berlengas - revista mergulho (203) - julho 2013

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Distante aproximados 100 quilômetros ao Norte de Lisboa, encontra-se Peniche. Há indícios de que o nome da cidade deriva da palavra latina península que significa “quase ilha”. Uma península conhecida internacionalmente pelo turismo de surf, com tubos perfeitos que rendeu o título de “capital da onda”; pelas lindíssimas rendas de bilro; pela tradição na pesca; pela típica gastronomia e pelas ilhas que se avista ao longe ao mar.

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Distante aproximados 100 quilômetros ao Norte de Lisboa, encontra-se Peniche. Há indícios de que o nome da cidade deriva da palavra latina penínsu-la que significa “quase ilha”. Uma península conhecida internacionalmente pelo turismo de surf, com tubos perfeitos que rendeu o título de “capital da onda”; pelas lindíssimas rendas de bilro; pela tradição na pesca; pela típica gastrono-mia e pelas ilhas que se avista ao longe ao mar.

No Velho Mundo, um mergulho no arquipélago que revela os primórdios geológicos do planeta e faz o elo para a biodiversidade marinha na fronteira entremares.

BerlengasA última fronteira

A vista da “Cabeça do Elefante” na porção sul das Berlengas ao entardecer onde uma rápida tempestade se aproxima

Texto e fotos: Áthila Bertoncini e Maíra Borgonha

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Pois essas ilhas, que se avistam ainda de terra, estão a seis milhas de Peniche e são conhecidas como o Arquipélago das Berlengas. Com formação de origem continental, representam registro impor-tante da história da Terra. As Berlengas fazem parte de uma formação geológica que remonta a união dos continentes (Laurásia e Gondwana) e dos oceanos onde residem resquícios geoquímicos das mudanças climáticas globais do pas-sado. Além disso, o legado histórico mais recente também está guardado em suas águas, utilizadas como rota de navegação

ligando o sul ao norte da Europa, hoje a região mantém esses registros através de naufrágios.

Na sua composição, o Arquipélago é formado por um conjunto de ilhas e reci-fes rochosos entre eles Berlenga, Estelas e Farilhões, que compõem a única reserva marinha continental portuguesa. A Ilha Berlenga foi nomeada Reserva Natural em 1981 — reserva essa ampliada aos Fa-rilhões e, devido à relevante importância, em 2011, a UNESCO considerou o Arqui-pélago Reserva Mundial da Biosfera.

Grande parte da importância atribuída

deve-se ao fato do Arquipélago servir de rota de migração de espécies marinhas, como aves (cagarras, airos e gaivotas), peixes pelágicos (lírios, peixes-lua) entre outros e também de transição entre espé-cies do Mar Mediterrâneo ao Atlântico, propiciando uma explosão de biodiver-sidade.

Os mergulhos no Arquipélago sur-giram a partir do acompanhamento de uma expedição científica conduzida pelo Governo Português, conhecida como Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental. Seu prin-

Gorgônia (Paramuricea clavata) conferindo um colorido roxo ao fundo das Berlengas

Gruta do Farilhão da Cova, mergulho acessível e fácil. Leve sua lanterna!

Anêmona-joia (Corynactis viridis), encontrada em uma variedade

de cores do laranja ao rosa e tons verdes fluorescentes

O nudibrânquio (Hypselorodis villafranca) entre as algas

Sépia ou choco (Sepia officinalis) como é conhecido em Portugal chega aos 45 cm de comprimento pode ser observada sobre fundos arenosos

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O guia, de autoria de Nuno Vasco Rodrigues, Paulo Maranhão, Pedro Oliveira e José Alberto, teve como base para sua edição imagens obtidas nas Berlengas e constitui uma refe-rência importantíssima para qualquer mergulhador que queira conhecer mais sobre os seres marinhos que ha-bitam os mares de Portugal. A edição de capa dura e 231 páginas é ricamen-te ilustrada com mais de 400 imagens e informações sobre 320 espécies que incluem algas, esponjas, vermes achatados, cnidários, artrópodes, moluscos, briozoários, equinodermos, peixes e mamíferos marinhos. Fatal-mente o leitor vai se apaixonar pelo que pode encontrar na Reserva Natu-ral das Berlengas, considerada a zona biologicamente mais rica do litoral do continente Português.

