benjamin, w. documentos de cultura, documentos de barbárie

196

Upload: ana-claudia-silva-silva

Post on 25-Nov-2015

82 views

Category:

Documents


15 download

TRANSCRIPT

  • WALTER BENJAMIN

    DOCUMENTOS DE CULTURA

    DOCUMENTOS DE BARBRIE(EscritosEscolhidos)

  • B416d

    861483

    DadosdeCatalogaonaPublicao(CIP) Internacional(CmaraBrasileiradoUvro.SP.Brasil)

    Benjamin.Walter,18921940.Documentosde cultura.documentosdebarbrie: escritos

    escolhidosI seleoe apresentaoWilli Bolle ; traduoCelesteH.M. RibeirodeSousa... Ietal.1.- SoPaulo:Cultrix :EditoradaUniversidadedeSoPaulo.1986.

    1.Alemanha- Histria- 1918-19332.Filosofiaalem3.Literaturaalem- Histriae critica 4. Poltica e cultura LBolle,Willi. lI. Ttulo,

    CDD830.9193.306.943.085

    fndicesparacatlogosistemtico:

    1. Alemanha:Filosofia1932. Alemanha:Histria.19181933943.0853. Culturaepoltica: Aspectossociais3064. Filsofosalemes1935. Literaturaalem:Histriaecrtica 830.96. Polticae cultura: Aspectossociais306

  • DEDALUS - Acervo - FFLCH-LEDocumentosde cultura,documentosde barbarieI

    \ \\\\\\ \\\\\ \\\1\ \\\1\\\\\\ \\\\11\\1\ \\\1\ 1111\\11\1\1\1\\\1\\111

    21300058831

    WALTER BENJAMIN

    DOCUMENTOS DE CULTURADOCUMENTOS DE BARBRIE

    (EscritosEscolhidos)

    Seleoeapresentao

    WILLI BOLLE

    Traduo

    CELESTE H. M. RIBEIRO DE SOUSACHRISTL BRINKCRISTINA C. ALBERTSELOA DE PIERRO HEISEILKA ROTHIRENE ARONMARGOT PETRY MALN IC

    MARION FLEISCHERMARIZA MIRANDARENY HERNANDESRUTH MAYERRUTH RHLSIDNEY CAMARGOWILLI BOLLE

    SBD-FFLCH-USP

    \\I~IIII\~~~\\~ij!i\11\\1

    EDITORA CULTRIX

    SoPaulo

    EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO

  • Apresentao

    SUMRIO

    PARTE I

    HISTRIA LITERRIA A CONTRAPELO

    9

    1. AlegoriaeDramaBarroco 17Smboloe alegoriano Classicismo.Smboloe alegoriano Romantismo.Origemda alegoriamoderna.Exemplosecomprovantes.Antinomiasdaalegorese.A runa. Perda alegricada alma.FragmentaOalegrica.

    2. Goethe 41

    3. O queosAlemesLiam, EnquantoSeusClssicosEscreviam 63

    4. DoisTiposdePopularidade 85Observaesbsicassobreumaradiopea

    5. A Teoriado ConhecmentoArtsticonaPrimeiraFasedo Romantismo 87,

    PARTE II

    O CRTICO MILITANTE

    CENA SOVltTICA

    6. O AgrupamentoPoltico dosEscritoresnaUnioSovitica

    -7. NovaLiteraturanaRssia

    CENA PARISIENSE

    8. O Sur:ealismo #O Ultimo InstantneodaIntelignciaEuropia

    97

    101

    106

  • CENA ALEM

    9. PolitizaodaInteligncia116

    10. BertBrecht121

    11.CrisedoRomance

    12612.

    Teoriasdo FascismoAlemo130

    13.MelancoliadeEsquerda 138

    14.

    O Erro doAtivismo142

    15.StefanGeorgeemRetrospectiva 144

    PARTE lI!

    DOCUMENTOS DE CULTURA - DOCUMENTOS DE BARBRIE

    16. A Vida dosEstudantes

    17. CriticadaViolncia- CriticadoPoder

    18. PensamentoseVisesdeumDecapitado

    19. NervosSadios

    151

    160

    176

    179

    20. ImagensdoPensamento 182O caminhoparao sucessoemtrezeteses.Comida:figosfrescos.Comi.da: omeletede amoras.O carterdestrutivo.Revelaessobreo coelhoda Pscoaou: A arte de esconder.Belo pavor.Haxixeem Marselha.

    21. ExperinciaePobreza

    22. A Viagemdo "Mascot"

    195

    199

  • APRESENTAO

    EstanoapenasmaisumaantologiadosescritosdeWalterBenjamin- entreosmaisdevintepublicadosaqui,quinzesoinditosemportugus-, massobretu-do um livro de leiturassobreHistriacontempornea.Um arranjode textosquefocalizamquestesde poltica culturala partirda experinciavividada Repblicade Weimare de sua metrpole,a Berlimdos anos 1920.A idia que norteou aescolhafoi a deagrupardiversostrabalhosdeBenjaminemtomo detrsncleosdesuaatividadeintelectual:

    I. Com a primeiraparte, intitulada,segundoumaexpressobenjaminiana,"HISTRIA LITERRIA A CONlRAPELO", se abreuma moldura tericaquequestionaa tradioe o patrimnioculturalliterrio.O pontodepartidaa expe-rinciada I GuerraMundial,emqueseviulanadaa geraodeBenjamin,napocacomvinteepoucosanos.O quesignificava,nessecontexto,o legadodohumanismoclssicoensinadonas escolas?Repblicade "Weimar",o nomeoficial do Estadoalemoa partir de 1919,denotaumaintenode restauraros valoresdo Classicis-mo, o legadode Schillere Goethe,comosetivessempermanecidoinclume~.Con-traessaatitude,Benjaminmobilizaumaoutratradio,recalcada:a do Barroco,emquea violnciahistricanoeracamut1adasobteoriasestticasharmoniosase, sim,ostentada."Alegoria e dramabarroco" umcaptulocentralde suatesede livre-docncia,Origemdo dramabarrocoalemo,ondeo autor - luz dasvanguardasdosanos1920- mostraa vinculaodasquestesestticascomaspolticas:a ale-goriaconstituia pea-chavedeumahistriapolticadaescrita,quevaidesdea clas-sesacerdotaldo Egito antigoata burocraciaeclesisticae mundanado Absohltis-moe,delparac,ata administraodo Estadomoderno.

    Rompendocomaperspectivatradicional,quemonomentalizavao Classicismoatribuindo-lheperenesvaloresinquestionveis,Benjamin,no artigo"Goethe", abor-da a "figura mxima" da literaturaalema partir do projeto de politizaodosescritoresdosanos 1920.O artigo,encomendadopelaGrandeEnciclopdiaSoviti-ca(queacabouincorporandoapenasalgunstrechos),ofereceumasntesedavidaeobradeGoethe luz da histriada burguesiae dalutadeclasses.O subtextopol-tico soas revoluesde 1789e 1917,comasquaisBenjaminconfrontaa malo-gradarevoluoalemde 1918.Em relaoaosdoispasesvizinhos,Franae UnioSovitica,Benjaminverificana Alemanhaumatrasodeculturapoltica e aprendi-zagemda democracia.Nessesentido, lembradoo posicionamentoextemporneode Goethe:principalporta-vozdo SturmundDrang,movimentode emancipaoliterrio-culturalda burguesia,eleacabouoptandopor um cargovitalcioaservio

    9

  • daantigaclassedominante. o queBenjamintemecomrelaohlridaRepbli-ca de Weimar;que as aspiraese os projetosdemocrticosacabemsuplantadospelojogo depodereaspraxesautoritriasherdadasdo tempodo Imprio.

    O texto seguinte,intituladoironicamente"O queos alemesliam,enquantoseusclssicosescreviam",apresentaa tradioa partir de umasociologiadopbli-co e do mercado.A tesesubjacente que,naverdade,s6umafaixamnimado p-blico leitor na pocase interessavapelosclssicose que seuverdadeirointeresseestavavoltadopara obrasmaisprximasde seusdesejose necessidadese escritasnumalinguagemmaisacessvel:almanaques,manuais,romancesde aventuras,deamor,de terror.A formaescolhidaparaveicularessascrticas um modeloradio-fnico (transmitidopela Rdio de Frankfurtem 1932).Num ensaiocomplementar, "Dois tipos de popularidade",Benjaminesclarecequeo fenmenodadivulga-o no consistesimplesmenteem retirarde um texto especializadoasprincipaisdificuldades,aplanandoa informao.O surgimentodanovaculturademassa(ope-rariadoe classemdia),toma necessrioreveros cdigosda culturaburguesadeeliteluz deconcepesnovasdepopularizaodahistria.

    Para se entendera funodo texto "A teoriado conhecimentoartsticonaprimeirafasedo Romantismo"(umcaptulodatesededoutoramentodeBenjamin,O conceitode crtica de arteno Romantismoalema),podeantecipar-seaquiumareflexodo penltimoensaio("Experinciae pobreza"):"Qual o valorde todo onossopatrimniocultural,seaexperincianoo vinculaans?" No casoconcreto,isto querdizer queBenjaminestudoua tradio- acrticapoticaeadivinhatriade FriedrichSchlegele Novalis- paraforjarum instrumentocomo qualiria desa-fiaracrticaliterriado seutempo,consideradapor elecomodecadente.

    11.A segundaparte,pois,umaamostradaatividadedeBenjamincomo"OCRITICO MILITANTE"; soartigospublicadosentre 1926e 1933,quandoelega-nhavaa vida como crtico do LiterarischeWelt,suplementoliterrio de um dosgrandesjornais liberaisda RepblicadeWeimar,ecolaboradordevriosoutrosjor-

    naise revistas.AmaiorparteJiascIicasJxaw.'a de livros de autO-resalemes,mas~roIdo-com--Q--mtodo_b.enjamffii.:m.QgeyaliarcOrnparativameE:!~.a produoliterriade seupas, foramincorporadosalgunstextosseussobreliteraturarussaefrancesa,ondeocorrerammudanasdecisivasquepermitemavaliarmelhorosrumosdaliteraturaalemdapoca.

    Assim, antesde abordara cenaliterriaalemnos anosde crise1929a 33,travamoscontatocom ascenasliterriassoviticae parisiense.Paraos intelectuaisalemesde esquerda,nos anos 1920,a "viagemde formao",aBildungsreise,jno se destinava Itlia clssica,e sim capitalda recm-constitudaURSS. Deumaestadade BenjaminemMoscou,em1926/27,temososensaios"O agrupamen-to poltico dos escritoresna UnioSovitica"e "Nova literaturana Rssia",quecontamentreos primeirosa informaro pblicoocidentalsobreasmudanasocor-ridasdepoisda Revoluode 1917naculturadaquelepas.Em primeiroplanoapa-recemas lutas entreasdiversasconcepesdeumaliteraturaproletria-revolucio-nria,em queganhammaior relevnciaasposiesdo proletkult, do trotskismoeda ortodoxiapartidria,a qualacabariaimpondo,em 1932,asdiretrizesdo Realis-mosocialista.

    Se a Unio Soviticaforneceua Benjamino modelode umarevoluo,emquea poltica tem o primadosobrealiteraturae acultura,eleobservano Surrealis-

    10

  • mo francs perspectivainversa:a mobilizaode energiaspoticasque deveminterferirna prxispoltica. "Conquistaras forasdo xtaseparaa revoluo"-eis a palavrade ordemdessemovimentode vanguardaque tentaunir o idealdeliberdadeanrquicado artistacoma disciplinapolticanecessriaparatransformarinstituies.Nessaencruzilhadaterica,Benjaminflagra"o ltimo instantneodaintelignciaeuropia".A buscade um conceitodeprxiso levaa postularcomotarefaespecficado artistaa conquistae transformaodo "espaoimagtico".

    O que significariaisso, concretamente,paraa literaturaalemdo perodo?Entredezenasde resenhasforamescolhidossetetextossubordinadosaotemageral"Politizaoda inteligncia"- um paineldasprincipaisposiesartstico-ideol-gicasdosescritoresna RepblicadeWeimar.Face gravecriseeconnca,polti-cae ticaqueabalouo pas nos anos1929a 33,o escritortinhaqueseposicionardiantedo seupblico,com umadeterminadaescolhadevalores,nomaisexclusi-vamenteesttico-literrios.O livro deKracauer,Os empregados,resenhadono pri-meirodessestextos, um retratofisiognmicodeBerlimsobo prismadanovacul-turadaclassemdiaemergente.Umaatuaodoescritornoespaoimagtico,name-didaemquemostraa ideologiadessaclasseatravsdesuasimagensrecalcadas,on-ricase mnemnicas;cmlancessatricosimplacveis,porexemplo,quandofaladacapacidadeespantosada classemdiade "adaptaoao ladohumanamenteindig-no daordematual".

    . Entreos vriosensaiosqueBenjaminescreveusobreBrecht,foi escolhidooprimeiro,cronologicamentefalando;no s porqueaquisetratademaisum dosrarosexemplosdecrtica radiofnica,mas,principalmente,porquefocalizaa estra-tgiapoticadesse.escrito!"operacional",consideradopor Benjamincomomode-lar. Brechtquestionao humanismofIlantrpico,idealista,luz dasmanifestaesdebarbriena sociedadecontempornea,ondeobserVasatiricamente"o direitoge-ral deserpobre"e a aodoshooligans,incorporadoscotnoprotagonistasssuaspeas.O conceitode "obra literria" fica postergadoemprol do valorde uso deumaliteraturaembuscademodelospolticos.

