bento teixeira - prosopopéia

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  • Prosopopia, de Bento TeixeiraTexto proveniente de:A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de So PauloPermitido o uso apenas para fins educacionais.

    Texto-base digitalizado por:CG Produes - [email protected] material pode ser redistribudo livremente, desde que no seja alterado, e que as informaes acima sejammantidas. Para maiores informaes, escreva para .Estamos em busca de patrocinadores e voluntrios para nos ajudar a manter este projeto. Se voc quer ajudar de algumaforma, mande um e-mail para e saiba como isso possvel.

    ProsopopiaBento Teixeira

    ndicePrlogoNarraoDescripo do Recife de ParanambucoEplogoSoneto per ecos, ao mesmo Senhor Jorge dAlbuquerque Coelho

    PRLOGODirigido a Jorge dAlbuquerque Coelho, Capito e Governador da Capitania de Paranambuco, das partes do Brasil daNovaLusitnia, etc.Se verdade o que diz Horcio que Poetas e Pintores esto no mesmo predicamento; e estes pera pintaremperfeitamenteuma Imagem, primeiro na lisa tvoa fazem riscunho, pera depois irem pintando os membros dela extensamente, atrealaremas tintas, e ela ficar na fineza de sua perfeio; assim eu, querendo dibuxar com obstardo pinzel de meu engenho a vivaImagem da vida e feitos memorveis de vossa merc, quis primeiro fazer este riscunho, pera depois, sendo-meconcedido porvossa merc, ir mui particularmente pintando os membros desta Imagem, se no me faltar a tinta do favor de vossamerc, aquem peo, humildemente, receba minhas Rimas, por serem as primcias com que tento servi-lo. E porque entendo queasaceitar com aquela benevolncia e brandura natural, que custuma, respeitando mais a pureza do nimo que a vileza dopresente, no me fica mais que desejar, se no ver a vida de vossa merc augmentada e estado prosperado, como todososseus sbditos desejamos.Beija as mos de vossa merc: (Bento Teixeira)Seu vassalo.

  • Dirigida a Jorge dAlbuquerque Coelho,Capito e Governadorde Peranambuco, Nova Lusitnia, etc.

    ndice

    I

    Cantem Poetas o Poder Romano,

    Sobmetendo Naes ao jugo duro;O Mantuano pinte o Rei Troiano,

    Descendo confuso do Reino escuro;Que eu canto um Albuquerque soberano,

    Da F, da cara Ptria firme muro,Cujo valor e ser, que o Ceo lhe inspira,

    Pode estancar a Lcia e Grega lira.

    II

    As Dlficas irms chamar no quero,que tal invocao vo estudo;Aquele chamo s, de quem esperoA vida que se espera em fim de tudo.

    Ele far meu Verso to sincero,Quanto fora sem ele tosco e rudo,

    Que per rezo negar no deve o menosQuem deu o mais a mseros terrenos.

    III

    E vs, sublime Jorge, em quem se esmaltaA Estirpe d'Albuquerques excelente,

    E cujo eco da fama corre e salta

  • Do Cauro Glacial Zona ardente,Suspendei por agora a mente alta

    Dos casos vrios da Olindesa gente,E vereis vosso irmo e vs supremoNo valor abater Querino e Remo.

    IV

    Vereis um sinil nimo arriscadoA trances e conflictos temerosos,

    E seu raro valor executado

    Em corpos Luteranos vigurosos.

    Vereis seu Estandarte derribado

    Aos Catlicos ps victoriosos,Vereis em fim o garbo e alto brio

    Do famoso Albuquerque vosso Tio.

    V

    Mas em quanto Talia no se atreve,

    No Mar do valor vosso, abrir entrada,

    Aspirai com favor a Barca leve

    De minha Musa inculta e mal limada.

    Invocar vossa graa mais se deveQue toda a dos antigos celebrada,

    Porque ela me far que participeDoutro licor milhor que o de Aganipe.

    VI

    O marchetado Carro do seu Febo

    Celebre o Sulmons, com falsa pompa,E a runa cantando do mancebo,Com importuna voz, os ares rompa.

    Que, posto que do seu licor no bebo,

  • fama espero dar to viva trompa,Que a grandeza de vossos feitos cante,

    Com som que Ar, Fogo, Mar e Terra espante

    ndice

    NARRAO

    VII

    A Lmpada do Sol tinha encuberto,Ao Mundo, sua luz serena e pura,

    E a irm dos trs nomes descubertoA sua tersa e circular figura.

