarem apenas no refino e transporte do leo e seus derivados. O segundo choque do petrleo, em 1979, desencadeado pela revoluo islmica que exigia a renegociao dos contratos de explorao de empresas13

Disponvel em (acesso em 28/05/2009).

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estrangeiras no Ir, confirmando a afirmao de Pinto Jnior no referente ao ganho de importncia das organizaes internacionais. A crise foi postergada com o incio da Guerra Ir-Iraque, na qual Saddam Hussein, com apoio americano, tentava bloquear o novo governo xiita. De acordo com Simes o preo do barril chega ao patamar de US$ 30 durante o perodo. Este cenrio caracteriza o poder crescente da OPEP e o enfraquecimento das Sete Irms no cenrio poltico mundial, alm de evidenciar o poder do petrleo como arma poltica e coercitiva. Teixeira (2005) define ainda outras trs crises da indstria petrolfera, que apesar de menos significativas, levaram a um aumento constante do preo do barril e ao fortalecimento da OPEP. A primeira foi em 1990 com a invaso do Kuwait pelo Iraque que retirou a produo kuaitiana do mercado aps a queima dos poos de petrleo por Saddan Hussein quando os Estados Unidos, autorizados pela Organizao das Naes Unidas (ONU), invadiram o pas com o objetivo de restaurar sua soberania. Como conseqncia a oferta de petrleo foi reduzida significativamente, dificultando o abastecimento de uma demanda crescente. A segunda crise teve incio em 2001, logo aps os ataques terroristas de 11 de setembro nos EUA. Esse teve grande impacto sobre a estabilidade econmica e poltica do Oriente Mdio, na medida em que se questionou seu possvel apoio s organizaes terroristas, gerando dvidas sobre a continuidade do fornecimento da matria prima. Concomitantemente ao fato, a Venezuela, outra grande fornecedora mundial, passava por um momento de instabilidade poltica que culminou no golpe de Estado que levou o atual presidente Hugo Chvez ao poder, e em greves sucessivas das empresas produtoras do pas. Ainda de acordo com o autor, a quinta crise teve incio em 2003, onde o cenrio poltico internacional sofria grande turbulncia nas principais reas produtoras. A Guerra do Iraque, a instabilidade venezuelana e nigeriana, alm da queda da Yokus, empresa russa de grande peso no mercado, foram os principais fatores geradores do aumento no preo do barril at a crise econmica de 2008. Alm disso, o fato do petrleo ser uma fonte de recursos no renovvel e de extrao cada vez mais cara influencia fortemente a instabilidade do setor. Outros autores definem ainda o

crescimento econmico acelerado da China e ndia como um dos responsveis pelo aumento da demanda, e conseqentemente de preo, perante a uma oferta cada vez mais restrita.

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Portanto, toda essa explanao confirma a importncia poltica e econmica cada vez maior deste ativo. Afinal na estrutura social atual nenhuma economia capaz de operar em capacidade plena sem diesel, gasolina ou qualquer outro derivado capaz de movimentar seu transporte e, conseqentemente, seu comrcio nacional e internacional. Conforme Savinar (2005)14 afirmou, O petrleo, porm, no um recurso qualquer. No nosso mundo atual, a pr-condio de todos os outros recursos, incluindo os alternativos.. O autor, alm de ressaltar o que j foi discutido aqui anteriormente, busca nos alertar de que qualquer energia alternativa ao petrleo em uso atualmente, precisa necessariamente utilizar-se do mesmo para sua produo, transporte ou mesmo instalao de sua indstria, o que refora ainda mais o carter dependente da sociedade contempornea a este recurso. A partir dessa ltima crise, iniciam-se tambm discusses pertinentes ao possvel fim do petrleo em algumas dcadas. Essa suposio ganha foras quando se leva em considerao que a demanda mundial vive um novo patamar de crescimento, dessa vez, motivado pelos pases em desenvolvimento, principalmente China e ndia, conforme pode ser visto no Grfico 1.

Grfico 1: Demanda Mundial por PetrleoD em anda por P etrleo90000

80000

70000

60000 centenas de barril/dia

50000

40000

30000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

20000

10000

0 A m rica do N orte Am rica do Sul e C entral Europa e E uroasia O riente M dio frica A sia/Pacfico C hina ndia T otal M undial

Fonte: BP Statistical Review 200915

Texto em formato eletrnico disponvel em < http://www.biodieselbr.com/destaques/2005/crisepetroleo-peak-oil.htm> (acesso em 22/08/2009).

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Nesse caso de anlise, importante esclarecer que a pequena queda na demanda mundial no ano de 2008 tem relao direta com a recesso econmica mundial vivenciada nesse ano, a qual teve sua origem na crise do setor de emprstimos imobilirios de alto risco do mercando norte-americano. No entanto, igualmente perceptvel nesse grfico que, apesar dessa reduo em termos gerais, a demanda referente ndia e a China, se mantiveram ou apresentaram leve crescimento, respectivamente, confirmando o ritmo acelerado de desenvolvimento de ambas economias nos ltimos oito anos. Todavia, em relao a um futuro pico de produo para o petrleo, nem mesmo a descoberta de novas jazidas, como o caso do Pr-sal, reduz as especulaes, uma vez que, sua explorao ainda possui um custo muito alto e necessita de evoluo tecnolgica que viabilize sua produo em nvel comercial. Porm, como ser exposto a seguir, preciso ter cautela nas previses de um fim breve para o petrleo. Diante deste debate, surge uma nova preocupao mundial com o abastecimento energtico futuro, levando a discusses sobre fontes alternativas ao petrleo e novos arranjos polticos capazes de estabelecer uma garantia de fornecimento mais segura do que aquela estabelecida em dcadas anteriores por parte de OPEP. Portanto, torna-se pertinente reservar uma seo deste captulo apenas para averiguar as reais possibilidades de esgotamento dessa commodity e suas possveis implicaes.

1.3 PETRLEO, O ESGOTAMENTO DAS RESERVAS MUNDIAIS

O item anterior buscou apresentar a evoluo da indstria petrolfera e destacar sua importncia para todos os seguimentos da vida moderna. Este item buscar destacar o debate mundial acerca da sua contestao como modelo energtico principal da sociedade contempornea, tendo em vista o seu possvel pico de produo em algumas dcadas. preciso destacar que essa discusso possui estudiosos extremistas, como Matt Savinar, defensor de estatsticas pessimistas para o incio do pico de produo, e moderados, como Pinto Junior, que acredita na descoberta de novas jazidas e no aprimoramento de tecnologias que permitam um prolongamento no tempo de vida daquelas j existentes.15

Disponvel em http://www.bp.com/sectiongenericarticle.do?categoryId=9023771&contentId=7044470 (acesso em 30/09/2009).