    A resenha"Crise do romance"analisaa obraBerlinAlexanderplatz,de Do-blin, autorfascinado,como Kracauer,pelo fenmenodametrpolemoderna.Ela mostrada,comoemBrecht,da perspectivado crime.Tendoestreadono Expres-sionismoe contandoentreseusseguidoresnacultura.alematualcom umafigura to proeminentecomo Gnter Grass(semfalar de Fassbinderque filmou a suaobra),Diblin o tipo do escritorem queBenjaminapontaincongrunciasentreum arrojadoprojetoestilsticoe umaviso"burguesa"queaprisionaa experimen-taoliterria,aonveldatramae da"moral"transmitida.

    "Teoriasdo fascismoalemo",comentriodeumacoletneaorganizadaporErnst Jngersobreo temaGuerraeguerreiros,permitecompreendero fenmenodo nazifascismoa partir de um tpico estratgico.A exploraoda experinciatraumticada guerra,por]nger e seuscorreligionrios,soba perspectivasimult-neadeumheroismomtico e do culto da tecnologia,analisadaporBenjaminco-mo subordinadaa uma lgicacoerentedosdonosdo capital. luz da celebraodosvaloresblicos,a metrpolemodernaserevelaumapraadeguerra,ondea dis-tinoentrepopulaocivil e combatentetendea serabolida,e ondebandosdemercenriosdesempregadostomaram-sedisponveis"guerreirosfascistasnaluta de

    11

  • classes",apreciadospelos "magnatasdasfmanase da inflao"quandoestesco-meama "duvidardoEstadocomoprotetordeseusbens".

    Os altosemdiosfuncionriasdecalarinhobrancaaparecemnaticadeBen-jamin, quandaexamina,em "Melancaliade esquerda",a pblicaleitor(ecompra-dor) de Erich Kltstner.O crtico apontaumaatitudeservildesseautorcomrelaoa seupblico,desmascarandoumapasturade pseudo-"esquerda":a de "canverterreflexasrevalucianriasem abjetasdedistraoecansumo".O credadessetipa deliteratasseriaa sucessocamercial;seudolo: a moda;seuestadadeesprita:amelancaliaea nillismopoltica dassaturados.

    Outra invectivade Benjaminse dirigecantraumaintelignciaque "flutua"na espaaa-histrico,da qualseriaumexemplaKurt Hiller,principalparta-vazda"Ativisma". Nele,Benjamincriticaumapasturapoltica quefazabstraadecan-flitas e adversriosreais,elaborandoprojetospolticas queparecemcastelasno ar.Resquciosdo humanismoinoperantede umaburguesiadesclassificada.Resquciastambmdainstituioelitistadoscrculos literrias,cujo maisfamosa- a deSte-fan George- apareceaquinum ltimo flagrantede decadncia.Da perspectivade1933,Benjaminconsideraretrospectivamenteesseautor que fara o paeta-guiaematre penserde suagerao.O Jugendsril - o culto esteticistacelebradapelaCrculo deGeorgeemtomo dosvaloresdajuventude- desmistificadopelalem-branade queaquelajuventude,a partirde 1914,faramandadaparaoscampasde

    batalha. comoqueumaadvertnciaao discursode seduadirigida juventudealempelapropagandanacianal-socialista.

    m. A terceirapartedestelivro, "DOCUMENTOS DE CULTURA - DOCU-MENTOS DE BARBRIE", derivaseuttulo deumaformulaodastesesben,iami-nianassobreahistria(1939);dequenoexistedacumentodeculturaquenasejaao mesmotempoum documentodebarbrie.Diferentementedasduaspart" ante-riores,foramselecionadosaqui textosmaisheterogneasquetranscendemaespeci-ficidadedasdisciplinasde Histriae Crtica literriase abremparaumavisomaisampladaKulturkritik benjaminiana.

    "A vidadosestudantes" o cantrapantadaretraspectivasabreStefanGeor-ge e o Jugendstil, na medidaem que ofereceum testemunhaao vivo dos anos1914/15,quandoBenjaminera lder estudantil.No ambienteacadmicaalema,o jovemBenjaminobservacomoo esprito deriscoe deentregaembuscado saber substitudopor um pactodasjovenscom aprevisibilidadedacarreiraeaacomo-dao.Discemindono meiodo entusiasmopatrioteirodaquelesanosamitificaoda idia de juventude,Benjaminse revelacomo crtico; suadefrniadecrt~ca;"libertaro futuro de suaformapresentedesfigurada,atravsdeum ato deconhe-cimento".

    Se o texto anteriortratabasicamenteda instituiouniversitria,"Crticadaviolncia- crtica do poder" focalizaasgrandesinstituiesdo Estado.Exploran-do a ambigidadeda palavraGewalt(quetantopadedesignara "violncia"quantoa "poder"), O crtico mostraquea direitainstitucionalizado.essencialmente"mtico", ou seja,constituia vantadedepermannciadosvitoriasosnopoder.(O contexto poltico a quesereferea ensaio a tentativadeRevaluoalemde 1918eo aparatojudico daRepblicadeWeimar,comprometidocamoancienrgime-interpretaocomaqualBenjaminsedistanciadeconservadorescomoCar!Schmitte liberaiscomoKurt Hiller.)Como instnciasquegarantemo slatusquo aparecem

    12

  • o podermilitar e o poderda polcia. O podervirtual de controle- o dosparla-mentos- nofunciona,j que"perderama conscinciadasforasrevolucionriassquaisdevemsuaexistncia".Ressuscitaressasforas,pois,a intenodeBen-jamin,o qual,apoiando-seemSorel,defendea idiadeumagrevegeralproletriaeum aniquilamentodo poderdo Estado.De fato, porm,Benjamin- queseafastado marxismopelacomponenteanrquicaepelaprocurademeiosjurdicos"puros"- deixaemsuspensoqualquerpropostautilizvelemtermosdeuma"Realpolitik".Preferemostrarqueos interessesdepodersemprelevamdevoltaaoestadodevio-lnciae quea idiadejustia- cujanicaexpressoautnticaseriao poderdivino- continuasendousurpadapeloEstado.

    "Pensamentose visesde um decapitado" como que umailustraoqueleva at as ltimasconseqnciasa tesebenjaminianada histriada civilizaocomohistriadabarbriee dossofrimentos:"A histria,com tudo o quedesdeoincio ela temdeextemporneo,sofrido,malogrado,seexprimenumrosto- nonumacaveira."Longedohumanismoc1assicista,"a violnciadatorturaest",comodiz o crticono livrosobreo Barroco,"mais'prximadensqueosassimchamadosconflitostrgicos".

    Depoisdo ritual ttrico da cabeaagonizante,o ttulo "NerVossadios"soacomoum alvio. umrelatosobreumaexposiodesadepblica,organizadademodo exemplarno bairroberlinensede Kreuzberg,quemantmessatradioathoje, comoum centrode"culturaalternativa".O texto deBenjaminumexemplode suaatraopor espetculosde todo tipo, pelaculturavisualno cotidianodaspessoase seu interessepersistentepor uma histria poltica da percepoe dasemoesque,em ltima instncia,lhe era mais importantequeumahistriadSobrasdearte.

    "Imagensdo pensamento"reneflashesjomalsticosdaculturatrivial;assim"O caminhoparao sucessoem trezeteses"ou ascrnicassobrecomida:"Figosfrescos"e "Omeletedeamoras".Nessestextos,o maravilhosopodesurgirinespera-damenteno mundobanaldosnegciose o ldico ("Revelaessobreo coelhodaPscoaou A artedeesconder")seencontralado a lado comos abismosdo perigoe do terror("O carterdestrutivo","Belopavor"). "HaxixeemMarselha"umdostextos-chavesobrea relaoentredrogase criaoliterria,a meiocaminhoentreosparasosartificiaisdeBaudelaireeosdelriosdabeatgeneration.

    "Experinciaepobreza",o textoquefechaa molduratericadestaant~logia, umameditaosobreo sentidodahistria- luz daexperinciavividade 1914/18e da datapresente:1933.Com "a criseeconmicadianteda portae atrsdela,umasombra:a prximaguerra"- Benjaminlanaum olhar de desenganosobreamentirada civilizao,a saturaodos privilegiados,a liquidaodo patrimniocultural.No obstante,buscaumasada:atravsde "um conceitonovo,positivodebarbrie",tentamostrarcomoahumanidadeseesforaparasobreviver.

    O livro terminacomumaamostrada artedeBenjamin narrador."A viagemdo 'Mascot'" o relatodeumaviagemincrvel, umaNau de Insensatosquezarpade um porto alemocomdestino Amricado Sul. Alegoriadeliberdadee diver-sesilusriasnuma "magiccity flutuante",pardiae autopardiados sonhosemitospolticos da geraoqueviveua Repblicade Weimarquetopoucotempodurou; alegoriada transitoriedadehumanae, no obstante,uma celebraodo

    13

  • espritoldico.Alegoriatalveztambmdo trasladodos textosbenjaminianosparaestasterrassul-americanas.

    Sobrea histriadestaantologia:a idiade organizarumaseleodeescritosdeBenjaminpartiudeJos PauloPaes,comotambma sugestode quea traduofossefeitapelogrupodosprofessoresdeLnguaeLiteraturaAlemdaUSP. Comoresponsvelpelaseleo,escolhitextosqueproporcionassemumavisQda culturadaRepblicadeWeimar,da tica de WalterBenjamin,paralelamenteelaboraodeumatesedelivre-docnciasobreo mesmoassunto(''Tableauxberlinois.WalterBenjamine a cultura da RepblicadeWeimar",USP, 1984).Do incentivoinicialparac passaram-sealgunsanos,e a publicao,nessemeio-tempo,dealgunstextosreeditadosaqui(pormemtraduodiferente)poderiatomardesejvelamodifica-oda escolhaemalgunspontos.No entanto,o objetivoprincipaldestelivro noo ineditismodesteou daquelefragmentoe, sim,a montagemde umaconstelaodeescritosbenjaminianosquepossamiluminaraculturacontempornea;estetraba-lho tercumpridosuafunosemotivaro leitor a rompercom esquemasconven-emsituada,podiaparecera Goethea soluoideal."Foi umaestranhade-cisod'Aquelequedo altoreinasobrens,queeu,no decorrerdennhaexistnciasingular,pudesseaindasabercomo se senteum noivo." Mas o noivadocom LiliSchonemannfoi apenasum episdioturbulentoem sualuta demaisde 30 anoscontrao casamento.Lili foi provavelmentea mulhermaissignificativaecertamen-te a maislivre queseaproximoudeGoethe,e istospodiaaumentar-lhea relutn-cia de seunir a ela.Parafugirde tal situao,empreendeuele,emmaiode 1775,umaviagem Suaemcompanhiado CondeStolberg.Essaviagemtomou-semar-cante,por Goetheter travadoconhecimentocomLavater.Nateoriadafisiognonadesteltimo, quecausousensaona Europadeento,Goethereconheceualgodoesprito de suaprpriacontemplaoda natureza.A relaontimado estudodomundo dascriaturascomo pietismo,estabelecidapor Lavater,posteriormentedes-contentouaGoethe.

    Na viagemde regresso,umacoincidnciacausouseuencontrocomo prncipeherdeiro,posterionnenteDuque KarI August von Sachsen-Weimar.Logo depois,Goetheaceitouo convitedo principeparavisitarsuacorte.O quedeveriatersidoumavisita, tomou-seumaestadadefinitiva.Em 7 de novembrode 1775,Goethe

    44

  • chegoua Weimar.No mesmoano, tornou-seConselheirocom cadeirae voto no

    Conselhode Estado.Desdeo inicio eleprprioconsideroua decisodeentrarparao serviodo DuqueKarl Augustcomoo compromissomaissriodetodasuavida.Dois motivoslevaram-noa tal deciso.Numapocade crescentesagitaespolti-casda burguesiaalem,suaposiolhe possibilitavaestabelecerumcontatomuitoprximocom a realidadepoltica.Por outro lado, na medidaem queessaposioo enquadravacomoaltomembroda administraopblica,furtava-seele neces-sidadede umadecisoradical.Por maiorquefosseasuadivisointerior,areferidaposioproporcionoupelomenosumaseguranaaparente suaatuaoeeficcia.Mesmoquesuaprpriaconscinciaincorruptivelmentevigilantenoo tivesseman-tido sempreatento,Goetheteriapercebidoo alto preode tal segurana,atravsdasmanifestaesde dvida,decepoe indignaode seusamigos.KlopstockeatmesmoWieland,assimcomoHerdermaistarde,escandalizaram-secoma magna-nimidadecom que Goetheaquiesceusexignciasde sua posioe, maisainda,s exignciasqulhe faziamo modo de vidae a pessoado Gro-duque.Pois oautor do COtz e do Wertherrepresentavaa revoltaburguesa,e seunomesigni-ficavamuito, j que as tendnciasdapocaseexpressavamquaseexclusivamenteemtermospessoais.No sculoXVIII, o autoraindaeraum profetaeseusescritosum complementode um evangelhoquepareciamanifestar-sede modomaiscom-pleto em suavida. O incomensurvelprestgiopessoalque as primeirasobrasdeGoethe lhe haviamgranjeado- eram verdadeirasmensagens- perdeu-seemWeimar.Mascomoseesperavadeleapenaso extraordinrio,criaram-seemtornodesuafiguraaslendasmaisabsurdas:eleseembriagavadiariamentecomaguardente,aopassoque Herdersubiaao plpitode botase esporase, apso sermo,davatrsvoltasa cavaloemtorno daigreja;eraassimqueseimaginavamasatitudesdeumg-nio nessesprimeirosmeses.Entretanto,a amizadeentreGoetheeKarl Augusttevemaioresconseqnciasdo queas razesque na verdadeexistiampor trsdetaisexageros.Os fundamentosdessaamizadeforam entoestabelecidose maistardegarantirama Goetheum amploprimadoespirituale literrio:o primeiro,emter-moseuropeuse universais,depoisdeVoltaire. "Quantoaojuizo daquelesquecon-denama participaode Goetheemmeucolegiadomaisimportante,semhaverelesido antesmagistrado,professorou conselheiroda cmaraou do Estado- talju-zo no alteranada", escreveuKarl August,entocom dezenoveanosde idade.