    L do portal de Dite, sempre aberto,Tinha chegado, com a noite escura,

    Morfeu, que com subtis e lentos passos

    Atar vem dos mortais os membros lassos.

    VIII

    Tudo estava quieto e sossegado,

    S com as flores Zfiro brincava,E da vria fineza namorado,De quando em quando o respirar firmava

    At que sua dor, damor tocado,Per antre folha e folha declarava.

    As doces Aves nos pendentes ninhos

    Cubriam com as asas seus filhinhos.

    IX

    As luzentes Estrelas cintilavam,

  • E no estanhado Mar resplandeciam,

    Que, dado que no Ceo fixas estavam,

    Estar no licor salso pareciam.

    Este passo os sentidos comparavam

    queles que damor puro viviam,Que, estando de seu centro e fim absentes,

    Com alma e com vontade esto presentes.

    X

    Quando ao longo da praia, cuja area

    de Marinhas aves estampada,E de encrespadas Conchas mil se arrea,

    Assim de cor azul, como rosada,

    Do mar cortando a prateada vea,

    Vinha Trito em cola duplicada,No lhe vi na cabea casca posta(Como Cames descreve) de Lagosta

    XI

    Mas a Concha lisa e bem lavradaDe rica Madreprola trazia,e fino Coral crespo marchetada,

    Cujo lavor o natural vencia.

    Estava nela ao vivo debuxada

    A cruel e espantosa bataria,

    Que deu a temerria e cega genteAos Deoses do Ceo puro e reluzente.

    XII

    Um Bzio desigual e retrocidoTrazia por Trombeta sonorosa,

  • De Prolas e Aljfar guarnecido,Com obra mui subtil e curiosa.

    Depois do Mar azul ter dividido,

    Se sentou n a pedra Cavernosa,E com as mos limpando a cabeleiraDa turtuosa cola fez cadeira.

    XIII

    Toca a Trobeta com crescido alento,

    Engrossa as veas, move os elementos,

    E, rebramando os ares com o acento,

    Penetra o vo dos infinitos assentos.Os Plos que sustem o firmamento,Abalados dos prprios fundamentos,Fazem tremer a terra e Ceo jucundo,

    E Neptuno gemer no Mar profundo.

    XIV

    O qual vindo da v concavidade,Em Carro Triunfal, com seu tridente,

    Traz to soberba pompa e majestade,Quanta convm a Rei to excelente.Vem Oceano, pai de mor idade,

    Com barba branca, com cerviz tremente:

    Vem Glauco, vem Nereu, Deoses Marinhos,

    Correm ligeros Focas e Golfinhos.

    XV

    Vem o velho Proteu, que vaticina

    (Se f damos velha antiguidade)Os males a que a sorte nos destina,

    Nascidos da mortal temeridade.

  • Vem numa e noutra forma peregrina,

    Mudando a natural propriedade.

    No troque a forma, venha confiado,Se no quer de Aristeu ser sojigado.

    XVI

    Ttis, que em ser fermosa se recrea,Traz das Ninfas o coro brando e doce :

    Clmene, Efire, pis, Panopea,Com Broe, Talia, Cimodoce;Drimo, Xanto, Licrias, Deiopea,Aretusa, Cidipe, Filodoce,

    Com Eristea, Espio, Semideas,

    Aps as quais, cantando, vem Sereas.

    ndice

    DESCRIPO DO RECIFE DE PARANAMBUCO

    XVII

    Pera a parte do Sul, onde a pequena

    Ursa se v de guardas rodeada,Onde o Ceo luminoso mais serena

    Tem sua influo, e temperada;Junto da Nova Lusitnia ordenaA natureza, me bem atentada,Um porto to quieto e to seguro,Que pera as curvas Naus serve de muro.

    XVIII

    este porto tal, por estar posta

  • Uma cinta de pedra, inculta e viva,

    Ao longo da soberba e larga costa,

    Onde quebra Neptuno a fria esquiva.Antre a praia e pedra descomposta,

    O estanhado elemento se diriva

    Com tanta mansido, que a fateixaBasta ter fatal Argos aneixa.

    XIX

    Em o meio desta obra alpestre e dura,

    a boca rompeo o Mar inchado,Que, na lngua dos brbaros escura,Paranambuco de todos chamado.de Parana, que Mar; Puca, rotura,Feita com fria desse Mar salgado,Que, sem no dirivar cometer mngua,Cova do Mar se chama em nossa lngua.