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Segundo o gelogo americano Marion King Hubbert (1956), a explorao dos poos de petrleo segue uma curva em formato de sino, a qual demonstra que a evoluo de um campo possui trs fases: rpido crescimento, pico de produo e declnio gradual. Durante a parte ascendente da curva a explorao possui custos mais baixos devido alta presso no interior da jazida e a oferta abundante de petrleo; ao atingir o topo da curva, ou seja, o Peak Oil16, aproximadamente 50% do leo disponvel ter sido extrado e, a partir deste momento, inicia-se a fase de declnio da produo onde os custos passam a ser mais altos devido s dificuldades de se extrair o leo a baixa presso. Nesse contexto, a descoberta de novos campos e a taxa de crescimento da demanda so de extrema importncia, pois a primeira tende a compensar o aumento do custo de extrao dos campos que j atingiram seu pico e a segunda determina o ritmo de produo dos mesmos. Esse modelo de anlise ficou conhecido como Curva de Hubbert e pode ser utilizado para analisar a produo de uma bacia ou at mesmo a produo mundial. A partir dele e da constatao de sua validade em 1970, quando os campos americanos em operao de fato atingiram seu pice, diversos pesquisadores buscam descobrir quando ocorrer o Peak Oil mundial e de que forma a sociedade atual reagir ao mesmo. Savinar (2005), conforme citado, possui previses bastante pessimistas acerca deste evento. Para o autor, a partir do declnio na produo petrolfera e da impossibilidade de atender a uma demanda cada vez maior, os preos tendem a subir de maneira exponencial trazendo graves conseqncias ao setor agrcola que , conforme discutido anteriormente, altamente dependente do petrleo. De acordo com sua tese essas conseqncias seriam sentidas de maneira mais profunda pelos pases pobres que no teriam condies de arcar com os custos crescentes do leo e seus derivados nem, tampouco, dos alimentos, o que traria graves conseqncias para a manuteno do bemestar social das populaes mais pobres. vlido ter em mente que a tese do autor baseada em uma anlise esttica do cenrio atual onde o mesmo no acredita nos avanos tecnolgicos dos ltimos anos que permitiram a descoberta e utilizao de fontes alternativas de energia e o prolongamento da vida til das reservas atuais. Dessa forma, sua citao tem apenas o objetivo de

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Termo utilizado na indstria petrolfera para determinar o topo da curva de Hubbert, quando as reservas mundiais j teriam sido consumidas em 50%. Disponvel em http://www.biodieselbr.com/destaques/2005/crise-petroleo-peak-oil.htm (acesso em 23/08/2009).

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apresentar todos os nveis de discusso acerca deste tema. Aleklett (2009), apesar de reconhecer os benefcios alcanados pelas novas tcnicas de extrao que permitem um melhor aproveitamento dos campos, tambm acredita que o pico mundial eminente e, em grande parte das reservas, j teria sido atingido em 2005 tendo ainda um perodo de dez anos de produo declinante sendo defendido pelas crescentes taxas de demanda. Para estes autores o pico mundial, caso ainda no tenha sido alcanado, chegar em no mximo dez anos e, segundo os mesmos, a sociedade atual ainda no estaria preparada para viver sem a oferta abundante dessa fonte. Por outro lado, existem autores que no acreditam em um futuro prximo para esse esgotamento e criticam essas teorias, Lynch (2009) um destes. De acordo com o autor grande parte dos argumentos sobre o Peak Oil so fundamentados em informaes superficiais que no levam em considerao dados importantes sobre a realidade da indstria petrolfera. Ele afirma que existem trs pontos principais de argumentao dessas teorias que devem ser rebatidos. O primeiro seria a afirmao de que para cada trs barris extrados existe um sendo descoberto e de que o petrleo barato j teria acabado. Essas afirmaes representam para o autor uma grande ignorncia a respeito da terminologia utilizada nesse setor e so contrariadas argumentando que quando um campo descoberto fornecido uma estimativa a respeito do seu tamanho e do volume recupervel presente nele, porm com o passar dos anos essas estimativas so, em grande parte, refeitas e seus valores so aumentados, seja pela descoberta de novos espaos dentro da jazida seja pelo desenvolvimento de alguma tecnologia que permita extrair recursos anteriormente inalcanveis, o que torna o conceito de petrleo fcil ou barato questionvel. O segundo argumento combatido de que a instabilidade poltica nos pases produtores de petrleo coloca a sociedade mundial sobre a ameaa de ter seu fornecimento suspenso. Sobre essa questo Lynch afirma no ser uma novidade e relembra que durante toda a trajetria dessa indstria existiram problemas com pases comunistas, depois com a OPEP e mais recentemente com o conflito no Iraque e a instabilidade da Nigria e Venezuela. Sendo assim confirma que a soluo para todos estes casos a mesma, ou seja, a descoberta de novas jazidas, como o caso das recentes descobertas de pr-sal na Amrica Latina e no Oeste Africano. Por ltimo, o autor contradiz a questo de que j teriam sido consumidos metade dos dois trilhes de barris que a terra dispe afirmando que o consenso atual de que o total existente de

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dez trilhes de barris e de que sua recuperao, mesmo que em guas profundas, ser vivel em alguns anos devido novas descobertas tecnolgicas e conclui que o mito sobre o pico de produo e suas drsticas conseqncias deve ser afastado. Em meio a estes trs pontos de vista encontra-se um quarto que podemos considerar como moderado e mais realista. Pinto Jnior (2007) acredita no haver controvrsias em relao a um futuro pico de produo no petrleo, no entanto, reconhece que a dificuldade de se estabelecer uma data precisa para este fenmeno est na disparidade entre as diversas estimativas para a quantidade de recursos recuperveis existentes e o ritmo de expanso da demanda, variveis cruciais para este tipo de anlise. Segundo o autor as principais divergncias relacionam-se ao volume total de reservas que ainda podem ser descobertos e o total possvel de se recuperar das mesmas. Dessa forma, afirma que as diferentes vises esto relacionadas s estratgias de cada empresa ou setor interessado na indstria energtica, onde as mais otimistas so aquelas sustentadas pela crena em novas tecnologias e a constante elevao das taxas de recuperao. O que deve ser destacado a partir dos estudos sobre o Peak Oil que este deve alertar a sociedade atual para a necessidade de se desenvolver novas fontes energticas que possam ser produzidas em larga escala e em um curto espao de tempo, com o menor, ou nenhum, ndice de utilizao de derivados do petrleo nesse processo. necessrio buscar o uso de outras fontes energticas para suprir as necessidades dirias de combustvel e energia eltrica, reduzindo a demanda por petrleo e permitindo que suas jazidas permaneam produzindo durante centenas de anos, oferecendo apenas produtos mais complexos como plsticos, fertilizantes e pesticidas. Por outro lado, deve-se destacar outros fatores determinantes na escalada de preos e na explorao de poos que no o esgotamento de suas capacidades produtivas. Simes (p. 21, 2006) destaca ainda que as implicaes polticas, algumas vezes, so muito mais preponderantes no aumento de preos do que as econmicas. Em seu artigo ele cita que O fundamental entender a dificuldade de acessibilidade a essas reservas, por fatores como nacionalizao, fechamento de mercados ou instabilidade poltica., ou seja, muitas vezes dispomos de tecnologias e capacidade de suprir a demanda crescente por energia, porm os interesses polticos derivados do alto ndice de lucro gerados por essa indstria, bem como pelo seu valor de segurana para quem as detm, dificultam a evoluo de solues pertinentes para os problemas derivados do setor.

