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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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Bicentenário de Allan Kardec

Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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Sumário Apresentação ................................................................................................................................ 3

Introdução .................................................................................................................................... 3

Biografia de Allan Kardec ............................................................................................................. 8

Memória Histórica ...................................................................................................................... 58

I - Retrospecto ........................................................................................................................ 58

II - O Movimento Moderno .................................................................................................... 64

III – O Espiritismo no Brasil .................................................................................................... 79

Estatística .................................................................................................................................. 106

Portugal e Ilhas ..................................................................................................................... 106

Espanha ................................................................................................................................. 106

França .................................................................................................................................... 106

Itália ...................................................................................................................................... 107

Bélgica ................................................................................................................................... 107

Alemanha .............................................................................................................................. 108

Inglaterra .............................................................................................................................. 108

Áustria - Hungria ................................................................................................................... 108

Holanda ................................................................................................................................. 108

Suécia e Noruega .................................................................................................................. 108

Sérvia ..................................................................................................................................... 108

Rússia .................................................................................................................................... 108

Austrália ................................................................................................................................ 108

América do norte .................................................................................................................. 108

México ................................................................................................................................... 109

Antilhas ................................................................................................................................. 109

América do Sul ...................................................................................................................... 109

Brasil...................................................................................................................................... 109

Nomenclatura ........................................................................................................................... 110

Histórico do Espiritismo ........................................................................................................... 116

Resumo do Ensino dos Espíritos .............................................................................................. 131

Máximas Extraídas do Ensino dos Espíritos ............................................................................. 141

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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Apresentação

O Teatro Espírita Leopoldo Machado – TELMA, replica-o em

homenagem aos duzentos anos do nascimento de Allan Kardec,

nobre e talentoso Codificador da Doutrina dos Espíritos. Esperamos

cativa, contribuir para o enriquecimento do acervo científico e

filosófico do Espiritismo nas terras do Cruzeiro do Sul.

Parabéns a Kardec pelo transcurso de sua efeméride.

Justiça e Paz!

Carlos Bernardo Loureiro

Salvador, 03 de outubro de 2004.

Introdução

Com a publicação do presente trabalho, destinado a

comemorar o centenário natalício de Allan Kardec, a Federação

Espírita Brasileira visa um duplo objetivo: fixar por essa forma

alguns esparsos apontamentos, que serão um dia utilizados,

quando se tenha de escrever a história do Espiritismo no mundo,

particularmente em nosso país, e dissipar as prevenções que

porventura subsistam no espírito de muitos, acerca do caráter e

dos intuitos desta Doutrina, que se tem rapidamente propagado

por toda a parte, aliciando as mais significativas simpatias e

adesões, mas ao mesmo tempo provocando as mais rudes

hostilidades e caluniosas investidas.

Dividimo-lo para isso em duas partes. Na primeira,

propriamente histórica, são passados em revista os

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antecedentes do atual movimento doutrinário e fenomenal,

desde a mais remota antigüidade até os nossos dias, e

mencionados, com auxílio dos dados que nos foi possível obter,

os trabalhos de organização recentemente empreendidos, os

quais, embora ainda embrionários, já permitem fazer uma idéia

da importância e do futuro desta consoladora Doutrina.

Constitui a segunda parte a sintética monografia intitulada

O Espiritismo em Sua Mais Simples Expressão, publicada por

Allan Kardec, mas entre nós quase inteiramente desconhecida,

na qual as linhas fundamentais da Doutrina Espírita são

esboçadas com uma sobriedade de estilo e uma clareza que

permitem uma instantânea visão do conjunto da sua estrutura

geral e dos seus elevados ensinos.

Julgamos, além disso, necessário precedê-las da biografia

do grande missionário, afim de tornar conhecida dos leitores

alheios às nossas cogitações essa austera e veneranda figura,

cuja missão no seio da humanidade só mais tarde poderá ser

devidamente reconhecida por todos, assinalando-se-lhe o

eminente lugar que lhe pertence na galeria dos seus

desinteressados benfeitores.

Por aí se ficará sabendo que o grande apóstolo do moderno

Espiritualismo, longe de ser um desses Espíritos crédulos ou

facilmente entusiastas, possuía uma organização física

admiravelmente equilibrada, que lhe assegurava um golpe de

vista seguro e penetrante de todas as coisas, podendo, graças

ao seu sólido preparo científico e ao bom senso de que era

excepcionalmente dotado, penetrar nesse domínio do

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desconhecido, para o explorar com a firmeza de um verdadeiro

predestinado.

Ver-se-á ainda que a Doutrina, a que se acha

perpetuamente associado o seu nome não é uma obra pessoal,

nem o resultado de teorias formuladas à priori, mas, ao contrário,

o fruto de longas e pacientes investigações, a que ele não se

resolveu senão depois de uma legítima relutância diante da

singularidade dos fenômenos, a cuja aceitação se opusera ao

começo, em nome da própria disciplina científica do seu Espírito.

Uma vez, porém, colocado no caminho da Verdade, hesitou

não somente em adotá-la, mas em proclamar a sua

demonstração aos quatro ventos, votando-se denodadamente a

sua divulgação como o maior serviço que poderia prestar à

humanidade, muito embora devesse isso produzir-lhe os mais

cruéis e profundos dissabores, que são quase sempre a moeda

com que a ingratidão dos homens retribui os serviços dos que os

servem com desinteresse.

Fazendo-se o intermediário dos Espíritos, que foram as

vozes do céu, portadoras de uma nova revelação à Terra, Allan

Kardec reservou para si a função aparentemente modesta, mas

realmente importantíssima e difícil, de coordenador dos seus

ensinos, traçando o plano geral da Doutrina, em forma de um

vasto, complexo e minucioso questionário.

Que nos dizem esses ensinos? É o que o leitor encontrará

no fim deste trabalho. Por agora seja-nos lícito adiantar que,

fazendo uma nova e transcendente demonstração da existência

de Deus e da imortalidade da alma, enfeixando a concepção do

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universo e das suas leis, na ordem moral como na ordem física,

em uma larga e poderosa síntese, esses ensinos rasgam novos

e surpreendentes horizontes às aspirações do espírito humano,

recuando ao infinito a órbita dos conhecimentos que é chamado

a adquirir.

Mas, não é tudo. Científica em seus fundamentos e pelos

seus processos, filosófica em suas deduções, arrojadas mas

calcadas no mais puro racionalismo, a Doutrina Espírita vem,

sobretudo, operar uma profunda revolução na ordem moral ou

religiosa.

Ele retoma as tradições do Cristianismo primitivo, no ponto

em que as deixaram os seus infiéis depositários, que o foram

lentamente desfigurando com toda a sorte de adaptações

parasitárias, através dos séculos, e vem restabelecer os ensinos

do Evangelho em espírito e verdade, para confusão dos céticos,

edificação dos crentes, consolo dos aflitos e regeneração dos

transviados.

Na hora presente, em que um vertiginoso descalabro da

moralidade pública e privada ameaça a estabilidade social e

doméstica; quando, como entre nós, as noções do dever e da

virtude, a austeridade no homem e o recato na mulher, o

desinteresse, a abnegação, tudo o que pode fazer a grandeza do

povo e a dignidade da espécie, o sentimento religioso, o culto da

pátria e da família, é rebaixado e substituído pelo espírito do mais

grosseiro utilitarismo; que pode verdadeiramente haver de mais

oportuno e providencial que o aparecimento de uma Doutrina

como esta, que com toda a força da evidência, se impõe aos mais

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refratários Espíritos, dando às aspirações humanas um

enobrecedor e elevado rumo?

É o que efetivamente faz o Espiritismo. Ele não solicita,

demonstra. Ao lado dos erros e das calamidades que afligem as

sociedades contemporâneas, ele vem colocar o remédio que as

deve vigorar e redimir.

Aos sábios procura convencer pela comprovação científica

das verdades que afirma; aos indiferentes, pela eloqüência dos

seus testemunhos, que lhes há de sacudir o mórbido torpor. Aos

crentes de todas as religiões oferece um ideal mais adiantado e

mais perfeito, substituindo por esse culto espiritual de que falava

Jesus à Samaritana ao pé do poço de Jacob, as cerimonias

ritualísticas, de si mesmas insuficientes para a nutrição das

almas.

E assim, em meio das surdas inquietações que por toda a

parte perturbam os Espíritos, antes que o desmoronamento das

velhas instituições sociais e políticas lance as nações na

anarquia e na ruína moral, ele surge como uma nova aurora

alviçareira e redentora. O mundo dos preconceitos, das

injustiças, do egoísmo e da arrogância triunfante, vai ceder o

lugar à nova era da paz e da fraternidade, que surge no horizonte

do planeta. Como um frêmito de asas pelo azul, as vozes dos

Espíritos por toda a parte anunciam.

Sursum Corda!

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Biografia de Allan Kardec

Minhas senhoras, meus senhores1:

Muitas pessoas que se interessam pelo Espiritismo

manifestam muitas vezes o pesar de não possuir senão um

conhecimento muito imperfeito da biografia de Allan Kardec, e de

não saber onde encontrar, sobre aquele que chamamos o

Mestre, as informações que desejariam conhecer. Pois que é

para honrar Allan Kardec e festejar sua memória que nos

achamos hoje reunidos; pois que um mesmo sentimento de

veneração e de reconhecimento faz vibrar todos os nossos

corações a respeito do fundadorda filosofia espírita, permite-me,

no intuito de tentar corresponder a tão legitimo desejo, que vos

entretenha alguns momentos com esse mestre amado, cujos

trabalhos são universalmente conhecidos e apreciados, e cuja

vida intima, cuja laboriosa existência são apenas conjeturadas.

Se fácil foi a todos os investigadores conscienciosos

inteirarem-se do alto valor e do grande alcance da obra de Allan

Kardec pela leitura atenta de suas produções, na ausência até

hoje de elementos para isso, bem poucos puderam penetrar na

vida do homem íntimo e segui-lo passo a passo no desempenho

de sua tarefa, tão grande, tão gloriosa e tão bem preenchida.

Não somente a biografia de Allan Kardec é pouco

conhecida, como ainda está por ser escrita. A inveja e o ciúme

1 Conservamos ao presente trabalho a forma de conferência que lhe deu o autor, lendo-a por ocasião da solenidade com que os espíritas de Lyon celebraram, a 31 de março de 1896, o 27° aniversário da desencarnação de Allan Kardec. (N. do T.)

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semearam sobre ela os mais evidentes erros, as mais grosseiras

e as mais impudentes calúnias.

Vou, portanto, esforçar-me por vos mostrar sob uma luz

mais verdadeira o grande iniciador de quem nos desvanecemos

de ser discípulos.

Todos sabeis que a nossacidade se pode honrar, por justo

título, de ter visto nascer entre seus muros esse pensador tão

arrojado quão metódico, esse Filósofo sábio, clarividente e

profundo, esse trabalhador obstinado, cujo labor sacudiu o

edifício religioso do velho mundo e preparou os novos

fundamentos que deviam servir de base à evolução e à

renovação da nossa sociedade caduca. Impelindo-a para um

ideal mais são, mais elevado, para um adiantamento intelectual

e moral seguros.

Foi, com efeito, em Lyon que a 03 de outubro de 1804

nasceu, de uma antiga família lionesa com o nome de Rivail,

aquele que devia mais tarde ilustrar o nome de Allan Kardec e

conquistar para ele tantos títulos à nossa profunda simpatia, ao

nosso filial reconhecimento.

Eis aqui a esse respeito um documento positivo e oficial:

“Aos 12 do vindimário do ano XIII, auto do nascimento de

Denizard Hippolyte Léon Rivail, nascido ontem às 7 horas da

noite, filho de Jean Baptiste- Antoine Rivail, magistrado e juiz, e

Jeanne Duhamel, sua esposa, residentes em Lyon, rua Sala, n°

76.

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“O sexo da criança foi reconhecido masculino.

“Testemunhas maiores:

“Syriaque-Frederic Dettmat, diretor do estabelecimento das

águas minerais da rua Sala. e Jean François Targe, mesma rua

Sala, à requisição do médico Pierre Radamel rua Saint

Dominique. n° 78.

“Feita a leitura, as testemunhas assinaram, assim como o

maire da região do Meio- dia.”

“O Presidente do tribunal, (Assinado): Mathiou”.

O futuro fundador do Espiritismo recebeu desde o berço um

nome querido e respeitado e todo um passado de virtudes de

honra, de probidade; grande número de seus antepassados se

tinha distinguido na advocacia e na magistratura, por seu talento,

saber e escrupulosa probidade. Parecia que o jovem Rivail devia

sonhar, também ele, com os louros e as glórias de sua família.

Assim, porém, não foi, porque desde o começo da sua juventude

ele sentiu-se atraído para as Ciências e a Filosofia.

Denizard Rivail fez em Lyon os seus primeiros estudos e

completou em seguida sua bagagem escolar em Yverdun (Suiça)

com o célebre professor Pestalozzi, de quem cedo tornou-se um

dos mais eminentes discípulos e um colaborador inteligente e

dedicado. Ele se tinha aplicado de todo o coração à propaganda

do sistema de educação que exerceu tão grande influência sobre

a reforma dos estudos na França e na Alemanha. Muitíssimas

vezes, quando Pestalozzi era chamado pelos governos, um

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pouco de todos os lados, para fundar institutos semelhantes ao

de Yverdun, confiava a Denizard Rivail o cuidado de o substituir

na direção da sua escola. O discípulo tornado mestre tinha, além,

de tudo, com os mais legítimos direitos, a capacidade requerida

para dar boa conta da tarefa que lhe era confiada. Ele era

Bacharel em Letras e em Ciências e Doutor em Medicina, tendo

feito todos os seus estudos médicos e defendido brilhantemente

sua tese. Lingüista distinto, ele conhecia a fundo e falava

corretamente o alemão e o inglês, o italiano e o espanhol,

conhecia também o holandês e podia facilmente exprimir-se

nesta língua.

Denizard Rivail era um alto e beto rapaz de maneiras

distintas e humor jovial, bom e obsequioso. Tendo-o a conscrição

incluído para o serviço militar, ele obteve isenção, e dois anos

depois veio fundar em Paris, à rua Sèvres, n°35; um

estabelecimento semelhante ao de Yverdun.Paraessa empresa

se associara com um de seus tios, irmão de sua mãe, o qual era

seu sócio capitalista.

No mundo das letras e do ensino, que frequentava em

Paris, Denizard Rivail encontrou a senhorita Amélie Boudet, que

era professora de 1ª classe. Pequena, muito bem feita,

entretanto gentil e graciosa, rica por seus pais, e filha única,

inteligente e viva, ela soube por seu sorriso e por seus

predicados fazer-se notar por Denizard Rivail, em quem

adivinhou, sob a franca e comunicativa alegria do homem

amável, o pensador sábio e profundo, aliando uma grande

dignidade a mais esmerada urbanidade.

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O registro civil nos informa que:

“Amélie Gabrielle Boudet, filha de Julien-Luis Boudet,

proprietário e antigo tabelião, e de Julie Louise Seigneat de

Lacombe, nasceu em Thiais (Seine), aos 2 do frimário do ano IV

(23 de novembro de 1795)”.

A senhorita Amélie Gabrielle Boudet tinha, pois, mais nove

anos que o Sr. Rivail, mas na aparência tinha menos dez que ele;

quando, em 06 de fevereiro de 1832, firmou-se em Paris o

contrato de casamento de Denizard Hipollyte Léon Rivail, diretor

do Instituto Técnico, à rua de Sèvres (método Pestalozzi), filho

de Jean-Baptiste Antoine e senhora, Jeanne Duhamel,

residentes em Château-du-Loir, com Amelie-Gabrielle Boudet,

filha de Julien Louis e senhora, Julie Louise Seigneat de

Lacombe, residente em Paris, 35, Rua de Sèvres.

O sócio do Sr. Rivail tinha a paixão do jogo; arruinou seu

sobrinho, perdendo grossas somas em Spa e em Aix-la-

Chapelle. O Sr. Rivail requereu a adação do Instituto, de cuja

partilha couberam 45.000 francos a cada um deles. Essa soma

foi colocada pelo Sr. e a Sra. Rivail em casa de um de seus

amigos íntimos, negociante que fez maus negócios e cuja

falência nada deixou aos credores.

Longe de desanimar com esse duplo revés, o Sr. e a Sra.

Rivail lançaram-se corajosamente ao trabalho. Ele encontrou e

pôde encarregar-se da contabilidade de três casas, que lhe

produziam cerca de 7.000 francos por ano; e, terminado o seu

dia, esse trabalhador infatigável fazia à noite, em serão,

gramáticas, aritméticas, livros para os estudos pedagógicos

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superiores; traduzia obras inglesas e alemães e preparava todos

os cursos de Levy-Alvaires, freqüentados por discípulos de

ambos os sexos do faubourg Saint-Gemain. Organizou também

em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, física,

astronomia e anatomia, que eram muito freqüentados.

Dentre suas numerosas obras convém citar por ordem

cronológica: Plano Apresentado para o Melhoramento da

Instrução Pública, em 1828; em 1829, segundo o método de

Pestalozzi, ele publicou, Panfleto da primeira obra de cunho

pedagógico para uso das mães de família e dos professores,

Curso Prático e Teórico de Aritmética; em 1831 fez aparecer a

Gramática Francesa Clássica; em 1846, Manual dos Exames

para Obtenção dos Diplomas de Capacidade', soluções racionais

das questões e problemas de aritmética e geometria; em 1848

foi publicado o Compêndio Gramatical da Língua Francesa;

finalmente em 1849 encontramos o Sr. Rivail professor no Liceu

Polymático, em que rege cadeiras de fisiologia, astronomia,

química e física. Em uma obra muito apreciada resume seus

cursos, e depois edita: Ditados Normais dos Exames na

Municipalidade e na Sorbonne; Ditados Especiais Sobre as

Dificuldades Ortográficas.

Tendo essas diversas obras sido adotadas pela

Universidade de França, e vendendo-se abundantemente, pode

o Sr. Rivail conseguir, graças a elas e ao seu assíduo trabalho,

uma modesta abastança. Como se pode julgar por esta muito

rápida exposição, o Sr. Rivail estava admiravelmente preparado

para a rude tarefa que ia ter que desempenhar e fazer triunfar.

Seu nome era conhecido e respeitado, seus trabalhos

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justamente apreciados, muito antes mesmo que ele imortalizasse

o nome de Allan Kardec.

Prosseguindo em sua carreira pedagógica, o Sr. Rivail teria

podido viver feliz, honrado e tranqüilo, estando sua fortuna

reconstituída pelo seu trabalho perseverante e pelo brilhante

sucesso que havia coroado seus esforços; mas sua missão o

atraía a uma tarefa mais onerosa, a uma obra maior, e, como

teremos muitas vezes ocasião de o constatar, ele mostrou-se

sempre à altura da missão gloriosa que lhe estava reservada.

Seus instintos, suas aspirações tê-lo-iam impelido para o

misticismo, mas sua educação, seu juízo reto, sua observação

metódica o conservaram igualmente ao abrigo dos entusiasmos

desarrazoados e das negações não justificadas.

Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu pela primeira vez falar

nas mesas girantes, a princípio ao Sr. Fortier, magnetizador, com

o qual mantinha relações, em razão dos seus estudos sobre o

magnetismo. O Sr. Fortier lhe disse um dia: “Eis aqui uma coisa

que é bem extraordinária: não somente se faz girar uma mesa,

magnetizando- a, mas faz-se-a falar. Interroga-se-a, e ela

responde”.

“Isso — replicou Rivail — é uma outra questão: eu o

acreditarei quando o vir e quando me tiverem provado que uma

mesa tem um cérebro para pensar, nervos para sentir, e que se

pode tornar sonâmbula. Até lá, permita-me que não veja nisso

senão um conto para dormir de pé”.

Tal era a princípio o estado de espírito do Sr. Rivail, tal

encontrá-lo-emos muitas vezes, não negando coisa alguma por

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“parti-pris", mas pedindo provas e querendo ver e observar para

crer; tais devemos nos mostrar sempre no estudo tão atraente

das manifestações do Além.

Até agora, não vos falei senão do Sr. Rivail professor

emérito, autor pedagógico de renome. Nessa época, porém, de

sua vida, de 1854 a 1856, um novo horizonte rasga-se para esse

pensador profundo, para esse sagaz observador. Então o nome

de Rivail entra na sombra, para ceder o lugar ao de Allan Kardec,

que a fama levará a todos os cantos do globo, que todos os ecos

repetirão e que todos os nossos corações idolatram.

Eis aqui como Allan Kardec nos revela suas dúvidas, suas

hesitações e também sua primeira iniciação:

“Eu me encontrava, pois, no ciclo de um fato inexplicado na

aparência, contrário às leis da natureza, e que minha razão

repelia. Nada tinha ainda visto nem observado; as experiências

feitas em presença de pessoa honradas e dignas de fé me

firmavam na possibilidade do efeito puramente material; mas a

idéia de uma mesa “falante” não me entrava ainda no cérebro.

“No ano seguinte — era no começo de 1855 — encontrei o

Sr. Carlotti, um amigo de vinte e cinco anos, que discorreu acerca

desses fenômenos durante mais de uma hora. Com o

entusiasmo que ele punha em todas as idéias novas. O Sr.

Carlotti era corso, de uma natureza ardente e enérgica; eu

tinha sempre distinguido nele as qualidades que caracterizam

uma grande e bela alma, mas desconfiava da sua exaltação. Ele

foi o primeiro a falar-me da intervenção dos Espíritos, e contou-

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me tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer,

aumentou minhas dúvidas. “— Você um dia será um dos nossos

— disse-me ele. — Não digo que não. — respondi-lhe eu —

veremos isso mais tarde”.

Daí a algum tempo, pelo mês de maio de 1855, encontrei-

me na casa da sonâmbula Sra. Roger, com o Sr. Fortier, seu

magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison,

que me falaram desses fenômenos no mesmo sentido que o Sr.

Carlotti, mas noutro tom. O Sr. Pâtier era funcionário público, de

uma certa idade, homem muito instruído, de um caráter grave,

frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo o

entusiasmo, produziu-me uma viva impressão; e quando ele me

fez oferecimento para que eu assistisse as experiências que

tinham lugar na casa da Sra. Plainemaison, rua Grange

Batelière, n° 18, eu aceitei com solicitude. A entrevista foi

marcada para a terça- feira2, de maio, às 8 horas da noite.

“Foi ai, pela primeira vez, que fui testemunha do fenômeno

das mesas girantes e que saltavam e corriam, e isso em

condições tais que a dúvida não era possível.

“Ai vi também alguns ensaios muito imperfeitos de escrita

mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. As

minhas idéias estavam longe de se haver modificado, mas

naquilo havia um fato que devia ter uma causa. Entrevi, sob

essas aparentes futilidades e a espécie de divertimento que com

esses fenômenos se fazia, alguma coisa de sério e como a

2 Essa data ficou em branco no manuscrito de Allan Kardec.

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revelação de uma nova lei, que a mim mesmo prometi

aprofundar.

“A ocasião se ofereceu antes de observar mais

atentamente do que o tinha podido fazer. Em um dos serões da

Sra. Plainemaison, fiz conhecimento com a família Baudin, que

morava então a Rua Rochechouart. O Sr. Baudin me fez

oferecimento no sentido de assistir eu às sessões

hebdomadárias que se efetuavam em sua casa, e as quais eu

fui, desde esse momento, muito assíduo.

“Foi aí que fiz os meus primeiros estudos sérios em

Espiritismo, menos ainda por efeito de revelações, que por

observação. Apliquei a essa nova ciência, como até então o tinha

feito, o método da experimentação; nunca formulei teorias

preconcebidas; observava atentamente, comparava, deduzia as

conseqüências; dos efeitos procurava remontar às causas pela

dedução, pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo

como valida uma explicação senão quando ela podia resolver

todas as dificuldades da questão. Foi assim que procedi sempre

em meus trabalhos anteriores, desde a idade de quinze a

dezesseis anos. Compreendi desde o princípio a gravidade da

exploração que ia empreender. Entrevi nesses fenômenos a

chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado

e do futuro, a solução do que eu havia procurado toda a minha

vida; era, em uma palavra, uma completa revolução nas idéias e

nas crenças; preciso, portanto, se fazia agir com circunspecção

e não levianamente, ser positivista e não idealista, para se não

deixar arrastar pelas ilusões.

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“Um dos primeiros resultados das minhas observações foi

que os Espíritos, outra coisa não sendo senão as almas dos

homens, não tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana

ciência; que seu saber era limitado ao grau do seu adiantamento,

e que sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião

pessoal.

Esta verdade, reconhecida desde o começo, evitou-me o

grave escolho de crer na sua infalibilidade e me preservou de

formular teorias prematuras sobre o dizer de um só ou de alguns.

“Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer

que eles pudessem dizer, provava a existência de um mundo

invisível ambiente: era já um ponto capital, um imenso campo

franqueado às nossas explorações, a chave de uma multidão de

fenômenos inexplicados. O segundo ponto, não menos

importante, era reconhecer o estado desse mundo, seus

costumes, se assim nos podemos exprimir. Cedo eu vi que cada

Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus

conhecimentos, dele me desvendava uma fase, exatamente

como se chega a conhecer o estado de um país, interrogando os

habitantes de todas as classes e de todas as condições, podendo

cada um nos ensinar alguma coisa, e nenhum deles podendo

individualmente, nos ensinar tudo. Cumpre ao observador formar

o conjunto, com o auxílio dos documentos recolhidos dos

diferentes lados, colecionados, coordenados e confrontados

entre si. Eu, pois, agi para com os Espíritos como o teria feito

com os homens; eles foram para mim, desde o menor até o mais

elevado, meios de colher informações e não ‘reveladores

predestinados’”.

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A estas informações, colhidas em Obras Póstumas de Allan

Kardec, convém acrescentar que a princípio o Sr. Rivail, longe

de ser um entusiasta dessas manifestações, e absorvido por

suas outras preocupações, esteve a ponto de as abandonar, o

que talvez tivesse feito, se não fossem as instantes solicitações

dos Srs. Carlotti; René Taillandier, membro da Academia das

Ciências; Thiedeman-Mathèse; Sardou pai e filho; e Didier,

editor; que acompanhavam havia cinco anos o estudo desses

fenômenos e tinham reunido cinqüenta cadernos de

comunicações diversas, que eles não conseguiam pôr em

ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese do Sr.

Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe

que deles tomasse conhecimento e os pusesse em termos, os

arranjasse. Esse trabalho era árduo e exigia muito tempo, em

virtude das lacunas e obscuridades dessas comunicações, e o

sábio enciclopedista recusava-se a essa tarefa enfadonha e

absorvente, em razão dos seus outros trabalhos.

Uma noite, seu Espírito protetor, Z., deu-lhe por um

médium uma comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia, entre

outras coisas, tê-lo conhecido em uma precedente existência,

quando, pelo tempo dos Druidas, viviam juntos nas Gálias. Ele

se chamava então Allan Kardec, e, como a amizade que lhe

havia votado não fazia senão aumentar, prometia-lhe esse

Espírito secundá-lo na tarefa muito importante a que ele era

chamado, e que facilmente levaria a termo.

O Sr. Rivail, pois, lançou-se à obra, tomou os cadernos,

anotou-os com cuidado, após uma atenta leitura, suprimiu as

repetições e pôs na respectiva ordem cada ditado, cada relatório

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de sessão; assinalou as lacunas a preencher, as obscuridades a

aclarar, e preparou as perguntas necessárias para chegar a esse

resultado.