    XX

    Pera entrada da barra, parte esquerda,Est ua lajem grande e espaosa,Que de Piratas fora total perda,

    Se a torre tivera sumptuosa.Mas quem por seus servios bons no herdaDesgosta de fazer cousa lustrosa,

    Que a condio do Rei que no francoO vassalo faz ser nas obras manco.

    XXI

    Sendo os Deoses lajem j chegados,Estando o vento em calma, o Mar quieto,

  • Depois de estarem todos sossegados,

    Per mandado do Rei e per decreto,

    Proteu, no Ceo cos olhos enlevados,

    Como que invistigava alto secreto,

    Com voz bem entoada e bom meneio,

    Ao profundo silncio larga o freio.

    XXII

    "Pelos ares retumbe o grave acento

    De minha rouca voz, confusa e lenta,

    Qual torvo espantoso e violentoDe repentina e hrrida tormenta;Ao Rio de Aqueronte turbulento,

    Que em sulfreas burbulhas arrebenta,Passe com tal vigor, que imprima espanto

    Em Minos riguroso e Radamanto.

    XXIII

    De lanas e descudos encantadosNo tratarei em numerosa Rima,Mais de Bares Ilustres afamados,Mais que quantos a Musa no sublima.Seus hericos feitos extremadosAfinaro a dissoante prima,Que no muito to gentil subjeitoSuplir com seus quilates meu defeito.

    XXIV

    No quero no meu Canto algua ajudaDas nove moradoras de Parnaso,

    Nem matria to alta quer que aludaNada ao essencial deste meu caso.

  • Porque, dado que a forma se me muda,

    Em falar a verdade serei raso,

    Que assim convm faz-lo quem escreve,Se justia quer dar o que se deve.

    XXV

    A fama dos antigos coa moderna

    Fica perdendo o preo sublimado:A faanha cruel, que a turva LernaEspanta com estrondo darco armado:O co de trs gargantas, que na eternaConfuso infernal est fechado,No louve o brao de Hrcules Tebano.Pois procede Albuquerque soberano.

    XXVI

    Vejo (diz o bom velho) que, na mente,

    O tempo de Saturno renovado,

    E a opulenta Olinda florescente

    Chegar ao cume do supremo estado.

    Ser de fera e belicosa gente

    O seu largo destricto povoado;

    Por nome ter Nova Lusitnia,Das Leis isenta da fatal insnia.

    XXVII

    As rdeas ter desta LusitniaO gro Duarte, valeroso e claro,Coelho por cognome, que a insniaReprimir dos seus, com saber raro.

    Outro Troiano Pio, que em Dardnia

  • Os Penates livrou e o padre caro;

    Um Pblio Cipio, na continncia;Outro Nestor e Fbio, na prudncia.

    XXVIII

    O brao invicto vejo com que amansaA dura cerviz brbara insolente,Instruindo na F, dando esperanaDo bem que sempre dura e presente;Eu vejo co rigor da tesa lanaAcossar o Francs, impacienteDe lhe ver alcanar ua victriaTo capaz e to digna de memria.

    XXIX

    Ter o varo Ilustre da consorte,Dona Beatriz, preclara e excelente,

    Dous filhos, de valor e dalta sorte.Cada qual a seu Tronco respondente.

    Estes se isentaro da cruel sorte,Eclipsando o nome Romana gente,De modo que esquecida a fama velha

    Faam arcar ao mundo a sobrancelha.

    XXX

    O Princpio de sua PrimaveraGastaro seu destricto dilatando,Os brbaros cruis e gente Austera,Com meio singular, domesticando.

    E primeiro que a espada lisa e fera

    Arranquem, com mil meios damor brando,Pretendero tir-la de seu erro,

  • E seno poro tudo a fogo e ferro.

    XXXI

    Os braos vigorosos e constantesFendero peitos, abriro costados,Deixando de mil membros palpitantes

    Caminhos, arraiais, campos juncados;

    Cercas soberbas, fortes repugnantes

    Sero dos novos Martes arrasados,Sem ficar deles todos mais memriaQue a queu fazendo vou em esta Histria.

    XXXII

    Quais dous soberbos Rios espumosos,

    Que, de montes altssimos manando,Em Ttis de meter-se desejosos,Vem com fria crescida murmurando,E nas partes que passam furiosos

    Vem rvores e troncos arrancando,Tal Jorge dAlbuquerque e o gro DuarteFaro destruio em toda a parte.