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Dessa forma, percebe-se que seja por fatores econmicos e estratgicos, seja pelo esgotamento das reservas terrestres, o caminho para a soluo dos problemas derivados da profunda dependncia moderna do petrleo ser traado por decises de cunho poltico. Isso ocorrer, pois, mesmo que as razes do aumento de preo no tenham sido geradas por conflitos na regio produtora ou por boicote dos pases pertencentes a essa rea, a corrida pelo domnio das poucas jazidas restantes estar, necessariamente, ligada a polticas nacionais das maiores potncias desenvolvidas, que buscaro manter seu nvel de crescimento econmico, e em desenvolvimento, que pretendero no interromper seu desenvolvimento. Ao final do captulo fica, portanto, constatada a importncia da energia para a sociedade moderna. Torna-se igualmente evidente, a supremacia do petrleo perante as outras fontes no processo evolucionrio dos sculos XIX e XX, uma vez que, com o advento do motor a exploso, expandiu-se a velocidade e qualidade do processo industrial bem como da locomoo de pessoas e mercadorias, promovendo o comrcio e a industrializao da sociedade. No entanto, nos ltimos anos iniciou-se um processo de busca por novas fontes energticas, o qual possui duas motivaes especiais, o esgotamento das jazidas e o aquecimento global. Em relao primeira valido destacar a impossibilidade de se traar uma data limite para a indstria do petrleo e a necessidade evidente de se investir em tecnologias capazes, no s de ampliar as taxas de recuperao dos poos em operao, como tambm de tornar economicamente sustentvel a explorao de jazidas em fim de operao ou daquelas recm descobertas como o caso do pr-sal. No que se refere segunda motivao, preciso ter em mente que a mudana climtica um fenmeno existente e deve ser tratado com a seriedade devida. Para ameniz-lo, surgem s energias renovveis, capazes de reduzir a emisso de gases de efeito estufa e de garantirem aos Estados que diversifiquem sua matriz energtica para obter menor dependncia do petrleo e maior segurana energtica. Sendo assim, o prximo captulo tem o objetivo de analisar as principais fontes alternativas de energia capazes de substituir o petrleo, mesmo que de forma parcial, como principal fonte de energia da sociedade mundial.

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2 ENERGIAS RENOVVEISEste captulo buscar descrever as principais fontes de energia renovveis existentes no momento, bem como aquelas que ainda esto em estado experimental ou em desenvolvimento. No entanto, o maior enfoque ser os biocombustveis, em especial aqueles utilizados no Brasil como o etanol e o biodiesel. Para isso, o captulo ser dividido em duas sees. A primeira ir tratar de diferentes tipos de fontes renovveis como a hidrulica, a elica, a solar, dentre outros, objetivando fazer um apanhado geral de sua indstria, percentual de utilizao e potencial futuro. J a segunda parte ir se concentrar nos biocombustveis, como surgiram, suas diferentes fontes de produo, percentual utilizado em diferentes pases e capacidade de trazer, a curto e mdio prazo, a reduo nas emisses de gases poluentes na atmosfera terrestre.

2.1 AS DIFERENTES FONTES DE ENERGIA RENOVVEL

Perante todo o estudo realizado no captulo 1 deste trabalho, que analisou a indstria petrolfera, sua influncia no desenvolvimento da sociedade moderna bem como sua ascenso e atual contestao, foi possvel observar que a partir do final do sc. XX com o crescimento das preocupaes mundiais a respeito do aquecimento global, poluio, dentre outros, fontes alternativas de energia, pouco utilizadas at ento, passaram a ser mais exploradas. Dentre elas est a energia hidrulica.

2.1.1 Energia Hidrulica

A energia hidrulica considerada uma das fontes mais limpas em utilizao atualmente. Amplamente utilizada no Brasil, detentor de 12%17 de toda a gua doce do planeta, essa fonte tambm de extrema importncia para pases como Canad, onde corresponde a 61%18 de toda energia eltrica utilizada, Estados Unidos, o qual, apesar de s possuir 9%19 da sua matriz energtica representada por essa, o detentor da

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Dado disponvel em (acesso em 26/08/09). 18 Disponvel em (acesso em 30/09/09). 19 Disponvel em (acesso em 30/09/09).

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primeira usina hidroeltrica do mundo fundada em 188220, dentre outros. Apesar de j ser utilizada em larga escala, essa fonte necessita de algumas caractersticas naturais para ser produzida, o que impossibilita seu aproveitamento em algumas regies. Segundo Pagliari (2008)21, a gua no pode gerar energia a menos que esteja fluindo de cima para baixo, portanto, a instalao de usinas hidroeltricas deve ser feita ao longo do curso de rios que possuam alta vazo e relevo propcio para permitir a queda da gua em velocidade, tornando possvel a movimentao de turbinas e conseqentemente a transformao deste movimento em energia eltrica por meio de geradores. No entanto, muitos destes rios no possuem o volume de gua ou a altura de queda adequados para a construo da mesma, dessa forma, na grande maioria dos casos, torna-se necessrio a construo de uma barragem capaz de sanar estes problemas e viabilizar a produo energtica. Dessa forma, apesar de ser uma fonte 100% renovvel e de baixo custo de operao e obteno, sua instalao onerosa e provoca diversos impactos ambientais e sociais. De acordo com a Agncia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos, dentre estes impactos, a grande rea de terra inundada para a construo dos reservatrios pode ser considerada um dos principais problemas. Dentre as conseqncias desta inundao ento, por exemplo, o bloqueio da migrao natural dos peixes, a alterao da vida selvagem na regio e do fluxo natural dos rios, os quais passam a ter seu volume de gua aps a barragem determinado pela quantidade de gua liberada pela mesma, afetando diretamente todo o seu ecossistema. Alm dessas, outra forte crtica feita instalao de usinas a eliminao de gs metano, um dos contribuidores do efeito estufa, na atmosfera durante o processo de decomposio da flora inundada. Em relao aos impactos sociais provocados por essas usinas, destaca-se a necessidade de se realocar pequenas comunidades que viviam a beira dos rios e que tero suas cidades alagadas aps a construo do reservatrio. No entanto, no existem apenas conseqncias negativas geradas a partir da construo das barragens. Essas promovem o desenvolvimento da aqicultura, o armazenamento de gua para irrigao, o armazenamento de gua potvel, a operao20

Disponvel em (acesso em 30/09/09).

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Texto em verso eletrnica, disponvel em (acesso em 30/09/09).

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de hidrovias, dentre outros. Portanto, preciso ressaltar que quaisquer impactos negativos gerados por essa fonte so inferiores queles provocados pela queima de combustveis fsseis para a gerao de energia eltrica, o que torna essa fonte extremamente vivel do ponto de vista ambiental. Ademais necessrio ter em mente que antes da construo de qualquer usina so feitos amplos estudos e implantadas uma srie de aes que visam reduzir ao mximo estes efeitos adversos, alm disso, novas tecnologias so constantemente desenvolvidas visando atingir este mesmo fim, um exemplo a construo de canais adjacentes ao curso do rio que permitem a subida do mesmo pelos peixes em seu perodo de desova. Outro ponto que deve ser ressaltado o de que toda fonte de energia provoca algum tipo de impacto ambiental, e cabe a cada pas optar por aquela que melhor se adqe a suas particularidades e reduza ao mximo sua dependncia por petrleo. Dessa forma, a energia hidroeltrica surge como uma importante alternativa para suprir a crescente demanda por eletricidade em reas industriais, residenciais e comerciais nos grandes centros urbanos e nos pases em constante desenvolvimento. Porm preciso lembrar que essa fonte no substitui os hidrocarbonetos em todos seus aspectos, pelo contrrio, ela capaz de atender apenas a demanda eltrica sendo necessrio o uso associado de outras fontes que possam substitu-los na fabricao de plsticos, fertilizantes e combustveis como o caso do hidrognio, gs-natural e dos biocombustveis que sero explorados mais adiante nesse captulo. Compartilhando dessas mesmas limitaes encontram-se a energia elica e a solar.

