bernardo guimarães

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Bernardo Guimarães (1825-1884) O primeiro livro publicado por Bernardo Guimarães foi “Cantos de solidão” (1852) com versos eróticos, mas o mesmo ficou conhecido na literatura brasileira pelo romance “A Escrava Isaura”, que conta a história de uma escrava branca. O livro apresentava uma crítica, em forma de romance, à escravidão dos negros no Brasil. O sucesso foi tanto que a obra chegou a ser transformada em novela pela Rede Globo e pela Rede Record. Guimarães é tradicionalmente caracterizado como um autor do romantismo. Parte de suas obras apresentam traços da segunda fase do movimento, o ultrarromantismo, cujo principal autor é Álvares de Azevedo e a inspiração é Lord Byron. O sofrimento por amor é uma das características das obras do período, assim como a presença de uma musa inspiradora, inalcançável. O autor ainda produz romances regionalistas e históricos, também apresentou versos com características do surrealismo. Bernardo Guimarães conseguiu destaque entre os escritores do romantismo especialmente por sua abordagem do tema escravidão. A Escrava Isaura representa um marco na literatura abolicionista. Estilo: O autor, em vários momentos, utiliza uma narrativa coloquial. Nas suas obras, ele caracterizava o sertanejo, o comportamento psicológico e as maneiras do povo. De certa forma, já apresentava características do naturalismo e do realismo. O autor também faz experimentações poéticas com versos sem sentido, mas com estrutura clássica e metrificada. O livro de Guimarães foi publicado em 1875, época em que a escravidão era questionada por muitos intelectuais. A abolição da escravatura de fato só aconteceu em 1888. ESCRAVA ISAURA

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Bernardo Guimarães (1825-1884)

O primeiro livro publicado por Bernardo Guimarães foi “Cantos de solidão”

(1852) com versos eróticos, mas o mesmo ficou conhecido na literatura brasileira

pelo romance “A Escrava Isaura”, que conta a história de uma escrava branca. O

livro apresentava uma crítica, em forma de romance, à escravidão dos negros no

Brasil. O sucesso foi tanto que a obra chegou a ser transformada em novela pela

Rede Globo e pela Rede Record.

Guimarães é tradicionalmente caracterizado como um autor do romantismo.

Parte de suas obras apresentam traços da segunda fase do movimento, o

ultrarromantismo, cujo principal autor é Álvares de Azevedo e a inspiração é Lord

Byron. O sofrimento por amor é uma das características das obras do período, assim

como a presença de uma musa inspiradora, inalcançável. O autor ainda produz

romances regionalistas e históricos, também apresentou versos com características

do surrealismo.

Bernardo Guimarães conseguiu destaque entre os escritores do romantismo

especialmente por sua abordagem do tema escravidão. A Escrava Isaura representa

um marco na literatura abolicionista.

Estilo: O autor, em vários momentos, utiliza uma narrativa coloquial. Nas

suas obras, ele caracterizava o sertanejo, o comportamento psicológico e as

maneiras do povo. De certa forma, já apresentava características do naturalismo e

do realismo. O autor também faz experimentações poéticas com versos sem sentido,

mas com estrutura clássica e metrificada.

O livro de Guimarães foi publicado em 1875, época em que a escravidão era

questionada por muitos intelectuais. A abolição da escravatura de fato só aconteceu

em 1888.

ESCRAVA ISAURA

Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as

desventuras de Isaura, escrava branca e educada, de caráter nobre, vítima de um

senhor devasso e cruel. A Escrava Isaura se tornou um livro muito popular já na

época de sua publicação graças ao apelo abolicionista mesclado ao

sentimentalismo. O romance foi um sucesso, sobretudo entre o público feminino que

se compadeceu do sofrimento da heroína cativa.

O autor pretende, nesta obra, fazer um libelo antiescravagista e libertário e,

talvez, por isso, o romance exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a

imaginação popular perante as situações intoleráveis do cativeiro.

O estudioso Manuel Cavalcanti Proença observa que: "Numa literatura não

muito abundante em manifestação abolicionistas, é obra de muita importância, pelo

modo sentimental como focalizou o problema, atingindo principalmente o público

feminino, que encontrava na literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa

sociedade em que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-

estabelecidos; o mais do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório,

bordando, cosendo e ouvindo e falando mexericos, isto é, enredos e intrigas, como

se dizia no tempo e ainda se diz neste romance."

Período histórico

O romance de Guimarães ora pautado desenvolve-se no contexto de

escravidão notável nos anos do império de D. Pedro II. A despoticidade encontrada

na relação senhor/escravo é percebível na obra, através das perseguições e

impropérios de Leôncio para com Isaura. Sendo assim, os abusos de maldade por

parte do marido de Malvina e da invejosa escrava Rosa contribuem para o realce

dos problemas sociais, políticos e econômicos ao passo que, simultaneamente,

amplia o teor maniqueísta muito frequente no Romantismo e com relação à Rosa,

exemplifica o estereótipo da negra malvada, invejosa e luxuriosa.

Conforme Bosi (1994) "o romancista estava mais preocupado em contar as

perseguições que a cobiça de um senhor vilão movia à bela Isaura que em

reconstruir as misérias do regime servil" (p. 144).

Conforme Cândido "o enredo existe através das personagens; as personagens

vivem no enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance,

a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam" (p. 53).