    O sofrimentoe o desgastedessesprimeirosanosemWeirnarcristalizaram-see encontraramum novomanancialno amordeGoetheporCharlottevonStein.Ascartasdirigidasa elaentre1776e 1786revelam,estilisticamente,aconstantetrans-formaoda antigaprosagoetheana,revolucionriae "ludibriandoa linguagememseusprivilgios",no ritmo grandiosoe calmoquepermeavaascartasenviadasdaItlia no perodo de 1786a 1788.Constituem,por seu contedo,a fontemaisimportanteparao confrontodo jovempoetacomosnegciosadministrativos,massobretudocom a vidasocialdacorte.Goethe,por natureza,no erasemprefacil-mentemalevel.

    Queria,entretanto,aprendera sloe ajustava-seschamadas"pessoasmunodanasnaquiloqueascaracterizavacomotal". Com efeito,no podiaexistirescolamaisdurado queessecaso,quesetornoupblicoenotrio, dadasascondiesdevidade umacidadepequena.Acresciaaindao fato dequeCharlottevonStein,nosanosemqueserelacionouaomundodeGoethecom inigualvelprofundidade,ja-

    45

  • maiscontrariou,em consideraoao poeta,asnonnasde decoroda corte.Levouanosparaqueessamulherocupasse,na vidadele,lugartoinabalveleabenoadoquesuaimagempudesseinsinuar-senaspersonagensde Ifigniae de EleonorevonEste,a amadadeTasso.O fatodeGoetheterdeitadorazesemWeimarestintima-menteligadoa Charlottevon Stein. Ela o familiarizouno s com a cortecomotambmcoma cidadee a paisagemlocal.Ao ladodetodososdocumentosoficiais,surgemsempreas notas, mais brevesou maisextensas,dirigidas SenhoravonStein,emqueGoethe,o amante,se revelaemtodaaamplitudedeseutalentoe desuaatividade,como desenhista,pintor, jardineiro,arquiteto,etc.Em seusrelatosde 1779,RiemeresboaumaminiaturadaexistnciadeGoetheduranteessapoca- existnciacrtica e sob ameaasmltiplas- mostrandoo poetaa percorreroducadodurantemse meio, inspecionandoasestradasduranteo dia, recrutandonasrepartiespblicasjovensparao serviQmilitar,edescansando noitenaspe-quenasestalagens,ondeescreviaaIfignia.

    A produoliterriadessesanosconstituios primrdiosdaMissoteatraldeWilhelmMeister,de Stella, de Clavigo,dasCartassuasde Werther,de Tassoe,sobretudo,grandepartede suapoesialrica maisvigorosa;"Viagempelo Harznoinverno", "A lua", "O pescador","S quemconhecea saudade","Canonotur-na do viandante","Segredos".*Nessesanos,GoethetrabalhoutambmnoFaustoe pelo menosestabeleceuo fundamentointeriordo segundoFausto; comeaa to-mar fonna, a partir dasexperinciasdosprimeirosanosdeWeimar,o niilismodeEstadogoetheano,niilisrnoqueemergebruscamenteno segundoato do FaustofI.Diz o poetaem 1781: "Nossomundo poltico e moralestminadopor galerias,pores e cloacassubterrneas,como uma grandecidade,cujas conexescoma situaode seushabitantesningumcogita;s aquelequepossuialgumainfor-maoa respeitopoderentendertudo isso,no momentoem que se afundarocho,subirumafumaa... e seouviremvozesmaravilhosas."

    A cadamudana,GoethefirmavasuaposioemWeimareseafastavamaisemaisde seucrculo literrio,de seusamigosdeEstrasburgoedosprimeirostemposde WetzIar.O inigualvelcarterautoritrioquetrouxeraa Weimare quesouberafazervalerfrenteao Duque advinhado papelde lideranaquedesempenhounomovimentoSturmundDrang.Mas numacidadeprovincialcornoWeimar,talmovi-mentos podiater existnciaefmera;infecundo,restringiu-sea algumasextrava-gnciastumultuadas.GoethepercebeuclaramentetudoiSSQlogodeincioe seopsatodasas tentativasde dar continuidade,em Weimar,ao esprito de Estrasburgo.MandouexpulsarLenz da corte,queali esteveem 1776e secomportouno estilodos participantesdo Sturm und Drang. Tratava-sede umamedidade bom-sensopoltico, assimcorno, e sobretudo,de uma defesacontra a impulsividadesemlimitese o pthospresentesno estilode vidade suajuventude,os quaisno conseguiusuportarpor longo prazo. Defrontou-seGoethe,nessescrculos,com osexemplosmais devastadoresde genialidadeexacerbada,e uma observaodeWieland,na mesmapoca,d conta de comoo abalavao convviocom taisindi-vduos.EscreveWielandaumamigoquenogostariadealcanara famadeGoethe,

    * "Harzreiseim Winter", "An denMond", "Der Fischer","Nur werdieSehnsuchtkennt","1.JberallenGipfeln","Geheimnisse".

    46

  • nemmesmoaopreode seussofrimentosfsicos.Posteriormente,o poetatomariaasmaissriasmedidaspreventivascontratal sensibilidadefsica.Realmente,quandosev queGoetheseafastavasemprequepossveldecertastendncias- detodasastendnciasnacionaise dequasetodasastendnciasromnticas- possvelcrerqueele temiaumcontgioimediato.Ele prprioculpavatal disposiosuapor noterescritonenhumaobratrgica.

    Quantomaisa vidade GoetheemWeimarseaproximavade um certoequi-hbrio - sua aceitaopela corte palacianaoficializousecom a nobilitaoem1782-, tantomaisacidadeselhetornavainsuportvel.Suaimpacinciaassumeafor-maderessentimentopatolgicocontraaAlemanha.E aventao desejodeescreverumaobraqueosalemesdetestem.Suaaversovaiaindamaislonge.Depoisdedoisanosde juvenil entusiasmopelo gtico,pelapaisageme pelasociedadecavaleirescaale-mes,descobriue alimentouele,a partir dos25 anos,umaresistnciaquelhebro-tavado ntimo,contrao clima,a paisagem,ahistria,apolticaea essnciadeseupovo; tal resistncia,a princpio difusae obscura,tornou-segradativamente,e de-pois dos30 anos,compulsontida eapaixonadaquetencionavaculminarnumver-dadeirosistemaracionalmentefundamentado.Esseestadodeespritoirrompeuem1786,com a sbitapartidade Goetheparaa Itlia.Eleprprioqualificouaviagemde fuga. Superstiese tensesatormentavam-nodetal formaqueeleno ousoupennitirqueseuplanotranspirasse.

    DuasdecisesforamtomadasnessaviagemdedoisanosporVerona,Veneza,Ferrara,Romae Npolese, por fim, a Sicilia.Primeiramente,Goetheabandonouaesperanade dedicarsuavida s artesplsticas.Era umaidiaque sempretiveraem mente.Suahesitaoa respeitode detemnaodesuagenialidadecausouadispersoe inseguranade suaproduoliterriae tambmcontribuiu para queassumisseinconscientementesuaposioperanteanao,noquerendoperderpormuito tempoa fisionomiade um detante.Essagenialidadecontinhamuito freqentementeascaractersticasdo talento,facilitandolheo caminho.A grandeartedo Renascimentoitaliano, queGoetheobservavacomos olhosdeWinckelmannequeno conseguiadistinguirclaramentedaartedaAntiguidade,deu-lhea basedacertezade queno havianascidoparapintor e a basedaquelaestticaclassicistalimitada, que representatalveza nica ordemde idiascom que Goethe estavaatrse no frentedo seutempo.Em segundolugar,Goetheencontrou-sea si mes-mo. Em relao cortedeWeimar,escreve farnl1ia:"A loucuradequeasbelasse-mentesque amadurecemem minha existnciae na demeusamigosdeveriamsersemeadasnestesolo e aquelasjias celestiaispoderiamser engastadasnascoroasterrestresdestesprncipes- essaloucurameabandonouevejoqueminhafelicida-dejuvenilfoi restabelecida."

    Na Itlia surgiua Ifignia definitivaemversos,a partirda versoem prosa.No ano seguinte,1787,o poetaconcluiuo Egmonr.No umdramasobrepolti-ca,massim sobreo carterdo tribuno alemo,comoGoethea rigor teriagostadode apresent-lo:como advogadoda burguesia.Mas acontecequeestaimagemdodestemidohomempblico se dilua orgulhosamentena claridadee as realidadespolticasadquiriamumaexpressomuitomaisprecisanabocadeOrangee deAlba.A fantasmagoriado final - "A liberdadeemroupagemcelestialenvoltanumaclari-daderepousasobreuma nuvem" - desmascaraa supostaconcepopoltica doCondeEgmontcomoa inspiraopotica,queelanaverdade.Paracompreender

    41

  • o movimentorevolucionriodelibertaoqueirrompeuem1566nosPasesBaixossob a lideranado CondeEgmont,houve,por partedo poeta,algumaslimitaes:primeiramenteumcrculosocialdeproduoliterriaeumapredisposio,emrela-o s quaisasidiasconservadorasde tradioe hierarquiaeraminalienveis,eemsegundolugar,a suaatitudebasicamenteanarquista,suaincapacidadede fazervalero Estadocomo fatorhistrico.ParaGoethe,a histriarepresentavaumaseqnciaincalculvelde formasde dominaoe culturasemqueos grandesindiv-duos, Csarou Napoleo,Shakespeareou VoItaire,representamo nico ponto dereferncia.Ele jamaisconseguiuser partidriodemovimentosnacionaise sociais.Emborabasicamentenuncasemanifestassesobreessesassuntosestabelecendouma

    coernciaentreeles,esta justamentea doutrinaque resultatanto dos dilogoscom o historiadorLuden, como tambmdosAnos de viageme do Fausto. Estasconvicesdeterminamtambmseu relacionamentocom o dramaturgoSchiller.Para este,a problemticado Estadosempreestiveraemprimeiroplano.O Estadoemsuarelaocomo indivduoforao assuntodeseusdramasdejuventude,o Esta-do emsuarelaOparacomo detentordo poderforao assuntodosdramasdama-turidade.A forapropulsoradosdramasgoetheanosnoo conflito,e simumpro-cessode desenvolvimento.- As Elegiasromanasrepresentamaprincipalproduolrica da faseitaliana,que captacom a precisodaAntiguidadee com perfeioformal a lembranade inmerasnoitesde amorromanas.A intensadeterminaosensualde suandole levou-o decisode concentrarmaissuasrelaesexisten-ciais,agindoapenasa partirde um ncleorestrito.Aindana Itlia, Goetheescre-veuumacarta,querevelao ponto mximode seuestodiplomtico,emquesoli-cita ao Duqueliber-Iode todosos seuscargosadministrativosepolticos.O pedi-do foi concedidoe o retomodeGoethea umaintensaproduoliterria,aindaquepor meiosindiretos,foi causadoprincipalmentepor suasindagaesacercada Re-voluoFrancesa.Paracompreend-Iasnecessriolevaremconsideraonotantoa somade suasimprovisaestericas,massimsuafuno- comoem relaoatodasassuas'opiniesdispersas,desconexase obscurasa respeitodapoltica.

    No h dvidade queGoethe- segundosuasexperinciascomoconselheirodiplomticoem Weimar- considerouextremamenteproblemticoo despotismoesclarecidodo sculoXVIII, muitoantesdeirromperaRevoluoFrancesa.Contu-do, noconseguiureconciliar-secoma Revoluo,nosdevidoa suasntimasliga.escomo regimefeudale suarecusasistemticadetodososviolentosabalosdavidapblica,mastambm,e principalmente,porquerelutavae atmesmosesentiaincapazde chegara quaisquerconcepesbsicasemassuntosdo Estado.Quandoele semanifestavaa respeitodos "limitesda influnciado Estado",nuncatoclaramentecomo por exemploWilhelm von Humboldt,isto aconteciaporqueseuniilismo poltico ia longedemaisparaque ousassefalara esserespeitosenopormeio de aluses.Bastaverquemaistardeo programadeNapoleodedesmembraro povo alemo,reduzindo-oa suastribos de origem,no representavanada deextraordinrioparaGoethe,queviajustamentenestedesmembramentototala ma-nifestaoexteriorde umacomunidadeemqueosgrandesindivduospodiamcriarseuscrculosdeinfluncia- crculosestesemqueelespudessemagirdemodopa-triarcale, atravsdos sculose das fronteirasestatais,lanaruns aosoutrosseussinaisespirituais.Com razosedissequeaAlemanhadeNapoleorepresentavapa-ra Goetheo campode aomais adequado,j que o poetafrancnioconstitua

    48

  • a prpriaessnciafranco-romnica.Porm,em suarelaocoma Revoluo,atua-va tambmasensibilidadeimensa,o abalopatolgicoemqueo lanavamosgrandesacontecimentospolticos de suapoca.Este abalo,causadopor certosepisdiosda RevoluoFrancesae tambmpor infortnios pessoais,impossibilitou-odamesmaformade organizaro mundodo serpoltico nicae exclusivamentea par-tir deprincpios,comoseriapossvel,sema menordvida,paraaexistnciapriva-dadecadaindivduo.

    luz dasdisparidadesde classedaAlemanhadeento,asituaoseapresen-ta daseguintemaneira:ao contrriode Lessing,Goethenosesentiao vanguardei-ro dasclassesburguesas,e sim,seurepresentante,seuporta-vozjunto ao feudalis-mo alemoe junto ao principado.Sua permanentehesitaoexplica-seatravsdosconflitospro,;indosdestasuaposio.O maiorrepresentantedaliteraturacls-sica,burguesa- queconstituaa nicareivindicaoincontestveldo povoalemo famade umanaocivilizadamoderna-, s podiaimaginara culturaburguesano mbitode um Estadofeudal,nobre. Se Goethenegoua RevoluoFrancesa,isto se deu, na verdade,no s no sentidofeudal~ partindoda idiapatriarcalde quetoda cultura,incluindoa burguesa,somentepoderiaflorescersob a prote-oe sombrado poderabsoluto-, mastambmsobo pontodevistadapeque-na-burguesia,ou seja,do indivduo que, amedrontado,procuraprotegersuaexis-tnciadosabalospolticosqueo cercam.Masnemno espritodo feudalismonemno dapequenaburguesiaestarecusase apresentavademaneiraabsolutaeunvoca.Por estarazo,nemumanicadentreasproduespoticasemqueGoethetentoudurantedezanosdefinir a suaposiodiantedaRevoluo,conseguiualcanarumlugardedestaquedentrodatotalidadedesuaobra.

