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DIOGO BEN DA SILVA BICHO ÚTIL X BICHO INÚTIL: O ANTROPOCENTRISMO NO ENSINO DE ZOOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA – IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS Trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora do curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, como exigência parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Biologia, sob orientação do Prof. Ms. Jairo Luís Cândido. CANOAS, 2007

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DIOGO BEN DA SILVA

BICHO ÚTIL X BICHO INÚTIL: O ANTROPOCENTRISMO NO ENSINO DE ZOOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA – IMPLICAÇÕES

AMBIENTAIS Trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora do curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, como exigência parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Biologia, sob orientação do Prof. Ms. Jairo Luís Cândido.

CANOAS, 2007

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RESUMO

O presente trabalho avalia as condições de estudo dos animais, enquanto seres vivos que evoluíram paralelamente com o ser humano, e, portanto possuem uma importância igualitária neste aspecto. Em um segundo momento, averigüei, através de diferentes meios, como anda a visão de professores segundo a filosofia antropocentrista, que torna os homens como o centro do universo, e os animais alheios à sua vontade. São questionários, análises de livros didáticos e observações em sala de aula, que permitem ter uma noção de quanto o caráter antropocêntrico está intrínseco nos diferentes meios escolares. Palavras-chave: Estudo dos animais, Antropocentrismo, Livros didáticos, Observações.

ABSTRACT

The present work evaluates the conditions of study of the animals, while beings livings creature that had evolved parallel with the human being, and, therefore possess a equivalent importance in this aspect. At as a moment, I inquired, through different ways, as it walks the other people's vision of professors antropocentrista philosophy, that becomes the men as the center of the universe, and animals to its will according to. They are questionnaires, didactic book analyses and comments in classroom, that allow to have a notion of how much the anthropocentric character he is intrinsic in the different pertaining to school ways. Key words: Study of the animals, Anthropocentrism, Didactic books, Comments.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 4

1 O HOMEM SER SUPERIOR ..................................................................................... 5

1.1 O senso comum .......................................................................................................... 6

2 O QUESTIONÁRIO .................................................................................................... 8

3 ANÁLISE DO MATERIAL DIDÁTICO ...................................................................14

3.1 Roteiro para a análise dos livros didáticos ..............................................................15

3.2 Crítica aos livros didáticos ........................................................................................16

4 OBSERVAÇÕES EM SALA DE AULA ....................................................................29

CONCLUSÃO ..................................................................................................................36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................37

ANEXO A - Questionários e fichas de observação de um colégio particular

do município de São Leopoldo (Turmas: 6ª série / 2º ano do Ensino Médio) ..................38

ANEXO B - Questionários e fichas de observação de um colégio da rede estadual do

município de São Leopoldo (Turmas: 6ª série / 2º ano do Ensino Médio) .......................39

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INTRODUÇÃO Existe uma forte tendência no ensino básico ao antropocentrismo, doutrina filosófica e

biológica que torna o homem sujeito-manipulador em favor de seus interesses. Os animais em

alguns livros didáticos são tratados em relação a critérios estipulados pelo ser humano, como:

beleza, utilidade, ferocidade.

A cultura antropocêntrica, já dava sinais após o século XVII, quando alguns

pensadores e filósofos como Bacon, Boyle e Beale (Thomas, 1989, p.31-32), defendiam a tese

de que todo mundo natural foi realizado com o intuito de conhecer, dominar e utilizar a

natureza a serviço da vida humana.

Apesar do avanço da ciência e do conhecimento dos animais, nossos alunos ainda são

ensinados a enxergar o homem como ser superior, e os animais úteis ou inúteis a ele.

O presente trabalho tem por objetivo discutir o resultado de uma investigação feita

com alunos e professores de ciência sobre a visão antropocêntrica em relação aos animais na

sala de aula.

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1 O HOMEM SER SUPERIOR

O ser humano capaz de raciocinar, analisar, calcular, tornou-se diferenciado dos

demais seres vivos, dando a ele, a impressão de um ser superior em relação aos demais. Essa

visão é conhecida como Antropocentrista, e como alguns de seus preceitos, tornaria o homem

livre para manipular a natureza e o universo ao seu redor, podendo classificar os demais seres

vivos como úteis ou inúteis a ele mesmo.

A questão de utilidade e importância permeia as aulas de ciências e livros didáticos,

em debates do cotidiano, em projetos de pesquisa, demonstrando a simples e única

preocupação do ser humano com ele mesmo: “Será que esta árvore nos dá bons frutos?”;

“Esse animal é nocivo ao homem.”; “O homem vêm sofrendo cada vez mais com o efeito

estufa.” Analisando cientificamente, será que só o homem sofre com o efeito estufa?

Os primeiros zoólogos do século XVIII tinham o hábito de considerar os animais de

acordo com suas utilidades para o homem: valor alimentício, medicinal, etc. Buffon,

naturalista francês do século XVIII, organizava os animais segundo o grau de relacionamento

com o gênero humano.

Aristóteles acreditava que as plantas foram feitas para o bem dos animais e, estes, por

sua vez para os homens (Thomas, 1989, p.31-32). Teólogos podiam apelar para os filósofos

clássicos e a Bíblia. Segundo estes, animais domésticos serviam para o trabalho e os

selvagens para serem caçados. Na Bíblia, uma forte apelação antropocêntrica pode ser

visualizada, quando após o Dilúvio, Deus renovou a autoridade do homem sobre a criação

animal:

Temam e tremam em vossa presença todos os animais da terra, todas as aves do céu, e tudo o que tem vida e movimento na terra. Em vossas mãos pus todos os peixes do mar. Sustentai-vos de tudo o que tem vida e movimento (GÊNESIS, IX, 2-3).

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O predomínio do ser humano tinha, portanto, lugar central no plano divino.

Certa vez, em 1705, o médico George Cheyne (Thomas, 1989, p.35) explicou que “o

Criador fez o excremento dos cavalos ter um bom cheiro, porque sabia que o homem estaria

sempre na vizinhança deles” (Hawker apud Thomas, 1989, p.37).

Todo o animal estaria assim, destinado a servir ao humano seja no caráter prático, moral

ou estético.

No século XVIII, insistia-se amplamente que a domestificação era benéfica para os

animais; Vacas e ovelhas eram melhores cuidadas pelos homens ao invés de deixá-las a mercê

de predadores. Abatê-las poderia ser cruel, mas como acreditava Thomas Robinson em 1709,

“quando se examina o assunto mais de perto, isso se mostrava uma gentileza, em vez de

crueldade” (Thomas, 1989, p.39).

A zoologia surgiu com o objetivo de estudar os animais para ver se eles tinham alguma

serventia para o gênero humano, tanto para alimento quanto para remédio.

O controle do homem sobre a natureza era o ideal proclamado pelos primeiros cientistas

modernos.

Ao longo dos anos, através de descobrimentos científicos e um maior conhecimento

do mundo natural, a visão antropocêntrica ia sendo destruída pelos estudiosos. Todavia essa

visão de superioridade do ser humano permaneceu entre nós, e manteve-se até hoje.

1.1 O senso comum

Uma possibilidade que não deve ser descartada para a continuidade e agravamento do

antropocentrismo é a do senso comum, com experiências passadas para as gerações através

dos tempos, o que corresponde muitas vezes por visões distorcidas da realidade científica

entre diferentes culturas.

Um exemplo claro disto, é a história do “sapo venenoso”, como sendo um animal

repugnante cuja urina é venenosa e capaz de ser esguichada nas pessoas causando cegueira.

Através de um conhecimento científico, constata-se que a urina do sapo não é venenosa e

muito menos pode ser esguichada atingindo o rosto de um ser humano capaz de cegá-lo. Essa

visão equivocada provoca maus tratos com esses anfíbios por serem considerados venenosos

para o ser humano, entrando novamente a discussão do antropocentrismo, “se o sapo faz mal

ao homem, vamos eliminá-lo!”, esquecendo que estes anfíbios são importantes para o controle

de pragas e como bioindicadores do equilíbrio em um ecossistema.

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Normalmente as pessoas que não tem algum tipo de conhecimento científico assumem

de imediato o senso comum, que não exige raciocínio, e se espalha numa velocidade muito

grande numa população.

De certa maneira, Boaventura de Souza Santos (1989), trata o senso comum e a

ciência da seguinte forma:

O senso comum faz coincidir causa e intenção: subjaz-lhe uma visão do mundo assente na ação e no princípio da criatividade e das responsabilidades individuais. O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social e nessa correspondência se afirma dá confiança e dá segurança. O senso comum, é transparente e evidente; desconfia da opacidade dos objetos tecnológicos e do esoterismo do conhecimento em nome do princípio da igualdade do acesso ao discurso, à competência cognitiva e à competência lingüística. O senso comum é superficial porque desdenha das estruturas que estão para além da consciência, mas por isso mesmo, é exímio em captar a profundidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. O senso comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida. Por último, o senso comum é retórico e metafórico; não ensina, persuade. (p.40)

Santos ao se referir ao senso comum expõe os limites da epistemologia de Bachelard,

que considera o senso comum como uma prática que é preciso romper, para que se torne

possível o conhecimento científico.