2.1.2 Energia Elica

A energia elica, atualmente, uma das fontes renovveis que mais cresce no mundo e pode ser instalada em quase todo tipo de terreno, desde que o regime de ventos seja minimamente adequado para manter os nveis de produo energtica ao longo do ano. O princpio da gerao de energia eltrica atravs do vento similar ao utilizado pela energia hdrica. Nesse caso, so instaladas turbinas suspensas no ar que so movimentadas com a passagem do vento gerando energia eltrica atravs de seu movimento. Essa fonte j utilizada em larga escala no mundo, sendo seus principais adeptos Dinamarca, Alemanha, Espanha e Estados Unidos. O Brasil, apesar de possuir

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um grande potencial, ainda est iniciando sua operao nessa rea e investindo na construo de novos parques elicos. Atualmente, o estado do Cear lidera a instalao de novos parques, tendo os estados de Santa Catarina, Minas Gerais, Paran e Rio Grande do Sul, como demais investidores nesta tecnologia. Os principais parques em atividade no pas so os do Mucuripe e Prainha no Cear, e o do Camelinho em Minas Gerais. Assim como a energia hidrulica, a elica tambm uma fonte 100% renovvel e substituta do petrleo apenas no segmento de gerao de corrente eltrica. Porm ela apresenta algumas vantagens sobre a outra fonte principalmente em relao a custo de instalao onde estes so significativamente inferiores, alm de proporcionar a recuperao econmica do total gasto para sua instalao em apenas trs meses22. Ademais, uma turbina de captao elica tem vida til de aproximadamente 20 anos que podem ser prolongados atravs de uma recuperao em sua estrutura. Segundo Dutra (2004) os parques elicos ainda apresentam outras vantagens que valem ser destacadas, dentre elas esto a no utilizao de outros recursos, como a gua, por exemplo, para o seu resfriamento, a no produo de resduos radioativos, como na energia nuclear, ou gasosos, como nas termoeltricas e, em baixo teor, nas hidroeltricas. Alm disso, 99% da rea de uma fazenda elica podem ser utilizados para o exerccio da pecuria ou agricultura, uma vez que, toda a estrutura de um parque, incluindo as estradas de acesso e o espao ocupado por cada turbina, alm das distncias entre as mesmas exigidas por segurana, ocupa apenas 1% da rea total dedicada construo do mesmo23. Como desvantagens, so apontadas o impacto visual, a produo de rudo e danos a fauna, principalmente em relao morte de pssaros que colidem com os geradores. No entanto, o mesmo autor argumenta que os rudos produzidos pelas turbinas de captao so semelhantes aos de um motor de caminho e que, em relao aos pssaros, estudos realizados na Alemanha e nos Pases Baixos revelaram que h uma mortalidade muito maior dos mesmos em colises com torres de alta voltagem e edifcios do que nos parques elicos. Alm disso, a indstria de aerogeradores tem evoludo continuamente e significativamente nos ltimos anos, propiciando no s22

Disponvel em (acesso em 26/08/09). 23 Disponvel em (acesso em 26/08/09).

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maior eficincia e menor custo, mas tambm reduo dos rudos e da mortalidade dos pssaros. Viterbo (2008) afirma que a curva de aprendizado tecnolgico da indstria apresenta queda de 15% a 20% no custo a cada trs anos, estes dados tornam essa fonte ainda mais vivel do ponto de vista econmico e ambiental.

2.1.3 Energia Solar

Outra fonte 100% renovvel e em crescente utilizao nos ltimos anos a energia solar. Obtida atravs dos raios solares, essa pode ser captada e utilizada de duas formas distintas, atravs de centrais trmicas ou de placas solares. No caso das centrais trmicas a luz proveniente do Sol utilizada para aquecer a gua, ou algum outro lquido, com o objetivo de gerar vapor capaz de movimentar motores e geradores para o fornecimento de energia eltrica24. Outra forma de aproveitamento do calor solar o aquecimento de gua para a utilizao em chuveiros e cozinhas de hospitais, restaurantes, hotis e residncias. Em ambos os casos a tecnologia empregada barata e consiste na utilizao de espelhos ou placas refletoras instaladas sobre a encanao de gua, a qual capta o calor proveniente do sol e aquecer a gua presente nos canos, esgotando a necessidade de se utilizar outras fontes de energia para aquecer a gua ou para gerar eletricidade. Por outro lado, a utilizao de placas solares destinada apenas a obteno de energia eltrica e utiliza uma tecnologia mais complexa e mais cara. Essas placas so fabricadas a partir da unio de diversas clulas fotovoltaicas, estruturas constitudas por silcio, ou outros matrias semicondutores, que tm a capacidade de absorver os ftons dos raios solares os transformando em corrente eltrica. No entanto, essas estruturas so capazes apenas de emitir essa corrente de forma contnua e em baixa voltagem enquanto nossa maior necessidade de corrente alternada e de alta voltagem. Para solucionar este problema so instalados junto a este sistema inversores, capazes, no s de alternar a freqncia da corrente, como tambm de mant-la na voltagem adequada25. Alm disso,

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Disponvel em (acesso em 01/10/09). 25 Disponvel em (acesso em 01/10/09)

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por depender exclusivamente da radiao solar, essas placas no so capazes de gerar energia durante a noite, em geral o perodo de maior utilizao eltrica nas residncias e demais estabelecimentos, sendo assim se faz necessrio acoplar a estrutura baterias capazes de armazenar o excedente energtico gerado durante o dia para ser utilizado noite. Todas essas limitaes e especificidades tornam as placas fotovoltaicas uma fonte de alto custo, constituindo-se como a principal, ou talvez nica, desvantagem da mesma. No entanto, conforme defende Ribeiro (2004), nos ltimos anos tem-se obtido grandes avanos tecnolgicos nessa rea, possibilitando uma reduo significativa do custo atravs da utilizao de outros materiais para a fabricao das clulas e, principalmente, dos incentivos feitos pelos governos para a ampliao do uso dessa tecnologia gerando maior demanda e barateando os custos de produo. Segundo o autor, os pases que mais disseminam o uso da energia solar so o Japo, os Estados Unidos e os membros da Unio Europia, onde existem programas de financiamento da compra de painis solares. J nos pases em desenvolvimento, o autor afirma que o consumo deste tipo de energia vem crescendo, mas ainda servem predominantemente para atender demandas isoladas em reas rurais, como o caso do Brasil. A partir dessa explanao acerca das energias solar, elica e hidrulica, possvel perceber que todas elas tm muito a contribuir para o controle do aquecimento global, uma vz que todas so alternativas de baixa, ou nenhuma, poluio ambiental e substituem plenamente as termoeltricas na funo de fornecedoras de energia eltrica. No entanto, como foi visto, nenhuma delas capaz de suprir os demais produtos gerados a partir do petrleo, como o caso dos combustveis, fertilizantes e plsticos. Para atender a essa demanda existem outras fontes alternativas como, por exemplo, o hidrognio.