    Sonadamenosde seteobrasem que Goethe,de 1791a 1802,sempreten-tou extrairda RevoluoFrancesaumafrmulaconvincenteou umaimagemdefi-nitiva.A princpio, trata-sede produessecundriasque,com O gro-coptaeOsagitados,atingemo nvel maisbaixo de todaa produogoetheana;ou deumatentativa,comoA filha natural,condenadaa permanecerfragmento.Finalmente,porm,Goetheaproximou-semaisdo objetivoemduasproduesque,cadaumasuamaneira,conseguiramabordara Revoluoen bagatelle.HennanneDorotheafaz delaum cenriosinistrocontrao qual sedestacademaneiracativanteo idliode umacidadezinhaalem.A raposaReinecke destrio pthosda Revoluonaformade umastiraem versosque se reportaintencionalmente formaliterriamedievalda pardiada poesiapica,cujosprotagonistaseramanimais.A Revolu-o aparececomo cenriode uma concepomoral - emHermanneDorothea;como um grandeacontecimentopoltico, de cunhocmico,como interidionahistriaanimalda humanidade- emA raposaReinecke.Assimo poetaapagaosresquciosdo ressentimentoque se notam aindanas tentativasanteriores,princi-palmentenasConversasde emigrantesalemes.O fato de quea histria,emseurealvalorhumano,se desenvolveem tomo da figurado rei, essepreceitohierr-quico feudal,representa,contudo,a ltima palavranesteciclo deproduoliter-ria. Entretanto,justamenteo rei da Filha naturaltorna inequivocamentevisvela incapacidadede Goethede captara histriapoltica. o Thoasdalfigniaemnova caracterizao,o rei como encarnaodo "homembom", que se envolveno tumultodarevoluoeestinevitavelmentefadadoaofracasso.

    49

  • Os problemaspolticos quena dcadade 1790pesaramnaproduo.deGoethe, constituema razopor que eleprocurouseafastardessaproduode vriasmaneiras.Seugranderefgioforamos estudosdascinciasnaturais.Schillerreco-nheceuo carterde fugainerentesatividadescientficasdaquelesanos.Em 1787escrevea Komer: "O espritode Goethemodeloutodasaspessoasqueparticipamde seucrculo. Um orgulhosodesprezofIlosficopor todasasespeculaese inves-tigaes,acompanhadode um apego natureza-quebeiravaa afetaoe de umalimitao resignadaa seuscincosentidos;emsuma,umacertasimplicidadeinfan-til da razocaracteriza-oe atodosseussectriosdaqui. prefervelcolherervasoudedicar-se mineralogiaa mergulharem demonstraesvaziasdesentido.A idiapodeserbastantesaudvele boa,maspode-seincorreremexageros."Essesestudosde histria naturaltornaramGoetheaindamaisavessoaosacontecimentospolti-cos.Ele via a histriato-somentecomohistrianaturaleaentendiaapenasname-dida em que envolviaa criaturahumana.Por issoapedagogia,tal qualdesenvolveumais tarde nosAnos de viagem,tornou-sea posiomaisavanadaqueeleconse-guiu alcanarno mbitodo histrico.Essatendnciacientficavoltava-secontraapoltica, e voltava-setambmcontraa teologia.Aqui a fIlosofiaanticlericaldo poe-ta, baseadaemSpinoza,encontrousuaconfiguraomaisfrtil. Quandoeleatacaos escritospietistasde seuex-amigoJacobi, porqueestedefendiaa tesede que anaturezaocultaDeus,isto significaqueparaGoetheo maisimportanteemSpinoza quea natureza,tantoquantoo esprito,representaumlado evidentedo divino.Isto fica claro quandoGoetheescrevea Jacobi: "Deuste castigoucom a metafsi-ca... , a mim, ao contrrio,meabenooucom a fsica." - O conceito,a partir doqual Goethe apresentasuasrevelaesdo mundofsico, o "fenmenoprimevo"(Urphnomen).Este conceitoconstituiu-seoriginalmenteem relaoa seusestu-dos de botnicae de anatomia.Em 1784,Goethedescobrea formaomorfol-gica dos ossosdo crnio a partir da transformaode ossosdaespinhadorsal,eum ano depoisa Metamorfosedasplantas.Por estadenominaoeleentendiaofato de que todos os rgosda planta,da raiz aospestilos,soapenasformasdefolhastransformadas.Assimchegouao conceitode"plantaprimeva",queSchiller,emseufamosoprimeirodilogocom o poeta,considerouuma"idia"queGoetheno queriaaceitarsemlhe atribuir umacertamanifestaosensorial.Os estudoscientficos de Goethesituam-se,em relaoa suaobra,naquelaposioquemui-tasvezesa estticaassumeparaartistasmenores.S sepodeentenderesteaspectoda produode Goethequandosetememmenteo fato de queele,ao contrriode quasetodos os intelectuaisdaquelestempos,nuncafez aspazescoma "belaaparncia".No foi a estticae, sim,a observaodanaturezaquereconciliouparaele a literaturae a poltica. Justamentepor isso,nosepodedeixarde percebertambm,nessesestudoscientficos,quorefratrioerao poetaa certasinovaes,sejamtcnicasou polticas.s portasda eracientfica,quedeveriaaumentarmuito a agudezae o mbitodaspercepessensoriais,volta-seelenovamentesvelhasformasdeindagaodanaturezae escreve:"O serhumanoemsi,namedidaemquese servede seusplenossentidos, o maiore maisexatoaparelhofsico quepossaexistir, e o maior infortnio da fsica moderna queas experinciasforam porassimdizer separadasdo homeme que... sepretendeconhecera naturezaapenaspelo quemostramos instrumentosartificiais."Segundoseuponto de vista,a cin-cia apresentacomofinalidadenaturalmaisprxima,harmonizarosatose ospensa-

    50

  • mentosdo ser hwnano. A transformaodo mundo pelatcnicarealmentenoeraseuinteressemaior,aindaqueele,j velho,tenhafeitodeclaraessurpreenden-tementelcidassobreseusignificadoilimitado.A maiorutilidadedo conhecimentodanaturezadefiniu-separaelena formaqueeladawnavida.Estepontodevistatransformou-senwn rigorosopragmatismo:"Somenteo que frtil verdadeiro."

    Goethepertence faml1iadaquelesgrandesespritosparaosquais,naverda-de,noexistiaumaarteno sentidoisolado.Paraele,a doutrinado fenmenopri-mevocomocincianaturaleraao mesmotempoaverdadeiradoutrinaesttica,co-mo o eraparaDantea filosofiadaescolsticaeparaDrerasartestcnicas.A rigor,foraminovadorasparaa cinciaunicamenteassuasdescobertasdebotnica.Almdisso,.soimportantese reconhecidosos escritososteolgicos:a refernciaao maxilar intermediriohwnano, que certamenteno foi nenhwnadescoberta.PoucaconsideraomereceuaMeteorologia;alvodevivascontrovrsiastomou-sea Teo-na das cores,que representaparaGoetheo ponto culminantede toda sua obracientfica,ou mesmo,segundoalgumasopinies,de suaobra toda. J h algumtemporetomou-sea discussoem tomo destedocwnento,o maisabrangentedacincianaturalgoetheana.A Teoriadas corescontrape-seradicalmente pticadeNewton.A oposiofundamentalque deumargemduranteanosaumapolmi-ca muitasvezesextremamenteamarga a seguinte:Newtonexplicaa luz bran-ca como umacomposiode luzescoloridas,Goethe,ao contrrio,comoa essn-ciamaissimples,infragmentvelehomogneaqueconhecemos."No composta...Muito menospor luzes coloridas."A Teoriadascoresconsideraas corescomometamorfoseda luz, como fenmenosque se produzemna luta da luz com aescurido.Ao lado da idia da metamorfose importantepara Goethea idiada polaridadequecaracterizatodasuapesquisa.O escurono meraausnciadeluz - casocontrriono seriaperceptvel- e sim wna antiluz positiva.Com aidadeavanada,surgenestecontextoa idiadequeanimaleplantatalvezsedesen-volvessemdeum estadoprirnevoatravsda luz ou da escurido. wnacaracters-tica peculiardessesestudoscientficosque,atravsdeles,Goetheseaproximadoespritodaescolaromnticatanto quantoeleselhe opeemsuaesttica.A orien-taofilosficade Goethe menoscompreensvelapartirdeseusescritospoticosdo quede seusescritoscientficos.Spinozacontinuousendoparaele,queo desco-briu emsuajuventude- fatoquesecomprovano famosofragmento"Natureza"-,o patronode seusestudosmorfolgicos.Maistarde,estespossibilitaram-lheo con-fronto comKant. EnquantoGoethepermaneceindiferente obracrticaprincipal- Criticada razopura - assimcomo Criticada razoprtica- tica-, de-monstrougrandeadmiraopelaCritica do juizo. Kant condenaaquia explicaoteleolgicada natureza,que era um dos sustentculosda filosofia iluminista,dodesmo.Goetheno pdedeixardeconcordarcomelenesteponto,poissuaspr-priaspesquisasanatmicase botnicasrepresentavamposiesmuitoavanadasnoataquedacinciaburguesacontraa teleolgica.Kant defineo orgnicocomoumafinalidade,cujo fim no estfora,e sim dentroda criaturaqueconstituiumafina-lidadeemsi,--definioestaquecorrespondiasidiasdeGoethe.Unidadedo belo,mesmodo belo natural, sempreindependentede fms - nisso estoambosdeacordo.

    Quanto mais Goethe se sentiaatingidopelasituaoeuropia,tanto maisprocuravaum apoioparasuavidaparticular.Destaformadeve-seentenderseurom-

    51

  • pimentocoma Sra.von Stein,logoapsseuretomodaItlia.A ligaodeGoethecomChristianeVulpius,maistardesuaesposa,que conheceralogoapsseuretor-no da Itlia,representoudurantequinzeanosum escndaloparaa sociedadebur-guesalocal.Contudo,nosedeveconsideraresserelacionamentocomumajovemproletria,operriade umafbricade flores,como um testemunhode umavisosocialmaislivre por partedo poeta.Tambmnessesaspectosda constituiodesuavidaparticular,Goetheno conheciapreceitos,muito menospreceitosrevo-lucionrios.No incio, Christianefoi apenasseu casoamoroso.O que houvedenotvelnesserelacionamentono foi suaorigem,e sim seutranscurso.EmboraGoethenuncatenhaconseguidoe talveznem tenha tentadosuperara enormediferenade nvelentreessamulhere suaprpria pessoa,emboraChristianere-presentasseum escndalojunto sociedadepequeno-burguesadeWeimar,devidoa suasorigens,e junto aosespritosmaisliberaise notveis,devido suaconduta,emboranenhumdosdoislevassea srioa fidelidadeconjugal,aindaassimGoetheenobreceuestaligao,e comelatambma mulher,atravsdeumaconvicoina-balvel,deumaextraordinriaperseveranana maisdifcil dasposies,e levouacortee a sociedadea reconhecera mede seufilho atravsdo casamentoreligiosoem 1807,quinzeanosapsseuprimeiroencontro.MascomaSra.vonStein,sdepoisde muitos anos de profundo desentendimentosurgiu uma tnuereconciliao.

    Em 1790assumiucomo Ministro de Estadoa pastada Educaoe Culturae um ano maistardeo teatroda corte.Nestasreas,suainflunciafoi ilimitada,umainflunciaquese expandiade ano paraano. Todos os institutoscientficos,todosos museus,a UniversidadedeJena, asinstituiesdeensinotcnico,asesco-Iasde cantoe asacademiasde arteencontravam-sediretamentesoba influnciado

    poeta,quemuitasvezesseestendiaemminciasasmaisdispares.Paralelamente,asuacasaadquiriua fisionomiade um institutoeuropeudecultura.Suasatividadesde colecionadorcobriamtodosos camposde suapesquisae de seuspassatempos.Estascoleesfazempartedo MuseuNacionalGoethe,emWeimar,comsuagaleriade pinturas,suassalascom gravuras,faianas,moedas,animaisempalhados,ossoseplantas,minerais,fsseis,aparelhosde qumicae fsica,semmencionara coleode livros e autgrafos.Suauniversalidadeno conhecialimites.Queriadedicar-se,pelo menoscomoamador,quelasatividadesdasquaisno podiaparticiparcomoartista.Ao mesmotempo,essascoleesemolduravamumaexistnciaquesede-senrolavademaneiracadavezmaisrepresentativaaosolhosdaEuropa.Alm disso,conferiramao poetaa autoridade,necessriaparaele,demaiororganizadordo me-cenatorealquea Alemanhajamaispossuiu.Com Voltaire,conheceu-sepelaprimei-ra vezum literatocapazdegarantira si mesmoumaautoridadeeuropiae derepre-sentarperanteos prncipeso prestgioda burguesiaatravsdeumaexistnciadepesotantoespiritualquantomaterial.Nisto, Goethetomou-seo sucessorimediatode Voltaire.Tanto quantoa posiode Voltaire, a de Goethedeveserentendidapoliticamente.Ainda que tenhanegadoa RevoluoFrancesa,ele utilizou maisobjetivae maishabilmentedo quequalqueroutro o crescentepoderquea existn-cia deliteratopassoua ter atravsdela.A situaofinanceiradeGoethl nopodiasercomparada deVoltaire,quena segundametadedesuavidaconseguiraatingirum graude riquezaprincipesca.Paracompreendera surpreendentetenacidadedopoetaem questesfinanceiras,principalmentenasnegociaescomo editorCotta,

    52

  • precisoter emmentequeeleseconsideravadesdea viradado sculoo benem-rito deumlegadonacional.