Outro exemplo, relatado pela Profa Suzani Cassiani de Souza (1996), investigadora

que se dedicou ao estudo de adultos em um supletivo, comentou em uma de suas aulas sobre

as mudanças da carapaça de insetos para que eles pudessem crescer. Mas diante da carapaça

da cigarra, muitos alunos comentaram: “Ah! Mas isso acontece porque a cigarra canta tanto

que arrebenta.” O que demonstrou que as informações escolares, fizeram com que os alunos

mostrassem aquilo que haviam aprendido quando criança, evidenciando o seu “senso

comum”.

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2 O QUESTIONÁRIO

A fim de analisar como está a visão dos educadores em torno da relação

Homem/Animal, sobre a questão da utilidade, domínio ou nocividade, elaborei um

questionário (Anexo) que será comentado.

Os professores em que o questionário foi aplicado foram os mesmos em que eu tive a

oportunidade de observar as aulas, em turmas de 6ª série do Ensino Fundamental e 2º ano do

Ensino Médio, com um enfoque nos seres vivos.

No questionário, foram colocadas duas questões objetivas e uma questão dissertativa,

onde o educador deveria escrever uma palavra que representasse o animal em questão.

As primeiras questões a serem analisadas foram referentes ao professor da 6ª série de

um colégio particular do município de São Leopoldo. A primeira questão era acerca da

importância em estudar os animais, e o professor desta turma assinalou a resposta que dizia

que os animais pertencem a natureza, interagindo com o meio ambiente.

Nessa questão, o educador colocou-se em uma posição bastante abrangente e até mesmo

lógica, não demonstrando nenhuma apelação antropocêntrica.

Na segunda questão, que buscava indagar sobre as diferenças dos animais em relação ao

homem, o professor preferiu a resposta de cunho evolutivo, a qual sugeria que os animais

evoluíram assim como o homem evoluiu, portanto todos pertencem à natureza, não havendo

diferenças nesse aspecto.

Sua resposta, não demonstrou nenhuma conotação antropocêntrica, já que haviam

alternativas colocadas estrategicamente nesse aspecto.

Na terceira questão, o professor associou a cobra à palavra sinuosa, referente ao seu

formato curvilíneo ou a sua movimentação. Ao sapo, o professor associou a saltador,

referindo-se à capacidade do anfíbio em questão de saltar.

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Em relação a um equinodermo, a estrela-do-mar, foi dada a característica “estrelar”,

também se referindo ao formato do corpo, asteróide. A minhoca foi descrita em relação ao seu

hábito terrícola ou a sua capacidade de manutenção do solo à palavra “arado”.

A aranha foi associada à “teia” que algumas aranhas produzem através de seus

apêndices abdominais, usada como abrigo ou como armadilha para pegar as presas. O cão,

estranhamente foi associado a palavra “feroz”. Nesse tipo de associação pode ter havido

alguma experiência pessoal com o gênero canino, ou então, uma visão extremamente negativa

desse animal.

A borboleta recebeu o adjetivo de “coloridas”, referente à beleza e suas cores, sendo

este um critério de classificar os seres vivos, pela beleza, relativo a um caráter

antropocêntrico. O caramujo foi associado a “maresia”, que eu não consegui entender o uso

desse gastrópode nessa descrição, já que o caramujo é um animal aquático, de água doce. O

escorpião foi associado a “perigoso”, característica negativa do ponto de vista humano, sendo

uma apelação antropocêntrica de nocividade.

A ovelha foi associada a “lã”, característica de sua pelagem elaborada industrialmente e

utilizada na fabricação de roupas. Aí podemos verificar a visão utilitarista do animal para o

benefício do homem.

A onça a palavra “pintada” foi associada, referindo-se ao aspecto de sua pelagem. O

gato foi associado à “caçador”, sendo esse felino bastante eficiente em sua capacidade de

predação, justificando essa associação. Ao rato, a palavra “queijo”, devido a um tipo

específico de alimento consumido pelos seres humanos e acrescentado à dieta de roedores

urbanos.

Á mãe-d’água, um cnidário que foi associado a palavra “flutua”, devido sua capacidade

de flutuar e se movimentar nas águas dos oceanos.

O questionário também foi aplicado ao Ensino Médio, em professores do segundo ano,

que possui uma abordagem referente aos seres vivos.

Na primeira questão objetiva, a professora da turma respondeu que os animais são

altamente especializados e têm sua importância vinculada ao ecossistema, por isso o interesse

em seu estudo. Sua resposta está associada às características específicas de cada ser vivo e sua

adaptabilidade com o meio em que vive bem como a capacidade de interagir com o mesmo.

Na segunda questão onde é perguntado como os animais podem ser diferenciados do

homem, a professora se colocou no topo da escala evolutiva, e os demais animais

automaticamente numa escala inferior à nossa, quando respondeu que os animais eram

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diferenciados dos seres humanos por não apresentarem a capacidade de desenvolver um

raciocínio lógico.

Na terceira questão, a educadora descreveu a cobra como “misteriosa”. O sapo foi

descrito como “frio”, devido a sua pele ser úmida e pela quantidade de muco produzido. A

estrela-do-mar foi descrita pela palavra “regeneração”, devido a capacidade que estes seres

possuem em regenerar partes do corpo ou até mesmo organismos inteiros.

A minhoca foi associada à palavra “subterrânea”, pelo seu hábito terrícola. A aranha

associada à palavra “necessária”, destacando talvez a sua importância ecológica num contexto

geral. O cão foi associado à palavra “amigo”, fazendo uma referência a esses animais

domesticados, e, mais uma vez utilizando adjetivos humanos para descrever um animal. A

borboleta foi descrita pela palavra “metamorfose”, em relação às mudanças sofridas por estes

insetos do nascimento até a sua forma adulta.

O caramujo foi descrito como “elegante”, talvez devido à forma sinusóide de sua

concha ou pelo jeito de rastejar, mas notamos novamente mais uma tentativa de humanizar

certos animais com características que usamos em nosso cotidiano para descrever pessoas. O

escorpião foi associado à palavra “cuidado”, evidenciando o caráter negativo desse

invertebrado, pois estes podem ser nocivos ao homem, evidenciando o caráter

antropocêntrico. Não importa qualquer outra característica desse grupo, apenas que eles são

perigosos e devemos tomar cuidado. São afirmações como esta que devem ser repensadas. E,

principalmente vindo de uma professora formada, que sabe da importância de todos os seres

vivos para com o ecossistema, mas parece que o aspecto negativo e prejudicial ao gênero

humano deva ser destacado.

A ovelha foi associada ao seu hábito alimentar pela palavra “herbívoro”. A onça lhe foi

dada a descrição de “misteriosa”. Ao gato foi associado à palavra “indiferente”. O rato foi

associado à palavra “cadeia alimentar”, em relação ao nicho ecológico. A mãe-d’água foi

associada à palavra “água”, em relação ao meio em que esses animais vivem.

O questionário também foi aplicado aos dois professores da Escola Estadual do

município de São Leopoldo, a fim de avaliar suas respostas, que podem refletir aspectos

utilitaristas e/ou antropocêntricos.

O terceiro questionário que analisei é relativo ao professor da turma de 6ª série.

Na primeira questão em que era perguntado sobre a importância em estudar os animais,

o professor respondeu que os animais são altamente especializados e têm a sua importância

vinculada ao ecossistema. Trata-se de uma resposta baseada na evolução dos grupos, através

de especializações com o meio em que vivem.

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A segunda questão, pedia uma comparação entre o homem e os demais animais, o

professor respondeu que os animais não apresentavam a capacidade de desenvolver um

raciocínio lógico e por isso podiam ser diferenciados do ser humano. Havia alternativas

menos antropocêntricas, já que os animais não são capazes de desenvolver um raciocínio, mas

possuem outras especializações que o fizeram evoluir assim como o homem evoluiu, sendo

assim semelhantes neste aspecto.

Na terceira questão, pedia para associar uma palavra a um animal. O professor associou

a cobra à palavra “veneno”, uma característica generalizada e antropocêntrica, já que estes

animais possuem toda uma característica especializada do corpo, além de serem importantes

para o equilíbrio do ecossistema.

O sapo foi associado à palavra “anfíbio”, segundo o seu critério de classificação. A

estrela-do-mar foi associada à palavra “espinho”, devido a presença de espinhos na pele. Em

relação à minhoca a palavra associada foi “hermafrodita”, em relação ao fato de possuírem

tanto gametas masculinos como femininos.