    XXXIII

    Aquele branco Cisne venerando,

    Que nova fama quer o Ceo que merque,

    E me est com seus feitos provocando,Que dele cante e sobre ele alterque;

    Aquele que na Idea estou pintando,

    Hiernimo sublime dAlbuquerqueSe diz, cuja inveno, cujo artifcioAos brbaros dar total excio.

  • XXXIV

    Deste, como de Tronco florescente,

    Nascero muitos ramos, que esperanaPrometero a todos geralmenteDe nos beros do Sol pregar a lana.Mas, quando virem que do Rei potente

    O pai por seus servios no alcanaO galardo devido e glria digna,Ficaro nos alpendres da Piscina.

    XXXV

    sorte to cruel, como mudvel,Por que usurpas aos bons o seu direito?

    Escolhes sempre o mais abominvel,Reprovas e abominas o perfeito,

    O menos digno fazes agradvel,O agradvel mais, menos aceito. frgil, inconstante, quebradia,Roubadora dos bens e da justia!

    XXXVI

    No tens poder algum, se houver prudncia;No tens Imprio algum, nem Majestade;Mas a mortal cigueira e a demnciaCo ttulo te honrou de Dedade.O sbio tem domnio na influnciaCeleste e na potncia da vontade,E se o fim no alcana desejado, por no ser o meio acomodado.

    XXXVII

    Este meio faltar ao velho invicto,

  • Mas no cometer nenhum defeito,Que o seu calificado e alto esprito

    Lhe far a quanto deve ter respeito.Aqui Balisrio, e Pacheco aflicto,Cerra com ele o nmero perfeito.Sobre os trs, a dvida se excita:Qual foi mais, se o esforo, se a desdita?

    XXXVIII

    Foi o filho de Anquises, foi Acates,

    regio do Caos litigioso,Com ramo douro fino e de quilates,Chegando ao campo Elseo deleitoso.Quo mal, por falta deste, a muitos trates( sorte!) neste tempo trabalhoso,Bem claro no-lo mostra a experinciaEm poder mais que a justia a aderncia.

    XXXIX

    Mas deixando (dizia) ao tempo avaro

    Cousas que Deos eterno e ele cura,

    E tornando ao Presgio novo e raro,Que na parte mental se me figura,

    De Jorge dAlbuquerque, forte e claro,A despeito direi da enveja pura,

    Pera o qual monta pouco a culta Musa,

    Que Menio em louvar Aquiles usa.

    XL

    Bem sei que, se seus feitos no sublimo, roubo que 1he fao mui notvel;Se o fao como devo, sei que imprimoEscndalo no vulgo varivel.

  • Mas o dente de Zoilo, nem Minimo,

    Estimo muito pouco, que agradvel impossvel ser nenhum que cantaProezas de valor e glria tanta.

    XLI

    U a cousa me faz dificuldadeE o esprito proftico me cansa,A qual ter no vulgo autoridadeS aquilo a que sua fora alcana.Mas, se um caso raro, ou novidadeDas que, de tempo em tempo, o tempo lana,Tal crdito lhe do, que me lastimaVer a verdade o pouco que se estima."

    XLII

    E prosseguindo (diz: "que Sol luzente

    Vem douro as brancas nuvens perfilando,Que est com brao indmito e valenteA fama dos antigos eclipsando;

    Em quem o esforo todo juntamenteSe est como em seu centro tresladando? Jorge d'Albuquerque mais invictoQue o que desceo ao Reino de Cocito.

    XLIII

    Depois de ter o Brbaro difusoE roto, as portas fechar de Jano,

    Por vir ao Reino do valente Luso

    E tentar a fortuna do Oceano."

    Um pouco aqui Proteu, como confuso,

    Estava receando o grave dano,

    Que havia de acrescer ao claro Heri

  • No Reino aonde vive Cimotoe.

    XLIV

    "Sei mui certo do fado (prosseguia)

    Que trar o Lusitano por designoEscurecer o esforo e valentiaDo brao Assrio, Grego e do Latino.Mas este pressuposto e fantasia

    Lhe tirar de enveja o seu destino,Que conjurando com os Elementos

    Abalar do Mar os fundamentos.

    XLV

    Porque Lmnio cruel, de quem descendeA Brbara prognie e insolncia,Vendo que o Albuquerque tanto ofende

    Gente que dele tem a descendncia,Com mil meos ilcitos pretendeFazer irreparvel resistnciaAo claro Jorge, baroil e forte,

    Em quem no dominava a vria sorte.