2.1.4 Hidrognio

Por ser um elemento extremamente abundante na superfcie terrestre e de renovao inesgotvel, o hidrognio considerado por muitos o combustvel do futuro. No entanto, pelo fato de ser um elemento quimicamente muito ativo ele raramente encontrado sozinho na natureza. Dessa forma, para obt-lo de maneira isolada e propcia

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para a utilizao como combustvel, necessrio separ-lo dos outros elementos e isollo na forma de gs ou lquido. Atualmente, as principais fontes de obteno de hidrognio so a gua, o petrleo e o gs natural. No caso dos dois ltimos a separao dos tomos libera dixido de carbono e, portanto, no um mtodo considerado ideal do ponto de vista ambiental alm de ter um alto custo. No que se refere a seu isolamento atravs da gua, o processo utilizado a eletrlise que tem como subprodutos, alm do hidrognio, apenas vapor de gua e oxignio, o que torna este mtodo extremamente desejvel do ponto de vista da mitigao dos gases de efeito estufa, porm, este processo acaba utilizando uma grande quantidade de energia que , muitas vezes, maior do que aquela que ele produz26. Atualmente, j existem diversas pesquisas cientficas voltadas para a descoberta de novas fontes e mtodos de isolamento do tomo, visando desenvolver meios mais baratos, como alto nvel de aproveitamento energtico e que no emitam nenhum resduo poluente. Recentemente foram anunciados pela universidade de Virginia, nos Estados Unidos, resultados positivos da separao das molculas de gua atravs de tomos de alumnio, eliminando totalmente o uso de energia no processo de isolao das molculas. J a Universidade de Ohio, tambm nos Estados Unidos, desenvolveu um mtodo de isolar o tomo de hidrognio presente no etanol, tendo como beneficio a no eliminao de qualquer elemento txico para o meio ambiente. Outras pesquisas realizadas no Reino Unido e na Holanda tambm esto desenvolvendo mtodos limpos de se obter o hidrognio e de armazen-lo com maior eficincia e segurana em tanques que podem equipar veculos em um futuro prximo27. Em relao a sua utilizao como combustvel a forma mais eficiente existente hoje so as chamadas clulas de combustvel. Essas estruturas permitem que oxignio e hidrognio circulem em lados opostos do seu interior separados por uma membrana, a qual permite que os dois reajam quimicamente produzindo uma carga eltrica semelhante quela produzida em baterias comuns. A grande vantagem dessas clulas que, ao contrrio das baterias, elas no se tornam descartveis aps o fim das reaes26

Disponvel em (acesso em 03/10/09). 27 Disponvel em (acesso em 03/10/09).

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qumicas em seu interior, bastando apenas um novo fornecimento de ar e hidrognio para que ela continue reagindo. Alm disso, o nico resduo eliminado por essas o vapor dgua28. Como possvel perceber, o hidrognio tem um forte potencial para substituir o petrleo em termos gerais, tanto na gerao de corrente eltrica, quanto na forma de combustvel e na fabricao de plsticos e fertilizantes, como j vem sendo utilizado atualmente. No entanto, como todas as outras fontes de energia, este possui algumas limitaes que impedem seu uso em larga escala. Dentre elas, a principal o fato de o hidrognio ser um elemento com alto poder inflamvel e de fcil combusto quando misturado com oxignio em ambiente fechado e comprimido. Dessa forma, ele exige grandes cuidados em sua armazenagem e manuseio em estado gasoso. Outro problema que impede a sua produo e utilizao em massa a dificuldade e o alto custo para armazen-lo na forma liquefeita, uma vez que este processo deve ser feito a uma temperatura de -253C em locais com tecnologia e capacidade adequadas para realizar essa tarefa, elevando o custo de produo. A vantagem dessa transformao a reduo do espao necessrio para sua armazenagem e a maior segurana para o seu transporte e manuseio. Porm, como foi demonstrado anteriormente, existem diversos pases e empresas j empenhados na busca de solues tecnolgicas para essas dificuldades. Sendo assim, possvel afirmar que em alguns anos o hidrognio ter grandes vantagens perante as demais fontes energticas. Dentre elas podemos citar que os veculos movidos a ele no tero nenhum elemento poluente como resduo; sua produo poder ser feita de forma centralizada, em grandes usinas, ou de forma descentralizada, podendo ser feita atravs de vrias fontes e em diversos lugares, reduzindo a necessidade de se reservar grandes reas para a produo energtica e, finalmente, a gerao de energia atravs das clulas ou pilhas energticas so duas vezes mais eficazes do que as fontes tradicionais. No caso do Brasil, o pas poder ser um potencial utilizador e fornecedor de hidrognio no futuro. Inmeras pesquisas esto sendo realizadas nacionalmente para aperfeioar a produo de hidrognio a partir de biomassa, como o etanol e o biodiesel, sendo vlido ressaltar que j circula no pas, na cidade de So Paulo, o primeiro nibus movido a hidrognio do pas, com fabricao nacional realizada em Caxias do Sul.28

Disponvel em (acesso em 03/10/09)

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2.1.5 Energia da Biomassa

A utilizao de energia a partir da biomassa j uma forma bastante difundida no mundo, principalmente para obter calor. A obteno de energia pode ser feita atravs da combusto da madeira e de resduos agrcolas, como a palha da cana-de-acar e do milho, ou atravs da fermentao de dejetos biodegradveis produzidos em fazendas ou em centros urbanos, sendo o lixo orgnico e estrume um exemplo. Nesse ltimo caso, gerado o chamado biogs, combinao dos gases metano e carbnico, que pode ser utilizado para produo de energia eltrica ou como combustvel em automveis e mquinas agrcolas. Para a produo do biogs necessrio um biodigestor, estrutura que armazena uma mistura destes materiais orgnicos e gua e, pela ao de microbactrias libera gs metano que armazenado e utilizado como fonte de energia29. Este processo j utilizado em algumas fazendas da Europa, dos Estados Unidos e do Brasil para o fornecimento de toda a energia necessria para movimentar suas mquinas e estruturas de produo. No caso da utilizao de fontes vegetais para a obteno de calor, os principais materiais utilizados so a madeira e o carvo mineral. Porm este processo elimina na atmosfera dixido de carbono, e por isso deve ser controlado. No entanto, apesar da liberao de gases poluentes na atmosfera, o balano das emisses considerado nulo pelo fato de a maior parte dos materiais utilizados no processo de obteno energtica ser de origem vegetal e, portanto, ao serem plantados absorvem a mesma quantidade de gs carbnico que eliminam aps sua queima30. Este processo pode ainda causar desmatamento para a obteno de madeira, dessa forma, h um grande incentivo por parte dos governos para que a madeira utilizada seja fruto de demolies ou de reflorestamento. Pagliari (2008) afirma ainda que essas desvantagens podem ser amenizadas atravs de programas de monitoramento da fumaa eliminada nas grandes usinas ou de equipamentos que retiram os resduos slidos como as cinzas, utilizando-se filtro de tecido, ou gases, utilizando-se incineradores e condensadores, buscando reduzir ao

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Disponvel em (acesso em 03/10/09)

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mximo a poluio causada durante a queima. No entanto, devemos destacar as vantagens da mesma como a utilizao de tecnologia de fcil obteno, menor ndice de poluio em comparao com a queima de derivados do petrleo e a possibilidade de auxiliar na resoluo de problemas referentes aos grandes aterros sanitrios nas grandes cidades. Ademais, devemos ressaltar o etanol e o biodiesel como combustveis provenientes de biomassa e que tambm podem substituir os fsseis no fornecimento de energia e materiais. Mas, conforme mencionado anteriormente, os dois sero tratados separadamente na prxima seo deste captulo. vlido ressaltar ainda que existem diversas formas de energias renovveis como a geotrmica e a energia das mars, por exemplo. Porm procurou-se citar aqui somente as principais e com maior utilizao no mundo e, principalmente, no Brasil. Todavia, cabe ainda inserir nessa seo alguns esclarecimentos sobre duas formas de energia amplamente difundidas e pouco poluentes, porm no renovveis, como o caso do gs natural e da energia nuclear.