“Até então — diz ele próprio — as sessões na casa do Sr.

Baudin não tinham nenhum fim determinado; propus-me aí fazer

resolver os problemas que me interessavam sob o ponto de vista

da Filosofia, da Psicologia e da natureza do mundo invisível.

Comparecia a cada sessão com uma série de questões

preparadas e metodicamente dispostas, eram respondidas com

precisão, profundeza e de um modo lógico. Desde esse

momento as reuniões tiveram um caráter muito diferente; entre

os assistentes encontravam-se pessoas sérias que tomavam por

isso um vivo interesse. Se me acontecia faltar, ficavam como que

tolhidas, tendo as questões fúteis perdido o atrativo para o maior

número. A princípio eu não tinha em vista senão minha própria

instrução; mais tarde, quando vi que tudo isso formava um

conjunto e tomava as proporções de uma Doutrina, tive o

pensamento de o publicar, para instrução de todos. Foram essas

mesmas questões que, sucessivamente desenvolvidas e

completadas, fizeram a base de O Livro dos Espíritos”.

Em 1856, o Sr. Rivail freqüentou as reuniões espíritas que

tinham lugar à Rua Tiquetone, na casa do Sr. Roustan com a

Sra. Japhet, sonâmbula, que obtinha como médium

comunicações muito interessantes, com o auxílio da cesta

aguçada6; fez examinar por esse médium as comunicações

obtidas e postas em ordem precedentemente. Esse trabalho teve

a princípio lugar nas sessões ordinárias; mas a pedido dos

Espíritos, e para que fosse consagrado mais cuidado, mais

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atenção a esse exame, foi continuado em sessões particulares.

“Não me contentei com essa verificação — diz ainda Allan

Kardec — e os Espíritos me haviam recomendado. Tendo-me as

circunstâncias posto em relação com outros médiuns, toda a vez

que se oferecia ocasião, eu a aproveitava para propor algumas

das questões que me pareciam mais melindrosas. Foi assim que

mais de dez médiuns prestaram seu concurso a esse trabalho. E

foi da comparação e da fusão de todas essas respostas

coordenadas, classificadas e muitas vezes refeitas no silêncio da

meditação, que formei a primeira edição de O Livro dos Espíritos,

a qual apareceu em 18 de abril de 1857”.

Esse livro era um grande in - 4o em duas colunas, uma para

as perguntas e outra em frente para as respostas. No momento

de o publicar, o autor ficou muito embaraçado em resolver como

o assinaria, se com o seu nome Denizard Flippolyte Léon Rivail,

ou com um pseudônimo. Sendo o seu nome muito conhecido do

mundo científico, em virtude dos seus anteriores trabalhos, e

podendo originar uma confusão, talvez mesmo prejudicar o

sucesso do seu empreendimento, ele adotou o alvitre de o

assinar com o nome de Allan Kardec que, havia-lhe o seu guia

revelado, ele tinha no tempo dos Druidas.

A obra alcançou um tal sucesso que a primeira edição foi

logo esgotada. Allan Kardec reeditou-a em 1858 sob a forma

atual in - 12°, revista correta e consideravelmente aumentada.

No dia 25 de março de 1856 estava Allan Kardec em seu

gabinete de trabalho, em via de compulsar suas comunicações e

preparar O Livro dos Espíritos, quando ouviu ressoarem

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pancadas repetidas no tabique, procurou, sem a descobrir, a

causa disso, e em seguida tornou a pôr mãos à obra. Sua mulher,

entrando cerca das dez horas, ouviu os mesmos ruídos;

procuraram, mas sem resultado, de onde podiam eles provir.

Moravam então à Rua dos Mártires n° 8, no segundo andar; ao

fundo.

“No dia seguinte, sendo dia de sessão na casa do Sr.

Baudin, escreve Allan Kardec, contei o fato e pedi a sua

explicação.

Pergunta: — Ouviste o fato que acabo de narrar; podereis

dizer-me a causa dessas pancadas que se fizeram ouvir com

tanta insistência?

Resposta: — Era o teu Espírito familiar.

P. — Com que fim vinha ele bater assim?

R. — Queria comunicar-se contigo.

P. — Podereis dizer-me o que me queria ele?

R. — Podes perguntar a ele mesmo, porque está aqui.

P. — Meu Espírito familiar, quem quer que sejais,

agradeço-vos terdes vindo visitar-me. Quereis ter a bondade de

me dizer quem sois?

R. — Para ti, chamar-me-ei a Verdade, e todos os meses

durante um quarto de hora, estarei aqui à tua disposição.

P. — Ontem, quando batestes, enquanto eu trabalhava,

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tínheis alguma coisa de particular a me dizer?

R. _ O que eu tinha a dizer-te era sobre o trabalho que

fazias; o que escrevias me desagradava e eu queria fazer-te

parar.

Nota: “O que eu escrevia era precisamente relativo aos

estudos que fazia sobre os Espíritos e suas manifestações”.

P. — Vossa desaprovação versava sobre o Capítulo que

eu escrevia, ou sobre o conjunto do trabalho?

R. — Sobre o Capítulo de ontem; faço-te juiz dele. Torna a

lê-lo esta noite; reconhecer-lhes-ás os erros e os corrigirás.

P. — Eu mesmo não estava muito satisfeito com esse

Capítulo; e o refiz hoje. Está melhor?

R. — Está melhor, mas não muito bem. Lê da terceira a

trigéssima linha, e reconhecerás um grave erro.

P. — Rasguei o que tinha feito ontem!

R. — Não importa. Essa inutilização não impede que

subsista o erro. Relê e verás.

P. — O nome de Verdade que tomais é uma alusão à

verdade que procuro?

R. — Talvez, ou pelo menos é um guia que te há de auxiliar

e proteger.

P. — Posso evocar-vos em minha casa?

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R. — Sim, para que eu te assista pelo pensamento; mas

quanto a respostas escritas em tua casa, não será tão cedo que

as poderá obter.

P. — Podereis vir mais freqüentemente que todos os

meses?

R. — Sim, mas não prometo mais que uma vez por mês,

até nova ordem.

P. — Animastes algum personagem conhecido na Terra?

R. — Disse-te que para ti eu era a Verdade, o que da tua

parte devia significar discrição: não saberás mais que isto”.

De volta à casa, Allan Kardec apressou-se a reler o que

escrevera, e pode constatar o grave erro que com efeito havia

cometido. A dilação de um mês, fixada para cada comunicação

do Espírito Verdade, raramente foi observada. Ele se manifestou

freqüentemente a Allan Kardec, mas não em sua casa onde

durante cerca de um ano não pode este receber nenhuma

comunicação por médium algum. E cada vez que ele esperava

obter alguma coisa, era obstado por uma causa qualquer e

imprevista, que a isso se vinha opor.

Foi a 30 de abril de 1856, na casa do Sr. Roustan, pela

médium Sra. Japhet, que Allan Kardec recebeu a primeira

revelação da missão que tinha a desempenhar. Esse aviso, a

princípio muito vago, foi precisado no dia 12 de junho de 1856

por intermédio da Sra. Aline C., médium. A 06 de maio de 1857,

a Sra. Cardone, pela inspeção das linhas da mão de Allan

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Kardec, confirmou as duas comunicações precedentes, que ela

ignorava. Finalmente a 12 de abril de 1860, na casa do Sr.

Dehan, sendo intermediário o Sr. Crozet, médium, essa missão

foi novamente confirmada em uma comunicação espontânea,

obtida na ausência de Allan Kardec.

Assim também se deu a respeito do seu pseudônimo.

Numerosas comunicações, procedentes dos mais diversos

pontos, vieram corroborar a primeira comunicação obtida a esse

respeito.

Urgido pelos acontecimentos e pelos documentos que

tinha em seu poder, Allan Kardec, formara em razão do sucesso

de O Livro dos Espíritos, o projeto de criar um jornal espírita.

Havia se dirigido ao Sr. Tiedman, para solicitar-lhe o concurso

pecuniário, mas este não estava resolvido a tomar parte nessa

empresa. Allan Kardec perguntou aos seus guias, no dia 15 de

novembro de 1857, por intermédio da Sra. E. Dufaux, o que devia

fazer. Foi-lhe respondido que pusesse sua idéia em execução e

que não se inquietasse com o resto.

“Apressei-me em redigir o primeiro número — diz Allan

Kardec — e o fiz aparecer no dia 10 de janeiro de 1858, sem

nada dizer disso a pessoa alguma. Não tinha um único assinante

nem sócio algum capitalista. Fi-lo, pois, inteiramente por minha

conta e risco, e não tive do que me arrepender, porque o sucesso

ultrapassou a nossa expectativa. A partir de 10 de janeiro, os

números se sucederam sem interrupção, e, como o previra o

Espírito, esse jornal tomou-se- me um poderoso auxiliar.

Reconheci mais tarde que era uma felicidade para mim não ter

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tido um sócio capitalista, porque estava mais livre, enquanto que

um estranho interessado teria pretendido impor-me suas idéias

e sua vontade, e podido embaraçar-me a marcha. Só, eu não

tinha que prestar contas a ninguém, por mais onerosa que, como

trabalho, fosse a minha tarefa”.

E essa tarefa devia ir sempre crescendo em labor e em

responsabilidades, em lutas incessantes contra obstáculos,

emboscadas, perigos de toda sorte. À medida, porém, que a lida

se tornava maior, a luta mais áspera, esse enérgico trabalhador

se elevava também a altura dos acontecimentos, que nunca o

surpreenderam, e durante onze anos, nessa Revista Espírita,

que acabamos de ver como começou tão modestamente, ele

afrontou todas as tempestades, todas as emulações, todos os

ciúmes que não lhe foram poupados, como ele mesmo o constata

e como lho fora anunciado ao ser-lhe reveiada a sua missão.

Essa comunicação e as reflexões de que as anotou Allan Kardec

nos mostram sob um prisma pouco lisonjeiro a situação naquela

época, mas fazem também ressaltar o grande valor do fundador

do Espiritismo e o seu mérito em dela ter sabido triunfar.

Médium, Srta. Aline C., — 12 de junho de 1856:

P — Quais são as causas que me poderiam fazer

fracassar? Seria a insuficiência de minhas aptidões?

R — Não; mas a missão dos reformadores é cheia de

escolhos e perigos; a tua é rude; previno-te-o; porque é o mundo

inteiro que se trata de agitar e de transformar. Não creias que te

seja suficiente publicares um livro, dois livros, dez livros, e ficares

tranqüilamente em tua casa; não é preciso te mostrares no

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conflito: contra ti se açularão ódios; implacáveis inimigos

tramarão a tua perda; estarás exposto à malevolência, à calúnia,

à traição, mesmo daqueles que te parecerão os mais dedicados;

tuas melhores instruções serão desconhecidas e desnaturada;

sucumbirás mais de uma vez ao peso da fadiga; em uma palavra,

é uma luta quase constante que terás de sustentar, com o

sacrifício do teu repouso, da tua tranqüilidade, de tua saúde e

mesmo da tua vida, porque tu não viverás muito tempo. — Pois

bem! Mais de um recua quando, em lugar de uma vereda florida,

não encontra sob seus passos senão espinhos, agudas pedras

e serpentes. Para tais missões, não basta a inteligência. É

preciso antes de tudo, para agradar a Deus, humildade,

modéstia, desinteresse, porque ele abate os orgulhosos e os

presunçosos. Para lutar contra os homens, é necessário

coragem, perseverança e uma firmeza inquebrantável; é preciso

também ter prudência e tato para conduzir a propósito as coisas

e não lhes comprometer o sucesso por medidas ou palavras

intempestivas; é preciso, enfim, devotamento, abnegação, e

estar pronto para todos os sacrifícios.

Vês que tua missão está subordinada a condições que

dependem de ti.

Espírito Verdade.

Nota — (É Allan Kardec quem assim se exprime): “Escrevo

esta nota no dia 10 de janeiro de 1867, dez anos e meio depois

que esta comunicação me foi dada, e constato que ela se

realizou em todos os pontos, porque experimentei todas as

vicissitudes que nela me foram anunciadas. Tenho sido alvo do

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ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da inveja e

do ciúme; têm sido publicados contra mim infames libelos;

minhas melhores instruções têm sido desnaturadas; tenho sido

traído por aqueles em quem depositara confiança, e pago com a

ingratidão por aqueles a quem tenho prestado serviços. A

Sociedade de Paris tem sido um contínuo foco de intrigas,

urdidas por aqueles que se diziam a meu favor e que, mostrando-

se amáveis em minha presença, me detratavam na ausência.

Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram

assalariados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do

Espiritismo. Não mais tenho conhecido o repouso, mais de uma

vez sucumbi sob o excesso do trabalho; tem-se-me alterado a

saúde e comprometido a vida.

“Entretanto, graças à proteção e à assistência dos bons

Espíritos, que sem cessar me têm dado provas manifestas de

sua solicitude, sou feliz em reconhecer que não tenho

experimentado um único instante de desfalecimento nem de

desânimo, e que tenho constantemente prosseguido na minha

tarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a

malevolência de que era alvo. Segundo a comunicação do

Espírito Verdade, eu devia contar com tudo isso, e tudo se

verificou”.

Quando se conhecem todas essas lutas, todas as torpezas

de que Allan Kardec foi alvo, quanto ele se engrandece aos

nossos olhos e como o seu brilhante triunfo adquire mérito e

esplendor! Que se tornaram esses invejosos, esses pigmeus que

procuravam obstruir-lhe o caminho? Na maior parte, são

desconhecidos os seus nomes, ou nenhuma recordação

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despertam mais: o esquecimento os retomou e sepultou para

sempre em suas sombras, enquanto que o de Allan Kardec, o

intrépido lutador, o campeão ousado, passará à posteridade com

a sua auréola de glória tão legitimamente adquirida.

Na nota acima lançada pelo próprio Allan Kardec, trata-se

da Sociedade Espírita de Paris, fundada a 10 de abril de 1858.

Até então as reuniões tinham tido lugar em casa de Allan Kardec,

à Rua dos Mártires, com a Srta. E. Dufaux como principal

médium; o seu salão poderia conter de quinze a vinte pessoas.

Cedo ai, reuniu ele, mais de trinta. Tornando-se então esse local

muito acanhado, e não querendo onerar Allan Kardec de todos

os encargos, alguns dos assistentes se propuseram formar uma

Sociedade Espírita e alugar um outro local em que se

efetuassem as reuniões. Mas era preciso, para se poderem

reunir, obter o reconhecimento e a autorização da prefeitura. O

Sr. Dufaux que conhecia pessoalmente o prefeito de polícia de

então, encarregou-se de dar os passos para esse fim, e, graças

ao ministro do interior, o general X., que era favorável às novas

idéias, a autorização foi obtida em quinze dias, enquanto que

pelo processo ordinário teria exigido meses, sem grande

probabilidade de êxito.

“A Sociedade foi então regularmente constituída e reuniu-

se todas as terças-feiras, no local que fora alugado, no Palais

Royal, Galeria Valois. Aí ficou durante um ano, de 10 de abril de

1858 a 10 de abril de 1859. Não podendo lá permanecer mais

tempo, reuniu-se todas as sextas-feiras em um dos salões do

restaurante Douix, no Palais Royal, galeria Montpensier, de 10

de abril de 1859 a 1°de abril de 1860, época em que se instalou

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em sede própria, à rua e passagem Sant’Anna n° 59”.

Depois de haver dado, conta das condições em que se

formou a Sociedade e da tarefa que teve a desempenhar, Allan

Kardec, assim se exprime (Revista Espírita, p. 169):

“— Empreguei em minhas funções, que posso dizer

laboriosas, toda a solicitude e toda a dedicação de que era

capaz; no ponto de vista administrativo, esforcei-me por manter

nas sessões uma ordem rigorosa, e por imprimir-lhes um caráter

de gravidade, sem o qual o prestígio de assembleia séria teria

cedo desaparecido. Agora que minha tarefa está terminada e que

o impulso está dado, devo inteirar-vos da resolução que tomei,

de renunciar de futuro a toda espécie de função na Sociedade,

mesmo a de diretor dos estudos; não ambiciono senão um título

de simples membro titular, com que me sentirei feliz e honrado.

O motivo da minha determinação está na multiplicidade dos

meus trabalhos, que aumentam todos os dias, pela extensão das

minhas relações; porque, além daqueles que conheceis, preparo

outros trabalhos mais consideráveis que exigem longos e

laboriosos estudos e não absorverão menos de dez anos; ora os

trabalhos da Sociedade não deixam de tomar muito tempo, quer

para o preparo, quer para a coordenação e a passagem a limpo.

Reclamam uma assiduidade muitas vezes prejudicial às minhas

ocupações pessoais, e que torna indispensável a iniciativa quase

exclusiva que me tendes deixado. É a esse motivo, meus

senhores, que eu devo o ter tantas vezes tomado a palavra,

lamentando com freqüência que os membros eminentemente

esclarecidos que possuímos nos privassem de suas luzes.

Desde muito tempo alimentava o desejo de demitir-me das

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minhas funções: externei-o de um modo muito explícito em

diversas ocasiões, quer aqui, quer em particular, a muitos dos

meus colegas, e especialmente ao Sr. Ledoyen. Tê-lo-ia feito

mais cedo, se não fosse o temor de produzir uma perturbação na

Sociedade: retirando-me no meado do ano, teriam podido

acreditar em uma deserção, e era preciso não dar essa

satisfação aos nossos adversários. Desempenhei, portanto,

minha tarefa até o fim; hoje, porém, que esses motivos

cessaram, apresso-me a vos dar parte da minha resolução, afim

de não embaraçar a escolha que fareis. É justo que cada um

tenha sua parte nos encargos e nas honras”.

Apressemo-nos a acrescentar que essa demissão não foi

aceita e que Allan Kardec foi reeleito por unanimidade, menos

um voto e uma cédula em branco. Diante desse testemunho de

simpatia ele se submeteu e conservou suas funções.

Em setembro de 1860, Allan Kardec fez uma viagem de

propaganda à nossa região, e eis aqui como ele fez referência

na Sociedade Parisiense dos Estudos Espíritas (Revista Espírita,

novembro, 1860, p. 329).

O Sr. Allan Kardec dá conta do resultado da viagem que

acaba de fazer, no interesse do Espiritismo, e felicita-se pela

cordialidade do acolhimento que por toda a parte encontrou,

notavelmente em Sens, Mâcon, Lyon e Saint-Étienne. Ele

constatou, em todo lugar em que se demorou, os progressos

consideráveis da Doutrina; mas o que sobretudo é digno de nota

é que em parte alguma viu que dela se fizesse um divertimento,

mas que ao contrário, dela se ocupam de um modo sério, e que

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por toda parte lhe compreendem o alcance e as conseqüências

futuras. Há, sem dúvida, muitos adversários, sendo os mais

encarniçados os inimigos interessados, mas os motejadores

diminuem sensivelmente: vendo que os seus sarcasmos não

colocam do seu lado os gracejadores, e que auxiliam mais do

que impedem o progresso das novas crenças, começam a

compreender que nada ganham com isso e consomem o seu

espírito em pura perda, e eis porque se calam. Uma frase muito

característica parece ser em toda parte a ordem do dia, e é esta:

o Espiritismo está no ar; só por si desenha ela o estado das

coisas. Mas é sobretudo em Lyon que são mais notáveis os

resultados. Os espíritas são aí numerosos em todas as classes,

e na classe operária contam-se por centenas. A Doutrina Espírita

tem exercido sobre estes a mais salutar influência, sob o ponto

de vista da ordem, da moral e das idéias religiosas; em resumo,

a propaganda do Espiritismo marcha com a mais animadora

celeridade.

No decurso dessa viagem, Allan Kardec pronunciou um

discurso magistral, no banquete que teve lugar a 19 de setembro

de 1860, do qual eis aqui algumas passagens, próprias para nos

interessar, a nós que aspiramos substituir dignamente esses

trabalhadores da primeira hora: “A primeira coisa que me

impressionou foi o número dos adeptos: eu sabia perfeitamente

que Lyon os contava em grande escala, mas estava longe de

imaginar que o número fosse tão considerável, porque não é por

centenas que se contam eles, e em pouco tempo — eu o espero

—já se poderão contar mais.

“Se, porém, Lyon se distingue pelo número, não o faz

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menos pela qualidade, o que ainda vale mais. Por toda a parte

não encontrei senão espíritas sinceros, compreendendo a

Doutrina sob o verdadeiro ponto de vista. Há, meus senhores,

três categorias de adeptos: uns que se limitam a crer na

realidade das manifestações e que procuram antes de tudo os

fenômenos, o Espiritismo é simplesmente para eles uma série de

fatos mais ou menos interessantes. Os segundos vêem outra

coisa nele além dos fatos, compreendem o seu alcance filosófico,

admiram a moral que deles decorre, mas não a praticam; para

eles a caridade cristã é uma bela máxima, e nada mais. Os

terceiros, finalmente, não se contentam com admirar a moral,

praticam-na e aceitam-lhe as conseqüências. Bem convencidos

de que a existência terrestre é uma prova passageira, esforçam-

se por aproveitar esses curtos instantes para marchar na senda

do progresso que lhes traçam os Espíritos, empenhando-se em

fazer o bem e em reprimir suas más inclinações; suas relações

são sempre seguras, porque suas convicções os afastam

de todo pensamento do mal; a caridade é, em toda ocasião,

a regra de sua conduta: são esses os verdadeiros espíritas, ou

melhor, os espíritas cristãos.

“Pois bem, meus senhores, eu vo-lo digo com satisfação:

ainda não encontrei aí nenhum adepto da primeira categoria, em

parte alguma vi que se ocupassem do Espiritismo por mera

curiosidade, em parte alguma que dele se ocupassem com

frívolos intuitos; por toda a parte o fim é grave, as intenções são

sérias, e, a crer no que me dizem, há muitos da terceira

categoria. Honra, pois, aos espíritas lioneses, por terem assim

entrado largamente nessa senda progressiva, sem a qual o

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Espiritismo não teria objeto. Este exemplo não será perdido, terá

suas conseqüências, e não é sem razão — eu o vejo — que os

Espíritos me responderam noutro dia, por um dos nossos

médiuns mais dedicados, posto que dos mais obscuros, quando

eu lhes exprimia a minha surpresa: “Porque te admiras disso?

Lyon foi a cidade dos mártires; a fé aí é vivaz; ela fornecerá

apóstolos ao Espiritismo. Se Paris é a cabeça, Lyon será o

coração’”.

Essa opinião de Allan Kardec sobre os espíritas lioneses

de sua época é para nós uma grande honra, mas deve ser

também uma regra de conduta. Devemos nos esforçar por

merecer esses elogios, aprofundando por nossa vez as lições do

mestre e, sobretudo, conformando com elas o nosso proceder.

Noblesse Oblige, diz um adágio: saibamos nos recordar sempre

disso e conservar alto e firme o estandarte do Espiritismo.

Mas Allan Kardec não se contentava com atirar flores aos

nossos maiores; dava-lhes, sobretudo, sábios conselhos, sobre

os quais por nossa vez devemos meditar.

“Vindo dos Espíritos o ensino, os diferentes grupos, tanto

como os indivíduos, se acham sob a influência de certos

Espíritos, que presidem aos seus trabalhos, ou os dirigem

moralmente. Se esses Espíritos não se acham de acordo, a

questão está em saber qual é o que merece maior confiança:

será evidentemente aquele cuja teoria não pode provocar

nenhuma objeção séria, em uma palavra, aquele que, em todos

os pontos, dá maior número de provas de sua superioridade. Se

tudo nesse ensino é bom, racional, pouco importa o nome que

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toma o Espírito; e a esse respeito a questão de identidade é

inteiramente secundária. Se, sob um nome respeitável, o ensino

peca pelas qualidades essenciais, podeis afoitamente concluir

que é um nome apócrifo e que é um Espírito impostor ou

galhofeiro. Regra geral: o nome nunca é uma garantia; a única,

a verdadeira garantia de superioridade é o pensamento e a

maneira porque é ele expresso. Os Espíritos enganadores tudo

podem imitar, tudo, exceto o verdadeiro sentimento.

“Acontece muitas vezes que, para fazer adotar certas

utopias, alguns espíritos fazem alarde de um falso saber, e

pensam impô-las, escolhendo no arsenal das palavras técnicas

tudo o que pode fascinar aquele que é facilmente crédulo. Eles

têm, ainda, um meio mais certo: é afetar as exterioridades da

virtude; com o auxílio das grandes palavras caridade,

fraternidade, humildade, esperam fazer passarem os mais

grosseiros absurdos, e é o que acontece muitas vezes, quando

se não está precavido. É preciso, pois, evitar o deixar-se seduzir

pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos como dos homens;

ora, eu o confesso, aí está uma das maiores dificuldades; mas

nunca se disse que o Espiritismo fosse uma ciência fácil; tem

seus escolhos que se não podem evitar senão pela experiência.

Para escapar à cilada, é preciso antes de tudo fugir ao

entusiasmo que cega, ao orgulho que leva certos médiuns a

acreditar-se os únicos intérpretes da verdade; é preciso que tudo

seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado,

e, se se desconfia do próprio julgamento, o que é muitas vezes

mais prudente, é preciso recorrer a outras pessoas, segundo o

provérbio: que quatro olhos vêem melhor que dois, só um falso

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amor próprio, ou uma obsessão, podem fazer persistir uma idéia

notoriamente falsa e que o bom senso de cada um repele”.

Eis os conselhos tão sábios e tão práticos que dava aquele

que quiseram fazer passar por um entusiasta, um místico, um

alucinado; e essa regra de conduta, estabelecida no começo,

ainda não foi invalidada, nem pela observação, nem pelos

acontecimentos; é sempre a vereda mais segura, a mais

prudente, a única a seguir por aqueles que se querem ocupar do

Espiritismo.

Allan Kardec trabalhava então em O livro dos Médiuns, que

apareceu na primeira quinzena de 1861, editada pelos Srs. Didier

& Cia., livreiros editores. O mestre expõe a sua razão de ser, nos

seguintes termos, na Revista Espírita:

“Procurávamos neste trabalho, fruto de uma longa

experiência e de laboriosos estudos, esclarecer todas as

questões que se prendem à prática das manifestações; ele

contém, de acordo com os Espíritos, a explicação teórica dos

diversos fenômenos e condições em que se podem produzir;

mas a parte concernente ao desenvolvimento e ao exercício da

mediunidade foi sobretudo da nossa parte o objeto de uma

atenção toda especial.

“O Espiritismo experimental está cercado de muito mais

dificuldades do que se acredita geralmente, e os escolhos que aí

se encontram são numerosos; é o que produz tanta decepção

nos que dele se ocupam sem terem a experiência e os

conhecimentos necessários. O nosso fim foi acautelar os

investigadores contra tais dificuldades, que nem sempre são as

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isentas de inconveniente para quem quer que se aventure com

imprudência por esse novo terreno. Não podíamos desprezar um

ponto assim capital, e o tratamos com um cuidado igual à sua

importância”.

O Livro dos Médiuns é ainda o vade-mecum de todos os

que se querem entregar com proveito à prática do Espiritismo

experimental; nada apareceu de melhor nem de mais completo

nessa ordem de idéias. É o único fio de Ariadne de que nos

podemos servir para explorar sem perigo o terreno da

mediunidade.