Para ler: Guia de Espécies Submarinas, Portugal-Berlengas

cipal objetivo é alimentar o sistema de informação georeferenciada da biodi-versidade marinha portuguesa – o M@rbis. A expedição, composta de mais de 60 pesquisadores portugueses e estran-geiros, embarcou ao passo que o furacão Nadine — que se encontrava nos Açores — se aproximava trazendo chuva e fortes ventos. Felizmente, tendo dissipado, não atrapalhou os planos de mergulho.

Assim, em 10 dias a bordo do NTM Creoula, navio da Marinha Portuguesa, que já foi utilizado na pesca do bacalhau, fizemos amigos, trocamos experiências e

registramos o máximo possível da biodi-versidade das Berlengas.

Os mergulhos na região são bastante variados, havendo pontos com incidência de correntes e outros de total calmaria. A visibilidade pode variar muito ao longo dos dias e as temperaturas giram em tor-no de 20 graus a profundidades médias de 20 metros.

Dentre os muitos pontos de mergulho no arquipélago, alguns merecem destaque como o rabo-de-asno, localizado nos Farilhões, e sem dúvida o mais cobiça-do, pois apresenta um imenso paredão

recoberto por imensuráveis gorgônias (Paramuricea clavata) em tons de lilás e vermelho, por onde vagam muitos bodi-ões-canário (Labrus mixtus). Abaixo dos 20m encontra-se a entrada de uma gruta, a qual também tem as paredes repletas de colônias de esponjas, ascídias e gorgônias, além das inúmeras fanecas (Trisopterus luscus), uma espécie abrótea pequena que forma densos cardumes. Como o local é muito exposto às correntes, podem ser observados algumas espécies pelágicas se alimentando junto ao paredão e pontas, como sargos (Diplodus sargus) e salemas

Anêmona-verde (Anemonia viridis) chega

a formar verdadeiros tapetes que ganham

movimento com a ondulação

Comum nas Berlengas, a esponja amarela (Cliona celata) é conhecida por perfurar os organismos

sobre os quais se fixa

Âncora do naufrágio Primavera, acessível a todos os níveis de mergulhadores

O jovem bodião-canário (Labrus mixtus) mudará completamente de cor quando chegar a fase adulta

O ouriço (Paracentrotus lividus) é comum entre as algas nos costões das Berlengas

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Você pode conhecer as Berlengas através da operadora Haliotis que faz saídas regulares ao Arquipélago: Visite: http://www.haliotis.pt

Se tiver como base de saída Peniche, aproveite o tempo disponível para passear e conhecer um pouco mais dessa encantadora cidade, parcialmente cercada por muralhas do século XVI. Durante o dia, faça um passeio pela praia do Baleal onde poderá tomar um “galão” no café da manhã. Percorra o trajeto beirando as falésias até Cabo Carvoeiro que é o ponto mais ocidental da península onde a vista é deslumbrante. Depois disso ainda há tempo para curtir as ondas em uma visita à praia de Supertubos (ou praia do me-dão) que frequentemente recebe etapas do circuito mundial de surf. Almoce por lá o espetacular marisco na Taskareia. À noite escolha a tradicional Tasca do Joel, antiga parada obrigatória dos pescadores do lugar que preparavam o pró-prio pescado regado a pão e vinho. Por fim, se convidarem a tomar um “café” no bar AAA na avenida do mar, desconfie, mas não deixe de ir, é imperdível!

Também é possível visitar a Ilha Berlenga e realizar trilhas em grutas, ou visitar o Farol Duque de Bragança e o Forte São João Baptista, ou apenas aproveitar a praia do Mosteiro do Carreiro para fazer snorkelling e tomar sol.

Vai lá(você não vai se arrepender)

(Sarpa salpa).Já o Farilhão da Cova está localizado

no segundo maior ilhéu dos Farilhões e assim como seu vizinho Rabo-de-asno, conta com uma caverna que pode ser fa-cilmente explorada. Apesar de ter menos vida no interior, a profundidade é menor, o que torna o mergulho de fácil acesso. Entretanto, a gruta conta com uma nas-cente de água doce, e em determinado ponto pode-se observar um raro fenôme-no, a haloclina, ou seja, a nítida separação de duas massas d’água com diferentes densidades. Dentro da gruta a escuridão

é completa, e com auxílio de lanterna é possível encontrar outros peixes que preferem abrigos escuros como os safios ou congros (Conger conger).