    Durantetoda essadcada,eraSchillerquemo incitava produoliterria,afastando-oda dispersoprovocadapelaatividadepoltica e da contemplaoobs-tinadada natureza.O primeiroencontroentreos poetaslogo apso retomodeGoetheda Itlia no teveconseqncias.Essefato correspondeexatamente opi-nioqueum faziado outro. Schiller,naocasioo autordosdramasOssalteadores,Intrigae amor,Fiesko,D. Carlos,representavacoma asperezadesuasformulaes,que refletiamsuaconscinciadeclasse,a oposiomaisforte quesepodiaimagi-nar s tentativasde Goethedeumamediaomoderada.EnquantoSchillerpreten-diaassumira luta de classesemtodasuaextenso,Goethej haviasecolocadohmuito temponumafirme posiorecuada,a partir da qualerapossvelfazerumaofensivaapenasno campoda cultura,limitando,emcontraposio,todaatividadepolticadaclasseburguesa defensiva.O fatodequehouveumcompromissoentreessesdoishomensrevelanitidamentecomoerafrgila conscinciadeclassedabur-guesiaalem.O compromissosurgiusobo signoda fllosofiadeKant. Comvistasa um interesseesttico,Schiller abrandoua agressividadeferina dasformulaesradicaisda moral kantianaem suascartasSobrea educaoestticado homem,transformandoasnum instrumentode construohistrica.Isso possibilitouumentendimento,ou melhor,uma trguacom Goethe.Com efeito,a amizadeentreessesdois homenssemprese caracterizoupor umaatitudediplomticareservada,determinadapor aquelecompromisso.Suasdiscusseslimitaramsecomumapre-cisocuidadosaa problemasformaisdaarteliterria.Sobesseaspecto,essasdiscussesfizerampoca.A correspondnciaentreambosconstitui,do princpioaofim,um documentoextremamenteequilibradoebemredigido,econseguiu,pormotivostendenciosos,muito mais prestgioque a correspondnciamaisprofunda,livreeviva que Goethe mantevecom Zelter em sua velhice.Com razo,o crtico domovimentoJovem Alemanha,Gutzkow, mencionouas "diferenciaesinteisdas tendnciasestticase teoriasartsticas"que,nessacorrespondncia,se mo-vem permanentementeem crculo. Observoutambmcom acertoque o respon-svelpor tal fato a dissonnciagritantecom a qual aqui seconfrontamarteehistriademaneirairreconcilivel.Assim,mesmoemrelaossuasmaioresobras,osdois poetasnemsempretiveramcompreensoum pelooutro.Em 1829,Goethedissea respeitode Schiller:"Ele eracomotodasaquelaspessoasquepartemdema-siadamentedaidia.Tambmnoerapacientee nWlcasabiachegaraofim... Tivesempreque me esforarparapermanecerfirme,tentandoafastare protegertantoascoisasdelequantoasminhasdetaisinfluncias."

    O incentivode Schiller tomou-seimportanteprimeiramenteparaaproduodebaladasdeGoethe("O garimpeiro","O aprendizdefeiticeiro","A noivadeCo-rinto", "O deuse a baiadeira").* OsXenientornaram-seo manifestooficialdesuaalianaliterria.O almanaquesurgiuem1795.Sualinhadecombatedirigiu-secon-traosinimigosdasHoren deSchiller,contrao racionalismovulgar,centradono Cr-culo berlinensede Nicolai. O ataquedeuresultados.O impactoaumentouatravsdo interesseanedtico:os poetasassinavam,responsabilizando-sepor tudo, semrevelara autoriade cadaum dosepigramas.Havia,contudo,nesseprocedimento,

    * "Der Schatzgraber","Der Zauberlehrling","Die BrautvonKorinth", "Der Gott und dieBajadere".

    53

  • considerandoa vervee elegnciado ataque,um certodesespero.A pocadapopu-laridadede Goethe tinha passado,e mesmoganhandoautoridadea cadadcada,nuncamaistomou-seum poetapopular.Sobretudomaistarde Goethefoi alvo,por partedo pblico leitor, de umfinne desprezo,comuma todosos poetascls-sicoscomexceode Wieland,equesvezesseevidenciaclaramentenacorrespon-dnciaentreGoethe e Schiller. Goetheno tinha nenhumarelaodiretacomopblico."Ainda quesuainflunciafosseenonne,jamaisviveuoujamaiscontinuoua vivernaquelaatmosferaqueno incio haviaincendiadoo mundo."Ele nosabiaa ddivapositiva que sua pessoarepresentavaparaa Alemanha.E menosaindasoubeadaptar-sea umadeterminadacorrenteou tendncia.Suatentativadeestabe-lecer algo assimcom Schiller acabousendouma iluso.Destru-Ia um motivojusto, pelo qual o pblico alemodo sculoXIX sempretentou opor GoetheaSchillere compar-los.A influnciadeWeimarsobreamassapopularalemnoseconcentravanos dois poetas,e simnosperidicosde Bertuche Wieland,noAlIge-meineLiterarischeZeitungeno TeutscherMerkur.Em 1795Goetheescreveu"Nodevemosdesejaras revoluesquepossamprovocaro surgimentode obrasclssi-cas".Essarevoluo justamentea emancipaodaburguesiaquesedeuem 1848,tarde demaispara ainda se produzir obrasclssicas.Essnciaalem,esprito dalnguaalem- foramestascertamenteascordasem queGoethetangiasuasgran-diosasmelodias,masa caixadesseinstrumentonofoi a Alemanhae,sim,a EuropadeNapoleo.

    Goethee Napoleotinhamo mesmoobjetivo:aemancipaosocialdaburgue-sia sob a formapoltica do despotismo.Estefoi o "impossvel",o "incomensur-vel", o "insuficiente"queos atonnentavacomoumespinhoprofundamenteencra-vado.Isto provocouo fracassode Napoleo.De Goethe,ao contrrio,pode-sedi-zer que,quantomaisvelho,maisadaptavasuavidaa estaidiapoltica,qualifican-do-aconscientementede incomensurvel,insuficiente,elevando-aa umapequenaimagemprimevade suaidia poltica. Se fossepossveltraarlinhasdivisrias,apoesiapoderiasimbolizara liberdadeburguesadesseEstado,enquantoo Regime,em seusassuntosparticularescorrespondiatotalmenteao aspectodesptico.Naverdade, possvelacompanhartantona vidaquantona literaturaainteraodes-sasduasaspiraesirreconciliveis:na vida,comoliberdadedo afloramentodo er-tico e como regimeextremamenteseverode "renncia";na literatura,principal-mentena segundapartedo Fausto,cujadialticapolticaofereceachaveparao po-sicionamentode Goethe. Somentenessecontexto compreende-secomo Goethepde submetercompletamentesuavidanos ltimos 30 anoss categoriasburo-crticasdo equilbrio, da mediaoe da contemporizao.No cabejulgar suaatuaoe seu comportamentosegundoumaescalaticaabstrata.Nessaabstraositua-seo absurdo contido nas acusaesdirigidaspor Bome contraGoetheemnomedaJovem Alemanha.Justamentenosseuspreceitosenascaractersticasmaisnotveisque o regimede suavidarevela,Goethetoma-secompreensvelapenasapartir da posiopoltica que conseguiuparasi e queassumiucompletamente.Oparentescooculto, masao mesmotempoextremamenteprofundo dessaposiocom a deNapoleo, to decisivoquea pocaps-napolenica,o poderqueder-rubouNapoleo,no a podiacompreendermais.O filho depaisburguesesascende,abandonatudo, toma-seo herdeirode umarevoluo,cujo poderfaz estremecertudo em suasmos (RevoluoFrancesa;SturmundDrang),justamenteno mo-

    54

  • mentoemqueabalouprofundamenteo poderdasforasantiquadas,ele,atravsdeumgolpedeEstado,criasuaprpriaesferadepoder,segundoasmesmasformasantigas,feudais(Imprio,Weimar).A aversodeGoethepelasguerrasdeliberta-oda Alemanhado domnionapolenico(1813.14),quederamumincentivoinsupervel histriadaliteraturaburguesa,muitocompreensvelemrelaoaseucondicionamentopoltico.ParaGoethe,Napoleofoi, antesdeter fundadoo imprioeuropeu,o motivadordeseupblicoeuropeu.Quandofinalmenteopoeta,em1815,sedeixouconvencerporIfflanda escreverumapeacomemorativaparaa entradatriunfaldastropasemBerlim,O despertarde Epimnides,spdelibertar-sedeNapoleonamedidaemqueseateveaocartercaticoesom-briodasforasprimitivasquehaviamabaladoa Europana figuradestehomem.Goethenoconseguiasesolidarizarcomosvencedores.Por outrolado,emergena determinaosofredora,comaqualprocurasedefendr contrao espritoquemoviaa Alemanhade 1813,a mesmaidiossincrasiaquelhetomavainsuportvelapermannciaemhospitaise aproximidadedemoribundos.Suaaversoatodooaparatomilitarsignificacertamentemenosrevoltacontraacoaooumesmodisciplinamilitar,doquerelutnciacontratudoaquiloquepossaprejudicaraaparn-ciado serhumano,desdeo uniformeato ferimento.Seusnervosforamcoloca-dosa umaduraprovaquandotevequeacompanharo Duqueem1792 invasodaFranapelasforasaliadas.Nestapoca,Goethelanoumodemuitosartificios(observaodanatureza,estudospticosedesenhos)paraseprotegerdosacon-tecimentosquetestemunhara.Comocontribuioparacompreendero poeta,aCampanhada Frana importante;poroutrolado,comodiscussodeeventosdepolticamundial,aobraobscuraepoucontida.

    A mudanaderumosdaEuropae desuapolticasoostraosdominantesdaproduopoticatardiadeGoethe.Contudo,apenasapsamortedeSchiller quepassoua sentir-seemsolomaisfirme.A grandeobraemprosa,retomadaaindasoba influnciadeSchillerapsumlongointervaloe concluda,Osanosdeaprndizagemde WilhelmMeister, comprova,pelocontrrio,a permannciahesi-tantedeGoethenosvestlbulosdo Idealismo,nohumanismoalemo,queGoethetranspsmaistardecomvistasaumhumanismoecumnico.O idealdosAnos deaprendizagem- a formao- eomundosocialdoheri- oscomediantes- estonaverdadeintimamenteinterligados,soambosexpoentesdaqueleconceitoespe-cificamentealemoda "belaaparncia"quenosignificavamuitoparaa burgue-siadoOcidentequevinhasubindoaopoder.Naverdadefoi quaseumanecessida-depoticacolocaratoresno centrodeumromanceburgusalemo.AssimGoethefurtou-sea todae qualquerdeterminaopoltica,retomandoesteaspectovinteanosmaistarde,nacontinuaodeseuromancedeformao,semlevaremcontapossveisobstculos.O fatodetransformarumartistamenoremheridoWilhelmMeister,tomouestaobraumromanceinfluentejustamenteporqueestavacondicio-nado situaoalemdo fim do sculo.A partirdestesurgiramosromancesdeformaodo Romantismo,desdeHeinrich von 0fterdingendeNovalis,StembalddeTieck,atoPintor Nolten deMorike.O estilodaobracorrespondeaoconte-do. "Emnenhumapartesemanifestao maquinismolgicoouumcombatedial-ticodasidiascoma matria,aocontrrio,aprosadeGoethe umaperspectivado teatro,umapeapensada,combasenaexperincia,e suavementeapreendidaparatomar-seumaestruturacriadorade idias.No romance,ascoisasnofalam

    55

  • por si mesmas,e sim,precisamvoltar-seao poetaparaseexpressar.Por issoa lin-guagem clarae ao mesmotemposimples,despojada,massemchamara ateno,diplomticaaoextremo."

    Deve-se naturezados doishomenso fato de quea influnciadeSchillersefaziasentiressencialmentecomoformao,incentivodaproduogoetheana,seminfluir no seucurso.Deve-setalveza Schillero fatodeGoetheter-sevoltadoaog-neroda balada,ter escritoosAnos deaprendizagemde WilhelmMeistere ter reto-madoo fragmentodo Fausto.Masquasesempreatrocade idiassobreestasobrasgiravarealmenteemtomo do aspectoartesanale tcnico.A inspiraode Goethepermaneceuinabalvel.Tratava-sede uma amizadecomo homeme com o autorSchiller.Masno era aquelaamizadeentrepoetas,quemuitasvezesseacreditavaencontraraqui.O extraordinriocharmee a fora da personalidadedeSchilleren-volveramGoethetotalmenteemsuagrandezae depoisdamortedeSchiller,dedicou-lheummonumentonaformadoEpz7ogoao "Sino"deSchiller.Depoisdamor-tedo poeta,Goethereorganizousuasamizadespessoais.A partirdeentonohouveningumemtomo delequeseaproximassedeseuprestgiopessoal.Nohaviaqua-seningumemWeimarquepudessetergozadodaconfianadeGoethedeumafor-maespecial.Pelocontrrio,com o decorrerdo sculoXIX foi crescendoa impor-tnciaqueZeiter,o fundadorda Academiade CantodeBerlim,teveparaGoethe.Com o tempo,Zeitertomou-separaeleumverdadeiroembaixadorqueo represen-tavana capitalprussiana.MesmoemWeimaro poetafoi gradativamenteformandouma equipede ajudantese secretrios,semcuja atuaoo enormelegadoqueeleredigiunosltimostrinta anosde sua vidanuncapoderiater sidoconservado.Opoetafinalmentecolocoutodasuavidadeumaformaquasechinesasoba categoriada escrita. nesteaspectoquedevesercompreendidoo grandeestdiode litera-tura e imprensacom seusassistentesEckermann,Riemer,Soret,Mller, at osescreventesKruter e John. OsDilogoscom Goethe,deEckermann,soa fonteprincipaldessasltimasdcadas,e almdissotomaram-seum dosmelhoreslivrosemprosado sculoXIX. O queatraao poetaa Eckermannfoi talvezantesdemaisnadasuatendnciaincondicionalparatudo aquilo queerapositivo,deumamaneira quenuncaseencontraemespritoselevados,mastambmmuitoraraemespri-tos maislimitados.Com a crtica propriamentedita, Goetheno teverelaciona-mento.A estratgiadavidaartsticaqueo atraatambmdevezemquandomani-festava-senelesob formasditatoriais:emmanifestos,comoaquelesesboadoscomHerder e Schiller,e em preceitos,como aquelesredigidosparaatorese artistas.