No ano de 1861, Allan Kardec fez uma nova viagem espírita

a Sens, Mâcon e Lyon, e constatou que na nossa cidade o

Espiritismo já atingira à virilidade.

“Com efeito, não é mais por centenas, diz ele, que aí se

contam os espíritas, como há um ano, é por milhares, ou para

melhor dizer, já se não contam, e pode-se calcular que, seguindo

a mesma progressão, dentro de um ano ou dois eles serão mais

de trinta mil. O Espiritismo aí tem feito adeptos em todas as

classes, mas é sobretudo na classe operária que se tem

propagado com a maior rapidez, e isso não é de admirar: sendo

essa classe a que mais sofre, volta- se para o lado em que

encontra maior consolação. Vós que clamais contra o

Espiritismo, não lhe ofereceis outro tanto; ela voltar-se-ia para

vós, mas em lugar disso quereis tirar-lhe o que a ajuda a carregar

o seu fardo da miséria; é o meio mais seguro de alienardes suas

simpatias e engrossardes as fileiras dos que se vos opõem. O

que vimos com os nossos próprios olhos é de tal modo

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característico, e encerra um ensino tão grande, que acreditamos

dever consagrar aos trabalhadores a mais larga parte do nosso

relatório.

“No ano passado não havia senão um único centro de

reunião, o dos Broteaux, dirigido por Dejoud, chefe de oficina, e

sua mulher; depois formaram-se outros em diferentes pontos da

cidade, em Guillotière, em Perrache, em Croix Rousse, em

Vaise, em Saint Just, etc., sem contar um grande número de

reuniões particulares. Havia apenas dois ou três médiuns

neófitos; hoje os há em todos os grupos, e muitos são de primeira

ordem; em um só grupo vimos cinco escreverem

simultaneamente. Vimos igualmente um rapaz muito bom

médium vidente, no qual pudemos constatar essa faculdade

desenvolvida no mais alto grau.

“Muito é sem dúvida que se multipliquem os adeptos, mas

o que mais vale ainda que o número é a qualidade. Pois bem,

declaramo-lo bem alto: não vimos em parte alguma, reuniões

espíritas mais edificantes que as dos operários lioneses, quanto

à ordem, ao recolhimento e à atenção que eles prestam às

instruções dos seus guias espirituais; há homens, velhos,

senhoras, moços, crianças mesmo, cuja atitude respeitosa

contrasta com a sua idade; nunca um único perturbou um só

instante o silêncio das nossas reuniões, muitas vezes longas;

pareciam quase tão ávidos como os seus pais em recolher as

nossas palavras.

“Não é ainda tudo: o número das metamorfoses morais é,

entre os operários, quase tão grande como o dos adeptos,

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hábitos reformados, paixões acalmadas, ódios apaziguados,

lares tornados tranqüilos, em uma palavra, as mais legítimas

virtudes cristãs, desenvolvidas, e isso pela confiança, de agora

em diante inabalável, que lhes dão as comunicações espíritas,

no futuro em que não acreditavam; é uma felicidade para eles

assistirem a essas instruções, de que saem reconfortados contra

a adversidade; muitos chegam a galgar mais de uma légua, sob

qualquer tempo, inverno ou verão, tudo arrostando para não

faltarem a uma sessão; é que neles não há uma fé vulgar, mas

uma fé baseada sobre uma convicção profunda, raciocinada e

não cega”.

Essas constatações e esses elogios vindo da parte de Allan

Kardec foram preciosos encorajamentos para os nossos

maiores, devem ser para nós uma norma de conduta e nos incitar

a mostrar-nos dignos sucessores desses trabalhadores da

primeira hora, dos quais o Mestre nos traçou um retrato tão

lisonjeiro quão fiel.

Por ocasião dessa viagem, um banquete novamente reuniu

sob a presidência de Allan Kardec os membros da grande família

espírita lionesa. No dia 19 de setembro de 1860 os convivas

eram apenas uns trinta; a 19 de setembro de 1861 o seu número

era de cento e sessenta, “representando os diferentes grupos,

que se consideram todos como os membros de uma mesma

família, entre os quais não existe sombra de ciúme e de

rivalidade, o que — diz o Mestre — temos, de passagem, grande

satisfação em fazer notar. A maioria dos assistentes era

composta de operários, e toda gente notou a perfeita ordem que

não cessou de reinar um só instante; é que os verdadeiros

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espíritas põem sua satisfação nas alegrias do coração e não nos

prazeres ruidosos”.

14 de outubro do mesmo ano encontramos Allan Kardec

em Bordeaux, onde, como em todas as cidades por que passa,

semeia a boa nova e faz germinar a fé no futuro.

Além das viagens e dos trabalhos de Allan Kardec, esse

ano de 1861 permanecerá memorável nos anais do Espiritismo

por um fato de tal modo monstruoso que quase parece incrível.

Refiro-me ao auto de fé que teve lugar em Barcelona, e em que

foram queimadas pela fogueira dos inquisidores trezentas obras

espíritas.

O Sr. Maurício Lachâtre estava nessa época estabelecido

como livreiro em Barcelona, em relações e comunhão de idéias

com Allan Kardec; pediu-lhe que enviasse um certo número de

obras espíritas, para as expor à venda e fazer propaganda da

nova filosofia.

Essas obras, em número de trezentas aproximadamente,

foram expedidas nas condições ordinárias, com uma declaração

em ordem do conteúdo das caixas. À sua chegada à Espanha,

foram os direitos da alfândega cobrados do destinatário e

arrecadados pelos agentes do governo espanhol; mas a entrega

das caixas não se fez: o bispo de Barcelona, tendo julgado esses

livros perniciosos à fé católica, fez confiscar a expedição pelo

Santo Ofício.

Uma vez que não queriam remeter essas obras ao

destinatário, Allan Kardec reclamou a sua devolução; mas sua

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reclamação foi de nulo efeito, e o bispo de Barcelona, erigindo-

se em policiador da França, motivou sua recusa com a seguinte

resposta — a Igreja Católica é universal, e esses livros são

contrários a fé católica; o governo não pode consentir que eles

vão perverter a moral e a religião nos outros países.

E não só esses livros foram restituídos, como também os

direitos aduaneiros ficaram em poder do fisco espanhol. Allan

Kardec teria podido promover uma ação diplomática e obrigar o

governo espanhol a fazer o recâmbio das obras. Os Espíritos,

porém, o dissuadiram disso, dizendo que era preferível para a

propaganda do Espiritismo deixar essa ignomínia seguir o seu

curso.

Renovando os fastos e as fogueiras da Idade Média, o

bispo de Barcelona fez queimar na praça pública, pela mão do

carrasco, as obras incriminadas.

Eis aqui o título de documento histórico, o processo verbal

dessa infâmia clerical:

“Aos nove dias de outubro de mil oitocentos e sessenta e

um, às dez horas e meia da manhã, na esplanada da cidade de

Barcelona, no lugar em que são executados os criminosos

condenados à pena última, por ordem do bispo desta cidade

foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o

Espiritismo, a saber:

“A Revista Espírita, diretor Allan Kardec;

“A Revista Espiritualista, diretor Piérard;

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“O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;

“O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;

“O que é o Espiritismo, pelo mesmo;

“Fragmento de Sonata ditada pelo Espírito Mozart;

“Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Dr. Grand;

“A História de Joanna D’Arc, por ela mesma ditada à Srta.

Ermance Dufaux;

“A realidade dos espíritos demonstrada pela escrita direta,

pelo Barão de Guldenstubbé.

‘Assistiram ao auto de fé:

‘Um padre revestido dos hábitos sacerdotais, trazendo em

uma das mãos a cruz e na outra uma tocha;

“Um tabelião encarregado de redigir o processo verbal do

auto de fé;

“O escrevente do tabelião;

“Um empregado superior da administração das alfândegas;

“Três Mozos (serventes) da alfândega, encarregados de

alimentar o fogo;

“Um agente da alfândega, representando o proprietário das

obras condenadas pelo bispo.

“Uma multidão incalculável aglomerava-se nos passeios e

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cobria a esplanada em que ardia a fogueira.

“Quando o fogo consumiu os trezentos volumes ou

brochuras espíritas, o padre e seus ajudantes se retiraram

cobertos pelos apupos e as maldições dos numerosos

assistentes, que gritavam: ‘Abaixo à Inquisição!’

“Em seguida muitas pessoas se acercaram da fogueira e

apanharam cinzas”.

Seria diminuir o horror de tais atos, acompanhá-los com a

narrativa dos comentários; constatemos somente que ao clarão

dessa fogueira o Espiritismo tomou um incremento inesperado

em toda a Espanha e, como o haviam os Espíritos previsto,

aliciou aí um número incalculável de adeptos. Só podemos, pois

como o fez Allan Kardec, alegrar-nos com a imensa reclame que

esse ato odioso fez em favor do Espiritismo. A propósito, porém,

da propaganda que nós mesmos devemos fazer da nossa

filosofia, nunca deveremos esquecer estes conselhos do Mestre

(Revista Espírita, 1863, p. 367):

“O Espiritismo se dirige aos que não crêem ou que

duvidam, e não aos que têm uma fé e a quem essa fé é

suficiente; ele não diz a ninguém que renuncie às suas crenças

para adotar as nossas, e nisto é conseqüente com os princípios

de tolerância e de liberdade de consciência que professa. Por

esse motivo não poderíamos aprovar as tentativas feitas por

certas pessoas para converter às nossas idéias o clero, de

qualquer comunhão que seja. Repetiremos, pois, a todos os

espíritas: acolhei com solicitude os homens de boa vontade;

oferecei a luz aos que a procuram, porque com os que crêem

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não sereis bem sucedidos; não façais violência à fé de ninguém,

muito mais quanto ao clero que aos seculares, porque semeareis

nos campos áridos; ponde a luz em evidência, para que a vejam

os que a quiserem ver; mostrai os frutos da árvore e deles daí a

comer aos que têm fome e não aos que se dizem saciados”.

Estes conselhos, como todos os de Allan Kardec, são

claros e simples e, sobretudo práticos; cumpre que deles nos

recordemos e os aproveitemos oportunamente.

O ano de 1862 foi fértil em trabalhos favoráveis à difusão

do Espiritismo. No dia 15 de janeiro apareceu a pequenina e

excelente brochura de propaganda O Espiritismo em sua Mais

Simples Expressão. “O fim desta publicação, diz Allan Kardec —

é apresentar em um quadro muito resumido um histórico do

Espiritismo e uma idéia suficiente da Doutrina dos Espíritos, para

permitir ser compreendido o seu fim moral e filosófico. Pela

clareza e simplicidade do estilo, procuramos pô-la ao alcance de

todas as inteligências. Contamos com o zelo de todos os

verdadeiros espíritas para que auxiliem a propaganda”. — Este

apelo foi ouvido, porque a pequena brochura se espalhou em

profusão, devendo muitos a esse excelente trabalho ter

compreendido o fim e o alcance do Espiritismo.

Tendo os nossos predecessores no Espiritismo transmitido

a Allan Kardec, por ocasião do novo ano, a expressão dos seus

sentimentos de gratidão, eis aqui como respondeu o Mestre a

esse testemunho de simpatia:

“Meus caros irmãos e amigos de Lyon:

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“A manifestação coletiva que tivestes a bondade de

transmitir-me, por ocasião do ano novo, me produziu vivíssima

satisfação, provando-me que conservastes de mim uma boa

recordação; mas o que me causou maior prazer nesse ato

espontâneo de vossa parte foi encontrar, entre as numerosas

assinaturas que nele figuram, representantes de quase todos os

grupos, porque é um sinal de harmonia que reina entre eles. Sou

feliz por ver que compreendestes perfeitamente o fim dessa

organização, cujos resultados desde já podeis apreciar, porque

deve ser agora evidente para vós que uma sociedade única teria

sido quase impossível.

“Agradeço-vos, meus bons amigos, os votos que fazeis por

mim; eles me são tanto mais agradáveis quanto eu sei que

partem do coração, e são os que Deus escuta. Ficai, pois,

satisfeitos, porque ele os ouve todos os dias, proporcionando-me

a extraordinária satisfação, no estabelecimento de uma nova

Doutrina, de ver aquela a que me tenho dedicado engrandecer e

prosperar, em minha vida, com uma rapidez maravilhosa;

considero um grande favor do Céu ser testemunha do bem que

ela já produz.

“Esta certeza, de que recebo diariamente os mais tocantes

testemunhos, me paga com usura de todos os meus sofrimentos,

de todas as minhas fadigas; não peço a Deus senão uma graça,

e é a de dar-me a força física necessária para ir até ao fim da

minha tarefa, que longe se encontra de estar concluída; mas,

como quer que suceda, possuirei sempre a maior consolação,

pela certeza de que a semente das idéias novas, espalhada

agora por toda a parte, é imperecível; mais feliz que muitos

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outros, que não trabalharam senão para o futuro, me é permitido

contemplar os primeiros frutos.

“Se alguma coisa lamento, é que a exiguidade dos meus

recursos pessoais me não permita pôr em execução os planos

que concebi para o seu avanço ainda mais rápido; se Deus,

porém, em sua sabedoria entendeu dispor de modo diferente,

legarei esses planos aos nossos sucessores, que sem dúvida

serão mais felizes. A despeito da escassez dos recursos

materiais, o movimento que se opera na opinião ultrapassou toda

expectativa; crede, meus irmãos, que nisso o vosso exemplo não

terá sido sem influência. Recebei, portanto, as nossas

felicitações pela maneira por que sabeis compreender e praticar

a Doutrina.

"No ponto a que hoje chegaram as coisas, e tendo em vista

a marcha do Espiritismo através dos obstáculos semeados em

seu caminho, pode-se dizer que as principais dificuldades estão

superadas; ele conquistou o seu lugar, e está assente sobre

bases que de agora em diante desafiam, os esforços dos seus

adversários.

“Pergunta-se como uma Doutrina, que toma feliz e melhor

o homem, pode ter inimigos; é natural: o estabelecimento das

melhores coisas choca sempre interesses, ao começar. Não tem

acontecido assim com todas as invenções e descobertas que

têm revolucionado a indústria? As que hoje são consideradas

como benefícios, sem as quais não se poderia mais passar, não

tiveram inimigos obstinados? Toda lei que reprime um abuso não

tem contra si todos os que vivem dos abusos? Como quereríeis

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que uma Doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva não

fosse combatida por todos os que vivem de egoísmo? E sabeis

se são eles numerosos na Terra!

“No começo contaram matá-lo com a zombaria, hoje vêem

que essa arma é impotente e que, sob o fogo dos sarcasmos, ele

prosseguiu o seu caminho sem tropeçar. Não acrediteis que se

vão confessar vencidos, não; o interesse material é tenaz,

reconhecendo que é uma potência com que é necessário de hoje

em diante contar, vão dirigir-lhe assaltos mais sérios, mas que

só servirão para melhor atestar sua fraqueza. Uns o atacarão

diretamente por palavras e atos, e o perseguirão até na pessoa

dos seus adeptos, que eles se esforçarão por desalentar a poder

de embaraços, enquanto que outros, secretamente e por

caminhos disfarçados, procurarão miná-lo surdamente.

“Ficai prevenidos de que a luta não está terminada. Fui

avisado de que eles vão tentar um supremo esforço. Não tenhais,

porém, receio, o penhor do sucesso está nesta divisa, que é a de

todos os verdadeiros espíritas: fora da caridade não há salvação.

Arvorai-a bem alto, porque ela é a cabeça de Medusa para os

egoístas.

“A tática, posta já em prática pelos inimigos dos espíritas,

mas que eles vão empregar com um novo ardor, é tentar dividi-

los criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a

desconfiança e o ciúme. Não vos deixeis cair no laço, e tende

como certo que quem quer que procure por um meio, qualquer

que seja, quebrar a boa harmonia, não pode ter boa intenção. É

por isso que vos recomendo que useis da maior circunspecção

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na formação de vossos grupos, não somente para vossa

tranqüilidade, como no próprio interesse dos vossos labores.

“A natureza dos trabalhos espíritas exige a calma e o

recolhimento. Ora, não há recolhimento possível se se está

preocupado com discussões e com a manifestação de

sentimentos malévolos. Não haverá sentimentos malévolos se

houver fraternidade; não pode, porém, haver fraternidade com

egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Com orgulhosos, que se

suscetibilizam e ofendem por tudo; ambiciosos que se sentirão

mortificados se não tiverem a supremacia; egoístas que não

pensam senão em si; a cizânia não pode tardar à introduzir-se, e

com ela a dissolução. É o que desejariam os nossos inimigos, e

é o que eles procuram fazer.

"Se um grupo quer estar em condições de ordem, de

tranqüilidade e de estabilidade, é preciso que nele reine um

sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedade que se formar,

sem ter a caridade efetiva por base, não tem vitalidade, enquanto

que aqueles que forem fundados de acordo com o verdadeiro

espírito da Doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma

família que, não sendo possível habitarem todos sob o mesmo

teto, moram em lugares diferentes. A rivalidade entre eles seria

um contra-senso; não poderia existir onde reina a verdadeira

caridade, porque a caridade não se pode entender de duas

maneiras.

“Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita na prática da

caridade por pensamentos, palavras e obras; e persuadi-vos de

que quem quer que nutra em sua alma sentimentos de

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animosidade, de rancor, de ódio, de inveja ou de ciúme, mente a

si próprio se tem a pretensão de compreender e praticar o

Espiritismo.

“O egoísmo e o orgulho matam as Sociedades particulares,

como matam os povos e a sociedade em geral...”

Tudo mereceria citação nestes conselhos, tão justos quão

práticos, mas é preciso que nos limitemos, em razão do tempo

de que podemos dispor.

A pedido dos espíritas de Lyon e de Bordeaux, Allan

Kardec fez, em setembro e outubro, uma longa viagem de

propaganda, semeando por toda a parte a boa nova e

prodigalizando seus conselhos, mas somente aos que lhos

pediam; o convite feito pelos grupos lioneses estava subscrito

por quinhentas assinaturas. Uma obra especial deu conta dessa

viagem de mais de seis semanas, durante a qual o Mestre

presidiu a mais de cinqüenta reuniões em vinte cidades, onde por

toda parte foi alvo do mais cordial acolhimento e sentiu-se feliz

por constatar os imensos progressos do Espiritismo.

A respeito das viagens de Allan Kardec, tendo certas

influências hostis espalhado o boato de que eram feitas a

expensas da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, sobre

cujo orçamento igualmente ele sacava de antemão todos os seus

gastos de correspondência e de manutenção, o Mestre rebateu

assim essa falsidade:

“Muitas pessoas, sobretudo na província, pensaram que as

despesas dessas viagens oneravam a Sociedade de Paris;

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tivemos que desfazer esse erro quando se ofereceu a ocasião;

aos que o pudessem ainda partilhar recordaremos o que

afirmamos noutra circunstância (número de junho de 1862, pág.

167, Revista Espírita): que a Sociedade se limita a prover as suas

despesas correntes e não possui reservas; para que pudesse

acumular um capital, era preciso que tivesse em mira o número;

é o que ela não faz nem quer fazer, porque o seu fim não é a

especulação e porque o número nada acrescenta à importância

dos trabalhos. Sua influência é toda moral e está no caráter de

suas reuniões, que dão aos estranhos a idéia de uma assembléia

grave e séria; aí está o seu mais poderoso meio de propaganda.

Ela, pois, não poderia ocorrer a tal despesa. Os gastos de

viagem, como todos os que as nossas relações reclamam para

o Espiritismo, são tirados dos nossos recursos pessoais e das

nossas economias, aumentadas com o produto das nossas

obras, sem o qual nos seria impossível prover a todos os

encargos, que são para nós a conseqüência da obra que

empreendemos. Isto é dito sem vaidade e unicamente para

render homenagem à verdade, e para edificação daqueles aos

quais afigura que nós capitalizamos”.

Em 1862 Allan Kardec fez também aparecer uma

Refutação às Críticas Contra o Espiritismo, no ponto de vista do

materialismo, da ciência e da religião.

Em abril de 1864 publicou ele a Imitação do Evangelho

Segundo o Espiritismo, contendo a explicação das máximas

morais do Cristo, sua aplicação e sua concordância com o

Espiritismo. O título dessa obra foi depois modificado, e é hoje O

Evangelho Segundo o Espiritismo.

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Aproveitando-se da época das férias, Allan Kardec fez em

Setembro de 1864 uma viagem a Anvers e a Bruxelas. Expondo

aos espíritas belgas o seu modo de ver acerca dos grupos e

sociedades espíritas, recorda o que já havia dito em Lyon, em

1861: “Vale mais, portanto, haver em uma cidade cem grupos de

dez a vinte adeptos, nenhum dos quais se arrogue a supremacia

sobre os outros, do que os reunisse todos. Esse fracionamento

em nada pode prejudicar a unidade dos princípios, desde que a

bandeira é uma só e que todos se dirigem para um mesmo fim”.

As Sociedades numerosas têm sua razão de ser sob o

ponto de vista da propaganda, mas quanto aos estudos sérios e

continuados, é preferível constituir para eles os grupos íntimos.

No dia 1o de agosto de 1865, Allan Kardec fez aparecer

uma nova obra O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina Segundo

o Espiritismo, na qual são mencionados numerosos exemplos da

situação dos Espíritos no mundo espiritual e na Terra, e as

razões que motivam essa situação.

Os admiráveis sucessos do Espiritismo, seu

desenvolvimento quase incrível lhe criaram inúmeros inimigos; e

à proporção que ele foi se engrandecendo, aumentou também a

tarefa de Allan Kardec. O Mestre possuía uma vontade de ferro,

um poder de combatividade extraordinário; era um trabalhador

infatigável; de pé, em qualquer estação, desde as 4 horas e meia,

respondia a tudo, às polêmicas veementes dirigidas contra o

Espiritismo, contra ele próprio; às numerosas correspondências

que lhe eram dirigidas; atendia à direção da Revista Espírita e da

Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, à organização do

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Espiritismo e ao preparo de suas obras.

Esse excesso físico e intelectual esgota-lhe o organismo, e

repetidas vezes os Espíritos precisam chamá-lo à ordem, afim de

o obrigar a poupar a saúde. Ele, porém, sabe que não deve durar

mais que uns dez anos ainda: numerosas comunicações o

preveniram desse termo e lhe anunciaram mesmo que sua tarefa

não seria concluída senão em uma nova existência, que

sucederia a breve trecho à sua própria desencarnação; por isso

ele não quer perder ocasião alguma de dar ao Espiritismo tudo o

que pode, em força e em vitalidade.

Em 1867, ele faz uma curta viagem a Bordeaux, Tours e

Orleans; em seguida põe novamente mãos à obra, para publicar,

em janeiro de 1868, A Gênese, os Milagres e as Predições

Segundo o Espiritismo. É das mais importantes esta obra, porque

constitui, no ponto de vista científico, a síntese dos quatro

primeiros volumes já publicados.

Allan Kardec ocupa-se em seguida de um projeto de

organização do Espiritismo, por meio do qual espera imprimir

mais vigor, mais ação à filosofia de que se fez apóstolo; procura

desenvolver-lhe o lado prático e fazer-lhe produzir seus frutos. O

objeto constante de suas preocupações é saber quem o

substituirá em sua obra, porque sente que o desenlace está

próximo; e a constituição que elabora tem precisamente por fim

prover às necessidades futuras da Doutrina Espírita.

Desde os primeiros anos do Espiritismo, Allan Kardec havia

comprado com o produto de suas obras pedagógicas 2.666

metros quadrados de terreno na Avenida Ségur, atrás dos

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Inválidos; tendo essa compra esgotado os seus recursos, ele

contraiu com o Crédit Foncier um empréstimo de 50.000 francos

para fazer construir nesse terreno seis pequenas casas com

jardim, alimentava a doce esperança de recolher-se a uma delas,

na Vila Ségur, e torná-la depois de sua morte um asilo a que se

pudessem recolher na velhice os defensores indigentes do

Espiritismo.

Em 1869 a Sociedade Espírita era reconstituída sobre

novas bases e tornada sociedade anônima, com o capital de

40.000 francos, dividido em quarenta ações de 1.000 francos,

para a exploração da livraria, da Revista Espírita e das obras de

Allan Kardec à Rua Lille, n° 7.

Allan Kardec, cujo contrato de arrendamento na passagem

Sant’Anna estava quase a terminar, contava retirar-se para a Vila

Ségur, afim de trabalhar mais ativamente nas obras que lhe

restavam a fazer e cujo plano e documentos se achavam já

reunidos. Estava, pois, em todos os preparativos de mudança de

domicílio, reclamada pela extensão de seus múltiplos trabalhos,

quando a 31 de março a doença de coração que o minava

surdamente pôs termo à sua robusta constituição e, como um

raio, arrebatou-o à afeição de seus discípulos. Essa perda foi

imensa para o Espiritismo, que nele via desaparecer seu

fundador e seu mais poderoso propagandista, e lançou em

profunda consternação todos os que o haviam conhecido e

amado.

Denizard Hyppolite Léon Rivail, Allan Kardec, faleceu em

Paris, 59, passagem Sant’Anna, na circunscrição de Mairie de Ia

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Banque, em 31 de março de 1869, na idade de 65 anos,

sucumbindo da ruptura de um aneurisma.

Unânimes sentimentos acolheram essa dolorosa notícia, e

uma concorrência numeroríssima acompanhou ao Père-

Lachaise, sua derradeira morada, os despojos mortais daquele

que fora Allan Kardec, daquele que, através dos tempos brilhará

como um meteoro fulgurante na aurora do Espiritismo.

Quatro orações foram proferidas à beira do túmulo do

Mestre: a primeira pelo Sr. Levent, em nome da Sociedade

Espírita de Paris; a segunda pelo Sr. Camille Flammarion, que

não fez somente um esboço do caráter do Sr. Allan Kardec e do

papel que cabe aos seus trabalhos no movimento

contemporâneo, mas ainda, e sobretudo, um exposto da situação

das ciências físicas, no ponto de vista do mundo invisível, das

forças naturais desconhecidas, da existência da alma e de sua

indestrutibilidade. Em seguida, tomou a palavra o Sr. Alexandre

Delanne, em nome dos espíritas dos centros afastados; e depois

o Sr. E. Muller, em nome da família e de seus amigos, dirigiu ao

morto querido os últimos adeuses.

A senhora Allan Kardec tinha 74 anos por ocasião da morte

de seu esposo. Sobreviveu-lhe até 1883, ano em que, a 21 de

janeiro, se extinguiu, na idade de 89 anos.

Erraria quem acreditasse que, em virtude dos seus

trabalhos, Allan Kardec devia ser um personagem sempre frio e

austero. Não era, entretanto, assim. Esse grave filósofo depois

de haver discutido os pontos mais difíceis de Psicologia e da

fisiologia transcendental, mostrava-se expansivo, esforçando-se

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por distrair os convidados que ele freqüentemente recebia na Vila

Ségur; conservando-se sempre digno e sóbrio em suas

expressões, sabia adubá-las com o nosso velho sal gaulês e

rasgos de uma causticante e afetuosa bonomia. Gostava de rir

com esse belo riso franco, largo e comunicativo, e possuía um

talento todo particular em fazer os outros partilharem do seu bom

humor.

Todos os jornais da época se ocuparam da morte de Allan

Kardec e procuraram medir-lhe as conseqüências. Eis aqui, a

título de lembrança, o que a esse respeito escrevia o Sr. Pagès

de Noyez, no Journal de Paris, de 03 de abril de 1869:

“Aquele que por tão longo tempo ocupou o mundo científico

e religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec chamava-se Rivail

e morreu na idade de 65 anos.