2.1.6 Gs Natural

O gs natural largamente utilizado no mundo, em especial na Europa onde o inverno rigoroso exige sua utilizao para aquecer residncias, indstrias, escritrios, e outros. No Brasil sua utilizao dirige-se principalmente a converso em energia eltrica para abastecer pequenas cidades, como o caso da Usina Eltrica a Gs de Auraucria PR, onde todo o gs utilizado proveniente da Bolvia atravs do gasoduto BrasilBolvia. Smbolo de grandes desentendimentos entre os dois governos aps estatizaes e cortes no fornecimento realizado pelo governo boliviano, este tambm abastece outras regies do pas. As principais vantagens deste combustvel esto no seu baixo ndice de poluio e na sua utilizao em todos os tipos de veculo, alm de ser mais leve que o ar reduzindo as chances de acidentes e exploses em casos de vazamento, principalmente quando comparado ao hidrognio. A principal desvantagem considerada, alm de ser um combustvel esgotvel por ser de origem fssil, a dificuldade para seu

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armazenamento e transporte, que, segundo Pinto Jnior (2007), pode ser feito de trs formas distintas: atravs de gasodutos, na forma de gs natural liquefeito (GNL) ou na forma de gs natural comprimido (GNC). Em relao primeira opo as dificuldades se referem aos altos custos de instalao dessas estruturas podendo atingir at 70% dos custos totais para o consumidor. J no que de refere s duas ltimas, alm das dificuldades de transporte e do custo, existe uma perda considervel de capacidade energtica durante estes processos de converso da forma gasosa para a lquida ou condensada. Outra desvantagem j destacada a eliminao de dixido de carbono, metano e outros gases durante sua combusto. Porm, como j foi igualmente pontuado, essas emisses so consideravelmente menores do que as resultantes da queima de derivados do petrleo, portanto, muitas vezes, o gs natural considerado um combustvel limpo, recebendo uma ampla gama de investimentos no setor por ter uma tecnologia j avanada de recuperao e uso, quando comparado s outras fontes aqui citadas.

2.1.7 Energia Nuclear

A segunda energia no renovvel, porm, considerada limpa, a energia nuclear. Obtida atravs dos processos de fisso nuclear de tomos de urnio, plutnio ou trio, ou da fuso de tomos de hidrognio, essa fonte j corresponde a 18% de toda a eletricidade mundial produzida31. Estados Unidos, Frana e Japo so, atualmente, os pases com o maior nmero de usinas deste tipo instaladas, onde o primeiro possui 104 usinas em operao, o segundo 59 e o terceiro 55 chegando a um total de 439 usinas em todo mundo32. No Brasil, as usinas de Angra I e Angra II suprem 40% das necessidades energticas do Estado do Rio de Janeiro. Alm disso, o pas possui uma das maiores reservas de urnio do mundo, sendo suficiente para abastecer seu mercado interno e exportar para o mercado externo33. O mtodo de obteno de energia eltrica atravs da quebra ou unio de ncleos atmicos semelhante quele utilizado pelas caldeiras de carvo ou termoeltricas. O

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tomo de urnio sofre fisso ou fuso no interior de reatores que tm a capacidade de controlar as reaes desencadeadas para evitar vazamentos ou exploses. A energia resultante destes processos liberada na forma de calor e utilizada para aquecer tubulaes de gua que, ao se transformar em vapor, ir movimentar turbinas e gerar energia eltrica. O procedimento mais comum utilizado hoje em dia o da fisso nuclear de tomos de urnio. Dentre os benefcios destacados esto: (i) a fonte de gerao de energia mais concentrada existente atualmente; (ii) seus subprodutos no contribuem para o agravamento do efeito estufa; (iii) suas usinas no necessitam de grandes reas para serem instaladas; (iv) h uma grande disponibilidade de combustvel; (v) no depende de condies climticas favorveis, como o caso da energia elica e solar. Porm, as crticas a essa fonte so vrias. As principais so a produo de lixo radioativo ao final do processo, a necessidade de se isolar a central nuclear aps seu encerramento funcional, a degradao de ecossistemas devido ao processo de captao do urnio e dos outros elementos, a utilizao de grande quantidade de gua, tanto para movimentar as turbinas quanto para resfriar os reatores, e o risco de acidentes na central nuclear34. Em relao ao lixo radioativo, existe grande preocupao quanto aos locais em que armazenado. Segundo Schiefler (2008), ainda no existe nenhum mtodo implantado capaz de armazenar o lixo de forma segura e permanente, sendo os depsitos subterrneos, localizados em regies geologicamente estveis, a nica soluo vivel existente no momento. Outra questo referente aos resduos radioativos gerados a segurana de sua armazenagem. Por ser um material altamente poluente e de grande risco para a sociedade e o meio ambiente, este deve ser armazenado em tonis metlicos revestidos por espessa camada de concreto para evitar vazamentos. Todavia, os acidentes e vazamentos nas centrais nucleares continuam sendo o grande receio na utilizao dessa fonte. O acidente na usina de Chernobyl, na antiga Unio Sovitica, deixou inativa toda a cidade de Pripiat e seus arredores, sendo necessria a retirada de todos seus habitantes e o isolamento da regio. Este tipo de acidente gera diversas conseqncias negativas, como o nascimento de pessoas e33

Disponvel em (acesso em 04/10/2009). 34 Disponvel em (acesso em 04/10/2009).

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animais com deficincia gentica, durante milhares de anos at que radioatividade seja totalmente eliminada35. No entanto, o referido autor afirma que, atualmente, j esto em uso os chamados reatores de gerao III, os quais garantem seu desligamento automtico em casos de falha, no havendo a necessidade de interveno humana, a qual foi considerada a grande causa do acidente citado acima. Alm disso, o mesmo ainda afirma que a tecnologia do setor est em constante evoluo e que j existem estudos referentes aos reatores de gerao IV, os quais possibilitaro alm de um menor risco de acidentes a reduo da produo de lixo nuclear. Por ltimo, existem contestaes a respeito do desenvolvimento dessa fonte em pases de baixa estabilidade poltica, como o Iran e a Coria do Norte, uma vez que o enriquecimento do urnio, necessrio para a produo energtica, tambm permite a construo e desenvolvimento de armas atmicas. por essa e outras razes que a expanso do uso de energia nuclear permanece em constante debate, uma vez que, apesar de seus grandes benefcios, seus malefcios ainda causam grandes controvrsias.

2.2 OS BIOCOMBUSTVEIS, BIODIESEL E ETANOL

Conforme o mencionado na sesso anterior, os biocombustveis tambm so considerados energia de biomassa, uma vez que sua matria prima deriva de compostos orgnicos, em geral plantas e vegetais. A necessidade de se analisar separadamente essas fontes advm do fato de serem o carro chefe da poltica energtica brasileira nos ltimos anos e de ainda causarem grande controvrsia no cenrio mundial, principalmente no que diz respeito a sua influncia no aumento de preos dos alimentos. De fato, algumas culturas utilizadas para a obteno de biodiesel e etanol podem influenciar a escalada de preos, no entanto, como ser apresentado a seguir, no so suas nicas responsveis.