A aranha foi associada à “teia”, devido a sua capacidade através de estruturas chamadas

fiandeiras de tecer teias que servem para capturam pequenos insetos e abrigo.

Ao cão foi relacionado à palavra “amigo”. Podemos notar que mais uma vez foi

utilizado um adjetivo humano para descrever um animal. O cão é um animal interessante para

o ser humano por ser um animal domesticado, então este possui certo destaque em relação a

outros animais, justamente por estar associado ao homem.

A borboleta foi associado à palavra “polinizador”, devido a sua importante função em

polinizar as plantas, principalmente as angiospermas. O caramujo foi associado à palavra

“esquistossomose”. Vemos, através desta associação, mais uma generalização negativa em

relação aos caramujos, sendo que apenas caramujos do gênero Biomphalaria são agentes

intermediários do verme causador da esquistossomose.

Ao escorpião, assim como a cobra foi associado à “venenoso”, ou seja, o aspecto

negativo do animal em relação ao homem demonstrando uma visão antropocêntrica. A ovelha

foi associada ao seu hábito alimentar como “herbívora”. A palavra “predador” foi associada à

onça, devido a sua capacidade de caçar e capturar presas grandes.

Ao gato foi associado à palavra “agilidade”, por ele possuir um sentido aguçado e ser

ágil em seus movimentos demonstrando muito reflexo. O rato a palavra “sujeira” foi

associado. Devido ao ambiente por onde circula estes roedores, esgotos, terra, lixos, porém

também são importantes na cadeia alimentar.

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À mãe-d’água foi feita uma associação devido a um aspecto que pode prejudicar o ser

humano. A palavra foi “queimadura”, demonstrando mais uma vez a visão antropocentrista.

Ao dar uma olhada no questionário que o professor respondeu nota-se algumas curiosidades.

O professor selecionou os animais interessantes chamando-os de “amigo”, os que não

possuíam muita afinidade ou por desconhecimento de “venenosos”, animais urbanos e

indiferentes ele chamou-os de “sujos”, os que apareciam constantemente na TV devorando

outros animais de “predador”, e os que usam como estratégia de defesa substâncias urticantes

ele associou a “queimadura”.

A professora da turma do 2º ano do Ensino Médio da Escola Estadual também

respondeu o questionário. Na primeira questão a resposta foi de que os animais são altamente

especializados e têm sua importância vinculada ao ecossistema por isso o seu estudo era

importante.

Na segunda questão, a responsável pela turma respondeu que os animais evoluíram

assim como o homem, portanto somos todos pertencentes à natureza, não havendo diferenças

nesse aspecto com os outros animais. Em sua resposta a professora optou em colocar os

animais num mesmo nível do ser humano, em relação ao caráter evolutivo, não demonstrando

apelação antropocêntrica.

Na terceira questão, a professora associou à cobra a palavra “hemipênis”, em relação ao

órgão copulador masculino. Ao sapo foi associado a palavra “dois ambientes”, referindo-se à

sua capacidade de habitar ambientes terrestres e aquáticos. A estrela-do-mar em referência a

sua simetria foi referida como “radial”. A minhoca recebeu como associação a palavra

“segmentos”, em relação à sua metamerização corporal.

A aranha foi relacionada à palavra “quelíceras”, devido ao par de apêndices responsável

pela captura do alimento. O cão foi relacionado à “faro”, pelo seu sentido olfativo bastante

aguçado. Em relação à borboleta a palavra foi associada ao seu ciclo de vida como

“metamorfose”. O caramujo ganhou uma associação de “casa”, talvez devido a sua concha e

o aspecto de proteção que esta lhe confere. O escorpião foi associado à palavra “aguilhão”,

em relação ao seu mecanismo de defesa, onde este injeta o veneno.

A ovelha foi relacionada à palavra “lã”, pelo aspecto de confecção artificial de sua

pelagem. A onça recebeu o nome científico da onça pintada como associação “Pantera onça”.

O gato foi associado a um possível mal que este possa causar a pessoas alérgicas pela palavra

“rinite”. O rato foi descrito por uma associação de utilidade para experimentos e como cobaia

pela palavra “laboratório”. Já a mãe-d’água foi descrita pela palavra “vida-livre”, talvez

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devido à sua movimentação pelas águas representar para a educadora uma sensação de

liberdade.

Tabela 1 – Quadro preenchido sobre a questão dissertativa em relação aos animais

Colégio Particular Escola Estadual

Professor A (6ª Série)

Professor B (2º Ano)

Professor C (6ª Série)

Professor D (2º Ano)

Cobra Sinuosa Misteriosa Veneno Hemipênis

Sapo Saltador Frio Anfíbio Dois ambientes

Estrela-do-mar Estrelar Regeneração Espinho Radial

Minhoca Arado Subterrânea Hermafrodita Segmento

Aranha Teia Necessária Teia Quelíceras

Cão Feroz Amigo Companheiro Faro

Borboleta Coloridas Metamorfose Polinizador Metamorfose

Caramujo Maresia Elegante Esquistossomose Casa

Escorpião Perigoso Cuidado Veneno Aguilhão

Ovelha Lã Herbívoro Herbívoro Lã

Onça Pintada Misteriosa Predador Pantera onça

Gato Caçador Indiferente Agilidade Rinite

Rato Queijo Cadeia alimentar Sujeira Laboratório

Mãe-d’água Flutua Água Queimadura Vida livre Fonte: Dados obtidos do exercício de associação de palavras realizado com os professores.

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3 ANÁLISE DO MATERIAL DIDÁTICO

Com a finalidade de fazer um comparativo entre as relações dos seres humanos com os

demais seres vivos em sala de aula, fui levado à analisar a principal fonte de informações: os

livros didáticos. Esse tipo de material nos fornece importantes pistas sobre o ensino dos seres

vivos e como este é transmitido aos alunos.

Em relação aos livros didáticos, utilizei as seguintes bibliografias: um livro de 6ª Série

(CRUZ, Daniel. Ciências e educação ambiental. 2.ed. São Paulo: Editora Ática, 2005.), e

outros dois livros de Ensino Médio volume único (AMABIS, José Mariano; MARTHO,

Gilberto Rodrigues. Biologia dos organismos. 1.ed. São Paulo: Moderna, 1994) e

(GEWANDSZNAJDER, Fernando; LINHARES, Sérgio. Biologia Hoje. 11.ed. São Paulo:

Ática, 2004).

Para o livro de Daniel Cruz, tentei fazer um apanhado geral dos diferentes conteúdos. A

primeira unidade faz uma abordagem sobre as características dos seres vivos, enquanto célula,

origem e evolução e classificação. Mas voltei minha atenção para o estudo do reino Animalia,

classificados em: Vertebrados e Invertebrados.

As coleções de livros didáticos de 2º grau que apresentam volume único, têm os

conteúdos praticamente dispostos numa mesma ordem. Começam a apresentar os animais a

partir do Filo Porifera(invertebrados) e Chordata (vertebrados).

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3.1 Roteiro para a análise dos livros didáticos

Para fazer as observações sobre o material didático, achei oportuno realizar um roteiro

com os seguintes critérios a ser observados:

� Leitura criteriosa dos capítulos referentes ao estudo dos seres vivos, notas do autor,

observações, introdução e textos referentes ao assunto.

� Análise dos aspectos onde exista a interação homem-animal nos livros didáticos.

� Observação atenta dos assuntos que diz respeito à decompositores (fungos e

bactérias), pois pude perceber que a questão de utilidade e nocividade está

amplamente distribuída nessa abordagem.

� Observação das gravuras/figuras e o que elas querem realmente transmitir.

� Os questionários e atividades propostos pelos autores, se estão voltados para um

entendimento antropocêntrico.

� Textos e leituras, observando se os animais não são utilizados como referência de

utilidade para o homem.

3.2 Crítica aos livros didáticos

AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Biologia dos organismos. 1.ed.

São Paulo: Moderna, 1994.

Ao estudar o livro de AMABIS & MARTHO, começo a analisar o Reino Animalia,

mais especificamente o Filo Chordata, em que nós humanos estamos inclusos assim como

vários outros animais.

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Neste livro eu vou me detive em estudar os animais vertebrados, verificar como é

abordado o conteúdo, os exercícios propostos e gravuras.

Logo ao introduzir o assunto sobre os cordados o autor explica que trata-se de um Filo

muito familiar a nós humanos, já que estamos incluídos nele assim como as aves, mamíferos,

répteis, anfíbios e peixes são alguns de nossos companheiros de Filo. A primeira impressão

que eu tive ao ler este trecho, é que o autor tem mais interesse em falar dos cordados, já que

muitas espécies que nele estão incluídas têm de alguma forma uma maior proximidade ao

gênero humano, assim como o cão, gato, as aves, os peixes, e outros animais.