“Vimo-lo deitado num simples caixão, no meio dessa sala

das sessões que há tantos anos ele presidia; vimo-lo com o

semblante calmo como se extinguem aqueles a quem a morte

não surpreende e que, tranqüilos quanto ao resultado de uma

vida honesta e laboriosamente preenchida, imprimem como que

um reflexo da pureza de sua alma sobre o corpo que

abandonaram.

“Resignados pela fé em uma vida melhor, e pela convicção

da imortalidade da alma, inúmeros discípulos tinham vindo lançar

um derradeiro olhar aqueles lábios descorados que ainda na

véspera lhes falavam a linguagem da Terra. Mas eles recebiam

já a consolação de além-túmulo: o espírito de Allan Kardec veio

dizer-lhes quais haviam sido suas comoções, quais as suas

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primeiras impressões, quais, dos que o haviam precedido no

além-túmulo, tinham vindo ajudar sua alma a desprender-se da

matéria. Se ‘o estilo é o homem’, aqueles que conheceram Allan

Kardec em vida não podem deixar de ficar emocionados pela

autenticidade dessa comunicação espírita.

“A morte de Allan Kardec é notável por uma coincidência

estranha. A Sociedade fundada por esse grande vulgarizador do

Espiritismo acabava de terminar. Abandonado o local, retirados

os móveis, nada mais restava de um passado que devia renascer

sobre novas bases. No fim da última sessão, o presidente fizera

as suas despedidas; preenchida a sua missão, retirava-se da luta

cotidiana, para se consagrar inteiramente ao estudo da filosofia

espiritualista. Outros mais jovens — intrépidos — deviam

continuar a obra, e fortes por sua virilidade, impor a verdade por

sua convicção.

“Para que referir os detalhes da morte? Que importa o

modo por que se partiu o instrumento, e por que consagrar uma

linha a esses fragmentos de agora em diante mergulhados no

turbilhão imenso das moléculas? Allan Kardec morreu na sua

hora própria. Com ele terminou o prólogo de uma religião vivaz,

que, irradiando todos os dias, cedo terá iluminado toda a

humanidade. Ninguém melhor que ele podia conduzir a bom

termo essa obra de propaganda, à qual era necessário sacrificar

as longas vigílias que alimentam o espírito, a paciência que

educa com o correr do tempo, a abnegação que afronta a

estultícia do presente, para não ver senão a irradiação do futuro.

“Allan Kardec terá, com suas obras, fundado o dogma

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pressentido pelas mais antigas sociedades. Seu nome,

apreciado como o de um homem de bem, está há muito tempo

vulgarizado pelos que crêem e pelos que temem. É difícil praticar

o bem sem chocar os interesses estabelecidos. O Espiritismo

destrói muitos abusos, reanima muitas consciências doloridas,

dando-lhes a certeza da prova e a consolação do futuro.

“Os espíritas choram hoje o amigo que os deixa, porque o

nosso entendimento, por assim dizer, material não se pode

submeter a essa idéia de ‘transição’; pago, porém, o primeiro

tributo a essa inferioridade do nosso organismo, o pensador

ergue a cabeça, e através desse mundo invisível, que ele sente

existir além do túmulo, estende a mão ao amigo que já não

existe, convencido de que o seu Espírito nos protege sempre.

“O presidente da Sociedade Espírita de Paris está morto;

mas o número dos adeptos cresce todos os dias, e os corajosos

que o respeito pelo Mestre deixava no segundo plano não

hesitarão em se evidenciar, por bem da grande causa.

“Esta morte, que o vulgo deixará passar indiferente, não é

menos por isso um grande fato na humanidade. Não é mais o

sepulcro de um homem, é a pedra tumular enchendo esse

imenso vácuo que o materialismo cavara aos nossos pés e sobre

o qual o Espiritismo esparge as flores da esperança”.

Um ponto sobre o qual não atrai vossa atenção, mas que

devo, terminando, assinalar, é a caridade verdadeiramente cristã

de Allan Kardec: dele se pode dizer que a mão esquerda ignorou

sempre o bem que fazia a direita, e que esta ainda menos

conheceu os botes que à outra atiravam aqueles para quem o

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reconhecimento é um fardo excessivamente pesado. Cartas

anônimas, insultos, traições, difamações sistemáticas, nada foi

poupado a esse intrépido lutador, a essa alma grande e varonil,

que penetrou inteiriça na imortalidade.

O despojo mortal de Allan Kardec repousa no Père-

Lachaise, em Paris, sob um modesto dólmen erigido pela

piedade de seus discípulos; é aí que se reúnem todos os anos,

desde 1869, os adeptos que têm guardado fidelidade à memória

do Mestre e conservam preciosamente em seu coração o culto

da saudade.

E, pois que é um sentimento análogo o que hoje nos reúne,

repitamos bem alto, minhas senhoras, meus senhores:

Honra! Honra e glória a Allan Kardec!

Henri SAUSSE.

Memória Histórica

I - Retrospecto

Antes de propriamente historiarmos, sucintamente embora,

o imponente movimento de renovação espiritualista que vem

fazendo, há meio século, o giro triunfal do mundo, não será

porventura inteiramente destituído de interesse lembrar que as

manifestações que lhe deram origem remontam, por sua

natureza, à mais alta antigüidade.

Desde os Vedas, com efeito, cujos livros religiosos,

aparecidos milhares de anos antes de Jesus Cristo, são os mais

antigos de que há notícia, a crença em um mundo espiritual, de

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cujos habitantes nos podem vir esclarecimentos e conforto, era

geralmente admitida.

“Os Espíritos dos antepassados — dizia o grande legislador

Manu3 — acompanham, no estado invisível, certos brahmanes,

convidados para as cerimônias em comemoração dos mortos,

sob uma forma aérea; seguem-nos e tomam lugar ao seu lado,

quando eles se sentam”.

Confúcio, por sua vez, na China, dá testemunho da

seguinte sentença, gravada 500 anos antes, no sóco de uma

estátua de ouro, no templo da Luz, sentença que não é mais que

um reflexo da crença no mesmo sentido generalizada:

“Falando ou agindo, ainda que estejais só, não cuideis que

não sois visto ou ouvido: os Espíritos são testemunhas de tudo”.

No Egito, o conhecimento do mundo invisível e da

possibilidade das suas relações conosco, deu origem à doutrina

secreta sob o nome de Cabala, a cujos iniciados assegurava o

Calmud o seguinte privilégio:

“Aquele que, sendo instruído desse segredo (a evocação

dos mortos), o guarda com vigilância em um coração puro, pode

contar com o amor de Deus e o favor dos homens. Seu nome

inspira respeito, sua ciência não teme o olvido, e ele se torna o

herdeiro de dois mundos: este, em que agora vivemos, e o

mundo futuro”

3 Manu, Slocas, citado por Gabriel Delanne em O Fenômeno Espírita

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A Pérsia participa das mesmas crenças, que se evidenciam

claramente na religião de Zoroastro.

Se passarmos à Grécia, vamos encontrar as evocações

dos deuses ou gênios praticadas pelas pitonisas, por cujo

intermédio os consultantes obtinham mesmo a aparição dos

seres caros que iam interrogar.

Idêntico mister vemos desempenhado pelas sibilas, em

Roma, a quem os generais iam freqüentemente consultar,

nenhuma deliberação importante sendo adotada sem ser o

oráculo previamente ouvido.

Assim, por toda parte, a crença nos Espíritos e na sua

intervenção junto dos homens era geralmente partilhada, nem

sempre, todavia, isenta das superstições e dos prejuízos a que

por fim davam lugar as suas práticas.

E não foi senão em virtude dos abusos que daí se

originavam que, no Deuteronômio, Moisés se viu induzido a

proibir ao povo hebreu, sob as mais severas ameaças, a

evocação dos mortos, a que esse povo habitualmente se

entregava.

Mas veio Jesus. Os fatos de sua vida, as curas que

operava, a expulsão dos demônios4 são uma nova e

impressionante série de manifestações espíritas.

A sua doutrina, toda de um cunho espiritual, vinha de novo

4 A palavra demônio, a que tão impropriamente se tem dado uma significação exclusiva, vem do grego daimon e quer dizer Espírito, gênio.

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abrir as fontes da inspiração invisível, não para o conhecimento

das coisas e dos interesses do mundo, como praticava outrora o

rebanho embrutecido de Moisés, mas para esclarecimento do

seu sentido obscuro ou parabólico, deixado propositalmente, em

muitas passagens, sob o véu da letra, quer para a pesquisa dos

iniciados, quer para o entendimento do futuro.

Assim o compreenderam, com efeito, os primeiros cristãos

que, depois da ressurreição do Divino Mestre, e já o não tendo

presente, sob a forma visível, para o consultar acerca da

interpretação dos seus ensinos, reuniam-se em pequenas

assembléias, sob a direção de um ancião por eles escolhidos, e

aí liam e comentavam os manuscritos evangélicos, com o

concurso dos profetas (que eram os mesmos médiuns dos

nossos dias), por cuja boca lhes enviam os ditados espirituais,

atentamente ouvidos.

É o que pelo menos se evidencia, além de várias

passagens dos Atos dos Apóstolos5, da seguinte advertência que

S. João insere em sua 1a Epístola: “Caríssimos, não creias a

todo Espírito, mas provai se os Espíritos são de Deus (Cap. IV,

v. 1)”.

S. Paulo é ainda mais explícito no indicado sentido:

“Pois que haveis de fazer, irmãos? Quando vos congregais,

se cada um de vós tem o dom de compor salmos, tem o de

doutrina, tem o de revelação, tem o de línguas, tem o de as

5 Veja-se, entre outros, os Cap. XXI e XXIII.

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interpretar, faça-se tudo isso para edificação” (I Coríntios, XIV,

26).

Em seguida acrescenta (v. v. 29 a 32):

“Pelo que toca, porém, aos profetas, falem também só dois

ou três, e os mais julguem o que ouvirem. E se nesse tempo for

feita qualquer revelação a algum outro dos que se acham

assentados, cale-se o que falava primeiro.

“Porque vós podeis profetizar todos, um depois do outro,

para assim aprenderem todos, e serem todos exortados no bem

— porque os Espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas”.

Não pode ser mais flagrante a analogia entre as modernas

práticas, em alguns círculos espíritas, e as que davam lugar a

estas instruções do iluminado apóstolo dos gentios.

Essas relações dos primeiros cristãos com o mundo

espiritual conservaram- se inalteradas durante os primeiros

séculos, constituindo uma fonte de poderosos esclarecimentos,

graças aos quais a nova Doutrina era chamada a manter-se em

um perpétuo rejuvenescimento, que seria dos mais fecundos à

sua evolução através dos tempos.

Cedo, porém, a Igreja, organizando-se hierarquicamente,

começou a ver nessas revelações espirituais um perigo de

desmentido aos seus ensinos exclusivos, e um motivo de

contrariedade às vistas interesseiras que já lançava sobre o

mundo.

Começaram então as proibições, que vieram a ter o seu

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sanguinolento apogeu nas fogueiras da Idade Média, cujas

chamas lançaram sobre a Terra o derradeiro clarão da sua

sinistra apoteose.

Acossados pelo terror, perseguidos como feiticeiros,

chacinados em meio das mais cruéis torturas, todos quantos se

entregavam à prática das evocações foram obrigados a

renunciar a esse mister. É certo que dentre essas práticas,

muitas dariam lugar a abusos, em razão da ignorância e

grosseria das paixões que ainda então predominavam, como de

resto, mesmo nos nossos dias, vemos acontecer com o

Espiritismo, que a crendice e a superstição de um lado, e o

charlatanismo interesseiro, do outro, não trepidam em profanar.

Isso, porém, nem de leve pode atenuar, e menos ainda

legitimaria a violência dos processos utilizados pela Igreja para

fazer calar as vozes dos Espíritos.

O certo é que o fez. Emudeceram os mensageiros

espirituais, e ela pôde então estender desafogadamente o seu

domínio indisputado sobre o mundo cristão, ditando como

autoridade exclusiva e soberana o seu destino dogmático.

Mas, o mundo espiritual velava sempre. Se já não dispunha

de instrumentos para transmitir à Terra as doutrinas emanadas

do Divino Instituidor, nem por isso cessava de afirmar a sua

existência, ora por essas aparições de moribundos ou de mortos,

de que, desde tempos imemoriais, não há família que não tenha

pelo menos um caso a relatar, — ora por toda a sorte de

manifestações físicas, como vozes, ruídos, transportes de

objetos, etc., tão bem caracterizadas nesse fato pitorescamente

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denominado “casas mal assombradas”, que as reúne todas.

Esses fenômenos, produzidos — repetimos — em todos os

tempos, não raro desfigurados ou exagerados pela superstição,

mas pertinazes e constantes, representam, por assim dizer, os

marcos com que esse mundo espiritual vinha, através dos

séculos, assinalando o seu caminho, afirmando a sua

coexistência ao nosso lado e chamando sobre ele a atenção dos

homens.

Intermitentes e desordenados a princípio, chegaram,

entretanto, a adquirir por fim um caráter intencional e — o que é

melhor — pareceram obedecer a um plano de generalização e

simultaneidade, demasiado característico e concorde em seus

efeitos para ser atribuído à mera coincidência.

Finalmente! O véu que encobria esse mundo, invisível e

misterioso, ia ser levantado, dando novamente livre culto as suas

relações conosco.

Chegamos, assim, à fase atual das suas manifestações.

II - O Movimento Moderno

Todos os escritores que se têm ocupado do assunto são

concordes em indicar como ponto de partida do atual movimento

espírita os fenômenos que em 1847-1848 se produziram no seio

da família Fox, residente a princípio na pequena cidade de

Hydesville, e logo depois na de Rochester, Estado de New York,

na grande República norte-americana.

Esse é, com efeito, o berço, por assim dizer, clássico dos

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fenômenos espíritas em sua moderna fase. Convém, entretanto,

assinalar como uma circunstância digna de nota que, quase ao

mesmo tempo em que tais manifestações se produziam na

América do Norte, idênticos sucessos se davam em várias

cidades da Europa, posto que sem igual repercussão, e,

sobretudo, sem resultados semelhantemente apreciáveis na

difusão do Espiritismo.

Tais foram: o caso de Cidesville ocorrido, em 1850, na

França, com o Marquês desse nome, e que deu lugar a um

curioso processo em que depuseram inúmeras testemunhas,

perante o juiz de paz de Yerville; o de Bergzabern, na Baviera,

em 1852; — o da vila de Lipzi, distrito de Charkof, na Rússia, em

1853, notável pelas circunstâncias singulares de que se revestiu;

— e finalmente, em uma época menos afastada, o que ocorreu

em 1862 com o advogado Joller, membro do Conselho Nacional

de Stans, cantão de Unterwalden, Zurique (Suiça).

Desses casos, que foram documentadamente expostos por

Aksakof em sua obra Os Precursores do Espiritismo nos Últimos

250 Anos, escrita, infelizmente para nós, em língua russa, o mais

importante foi o de Lipzi, cujo processo, figurou como

protagonista e, ao mesmo tempo, vítima o capitão Jean-

datchenko, terminou por ser arquivado no tribunal de Charkof,

em virtude de ter sido impossível, apesar das rigorosas

pesquisas policiais e judiciais efetuadas durante três anos (de

1853 a 1856), descobrir os misteriosos autores dos prejuízos

materiais causados ao referido capitão, em suas roupas, móveis

e até na própria casa de sua residência.

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Escasseiam os dados para uma justa apreciação dos

resultados desses fatos, todos de uma grande notoriedade, para

a aceitação das idéias espíritas naqueles países. Acreditamos

que, sem serem porventura de grande alcance, não terão,

contudo, deixado de exercer alguma influência em tal sentido.

Como quer que seja, porém, a circunstância de terem, de alguma

sorte ocorrido simultaneamente com os de que foi teatro a

América do Norte, tornava necessária esta menção, parecendo

ao demais justificar a conjectura de uma intervenção providencial

e combinada na sua produção em pontos tão opostos.

Não será, com efeito, lícito atribuir a essa simultaneidade o

cunho de uma direção invisível e superior, e nessa múltipla

irrupção dos fenômenos, destinados a atrair sobre o mundo

espiritual a atenção dos homens, não se deve legitimamente

reconhecer o caráter de universalização que, dentro em pouco,

deviam adquirir os ensinos oriundos daquela fonte?

Voltemos, porém, à América do Norte, às manifestações

produzidas em casa da família Fox, em 1847-48.

Começaram elas por insólitos ruídos e pancadas que,

vibradas no forro da casa, no soalho, nas paredes e nos móveis,

cedo traíram o seu caráter intencional.

Desprezadas a princípio, terminaram, por sua insistência,

obrigando os moradores a prestar-lhes uma atenção que foi

crescendo até se estabelecerem diálogos com a entidade

invisível que batia, e que, mediante a adoção de um alfabeto

combinado com o número das pancadas, veio a fazer a

inesperada revelação de ser o Espírito de um tal Charles Rosma,

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vendedor ambulante, que havia sido outrora assassinado e

roubado nessa mesma casa de Hydesville, em que residia a

família Fox.

Nas senhoritas Margarida, de 15; e Kate, de 12 anos, filhas

de John Fox, dono da casa, havia ele encontrado os médiuns de

que carecia para tais efeitos físicos.

E assim continuaram semanas e meses seguidos as

manifestações, cuja notícia não tardou a espalhar-se pela

vizinhança, atraindo inúmeros visitantes e, dessa forma, se

propalando por toda a cidade.

A conselho do Espírito, a família mudou-se pouco depois

para Rochester, onde o caso devia ter mais larga e mais intensa

repercussão.

Ai, de fato, continuaram com um cunho de maior

notoriedade as manifestações, começando também para aqueia

família, particularmente para as duas meninas, uma série de

sofrimentos e perseguições que as deviam sagrar como os

primeiros mártires da ideia nascente.

Interveio em primeiro lugar o ministro da religião

protestante a que pertenciam, e que as intimou, sob pena de

expulsão da igreja, a renunciarem a tais práticas. Mas as

senhoritas Fox, que já haviam sido iniciadas no conhecimento da

missão que tinham a desempenhar, recusaram-se resoluta e

nobremente a obedecer, e — ocioso é. acrescentar — foram

efetivamente expulsas.

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Vieram depois as comissões nomeadas para examinar os

fenômenos e pronunciar-se acerca da sua natureza. A primeira,

depois de uma longa e minuciosa pesquisa, acabou

reconhecendo a intervenção espiritual na produção dos fatos,

que o público se obstinava em atribuir a artifício dos pobres

médiuns. Uma segunda comissão foi nomeada, chegando ao

mesmo resultado. Foi um desapontamento para todos.

Nomearam por fim uma terceira comissão, composta de

pessoas escolhidas e insuspeitas, e quando terminou o seu

escrupuloso inquérito, a população de Rochester reuniu-se no

maior salão da cidade, o Corinthian-Hall, para ouvir e ler o seu

resultado.

Escusado é dizer que foi uma nova e triunfal consagração

das anteriores pesquisas. O público então, amotinado e em

atitude hostil, indagado pelo que teimava em supor uma burla

sistemática, levantou-se, em uma onda ululante, e pretendeu

invadir o recinto em que, impávidas e serenas, rodeadas de seus

pais, o Sr. e a Sra. Fox, as jovens médiuns aguardavam o seu

veredicto, — com o intuito de linchá-las! Foi preciso que o

venerando quaker Georges Willets se interpusesse, para evitar a

consumação do inconcebível atentado.

Assim eram recebidas na livre América as primeiras

demonstrações oficiais e decisivas do novo espiritualismo, em

sua primeira e acidentada fase, cujos detalhes, que nos é

impossível reproduzir aqui, se encontram na obra

excelentemente documentada da Sra. Emma Flardinge, História

do Moderno Espiritualismo na América.

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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Mas a semente estava lançada, e o terreno fora proposital

e providencialmente escolhido para a receber, por mais que

esses sucessos, na aparência, o desmentissem. O estado dos

ânimos em face dos novos fenômenos devia se modificar

profundamente em poucos anos mais. E, com efeito,

prosseguindo e divulgando-se as pesquisas naquele sentido, já

em 1854 era dirigida ao Congresso legislativo de Washington

uma petição subscrita por 15.000 assinaturas, na qual se

solicitava a nomeação de uma comissão para estudar os fatos e

determinar as suas leis.

É claro que o Congresso não tomou em consideração esse

pedido, mas não é menos certo que nem por tal motivo cessaram

de ser feitas as experiências e as investigações. Nelas não

tardaram a tomar parte homens eminentes, como o juiz

Edmonds, o professor Mapes, lente de química na Academia

Nacional, o célebre professor Robert Hare, da Universidade de

Pensilvânia, o sábio Roberto Dale Owen, ministro dos Estados

Unidos em várias cortes européias, além de muitos outros, cuja

nomenclatura seria fastidiosa aqui, e que por esse motivo

incluímos mais adiante.

Servido por tão ilustres campeões, que com o mais nobre

desassombro se colocaram à testa do movimento renovador, o

Espiritismo propagou-se rapidamente por toda a República, de

sorte que menos de vinte anos mais tarde, isto é, em 1870, já

contava 20 associações denominadas de Estado, 105

sociedades privadas, dispunha de excelentes e vastos edifícios

nas cidades mais importantes, onde cerca de 200 conferentes

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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faziam suas preleções públicas, e o número dos seus jornais6 e

revistas se elevava a vinte e dois, compreendido o Canadá.

A estas informações nos resta acrescentar que, segundo

os dados estatísticos colhidos pelo grande naturalista A. Russel

Wallace, o número dos espíritas se elevava, há poucos anos, nos

Estados Unidos a onze milhões. E na 11a convenção anual da

Associação Nacional dos Espíritas americanos e canadenses,

reunida na última semana de outubro do ano passado,

compareceram 250 delegados, representando outras tantas

associações a ela filiadas.

E eis aí os resultados verdadeiramente assombrosos a que

serviram de início e de pretexto as manifestações, há apenas

meio século, desenroladas na cidade de Rochester, tendo como

protagonistas as intrépidas senhoritas Margarida e Kate Fox.

Digamos, antes de passar adiante, que em memória

dessas abnegadas heroínas, já falecidas, Kate em 1892 e

Margarida em 1903, a gratidão dos espíritas norte-americanos

fez erigir, no ano passado, um singelo monumento no cemitério

da Colina dos Cysprestes, em Brooklyn (New York), onde

repousam as suas cinzas, com uma inscrição alusiva ao seu

papel e à sua missão no movimento do moderno Espiritualismo.

Bem fizeram eles, mas muito pouco é isso em relação à

merecida consagração que a essa dupla memória fará sem

6 Desses jornais apenas conseguimos a indicação precisa de quatro, que inserimos nas Estatísticas.

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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dúvida a posteridade.

Passemos agora à Europa, antes de dar conta do

movimento identicamente expansivo operado nas duas Américas

— Central e do Sul — até o nosso país.

Ficou visto anteriormente, na “Biografia de Allan Kardec”,

que foi na França, pátria do grande missionário, que o Espiritismo

se constituiu propriamente em Doutrina, graças ao seu

gigantesco e perseverante trabalho de verdadeiro predestinado,

para em seguida, e com essa feição, irradiar em todas as

direções.

É essa uma circunstância que igualmente convém ficar

consignada, isto é, que enquanto os fenômenos e — em uma

certa medida — as práticas espíritas são de todos os tempos;

enquanto o berço das manifestações ostensivas, provocando o

movimento de renovação moral e filosófica que tão rapidamente

se tem operado, deve ser colocado nos Estados Unidos — aos

esforços de Allan Kardec é que se deve a sistematização dos

ensinos dos Espíritos em um corpo doutrinário, característico da

moderna fase dessas manifestações.

Assim, é de 1857, data da publicação de O Livro dos

Espíritos, coincidindo embora com outras publicações de

natureza semelhante, quer na América7 quer na própria França8,

7 O livro do Dr. Robert Hare, Experimental Investigation of the Spirit Manifestation, precedeu-o apenas de alguns meses.

8 No mesmo ano de 1857 o Barão de Guldenstubbé publicava, com efeito, o voiume De La Realité des Esprits, repositório de interessantes experiências de escrita direta.

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que se deve propriamente contar o advento da Doutrina Espírita.

A partir daí, e dada a deficiência de dados atualmente

existentes para a reconstituição cronológica da sua marcha

evolutiva, é difícil dizer de que modo e por onde se fez

sucessivamente a difusão do Espiritismo. O certo é que,

vencidas as primeiras resistências, inseparáveis de toda idéia

nova, ele transpôs todas as fronteiras, penetrou por toda a parte,

de tal sorte que já não há hoje quase um país da Europa em que

não ateste a sua crescente vitalidade, pela fundação de

Sociedades e revistas, portadoras dos seus ideais e das suas

racionalistas e consoladoras doutrinas.

A primeira afirmação da sua força coletiva vamos encontrar

na reunião do Congresso Espírita, realizado em 1888 em

Barcelona, no qual tomaram parte representantes de quase

todos os países e foram votadas importantes conclusões no

sentido dos princípios cardeais que constituem os fundamentos

da nova filosofia.

Em 1889 reunia-se em Paris, por ocasião da exposição, o

segundo Congresso Internacional, com o voto de 40.000

aderentes, representando 20 milhões de espíritas, segundo,

entre outros noticiou Le Figaro, daquela capital.

A essa imponente manifestação devia seguir-se, poucos

anos mais tarde, a realização do Congresso Espiritualista de

Londres em 1898, e por fim a do Congresso Espírita e

Espiritualista de Paris, em 1900, cujas sessões, celebradas de

16 a 27 de setembro, sob a presidência de Léon Denis, tiveram

a mais simpática repercussão na imprensa francesa, que delas

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

73

se ocupou nos mais expressivos termos, salientando a

importância adquirida pelo Espiritismo nos últimos anos.

Aí se acharam representados os espiritualistas de todos os

matizes, repartidos pelas seções de Magnetismo, Hermetismo,

Teosofia e Espiritismo, em que se dividiu, sendo apresentados

notáveis trabalhos e memórias que constam do importante

relatório9 publicado, contendo o seu histórico completo.

Ao lado dessas manifestações coletivas, cumpre colocar os

trabalhos de organização parcial, não menos significativos.

Vemos assim, para começar por Portugal, em que, todavia,

— diga-se de passagem — a difusão se vai fazendo lentamente,

criarem-se alguns círculos de experimentação em Lisboa, mas

particularmente no Porto, além da fundação de dois jornais, a

Revista Espírita, do Porto; e O Futuro, no arquipélago dos

Açores. À frente dos experimentadores, figura um nome que se

tem imposto pelo rigor científico das suas pesquisas: o Dr. José

Alberto de Souza Couto, cujos trabalhos, lidos pessoalmente no

Congresso de Paris, despertaram vivo interesse.

Na Espanha, acha-se à frente do movimento a “Union

Espiritista Kardeciana Espanola”, de Barcelona, com 22

associações filiadas, achando-se representada a imprensa

doutrinária pelas 9 revistas mencionadas na Estatística que

inserimos adiante, cabendo ainda mencionar, entre suas

congêneres, a Sociedade de Estudos Psíquicos Ibero-

9 Compte-rendu du Congrès Spirite et Spiritualiste International de 1900,1 vol. de 722 págs., Paris.

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Americana, com sede em Madrid.