O Naufrágio Primavera é acessível a to-dos os níveis de mergulhadores. Localiza-do na porção protegida da Ilha Berlenga (leste), a profundidade máxima chega aos 21 metros e está sempre acessível, quando outros pontos já sofrem com as condições climáticas pouco favoráveis. Nas bordas do naufrágio ou junto à grande âncora no fundo de areia, podem ser encontrados polvos (Octopus vulgaris) e sépias, ou

chocos (Sepia officinalis) como são cha-mados por lá.

O Vapor do Trigo, também conhecido por Andreos, está a profundidade de 26 m e apresenta um amplo cavername pronto a ser explorado, com maior diversidade concentrada nas grandes caldeiras que contam com inúmeras tocas. Cardumes apressados de sardinhas e outros peixes de passagem fazem companhia durante o mergulho deslizando harmônicos no con-torno do naufrágio. Apesar de estar loca-lizado na zona abrigada, já encontra-se um tanto afastado da Ilha Berlenga, o que

O tunicado (Clavelina lepadiformis) que cresce até 3cm e vive em pequenas colônias

O belíssimo nudibrânquio rosa (Felimida lutreorosea) salta aos olhos quando encontrado nos

costões das Berlengas

A garoupa-do-alto (Serranus cabrilla) está

entre as espécies de peixes comuns na região

Forte de São João Baptista, construído em 1502 e ligado

a Ilha Berlenga por uma pequena ponte

NTM Creoula, base para todas as operações de pesquisa da Campanha M@rBis

Mergulhadores retornando de uma imersão com os Farilhões ao fundo

Berlengas e Farilhões na linha do horizonte, observados do

continente (Peniche)

Farol Duque de Bragança sinaliza aos navegantes

desde 1841

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Agradecimentos a “equipa” M@rbis: Monica Albuquerque, Estibaliz Bereci-bar, Inês Tojeira e Frederico Dias. Ao amigos Nuno Vasco Rodrigues e João Correia da Flying Sharks, Nuno “Preto” Costa, Rui Esteves, Marta Jacinto, Flávia Martins e Rui Albuquerque. José Tourais e Operadora Nautilus. Sérgio Leandro e Instituto Politécnico de Leiria. Dedi-camos a reportagem a todos os queridos tugas e almost-tugas que participaram da expedição M@rbis Berlengas 2012. Alvorada!

invariavelmente faz com que seja assola-do por correntezas que podem invariavel-mente possibilitar que peixes-lua (Mola mola) sejam observados a meia água.

Como experiência pessoal, o ponto alto dos mergulhos foi o encontro com três peixes-lua. A espécie é comum na região e é frequente avistar indivíduos de cima da embarcação saltando e exibindo as nada-deiras. No único encontro que tivemos, diante da estupefação, não houve tempo para imagem. Os peixes-lua esvaíram-se na imensidão de águas ao nosso redor. Haverão novas possibilidades? Ainda em 2013 nos preparamos para cruzar o Atlântico mais uma vez em busca de novas aventuras nos mares portugueses.

Para resumir a experiência dos mergu-lhos realizados no Arquipélago das Ber-lengas encontramos as palavras na livre tradução da música de Frankie Chavez — The search, cantor também português, que embalou os dias nas Berlengas:

“Você pode não saber para onde vai, mas tem certeza de onde esteve. Você está sempre em busca, está na natureza, em busca de histórias não contadas. Faz por-que realmente acredita, porque alimenta sua alma”. Na nossa opinião, uma descri-ção perfeita para a alma de mergulhado-ras e mergulhadores em busca de novos mares e novas experiências. Já pensou em um lugar para a próxima aventura? Ima-gine. Esse lugar existe.

Anêmona branca (Actinothoe sphyrodeta)

apresenta um forte contraste com os

fundos em que habita

Gorgônia (Paramuricea clavata) encontrada em paredões verticais, geralmente em áreas mais profundas, abaixo dos 15 metros

Mergulho na caldeira do naufrágio Vapor do Trigo,

local mais afastado que exige planejamento por

conta das correntezas

Anêmona-verde (Anemonia viridis)

Oceanógrafos, Áthila e Maíra trabalham em prol da conservação marinha através do estudo da bioecologia

de peixes e do conhecimento ecológico local de pescadores. Para desenvolver suas pesquisas utilizam

do mergulho e da fotografia subaquática.Endereço para correspondência dos autores:

[email protected] e [email protected].

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