    Mais independentedo que Eckermann,e por issomenosdedicadoexclusi-vamentea Goethefoi o chancelervon Mller. TambmseusDilogoscomGoethefazempartedaquelesdocumentosque determinarama imagemde Goethetrans-mitidaparaa posteridade.A estesdeve-seacrescentaro professordeFilologiaanti-ga,FriedrichRiemer,no como interlocutor,maspor sualongaeperspicazdescri-ode Goethe.O primeirograndedocumentoquesurgiudaqueleorganismoliter-rio criadopeloprprioGoethe,j entrandona velhice, a autobiografia.Poesiaeverdade umaantecipaode suavelhicena forma de umarememorao.Estaretrospectivadajuventudeativade Goetheforneceo acessoa um dosmaisimpor-tantesprincpiosde suavida. A atividademoral do poetarepresenta,emltimaanlise,um antagonismopositivoao princpio crist[o do arrependimento:"Pro-curedarumacontinuidadea todasascoisasdetuavida.""O maisfelizdoshomens

    56

  • aqueleque consegueunir o fIm de suavidacom o incio." Nistotudo haviaoimpulsode imitar,emsuavida,a imagemdo mundoe traz-Iatona,mundoesteao qual se acomodaraem suajuventude,ou seja,ao mundodainsuficincia,doscompromissose dascontingncias:da indecisoerticae dahesitaopoltica.So-mentea partirdestefundamento,a "renncia"goetheanaadquireseusentidover-dadeiro,o sentido de suaterrvelambivalncia:Goetherenunciouno somenteao prazermastambm grandeza,ao herico. Talvezpor issomesmoessaauto-biografiaseinterrompaantesqueo herialcancesuaposio.As memriasdavidamaduraemergemesporadicamentena Viagem Itlia, na Campanhada FranaenosDirios e anais.Na apresentaodosanos1750-75,Goetheinseriuumasriede descriesdos maisimportantescontemporneosde suajuventude.Gnther,Lenz, Mercke Herderentraramparaa histriadaliteraturaempartecomascarac-tersticasimprimidaspelasfrmulasgoetheanas.Nessasapresentaes,Goethedeuvidanosa elescomotambmsuaprpriapessoaatravsdapolaridadedeles,noconfrontohostil ou harmoniosocomessesamigosou concorrentes.Aqui estemaoo mesmoimpulsoqueo levoucomopoetadramticoa contraporEgmonteOrangecomohomemdo povoe homemda corte,Tassoe Antniocomopoetaecorteso,Prometeue Epimeteucomohomemcriador e sonhadorqueixoso- eflnalmentecontraporFausto a Meflstfelesa todos elesjuntos comopersonagensdesi prprio.

    A este crculo de colaboradoresmaisprximossomou-senessapocaumoutro. O suo HeinrichMeyer,pessoade confianade Goetheem questesdearte, rigorosamenteclassicista,ponderado,o colaboradorna redaodasPropy-liien e maistardena direoda revistaArte eAntiguidade(Kunst undAltertum);o frllogoFriedrich AugustWolf, que ao comprovarqueasepopiasde Homerose originaramde umasriede poetasdesconhecidos,cujoscantosforamredigidosmuito maistardee divulgadossobo nomedeHomero,levoGoetheaoaugedad-vida, e participou da tentativade Schiller de dar continuidade niada atravsde uma Aquillda, que permaneceufragmentria;Sulpiz Boissere,o descobri-dor da Idade Mdia alemna pintura. o defensorentusiastado gticoalemoe como tal, amigodos romnticose eleitopor todo o Romantismoatomar-seoporta-vozde sua convicoartsticajunto a Goethe.(Seu esforode anosteveque se contentarcom umavitria parcial,quandoGoethefInalmentemostrou-sedispostoa apresentar corteumacoleode documentose planosrelativoshis-tria e ao trmino da construoda Catedralde Colnia.) Todasessasrelaes,alm de inmerasoutras,soexpressode uma universalidadeemprol da qualGoetheconscientementepermitiaque se entremeassemos limitesentreo artista,o pesquisadore o diletante:nohouvenenhumgneroliterrioenenhumalingua-gem aceitospelo pblico alemo,sem que Goethe imediatamentese ocupassedeles.O que ele produziucomo tradutor,cronistade viagens,mesmocomobi-grafo,conhecedore crtico de arte,fsico, educador,mesmocomotelogo,dire-tor de teatro,poetada corte.homemdasociedadee ministroserviuparaaumentara famade suaversatilidade.O espaovital dessauniversalidadetomou-separaelecadavezmaisa Europa,emoposio Alemanha.Nutriaumaadmiraoapaixona-dapelosgrandesespritoseuropeusquesurgiramno final desuavida,Byron,WalterScott,Manzonie, na Alemanha,ao contrrio,incentivavano raramenteo medo-cre,ignorandoa genialidadede seuscontemporneosHolderlin,Kleiste JeanPaul.

    57

  • Na mesmapocadePoesiae verdadesurgiramem 1809asAfinidadeseleti-vas.Enquantoescreviaesteromance,conseguiupelaprimeiravezumacompreensoadequadada aristocraciaeuropia,umavivnciaa partirdaqualseformaparaeleavisodaquelepblico novo e segurodesuacondiomundana,paraquemexclusi-vamentej pretenderaescrevervinteanosatrsem Roma.As Afinidadeseletivasforamdedicadasa essepblico, aristocraciasilsio-polonesa,alordes,emigrantes,generaisprussianos,que sereuniamnastermasda Bomiaem torno da Imperatrizda ustria. Isso no impediuqueo poetalanasseumaluz crtica sobreascondi-esde vidadessaspessoas.P9isasAfinidadeseletivasmostramum retratomuitofrgilmasmuito ntido da decadnciadafaml1ianaclasseentodominante.Masopoder, do qual esta instituio vtimaemseuprocessode decomposio,noa burguesia,e sim a sociedadefeudalsoba formadeforasmgicasdo destino,so-ciedadeestarestauradaemseuestadoprimitivo."Estaraaarrogantenosepodeli-vrar do tremoroculto queperpassatodasasforasvivasdanatureza,nopodenegara relaoque mantmeternamenteunidospalavrase efeito,aoeconseqn-cia" - taissoaspalavrasa respeitodaaristocraciaquea personagemMagisterpro-nunciavano dramada revoluo,Osagitados,escritopor Goethequinzeanosantese que so o motivo mgico-patriarcaldesteromance. o mesmoraciocnioquereconduz,nosAnos de aprendizagemde WilhelmMeister,atmesmoastentativasmaisdecisivasde apresentara imagemdeumaburguesiadesenvolvidaa umacpiadas associaesmsticasmedievais- a SociedadeSecretada Torre. O desenvolvi-mento de um mundo culturalburgusqueGoetherealizoude umaformamuitomaisuniversaldo que qualquerprecursore sucessors pdeserimaginadoporeleno mbito de um Estado feudal,aristocratizado.E quandoa criseeconmicadaRestauraoalem,queabrangeuosltimosvinteanosdesuainfluncia,tornou-lhea Alemanhamuito maisdistante,estefeudalismoalmejadopassoua ter traospa-triarcaisprovindosdo Oriente.Assimsurgiua IdadeMdiaorientaldoDivociden-tal-orientaL

    Com um novo tipo de poesialrica fIlosfica,da literaturaalemeeuropia,estelivro conseguiuexpressara maiorpersonificaopoticado amorna velhice.No foramapenasnecessidadespolticasquedirigirama atenodeGoetheparaoOriente.O reflorescerda paixoerticadespertadaemGoethe,jbastantevelho,ofez vivenciara prpriavelhicecomorenovao,cornoroupagemquedeviasefundircom a roupagemoriental,na qualseuencontrocomMariannevonWillemersetor-naraumafestabrevee extasiante.ODivocidental-onentalrepresentao reflexodis'so. Goethevalia-seda histria,do passado,apenasna medidaem queconseguiuincorpor-Iaa sua existncia.Na seqnciade suaspaixes,a Senhoravon Steinrepresentaa personificaoda Antiguidade,Mariannevon Willemera do Oriente,Ulrike von Levetiow, seultimoamor,a uniodestaspersonificaescomasima-gensdoscontosde fadasalemesdesuajuventude.Este o ensinamentoda"Ble-giade Marienbad",sualtimaobrarelativaaoamor.Goetheenfatizouo carterdi-dtico de seu ltimo volumede poemasatravsde anotaesreferentesaoDiv,nasquais,baseadoem Hammer-Purgstalle Diez, apresentaao pblicoseusestudosorientais.Na pocada IdadeMdiaoriental,sob o domnio de prncipese vizires,diantedasexuberantescortesimperiais,Goethecolocaa mscarado humildeHa-tem,vagabundoe beberro,eassumepoeticamenteaquelecarterocultodeseuser,conformeconfidenciaraumaveza Eckermann:"Edifcios e aposentossuntuosos

    58

  • soparaprncipese abastados.Quandoseviveneles,vive-setranqilo... eno sede-sejamaisnada.Isto seope frontalmente minhanatureza.Numa casasuntuosa,comoa tiveemKarlsbad,sinto-meimediatamentepreguiosoe inativo.Uma casamaismodesta,ao contrrio, como este quarto desconfortvelem que estamos,arrumadoum pouco desordenadamente,umpoucocigano, adequadaparamim,e permitetotal liberdadede aoe produominhanaturezainterior." Na figuradeHatem,Goetheexpressamaisumavezo traoinconstantee selvagemdesuaju-ventude,reconciliadoqueestavacomaexperinciadeseusanosvaronis.Em muitasdestascanes,o poeta,com meiospoderosos,deusabedoriademendigos,bba-doseandarilhosa formamaisperfeitaquejamaisencontraram.

    Os Anos de peregrinaode WilhelmMeisterfazemtransparecerda maneiramaisabruptao carterdidticode suaobratardia.O romance,esquecidodurantemuitotempo,e finalmenteconcludode maneiraprecipitada,repletode incongru-nCiase contradies,foi tratadopelopoetacomoumacoletnea,na qualpermitiuqueEckermanninclusseo contedodesuasanotaes.As inmerasnovelaseepis-dios que compema obra interligam-sede maneirasolta.A maisimportante a"Provnciapedaggica",uma composioestranhamentehbrida, na qual sereco-nheceo confronto de Goethe com as grandesobrassocialistasde um Sismondi,Fourier,Saint-Simon,Owen e Bentham.A influnciadelesprovavelmentenopro-veio de uma leituradireta;entreos contemporneosdeGoethe,tal influnciaerasuficientementeforte paralev-Ioa tentarestabelecerumarelaoentreastendn-ciasfeudaise astendnciasburguesaspragmticasqueaparecemdemaneiradecisivanestesescritos.Esta sntesese faz em detrimentodo idealde formaoclassicista,querecuatotalmente. bvio quea agriculturapareaobrigatria,enquantonadase diz sobreo ensinode lnguasmortas.Os "humanistas"dosAnos de aprendiza-gem tomaram-setodos artfices:Wilhelmtomou-secirurgio;Jamo, mineiro;Phi-line, costureira.Goethe assimiloude Pestalozzia idiada formaoprofissional.Aqui retomao elogiodosofcios queGoethej mencionanasCartassuasde Wer-ther.Nessesanosem queosproblemasdaindstriacomeavama preocuparoseco-nomistasnacionais,isso representavaumaposioreacionria.No mais,as idiasscio-econmicas,pelasquaisGoetheaqtseempenhou,correspondem ideologiadafl1antropiaburguesaemsuaformaoutpica."Propriedadee bem-comum"pro-clamaumainscrionaspropriedadesruraisexemplaresdotio. Um outrolema:"Dotil ao beloatravsdo verdadeiro."O mesmosincretismoexpressa-secaracteristica-mentetambmno ensinoreligioso.SeGoethe,porumlado,uminimigodeclaradodo Cristianismo,por outro lado,respeitanareligioamaisslidagarantiadetodaequalquerformasocialhierrquica.Ele sereconciliaaqtatmesmocomaimagemda Paixode Cristo, que por decniosdespertarasuamaisprofundaaverso.Nafigurade Makarieexpressa-seemsuaformamaispuraaordemdasociedadeno sen-tido goetheano,isto , atravsde normaspatriarcaise csmicas.Suasexperinciasna atividadepoltica e prticano puderaminfluenciarestassuasconvicesbsi-cas,emboramuito freqentementeumastenhamcontraditoas outras.Assim, atentativadeunir aquelasexperinciase estasconvices,trazendo-as tonana to-talidadedeurnaobraliterria,spodiapermanecerfragmentriacornoo demonstraa estruturado romance.E no prpriopoetarevelam-sereservasltimasquandopro-curao futuromaisfeliz emaisharmoniosodesuaspersonagensnaAmrica.O finaldo romanceasfaz emigrarparal. A isto deu-seo nomedeuma"fugaorganizada,