Penetrando de novo na França, vamos encontrar o mais

intenso movimento propagandista irradiando em todas as

direções, graças principalmente aos giros de conferências

levados a efeito por alguns intrépidos apóstolos, entre os quais

sobressaem as nobres figuras de Gabriel Delanne e, sobretudo,

de Léon Denis, a cujos esforços se deve a fundação de

agremiações regionais, como a Federação Espírita Sudoeste,

organizada em Bordeaux, no ano passado, além de várias

outras.

Por seu turno a Sociedade Francesa de Estudos dos

Fenômenos Físicos continua em Paris a sua tarefa de

encaminhar a propaganda, tendo a seu cargo a iniciativa e

organização dos Congressos, que lhe está particularmente afeta.

Há ainda a registrar a fundação da Sociedade de Estudos

Físicos de Marselha, em 1903, e a da Federação Espírita

Lionesa e Regional, sem contar a antiga Federação Espírita

Lionesa, além da criação de círculos de experimentação, como

o Instituto Psicológico Internacional, composto de eminentes

cientistas como os Drs. Duclaux, diretor do Instituto Pasteur,

dArsonval e Marey, membros da Academia de Ciências e da

Medicina, Weiss da Faculdade de Medicina, e o professor de

física Branly.

Acrescentemos que, só em Paris, calcula o Figaro haver

cem mil adeptos.

No que toca aos grupos privados de estudo e investigação

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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prática, pode-se por dados aproximativos estimar em mais de

cem o seu número em toda a França.

Mas é sobretudo na imprensa que se pode constatar a

importância lá adquirida pela Doutrina Espírita, sendo, como é,

de 25 o número das suas revistas e jornais.

Por ordem de importância vem em seguida — se não lhe

fica a par — a Inglaterra, com as suas 160 sociedades

funcionando regularmente, merecendo entre elas especial

menção a London Spiritualist Alliance e a Spiritualist National

Union Limited, pelo papel que desempenham na direção da

propaganda.

Não menores serviços se devem, no sentido da

investigação e, conseguintemente, da vulgarização, à Society for

Psychical Research e à Sociedade Dialética de Londres, fundada

em 1867, tendo como presidente sir John Sublodck, e como vice-

presidentes os ilustres sábios Thomas Henry Huxley e George

Henry Lewes, a cuja iniciativa se deveu em 1869 a nomeação de

uma comissão para estudar os fenômenos espíritas, da qual

fizeram parte o célebre naturalista Alfred Russel Wallace, o Sr.

Augusto de Morgan, presidente da Sociedade Matemática de

Londres, e o engenheiro Varley, chefe das linhas telegráficas da

Inglaterra.

O resultado dos trabalhos dessa comissão foi uma brilhante

afirmação da realidade dos fenômenos espíritas, não tardando a

seguir-lhe os traços, sempre com o mesmo resultado, outros

eminentes investigadores, como o Sr. Oxon, professor da

Universidade de Oxford, o jurisconsulto Sergeant Cox, os Drs.

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Chambers e James Gully, autor da Nevropatia e Nevrose, e por

último esse ilustre, entre os mais ilustres, professor William

Crookes, cuja recente promessa de recomeçar em breve as

investigações espíritas vale por uma nova afirmação da

importância que nelas justamente reconhece.

Na Alemanha não foi menor a aceitação que encontraram

a Doutrina e os fenômenos espíritas, quer da parte do público em

geral, quer da dos seus mais eminentes cientistas. Que o digam

os professores Zõllner, Friese, Weber, Fechner, e Ulrici, etc.,

todos rendidos à evidência das manifestações, e hoje cultores

decididos da moderna filosofia espiritualista.

Os trabalhos populares de organização propagandista se

acham representados em dezenas de associações,

poderosamente secundadas pelas revistas doutrinárias,

igualmente mencionadas, com as dos outros países, na

Estatística com que completamos estas notas.

O mesmo cumpre dizer em relação à Itália, Bélgica, Suiça,

com a sua Sociedade de Estudos Psíquicos e a Aliança Espírita,

de Genebra, e os excelentes livros de Daniel Metzger e Luiz

Gardy, a Suécia e Noruega, a Áustria- Hungria, a Holanda, a

Sérvia e a própria Rússia, com os seus centros de investigação

em S. Petersburgo, Kiev e Moscou, e ainda recentemente com a

criação de um círculo de experiências em Tiflis, no Cáucaso.

Por toda a parte a idéia penetrou, aliciando cultores,

disciplinando esforços em torno da sua divulgação, e dando

origem a uma literatura que será dentro em pouco tempo um dos

mais eloqüentes testemunhos da sua universalização.

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E como se as fronteiras da Europa fossem insuficientes

para contê-la invadiu a Austrália, e até na própria Turquia já fez

irrupção, com a fundação de um grupo criado em 1903 para a

observação dos fenômenos. E quem sabe que incremento já não

terá adquirido?

É um fato realmente único na história, esse de em tão curto

lapso de tempo generalizar-se por tal modo singularmente

rápido, em todas as regiões do mundo, uma Doutrina que, só por

essa circunstância, revela o cunho de verdade que constitui os

seus fundamentos e torna incoercível a sua força expansionista.

— Voltemos, agora, novamente ao continente americano.

Na América Central não é menos intenso o movimento de

vulgarização, acerca de cujo início, todavia, nos escasseiam

infelizmente os dados. Da sua atividade atual, porém, pode-se

fazer uma idéia, quer pelo número de jornais que lá se publicam,

quer pelas notas que possuímos relativamente à criação de

grupos no ano passado.

Aqui é o México, ao qual uma estatística recente atribuía a

existência de 60 agremiações e 63.122 espíritas. Possui três

jornais, e em 1903 aquele número de associações foi enriquecido

de mais uma.

Cuba, além das suas três revistas, registrou em 1903 a

formação de 9 grupos, a que se vieram acrescentar mais dois no

primeiro semestre deste ano.

No referido período figuram ainda:

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Porto Rico, com 7 grupos, além da Federação dos Espíritas

de Porto Rico, e mais um novo grupo neste ano;

Nicarágua, com um grupo mais, também neste ano,

convindo igualmente mencionar a fundação da revista Fiat Lux,

em Leon.

A imprensa espírita dessa parte do continente acha-se

representada por um total de 11 revistas, todas de um cunho

acentuadamente doutrinário.

Se, dessa parte passamos à meridional, vemos a

República Argentina figurar nas estatísticas com 48 sociedades

das quais 16 na capital e 32 nas províncias e cidades do interior.

Nela se fundaram mais de 8 associações em 1903 e duas no

primeiro semestre deste ano.

A sua imprensa consta de 4 revistas, cujos nomes vão no

lugar próprio.

O Chile não apresenta tão lisonjeiro movimento, mas nem

por isso a idéia tem cessado de lá caminhar com segurança,

alargando, lenta, mas continuamente, o círculo de sua irradiação

de mais duas, uma em 1903 e outra neste ano.

A sua revista A d’onde vamos é um excelente repositório

de ensinamentos doutrinários.

No momento presente, em que o Espiritismo deve ser

considerado ainda em seus primórdios, e quando os trabalhos de

organização constituem antes ensaios que uma obra

positivamente metodizada, não nos foi possível, com os

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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escassos elementos de que dispusemos, reunir dados mais

completos e precisos. O que aí fica, todavia, buscará para

demonstrar que não é uma mera figura dizer- se que a Doutrina

Espírita, como um imenso rastilho, se propagou por todos os

pontos do mundo civilizado... e mesmo além. Ora em meio

propício, ora em terreno refratário, ela surge, esboça-se, vai se

afirmando; caminha ao lado dos fenômenos, que por toda parte

se produzem, e se é obrigada a retrair-se ou ficar estacionária

em um lugar, não tarda a aparecer em outro com redobrado

vigor, para percorrer de novo o mesmo ciclo, até que tenha

completamente triunfado de todos os obstáculos, que serão

inutilmente opostos à sua marcha.

Vimos como nas três Américas a sua invasão se vai

irresistivelmente produzindo. Vejamos agora como se tem

comportado em nosso país.

III – O Espiritismo no Brasil10

Em um relatório acerca da situação do Espiritismo no

10 Ao deliberarmos fazer a presente publicação, e no intuito de obter apontamentos tão minuciosos e completos quanto possível acerca do movimento espirita em nosso país, tivemos o cuidado de dirigir circulares aos espíritas mais em evidência em todos os Estados da República, solicitando-lhes a indicação: a) da data das primeiras manifestações; b) dos primeiros, bem como dos atuais, trabalhos de organização, compreendendo a instituição de centros e grupos e a fundação de jornais e revistas com a respectiva tiragem; c) de uma estimativa do número de adeptos — além de quaisquer outros dados complementares.

Acolhido embora por todos com cativante solicitude esse pedido, devemos, todavia, confessar que o resultado não correspondeu inteiramente a nossa expectativa, sendo em grande parte deficientes as notas enviadas. Daí as lacunas de que, involuntariamente por nossa parte e pela dos que se esforçaram por nos auxiliar com boa vontade e de um modo completo, se ressente esta publicação, que assim ficará reduzida às proporções de um esboço, a completar mais tarde com outros apontamentos que ora não foi

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Brasil, enviado pela Federação Espírita Brasileira ao Congresso

Espírita e Espiritualista reunido em 1900, em Paris, foi assinalado

o Estado, então província, da Bahia como berço da Doutrina

entre nós, graças à criação, em 1865, do Grupo Familiar do

Espiritismo, composto, no dizer dos seus próprios fundadores, de

“poucos, bem poucos homens, mas de firme convicção e fé

inabalável, que, adotando as salutares doutrinas do Espiritismo,

trabalharam e combateram durante 8 anos”, quando adotou o

grupo a denominação Associação Espírita Brasileira, com que

pouco tempo mais durou.

Foi efetivamente esse o primeiro ensaio de organização da

nascente Doutrina nesta formosa Terra do Cruzeiro. Informações

recentes, entretanto, vindas do Ceará, firmadas por um

venerando cultor da nova ciência, o Sr. Catão F. da Cunha

Mamede, fazem remontar muito mais longe, não a data da

primeira organização, que continua legitimamente a pertencer à

cidade de S. Salvador, mas a das primeiras experimentações

tentadas entre nós.

Assim, vimos a saber que já em 1853, isto é, ao mesmo

tempo que na França, onde no ano seguinte deviam atrair a

atenção de Allan Kardec, se faziam na capital do Ceará as

experiências das mesas girantes, que constituíam, como nos

salões de Paris, o entretenimento de quase todas as famílias.

A moda passou, como ali teria passado sem mais

conseqüências, se não fosse a intervenção providencial do

possível reunir.

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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clarividente missionário, e se, por outro lado, não houvesse

soado a hora da Nova Revelação, a que serviram de início essas

rudimentares experimentações. Mas não é menos digna de nota

essa coincidência, que coloca o nosso país ao lado da França e

outros lugares, na fixação do momento histórico das primeiras

observações espíritas, por meio das tradicionais mesas girantes.

Passaram, entretanto, da moda no Ceará esses ensaios

isolados, e assim, quebrado o fio da sua ligação com outros

sucessos posteriores, que lá deviam surgir anos mais tarde,

assinalando a continuidade do movimento, graças à leitura das

obras de Allan Kardec e a fundação de um grupo devido à

iniciativa de Luiz de França Almeida e Sá, há pouco falecido, —

quebrado esse fio — dizíamos — vamos encontrar, somente em

1865, organizando-se efetivamente pela primeira vez a Doutrina

na Bahia, em cuja capital soltou em tais condições o seu primeiro

vagido.

Foi igualmente aí que, em 1869, apareceu o primeiro jornal

espírita, denominado O Eco de Além-Túmulo, sob a direção do

Dr. Luiz Olímpio Telles de Menezes, membro do Instituto

Histórico da Bahia e um dos primeiros intrépidos campeões da

nova idéia.

Esse jornal trazia como subtítulo “Monitor do Espiritismo no

Brasil”, continha 56 páginas e aparecia bimestralmente, tendo

sido, entretanto, efêmera a sua existência.

A essa tentativa seguiu-se um silêncio de quatro anos,

quando então a 09 de outubro de 1873, fundou-se nesta capital

o “Grupo Espírita Confúcio”, o primeiro aqui formado, e que ao

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fim de dois anos e meio se desorganizou, por desacordo entre

seus membros, para ceder o lugar à “Sociedade de Estudos

Espíritas Deus, — Cristo — Caridade”; constituída a 26 de abril

de 1876.

A partir daí não mais devia cessar o movimento, que, ao

contrário, sempre em um crescendo animador, e à parte

inevitáveis hesitações e alguns insucessos parciais, estava

destinado a caminhar de afirmação em afirmação até ao estado

atual, caracterizado pelo mais lisonjeiro incremento. E ora aqui,

ora nos Estados, sucedia-se a fundação de revistas e a criação

de grupos, podendo-se quanto àquelas fazer uma idéia pela

seguinte escala cronológica:

Em 1875 publicava-se nesta capital a Revista Espírita do

Rio de Janeiro; em 1881 a Revista da Sociedade Deus, Cristo e

Caridade e O Espiritismo, além de A Cruz, em Pernambuco, e

União e Crença, em São Paulo; em 1882, o Renovador, ainda

nesta capital.

Em 1883 era fundado, por iniciativa de Augusto Elias da

Silva — um dos denodados trabalhadores da primeira hora — o

Reformador, que no ano seguinte passou a ser órgão da

Federação Espírita Brasileira, criada a 02 de janeiro de 1884.

Seguem-se, ainda, pelas datas da respectiva fundação: em

1885, a revista Século XX, em Campos, no estado do Rio; em

1886, em São Paulo, o Espiritualismo Experimental; em 1890, A

Nova Era e O Regenerador, nesta cidade ; Regenerador, no

Pará; Verdade e Luz, em São Paulo; Revista Espírita e A Luz,

em Curitiba, Paraná; em 1892, A Evolução, no Rio Grande do

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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Sul; em 1893, O Farol, em Paranaguá, estado do Paraná; em

1894, A Voz Espírita, em Porto Alegre; A Verdade, em Mato

Grosso; Perdão, Amor e Caridade, na Franca, São Paulo e A Fé

Espírita em Paranaguá; em 1895, a Revista Espírita, na Bahia;

Eco da Verdade, em Porto Alegre, e A União, em Maceió, em

1896; A Religião Espírita, nesta capital, e Voz da Verdade, em

Paranaguá; em 1898, a Revista Espírita, em Porto Alegre; em

1899, O Guia, no Recife; em 1900, A Regeneração, no Rio

Grande; O Espírita Alagoano, em Maceió e A Doutrina, em

Curitiba.

Até 1900 tinham, pois, sido fundados no Brasil 31 jornais

espíritas, aos quais nestes últimos anos se vieram acrescentar

mais doze, na seguinte ordem:

Em 1901, o Mensageiro, fundado em Manaus, e A Ciência,

em Maceió; em 1902, a Fraternização, nesta capital; A Cruz, na

cidade de Amarante, Estado do Piauí, e Doutrina de Jesus, em

Maranguape, Ceará; em 1903, Luz e Fé e Sofia, no Pará; A Nova

Revelação, em São Paulo, e O Allan Kardec, em Cataguazes,

Minas Gerais; e finalmente, em 1904, A Verdade, em Palmares,

Pernambuco, A Semana, no Recife, e O Alvião, em São Paulo.

Desses jornais apenas existem atualmente os que constam

da Estatística que adiante publicamos, em número de 19, dos

quais alguns com a publicação temporariamente interrompida.

Quanto às associações regularmente organizadas, é difícil,

senão impossível, fixar com precisão o número, mesmo das que

funcionam nesta capital. Recordaremos apenas, como um eco

da representação que, segundo já aludimos, enviou a Paris, em

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1900; a Federação Espírita Brasileira, que o seu relatório foi

prestigiado com a adesão expressa de 79 sociedades11, não

incluindo, por conseguinte, nesse número aquelas que, a esse

tempo existentes, não tiveram conhecimento desse documento,

ou que, por qualquer outra circunstância, o não puderam

subscrever.

Esse número deve hoje ter pelo menos duplicado, o que

não é exagero calcular, tendo-se em vista que só dos

apontamentos habitualmente publicados pelo Reformador, em

seu "Movimento Espírita Universal” a partir de janeiro de 1903,

até o primeiro semestre deste ano, isto é, em um período de 18

meses, consta haverem sido organizados no Brasil 34 grupos,

assim distribuídos:

Em 1903: nesta capital (Rio de Janeiro), 1 grupo; no

Maranhão 1; em Pernambuco (Palmares, Vitória e Quipapá), 3;

em Alagoas 3; na Bahia, 1; no Estado do Rio 1; em S. Paulo 4;

no Paraná 2; no Rio Grande do Sul, 2; e em Minas Gerais 3; ou

um total de 21 novas agremiações.

No primeiro semestre deste ano fundaram-se: nesta capital

(Rio de Janeiro) 2; no Amazonas, a Federação Espírita

Amazonense; na Bahia 1 grupo; no estado do Rio 2; em S. Paulo

1; em Minas Gerais 3 no Rio Grande do Sul 1; e em Mato Grosso

2. Total 13.

11 Dessas sociedades existiam então treze nesta capital, sem contar os inúmeros círculos familiares que se têm ido, até hoje, constantemente instituindo, para estudo e observação dos fenômenos espíritas.

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Estes dados recentes, que autorizam a estimar pelo menos

o número de associações espíritas no nosso país em 160

aproximadamente, permitem aquilatar da atividade com que se

vai desdobrando em seu imenso território a propaganda da nova

Doutrina.

Mas é, sobretudo, nesta capital (Rio de Janeiro), que o

movimento se acentua de modo a alarmar, por um lado, os seus

gratuitos adversários, e por outro a encher do mais justo

contentamento o coração dos seus adeptos, legitimamente

alvoroçados diante dos seus repetidos sucessos.

De perseguidos e ridicularizados, que eram no começo,

passaram os espíritas, salvo limitadas exceções, a ser alvo do

respeito e do acatamento geral às suas convicções. Esse

resultado é principalmente devido às curas espirituais,

produzidas, a exemplo do que faziam os primeiros apóstolos do

Cristianismo, com o concurso dos médiuns curadores e

receitistas — instrumentos de que se serve a Providência para

testemunhar a benéfica influência dos Espíritos esclarecidos

junto aos seus irmãos da Terra.

Não se tratasse de um documento histórico, e omitiríamos,

por justificado escrúpulo, um detalhe, por assim dizer, pessoal à

Federação Espírita Brasileira. Aquela circunstância, porém, nos

induz a mencionar aqui, a propósito de tais curas, que tendo sido

de 48.309 o número de receitas fornecidas em 1903 pelo seu

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gabinete mediúnico receitista12, calcula-se terem atingido elas a

quase outro tanto só no primeiro semestre deste ano.

Ao mesmo título de informação histórica, cumpre

acrescentar que a Federação, além do seu órgão doutrinário, o

Reformador, mantido há vinte e dois anos, tem hoje mais de 800

sócios, uma caixa de socorros, destinados à famílias pobres,

sem distinção de crenças, denominada "Assistência aos

Necessitados”, e uma biblioteca com cerca de 900 volumes,

franqueada ao público, mediante a qual procura completar a

instrução doutrinária que proporciona aos seus sócios e faculta

a todos quantos queiram freqüentar as suas sessões semanais

de estudo teórico da filosofia espírita.

Esse incremento adquirido pela Federação, que ainda há

poucos anos lutava com os mais sérios embaraços, não é senão

um reflexo do desenvolvimento adquirido pelo Espiritismo nesta

capital, em que os seus adeptos, ostensivos ou apenas

simpáticos, se contam por muitos milhares.

Pela sua situação geográfica e pela importância que lhe

vem desde o Império e se conserva na República, em virtude da

sua função como capital, esta cidade se tornou assim o centro

do movimento espírita no Brasil. Mas, sem mesmo ter esperado

que daqui partisse o impulso de organização, como se viu linhas

atrás, esse movimento tem irradiado em todos os sentidos,

levando as mais afastadas paragens do nosso vastíssimo

12 Os medicamentos homeopáticos são, como as receitas, gratuitamente fornecidos a todos que os solicitam.

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território as alviçaras consoladoras do ensino dos Espíritos.

Como prova deste asserto, para completar estes

apontamentos, eis aqui, por ordem geográfica, mais algumas

informações, sem dúvida incompletas, mas as únicas que por

agora foi possível obter, acerca do desenvolvimento e da

situação atual da Doutrina, nos Estados do norte ao sul:

• Amazonas — É incipiente o movimento, indo pouco

mais além da capital, devido isso porventura à intensidade da

vida industrial que ali absorve os espíritos. Ainda assim, só em

Manaus contavam-se, em 1903, doze associações. Com a

criação da Federação Espírita Amazonense, em 10 de janeiro

deste ano, é de crer, entretanto, que se opere uma concentração

de elementos e, em conseqüência, uma difusão maior. Possui

um jornal muito bem feito, o Mensageiro, cuja publicação foi

interrompida em conseqüência do incêndio ocorrido na tipografia

do Quo Vadis? Em que se imprimia, tendo sido destruído o seu

arquivo.

• Pará — A propaganda na capital segue lentamente o

seu curso. A tentativa, porém, feita por um moço de boa vontade,

o Sr. Arthunio Vieira, no sentido de a encaminhar na imprensa

doutrinária, fundando sucessivamente, no ano passado, o

Sophia e a Luz e Fé, não parece ter sido bem sucedida, por isso

que a sua publicação se acha há algum tempo suspensa, embora

com promessa de ser recomeçada.

A crença espírita, em compensação, vai sempre se

generalizando e irradiando para o interior, onde já em 1886, na

Vila do Castanhal, se produziam as primeiras manifestações e

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se tentava, aí e em Abaeté, alguma organização, com a criação

de alguns grupos regularmente constituídos.

• Maranhão — Não se tem limitado, também ai, à capital

a difusão espírita, caminha para as cidades do interior, e se ainda

não possui um órgão doutrinário, as obras espíritas, em todo o

caso, vão sendo regularmente lidas e preparando os espíritos

para uma próxima arregimentação.

Neste sentido cabe mencionar que na cidade de Carolina

se está formando um núcleo de crentes que, desde 1902, quando

lá se fizeram os primeiros ensaios, não tem cessado de

aumentar, e que atualmente se desdobra em duas associações,

cujos esforços começam a se tornar apreciáveis na propaganda

da Doutrina.

Além desses constituiu-se ainda recentemente na comarca

da Imperatriz um grupo espírita familiar, destinado à observação

dos fenômenos e estudo das teorias.

• Piauí — Na ausência de informações quanto à capital,

prende a atenção o fato significativo de já possuir a cidade de

Amarante a sua folha de propaganda, A cruz, que desde 1902

vai exercendo nobremente o seu mister. E se pode por

presunção fornecer dados à História, não será arriscado

aventurar que, antes de lá chegar, a idéia espírita terá circulado

na própria cidade de Teresina13. Não tem, acontecido assim em

13Já se achavam escritas estas linhas, quando de Amarante nos chegaram informações confirmando esta conjectura. Por elas, com efeito, ficamos sabendo, e o consignamos aqui, que desde 1896 se iniciaram, posto que sem duradouro sucesso, os trabalhos de organização, com a fundação de grupos na capital do estado, criando-se em seguida outros nas cidades de Parnaíba,

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todos os Estados?

• Ceará — Depois das já aludidas experiências de 1853

com as mesas girantes, parece, à vista das informações

recentemente colhidas, que só de 1876 para cá tomou o

Espiritismo a ser objeto da atenção pública. Mas, infelizmente,

um caso de obsessão a que deu lugar, e que se tornou célebre

por sua extensa notoriedade, veio a prejudicar a marcha da

doutrina e as simpatias que doutra sorte teria conquistado.

Não é de estranhar esse resultado, em uma terra pequena;

mas, fruto não somente da ignorância dos preceitos doutrinários,

como da imprudência nas experimentações, deve por de

sobreaviso todos quanto se exponham à exploração desse

domínio, que requer muito critério e prudência, além do preparo

teórico indispensável para ser empreendida, sem que ofereça o

menor risco. E é o que, em tal caso, se dá.

Foram depois disso, não obstante, tentados alguns

trabalhos de organização, por iniciativa do ativo propagandista já

citado, mas atualmente a doutrina se acha estacionária na

capital. Não adormeceu ai, porém, senão para surgir vivaz na

Floriano e Regeneração, bem como na povoação de S. Pedro.

O grupo, todavia, mais importante, pela natureza dos seus trabalhos, contando embora um reduzido número de sócios, é o Fé, Esperança e Caridade, de Amarante, de que é o órgão o jornal A Cruz, e que mantém uma biblioteca modesta, mas escolhida, organização, com a fundação de grupos na capital do estado, criando-se em seguida outros nas cidades de Parnaiba, Floriano e Regeneração, bem como na povoação de S. Pedro.

O grupo, todavia, mais importante, pela natureza dos seus trabalhos, contando embora um reduzido número de sócios, é o Fé, Esperança e Caridade, de Amarante, de que é o órgão o jornal A Cruz, e que mantém uma biblioteca modesta, mas escolhida.

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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cidade de Maranguape, onde, apesar da oposição que lhe move

o clero romano, conta desde 1902 uma folha de propaganda

denominada Doutrina de Jesus, além de um grupo regularmente

constituído.

• Rio Grande do Norte — Foi em 1867, no palácio da

presidência da então província, que pela primeira vez aí se falou

no Espiritismo. Exercia o cargo a esse tempo o Dr. Gustavo

Adolfo de Sá, médico, que se entretinha em palestra com seus

amigos sobre o assunto, como um eco das investigações que se

faziam na Bahia e de que tivera conhecimento.

Mas foi somente em 1873 que se fizeram as primeiras

experiências, por ocasião da ida ao Natal de uma companhia

dramática, dirigida por um Sr. Bastos, cuja esposa, D. Isabel

Bastos, servia como médium.

Obtiveram-se, entre os fenômenos, algumas

comunicações interessantes, e “daí por diante — diz o nosso

informante — o Espiritismo se propagou em toda a capital,

percorreu todas as cidades, vilas e povoações, e os grupos se

formavam como um meio de experimentação”.

Em 1875, ao mesmo tempo que o capitão Joaquim Lourival

de Melio Açucena organizava um círculo de iniciação com os

mais sérios intuitos, que lhe trouxeram um rápido e justificado

prestígio, um grupo de moços inteligentes e dedicados fundava

um jornal de propaganda intitulado O Espírita, que foi durante

algum tempo uma elevada tribuna de que a nova idéia irradiava

sobre as massas.

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O uso das mesas girantes foi também aí introduzido, mas

só em 1885, por um ilustrado médico, ainda hoje vivo, não

tardando a ser adotado pelas principais famílias, e vindo a

desaparecer mais tarde, com o que nada perdeu a Doutrina, pelo

cunho de trivialidade que sempre revestem as experiências por

esse meio.

Continuaram depois disso, com intermitências, as

observações, sem apreciável alcance, até que a 27 de novembro

de 1892, por iniciativa do conceituado livreiro Sr. Fortunato

Rufino Aranha, e com o concurso do capitão Augusto César Leite

e dos Srs. José Garcia Netto e Francisco X. Pereira Guarim,

funcionário público, além de outros crentes hoje falecidos, se

constituiu a Sociedade Natalense de Estudos Espíritas, que,

todavia, não logrou prolongada existência.