Um aspecto positivo deste livro é que ele apresenta a história evolutiva dos grupos, e

explica em detalhes o funcionamento dos organismos, como o sistema circulatório, excretor,

os órgãos internos são comparados a outros indivíduos, não privilegiando este ou aquele

grupo.

Um outro ponto que eu achei interessante salientar, é quando o autor do livro cita as

principais ordens de mamíferos. Ele não coloca características apreciadas ou caráter nocivo de

alguns animais. O autor apenas cita os integrantes da ordem em questão e traz alguns aspectos

sobre a sua biologia.

CRUZ, Daniel. Ciências e educação ambiental. 2.ed. São Paulo: Editora Ática, 2005

O primeiro capítulo desse livro que eu analisei foi o que fala dos mamíferos, grupo de

vertebrados o qual pertence também o gênero humano.

Logo na introdução o autor comenta que o homem faz parte do grupo dos mamíferos,

assim como o cão e o gato, que podem viver em nossas casas, sendo assim animais

domésticos. E mais, em uma visão utilitarista, ainda lembra que o boi e o cavalo que são

criados no campo podendo ser utilizados pelo homem, também pertencem a essa classe. Os

animais silvestres também são incluídos neste grupo, porém com menor destaque pelo autor,

já que não foram domesticados ou dominados pelo ser humano.

Outro aspecto interessante a ser observado são as figuras. Animais que nos são úteis de

alguma forma, são mostrados com um aspecto mais interessante do que os outros. Alguns

aparecem amamentando os seus filhotes, ou no campo pastando, enquanto que, por exemplo,

o morcego, foi fotografado de uma forma mais agressiva, já que é um animal que não possui

muita afinidade com os humanos.

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Em seguida, o autor dividiu os mamíferos em suas respectivas ordens. Ao chegar à

ordem dos Primatas, o autor a coloca em destaque, explicando que a ordem dos Primatas tem

uma importância especial, pois é nela que se encaixam os seres humanos. Mostrando assim,

total despreocupação em manter uma imparcialidade em relação aos demais seres vivos.

O autor do livro didático coloca o homem numa posição central. Um exemplo disso, são

as questões elaboradas, destacando a Filogenia dos mamíferos, o autor pergunta em que

ordem pertencem os seres humanos, e que caminho o aluno deva percorrer para chegar no

gênero humano. Ou seja, a ênfase dos questionamentos também é acerca do nosso mundo,

como se fossemos realmente especiais, ou superiores.

A idéia de classificar já está interligada ao conceito antropocêntrico, já que foi o homem

quem criou a classificação, a Sistemática Filogenética, colocando-se no ápice da cadeia

evolutiva e, destacando os animais a partir do seu ponto de vista como úteis ou não,

importantes ou indiferentes.

Dois textos foram escritos pelo autor no final do capítulo. Um deles, intitulado “Os

golfinhos e nós”, e o outro “Os gatos e nós”. Percebe-se nesses textos uma forte apelação

antropocêntrica, já que animais que possuem certa interação ou afinidade com os humanos,

têm um destaque muito maior nos livros didáticos que os que não possuem.

Na seção “Os golfinhos e nós”, foi relatado um caso em que um mergulhador é salvo

por um cardume de golfinhos do ataque de tubarões. Continuando o texto, o autor escreveu

que o homem deveria prestar atenção nos “ensinamentos” dos golfinhos, que têm uma vida

em comunidade e praticam a solidariedade, sendo essenciais para a sobrevivência do grupo. O

que o autor faz, é uma tentativa de humanizar esses animais, ou seja, torná-los mais próximos

de nós.

Essa tendência de humanização data de muito tempo e em outras culturas e foram

incorporadas a nossa. Seres vivos que possuem uma ligação ou afinidade com o homem,

como gatos ou golfinhos, logo possuem adjetivos humanos como “bonitinhos” “simpáticos”

nos livros didáticos. Ao fazer isso, é afastado o foco de estudo desses animais como a

importância ecológica, sua especialização, anatomia, e é levado em conta apenas o aspecto

interessante para nós humanos.

No capítulo referente às aves, pude notar que todas as figuras exaltavam a beleza destes

seres, já que as aves possuem um canto muito apreciado, suas cores são vibrantes, nos

fornecem alimento, sendo para nós, economicamente interessante e merecendo assim, certo

destaque.

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Na seção “As aves e o ser humano”, o título incorpora a interação do homem com as

aves. Porém o autor enfatiza muito a questão dos criadores de aves e os cuidados que estes

devem ter para não contrair doenças desses animais e a importância do esterco de galinha para

o cultivo de algumas culturas como o café, mas o mesmo autor, não fala em nenhum título ou

subtítulo sobre as aves, a sua importância ecológica como polinizadoras e dispersoras de

sementes para a dinâmica de um ecossistema. Ou seja, o aluno que estuda tendo por base este

livro, a menos que obtenha esta informação de fora, não iria saber essa importante função das

aves de uma maneira geral.

No capítulo referente aos répteis, o autor depois de comentar sobre as cobras, as dividiu

em duas categorias: peçonhentas e não-peçonhentas, mostrando as características que as

diferenciavam.

O fato de o autor ter comentado a importância ecológica dos ofídios para o controle de

populações de roedores em seu ambiente natural foi bem interessante. Porém se torna

evidente que o aspecto do veneno das cobras é tratado como assunto principal, sendo

dedicado a ele, duas páginas inteiras. Uma página que mostrava as diferenças entre as cobras

peçonhentas e não-peçonhentas e a outra página destinada a mostrar como o veneno dos

ofídios pode ser útil para nós humanos, na fabricação de medicamentos e soro. Então sobre

esse ponto, podemos verificar dois aspectos antropocêntricos: se o animal é “útil” ou “não” e

se é “peçonhento” ou “não”.

Na abordagem sobre os anfíbios, o autor cria um tópico interessante que fala da

importância ecológica desses tetrápodes, explicando que os sapos e as rãs controlam o número

de insetos de uma determinada região.

Num outro tópico denominado “Outros benefícios para o ser humano”, o autor destaca

que os anfíbios além de terem um controle sobre as pragas da lavoura, são importantes na

alimentação humana como a carne de rã, e para a fabricação de medicamentos, demonstrando

uma visão utilitarista que procura explorar os benefícios que estes animais podem nos

oferecer.

Em um outro parágrafo, o autor explica que os sapos são animais venenosos, porém são

incapazes de inocular esse veneno, servindo apenas de proteção contra os inimigos naturais.

No seguinte capítulo referente aos peixes, existe um tópico chamado “A importância

dos peixes para o ser humano”, o qual estará presente em outros grupos subseqüentes. Neste

tópico o autor salienta a utilização (o caráter útil) destes vertebrados para a alimentação

humana, através da carne de peixe, da extração do óleo que é rico em vitamina A e D e da

fabricação de farinha de peixe como fonte de proteínas.

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No primeiro capítulo sobre os animais invertebrados foi abordado o assunto referente

aos Equinodermos. As imagens eram de animais muito bonitos, evidenciando o caráter

“belo”, característica interessante para nós humanos.

No capítulo referente aos Artrópodes, o primeiro grupo estudado foram os insetos. Ao

classificar a classe Insecta, o autor não se descuidou em colocar características negativas de

alguns animais que representavam suas ordens. Na ordem Anopluros (piolhos), o autor o

caracterizou entre outras coisas, como parasitas de mamíferos, inclusive do ser humano, dos

quais sugam o sangue. Salientou também, que estes seres podem transmitir uma doença

chamada tifo exantemático.

À ordem Diptera (moscas, mosquitos) o autor tratou de lembrar que estes seres

transmitem muitas doenças, como a febre amarela e tifo.

Sobre os Hemípteros (percevejos) o autor citou o barbeiro e comentou que este

transmite a doença de chagas.

Em relação à ordem dos Homópteros (pulgões, cigarras, cigarrinhas) foi comentado que

alguns são pragas nas plantações.

Sobre os cupins (Ordem Isoptera), foi salientado que estes insetos se alimentam de

madeira e alguns são pragas no campo ou na cidade.

Sobre os Ortópteros (esperanças, gafanhotos, grilos) o autor destacou que alguns deles

são pragas para a agricultura. Aliás, incorretamente o autor agrupou as baratas (Ordem

Blattodea), os bichos-pau (Ordem Phasmida) e louva-a-deus (Ordem Mantodea) como

ortópteros.

Em relação as pulgas (Sifonápteros), foi comentado que estes insetos são parasitas de

aves e mamíferos além de transmitir a peste bubônica, ou seja, aspectos negativos são

constantemente lembrados, enquanto que a importância ecológica (aspecto positivo) destes

seres são pouco lembrados e muitas vezes ignorado nos livros didáticos.