    XLVI

    Na parte mais secreta da memria,Ter mui escripta. impressa e estampadaAquela triste e maranhada Histria,Com Marte, sobre Vnus celebrada.Ver que seu primor e clara glriaH de ficar em Lete sepultada,Se o brao Portugus victria alcanaDa nao que tem nele confiana.

    XLVII

  • E com rosto cruel e furibundo,

    Dos encovados olhos cintilando,

    Frvido, impaciente, pelo mundoAndar estas palavras derramando":- Pde Nictlio s no Mar profundoSorver as Naus Menias navegando,No sendo mor Senhor, nem mais possanteNem filho mais mimoso do Tonante?

    XLVIII

    E pde Juno andar tantos enganos,Sem razo, contra Tria maquinando,E fazer que o Rei justo dos Troianos

    Andasse tanto tempo o Mar sulcando?

    E que vindo no cabo de dez anos,

    De Cila e de Carbdis escapando,Chegasse desejada e nova terra,E co Latino Rei tivesse guerra?

    XLIX

    E pde Palas subverter no PontoO filho de Oileu per causa leve?

    Tentar outros casos que no contoPor me no dar lugar o tempo breve?E que eu por mil razes, que no aponto,A quem do fado a lei render se deve,

    Do que tenho tentado j desista,E a gente Lusitana me resista?

    L

    Eu por ventura sou Deus indigete,

    Nascido da prognie dos humanos,Ou no entro no nmero dos sete,

  • Celestes, imortais e soberanos?

    A quarta Esfera a mim no se comete?No tenho em meu poder os Centimanos?Jove no tem o Ceo? O Mar, Tridente?Pluto, o Reino da danada gente?

    LI

    Em preo, ser, valor, ou em nobreza,Qual dos supremos mais queu altivo?Se Neptuno do Mar tem a braveza,

    Eu tenho a regio do fogo activo.Se Dite aflige as almas com crueza,

    E vs, Ciclopes trs, com fogo vivo,Se os raios vibra Jove, irado e fero,

    Eu na forja do monte lhos tempero.

    LII

    E com ser de to alta Majestade,No me sabem guardar nenhum respeito?E um povo to pequeno em quantidadeTantas batalhas vence a meu despeito?

    E que seja agressor de tal maldade

    O adltero lascivo do meu leito?No sabe que meu ser ao seu precede,E que prend-lo posso noutra rede?

    LIII

    Mas seu intento no por no fito,Por mais que contra mim o Ceo conjure,

    Que tudo tem em fim termo finito,

    E o tempo no h cousa que no cure.Moverei de Neptuno o gro districtoPera que meu partido mais segure,

  • E quero ver no fim desta jornada

    Se val a Marte escudo, lana, espada.

    LIV

    "Estas palavras tais, do cruel peito,

    Soltar dos Ciclopes o tirano,As quais procurar pr em efeito,s cavernas descendo do Oceano.E com mostras damor brando e aceito,De ti, Neptuno claro e soberano,

    Alcanar seu fim: o novo jogo,Entrar no Reino dgua o Rei do fogo.

    LV

    Logo da Ptria Elia viro ventos,Todos como esquadro mui bem formado,Euro, Noto os Martimos assentosTero com seu furor demasiado.Far natura vrios movimentos,O seu Caos repetindo j passado,De sorte que os vares fortes e vlidosDe medo mostraro os rostos plidos.

    LVI

    Se Jorge dAlbuquerque soberano,Com peito juvenil, nunca domado,

    Vencer da Fortuna e Mar insanoA braveza e rigor inopinado,

    Mil vezes o Argonauta desumano,

    Da sede e cruel fome estimulado,

    Urdir aos consortes morte dura,Pera dar-lhes no ventre sepultura.

    LVII

  • E vendo o Capito calificadoEmpresa to cruel e to inica,Per meio mui secreto, acomodado,

    Dela como convm se certifica.E, d a graa natural ornado,Os peitos alterados edifica,

    Vencendo, com Tuliana eloqncia,Do modo que direi, tanta demncia."

    LVIII

    - Companheiros leais, a quem no Coro

    Das Musas tem a fama entronizado,

    No deveis ignorar, que no ignoro,Os trabalhos que haveis no Mar passado.

    Respondestes te gora com o foro,Devido a nosso Luso celebrado,

    Mostrando-vos mais firmes contra a sorte

    Do que ela contra ns se mostra forte.