    59

  • comunista".SeGoetheemseusanosdeproduomadurossedesviafreqentementedo potico,paradedicar-semaisdescontraidamentespesquisastericasou aosnegciosadministrativos,seguindoo impulso de suavontadee inclinao,entoograndefenmenodeseusltimosanosfoi comoeleconseguiureduzirconcentrica-mentea umaltimaobradeporte- asegundapartedoFausto- o crculo imensu-rvelde seuscontnuosestudosde fIlosofiada natureza,mitologia,literatura,arte,fJ.lologiae desuaantigaocupaocom a minerao,finanas,teatro,maonariaediplomacia.Segundoseuprprio testemunho,Goethetrabalhounasduaspartesda obra por maisde sessentaanos.Em 1775ele trouxeo primeirofragmento,oUrfaust,paraWeimar.Aqui j estocontidasalgumasdascaractersticasprincipaisdaobraposterior;a figurade Margarida,contra-imagemingnuade Fausto,o homemprimitivosentimental,mastambma crianaproletria,a mesolteira,a infanticida, que executada,da qual tinhasenutrido atravsdepoesiase dramasa crticasocial flamejantedo movimentoSturmundDrang;a figura de Mefistfeles,jnaqueletempomuitomenoso demnioda doutrinacristdo queo espritotelri-co dastradiesmgicas,cabalsticas;finalmenteno Faustoo homemprimitivoti-tnico,o irmogmeodeum Moissplanejadoempocaspassadas,quedeviacomoele tentarextrairdanaturezadivinao segredodacriao.Em 1790foi publicadoofragmentodoFausto.Em 1808,Goetheconcluiua primeiraparteparaa primeiraediode suasobrasna editorade Cotta.Aqui esboa-sepelaprimeiraveza aoem traosfortes.Ela seestruturaa partir do "Prlogono Cu"emqueDeuseMe-fistfelesfazemumaapostapelaalmade Fausto.Deusconcedeaodemniotodaaliberdadede aoem relaoa Fausto.Este,porm,selacomo demnioservilopacto,de sprecisarentregar-lhea almasedisserao instante:''Pare!s tobelo!/Poders,ento,me amarrar./Perecereiventuroso!jPode tocar o sinoda Morte,jPode pararo relgio,podemcair os ponteiros/- tu estarslivTedo teu servio,/e paramim teracabadoo Tempo!" Mas o ponto-chaveda obra o seguinte:aambioselvageme inquietade Faustopelo absolutofrustraa artedeseduodeMefistfeles,e o crculo dos prazeressensuais logo percorridosemaprisionarFausto: "Assim,tropeodo desejoao gozo,/ E no meiodo gozo,anseiopelodese-jo." A buscade Faustoaproxima-sedo infinito, quantomaior,maisdecisiva.NocrceredeMargaridaterminaemlamentaesa primeirapanedo drama.Observa-da em si mesma,a primeiraparte umadasmaissombriascriaesde Goethe.Epode-sedizerdela,quealendadeFaustoexpressouno sculoXVI comolendauni-versale no sculoXVIII comotragdiauniversaldaburguesiaalem,dequemanei-ra estaclasse,emambosos casos,perdeua partida.Comestaprimeiraparteencer-ra-sea existnciaburguesade Fausto. Os cenriospolticosda segundapartesocortes imperiaise palciosda Antiguidade.Os contornosda Alemanhagoethea-na que transparecena IdadeMdia romnticada primeirapartedesaparecemnasegundaparte,e toda a extensacorrentede pensamentosna qual estasegundapartese insereestligada concretizaodo Barrocoalemo,queo poetautilizacomoinstrumentoparaobservara Antiguidade.Goethe,quedurantetodasuavidase esforarapor observarjustamentea Antiguidadeclssicademaneiraa-histricae ao mesmotemponum espaovazio, esboaagorana fantasmagoriaclssico-romnticade "Helena" a primeiragrandeimagemda Antiguidadevistapor elemesmoatravsdo passadodo germanismo.Em torno destaobra,maistarde,oterceiroato dasegundaparte,estruturam-seassuaspartesrestantes.QuantaapoIo-

    60

  • giaeexperinciapoticasdaantigaatividadepalacianadeGoetheestpresentenestaparteposterior,especialmentenascenasque transcorremna corteimperiale nosacampamentos!Se o poetafinalmenteprecisouconcluircomprofundaresignaosuaatividadeministerialcomoumacapitulaodiantedasintrigasdeumacortes,eleesboano fim desuavidaumaAlemanhaidealdapocado Barroco,namedidaemqueexageratodasaspossibilidadesdepoderdo homemdeEstado,masaomes-mo tempolevaao grotescotodasasdeficinciasdestepoder.Mercantilismo,Anti-guidadee experinciamsticada natureza:aperfeioamentodo Estadoatravsdasfinanas,daarteatravsda Antiguidadee da naturezaatravsdaexperinciasoacaractersticada pocaque Goetheevoca:o Barrocoeuropeu.E nosetrataemltima anlisede umanecessidadeestticadiscutvel,e sim de umanecessidadepoltica ntimadessaobraem queno final do quintoatoabre-seo cudo catolicis-mo com a figurade Margaridacomo uma daspenitentes.Goetheaprofundou-sedemaisparapodersatisfazer-secom seuretomoutpicoao absolutismodo princi-pado protestantedo sculoXVIII. Soret fe.zuma profundaobservaosobre opoeta:"Goethe liberalnum sentidoabstrato,masna prticaele tendeparaosprincpiosmaisreacionrios."Nestasituao,que coroaa vidade Fausto,Goethepermitequeo espritodeseupragrnatismovenha tona:conquistarterrasno mar-umaaoqueprescreve naturezaa histria,naqualanaturezase inscreve- esteerao conceitogoetheanodeeficciahistrica,e todasasformaspolticasemessn-cia s eramboasparaele,a fim de preservar,de garantirtal eficcia.Num entre-laamentomisteriosoe utpicode aoe produoagrotcnicacomo aparatopo-ltico do Absolutismo,Goetheviu a frmulamgica,pelaquala realidadedaslutassociaisdeveriase dissolverno nada.Poderio feudal sobreterrasadministradas

    maneiraburguesa- esta a imagemcontraditriaemquesemanifestaa mximafelicidadedevidadeFausto.

    Goethemorreuno dia 22 demarode 1832,logo apsaconclusodaobra.Por ocasiodesuamorte,aindustrializaodaEuropaj seencontravanumcresci-mento desenfreado.Goethepreviuessedesenvolvimento.Numacartade 1825aZeIterl-seo seguinte:"Riquezae rapidez,eiso queo mundoadmiraeo quetodoo mundoquer.Ferrovias,correioexpresso,naviosa vapor,e todasaspossveisfa-cilidadesde comunicaosoascoisasque o mundo cultodesejaafim desesofis-ticare assimpersistirna mediocridade. tambmconsensogeralqueumaculturamedianase tome comum:esta a metadassociedadesbblicas,do mtododoestudolancasterianoe tudo o mais. Na verdade, o sculoapropriadoparaaspessoascapazes,prticase de raciocniorpido,que,providasde umacertadesenvoltura,percebemsuasuperioridadeemrelao multido,aindaqueelesprpriosno tenhamtalentoparaatingiro mximo.Atenhamonostantoquantopossvelmentalidadena qualfomoscriados:ns,e algunspoucos,seremostalvezosltimosde umapocaqueto cedono retomar."Goethesabiaquesuainflunciaimediataseriafraca,enaverdadea burguesianaqualreviveuaesperanadaconstruoda democraciaalemapegou-sea Schiller.Os primeirosprotestosliterriosimpor-tantesprovieramdos crculos da Jovem Alemanha.Nessesentido,expressouseBme: "Goethesempreadulouo egosmoe a insensibilidade;por issoamamnoos insensveis.Ele ensinouaspessoascultascomosepodeserculto,liberale sempreconceitos,e assimmesmoum egocntrico;como se podeter todos os vciossemsuacrueza,todasasfraquezassemseuridculo; comosepodeconservaro esp

    61

  • ritolimpodaimpurezadocorao,pecarcomdecnciaeenobreceramatriadetodaainfmiaatravsde umabelaformaartstica.E comoeleassimosensinou,prezamno as pessoascultas." O centenriodo nascimentode Goethe,1849,transcorreusemressonncia,comparadocom o de Schiller 10 anosmaistarde,quesetrans-formou numa grandedemonstraoda burguesiaalem.A imagemde GoethepSsouparao primeiro plano somentena dcadade 1870,depoisda criaodoImprio alemo,quando a Alemanhaficou procura de representantesmonu-mentaisdeseuprestgionacional.Dadosmaisimportantes:fundaodaSociedadeGoethe,sob o patrocnio dos prncipesalemes;e tambmsob suainfluncia,aediodasobras:Sophien-Ausgabe:imposioda imagemimperialistade Goethenasuniversidadesalems.

    Masapesarda literaturaincalculvelsobreGoethequea filologiaproduziu,aburguesia,para seus objetivos,s pdeseutilizar de maneiraincompleta,desseesprito fabuloso,semmencionarat queponto ela conseguiucompreendersuasintenes.Toda suaproduoeStrepletadereservascontraessaclasse.E seelelheofertouumaobrapoticadealtovalor,eleo fez derostovirado.Nemdelongepos-suaa influnciaquecorrespondiasuageni?lidadee atmesmoa recusouvoluntariamente.E assimagiuele paradaraoscontedosqueexistiamdentrodeleaformaqueresistiuathoje suadissoluopelaburguesia,porqueemboraessaformatenhapermanecidoineficaz,no pdeserfalseadanembanalizada.Essaintransign-cia do poeta para com o pensamentoda mdiaburguesa,e com isso um novoaspectode suaproduo,tomou-seatualcoma reaoao naturalismo.O neo-ro-mantismo(Stefan George,Rugo von Hofmannsthal,Rudolf Borchardt),no qualpelaltimavezpoetasburguesesdealtonveltentaramsalvara frenteburguesape-le menosno mbitocultural,sobo patrocniodasautoridadesfeudaisenfraqueci-das,deu filologiasobreGoetheum importanteestmulocientfico (KonradBur-dach,GeorgSimmel,FriedrichGundolt).Essaorientaoabrangeuprincipalmenteo estiloe asobrasda fasetardiadeGoethe,quehaviapassadodespercebidano sculoXIX.

    19261928

    62

  • 3. O QUE OS ALEMES LIAM, ENQUANTO SEUSCLASSICOS ESCREVIAM *

    Personagens:

    Locutor

    Voz da IlustraoVoz do RomantismoVoz do SculoXIXO Editor JohannFriedrichUngerO EscritorKarl PhilippMoritzO Ator Iffland

    PrimeiroLiterato(o mesmoqueaVoz daIlustrao)Segundoliterato (o mesmoquea Voz do Romantismo)O PastorGruneliusO LivreiroHeinzmannGarom,Leiloeiro,Arauto,Diretor,doisAtores

    DiscursodoDiretor:

    Senhorase senhores.Normalmentecabeaolocutorfazeralgumasobservaesintrodutriascomo as farei agora.Os senhoresvo logo perceberque,destavez,nossolocutorseenredouem um tipo de dilogocomespritosto estranhos,quetemosdeliber-loda tarefaprofanadeumameraapresentao.Almdomais,peloseutipo dediscurso,ossenhorespodemobservarqueeletalveznotenhaacalmaeaobjetividadenecessriasparaum apresentador.b umtomumtantoquantoirritadoe apaixonadoque perceberemosnele.A Ilustrao,comquemconversaprimeiro,pelovistonocorrespondeasuasexpectativas.Ao Romantismo,queo interrompe-r durantesuasegundainterveno,nodconfianaalguma;eo SculoXIX, como qual se encontrarno final, frentessuascrticas,deverprocuraramparoemGoethe.Apesardetudo,ossenhoresnoterodeagentarpormuitotempoa com-panhiadessepersonagemumtanto desagradvel.S apareceremalgunsmomentosdo nossoespetculo.Quer dizer:no incio, no fim eno meio,quandoestardiscu-tindo com a Voz do Romantismo;nessaaltura,percorreremoso caminhode umacafeteriaberlinense- lugarondeseremosintroduzidosprimeiro-, ata bodegado

    * WalterBenjamin,"Wasdie Deutschenlasen,wmrendihre Klassikerschrieben",in: G.S.,IV, Ed. Suhrkamp,Frankfurt,1972,pp.641-70.Trad.Willi Bolle.

    63

  • livreiroBreitkopf,emLeipzig,ondena pocadaFeira do Livro serenemalgumaspessoascujaconversaescutaremos.No fazmal,seossenhoresimaginaremessavia-gementreBerlimeLeipzigtambmcomoumaviagematravsdo tempo.Ficaremosnestasduascidadesentreos anos1790e 1800.Nossoguiasero livreiroberlinenseJohann FriedrichUnger,queorientouumnmeroconsiderveldeescritoresdaque-la poca.A seuladoencontraremosdoispersonagensannimos,tpicos,dois lite-ratos,dosquaiso primeiroencarnaa Voz da Ilustraoe o segundo,a do Roman-tismo.Sotambmpersonagenshistricoso escritorKarl PhilippMoritzeo atoredramaturgoIffland, dois personagensque ficam suficientemente sombradeoutros,maiores,parapoderemserincorporadosa estepequenoespetculoliterrio,semcontestara hierarquia.E, paraterminarestaapresentao,temosainda,napri-meiracena,o PastorGrunelius,figuraqueinventamos,enasegundacena,o livreiroHeinzmann,dacidadedeBerna.

    A Voz da Ilustra'r{):O senhorestdemorandodemais.As Vozesnoestoacostu-madasa aguardarnaante-sala.

    Diretor:Nominhafunoconversarcomvozes.Isso tarefadolocutor.