Dispersos esses elementos de organização, não cessou,

contudo, a idéia de fazer caminho nos espíritos, aliciando

adeptos em todas as classes sociais, de sorte que atualmente —

resam ainda as informações que obtivemos —“é fora de dúvida

que em qualquer roda em que se converse sobre o Espiritismo,

bem poucas são as pessoas que não crêem nele”.

Para esse resultado, e cessado aquele elemento de ação,

muito tem contribuído a publicação das obras doutrinárias, ali

muito bem aceitas, e a divulgação de artigos de propaganda na

imprensa periódica.

A idéia, pois vai fazendo o seu rumo com lentidão, mas com

segurança ao mesmo tempo, propagando-se também um pouco

pelo interior.

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• Pernambuco — Há na capital do importante Estado do

norte uma corrente de propaganda que se vem lentamente

acentuando, posto que sem uniformidade, de vinte e cinco anos

para cá. O núcleo dos adeptos é extenso, faltando-lhe apenas

coesão e unidade de vistas. De vez em quando se formam

agremiações, que estudam, experimentam, fundam revistas e

dissolvem-se em seguida, para voltar de novo a arregimentar-se

e trabalhar, até que um sopro de desânimo as torne a dispersar.

Mas apesar dessas oscilações no que respeita à

organização, o certo é que a Doutrina se torna cada dia mais

conhecida, aliciando os seus adeptos ora nas classes

esclarecidas, ora nas mais obscuras da sociedade. E por outro

lado vai estendendo as suas ramificações pelo interior, desde a

cidade de Jaboatão, até aos sertões além de Caruaru e Quipapá.

Possui dois jornais: A Semana, revista de “ciências e letras”, mas

com intuitos visivelmente doutrinários e propagandistas,

publicada no Recife, e A Verdade, na cidade de Palmares.

• Alagoas — As notas que possuímos acerca deste

estado não alcançam um período anterior a 1896. Desse ano,

porém, a 1902 — acusam essas notas — “a idéia propagou-se e

ocupou a atenção geral, principalmente em Maceió, onde se

fundaram alguns grupos, não tardando que o mesmo

acontecesse em vários pontos do estado”.

Assim, as agremiações fundadas na capital, e das quais só

existem atualmente o Centro Espírita Mello Maia (outrora Centro

Espírita Alagoano) e o Grupo S. Vicente de Paulo, além de

alguns círculos íntimos, foi sucedendo a criação de outros em

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viçosa. S. José da Lage, Camaragibe, S. Luiz do Quitunde,

Atalaia, Pilar, Coruripe, Penedo, e mesmo além, na zona do

sertão, embora sujeitos às mesmas alternativas e eclipses a que

não escapam as idéias novas no seu primeiro período de

organização.

Como em outros lugares, o desfalecimento entibia por

algum tempo os seus adeptos; mas a Doutrina está ai, dilatando

como um rastilho, ora oculto, ora visível, a sua ação, e

preparando os Espíritos para a sua aceitação completa e

definitiva.

Na capital, a propaganda impressa continua a ser feita

pelos dois jornais, O Espírita Alagoano e A Ciência, o primeiro

transitoriamente suspenso, por dificuldades de momento.

Uma outra feição que aí começa, em boa hora, a revestir a

propaganda é a das curas espíritas, tentadas com lisonjeiro êxito

por um digno magistrado, o Dr. Alfredo Odilon, redator de A

Ciência, cuja desassombrada atitude é um título de

enobrecimento para o seu Espírito. Oxalá o imitem outros nesse

caminho de tão fecundos benefícios.

• Sergipe — Pouco extenso, mas, em compensação,

brilhante pela qualidade é o número dos adeptos no pequeno

estado do norte, a julgar pelas notas que em tal sentido

possuímos, sendo nos círculos das letras e da ciência que tem

conquistado a Doutrina as melhores dedicações.

Como ensaios de organização existem alguns grupos em

Aracaju, nos quais se observam os fenômenos e se estudam as

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teorias que os esclarecem e explicam. A idéia se tem, além disso,

divulgado pelo interior, aliciando cultores em Maroim, Rosário,

Riachuelo, Divina Pastora, Nossa Senhora das Dores, etc., não

obstante a oposição que lhe movem alguns, particularmente o

clero romano, ali, como por toda a parte, alarmando com os

constantes progressos da nova e consoladora filosofia.

Que não será dentro de algum tempo mais?

• Bahia — O berço tradicional do Espiritismo no Brasil

não se mostra resolvido a desmentir o seu passado, mas ao

contrário a manter alto e firme o estandarte da nova filosofia, que

lá foi pela primeira vez erguido em terras do Brasil.

É assim que, enquanto na capital a propaganda vai sendo

ativamente sustentada pelo antigo centro religião e Ciência, hoje

Centro Espírita da Bahia, em tomo do qual gravitam várias

associações subsidiárias, e a Doutrina é pregada nas colunas do

seu órgão, a Revista Espírita, e em conferências públicas, novos

focos de irradiação vão sendo sucessivamente criados pelas

cidades do interior e abrangendo por esse modo todo o seu vasto

território.

Na impossibilidade de mencionar detalhadamente todos os

trabalhos neste sentido empreendidos, limitar-nos-emos a citar

as cidades de Cachoeira, Amargosa, juazeiro, Belmonte,

Conquista, Itacaranha, etc., como hospitaleiros asilos desta nova

cruzada, cujos servidores — e dos mais dedicados — lá se

contam por milhares.

No que respeita à capital, poderíamos citar uma boa dúzia

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de nomes ilustres nas letras, no jornalismo e na ciência que lhe

têm prestado o seu ostensivo e desassombrado concurso. Que

valeriam, porém, os nomes, mesmo de maior prestígio, diante da

excelência e superioridade da idéia, que por si mesma se impõe?

Continuaremos, pois, o nosso itinerário.

• Espírito Santo - Pequeno como o seu próprio teritório,

tem sido aí o movimento espírita, nada nos constando em

relação à capital, onde é de crer que os cultores da Doutrina não

se tenham ainda suficientemente preparado para fazer

publicamente uma demonstração das suas crenças. Outro tanto,

porém, já se não dá no interior, onde, como na vila do Alegre e

na estação do mesmo nome, alguns estudiosos se têm reunido

em agremiações, promovendo a difusão espírita, quer no seio

dessas coletividades e mesmo fora, quer nas colunas dos jornais

profanos.

É apenas um esboço inicial. Mas qual é o organismo que

não começa por uma imperceptível célula?

• Rio de Janeiro — Diferentemente é o que sucede no

futuroso Estado em cuja zona, que a limita, se acha encravada a

nossa capital. aí o trabalho de organização acusa uma atividade

digna de nota, já em Niterói, onde só em 1900 se contavam 13

grupos, sendo de 23 o número conhecido dos existentes no

Estado, já nas mais importantes como nas mais modestas

cidades do interior.

Barra do Piraí, Campos, S. Fidélis, Vassouras, Friburgo,

Entre Rios, Macaé, Barra Mansa, Belém, Miracema, Sapucaia,

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Macacos, Três Irmãos, Paty, e outras localidades, oferecem o

espetáculo da criação constante de agremiações

arregimentadas e laboriosas, que são outros tantos núcleos de

ação e de irradiação da Doutrina, cuja sementeira parece ter ali

encontrado o mais propício dos terrenos.

Dentre essas cidades sobressaem, como das mais ativas

na propaganda, as de Barra do Piraí, Vassouras e Campos, em

que o movimento se concentra de modo lisonjeiro. À sua frente

acha-se, na primeira, o Grupo Filhos da Verdade, com a sua

biblioteca, as suas sessões de estudo e as conferências

doutrinárias, e na última a Sociedade Espírita Concórdia,

fundada em 19 de fevereiro de 1883, e na qual veio a fusionar-

se a Sociedade Campista de Estudos Espíritas, que desde 1880,

com os seus três círculos criados no ano seguinte, vinha

sustentando a propaganda.

Porque datam daí os primeiros trabalhos de organização

na importante cidade fluminense, segundo rezam as notas que

nos foram gentilmente fornecidas e conservamos em arquivo,

mas que não é possível reproduzir em todos os seus detalhes,

de que por isso aproveitamos apenas o que contém de mais

essencial e interessante.

Por elas sabemos que as primeiras manifestações ali

tiveram lugar em 1879, surgindo inesperadamente em uma série

de experiências de sonambulismo magnético, em que o

sensitivo, Benedicto Franco, mergulhado em transe, terminou por

denunciar a intervenção de um Espírito, organizando-se então a

24 de novembro daquele ano a primeira das sessões que se

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foram depois regularmente sucedendo.

No ano seguinte fundava-se, a 06 de agosto, a Sociedade

C. de Estudos Espíritas, tendo como instaladores os Srs.

Tenente Marcolino Sudário do Amaral, Francisco Maria Teixeira

de Queiroz, Domingos José de Castro, Cipriano Maria de Castro

Leão, Francisco José Rodrigues de Carvalho, Luiz Rodrigues

Malheiros do Prado, Salvador José de Faria, Arthur Cândido de

Azevedo e Dr. José Manuel Carlos de Gusmão, aos quais viriam

juntar-se dentro de algum tempo os Srs. Júlio Feydit, João

Barreto, F. Paula Carneiro, Múcio da Paixão e outros que

atualmente formam a guarda avançada da Sociedade Espírita

Concórdia.

Dado o impulso, não devia daí por diante esmoerecer ante

nenhum obstáculo. E assim, ora na tribuna doutrinária, ora na

imprensa, pela fundação do Século XX, a 13 de abril de 1885,

embora fosse apenas de alguns meses a sua efêmera duração,

era o Espiritismo chamado a caminhar vitoriosamente no espírito

público em Campos, de modo a concentrar hoje “todas as

atividades capazes de compreender os grandiosos problemas da

fé”, no expressivo dizer do nosso informante.

“Preparamo-nos — acrescenta ele — para uma nova vida,

e atravessamos um período de franca atividade. Por toda a

cidade estão espalhados grupos espíritas, funcionando em casas

de famílias — é esse o meio por que se está fazendo a

propaganda — propondo-se por outro lado, e dentro em breves

dias, a Sociedade Espírita Concórdia a criar escolas noturnas,

uma biblioteca, um quinzenário de distribuição gratuita,

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conferências, etc.”.

Consignemos, como derradeira nota, que o número dos

crentes na referida cidade é avaliado em cerca de 500, sendo

calculado no triplo o dos que apenas simpatizam com a Doutrina.

Na ausência de mais completas informações acerca do

movimento em todo o estado, o que aí fica não parece ser de

pequena significação.

• São Paulo — Três jornais na capital, o Verdade e Luz,

A Nova Revelação, órgão do Centro Espírita de São Paulo, e O

Alvião, representando embora este último apenas um esforço de

boa vontade, parece denunciarem suficientemente, ao lado da

criação repetida de agremiações, a força e o prestígio

conquistados em poucos anos pela Doutrina no vizinho estado.

Como no do Rio, a propaganda se tem feito rapidamente

por quase todas as cidades do interior, destacando-se as de

Santos, Campinas, Amparo, Franca, Mogi- Mirim, S. Roque, S.

Simão, Jaú, Barretos, Iguape, S. Manoel, etc., em algumas das

quais a nova cruzada se apresenta com uma sólida e esclarecida

organização, não sendo de menor valor nas demais os trabalhos

em tal sentido empreendidos.

E se nos escasseiam os detalhes desse movimento geral,

não é por isso menos certo que, por onde quer que vai sendo

lançada a semente, o terreno se revela preparado para a sua

ótima fecundação.

Na capital contam-se por alguns milhares os adeptos, e o

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mais antigo dos órgãos doutrinários, o Verdade e Luz, que lá se

publica desde 1890, graças aos esforços do infatigável

combatente Antônio Gonçalves da Silva Batuira, atesta nesse

ininterrupto período de 15 anos de publicação, e com a sua

tiragem de 11.000 exemplares, a aceitação que a idéia ali tem

encontrado.

• Paraná — Das três associações cuja existência era,

em 1900, conhecida na capital, sobressai visivelmente hoje a

Federação Espírita do Paraná, fundada posteriormente, com

intuitos de arregimentação perfeitamente definidos, e que já vão

produzindo apreciáveis resultados.

Datam, todavia, de muito antes as tentativas de

organização doutrinária no estado, cabendo mencionar, no

domínio da imprensa, a fundação d’A Luz, em 1890, atualmente

substituída em sua função divulgadora pel’A Doutrina, órgão da

mencionada Federação.

Da capital o movimento se tem, como em todos os Estados,

propagado pelo interior, entre outras, pelas cidades de

Paranaguá, Guarapuava e Palmeira, contando-se, só na primeira

delas, quatro grupos em ativo e regular funcionamento.

• Santa Catarina — Ainda não conseguiu criar e manter

um órgão doutrinário. O estudo e a propaganda se vão fazendo,

em todo o caso, por meio das agremiações, das quais a mais

importante é o Centro Espírita Caridade de Jesus, fundado há

muitos anos em S. Francisco, e mantido graças aos assíduos e

perseverantes cuidados de um modesto campeão, o Sr. Joaquim

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

100

Antônio de S. Tiago.

Mas na capital, e não somente ali, a Doutrina tem também

os seus apóstolos, cabendo mencionar ainda a cidade de Lages

como um centro de cultivo e de atividade propagandista.

• Rio Grande do Sul — A população riograndense

possui as qualidades irrequietas de caráter, próprias da raça

castelhana, de que participa, aparentemente, pelo contágio das

Repúblicas fronteiriças, de origem espanhola. As paixões ali são

vivazes e, algumas vezes, explosivas. Por isso em nenhum outro

lugar se faria, mais que lá, necessária a ampla divulgação das

consoladoras e serenas doutrinas do Espiritismo.

Assim também o parece haver entendido a Providência,

porque é com efeito o Rio Grande do Sul um dos estados em que

a Nova Revelação se tem mais rápida e profusamente difundido.

As cidades do Rio Grande, Pelotas, Alegrete, Soledade,

Cachoeira, etc., revelam uma intensa atividade propagandista e

doutrinária, mantendo a primeira há cinco anos, com lisonjeiro

sucesso, um órgão de combate, A Regeneração, e destacando-

se a segunda pelo número de seus grupos, que era de oito em

1900, e que, não obstante se acharem em geral mais ou menos

desorganizados, por acidentes passageiros, não deixam por isso

de representar elementos a que uma nova organização poderá

restituir a vitalidade aparentemente perdida. Porque, como muito

bem assinala o nosso obsequioso informante: “O

desaparecimento dos grupos não fez desaparecerem os

espíritas; e hoje já não se encara o Espiritismo com aquela

prevenção e má vontade que houve em seu começo, sendo em

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

101

grande número as pessoas que abraçam os ensinos da Doutrina

Espírita”.

Ai está, pois, um dos mais salutares efeitos da propaganda

organizada, pouco importando as flutuações a que nesse

particular tem sido exposta. Ao demais o Grupo Espírita Amor e

Deus, fundado em 1897, continua intrepidamente a sua obra,

tendo como um dos principais elementos de sua ação

vulgarizadora uma excelente biblioteca espírita, talvez a mais

importante do estado.

Nas cidades do litoral e do interior a propagação da

Doutrina segue, pois, com firmeza o seu curso. Mas é sobretudo

na capital que tem repercutido com intensidade maior. aí se

publica desde 1899 a Revista Espírita, órgão da Sociedade

Espírita Allan Kardec, e é ainda na sede desta importante

sociedade que se fazem os mais sérios estudos e se realizam,

por sua iniciativa, conferências doutrinárias, da maior utilidade

para esclarecimento e orientação dos crentes.

O certo é que, como naquela cidade, em Porto Alegre o

Espiritismo já conseguiu impor-se à aceitação, ou pelo menos, à

simpatia geral, vendo-se os seus adeptos cercados do respeito

devido às suas crenças, e tendo a satisfação de ver que a

imprensa periódica, quando deles se ocupa é com acatamento e

até com elogios que o faz, como aconteceu há alguns meses, a

propósito de uma controvérsia tribunícia, publicamente travada,

por ajuste prévio, com um ministro da seita protestante.

Nada mais é preciso, para significar a importância aos

olhos de todos, adquirida pela moderna Doutrina no adiantado

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estado riograndense.

• Minas Gerais — A terra da Inconfidência e da

hospitalidade tem passado por ser o baluarte da fé católica, do

que se pode ter efetivamente um testemunho material no número

considerável de igrejas, disseminadas por todas as suas cidades,

importantes ou modestas. Esse cunho religioso dos seus

habitantes parece ser uma conseqüência da simplicidade dos

seus costumes e do recolhimento da sua vida pacífica, ao

mesmo tempo que laboriosa. Ultimamente, porém, o observador

atento, que se dê ao trabalho de sondar os ânimos, verificará em

muitos lugares que a antiga fé se acha singularmente arrefecida.

Esse fenômeno, para cuja produção concorrem causas que

mereceriam ser postas em relevo em um livro de crítica, e que

por isso omitiremos, seria alarmante para a estabilidade da moral

pública, derivada do sentimento religioso, das populações

mineiras, se para substituir as velhas crenças não verificasse o

historiador que um novo código começa ali a ser pregado, com

uma força de expansão que excede as mais otimistas previsões.

É o que está se dando com o Espiritismo, e deve-se

considerar um verdadeiro favor do céu que, ao mesmo passo que

a Igreja vai perdendo o seu prestígio sobre as almas, o vácuo em

que as deixa vá sendo preenchido pela nova Doutrina, que as

vem, no tempo próprio, revigorar e esclarecer. Assim, ao lado

desse visível declínio da fé católica, Minas oferece o mais

lisonjeiro espetáculo no que se refere à difusão da crença

espírita. E se na imprensa doutrinária se conta apenas um órgão

em Cataguazes O Allan Kardec, e esse mesmo com a sua

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publicação interrompida há poucos meses, em compensação o

número de sociedades de estudo e propaganda é

verdadeiramente considerável em relação ao das suas principais

cidades.

Faltam-nos os dados acerca dos seus antecedentes

históricos, mas o que sabemos é que Belo Horizonte, Ouro Preto,

Juiz de Fora, Barbacena, e Sabará constituem animadores

núcleos de organização e proselitismo, quer pela sua importância

como localidades, quer pelo incremento doutrinário, que é dos

mais vivazes.

Não se limitou, porém, aí o movimento de renovação; longe

disso se propagou, conquistando adeptos por todo o interior, e

abrangendo os seguintes lugares: Uberaba, Monte Alegre,

Montes Claros, Palmira, Sítio, Porto Novo do Cunha,

Guaranesia, Itabira do Campo, Rio das Velhas, Lafaiete,

Cataguazes, Santa Clara do Carangola, Lavras, Ubá,

Matosinhos, Pomba, Jaguary, Varginha, Caratinga, Sapé de

Ubá, Sacramento, Conquista, Alto Rio Doce, S. João

Nepomuceno, S. Antônio de Ponte Nova, Perdões, Registro,

Carrancas, Cana Verde, Santa Helena, Bicas, Alfenas, Areado,

Coimbra, S. Sebastião do Paraíso, etc.

Em quase todas essas localidades existem grupos

regularmente constituídos, fazendo-se a propaganda por meio da

divulgação das obras e publicações espíritas, e merecendo igual

cuidado a experimentação fenomenal.

Em 1900 era de 13 o número das associações que aderiam

à Federação Espírita Brasileira, em seu relatório ao Congresso

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Espírita de Paris. Depois disso foram criadas outras 17, sem

contar as de fundação recente, nos últimos 18 meses,

mencionadas no começo deste capítulo.

Pode-se, pois, dizer, à vista desse imponente movimento,

que, se Minas foi o baluarte tradicional da fé católica, será dentro

de algum tempo o mais importante núcleo do Espiritismo no

Brasil.

• Goiás — A Doutrina Espírita ainda não dispõe, na

capital deste estado, de um centro em torno do qual se

congreguem os adeptos que aí existem em grande número, da

mais elevada à mais obscura classe social, segundo informações

fidedignas e pessoais que em tal sentido obtivemos.

Tais elementos não aguardam senão a criação de um

núcleo dessa ordem para se organizarem em uma ação metódica

e vulgarizadora, tanto mais fácil de levar a efeito quanto a idéia

é geral e popularmente conhecida, e, como uma sorte de

trabalho preparatório, já tem sido tentada com êxito relativo a

fundação de círculos familiares de observação dos fenômenos.

Os livros espíritas são em geral conhecidos, não

concorrendo pouco — e em boa hora — a sua leitura para esse

amanho da terra em que a semente doutrinária terá de em pouco

tempo germinar e produzir fruto.

Se, entretanto, na capital a idéia, só há poucos anos

divulgada, aguarda o primeiro impulso de organização, o mesmo

já se não dá no interior, onde, como em outros estados, tem feito

o seu caminho.

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É assim que na cidade de Palma, ao norte do Estado, já

existe, pelo menos, um grupo regularmente constituído, não

sendo aí pequeno o número dos adeptos.

• Mato Grosso — A escassez de tempo para uma

demorada pesquisa e a lentidão das comunicações com o

longínquo Estado do sul nos privam de informações mais

completas que as que possuímos, e que nos habilitam

unicamente a consignar que em Cuiabá a Doutrina conta

numerosos adeptos, em via de imprimir-lhe uma estável e

decisiva organização, já existindo mais de um grupo em ativo

funcionamento. O mesmo se pode dizer de Corumbá e, em uma

certa medida, de algumas cidades do interior, onde o Espiritismo

começa a prender a atenção geral.

No Ladário os trabalhadores de organização prometem

entrar em via definitiva, contando-se ali os prosélitos entre os

mais esclarecidos membros das classes armadas e civis, que se

constituíram recentemente em uma das sociedades a que atrás

aludimos, na apreciação geral do movimento espírita entre nós.

Do exposto se verifica que, com exceção apenas da

Paraíba, de que nenhuma informação obtivemos por enquanto,

em todos os outros estados do Brasil o Espiritismo fez irrupção e

ganhou simpatias e adesões, em muitos conquistando

positivamente fóros de cidade. Na maioria deles já entrou no

período de organização propagandista; e naqueles em que ainda

não conseguiu organizar- se, está pelo menos latente em grande

número de Espíritos, aguardando apenas oportunidade para a

sua ostensiva demonstração.

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Bicentenário de Allan Kardec Organizado por Carlos Bernardo Loureiro

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Em tão pouco número de anos, seria desarrazoado exigir

mais das suas forças. É um astro apenas surgido no levante, mas

que já esclarece milhares de consciências nesta parte do

planeta.

A julgar pela sua rápida ascensão, não é temerário vaticinar

que dentro deste século, porventura até ao seu meado, terá

alcançado a plenitude do zenith, iluminando toda a Terra.

Assim o queira Deus!

Estatística

Dos jornais e revistas espíritas que se publicam no mundo,

com as datas da respectiva fundação:

Portugal e Ilhas

1899 O Futuro, Açores;

1900 Revista Espírita, Porto.

Espanha

1865 Lumen, Tarrasa (Barcelona); La Irradiación, Madri; 1871 La Fraternidad Universal, Madri; La Revelación, Alicante; 1895 Revista de Estúdios Psicológicos de Barcelona;

1900 Luz y Union, Barcelona; 1903 Ecos de Ultra-tumba, Alicante; La Evolución, Barcelona; La Vida Futura, Gracia (Barcelona).

França

1858 La Revue Spirite, Paris;

1876 Les Temps Meilleurs, Nantes;

1881 La Lumière, Paris;

1890 Annales des Sciences Psychiques, Paris;

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1891 La Paix Universelle, Lyon;

1892 La Tribune Psychique, Paris;

La Curiosité, Nice;

1894 Le Progrès Spirite, Paris;

1895 Revue Scientifique et Morale du Spiritisme, Paris;

L’Hyperchimie (atualmente Les Nouveaux Horizons

de Ia Science et de Ia Pensée), Douai;

La Résurrection, Saint-Raphael;

1896 L’lnitiation, Paris;

L’Echo du Merveilleux, Paris;

1897 L’Etincelle, Paris;

Revue du Monde Invisible, Paris;

1898 Le Spiritualisme Moderne, Paris;

1900 Moniteur des Etudes Psychiques, Paris;

Bulletin de Ia Sociét d’Etudes Psychiquesde Nancy,

Nancy;

1901 Revue d’Etudes Psychiques, Paris;

Bulletin de I’institut Général Psychologique, Paris;

Bulletin du Centre d’Etudes Psychiques, Marseille;

1902 La Vie Nouvelle et Philosophie de I’Avenir, Beauvais;

1903 Le Phare de I’Esperance Paris;

Le Monde Occulte, Paris;

Journal de I’Eglise de I’Avenir, Paris.

Itália

1901 Luce e Ombra, Milão.

Bélgica

1871 Le Messager, Liège;

1890 Le Médecin, Bruxelas;

1894 La Vie d’Outre-Tombe, Jumet-Gohyssard.

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Alemanha

1870 Psychique Studien, Leipzig;

1892 Die Uebersinnliche Welt, Berlim;

Spiritische Rundschau, Berlim;

1896 Zeitschriffür Spiritismus, Leipzig.

Inglaterra

1870 Light, Londres;

1890 Proocedings of the Society for Psychical Research,

Londres;

1900 The Spiritualist, Londres.

Áustria - Hungria

1867 La Gnose, Viena;

1900 Novo Sunce, Croácia.

Holanda

1896 Het Toekomstig Leven, Utrecht.

Suécia e Noruega

1885 Norgendoenrigen Mons, Skiew;

1903 Século XX, Estocolmo.

Sérvia

1900 Videlina, Sliven.

Rússia

1880 Rebres, S. Petersburgo;

1902 Dzwy Zycia, Varsóvia (Polonia).

Austrália

1871 The Harbinger of Light, Melbourne.

América do norte

The Banner of Light, Boston;

1865 The Philosophical Journal, S. Francisco;

1875 The Progressire Thinker; Chicago,

1885 Light of Truth, Cincinnati.

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México

1903 Alma, Guadalajara;

1904 Revista de Estúdios Psicológicos, Vera Cruz;

La Nueva Era, México.

Antilhas

1902 La Buena Nueva, Sancti-Spiritus (Cuba;

1903 El Iris de Paz, Santa Clara (Cuba;

Luz de la Verdad, Puerto Plata (Cuba);

El Iris de Paz, Mayaguez (Porto Rico);

La Luz., Porto Rico

1902 Luz de la Verdad, Samana (S. Domingos);

1902 Fiat Lux, (Leon) Nicarágua.

1903 La Nueva Luz (2a época), S. Salvador.

América do Sul

1877 Constância, (Buenos Aires) República Argentina.

1880 La Fraternidad, (Buenos Aires).

1903 La Voz dei Desierto, 2a época, (Buenos Aires),

República Argentina.

1903 El Pensamiento, (Salto) República Argentina.

A Donde Vamos, (Valparaiso), Chile.

Brasil

1865 Mensageiro*, Manaus (Amazonas).

1903 Luz e Fé*, Belém (Pará).

Sofia*, Belém (Pará).

1902 A Cruz, Amarante (Piauí).

Doutrina de Jesus, Maranguape (Ceará).

1904 A Semana (Ciências e Letras), Recife (Pernambuco).

A Verdade, Palmares, (Pernambuco).