    LIX

    Vs de Cila e Carbdis escapando,De mil baixos e sirtes arenosas,

    Vindes num lenho cncavo cortandoAs inquietas ondas espumosas.

    Da fome e da sede o rigor passando,

    E outras faltas em fim dificultosas,

    Convm-vos aquirir a fora nova,Que o fim as cousas examina e prova.

    LX

    Olhai o grande gozo e doce glriaQue tereis quando, postos em descanso,

    Contardes esta larga e triste histria,

  • Junto do ptrio lar, seguro e manso.Que vai da batalha a ter victria,O que do Mar inchado a um remanso,

    Isso ento haver de vosso estadoAos males que tiverdes j passado.

    LXI

    Per perigos cruis, per casos vrios,Hemos dentrar no porto Lusitano,E suposto que temos mil contrriosQue se parcialidam com Vulcano,

    De nossa parte os meios ordinriosNo faltem, que no falta o Soberano,Poupai-vos pera a prspera fortuna,E, adversa, no temais por importuna.

    LXII

    Os hericos feitos dos antigosTende vivos e impressos na memria:Ali vereis esforo nos perigos,Ali ordem na paz, digna de glria.Ali, com dura morte de inimigos,

    Feita imortal a vida transitria,Ali, no mor quilate de fineza,

    Vereis aposentada a Fortaleza.

    LXIII

    Agora escurecer quereis o raio

    Destes Bares to claros e eminentes,Tentando dar princpio e dar ensaioA cousas temerrias e indecentes.Imprimem neste Peito tal desmaio

    To graves e terrbeis acidentes

  • Que a dor crescida as foras me quebranta,E se pega a voz dbil garganta.

    LXIV

    De que servem proezas e faanhas,E tentar o rigor da sorte dura?

    Que aproveita correr terras estranhas,

    Pois faz um torpe fim a fama escura?

    Que mais torpe que ver uas entranhas

    Humanas dar a humanos sepultura,

    Cousa que a natureza e lei empede,

    E escassamente s Feras s concede.

    LXV

    Mas primeiro crerei que houve Gigantes

    De cem mos, e da Me Terra gerados,E Quimeras ardentes e flamantes,

    Com outros feros monstros encantados;

    Primeiro que de peitos to constantesVeja sair efeitos reprovados,

    Que no podem (falando simplesmente)Nascer trevas da luz resplandecente.

    LXVI

    E se determinais a cega friaExecutar de to feroz intento,A mim fazei o mal, a mim a injria,Fiquem livres os mais de tal tormento.

    Mas o Senhor que assiste na alta CriaUm mal atalhar to violento,Dando-nos brando Mar, vento galerno,

    Com que vamos no Minho entrar paterno.

  • LXVII

    "Tais palavras do peito seu magnnimoLanar o Albuquerque famosssimo,Do soldado remisso e pusilnimo,Fazendo com tal prctica fortssimo.E assim todos concordes, e num nimo,Vencero o furor do Mar bravssimo,At que j a Fortuna, denfadada,Chegar os deixe a Ptria desejada.

    LXVIII

    Cidade de Ulisses destroadosChegaro da Fortuna e Reino salso,Os Templos visitando Consagrados,

    Em procisso, e cada qual descalo.Desta maneira ficaro frustradosOs pensamentos vos de Lmnio falso,Que o mau tirar no pode o benefcioQue ao bom tem prometido o Ceo propcio.

    LXIX

    Neste tempo Sebasto Lusitano,

    Rei que domina as guas do gro Douro,Ao Reino passar do Mauritano,E a lana tingir em sangue Mouro;O famoso Albuquerque, mais ufano

    Que Iason na conquista do veo douro,E seu Irmo, Duarte valeroso,Iro co Rei altivo, Imperioso.

    LXX

    N a Nau, mais que Pstris, e Centauro,E que Argos venturosa celebrada,

  • Partiro a ganhar o verde Lauro regio da secta reprovada.E depois de chegar ao Reino Mauro,

    Os dous irmos, com lana e com espada,Faro nos Agarenos mais estragoDo que em Romanos fez o de Cartago.

    LXXI

    Mas, ah! nvida sorte, quo incertosSo teus bens e quo certas as mudanas;Quo brevemente cortas os enxertosA as mal nascidas esperanas.Nos mais riscosos trances, nos apertos,

    Antre mortais pelouros, antre lanas,Prometes triunfal palma e victria,Pera tirar no fim a fama, a glria.