Numa questão denominada “No seu dia-a-dia” o autor cita a malária, febre amarela e

dengue dizendo que são doenças transmitidas por mosquitos. Já a doença de Chagas é

transmitida por um percevejo, o barbeiro. Aí é perguntado aos alunos que cuidados eles

podiam dispensar no cotidiano para evitar essas doenças. Essa questão ilustra claramente o

caráter antropocêntrico, já que para uma criança de 6ª série, aspectos nocivos de um

determinado animal podem ser generalizados para outras espécies que possuem alguma

semelhança com os citados no exemplo.

Seguindo no capítulo sobre o Filo Arthropoda, foram estudados o grupo dos crustáceos,

aracnídeos, quilópodes e diplópodes.

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Em relação aos crustáceos o autor faz uma explanação sobre a morfologia e a

reprodução, e ainda destaca a importância para a alimentação humana.

Ao falar dos aracnídeos, o autor já destaca o aspecto “perigoso” desses animais, quando

insere uma gravura de uma aranha armadeira (Phoneutria sp.) em posição de ataque. E ainda

explica que esta aranha pode matar uma criança. Cita também a aranha caranguejeira

(Aphanopelma sp.) comentando que não era uma aranha perigosa, embora os seus pêlos

podem provocar reações alérgicas.

Para a ordem Scorpionida, foi destacado o caráter pernicioso dos escorpiões para o

gênero humano. Foi elaborado um texto explicando como lidar com acidentes provocados por

aranhas e escorpiões.

Vale a pena ressaltar que tanto aranhas como escorpiões possuem uma importância

ecológica muito grande ao serem predadores de insetos e até mesmo pequenos roedores,

controlando a população desses animais. E os aracnídeos são considerados o grupo de maior

sucesso evolutivo entre os quelicerados. Entre algumas de suas especializações está o fato de

evoluírem de formas aquáticas para dominar o meio terrestre. Outra modificação ocorreu no

sistema reprodutor, a fim de evitar a perda de água. A fecundação tornou-se interna e os ovos

são protegidos pela deposição em cavidades úmidas, para evitar a dessecação ou através da

retenção na fêmea (viviparidade) ou pela presença de um envoltório externo.

Mas parece que o caráter evolutivo não é importante para o autor, já que não o comenta

em nenhum momento, sendo o caráter “prejudicial”, que eventualmente esses animais podem

causar o principal tema a ser destacado.

No capítulo referente aos moluscos não poderia faltar a seção “Os moluscos e o ser

humano”, onde o autor procura nos mostrar como estes seres vivos podem nos ser úteis. Então

descreveu que os mariscos, a lula e o polvo representam uma importante fonte alimentar,

sendo a sua carne rica em proteínas e cálcio. Já no aspecto negativo em relação a nós seres

humanos, comentou que um determinado caramujo pode ser transmissor da esquistossomose e

por isso deveríamos tomar cuidado ao entrar em riachos desconhecidos. Voltando à visão

utilitarista, o texto afirma que a tinta que a sépia lança para facilitar a sua fuga, é também

material de desenho. Além disso, o autor lembra da pérola produzida por algumas espécies de

ostras.

Vale a pena ressaltar que este tópico “Os animais e o ser humano”, não foi criado para

mostrar as possíveis interações do grupo que está sendo estudado com o homem. E sim, de

como o homem pode tirar proveito de alguma forma deste grupo, seja na alimentação, na

fabricação de cosméticos ou como um artefato de valor e até mesmo na indústria

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farmacêutica. Ou seja, um caráter extremamente utilitarista, onde está implícita a questão:

“Em que aspecto este ser vivo nos pode ser útil?”. Mas aí me deixa a liberdade de perguntar:

O que o homem faz em benefício desses animais, afim de não explorá-los, e se tornar útil para

eles também? Isto não consta muito nos livros didáticos.

No capítulo sobre os anelídeos, achei interessante o autor ter comentado sobre o papel

ecológico dos oligoquetas (minhocas) onde estas misturam a matéria orgânica do solo,

facilitando na decomposição da matéria morta e transformando em sais minerais.

Na parte do Filo Nematoda (nematelmintos) o autor explica que existem formas de vida

livre e os parasitas, então comenta sobre as formas parasitas e como fazer para se prevenir e

identificar os sintomas. A partir deste momento a abordagem sobre os nematelmintos

parasitas é muito parecida. Por exemplo, com o gênero Ascaris, causador da ascaridíase ou

lombriga, o autor descreve a localização do verme no organismo humano, a quantidade de

ovos que uma fêmea adulta pode colocar, o ciclo completo de vida do animal, e os sintomas

como distúrbios digestivos e intestinais e até mesmo asfixia. Além de comentar a profilaxia da

doença.

No entanto, é deixado de lado o caráter de especialização desse animal e a evolução do

grupo, para destacar o caráter nocivo em relação aos seres humanos. É possível ter estas duas

abordagens: a de especialização e evolução e a de prevenção, mas devemos tomar cuidado

para não destacar apenas o aspecto negativo do grupo que está sendo estudado.

Sobre o Filo Platyhelmintes parece haver uma repetição em relação ao Filo anterior, no

aspecto relativo as doenças que estes seres podem causar aos humanos. O autor dividiu o Filo

em classes, explicando que a classe Turbellaria, a qual pertencem as planárias, indivíduos de

vida livre, enquanto as outras classes consistiam em indivíduos parasitas do homem e

animais. As gravuras mostravam o ciclo de vida destes animais de corpo chato, e também

alertava sobre os perigos em andar de pés descalços, comer carne mal assada ou nadar em

lagoas ou riachos. Ou seja, tanto o estudo dos platelmintos como o estudo dos nematelmintos

recebeu um enfoque antropocentrista já que as informações sobre estes organismos eram

voltadas em alertar sobre “os perigos” que estes animais podem representar para nós

humanos, assumindo uma posição central nos textos produzidos pelo autor.

O próximo capítulo do livro era sobre os celenterados e poríferos. Logo no inicio, você

percebe o caráter “belo” que o autor quer destacar. O aspecto beleza está intrínseco nos livros

didáticos, pois é uma característica muito apreciada pelos humanos, sendo assim possuindo

também um apelo antropocêntrico.

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GEWANDSZNAJDER, Fernando; LINHARES, Sérgio. Biologia Hoje. 11.ed. São Paulo:

Ática, 2004.

Neste livro eu observei como o autor aborda os animais invertebrados em relação à

questão utilitarista, de nocividade, enfim englobando características antropocêntricas.

No primeiro capítulo, referente aos Poríferos não notei nenhum característica centrada

no ser humano. Já no Filo Cnidaria, logo na introdução foi citado que os habitantes de regiões

litorâneas conheciam bem esses animais por causarem lesões no corpo semelhantes a

queimaduras. O aspecto negativo é observado logo no início, enquanto as características ou a

importância destes seres vivos foram comentadas depois.

Nas questões de vestibular é perguntado por que as medusas podem pelo simples

contato levar pequenos animais à morte ou provocar irritações cutâneas em seres humanos.

Novamente o aspecto nocivo dos cnidários é colocado em questão.

No Filo Platyhelmintes, na introdução o autor cita as planarias (Classe Turbellaria)

como indivíduos de vida livre e os demais integrantes do grupo como parasitas, tanto do

homem como dos animais.

Na classe dos trematódeos, o autor explica o ciclo de vida do esquistossomo além de

descrever sobre a profilaxia da doença. O ciclo de vida destes vermes chatos é mostrado

esquematicamente num desenho.

O autor ainda escreve sobre outro verme que ataca o fígado do carneiro, a Fascíola

hepatica. Foi mostrado o ciclo de vida da Taenia solium , causadora da teníase e que se aloja

no intestino humano e o verme responsável pela doença chamada Hidatidose o Echinococcus

granulosus que pode ocasionar vesículas no fígado e no cérebro. Então o estudo tanto dos

platelmintos como dos nematelmintos que eu vou comentar agora, ficou sendo o estudo das

doenças que estes vermes podem causar. A morfologia e o caráter de especialização desses

animais estão restritos a apenas alguns comentários, enquanto o aspecto nocivo ocupa a

posição de destaque neste livro didático, por ser prejudicial ao ser humano.

Além do texto evidenciar a questão da nocividade dos platelmintos, também existem as

questões de vestibulares que cobram esse aspecto. Os exemplos a seguir, demonstram o

aspecto nocivo antropocêntrico.

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(Uerj) A neurocisticercose, uma doença cerebral fácil de ser erradicada, mas

praticamente incurável em sua fase crônica, está crescendo no Brasil. O parasita que provoca

a neurocisticercose infesta o organismo através da:

a) Penetração ativa da cercaria na pele exposta aos focos.

b) Ingestão de ovos vivos da tênia encontrados em verduras.

c) Infecção de microfilárias provenientes da picada do mosquito.

d) Invasão de larvas rabditóides presentes em alimentos contaminados.