1900 O Espírita Alagoano*, Maceió (Alagoas).

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1901 A Ciência

1896 Revista Espírita, Salvador (Bahia).

1883 Reformador, Rio de Janeiro.

1902 Fraternização*.

1890 Verdade e Luz, São Paulo.

1903 A Nova Revelação,

1904 O Alvião*

1900 A Doutrina, Curitiba (Paraná).

1899 Revista Espírita, Porto Alegre (Rio Grande do Sul).

1900 A Regeneração,

1903 O Allan Kardec *14, Cataguazes (Minas Gerais).

Existem, pois, segundo os dados aqui mencionados, 96

jornais e revistas espíritas em todo o mundo, sendo: 56 na

Europa, 1 na Austrália, 4 nos Estados Unidos, 11 no México,

América Central e Antilhas, 5 em uma certa parte da América do

Sul e 19 no Brasil.

Nomenclatura

Dos principais cientistas que se têm ocupado com as

experimentações espíritas, ou que professam ostensivamente as

suas doutrinas:

Professor Charles Richet, da Academia de Medicina de

Paris;

Dr. Paul Gibier, antigo interno dos hospitais de Paris,

laureado pela Faculdade de Medicina, Diretor do Instituto

14 O sinal (*) indica estar a publicação temporariamente

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Pasteur de New York (falecido em 1900);

Coronel Albert De Rochas, antigo Administrador da

Escola Politécnica de Paris;

Sabatier, Professor na Faculdade de Ciências de

Montpelier;

Camille Flammarion, o eminente Astrônomo;

Doutor Dariex, Diretor dos Annales Psychiques;

De Watteville, Doutor em Ciências;

Dr. Ségard, Chefe do corpo de saúde da Armada;

Drs. Baraduc, Moutin, Chazarin, Bonnet, Gyel, Dusard,

Edmonds Dupouy; William Crookes, da Sociedade Real de

Londres;

Alfred Russel Wallace, da Sociedade Real, Presidente da

Sociedade de Antropologia;

Oliver Lodge, da Sociedade Real de Londres, Reitor da

Universidade de Birminghan;

Hodgson, Professor de Psicologia na Universidade de

Cambrigde;

Frank Hales, Professor na Universidade de Cambrigde;

Frederic J. W. Myers, Professor na Universidade de

Cambrigde (falecido em 1903);

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Challis, Professor na Universidade de Cambrigde;

Oxon, Professor agregado da Universidade de Oxford;

Augusto de Morgan, Presidente da Sociedade

Matemática de Londres e Secretário da Sociedade Real

Astronômica;

Cromwel Varley, da Sociedade Real, Engenheiro chefe

das linhas telegráficas inglesas e dos cabos transatlânticos;

Barkas, Presidente do Instituto Geológico de New-Castle;

Zõllner, Professor de Astronomia na Universidade de

Leipzig;

Fechner, Professor na Universidade de Leipzig;

Weber, Professor na Universidade de Leipzig;

Ulrici, célebre Professor;

Barão Carl Du Prel, Doutorem Filosofia;

Alexandre Aksakof, Conselheiro privado do czar Nicolau

II (falecido em 1903);

Wagner, Professor de Zoologia no Instituto Anatômico de

S. Petersburgo;

Doutor Butlerof, Professor de Química na Universidade

de S. Petersburgo;

Doutor Danilewski, Professor na Escola de Medicina de

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S. Petersburgo;

Doutor Ochorowicz, Professor agregado de Filosofia

Física na Universidade de 1 Lemberg;

Professor D. Manuel Otero Acevedo, de Madrid;

Dr. D. Victor Melcior Y Farré, Médico e Filósofo, de

Barcelona;

D. Quintin Lopez Gomez, Diretor da revista Lumen, de

Barcelona;

Dr. D. Manuel Sanz Benito, Lente catedrático de

Metafísica na Universidade de Valadolid;

Hasden, Presidente do Conselho Superior da Instrução

Pública de Burkharest, Membro da Academia das Ciências de S.

Petersburgo;

Professor Istrati;

Th. Flournoy, Professor de Psicologia na Faculdade de

Ciências de Genebra;

Schiapparelli, Diretor do Observatório de Milão;

César Lombroso, Professor de Antropologia na

Faculdade de Medicina de Turim;

M. T. Falcomer, Professor do Instituto de Alexandria;

Ângelo Brofferio, Professor de Filosofia;

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Giuseppe Gerosa, Professor de Física na Escola Real

Superior de Portici;

Enrico Morselli, Diretor da Clínica de Moléstias Mentais

na Universidade de Gênes;

Sílvio Venturi, Diretor do Asilo de Alienados de Girifalco;

Professor Augusto Tamburini;

Professor Ercole Chiaia, de Nápoles;

Professor Laponi, Médico;

Giorgio Finzi, Doutorem Física;

Doutor Hyslop, Professor de Lógica e de Ciência Mental

na Universidade de Columbia (Estados Unidos);

Ch. W. Elliot, Presidente da Universidade de Harvard;

W. James, Professor de Psicologia na Universidade de

Harvard;

Newbold, Professor de Psicologia na Universidade da

Pensilvânia;

Robert Hare, Professor de Química na Universidade da

Pensilvânia;

Denton, Professor de Geologia;

John Mapes, Professor de Química, em New York;

Edmonds, antigo Presidente do Senado dos Estados

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115

Unidos;

Professor Elliot Coues, a quem coube presidir o

Congresso Internacional das Ciências Físicas, por ocasião da

Exposição Universal Comobiana, em Chicago.

Quanto ao Brasil, não parece ainda haver soado a hora em

que os nossos cientistas, ou pelo menos os conhecidos como

tais, se tenham resolvido a prestar à experimentação espírita a

atenção que, como se vê, têm merecido de outros prestigiosos

vultos do estrangeiro. Podemos, todavia, mencionar entre os

homens eminentes nas Letras, na Política e mesmo na Ciência,

que entre nós tem cultivado o Espiritismo os seguintes nomes:

Dr. Mello Morais (pai), que primeiro traduziu no Brasil as

obras de Allan Kardec; Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, Médico

(falecido); Dr. F. Siqueira Dias, Engenheiro (idem); Dr. Almeida

Nogueira, de São Paulo; Dr. Ramos Nogueira (idem); Dr.

Geminiano Brasil de Oliveira Góes (falecido); Dr. João Batista

Maia de Lacerda (idem); Dr. F. L. Bittencourt Sampaio, o

inspirado cantor da Divina Epopéia (idem); Dr. Antônio de Castro

Lopes (idem); Dr. Antônio Luiz Saião (idem); Dr. Aristides

Spínola; Dr. F. M. Dias da Cruz, Médico; Marechal Dr. Francisco

Raymundo Ewerton Quadros; Dr. Aristides César Zama e

Conselheiro Cincinato Pinto da Silva, da Bahia: Dr. Dionísio

Gonçalves Martins, da Bahia (falecido); Senador Mello Maia, de

Maceió, (idem); Dr. Antônio Pinheiro Guedes, Médico; Professor

Alfredo Alexander; etc...

Citamos apenas os nomes de alguns dos que têm militado

ou militam ostensivamente na propaganda espírita. Se fossemos

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a incluir os dos que são apenas simpáticos à Doutrina ou adotam

os seus princípios, sem todavia se apresentarem publicamente

como tais, tornar-se-ia fastidiosa, a poder de longa, a presente

nomenclatura.

Histórico do Espiritismo

Em 1848 foi atraída a atenção pública nos Estados Unidos

por diversos fenômenos estranhos, que consistiam em ruídos,

pancadas e movimentos de objetos sem causa conhecida. Esses

fenômenos ocorriam muitas vezes espontaneamente, com

intensidade e persistência singulares, notando-se também que

se produziam mais particularmente sob a influência de certas

pessoas designadas pelo nome de médiuns, as quais podiam de

alguma sorte provocá-los à vontade, o que permitia a reprodução

das experiências. Serviram-se preferentemente de mesas; não

que este objeto fosse mais favorável que outro qualquer, mas

unicamente por ser mais cômodo e de natureza portátil, e porque

mais fácil e naturalmente, podemos-nos sentar em torno de uma

mesa que em torno de outro móvel...

Desse modo obtinha-se a rotação da mesa, movimentos

em todos os sentidos, saltos, inclinação, erguimento, pancadas

violentas, etc.

Foi esse fenômeno que se designou a princípio sob o nome

de mesas girantes ou dança das mesas. Até ai, o fato podia

perfeitamente explicar-se pelo efeito de uma corrente magnética

ou elétrica, ou pela ação de um fluido desconhecido, e foi mesmo

essa a primeira opinião formulada. Mas não se tardou a

reconhecer efeitos inteligentes em tais fenômenos, porquanto o

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117

movimento obedecia a vontade. A mesa dirigia-se à direita ou à

esquerda, a certa pessoa designada, obedecia a uma ordem,

equilibrando-se sobre um ou dois pés, mencionava exatamente

qualquer nome mediante pancadas determinadas, etc.

Tornou-se desde então evidente que a causa não podia ser

puramente física, e consoante o axioma; que, se todo efeito tem

uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente,

concluiu-se que a causa desse fenômeno devia ser uma

inteligência.

Qual era a natureza dessa inteligência? Eis a questão.

O primeiro pensamento foi que isso bem podia ser um

reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes, mas bem

cedo a experiência demonstrou a impossibilidade de tal, porque

obtinham-se coisas completamente estranhas ao pensamento e

aos conhecimentos das pessoas presentes, e até em contradição

com as suas idéias, vontade e desejo. A manifestação não podia

ser, portanto, senão de um Ser invisível. O meio de o comprovar

era muito simples: tratava-se de entrar em relação com essa

entidade, o que se fez por meio de um certo número de pancadas

significando sim ou não e designando as letras do alfabeto, e

desse modo se conseguiram respostas às diversas perguntas

formuladas.

Esse fenômeno ficou conhecido por mesas falantes. Todos

os seres que se comunicaram por essa forma, quando

interrogados sobre a sua natureza, declararam ser Espíritos e

pertencer ao mundo invisível. Tendo-se os mesmos efeitos

produzidos em um grande número de localidades, por intermédio

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118

de diversas pessoas, e sendo ao demais observados por homens

esclarecidos e da mais alta respeitabilidade, não era possível

que se fosse joguete de uma ilusão.

Da América passou o fenômeno à França e ao resto da

Europa, onde durante alguns anos as mesas girantes e falantes

estiveram em moda e se tornaram o divertimento favorito dos

salões. Depois, quando o público se fartou de o ver, deixou-o de

lado e procurou outras distrações.

Não tardou o fenômeno a apresentar-se sob um novo

aspecto, que o fez sair do domínio da simples curiosidade. Os

limites deste opúsculo não nos permitem segui-lo em todas as

suas fases; passaremos, pois, sem mais transição ao que ele

oferece de mais característico, ao que atraiu, sobretudo, a

atenção das pessoas sérias.

Digamos previamente, de passagem, que a realidade do

fenômeno encontrou numerosos contraditores; uns, sem ter em

conta o desinteresse e a honorabilidade dos experimentadores,

não viram em tudo isso senão uma farsa, um engenhoso lance

da prestidigitação. Aqueles que nada admitem fora da matéria,

que só crêem no mundo visível, que pensam que tudo morre com

o corpo; os materialistas em suma, que se intitulam espíritos

fortes, repeliram a existência dos Espíritos invisíveis para o

domínio das fábulas absurdas. Taxaram de loucos os que

tomavam a coisa a sério, cumulando-os de sarcasmo e de

ridículo. Outros, sob a influência de certas idéias, não podendo

negar os fatos, os atribuíram à influência exclusiva do diabo e

procuraram por esse meio assustar os tímidos.

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Mas, hoje o medo ao diabo perdeu consideravelmente o

prestígio. Tanto se ouve falar dele, de tão variadas formas o

pintam, que já se está familiarizado com essa idéia, e muita gente

resolveu aproveitar a ocasião para ver o que era ele realmente.

Daí resultou que, à parte de um pequeno número de senhoras

timoratas, a notícia da vinda do verdadeiro diabo encerrava algo

de sugestivo para quem só o tinha visto pintado ou no teatro; foi

para muitas pessoas um poderoso estimulante; de sorte que

aqueles que visavam por esse meio opor uma barreira às novas

idéias, erraram o alvo e, sem o querer, tornaram-se agentes

propagadores tanto mais eficazes quão mais forte era a sua grita.

Maior sucesso não tiveram os outros críticos, porque a

fatos constatados e a raciocínios categóricos não podemos opor

senão simples negações. Lede o que publicaram eles; em tudo

encontrareis a prova da ignorância e inobservação criteriosa dos

fatos, e em parte alguma uma só demonstração peremptória da

sua impossibilidade. Todos os seus argumentos se resumem

assim: “não creio; logo isso não existe; todos aqueles que

acreditam são loucos; somente nós possuímos o privilégio da

razão e do bom senso”.

O número dos adeptos conquistados pela crítica séria ou

irônica é incalculável, porque em toda parte não se encontram

senão opiniões pessoais baldas de provas contrárias.

Prossigamos em nossa exposição.

As comunicações por meio de pancadas eram lentas e

incompletas; verificou- se que, adaptando-se um lápis a um

objeto portátil, como uma cesta, uma prancheta ou qualquer

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outro, sobre o qual se colocavam os dedos, o objeto punha-se

em movimento e traçava caracteres. Mais tarde reconheceu-se

que tais objetos eram simples acessórios, de que se podia

prescindir; a experiência demonstrou que o espírito, agindo sobre

um corpo inerte para o dirigir à vontade, podia da mesma sorte

atuar sobre o braço e a mão do homem para conduzir o lápis.

Assim se obtiveram médiuns escreventes, isto é, pessoas

que escreviam involuntariamente sob o impulso dos Espíritos,

dos quais eram instrumentos e intérpretes. Desde esse momento

as comunicações não tiveram mais limites, e a permuta de

pensamentos se pode fazer com tanta rapidez e

desenvolvimento como entre os homens. Era um vasto campo

aberto à exploração, era a descoberta de um novo mundo — o

mundo dos invisíveis — semelhante ao do microscópio

devassando o mundo dos infinitamente pequenos.

'Que são esses Espíritos? Que papel representam no

universo? Com que fim se comunicam conosco? — Tais são as

primeiras questões que se tratava de resolver.

Soube-se em breve, por eles mesmos, que não são seres

à parte da criação, mas as próprias almas daqueles que viveram

na Terra ou em outros mundos; que essas almas, despojadas do

seu invólucro corpóreo, povoam e percorrem o espaço. Já não

foi lícito pô-lo em dúvida, quando se reconheceram nesse

número os parentes e amigos, com os quais se pode conversar,

quando estes vieram dar a prova de sua existência, demonstrar

que a morte só existe para o corpo, que sua alma ou Espírito vive

sempre, que eles ali estão, junto de nós, vendo-nos e nos

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observando como durante a vida, envolvendo em sua solicitude

aqueles que amaram e cuja lembrança lhes é motivo de doce

satisfação.

Faz-se, geralmente, dos Espíritos uma idéia

completamente falsa. Não são, a como muitos se afigura,

entidades abstratas, vagas e indefinidas, nem alguma coisa

como um clarão ou uma centelha, mas, ao contrário, são seres

bem reais, tendo sua individualidade e uma forma determinada,

dos quais se pode fazer uma idéia aproximativa pela seguinte

explicação;

Há no homem três coisas essenciais: 1o A alma ou Espírito,

princípio inteligente em que residem o pensamento, a vontade e

o senso moral; 2o O corpo, envoltório material, pesado e

grosseiro, que põe o Espírito em relação com o mundo exterior;

3o O perispírito, envoltório fluídico, leve, que serve de laço e de

intermediário entre o Espírito e o corpo. Quando o envoltório

exterior está usado e não pode mais funcionar, cai e dele se

despoja o espírito, como o fruto ou a árvore se despojam da

casca, ou em suma, como o homem despe um velho traje

inservível; é o que se chama a morte.

A morte não é, pois, outra coisa mais que a destruição do

envoltório grosseiro do Espírito. Só o corpo morre, o Espírito não.

Durante a vida o Espírito está de alguma sorte oprimido

pelos laços da matéria a que vive unido, e que muitas vezes lhe

paralisa as faculdades. A morte do corpo o desembaraça desses

laços; e ao desembaraçar-se recobra a liberdade, tal como a

borboleta ao desprender-se da crisálida. Só deixa, porém, o

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corpo material; conserva o perispírito, que constitui para ele uma

espécie de corpo etéreo, vaporoso, imponderável para nós e de

forma humana, que parece ser a forma tipo.

Em seu estado normal o perispírito é invisível, mas o

Espírito pode imprimir-lhe certas modificações que o tornam

momentaneamente acessível à vista e mesmo ao tato como se

dá com o vapor condensado. É assim que eles se nos podem

mostrar nas aparições. É com o auxílio do perispírito que o

Espírito atua sobre a matéria inerte e produz os diversos

fenômenos de ruído, movimentos, escrita, etc.

As pancadas e os movimentos são os meios de que se

servem os Espíritos para atestar sua presença e chamar sobre

eles a atenção, tal qual como uma pessoa que bate à porta para

advertir de sua chegada. Há os que se não limitam a ruídos

moderados, mas produzem um fragor semelhante ao da louça

que se quebra, de portas a abrirem-se ou de móveis que se

derrubam. Mediante pancadas e movimentos convencionais,

puderam eles exprimir seus pensamentos, mas a escrita lhes

oferece o meio mais completo, mais rápido e cômodo, e que por

isso preferem. Pela mesma razão que podem formar caracteres,

podem guiar a mão para traçar desenhos, escrever música,

executar um trecho em um instrumento; em suma, à falta do seu

próprio corpo, que já não possuem, servem-se do médium para

se manifestar sensivelmente aos homens.

Os Espíritos podem ainda manifestar-se de vários modos,

entre os quais a vista e a audição. Certas pessoas, denominadas

médiuns auditivos têm a capacidade de os ouvir, podendo assim

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conversas com eles; outros os vêem: são médiuns videntes.

Os Espíritos que se manifestam à vista apresentam-se

geralmente sob uma forma análoga à que tinham quando na

Terra, mas vaporosa então; outras vezes essa forma reveste

todas as aparências de um ser vivo, ao ponto de produzir

completa ilusão, chegando-se muitas vezes a tomá-los por

pessoas em carne e osso, com as quais se chega a conversar e

a trocar apertos de mãos, sem saber que são Espíritos senão

pelo seu súbito desaparecimento.

A vista permanente e geral dos Espíritos é raríssima, mas

as aparições individuais são muito freqüentes, sobretudo no

momento da morte. O Espírito libertado parece ter pressa em ir

ver de novo seus parentes e amigos, como para os advertir de

que acaba de deixar a Terra e dizer-lhes que continua sempre a

viver.

Invoque cada um as suas reminiscências e verá quantos

fatos autênticos deste gênero, aos quais não se prestara

atenção, têm tido lugar não só à noite, durante o sono, mas

também em pleno dia e no mais completo estado de vigília.

Outrora se encaravam esses fatos como sobrenaturais e

maravilhosos e os atribuíam à magia e à feitiçaria; hoje os

incrédulos os levam à conta da imaginação. Mas depois que a

ciência espírita deu a sua chave, sabe-se como se produzem e

que não estão fora da ordem dos fenômenos naturais.

Acredita-se ainda que os Espíritos, só porque são

Espíritos, devem possuir a ciência soberana e a soberana

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sabedoria. É um erro que a experiência não tardou a demonstrar.

Entre as comunicações dadas pelos Espíritos há algumas

sublimes de profundeza, eloqüência, sabedoria e moral,

respirando somente bondade e benevolência. Mas, ao lado

dessas há outras vulgaríssimas, frívolas, triviais, grosseiras

mesmo, nas quais os Espíritos revelam os mais perversos

instintos.

É, pois, evidente que tais comunicações não podem provir

da mesma fonte, e que, se há bons Espíritos, também os há

maus. Ora, não sendo os Espíritos senão as almas dos homens,

não se podem naturalmente tornar perfeitos logo ao deixar o

corpo; até que tenham progredido, conservam as imperfeições

da vida corpórea, e eis porque há entre eles todos os graus de

bondade e maldade, de sabedoria e ignorância.

Os Espíritos geralmente se comunicam com prazer, sendo-

lhes motivo de satisfação ver que não foram esquecidos.

Descrevem de boa vontade as suas impressões ao deixar a

Terra, a sua nova situação e a natureza das suas alegrias ou

sofrimentos no mundo em que se encontram. Uns são

felicíssimos, outros desgraçados, alguns mesmo sofrem

horríveis tormentos, conforme o modo como viveram e o

emprego, bom ou mau, útil ou inútil, que fizeram da vida.

Observando-os em todas as fases de sua nova existência, de

acordo com a posição que ocuparam na Terra, o gênero de

morte, o caráter e os hábitos como homens, chegamos ao

conhecimento, senão completo, ao menos bastante preciso do

mundo invisível, para ficarmos informados do nosso estado

futuro e pressentirmos a sorte feliz ou desgraçada que lá nos

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aguarda.

As instruções dadas pelos Espíritos de ordem elevada

sobre todos os assuntos que interessam à Humanidade, e as

respostas que deram às questões que lhes foram propostas,

tendo sido reunidas e cuidadosamente coordenadas, constituem

uma ciência completa, uma perfeita Doutrina moral e filosófica

sob o nome de Espiritismo.

O Espiritismo é, pois, uma Doutrina fundada na

existência, manifestação e ensino dos Espíritos. Essa

Doutrina está inteiramente exposta em O Livro dos Espíritos,

quanto a parte filosófica, em O Livro dos Médiuns, quanto às

partes prática e experimental, e em O Evangelho Segundo o

Espiritismo, quanto a moral. Pela análise que dessas obras

fazemos adiante pode-se julgar da variedade, extensão e

importância das matérias que abrange.

Como acabamos de ver, o Espiritismo teve início no

fenômeno vulgar das mesas girantes; como, porém, esses fatos

falam mais aos olhos que à inteligência, e despertam mais a

curiosidade que o sentimento, uma vez aquela satisfeita, o

interesse diminuiu tanto mais quanto menos se os

compreendiam. O mesmo não aconteceu quando a teoria veio

explicar a sua causa. E quando, sobretudo, das mesas girantes,

que por algum tempo foram um divertimento, se viu sair uma

Doutrina moral que fala à alma, dissipando as angústias da

dúvida, satisfazendo a todas as aspirações deixadas no vácuo

por um ensino incompleto acerca do futuro da Humanidade, as

pessoas sérias acolheram como um benefício a nova Doutrina,

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que desde então, longe de declinar, cresceu com incrível rapidez.

No espaço de alguns anos ela aliciou em todos os países do

mundo, e principalmente entre os homens esclarecidos,

inúmeros partidários, que se multiplicam todos os dias em

proporção extraordinária, de tal sorte que se pode hoje dizer que

o Espiritismo conquistou direitos de cidade. Ele assenta em

bases que desafiam os esforços dos seus adversários, mais ou

menos interessados em combatê-lo, e a prova é que os ataques

e a crítica não conseguiram deter a sua marcha um só instante.

Isto é um fato da experiência, cuja razão nunca puderam os

adversários encontrar. Os espíritas dizem simplesmente que, se

o Espiritismo se propaga, mau grado a crítica, é sinal de que o

acham bom e de que preferem o seu raciocínio ao dos seus

contraditores.

O Espiritismo, entretanto, não é uma descoberta moderna.

Os fatos e os princípios sobre que repousa perdem-se na noite

dos tempos, por isso que deles se encontram vestígios nas

crenças de todos os povos, em todas as religiões, na maior parte

dos escritores sagrados e profanos, unicamente os fatos,

incompletamente observados, têm sido muitas vezes

interpretados segundo as idéias supersticiosas da ignorância, e

deles não se haviam deduzido todas as conseqüências.

De fato, o Espiritismo é baseado na existência dos

Espíritos, não sendo eles, porém, senão as almas dos homens,

desde que há homens, há Espíritos. O Espiritismo nem os

descobriu, nem os inventou. Se as almas, ou Espíritos, podem-

se manifestar aos vivos, é que isso está na natureza, e logo o

deviam eles ter feito de todos os tempos, por isso também em

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todos os tempos e por toda a parte se encontra a prova dessas

manifestações, que são sobretudo abundantes nas narrativas

bíblicas.

O que é moderno é a explicação lógica dos fatos, o

conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, seu

papel e modo de ação, a revelação do nosso estado futuro,

finalmente a sua constituição em corpo de ciência e de doutrina

e as suas diversas aplicações.

Os antigos conheciam o princípio, os modernos conhecem

os detalhes. Na antigüidade o estudo desses fenômenos era

privilégio de certas castas, que não o revelavam senão aos

iniciados em seus mistérios. Na Idade Média os que deles se

ocupavam ostensivamente eram considerados feiticeiros, e por

esse motivo lançados às fogueiras. Hoje, porém, nem há

mistérios para pessoa alguma, nem se queima ninguém, tudo se

passa a plena luz, e todo o mundo está apto para se esclarecer

e praticar, porque os médiuns se encontram em toda a parte.

A mesma Doutrina, que hoje os Espíritos ensinam, nada

tem de novo. Achamo-la em fragmentos na maioria dos filósofos

da índia, do Egito e da Grécia, e toda inteira no ensino do Cristo.

Que vem fazer então o Espiritismo? — Vem confirmar,

mediante novos testemunhos, demonstrar com os fatos, as

verdades ignoradas ou mal compreendidas; vem restabelecer

em seu verdadeiro sentido as que foram mal interpretadas. Ele

nada ensina de novo, é certo; mas será pouca coisa provar de

modo evidente e irrecusável a existência da alma, sua

sobrevivência ao corpo, sua individualidade depois da morte, sua

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imortalidade, as penas e recompensas futuras? Quantas

pessoas crêem nestas coisas, mas com uma vaga reserva

mental e incerteza, considerando no seu foro íntimo: “Se,

entretanto, não fosse verdade?! “Quantos não foram conduzidos

à incredulidade, por lhe haverem apresentado o futuro sob um

aspecto que a sua razão não podia admitir! Nada, pois, será para

o crente vacilante poder dizer: “Agora tenho certeza!” — como

para o cego tornar a ver a luz?

Pelos fatos e pela lógica o Espiritismo vem dissipar a

ansiedade da dúvida e reconduzir à fé o que dela se afastara.

Revelando-nos a existência do mundo invisível que nos rodeia,

e no meio do qual vivemos sem o suspeitar, ele nos faz conhecer,

pelo exemplo dos que viveram na Terra, as condições da nossa

felicidade ou da nossa desgraça vindouras; explica a causa dos

nossos sofrimentos terrenos e os meios de os suavizar. Sua

propagação terá por efeito inevitável a destruição das doutrinas

materialistas, que não podem resistir à evidência.

O homem, convencido da grandeza e importância da sua

existência futura, que é eterna, compara-a à incerteza da vida

terrestre, que é tão curta, e eleva-se então pelo pensamento

acima das mesquinhas cogitações humanas. Conhecendo a

causa e objetivo das suas dores, ele as suporta com paciência e

resignação, por saber que são um meio de chegar a melhor

estado. O exemplo dos que vêm d’além-túmulo descrever suas

alegrias e pesares, provando a realidade da vida futura, prova ao

mesmo tempo que a justiça de Deus não deixa nenhum vício sem

punição nem virtude alguma sem recompensa. Acrescentemos,

por fim, que as comunicações com os seres caros que partiram

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nos proporcionam uma doce consolação, demonstrando não

somente que eles existem, mas que estamos menos separados

deles do que se estivessem vivos em um país distante.