2.2.1 Biodiesel

Conforme definiram Penteado e Cunha (2008), o biodiesel um ster orgnico obtido atravs da mistura de um leo vegetal, ou gordura animal, com lcool ou35

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metanol. Essa mistura sofre estmulos atravs de um catalisador que provoca uma reao qumica entre os dois compostos e d origem a um novo leo, que deve ser filtrado para a separao da glicerina atravs de um processo chamado transesterificao. Dessa forma, durante a produo de biodiesel temos como resduo outros compostos orgnicos, como a glicerina, amplamente utilizada pela indstria farmacutica, e as chamadas tortas ou farelos proticos, utilizados para alimentao animal e fabricados a partir dos resduos fibrosos resultantes do processo de retirada do leo de plantas e sementes36. O biodiesel pode ser utilizado em qualquer proporo de mistura com o diesel mineral sem a necessidade de modificaes nos motores que j utilizam o de origem fssil. Pinto Jnior (2007) esclarece que, para especificar as diferentes propores de mistura diesel-biodiesel distribudas no mercado foi determinado que se usaria a letra B seguida da porcentagem de biodiesel utilizada, sendo assim caso a porcentagem seja de 2%, o composto ser o B2, se for de 5%, o B5 e assim sucessivamente. De acordo com Parente (2007), dono das primeiras patentes de produo de biocombustveis no mundo e considerado o inventor do biodiesel, a importncia de se utilizar essa mistura est no fato de proporcionar a reduo significativa das emisses de dixido de carbono na atmosfera e eliminar totalmente a fuligem quando misturado na proporo de 25%, B25. Apesar de o Brasil ser considerado o bero do combustvel e de ter grande potencial produtor, a Unio Europia caracteriza-se como o principal produtor e consumidor do biodiesel. O processo de industrializao teve incio nos anos 90 e hoje conta com amplos incentivos fiscais, como a alta tributao dos combustveis fsseis, alm de legislao especfica para o produto, o que motiva a produo e aumenta a demanda do mercado. Em 2003 o Parlamento Europeu assinou uma Diretiva que visa substituio de 5,25% de combustveis fsseis por combustveis renovveis at 201037. Com essas medidas, o continente europeu responsvel por 90% da produo de biodiesel no mundo e a Alemanha caracteriza-se como o maior pas produtor e consumidor do produto, sendo responsvel por cerca de 42% da produo mundial38. Pinto Junior (2007) destaca que, nesse pas, bem como nos demais pases europeus, o

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leo extrado da colza, planta utilizada para nitrogenar naturalmente os solos durante os perodos de entre-safra, da qual tambm obtido o farelo protico ao final do processo que utilizado como rao animal. Aps a Alemanha, destacam-se como principais mercados, os Estados Unidos, a Malsia, a Argentina, a Frana e a Itlia. Como ser visto no captulo III, o Brasil lanou apenas em 2004 o Programa Nacional de Produo e Uso de Biodiesel (PNPB) e desde ento caminha para a consolidao de seu mercado nacional. Conforme citado anteriormente, o biodiesel pode ser produzido atravs de diferentes fontes orgnicas como gordura animal, soja, girassol, babau, mamona, dentre outras oleaginosas39. Isto acaba por conferir uma extensa possibilidade de produo, permitindo utilizar aquela que melhor se adapte a regio produtora ou s condies climticas de cada pas. Segundo Parente (2007), cada regio do Brasil, e do mundo, teria uma motivao e uma vocao distintas para a produo deste combustvel. De acordo com seu exemplo, a regio Nordeste teria como motivao a questo social, o combate a misria no campo, e como vocao culturas capazes de se adaptar ao clima da regio como a mamona e o pinho-manso. Na regio Centro-Sul, onde predomina a mecanizao do campo, a vocao so culturas anuais como a soja, o amendoim e o girassol, tendo como motivao questes econmicas e ambientais, como a limpeza do ar nos grandes centros urbanos. Por ltimo ele cita a regio Amaznica, cuja motivao o reflorestamento de reas devastadas e a suficincia energtica de populaes que vivem isoladas no meio da mata40,. J a vocao o extrativismo de mais de 100 espcies nativas detectadas como potenciais fornecedoras de leo vegetal. Dessa forma, o cientista afirma que a tecnologia de produo do biodiesel possui trs misses distintas, a primeira limpar a atmosfera terrestre, a segunda combater o efeito estufa e a terceira oferecer alternativas de renda e ocupao no campo para pases em desenvolvimento como os asiticos, africanos e ibero-americanos. No entanto, conforme destaca o relatrio O estado da alimentao e da agricultura (SAFA na sigla

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Disponvel em (acesso em 01/09/2009). 39 Disponvel em (acesso em 01/09/2009). 40 Em sua entrevista para o livro Biocombustveis no Brasil: Realidades e Perspectivas, Expedito Parente afirma que existem na Amaznia ilhas populacionais que ainda vivem do escambo, troca de um saco de feijo por uma lata de 20 litros de diesel, para atender suas necessidades energticas. O Professor defende

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em ingls) de 2008 da Fundao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao (FAO), estes benefcios devem ser vistos com cautela. Segundo este documento o impacto dos biocombustveis na reduo de gases de efeito estufa relativo, devendo ser analisadas a regio em o combustvel foi produzido e a matria prima utilizada no processo. Essa afirmao feita tendo como base o fato de que muitas vezes o balano das emisses ao final do processo desfavorvel ou negativo, ocorrendo principalmente nos casos em que a terra utilizada para a produo das oleaginosas fruto do desmatamento. Outro fator destacado que anula os benefcios trazidos pelos biocombustveis o fato de serem utilizadas grandes quantidades de combustveis fsseis durante seu processo de colheita, produo e transporte, o que elimina, em alguns casos, seus benefcios em termos de emisso de gases poluentes. Sendo assim, o relatrio defende que necessrio o desenvolvimento sustentvel destes combustveis e o estabelecimento de regras e padres internacionais que visem estabelecer critrios de produo internacional que assegurem a reduo dos gases de efeito estufa e a eficincia energtica do combustvel produzido, caso contrrio a expanso do uso dos biocombustveis, associado ao uso indevido da terra podem, ao invs de solucionar, contribuir para o aumento das emisses de gases de efeito estufa. No que se refere terceira misso do biodiesel destacada pelo professor, o relatrio das Naes Unidas reconhece seu potencial como um meio de garantir maiores rendas, desenvolvimento rural e reduo da pobreza, principalmente em pases cuja populao depende da agricultura para se sustentar. Estes benficos seriam atingidos atravs do aumento na demanda de bens agrcolas para a produo energtica o que levaria a um aumento de preos dessas commodities, aumentando tambm as exportaes e conseqentemente o PIB destes pases. O documento tambm afirma que este crescimento no setor de biocombustveis traria maior acesso energia nas reas rurais o que promoveria o crescimento econmico e a segurana alimentar no longo prazo. No entanto, o relatrio cauteloso, e chama ateno para o fato de que estes benefcios ao mesmo tempo representam riscos para as camadas mais pobres, uma vez que o aumento dos preos agrcolas pode restringir ainda mais o acesso dessas pessoas a comida. Alm disso, o impulso a gerao de biocombustveis incentivado pela demanda

que estas comunidades ocupam verdadeiras ilhas energticas, com imensa variedade de rvores e palmeiras capazes de oferecer matria prima para a produo de biodiesel.