(Ufes) Para não se contrair doenças como cisticercose e teníase, deve-se evitar,

respectivamente:

a) Comer verduras mal lavadas e comer carne bovina ou suína malpassada.

b) Comer carne bovina ou suína malpassada e nadar em lagoas desconhecidas.

c) Comer carne com cisticerco e comer carne bovina ou suína malpassada.

d) Nadar em lagoas desconhecidas e andar descalços.

e) Andar descalço e comer verduras mal lavadas.

(Vunesp) Existe uma frase popular usada em certas regiões relativas a lagos e açudes: “Se

nadou e depois coçou, é porque pegou”. Essa frase se refere à infecção por:

a) Plasmodium vivax.

b) Trypanosoma cruzi.

c) Schistosoma mansoni.

d) Taenia solium.

e) Ancylostoma duodenalis

Em relação ao Filo Nematoda não difere muito do Filo anterior, pois da mesma forma é

destacado como tema principal as doenças causadas pelos integrantes deste grupo. Tanto, que

o autor colocou um tópico chamado “Principais parasitoses humanas” onde ele destaca as

seguintes doenças: Ascaridíase, Ancilostomose, Filariose, Enterobíase, Estrongiloidíase e

Tricuríase. Em cada uma delas ou autor, descreve a ação do parasita e as maneiras de se

prevenir contra estes.

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E novamente as questões de vestibulares estão voltadas para o aspecto prejudicial desses

animais com o ser humano.

(UFMA] Nas frases I e II, as lacunas ficariam preenchidas corretamente pela

alternativa:

I. A Wuchereria bancrofti, também denominada vulgarmente filária, causa no homem a

_____.

II. A classe Cestoda é constituída por animais endoparasitas. Existem duas espécies de

tênias: a Taenia solium, encontrada na carne de ___ e a Taenia saginata, encontrada na carne

de ___.

a) Enterobiose, boi, porco

b) Elefantíase, porco, boi

c) Enterobiose, porco, boi

d) Elefantíase, boi, porco

e) Ascaridíase, porco, boi

(Cesgranrio-RJ) A elefantíase ou filariose é uma parasitose comum na região

amazônica. Sua profilaxia pode ser feita através do combate ao inseto vetor e do isolamento e

tratamento das pessoas doentes. O agente causador e o hospedeiro intermediário dessa para-

sitose são, respectivamente:

a) Ascaris lumbricoides e um mosquito do género Culex.

b) Wuchereria bancrofti e um mosquito do género Culex.

c) Wuchereria brancrofti e o caramujo.

d) Schistosoma mansonie a filaria.

e) Ancylostoma duodenale e a filaria.

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(PUCC-SP) Formularam-se algumas hipótes sobre o motivo de um menino ter contraído

ascaridíase.

I. Andou descalço sobre terra.

II. Nadou em lagoas com caramujos.

III. Comeu carnes malcozidas.

IV. Levou à boca mão suja de terra.

V. Bebeu água não potável.

São procedentes as hipóteses:

a) I e II. c) II e IV. e) IV e V

b) I e III. d) III e V.

O próximo capítulo do livro trata do Filo Annelida. Ao classificar os anelídeos o autor

comenta sobre as sanguessugas que são parasitas de vertebrados aquáticos, e a ilustração

mostra justamente um homem sendo parasitado. Como se fosse vítima do ataque desse

animal, sendo que ele próprio invade o hábitat da sanguessuga. Além do caráter nocivo que o

autor tentou passar, ainda utilizou o aspecto utilitarista para se referir às sanguessugas, quando

explicou que estas podem ser úteis para o ser humano em cirurgias, ou em tratamentos contra

a trombose através de uma substância anticoagulante produzida por esses animais.

No filo dos artrópodes, seguindo a classificação dos insetos, o autor trata de deixar bem

claro que os Tisanuros (traças), causam grandes danos ao ser humano, roendo livros e tecidos.

A gravura que acompanha a explicação, mostra um tecido com um Tisanuro em cima,

mostrando realmente que o inseto é bem prejudicial para o ser humano, já que o mesmo pode

corroer suas roupas. Ou, seja o autor procura demonstrar apenas o lado negativo para o

homem, esquecendo aspectos importantes da morfologia e biologia deste inseto.

Para classificar os gafanhotos (ortóptero), Linhares explica a importância do canto e da

adaptação ao salto para esses animais, mas não esquece de dizer que estes seres “estão entre

as terríveis pragas das lavouras”. O autor poderia mencionar que as “pragas” não são a causa

do problema das lavouras e sim conseqüências de um ambiente modificado e artificial criado

pelo homem, onde espécies que ocorrem em baixas densidades populacionais em condições

naturais, podem atingir grandes densidades nas condições criadas pelo ser humano, que pode

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favorecer o surgimento de algum fator até então limitante ao aumento dos números, tal como

alimento, praticamente ilimitado em um agroecossistema ou ecossistema agrícola.

O que chama atenção ao classificar os insetos, é que Linhares sempre trata de colocar os

danos causados por diferentes classes de insetos como as doenças que estes podem transmitir

ou como pragas na lavoura, mas não cita o papel que o homem contribui para que isto se torne

um agravante. O aluno ao estudar o assunto, não vai hesitar em matar uma traça, ou destruir

uma sociedade de cupins, sem saber do grau de evolução e importância desses animais para

um ecossistema organizado.

Na seção “Relações entre insetos e o ser humano”, o primeiro parágrafo sedimenta uma

posição extremamente antropocêntrica, quando o autor diz: “Os insetos são responsáveis tanto

por prejuízos como por benefícios a espécie humana”, onde temos mais uma vez a relação de

utilidade com homem. Sobre as interações dos insetos, estes seres interagem entre eles e com

as plantas, mas o autor descreve apenas as interações com os hominídeos.

No tópico sobre os Aracnídeos, os autores subdividem a classe em carnívoros e

predadores, como as aranhas e escorpiões, e ainda comentam que estes, poderiam auxiliar o

ser humano no controle de pragas para a agricultura, colocando uma visão utilitarista. E

acrescentando uma visão de nocividade, classificam os aracnídeos em animais peçonhentos

ou não, o que segundo o livro poderia acarretar em graves acidentes ao homem e animais

domésticos. Nessa passagem temos a visão utilitarista e a visão de nocividade sempre

associada ao ser humano ou animais domésticos. O que seriam “animais domésticos”?

Animais vinculados ao homem, o que intensifica a visão antropocêntrica.

Os autores criaram um quadro com as aranhas peçonhentas ao ser humano. No quadro,

estão as fotos dos aracnídeos “perigosos”. As fotos são bem assustadoras onde algumas

aranhas, como o gênero Phoneutria (aranha-armadeira) está em posição de ataque. Deve-se

tomar cuidado com este tipo de quadro, pois a maioria das vezes faz com que o aluno que

estuda e que trás para sala de aula uma série de mitos, seja influenciado negativamente e, no

caso das aranhas, generalizando uma visão de perigo.

Em um parágrafo relativo às formigas, o autor deixa clara a intenção de posicionar o ser

humano no centro de toda discussão biológica, quando especifica o número de espécies de

formigas conhecidas e entre elas mostrando que existem aquelas que causam prejuízo à

lavoura e outras que se alimentam de frutos caídos, néctar, cadáveres e não causam problemas

ao ser humano. Nessa afirmação, ficam evidentes duas subdivisões: as formigas que causam

prejuízo a nós seres humanos e as que não causam, mostrando uma visão antropocêntrica.

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O Filo Mollusca é baseado no aspecto utilitarista, em que o autor logo na introdução

alerta sobre as várias espécies que podem ser utilizadas na alimentação urbana. O autor ainda

cita algumas espécies de ostras que são capazes de produzir pérolas, uma jóia bastante

cobiçada pelo gênero humano. Algumas questões de vestibular comprovam a intenção do

autor em colocar o homem se beneficiando de alguns aspectos desses animais.

(Unisinos-RS) "[...] Enquanto lá estávamos, foram alguns buscar mariscos e não

acharam; só acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um camarão

muito grande e grosso que em nenhum tempo vi tamanho." (Carta de Pêro Vaz de Caminha

sobre o descobrimento do Brasil)

Ao preparar o cardápio para as bodas de diamante de um casal, a família examinou a

possibilidade de servir frutos-do-mar variados e escolheu: camarão, lagosta, ostras, lulas e

polvo. Do ponto de vista da classificação zoológica, esse cardápio tinha:

a) Crustáceos, moluscos e peixes.

b) Somente peixes e crustáceos.

c) Somente crustáceos.

d) Somente moluscos.

e) Somente crustáceos e moluscos.

(UFU-MG) A produção de pérolas requer a introdução artificial de pequenas partículas

estranhas ao manto. Este circunda o corpo estranho e secreta camadas sucessivas de nácar

sobre ele. Os animais são mantidos em cativeiro por muitos anos até que as pérolas sejam

formadas. Os animais utilizados nesse processo pertencem, respectivamente, ao filo e à classe:

a) Mollusca e Gastropoda.

b) Arthropoda e Crustácea.

c) Arthropoda e Insecta.

d) Mollusca e Cephalopoda.

e) Mollusca e Pelecypoda.