Em resumo: o Espiritismo atenua o amargor das aflições da

vida, acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as

incertezas ou os terrores do futuro, exclui o pensamento de

abreviar a vida pelo suicídio; por isso mesmo torna felizes os que

dele se compenetram, e nisso está o grande segredo da sua

rápida propagação.

No ponto de vista religioso o Espiritismo tem por base as

verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a

imortalidade, as penas e recompensas futuras; mas é

independente de todo o culto particular. Seu fim é provar aos que

negam, ou duvidam, que a alma existe, que sobrevive ao corpo

e sofre depois da morte as conseqüências do bem ou do mal que

fez durante a vida corporal; ora, isto é de todas as religiões.

Como crença nos Espíritos, ele é igualmente de todas as

religiões, assim como é de todos os povos, pois que em toda a

parte onde há homens, há almas ou Espíritos, e as

manifestações são de todos os tempos, e a sua narrativa se

encontra sem exceção em todas as religiões.

Pode-se ser católico, grego ou romano, protestante, judeu

ou muçulmano e crer nas manifestações dos espíritos, e, por

conseguinte, ser espírita; a prova disso é que o Espiritismo

possui adeptos em todas as seitas.

Como moral, é essencialmente cristão, pois a que ensina

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não é senão a aplicação e o desenvolvimento da do Cristo, a

mais pura de todas e cuja superioridade ninguém contesta —

prova evidente de que é a lei de Deus. Ora, a moral é para uso

de todo o mundo.

O Espiritismo, sendo independente de qualquer forma de

culto, não prescrevendo nenhum, nem se ocupando de dogmas

particulares, não é uma religião especial, porque não tem

sacerdotes nem templos. Aos que lhe perguntem se fazem bem

em seguir tal ou tal prática, responde: “Se acreditais vossa

consciência obrigada a fazê-lo, fazei-o. Deus leva sempre em

conta a intenção”.

Em uma palavra, ele não se impõe a pessoa alguma; não

se dirige aqueles que têm fé e a quem é suficiente essa fé, mas

à numerosa categoria dos indecisos e incrédulos; não os

arrebata à Igreja, pois que dela estão moralmente separados no

todo ou em parte; ajuda-os a fazer três quartas partes do

caminho para lá entrar; a ela cumpre fazer o resto.

O Espiritismo combate — é verdade, — certas crenças, tais

como a eternidade das penas, o fogo material do inferno, a

personalidade do diabo, etc.; Mas não é certo que essas crenças,

impostas como absolutas, têm em todos os tempos feito

incrédulos e os fazem todos os dias? Se o Espiritismo, dando

desses e de alguns outros dogmas uma interpretação racional,

conduz à fé os seus desertores, não presta um serviço à religião?

Por isso dizia a este respeito um venerável eclesiástico: “O

Espiritismo faz crer em alguma coisa; ora é melhor crer em

alguma coisa do que em nada crer absolutamente”.

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Não sendo os Espíritos outra coisa senão as almas, não se

pode negar os Espíritos sem negar a alma. Admitindo-se as

almas ou espíritos, a questão reduzida à sua mais simples

expressão é esta: as almas dos que morreram podem se

comunicar com os vivos? O Espiritismo o prova afirmativamente

por meio de fatos materiais. Que prova se poderá dar de que isso

não é possível? Se é, todas as negações do mundo não

impedirão que o seja, porque nenhum sistema, nem uma teoria,

mas uma lei da natureza. Ora, contra as leis da natureza é

impotente a vontade do homem. É preciso, de bom ou de mau

grado, aceitar-lhe as conseqüências e com elas conformar as

crenças e os hábitos.

Resumo do Ensino dos Espíritos

— Deus é a Inteligência Suprema, causa primária de todas

as coisas. Deus é eterno, único, imaterial, imutável, onipresente,

soberanamente justo e bom. Ele deve ser infinito em todas as

suas perfeições, porque se supuséssemos imperfeito em um só

dos seus atributos, já não seria Deus.

— Deus criou a matéria que constitui os mundos, criou

também seres inteligentes que denominamos espíritos,

encarregados de administrar os mundos materiais, segundo as

leis imutáveis da criação, os quais seres são por sua natureza

perfectíveis. Aperfeiçoando-se, eles se aproximam da Divindade.

— O espírito, propriamente dito, é o princípio inteligente;

sua natureza íntima nos é desconhecida; para nós é imaterial,

por não ter analogia alguma com o que chamamos matéria.

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— Os espíritos são seres individuais; têm um envoltório

etéreo, imponderável, chamado perispírito — espécie de corpo

fluídico, tipo da forma humana. Eles povoam os espaços, que o

percorrem com a rapidez do relâmpago, e constituem o mundo

invisível.

— A origem e o modo de criação dos Espíritos nos são

desconhecidos; apenas sabemos que são criados simples e

ignorantes, isto é sem ciência e sem conhecimento do bem e do

mal, mas com igual aptidão para tudo, porque Deus em sua

justiça não podia dispensar uns do trabalho que teria imposto a

outros, para chegarem à perfeição. No princípio eles estão em

uma espécie de infância, sem vontade própria e sem consciência

perfeita de sua existência.

— Desenvolvendo-se o livre-arbítrio nos espíritos ao

mesmo tempo que as idéias, Deus lhes diz: “Todos podeis

aspirar a suprema felicidade, quando houverdes adquirido os

conhecimentos que vos faltam e realizado a tarefa que vos

imponho. Trabalhai, portanto, em vosso adiantamento — eis o

objetivo. Atingi-lo-eis, observando as leis que em vossa

consciência gravei”.

Em conseqüência do seu livre-arbítrio uns tomam o

caminho mais curto, que é o do bem; outros tomam o mais longo,

que é o do mal.

— Deus não criou o mal: estabeleceu leis, e estas são

sempre boas, porque ele é soberanamente bom. Aquele que as

observasse fielmente seria perfeitamente feliz; mas os espíritos,

tendo o livre-arbítrio, nem sempre as observaram, e então o mal

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foi para eles o resultado de sua desobediência. Pode-se,

portanto, dizer que o bem é tudo o que é conforme à lei de Deus.

e o mal tudo o que é contrário a essa mesma lei.

— Para colaborar, como agentes do poder divino, na sua

obra dos mundos materiais, os espíritos revestem

temporariamente um corpo material. Pelo trabalho que exige sua

existência corporal aperfeiçoam a inteligência e, observando as

leis de Deus, adquirem os méritos que os devem conduzir à

felicidade eterna.

— A encarnação não é imposta aos espíritos, no princípio

como uma punição; é necessária ao seu desenvolvimento e a

realização das obras de Deus, e todos a devem sofrer, quer

tomem o caminho do bem, quer o do mal. O que há somente é

que os que seguem o do bem, avançando mais rapidamente,

chegam mais depressa ao fim e em condições menos penosas.

— Os Espíritos encarnados constituem a humanidade, que

não é circunscrita à terra, mas povoa todos os mundos

disseminados no espaço.

— A alma do homem é um espírito encarnado. Para o

secundar no desempenho de sua tarefa, Deus lhe deu como

auxiliares os animais, que lhe estão subordinados, e cuja

inteligência e caráter são proporcionados as suas necessidades.

— O aperfeiçoamento do espírito é fruto do seu próprio

labor; não podendo em uma só existência corporal adquirir todas

as qualidades morais e intelectuais que o devem conduzir ao fim,

aí chega por meio de uma sucessão de existências, em cada

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uma das quais avança alguns passos na via do progresso.

— Em cada existência corporal deve o espírito produzir

uma tarefa proporcional ao seu desenvolvimento; quanto mais

rude e laboriosa é esta, mais mérito tem ele em a haver

desempenhado. Cada existência é assim uma prova que o

aproxima do fim. O número dessas existências é indeterminado;

depende da vontade do Espírito reduzi-lo, trabalhando

ativamente em seu aperfeiçoamento moral, do mesmo modo que

depende da vontade do operário, que deve dar conta de um

trabalho, reduzir o número dos dias a empregar em sua

confecção.

— Quando uma existência tenha sido mal empregada, não

aproveita ao espírito, que por isso a deve recomeçar em

condições mais ou menos penosas, em razão da sua negligência

e má vontade. Assim é que também na vida de relação se pode

ser obrigado a fazer no dia seguinte o que se não fez na véspera,

ou a refazer o que se fez mal.

— A vida espiritual é a vida normal do espírito, e é eterna.

A vida corporal é transitória e passageira; é apenas um instante

na eternidade.

— No intervalo de suas existências corporais o espírito está

errante. A erraticidade não tem duração determinada. Nesse

estado o Espírito é feliz ou desgraçado, segundo o bom ou mal

emprego que fez de sua última existência. Ele estuda as causas

que aceleraram ou retardaram seu adiantamento, toma

resoluções que procurará pôr em prática em próxima

encarnação, e escolhe por si mesmo as provas que julga mais

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apropriadas ao seu avanço; mas algumas vezes se engana ou

sucumbe, não mantendo na condição de homem as resoluções

tomadas como espírito.

— O espírito culpado é punido por meio de dores morais

no mundo dos Espíritos, e por sofrimentos físicos na vida

corporal. Suas aflições são a conseqüência de suas faltas, isto

é, de sua infração às leis de Deus; de sorte que elas representam

ao mesmo tempo uma expiação do passado e uma prova para o

futuro. É assim que o orgulhoso pode ter uma existência de

humilhação, o tirano uma vida de escravo, e o mau rico a de

miséria.

— Há mundos apropriados aos diferentes, graus de

adiantamento dos Espíritos, nos quais a existência corporal se

acha em condições muito diversas. Quanto menos adiantado é o

Espírito, tanto mais grosseiros e materiais são os corpos que ele

reveste; a medida que se purifica passa a mundos superiores,

moral e fisicamente. A terra nem é o primeiro nem o último, mas

um dos mais atrasados.

— Os espíritos culpados são encarnados em planetas

menos adiantados, onde expiam suas faltas pelas tribulações da

vida material. Esses planetas são para eles verdadeiros

purgatórios, mas dos quais depende deles sair, trabalhando em

seu progresso moral. A Terra é um desses planetas.

— Sendo Deus soberanamente justo e bom, não condena

suas criaturas a castigos perpétuos por faltas temporárias, mas

oferece-lhes a todo tempo os meios de progredir e reparar o mal

que tenham feito. Deus perdoa, mas exige o arrependimento, a

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reparação e a volta ao bem, de sorte que a duração do castigo é

proporcionada à persistência do espírito no mal e, por

conseqüência, seria eterna para aquele que permanecesse

eternamente no mau caminho. Mas logo que um vislumbre de

arrependimento penetra no coração do culpado, Deus estende

sobre ele a sua misericórdia. A eternidade das penas deve, pois,

entender-se em sentido relativo e não em sentido absoluto.

— Os espíritos, ao encarnar-se, trazem consigo o que

adquiriram nas existências precedentes, e é essa a razão por

que os homens mostram aptidões especiais, tendências boas ou

más, que neles parecem inatas. As más tendências naturais são

restos das imperfeições do Espírito que delas ainda se não

despojou inteiramente; são também indícios das faltas cometidas

— o verdadeiro pecado original. Em cada existência se deve ele

purificar de algumas impurezas.

— O esquecimento das existências anteriores é um

benefício de Deus, que em sua bondade quis poupar aos

homens recordações as mais das vezes penosas. Em cada nova

existência o homem é aquilo mesmo que a si mesmo se fez. É

para ele um novo ponto de partida, conhece os seus defeitos

atuais, sabe que esses defeitos são a continuidade daqueles que

já possuía, e daí tira a conclusão do mal que teria praticado, o

que lhe basta para que trabalhe em corrigir-se. Se outrora tinha

defeitos que já não tem, não há mais que se preocupar com eles,

bastando-lhe, portanto, combater as imperfeições presentes.

— Se a alma já não viveu, foi então criada com o corpo, e

nesta suposição não pode ela ter relação alguma com as que a

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precederam. Pergunta-se, em tal caso, como Deus, que é

soberanamente justo e bom, a pode ter responsabilizado pela

falta do pai do gênero humano, contaminando-a de um pecado

original que não cometeu. Dizendo-se, ao contrário, que ela,

renascendo, traz o gérmen das imperfeições de suas existências

anteriores e que sofre na atual as conseqüências de suas faltas

passadas, temos do pecado original uma explicação lógica, que

todos podem compreender e admitir, porque a alma só é

responsável pelas suas próprias obras.

— A diversidade das aptidões inatas, morais e intelectuais,

é a prova de que a alma já viveu. Se houvesse sido criada ao

mesmo tempo que o corpo atual, não seria conforme a bondade

de Deus ter feito umas mais adiantadas que as outras. Porque

há selvagens e homens civilizados, porque há bons e maus, tolos

e sensatos? Com o princípio de que uns têm vivido mais que os

outros, e adquiriram mais, tudo se explica.

— Se a existência fosse única e devesse só por si decidir

do futuro da alma por toda a eternidade, qual seria a sorte das

crianças que morrem em tenra idade? Não tendo feito bem nem

mal, não merecem recompensas nem punições. Segundo a

palavra do Cristo, sendo cada qual recompensado conforme as

suas obras, não têm elas direito à perfeita felicidade dos anjos

nem tão pouco merecem ser dela privadas. Diga-se que poderão

em outras existências realizar aquilo que não puderam fazer na

que foi abreviada, e já não haverá exceções.

— Pelo mesmo motivo, qual seria a sorte dos cretinos e dos

idiotas? Não tendo eles nenhuma consciência do bem e do mal,

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não são de modo algum responsáveis por seus atos. Deus seria

justo e bom tendo criado almas estúpidas, para votá-las a uma

existência miserável e sem compensações? Admite, ao

contrário, que a alma do cretino e do idiota é um espírito em

punição em um corpo impróprio à expansão do pensamento,

corpo em que ele está como um homem vigoroso manietado por

cadeias, e nada ali vereis que não seja conforme a justiça de

Deus.

— Nessas sucessivas encarnações, o espírito, tendo-se

pouco a pouco despojado de suas impurezas e aperfeiçoado

pelo trabalho, chega ao termo de suas existências corporais,

pertence então a ordem dos espíritos puros, ou anjos, e goza ao

mesmo tempo da vida completa de Deus e de uma felicidade sem

mescla por toda a eternidade.

— Achando-se os homens em expiação na terra, Deus

como bom Pai, não os abandonou, sem guias, a si mesmos.

Desde o começo têm eles seus espíritos protetores, ou anjos da

guarda, que velam por eles e se esforçam por conduzi-los ao

bom caminho. Têm também espíritos em missão na Terra,

espíritos superiores, encarnados de tempos a tempos entre eles,

para lhes esclarecer a rota com seus trabalhos e fazer adiantar

a humanidade. Conquanto tenha Deus gravado sua lei na

consciência humana, entendeu dever formulá-la de modo

explícito: enviou primeiramente Moisés, mas as leis de Moisés

eram apropriadas aos homens de seu tempo, aos quais só falou

da vida terrena das penas e recompensas temporais. Veio o

Cristo em seguida completar a lei de Moisés, mediante um

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ensino mais elevado: a pluralidade das existências15, a vida

espiritual, as penas e recompensas morais. Moisés os conduzia

pelo temor, o Cristo pelo amor e a caridade.

— O Espiritismo, hoje melhor compreendido, acrescenta,

para os incrédulos a evidência à teoria e prova o futuro por fatos

patentes; diz em termos claros e inequívocos o que o Cristo disse

por parábolas, explica as verdades desconhecidas, ou

falsamente interpretadas; revela a existência do mundo invisível

ou dos Espíritos, e inicia o homem nos mistérios da vida futura.

Vem combater o materialismo, que é uma revolta contra o poder

de Deus; vem, finalmente, estabelecer entre os homens o reino

da caridade e da solidariedade anunciado pelo Cristo. Moisés

lavrou a terra, o Cristo semeou, o Espiritismo vem colher.

— O Espiritismo não é uma luz nova, mas uma luz mais

brilhante, porque surge de todos os pontos do globo pela voz

daqueles que já viveram na Terra. Tornando evidente o que era

obscuro, ele põe termo às interpretações errôneas e deve

conduzir os homens a uma mesma crença, pois que só existe um

Deus cujas Leis são idênticas para todos. Ele assinala enfim a

era dos tempos preditos pelo Cristo e os profetas.

— Os males que afligem a humanidade terrena têm como

causa o orgulho, o egoísmo e todas as más paixões. Ao contato

de seus vícios os homens se tornam reciprocamente

desgraçados e se punem uns aos outros. Quando a caridade e a

humildade substituírem o egoísmo e o orgulho, então não mais

15 Evangelho São Matheus, Capítulo XVII, versículo 10 e seguintes; São João, Capítulo III, versículo 2 e seguintes.

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procurarão hostilizar-se. Respeitarão os direitos de cada um e

farão entre si reinar a concórdia e a justiça.

— Mas como destruír o egoísmo e o orgulho, que parecem

inatos no coração humano? O egoísmo e o orgulho estão no

coração dos homens porque são espíritos que desde o começo

seguiram a senda do mal e foram exilados na Terra, em punição

de seus próprios vícios. É esse ainda o pecado original de que

muitos se não despojaram. Pelo Espiritismo Deus vem fazer um

derradeiro apelo à prática da Lei ensinada pelo Cristo: a lei de

amor e caridade.

— Havendo a Terra chegado ao tempo marcado para se

tomar uma morada de felicidade e paz, não quer Deus que os

maus Espíritos encarnados continuem a manter aí a perturbação,

em detrimento dos bons, e eis porque devem eles desaparecer.

Irão expiar seu endurecimento nos mundos menos adiantados,

em que de novo trabalharão em seu aperfeiçoamento, numa

série de existências ainda mais desgraçadas e penosas que na

Terra.

Nesses mundos eles constituirão uma nova raça mais

esclarecida, e cuja tarefa será fazer progredir, com o auxílio de

seus conhecimentos adquiridos, os seres atrasados que aí

habitam. Não sairão de lá para o mundo melhor senão quando

houverem merecido, e assim sucessivamente, até que tenham

atingido a purificação completa. Se a terra era para esses tais

um purgatório, aqueles mundos serão o seu inferno, mas um

inferno donde a esperança jamais será banida.

— Enquanto a geração proscrita vai desaparecer

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rapidamente, surge uma nova geração cujas crenças serão

baseadas no Espiritismo Cristão. Estamos assistindo agora à

transição que se opera, e que é prelúdio da renovação moral cujo

advento assinala o Espiritismo.

Máximas Extraídas do Ensino dos Espíritos

— O objetivo essencial do Espiritismo é o melhoramento

dos homens. É preciso não procurar nele senão o que pode

auxiliar o progresso moral e intelectual.

— O verdadeiro espírita não é aquele que crê nas

manifestações, mas o que aproveita o ensinamento dos

Espíritos. De nada serve crer, se a crença não faz dar um passo

avante no caminho do progresso, tornando o homem melhor para

com seu próximo.

— O egoísmo, o orgulho, a vaidade, a ambição, a avareza,

o ódio, a inveja, o ciúme, a maledicência são para a alma ervas

venenosas, de que é necessário arrancar diariamente algumas

folhas. Elas têm como contra-veneno a caridade e a humildade.

— A crença no Espiritismo não é proveitosa senão aquele

a quem cada dia traz um progresso sobre o seu estado da

véspera;

— A importância que o homem liga aos bens temporais

está na razão inversa da sua fé na vida espiritual. A dúvida sobre

o futuro é que o leva a procurar os gozos mundanos,

satisfazendo suas paixões, com sacrifício embora do seu

próximo.

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— As aflições terrenas são os remédios da alma, que a hão

de salvar para o futuro, como uma dolorosa operação cirúrgica

salva a vida ao doente e lhe restitui a saúde. É por isso que disse

o Cristo: “Bem-aventurados os aflitos, pois que serão

consolados”.

— Nas vossas aflições olhai sempre para baixo e não para

cima; pensai nos que sofrem ainda mais que vós.

— O desespero é natural naquele que acredita que tudo

acaba com a vida do corpo, naquele que, porém, tem fé no futuro

é um contra-senso.

— O homem é muitas vezes o autor de sua própria

desgraça na terra; remonte ele à fonte de seus infortúnios, e verá

que em sua maior parte resultam da sua imprevidência, do seu

orgulho e ambição e, por conseqüência, da sua infração às Leis

de Deus.

— A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar

nele, é aproximar-se-lhe e pôr-se em comunicação com ele.

— Quem ora com fervor e confiança sente-se mais forte

contra as tentações do mal, e Deus lhe envia bons espíritos para

o assistir. É esse um socorro nunca recusado quando pedido

com sinceridade.

— O essencial não é orar muito, mas orar bem. Certas

pessoas entendem que o mérito da prece consiste em sua

extensão, ao passo que cerram os olhos aos seus próprios

defeitos. Para elas a prece é uma ocupação, um emprego de

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tempo, e não um estudo de si mesmas.

— Quem roga a Deus o perdão de suas faltas não o obtém

senão mudando de conduta. As boas ações são a melhor das

preces, porque mais valem os atos que as palavras.

— A prece é recomendada por todos os bons Espíritos, e

solicitada além disso por todos os Espíritos imperfeitos como

meio de aliviar os seus sofrimentos.

— A prece não pode modificar os decretos da Providência;

não obstante, os Espíritos sofredores, ao ver que há quem se

interesse por eles, sentem- se mais aliviados e consideram-se

menos infelizes. A prece os reanima, excita-lhes o desejo de se

elevarem pelo arrependimento e pela reparação, e os pode

desviar do pensamento do mal. É neste sentido que ela pode,

não somente abrandar, mas abreviar seus sofrimentos.

— Que cada um ore segundo suas convicções e do modo

que julgar mais conveniente, porque a forma nada é, o

pensamento é tudo; o essencial é a sinceridade e pureza de

intenção; um bom pensamento vale mais que um grande número

de palavras semelhante ao ruído de um moinho, nas quais não

toma parte o coração.

— Deus tornou os homens fortes e poderosos para serem

o sustentáculo dos fracos. O forte que oprime o fraco é réprobo

perante Deus, e muitas vezes é castigado mesmo nesta vida,

sem embargo do que lhe sucederá no futuro.

— A fortuna é um depósito, cujo possuidor é apenas

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usufrutuário, pois que não a leva consigo para o túmulo, e terá

de prestar severas contas do seu emprego.

— A fortuna é uma prova mais arriscada que a miséria, por

ser um estímulo ao abuso e aos excessos, e porque é mais difícil

ser comedido que resignado.

— O ambicioso que triunfa e o rico que sacia dos gozos

materiais são mais dignos de lástima que de inveja, pois é

preciso considerar o reverso da medalha. O Espiritismo, com os

terríveis exemplos daqueles que viveram e vêm revelar sua

sorte, confirma a veracidade desta frase do Cristo: “aquele que

se exalta será humilhado, e aquele que se humilha será

exaltado”.

— A caridade é a suprema lei do Cristo: “Amai-vos uns aos

outros como irmãos; — amai ao próximo como a vós mesmos;

— perdoai aos vossos inimigos; — não façais aos outros o que

não quereis que vos façam”; — tudo se resume na palavra da

Caridade.

— A caridade não consiste somente na esmola, pois que

há caridade em pensamentos, palavras e atos. Caridoso em

pensamento é quem se mostra indulgente para com as faltas

alheias; caridoso em palavras quem não diz nada que possa

prejudicar ao próximo; caridoso em atos é quem assiste a seu

irmão na medida de suas forças.

— O pobre que reparte seu pedaço de pão com um ainda

mais pobre que ele é mais caritativo e tem mais mérito aos olhos

de Deus que aquele que dá do seu supérfluo sem de nada se

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privar.

— Quem quer que contra seu próximo nutra sentimentos

de animosidade, de ódio, ciúme ou rancor, falta à caridade,

mente se se diz cristão e ofende à Deus.

— Homens de todas as castas, de todas as seitas, de todos

os matizes, sois todos irmãos, porque Deus vos atraí ao seu seio.

Estendei-vos, por conseguinte, as mãos, qualquer que seja o

modo de o adorardes, e não vos anatematizeis, porque o

anátema é a violação da lei de caridade proclamada pelo Cristo.

— Com o egoísmo os homens se acham em perpétua luta;

com a caridade viverão em paz. Só a caridade, formando a base

das suas instituições, pode, portanto, assegurar-lhes a felicidade

neste mundo; segundo as palavras do Cristo, só ela também lhes

pode garantir a felicidade futura, porque enfeixa implicitamente

todas as virtudes que os podem conduzir à perfeição. Sob o

império da verdadeira caridade, tal como a ensinou e praticou

Jesus, não haverá mais egoísmo, orgulho, ódio, ciúme,

maledicência e nem o desordenado apego aos bens terrestre.

Eis porque o Espiritismo cristão tem por lema: fora da caridade

não há salvação.

Incrédulos! Podeis rir dos espíritos, motejar dos que

acreditam nas suas manifestações; ride então, se ousardes,

deste preceito que eles vêm ensinar, e que é a vossa própria

salvaguarda; porque, se a caridade desaparecesse da Terra, os

homens se esmagariam uns aos outros, e então serieis vós

talvez as primeiras vítimas.

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Não vem de longe o tempo em que este preceito,

proclamado abertamente em nome dos espíritos, será um penhor

de segurança e um título de confiança em todos que o trouxeram

gravado no coração.

Disse um Espírito: “Motejou-se das mesas girantes, mas

não se motejará jamais da filosofia e da moral que delas

decorrem”.

Estamos hoje longe, com efeito, passados apenas poucos

anos, dos primeiros fenômenos que serviram por um momento

de distração aos curiosos e aos desocupados. Essa moral, dizeis

vós, é antiquada. “Os espíritos deveriam ter bastante espírito

para nos dar uma coisa nova” (frase espirituosa de mais um

crítico). Tanto melhor! Se ela é antiquada, isso prova que é de

todos os tempos, e os homens são por isso mais culpados não a

tendo praticado, pois não há realmente verdades senão as que

são eternas.

O Espiritismo vem recordá-la, não por uma revelação

isolada feita a um só homem, mas pela voz dos próprios Espíritos

que, semelhantes à trombeta do juízo final, vêm clamar:

‘Acreditai que aqueles que chamais mortos estão mais vivos do

que vós, porque vêem o que não vêdes e ouvem o que não ouvis.

Naqueles que ora vos vêm falar podereis reconhecer vossos

parentes, amigos, todos quantos amastes na terra, e que

julgáveis irremissivelmente perdidos. Infelizes daqueles que

acreditam que tudo se acaba com o corpo, pois serão cruelmente

desiludidos! Infelizes daqueles que tiverem faltado à caridade,

porque sofrerão o mesmo que fizeram sofrer os outros! Escutai

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a voz dos que padecem e vos vêm dizer “Sofremos por haver

desconhecido o poder de Deus e duvidado da sua misericórdia

infinita; sofremos por causa do nosso orgulho, do nosso egoísmo

e avareza, e de todas as más paixões, que não soubemos

reprimir; sofremos em razão de todo o mal que fizemos aos

nossos semelhantes, pelo esquecimento da lei de Caridade”.

Incrédulos! Dizei se uma Doutrina que ensina semelhantes

coisas é irrisória, se é boa ou má! Encarando-a unicamente sob

o ponto de vista da ordem social, dizei se os homens que a

praticassem seriam felizes ou desgraçados, melhores ou piores!

Allan Kardec