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crescente pode aumentar o nmero de desmatamentos e os prejuzos ao meio ambiente em virtude do crescimento de reas para produo agrcola. A essa altura vlido ressaltar outras dificuldades e crticas feitas disseminao do uso e produo do biodiesel. O principal obstculo a ser vencido a conciliao entre a proporo de safra dedicada indstria alimentcia e a destinada produo do combustvel, como o caso da cultura da soja e do girassol importantes para a indstria de alimentos e com demanda crescente para o segmento energtico. Posteriormente devem ser desenvolvidas polticas pblicas eficientes para a regulamentao de reas destinadas ao plantio dessas culturas, principalmente no Brasil e na sia, onde reas de floresta so desmatadas para o plantio de oleaginosas41. Essas devem ser consideradas as limitaes ambientais a serem aperfeioadas para que o biodiesel se torne ainda mais benfico para o combate ao aquecimento global. Essas questes sero melhor exploradas na prxima subseo deste captulo, juntamente com aquelas pertinentes ao uso e disseminao do etanol. Alm dessas, existem as limitaes tcnicas e econmicas que consistem principalmente nas diferentes tecnologias necessrias para cada matria prima utilizada e no alto custo de produo. Em Economia e Energia, Pinto Jr (2007). afirma que na Alemanha, por exemplo, o custo de produo do biodiesel varia de 1,5 a 3 vezes o custo do diesel mineral. A limitao referente ao preo fica ainda mais evidente quando o autor afirma que para se difundir o uso do combustvel os pases devem adotar medidas mais eficazes em relao a incentivos fiscais e subsdios oferecidos aos produtores at que o mercado se consolide e torne o preo mais competitivo. A limitao tcnica se refere aos modelos produtivos que diferem quanto utilizao de uma nica matria prima ou flexibilidade de matrias-primas, uso de metanol ou etanol ou ainda sua escala produtiva, pequena ou grande. Sendo assim o autor relembra que durante o processo de iniciao do programa de biodiesel natural a coexistncia de diversas possibilidades mercadolgicas e tecnolgicas, complementando ainda que o biodiesel no competitivo, na maioria dos pases, caso no sejam consideradas suas externalidades positivas (Pinto Jr., p.310).

Disponvel em (acesso em 02/09/2009).

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Dessa forma, verifica-se que as dificuldades referentes consolidao de um mercado internacional de biodiesel so passveis de soluo, mas para isso necessitam do empenho dos governos e da sociedade internacional, conforme destaca o relatrio da FAO, de 2008. De acordo com o referido documento para se assegurar a sustentabilidade econmica, ambiental e social do biodiesel e dos biocombustveis em geral necessrio agir nas seguintes reas: (i) proteger as camadas mais pobres e garantir a segurana alimentar mundial; (ii) assegurar o aproveitamento das oportunidades de desenvolvimento rural e agrcola proporcionado pelo crescente mercado energtico; (iii) garantir a sustentabilidade ambiental de todos os

bicombustveis produzidos e revisar as atuais polticas para os mesmos; e (iv) fazer do sistema internacional um suporte para o desenvolvimento sustentvel destes. Portanto, o relatrio reconhece os benefcios dos biocombustveis mais afirma que, por enquanto, com exceo de alguns combustveis fabricados no Brasil, os prejuzos so muito maiores do que os benefcios, sendo necessria a realizao dos referidos ajustes.

2.2.2 Etanol

Produzido principalmente pela utilizao do milho, trigo, beterraba e cana-deacar, a competitividade entre o etanol e a indstria de alimentos muito mais intensa do que a do biodiesel. Sendo assim, necessrio reconhecer que a utilizao de cereais para a extrao de combustvel tem impacto nos preos dos alimentos devido reduo da oferta de matria-prima para a produo de alimentos e rao animal, conforme asseguram os estudos realizados pela FAO. Porm, o relatrio Perspectivas para o Etanol no Brasil, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energtica (EPE) em 2008 destaca outros fatores responsveis pela crise nos preos dos alimentos que tambm so reconhecidos por outras entidades de estudo, inclusive a das Naes Unidas. Dentre eles esto o aumento do consumo de alimentos em pases emergentes como a ndia e a China, sem o correspondente aumento da produo; a quebra de safras devido a alteraes climticas; os subsdios oferecidos pelos Estados Unidos e Unio Europia desestimulando a produo em outros pases; a

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alta dos preos do petrleo, que influencia diretamente no preo dos fertilizantes e do transporte; e finalmente, a crise financeira mundial que desviou as aplicaes dos especuladores para o mercado agrcola em decorrncia da depreciao do dlar. Diante dessas informaes preciso concluir que as implicaes do desvio de safras dessas commodities, principalmente na Amrica do Norte e Europa, para a produo de combustvel s uma das causas do aumento de preo dos alimentos e no sua razo exclusiva. Outra preocupao referente ao aumento da produo de etanol no mundo diz respeito ao uso indireto da terra. Estudos realizados pelo governo americano apontam que com o aumento da demanda por cana, milho, ou trigo para a produo de etanol, aumentar tambm o preo dos mesmos, incentivando a um crescimento da rea utilizada para seu cultivo, o que poder causar um acrscimo nos ndices de desmatamento e emisso de gs carbnico na atmosfera42. No entanto, vale ressaltar que esses entraves impostos a expanso do uso do etanol so solucionveis, na medida em que existe no mundo um percentual de terras agricultveis suficiente para a expanso agrcola sem causar um acrscimo no percentual de desmatamento. Essas reas potenciais seriam aquelas j desmatadas para a retirada de madeira ou desenvolvimento de pecuria extensiva. No Brasil a ocupao dessas reas j vem sendo feita para proporcionar a expanso da produo de cana-deacar, existindo cerca de 25 milhes de hectares deste tipo ainda disponveis no pas de acordo com o Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA)43. preciso ressaltar que a liberao dessas reas s possvel devido aos avanos tecnolgicos da indstria agrcola e pecuria que tambm vm proporcionando um aumento de produo por hectare em vrias culturas, o que vislumbra um futuro para os biocombustveis cada vez mais sustentado e sincronizado com a produo de alimentos. Contudo, necessrio reconhecer que o caminho para a soluo de todas essas dificuldades longo e de difcil materializao, na medida em que necessita de uma mudana de pensamento da sociedade como um todo, principalmente dos governos e do setor agrcola para que a produo sustentvel de alimentos e combustveis seja cada vez mais aplicada e difundida. Para isso necessrio que pases desenvolvidos reduzam seus subsdios, possibilitando o crescimento competitivo de pases mais pobres como

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Disponvel em (acesso em 10/09/2009).

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o caso dos africanos e latino-americanos. De acordo com Simes (2007), essas medidas no so importantes apenas para aumentar a produo de gros, mas tambm para permitir o desenvolvimento de um mercado internacional do etanol, que necessita de um acrscimo no nmero de produtores e consumidores para assegurar o fornecimento constante dessa mercadoria. O relatrio da FAO de 2008, citado anteriormente, analisa todos estes aspectos e conclui, dentre outros pontos j citados na subseo anterior, que: (i) o rpido crescimento da demanda por biocombustveis contribuiu para o aumento do preo dos alimentos, o que leva a uma maior preocupao com a segurana alimentar e a garantia de alimento para os mais pobres; (ii) o mesmo crescimento na demanda por bens agrcolas para a produo de combustveis renovveis ter fortes influncias no mercado e no setor agrcola daqui pra frente; (iii) o aumento dos preos das commodities e da sua demanda pode representar no longo prazo oportunidades para o desenvolvimento agrcola e rural, principalmente nos pases em desenvolvimento; (iv) os biocombustveis so capazes de preencher apenas uma pequena porcentagem da demanda mundial por combustveis lquidos, sendo necessrio o desenvolvimento de outras fontes alternativas que possam trabalhar em conjunto com essa; (v) a produo destes combustveis nem sempre competitiva na maioria dos pases sem a utilizao de subsdios, onde o etanol brasileiro destaca-se como uma exceo, o que tornam necessrias aes em determinados setores conforme mencionados na subseo anterior; e (iv)