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Em relação ao Filo Echinodermata, não notei nenhuma apelação antropocentrista, a não

ser pelo destaque do “belo” das estrelas-do-mar, lírios-do-mar e pepinos-do-mar sendo

mostrados em gravuras.

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4 OBSERVAÇÕES EM SALA DE AULA

O estudo foi realizado em um colégio particular do município de São Leopodo, sendo

observadas duas aulas da 6ª série do Ensino Fundamental e duas aulas do 2º ano do Ensino

Médio.

Tanto uma turma como a outra, tratavam de um mesmo tema, animais invertebrados,

com abordagens e metodologias diferenciadas entre elas.

A turma da 6ª série, orientada pelo Prof. Fernando é formada por 24 alunos, sendo 20

meninos e 4 meninas com faixa etária entre onze e doze anos.

Em relação ao material didático, os alunos possuem um polígrafo com o conteúdo do

ano inteiro, no qual podem acompanhar as aulas, realizar exercícios e organizar leituras.

No dia em que estive presente (23/05), os alunos estavam se preparando para realizar

apresentações sobre os Filos Porifera, Cnidaria, Platyhelminthes, Nematoda, Annelida e

Mollusca. O professor orientou os alunos para que cada grupo tivesse de cinco a sete minutos

para apresentar e que não houvesse leitura. Todos os grupos utilizaram como recurso visual

cartolina com gravuras e explicações.

O primeiro grupo a se apresentar foi o do Filo Porifera. Os alunos não tiveram muito

sucesso na apresentação pois falavam muito baixo e liam o material. O educador interrompeu

a apresentação para realizar uma leitura em grupo com todos os alunos. A leitura era seguida

de algumas explicações sobre as características das esponjas, como o hábito de ser fixa a um

substrato, ter o corpo poroso e o esqueleto formado por espículas, bem como os tipos

morfológicos existentes.

Para colocar uma abordagem um pouco diferenciada, acredito que se fosse comentado o

caráter da individualidade de cada célula de um porífero, onde a maioria de suas células é

separada, realizando sua atividade vital individualmente, traria uma possível discussão sobre o

que é ser um indivíduo? Se a abordagem tradicional é vista até então como um conjunto de

células agrupadas a fim de realizar uma determinada função.

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O segundo grupo a se apresentar foi o do Filo Cnidaria. Os alunos desenharam uma

água-viva explicando sua morfologia e hábitat. O professor acrescentou sobre o ciclo de vida

de um medusóide explicando as possíveis formas de vida, pólipo e medusa. E tratou de

explicar que estes animais, liberam uma substância urticante que podem provocar

queimaduras na pele. Ou seja, colocou o homem como alvo de um possível contato com estes

seres vivos. E para continuar, o professor explicou ainda aos alunos, que a substância

produzida pelos nematocistos não seria capaz de paralisar uma pessoa adulta, mas no caso se

a “vítima” fosse uma criança havia essa possibilidade.

Nessa passagem descrita acima, podemos perceber que os seres vivos em questão - os

cnidários - passaram de organismos interessantes a serem estudado como um grupo com

características e formas únicas a algozes de um ataque ao ser humano. Novamente a discussão

biológica se volta para quem criou a própria discussão biológica, o homem.

O grupo 3 apresentou um material referente ao Filo dos Platelmintos. Como os demais

grupos, foi comentado pelos alunos o aspecto do corpo achatado e apresentado a classe das

planárias, os turbelários. Os alunos logo após explicar aspectos referentes a planária, como a

capacidade de regeneração, já começaram citando as doenças que os platelmintos podem

causar ao ser humano, como a teníase, sem exemplificar que as tênias, pertencem a uma outra

classe, a Cestoda.

Um aspecto positivo foi o comentário que o professor fez referente a planária,

explicando que são seres que possuem uma importância ecológica muito grande por serem

bioindicadores da qualidade da água. A partir deste momento o assunto ficou sendo as

doenças, a profilaxia e os ciclos de vidas nos hospedeiros intermediários até chegar ao

homem. É nesse momento que se evidencia a problemática do ensino de ciências referente aos

seres vivos. Os processos de especialização das estruturas dos animais para a evolução de

grupos subseqüentes não é tratado nenhuma vez pelo professor. É como se fosse deixado de

lado todo o aspecto evolutivo do grupo em questão para colocar o caráter “mau” dos

organismos em evidência. São seres vivos que só conseguiram chegar até os dias de hoje

porque criaram um enorme grau de especialização e resistência em suas estruturas através da

evolução, mesmo sendo considerados parasitas.

Devido à falta de tempo para as apresentações restantes, o grupo do Filo

Nemathelminthes foi o último a se apresentar. Foi comentado pelos alunos características

morfológicas, como sendo vermes não-segmentados com o corpo cilíndrico e as

características gerais, sua simetria bilateral, a presença de 3 folhetos germinativos, com

extremidade ou probóscide.

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Após a interessante explanação sobre os nematódeos, o grupo começou a falar das

doenças que afligem o homem e que são causados por estes vermes. Nesse assunto, os alunos

citaram a “lombriga” – ascaridíase, evidentemente a mais conhecida e popular doença causada

por esses seres vivos, tanto que dois alunos comentaram que já tiveram esse “problema”. O

professor tratou de lembrar de uma outra doença causada pelos vermes Ancylostoma

duodenale e Necator americanus chamada de Ancilostomose ou popularmente conhecida

como “Amarelão”, que se instalam no intestino do homem. Além dessa explicação o professor

incluiu também um platelminto no Filo dos nematelmintos, quando comenta que a Taenia

solium passa a maior parte do tempo no corpo do porco.

Na realidade não há problema algum em comentar fatores patógenos que os animais

podem causar ao ser humano, e sim, à proporção que isso toma em relação a outros aspectos

importantes como a ecologia ou mesmo o aspecto evolutivo.

Continuando com as observações em sala de aula no mesmo colégio do município de

São Leopoldo, assisti dois períodos de uma turma do 2º ano do Ensino Médio, onde o assunto

também se referia aos animais invertebrados.

Num primeiro momento da aula, a professora em questão, entregou a prova de

recuperação que os alunos haviam feito, corrigindo com eles as questões e esclarecendo

algumas dúvidas que haviam ficado.

A educadora começou a aula explicando o Filo Cnidaria, onde os alunos podiam

acompanhar em seus polígrafos que eram divididos por módulos. Ao se referir à reprodução

assexuada das hidras (Classe Hydrozoa), que se dava por brotamento, comparou os brotos das

hidras aos da bananeira, que nasciam depois da bananeira ser cortada. Realmente, a bananeira

ao ser cortada, é capaz de originar novos brotos, mas no caso dos hidrozoários ocorre pelo

fenômeno da maturação, onde os brotos adultos destacavam-se do corpo originando hidras

independentes, diferente do exemplo da bananeira.

Na classe do cifozoários (Classe Cyfozoa), representado pelas águas-vivas a educadora

também explicou as formas de reprodução, destacando a alternância de geração e a

reprodução assexuada, representada pelo processo de estrobilização onde pólipos adultos são

segmentados dando origens a novas águas-vivas.

Sobre a capacidade de regeneração, a professora citou exemplos da lagartixa, que por

um mecanismo de autodefesa é capaz de desprender a cauda para fugir dos inimigos, onde

depois começa a regenerar uma nova cauda, porém sem vértebras. No mesmo assunto,

comentou a capacidade de regeneração das estrelas-do-mar.

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Antes de pedir para os alunos resolverem algumas questões objetivas presente no

polígrafo, a educadora explicou o sistema respiratório e excretor dos cnidários.

Após a realização dos exercícios, foi dito aos alunos que eles estavam atrasados em

relação a uma outra turma que já estavam no Filo dos nematelmintos e por isso o conteúdo

teria que ser “acelerado”. E acrescentou que pretende realizar uma pesquisa sobre as doenças

provocadas pelos nematódeos ao ser humano. Demonstrando a preocupação em alcançar a

outra turma, são omitidas informações importantes referentes ao objeto de estudo, e,

colocando em primeiro lugar uma atividade que demonstra os “malefícios” que um

determinado organismo pode causar a nós seres humanos, apenas evidencia uma visão

antropocêntrica cultural que é passado de professor para professor, tanto em escolas

particulares como no ensino público.

O próximo conteúdo que começou a ser estudado foi sobre o Filo Platyhelminthes. A

educadora começou o assunto colocando as categorias taxonômicas na vertical, identificadas

apenas pela primeira letra de cada categoria, assim: R, F, C, O, F, G, E. Explicou a que Filo

pertence os platelmintos e mostrou algumas semelhanças e diferenças em relação a outros

dois Filos: Annelida e Nematoda.