BEM X MAL

Enquanto escrava, Rosa, por ter sido amante de Leôncio no passado, não

suportava a ideia de ter sido trocada pela beleza angelical de Isaura. Não teve uma

educação esmerada como sua rival, com isso sempre mostrou-se embaraçada com

afazeres domésticos que exigiam certo requinte. Isso reforça a ideia da escrava

negra invejosa e atrapalhada que almeja alcançar os mesmos privilégios alheios,

para com isso livrar-se dos maus tratos e abusos da escravidão. Essa afirmação é

evidenciada pelo dano provocado por Rosa ao passo que fazia intrigas à Malvina,

como se refere a partir da leitura do excerto abaixo:

"Malvina era boa e confiante, e nunca teria duvidado na inocência de Isaura,

senão fosse Rosa, sua terrível êmula e fidagal inimiga. Depois do desaguisado, de

que Isaura foi inocente, Rosa ficou sendo a mucama ou criada da câmara de

Malvina, e esta as vezes desabafava em presença da maligna mulata os ciúmes e

desgostos que lhe ferviam e transvazavam. (...) Estes e outros quejandos enredos,

que Rosa sabia habilmente insinuar nos ouvidos de sua senhora, eram bastantes

para desvairar o espírito de uma cândida e inexperiente moça como Malvina, e

foram produzindo o resultado que desejava a perversa mulatinha". (Cap. VIII).

De acordo com a idéia central do fragmento transposto acima é

perfeitamente notável a capacidade de Rosa em intensificar a onda de conflito da

história, disseminando no enredo uma crescente sensação de intranqüilidade em

demasia.

O excerto propõe um certo paradoxo entre as características de Malvina e as

de Rosa. Fica claro que a esposa de Leôncio era "boa e confiante" e o adjetivo

"cândida" vem a sugerir uma pureza, uma inocência à personagem. Entretanto, a

"mulatinha faceira" configura-se com pontos fortemente maléficos e terríveis, o que

se pode chamar de um verdadeiro "demônio familiar". Palavras como "maligna" e

"perversa" evidenciam sua índole satânica e contribuem na construção de uma

personagem diabólica e vil. Do ponto de vista social, Rosa é uma típica escrava

invejosa e mentirosa que faz de tudo para que Isaura seja submetida aos mesmos

maus tratos e afazeres rústicos.

Como mulher, Rosa deixava transparecer toda a sensualidade de uma típica

mulata afro-brasileira na flor da idade. Sua notória beleza é frequentemente

enfatizada durante o romance. Passagens como a citada a seguir se repetem

múltiplas vezes durante a narrativa de Guimarães:

"Esbelta e flexível de corpo, tinha o rostinho mimoso, lábios tanto grossos,

mas bem modelados, voluptuosos úmidos e vermelhos como boninas que acabam

de desabrochar em manhã de abril. Os olhos negros não eram muito grandes, mas

tinham uma viveza e travessura encantadoras. Os cabelos negros e anelados

podiam estar bem na cabeça da mais branca fidalga além-mar (...)" (Cap. VII).

Segundo o fragmento acima, devido a sua beleza, Rosa deve ser pensada

como uma figura que remete a ideia do sensualismo hiperbolizado. Seu corpo é

dono de um movimento sinuoso e provocante. Somado a isso, as descrições dos

lábios remetem à escrava negra um teor de luxuria e pecado, que são postos em

evidência por serem "voluptuosos e vermelhos" e a travessura dos olhos implícita

seu caráter dual.

A beleza exuberante e brejeira de Rosa contribui para expor e ampliar com

veemência o sentimento de inveja que nutre com relação à Isaura, uma vez que

mesmo bonita perdeu os galanteios de Leôncio para a cativa branca. A formosura da

mulatinha atribui à personagem características voluptuosas e maledicentes.

Conforme Cademartori (2004) trata-se de uma situação resultante da dicotomia BEM

X MAL proposta pela tendência maniqueísta observável no contexto romântico. Para

a autora "em relação à mulher (...) fará com que surjam nos textos românticos a

mulher santa, assexuada e digna de amor (...) e a mulher satânica, a que se dirige o

desejo e cuja voluptuosidade torna ameaçadora e nociva" (p. 40).

A dicotomia maniqueísta BEM X MAL é muito visível em estruturas fabulares

românticas. Nesse caso, o caráter satânico e invejoso de Rosa ajuda entre outras

coisas na valorização e intensificação da postura idealizada de Isaura. Essa análise

contextual esbarra também nas exigências servis feitas na escravidão. As invejas de

Rosa em relação à Isaura bem como a postura subalterna da cativa branca ilustram

esse sistema social da época. Por fim, o estereótipo da negra malvada e erótica

percebível na obra também pode ser fortemente ligado às ideias de discórdia e

luxúria.

- E o que mais merece aquela impostora? - murmurou a invejosa e malévola Rosa.

- Pensa que por estar servindo na sala é melhor do que as outras, e não faz caso de

ninguém. Deu agora em namorar os moços brancos, e como o pai diz que há de

forrar ela, pensa que e uma grande Senhora. Pobre do senhor Miguel!... não tem onde cair morto, e há de ter para forrar a filha!

- Que má língua é esta Rosa! - murmurou enfadada a velha crioula, relanceando um

olhar de repreensão sobre a mulata. – Que mal te fez a pobre Isaura, aquela pomba

sem fel, que com ser o que e, bonita e civilizada como qualquer moça branca, não é capaz de fazer pouco caso de ninguém?... Se você se pilhasse no lugar dela,

pachola e atrevida como és, havias de ser mil vezes pior.

FONTE

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=813&sid=110