    LXXII

    Assim suceder nesta batalhaAo mal afortunado Rei ufano,

    A quem no valer provada malha,Nem escudo dobreiros de Vulcano.Porque no tempo que ele mais trabalha

    Victria conseguir do MauritanoNum momento se v cego e confuso,E com seu esquadro roto e difuso".

    LXXIII

    Anteparou aqui Proteu, mudando

    As cores e figura monstruosa,

    No gesto e movimento seu mostrando

    Ser o que h de dizer cousa espantosa.E com nova eficcia comeando

  • A soltar a voz alta e vigorosa,

    Estas palavras tais tira do peito,

    Que cofre de proftico conceito:

    LXXIV

    "Antre armas desiguais, antre tambores

    De som confuso, rouco e redobrado,

    Antre cavalos bravos corredores,

    Antre a fria do p, que salitrado;Antre sanha, furor, antre clamores,

    Antre tumulto cego e desmandado,

    Antre nuvens de setas Mauritanas,

    Andar o Rei das gentes Lusitanas.

    LXXV

    No animal de Neptuno, j cansadoDo prolixo combate, e mal ferido,

    Ser visto por Jorge sublimado,Andando qusi fora de sentido.O que vendo o grande Albuquerque ousado,

    De to trgico passo condodo,Ao peito fogo dando, aos olhos gua,Tais palavras dir, tintas em magoa":

    LXXVI

    - To infelice Rei, como esforado,Com lgrimas de tantos to pedido,Com lgrimas de tantos alcanado,Com lgrimas do Reino, em fim perdido.Vejo-vos co cavalo j cansado,A vs, nunca cansado, mas ferido,Salvai em este meu a vossa vida,

    Que a minha pouco vai em ser perdida.

  • LXXVII

    Em vs do Luso Reino a confianaEstriba, como em base s, fortssimo;Com vs ficardes vivo, seguranaLhe resta de ser sempre florentssimo.Antre duros farpes e Maura lana,Deixai este vassalo fidelssimo,Que ele far por vs mais que ZopiroPor Dario, at dar final suspiro.

    LXXVIII

    "Assim dir o Heri, e com destrezaDeixar o genete velocssimo,E a seu Rei o dar: PortuguesaLealdade do tempo florentssimo!O Rei Promete, se de tal empresa

    Sai vivo, o far senhor grandssimo,Mas te nisto lhe ser avara a sorte,Pois tudo cubrir com sombra a morte.

    LXXIX

    Com lgrimas damor e de brandura,De seu Senhor querido ali se espede,

    E que a vida importante e mal segura

    Assegurasse bem, muito lhe pede,

    Torna batalha sanguinosa e dura,O esquadro rompe dos de Mafamede,Lastima, fere, corta, fende, mata,

    Decepa, apouca, assola, desbarata.

    LXXX

    Com fora no domada e alto brio,

  • Em sangue Mouro todo j banhado,Do seu vendo correr um caudal Rio,

    De giolhos se ps, debilitado.Ali dando a mortais golpes desvio,

    De feridas medonhas trespassado,

    Ser captivo, e da proterva genteManiatado em fim mui cruelmente.

    LXXXI

    Mas adonde me leva o pensamento?

    Bem parece que sou caduco e velho,

    Pois sepulto no Mar do esquecimento

    A Duarte sem par, dicto Coelho.

    Aqui mister havia um novo alento

    Do Poder Divinal e alto Conselho,

    Porque no hai quem feitos tais presumaA termo reduzir e breve suma.

    LXXXII

    Mas se o Ceo transparente e alta CriaMe for to favorvel, como espero,Com voz sonora, com crescida fria,Hei de cantar Duarte e Jorge fero.

    Quero livrar do tempo e sua injriaEstes claros irmos, que tanto quero,Mas, tornando outra vez a triste Histria,Um caso direi digno de memria.

    LXXXIII

    Andava o novo Marte destruindo

    Os esquadres soberbos Mauritanos,Quando sem tino algum viu ir fugindo

    Os tmedos e lassos Lusitanos.

  • O que de Pura mgoa no sufrindoLhe diz"; - Donde vos is, homens insanos?

    Que digo: homens, esttuas sem sentido,Pois no sentis o bem que haveis perdido?

    LXXXIV

    Olhai aquele esforo antigo e puroDos nclitos e fortes Lusitanos,Da Ptria e liberdade um firme muroVerdugo de arrogantes Mauritanos;

    Exemplo singular pera o futuro

    Dictado, e resplandor de nossos anos,

    Subjeito mui capaz, matria dignaDa Mantuana e Homrica Buzina.