Acredito que esta explanação é válida para a diferenciação dos grupos. A biologia

comparada é uma importante ferramenta para a compreensão dos aspectos evolutivos entre os

seres vivos, demonstrando aspectos em comum e o caráter de especialização de um grupo

para o outro.

Em seguida, a professora explicou que os platelmintos são parasitas do homem e de

animais. Aí ela perguntou aos alunos, outros exemplos de parasitas, e, entre os citados

estavam: piolho, vermes, lombriga, pulga e carrapatos. Destacando novamente o aspecto

negativo de alguns seres vivos.

Após esta interação com os alunos, a educadora comparou o Filo dos platelmintos com

o Filo dos nematelmintos, destacando alguns pontos em comum, como o fato de possuírem o

corpo achatado. A importância que tiveram estes seres vivos pelo fato de serem os primeiros

organismos do Reino Animalia a possuir os três folhetos germinativos. Um importante fato a

ser considerado do ponto de vista evolutivo.

A partir deste ponto, e, através de muitas interrupções por parte dos alunos, o assunto

passou a ser a “lombriga” – Ascaris lumbricoides, um nematódeo intestinal comum do

homem e do porco. Muitos alunos apresentaram exemplos e contos desses vermes na família,

histórias de como capturar o organismo ou evitar o seu contato. A própria educadora entrou

no clima da turma, quando um aluno perguntou como se fazia para capturar o verme. Então

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ela explicou que existem medicamentos para isso, e até brincou, dizendo que uma forma de

capturar era dando doces pra pessoa doente, uma vez que se parasse de dar o doce para a

mesma, o animal viria até a boca buscar o alimento, e aí ele era capturado.

Notamos, nesta passagem, a clara preocupação com os aspectos negativos que estes

seres vivos podem causar ao homem. E o pior, que o senso comum aliado a uma visão

antropocêntrica faz com que estes ensinamentos continuem a ser passados desse mesmo jeito,

com um enfoque na doença e no fator prejudicial de um determinado organismo com uma

visão folclórica e até mesmo humorada do assunto.

Talvez no caso dos nematódeos, seria interessante comentar, que o fato desses animais

serem mais bem conhecidos como parasitas, existem muitas formas de vida livre e que podem

se alimentar de algas, dos líquidos de planta grandes, de detritos e até mesmo da matéria

morta. Mostrar esses outros hábitos alimentares para tentar diminuir o enfoque animal

prejudicial, e fazer com que o homem saia do seu “altar”, onde enxerga os demais seres vivos

como ele quer, e não como eles realmente são.

As observações em sala de aula foram feitas também em uma escola da rede pública

estadual de ensino no município de São Leopoldo.

A primeira turma que eu observei, foi uma turma de 6ª série que era ministrada por um

professor.

O assunto que ia começar a ser abordado era referente ao Filo Porifera, onde os alunos

podiam acompanhar através de um livro didático.

O professor começou a falar das características das esponjas, como sendo animais fixos

que vivem presos a um substrato e exclusivamente aquáticos. Logo em seguida, para

demonstrar a morfologia interna de um espongiário o professor fez um desenho esquemático

no quadro chamando a atenção dos alunos para as diferentes estruturas internas das esponjas:

o ósculo (orifício por onde sai a água da esponja), poros, os coanócitos (células responsáveis

pela movimentação da água e captura de alimento), amebócitos (células de sustentação), os

pinacócitos (constituem a pinacoderme) e as espículas (formam o esqueleto da esponja).

Com o desenho no quadro, também explicou para os alunos que a sustentação das

esponjas se dava através de uma rede de fibras flexíveis e macias de uma proteína chamada

espongina, e numerosas espículas, que podem ser de carbonato de cálcio ou de sílica.

Em seguida, explicou como ocorrem as trocas gasosas das esponjas. Mostrando a

importante função que a água desenvolve, sendo uma fonte constante de oxigênio para a

respiração e auxiliando também no processo de excreção.

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Prosseguindo com a aula, o professor fez um outro desenho no quadro para explicar a

reprodução das esponjas. Na ilustração foram desenhadas duas esponjas, onde foi explicado o

processo de reprodução sexuada, através da formação da célula ovo, dando origem a uma

nova esponja. Explicou o processo assexuado, com a formação de gêmulas, uma espécie de

brotos que se desprendiam da esponja adulta originando um novo exemplar.

Na abordagem do professor não observei nenhum conteúdo antropocêntrico em relação

aos poríferos. Para mim, foi uma abordagem tradicional que explicava a morfologia, estrutura

e reprodução das esponjas.

Após observar os dois períodos da 6ª série, eu passei para uma turma do 2º ano do

Ensino Médio sendo ministrada por uma professora. Esta, estava introduzindo o conteúdo

referente ao Reino Animalia.

No inicio a professora falou sobre as características dos animais. E os organizou em

seres pluricelulares, heterotróficos e eucarióticos. Ainda colocou no quadro que os animais

podem ser classificados de acordo com: nível de organização, o funcionamento geral do

corpo, o modo de vida e o tipo de reprodução. Até este ponto não percebi nenhum caráter

antropocêntrico em relação à explanação da professora.

Em seguida, foi explicado aos alunos que os animais eram agrupados em Filos, a fim de

reunir características semelhantes. Então foram citados todos os Filos do Reino Animalia.

Após esta breve explicação, a professora explicou sobre a simetria e segmentação.

Explicou que se o corpo pudesse ser dividido em duas metades simétricas, o indivíduo teria

simetria bilateral. Já a simetria radial, era quando o corpo do animal pudesse ser dividido em

vários planos de simetria dispostos em raios, onde citou os equinodermos.

Sobre a segmentação, a professora explicou que tratava-se de uma repetição das partes

do corpo do animal. E citou o exemplo da minhoca, explicando que cada segmento do seu

corpo era chamado de metâmero. E separou os animais segmentados em dois grupos:

Homônimos: possuem os segmentos iguais; Heterônimos: possuem os segmentos diferentes.

Em seguida, a professora que já havia programado uma atividade prática com os alunos,

pediu para que estes se agrupassem.

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A idéia da atividade, era a criação de cartazes que identificassem os grupos de animais

segundo alguns critérios estabelecidos:

� Quanto à simetria;

� Presença ou ausência de folhetos germinativos;

� Quanto à presença de celoma;

� Quanto ao tipo de formação do celoma (esquizocélica ou enterocélica).

De acordo com essas características os alunos teriam que identificar a que Filo se

tratava o animal.

É uma atividade bem interessante, classificar os animais de acordo com as

características embrionárias, porém toda a forma de classificar, é de uma certa maneira uma

forma de reafirmar o gênero humano como mais desenvolvido, já que é dotado de simetria

bilateral, possui três folhetos germinativos e um celoma verdadeiro. Se bem que nesses

critérios também se classificam os equinodermos, não sendo os homens únicos portadores

dessas características.

Seria muito pior se a professora pedisse para classificar os animais segundo o grau de

evolução, daí os alunos chegariam à conclusão de que o homem se encontra no topo desta

escala, em um caráter antropocêntrico e injusto com outros animais altamente especializados.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho foi útil para ilustrar a situação do ensino de ciências em relação ao

caráter antropocêntrico referente aos animais. Através dos questionários, os professores

demonstraram por associação, suas preferências em relação a grupos específicos de animais,

dando-lhes adjetivos ou alertando para o caráter nocivo, como “venenoso”, “amigo”,

“elegante”, “cuidado”, entre outros. Com as observações em sala de aula pude notar que o

estudo de alguns filos representava ser mais importantes do que outros, por terem uma maior

ligação com o ser humano. Grupos que podem nos ser “úteis” de alguma forma, seja na

alimentação, na fabricação de medicamentos ou para o controle de pragas na lavoura,

possuem um maior destaque. Os livros didáticos também forneceram um forte apelo

antropocentrista, sendo os animais invertebrados os que mais sofrem com o julgamento de

nocividade. Os animais vertebrados possuem aspectos mais relacionados com o “belo” e com

o “útil” em relação aos seres humanos.

Atividades que busquem uma abordagem menos tradicional, propondo ao aluno

investigar cada especialização de um determinado grupo, através de pesquisa e até mesmo

com atividades lúdicas e exemplos práticos, bem como ressaltar a importância ecológica e

evolutiva dos seres vivos, poderia ser um caminho a ser discutido pelos nossos educadores, a

fim de evitar a conhecida “escala zoológica”, que determina que um organismo seja mais ou

menos evoluído que outro.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO A – Questionários e fichas de observação de um colégio particular do município de

São Leopoldo (Turmas: 6ª série / 2º ano do Ensino Médio)

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ANEXO B – Questionários e fichas de observação de um colégio da rede estadual do

município de São Leopoldo (Turmas: 6ª série / 2º ano do Ensino Médio)