    Locutor: Do locutor.Exatamente.E ele,por suavez,noestacostumadoa fazercerimniascomvozes.

    Voz daIlustrao:A Ilustraonotemsuscetibilidades.

    Locutor: Ento,possoserfranco?Ouvidizerquehojevocqueriainstalarseuquar-tel-generaldentrodeumatabacaria.

    Voz daIlustrao: issomesmo,no Zimmermann,naKoenigsstrasse.

    Locutor: Os seusinimigos- vocsabequeaindahoje ostem- diroquevocnas-ceunumatabacariaberlinense.

    Voz da Ilustrao:Nessecaso,osinimigosdaIlustraonopassamdeunsignoran-tes.Eu nascinaBastilha,quandofoi tomadadeassaltoem89.

    Locutor:E o quevoctrouxeparaaspessoas?

    Voz daIlustrao:JustiaeCulturaaoalcancedetodos.

    Locutor:De todos?Vocfalaevidentementeemsentidofigurado.

    Voz daIlustrao:Comoassim?

    Locutor: Os livros de seusamigoscustamcaro. A Histria da Guerrados TrintaAnos, deSchiller,estpor 18marcos,de acordocom o catlogoda Editora Go-schen.Parao BenvenutoCelliniestopedindo24 marcos.E a ediodasobrasdeGoethe,publicadaem1790,constado catlogocomo preode57marcos.

    Voz da Ilustrao:Sinto muito.Masissono provaapenasquealeituradosclssi-cos era de difcil acesso,mastambm,quehaviapessoasdispostasa fazersacrif-cios.A ediodeum clssicoeraumaaquisioparaa vidainteira.Digomais:umdoteparafilhosenetos.

    Locutor: Ficavana prateleira,masserqueeralida? Ao fim desuavida,Goethedisse,ele que deviaconhecero assunto:O grandepblico tem to poucojuzoquantopoucogosto;mostrao mesmointeressepelovulgarepelosublime.

    64

  • Voz da llustrao:Eu no s tenhoavercomo grandepblicoe o gosto,mastam-bmcomo povo e o saberelementar:por exemplo,o Pequenomanualeguiaparagentedo campo,do qual em 1788,anoda publicao,foramvendidostrintamilexemplares;ou osLivrospopularesdePestalozzi;ou oAmigo'dascrianas,deEber-hardvonRochow,emsuma,livrosdestinadosscrianasespessoasdocampo.So-breesseassuntoaindaquerofalarcomosmeusamigos.

    Locutor: Quer dizer que vocvai paraa tabacaria,paral seencontrarcomseusamigos.

    Voz dallustrao:Tambmcommeusadversrios.L estarum pastorquenotemamenorsimpatiapormim.

    Locutor:Em todocaso,encontrartambmseusamigos.Quemso?

    Voz da llustrao:O livreiroberlinenseJohannFriedrichUnger,editordo WilhelmMeistere de outrosrecentesescritosdeGoethe,daDonzeladeOrlansdeSchiller,doAlarcosdeScWegel,semesquecero TratadodeMitologiadeKarl PhilippMoritz,queestarl tambm.

    Locutor:Sobqueformavocseapresentar,semepermitea pergunta?

    Voz da llustrao:Sob umade centenasdeformaspossveis.Minhavoz avozdograndefilsofo ImmanuelKant ou a dopequenoliteratoMercke1,avozdomdicojudeu MarcusHerz ou a do chatoe espalhafatosoNicolai. Mas quandovocmeouvirdaquia pouco,minhavozsera deumprofessorqualquer.

    (Comopreldio,ouve-seo cantoseguinte.)

    Voz dallustrao:Sssst,silncio,escute!

    (Ouve.seumcanto,eventualmentedevriasvozes):

    Eu venhoa vsdosaltoscus,Comboasnovasdemeurei,MaravilhosoegrandeDeus,Ouvi-me:ahistriacontarei.

    UmpequeninovosnasceuDavirgemme,htempoatrs.Comele,DeusaomundodeuGozo,alegria,amorepaz.

    Comigovem,meubomJesus.EscolhecomoleitoteuMeucorao,etualuzPorcertoalcanareio cu.

    EternaglriaaonossoDeus,QuequisemCristonossalvar.AlegresanjosvmnoscusUmanonovoanunciar.l

    1. Trata-5ede uma canolitrgicaluteranadasmaisconhecidas("Vom Himmelhoch,dakommich her"). Agradeoa Ruth Riihl a indicaode urnatraduobrasileiraj pronta,deRodolfo Hasse,quefoi aqui incorporada.Em comparaocomo original,houvefusoeinter-pretaolivreda3!ie4!i estrofes.(N. T.)

    65

  • PastorGrunelius:Pois ,meusqueridos, s ouvir o coro dessascrianas,e secriaa atmosferadeNatalem um local mundanocomoeste,localemqueentreihojesexcepcionalmente,comoossenhoresbemsabem... Pois,Sr.Diretor,o senhornoconseguedesgrudaro olhardajanela.

    PrimeiroLiterato (baixinho): Acho melhor, Sr. Pastor, deix-Ioem paz. Quasetenhoa impressode queele querficars... (maisalto):Aqui, j possodizero quepenso.Eu seimuitobempor queo Diretorficaalipertodajanela.

    PastorGronelius:No compreendoessetom de voz. O queestquerendodizer?

    PrimeiroLiterato:QueexistemopiniesdivergentessobreessainstituiodosCorosAmbulantes?S possodizer que,outro dia,li no Jornal deBraunschweig,editadopor Campe,ascrticasde um conselheiropedaggicosobreessescorosambulantes.O homeminsisteemexigirsuaextino,eeuestouabsolutamenteconvencidoquetem razo;Ele afirmaque o msero aproveitamentoque os menorestiramdessaformadeensinogratuitonocompensaa depravaoe o embrutecimentoaosquaisinevitavelmenteeles se expem durantesua vagabundagempelosptiose pelasestradas.As doaesrecebidasdeveriamsimplesmenteserutilizadas,propeo con-selheiro,paravestire instruir os meninospobres.No sepodepensarem dar-lhesum ensinoregular,no momentoem quegastamo tempoquedeveriampassarnaescola,cantarolandonarua.

    PastorGrunelius:Sobreessesassuntos,liustrssimosenhor,nuncachegaremosaumacordo.Alm do mais,confessoquenofaoamnimaidiado queissotemavercomo Sr.Moritz.

    PrimeiroLiterato:O senhorconhecesemdvidaoAnton Reiser?

    PastorGrunelius:O romancedo Sr. Moritz? Parasersincero,noconheo,masdi-zemqueumlivromuitotriste.

    PrimeiroLiterato: triste mesmo.Na medidaem quecontaa histriada adoles-cnciadonossocaroMoritz.

    PastorGrunelius:Como assim,o tal do Reiserelemesmo?Agoracomeoaenten-derumaporodecoisas.

    Primeiro Literato: Sobretudo,o senhorentenderiapor queele estl, plantadopertodajanela. queeleprprio foi umdessesmeninosdoscorosambulantes.Daltima vez que nos encontramosna ConfeitariaKameke,ele me falou daquelashorasinfindveisque elespassavamna rua, com nevee chuva,unsgrudadosaosoutros,atchegarum empregadocom anotciadequedeveriamcantaremalgumacasa.Como todos se atropelavamna entradada sala,amontoadosuns sobreosoutros,paracantarumariaou um motete,e ficavamfelizesquandoalgumlhesofereciaumcopodevinhoou cafcombolo.

    (Ouve-seum barulhode cadeirascaindoao choe exclamaesirritadas:Que mo-dossoesses!Queimpertinncia,masMonsieur...)

    2. A palavraalemcorrespondente,Kurrendeschler,derivado'Verbolatinocurrere,designan-do aqui "osrapazesquecorrem".Trata-sedecorosformadosporrfosourapazespobresque,medianteumagratificao,seexibiamcomseuscantosemcasasparticularesdacidade.(N. T.)

    66

  • PastorGrunelius:Pelo visto,o Sr. Professorhoje no estmuito firmenaspernas.

    Primeiro Literato: Ou ento,como de costume,andoutomandoumase outras.

    SegundoLiterato: Por favor, caro colega,queirapararcom essasinsinuaes.Asubidaao nossoOlimpoberlinense um tantoescorregadia,comoo senhoralisjdeveter tido ocasiodeperceber.

    Moritz: Se querdizer que os degrausparaa CafeteriaKranz1ersobastantelisos,temrazo.Masachosualinguagemumtantoflorida.

    SegundoLiterato:Minha linguagemno se comparacom o florilgioquetrouxeaquicomigo.

    PastorGrunelius(baixinho):Como apreciaro cheirodasflorescomo nariztota-pado?

    SegundoLiterato:Senhores,adivinhemquantoslivrostenhoaquicomigo.

    PrimeiroLiterato:Presumoquesetratadeseuspoemasreunidos;nuncao encontreisemelesdebaixodobrao.

    PastorGrunelius:Masissonodarianemmesmoparaumvolume.

    SegundoLiterato:Trintae oito livros,l1ustrssimossenhores.

    PastorGrunelius:Estbrincando.

    SegundoLiterato:Vamosapostar?Umagarrafadechampanhe.

    PrimeiroLiterato:Deixedebrincadeira.

    SegundoLiterato:Entovejacomseusprpriosolhos.

    (Ouve-se,por partedetodosospresentes,u,-nasrievariadadeAh! Oh!Ah! etc.Osttulos dasobrasqueseguemsoapresentados,aogostodecadaum,pelosdiversospersonagens):

    AlmanaquealemodasMusas.Almanaqueparaalmasnobres,CalendriodasMusase Graas,Calendriogenealgicodos pn"ncipeseleitoresde Braunschweig-Lne-burg,Almanaqueparaamantesda sade,Almanaqueeclesistico-hertico,Manualdejogossociais,Almanaqueparacrianaseadolescentes,Almanaqueparao incen-tivodafelicidadedomstica.

    PastorGrunelius:Almanaqueparao incentivoda felicidadedomstica- eras oquefaltava!Todo o mundosabequenoveemdez casosde infelicidadedomsticaso causadospor essamalditamaniade ler almanaques,graasaosquaistoda mu-lherseimaginaumaCloou atumaAspsia.

    Moritz: Pois , essacoleo coisado diabo.Um pobremestre-escolacomo eu seperguntao quefazercontratodaessaproduopseudoliterria"O quemeaborrecesobretudo,nessesalmanaquese calendrios, que comseusversos,anedotas,can-es,danase andanas,artiguinhose notcias,mapinhas,gravurinhase figurinoseles acabamdesviandoa atenOdasqbrassrias,mesmopor partedo pblicoculto.

    PastorGrunelius: issomesmo,Sr. Diretor.Tudo fragmento,aparncia,engodo.J vejochegaro diaemquevobanalizartambma SagradaEscritura,e acrescentaraoAntigoTestamentofigurinhascoloridasdospatriarcas.

    67

  • Moritz: Estamossentadosentreduascadeiras:o pblicoelevadosefIxaembrinca-deirinhas,versinhosgalantes,romanceslacrimejantes;e s pessoassimples- namedidaem que sabemler - seencontramnasgarrasd vendedorambulantequelhes fornece,diretamentea domicilio,histriasde bandidose fantasmasaosmon-tes.O senhorestnumasituaobemmelhor,Sr.Pastor:o Cueo Infernotmumrecadoparaqualquerestamentosocial.

    PastorGrunelius:Se o senhorachaquemeussermespodemconcorrercomessanova moda de histriasde cavalaria,estmuito enganado.Eu precisavaser umAbraoa SantaClara,pararetera atenodaspessoas.A cadamissaquepassa,asituaofIcapior.

    SegundoLiterato: Um momento,meussenhores.Aquele senhorsentadol nofundonoo Unger? Certamenteestarcomo ltimocatlogodaFeira,e a vamospodersaber.Comlicena,estimadssimoSr.Unger?

    Unger:No esperavaencontraro senhorpor aqui,meucaro.Francamente,seeuosoubesse,teriatomadomeucafemoutrolugar.O senhortemtodaa razoemmefazerlembrar.Maspodeperguntara todososmeusautores,pergunteaoMoritz:eunopossomandarimprimirnada,enquantonotiverresolvidoo problemadosno-vostiposcommeucolegaparisienseDidot.

    SegundoLiterato: Mas faa-meo favor,noqueropression-lo.No vim por isso.PonhasuaRevistaMensalBerlinensepor um momentode lado, e peguedo seubolsoo novocatlogodaFeira.- Senhores,eiso queprocuramos!

    PastorGrunelius:Senhores,um momentodesilncio!Escutems!OssenhoresvofIcarenvergonhados.J ouviramfalarna EditoraWidtmannde Praga?Eu tambmno.Masvalea penagravaro seunome.quelaeditoradeveremos,embreve,umaobra-primacom o ttulo seguinte:A vovozinhajudia ou O espritoassustveldamulherde trajespretos.Mas o Sr.WidtmnntemconcorrentesemPraga.Quetal:O vgianoturnoou O acampamentonoturnodosespritospertodeSaaznaBomia.Uma lendate"fica dos temposobscurosda eramgica?- E ouam,ouamesta:o senhornovai acreditar,carssimoSr. Diretor.Veja s:Adelmarde Perlsten,ocavaleiroda chavedouradaou As doze donzelasadormecidas,protetorasdo jo-vemencantador.Histria medievalde cavalariae espritos,episdiocomplementardo cavaleiroEdulfo deQuarzfeld.

    PrimeiroLiterato:Pelo visto,o Sr. Waldner,queescreveuisso,noprecisavatemera concorrnciado nossovalenteVulpius.

    SegundoLiterato:Que tipo de~farrbioelelanardestavez?Semdvidaeleestarpresente.

    PastorGrunelius:Claro. Olhe aqui:Rinaldo Rinaldini, capitodos bandidos.MasquantoaoVulpi