    LXXXV

    Ponde isto por espelho, por treslado,

    Nesta to temerria e nova empresa.Nele vereis que tendes j manchadoDe vossa descendncia a fortaleza. batalha tornai com peito ousado,Militai sem receo, nem fraqueza,

    Olhai que o torpe medo CrocodiloQue custuma, a quem foge, persegui-lo.

    LXXXVI

    E se o dito a tornar vos no compele,Vede donde deixais o Rei sublime?

    Que conta haveis de dar ao Reino dele?

    Que desculpa ter, to grave crime?Quem haver que por traio no seleUm mal que tanto mal no mundo imprime?

    Tornai, tornai, invictos Portugueses,

  • Cerceai malhas e fendei arneses.

    LXXXVII

    "Assim dir: mas eles sem respeito honra e ser de seus antepassadosCom plido temor no frio peito,Iro per vrias partes derramados.Duarte, vendo neles tal defeito,

    Lhe dir": - Coraes efeminados,L contareis aos vivos o que vistes,Porque eu direi aos mortos que fugistes.

    LXXXVIII

    "Neste passo carrega a Maura foraSobre o Baro insigne e velicoso;Ele, onde v mais fora, ali se esfora,Mostrando-se no fim mais animoso.

    Mas o fado, que quer que a razo tora.O caminho mais recto e proveitoso,

    Far que num momento abreviadoSeja captivo, preso e mal tratado.

    LXXXIX

    Eis ambos os irmos em captiveiro.De Peitos to protervos e obstinados,Por cpia inumervel de dinheiroSero (segundo vejo) resgatados.Mas o resgate e preo verdadeiro,Por quem os homens foram libertados,

    Chamar neste tempo o gro Duarte,Pera no claro Olimpo lhe dar parte.

    XC

    Alma to ditosa como pura,

  • Parte a gozar dos dotes dessa glria,Donde ters a vida to segura,Quanto tem de mudana a transitria!Goza l dessa luz que sempre dura;No mundo gozars da larga histria,Ficando no lustroso e rico Templo

    Da Ninfa Gigantea por exemplo.

    XCI

    Mas, enquanto te do a sepultura,Contemplo a tua Olinda celebrada,

    Cuberta de fnebre vestidura,Inculta, sem feio, descabelada.Quero-a deixar chorar morte to duraT que seja de Jorge consolada,Que por ti na Ulissea fica em pranto,

    Em quanto me disponho a novo Canto.

    XCII

    No mais, esprito meu, que estou cansado,Deste difuso, largo e triste Canto,

    Que o mais ser de mim depois cantadoPer tal modo, que cause ao mundo espanto.

    J no balco do Ceo o seu toucadoSolta Vnus, mostrando o rosto Sancto;Eu tenho respondido co mandado

    Que mandaste Neptuno sublimado".

    XCIII

    Assim diz; e com alta Majestade

    O Rei do Salso Reino, ali falando,

    Diz: - Em satisfao da tempestadeQue mandei a Albuquerque venerando,

  • Pretendo que a mortal Posteridade

    Com Himnos o ande sempre sublimando,

    Quando vir que por ti o foi primeiro,

    Com fatdico esprito verdadeiro.

    ndice

    EPLOGO

    XCIV

    Aqui deu [fim] a tudo, e brevemente

    Entra no Carro [de] Cristal lustroso;

    Aps dele a demais Cerlea genteCortando a vea vai do Reino acoso.

    Eu que a tal espetculo presenteEstive, quis em Verso numeroso

    Escrev-lo por ver que assim convinhaPera mais Perfeio da Musa minha.

    -FIM-

    ndice

    Soneto per ecos, ao mesmo Senhor Jorge dAlbuquerque Coelho

    Gran Jorge, por su ser llamado - Amado,

    Querer mi Verso celebrarte, - Arte

    Ni cuanto el Cielo ac reparte, - ParteMenor, dirn, de tu sagrado - Grado;

  • Por lo que has con valor sobrado - Obrado,

    Se ocupa siempre en sublimarte - Marte,

    Y para en algo acomodarte, - Darte

    Quiso tan alto y recuestado - Estado;

    Tu eres la gloria y la columna, - Luna

    De Lusitania y refulgente - Gente,

    Por quien llamarse venturosa - Osa;

    Y el Cielo que tal don consiente, - Siente

    Que te dio por suerte oportuna - Una

    Seora excelsa y grandiosa - Diosa.

    LAVS DEO