beatriz ana loner e lorena almeida gill

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ORGANIZAÇÃO NEGRA EM PELOTAS : CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO (1870-1950) Dra. Beatriz Ana Loner e Dra. Lorena Almeida Gill Departamento de História e Antropologia/ Núcleo de Documentação Histórica – Universidade Federal de Pelotas. Nesta comunicação, se pretende discutir alguns aspectos da evolução da organização negra na cidade de Pelotas, ao longo do século XX, em sua busca, contraditória, mas efetiva, pela inserção e participação na sociedade brasileira 1 . Trazido como escravo para esta região, o negro tendeu, para o final do período imperial, a congregar-se em entidades mutualistas, profissionais ou étnicas, que ainda não buscavam a construção de uma identidade étnica, mas sim auxiliar na inclusão social e amparar seus sócios. Posteriormente, entretanto, surgem propostas identitárias entre este grupo, embora ele sofra com a influência de ideologias desagregadoras, disseminadas pela sociedade brasileira e que tinham como alvo principal o próprio negro, como a ideologia do branqueamento, com a completa dissolução do elemento racial negro pela mestiçagem na sociedade brasileira. Esta comunicação pretende descrever, brevemente, a trajetória dos negros na cidade de Pelotas, 1 Esta comunicação engloba resultados da pesquisa “ Clubes carnavalescos negros de Pelotas”, financiada pelo CNPq e outras pesquisas anteriores, indicadas na bibliografia. Participaram da equipe, como bolsistas ou voluntários as seguintes alunas: Débora Clasen de Paula, Viviane Tavares, Marcelle Vitória, Fernanda Oliveira da Silva, Juliana Marcello e Caroline Megiatto.

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ORGANIZAÇÕES NEGRAS

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Page 1: Beatriz Ana Loner e Lorena Almeida Gill

ORGANIZAÇÃO NEGRA EM PELOTAS : CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO

(1870-1950)

Dra. Beatriz Ana Loner e Dra. Lorena Almeida Gill

Departamento de História e Antropologia/ Núcleo de Documentação Histórica –

Universidade Federal de Pelotas.

Nesta comunicação, se pretende discutir alguns aspectos da evolução da organização

negra na cidade de Pelotas, ao longo do século XX, em sua busca, contraditória, mas efetiva,

pela inserção e participação na sociedade brasileira1. Trazido como escravo para esta região, o

negro tendeu, para o final do período imperial, a congregar-se em entidades mutualistas,

profissionais ou étnicas, que ainda não buscavam a construção de uma identidade étnica, mas

sim auxiliar na inclusão social e amparar seus sócios.

Posteriormente, entretanto, surgem propostas identitárias entre este grupo, embora ele

sofra com a influência de ideologias desagregadoras, disseminadas pela sociedade brasileira e

que tinham como alvo principal o próprio negro, como a ideologia do branqueamento, com a

completa dissolução do elemento racial negro pela mestiçagem na sociedade brasileira. Esta

comunicação pretende descrever, brevemente, a trajetória dos negros na cidade de Pelotas,

1 Esta comunicação engloba resultados da pesquisa “ Clubes carnavalescos negros de Pelotas”, financiada pelo CNPq e outras pesquisas anteriores, indicadas na bibliografia. Participaram da equipe, como bolsistas ou voluntários as seguintes alunas: Débora Clasen de Paula, Viviane Tavares, Marcelle Vitória, Fernanda Oliveira da Silva, Juliana Marcello e Caroline Megiatto.

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salientando sua evolução organizativa e as formas de resistência utilizadas frente às

influências dissolventes da ideologia do branqueamento e do mito da democracia racial2.

A participação negra na configuração do território do Rio Grande do Sul, Brasil, foi

muito expressiva devido a indústria saladeril, especialmente na região meridional do Estado

(CARDOSO,1962). Entretanto, há poucos estudos analisando as trajetórias dos descendentes

dos escravos da região sul e suas formas de organização pós abolição, que só bem

recentemente começaram a ser objeto de análise acadêmica.

Assim, para Porto Alegre existe o trabalho de Liane Muller (1999), sobre as

associações negras no Império e no início da República, em que ela faz um inventário das

associações em que os negros criaram ou participaram, vendo-as principalmente vinculadas a

Igreja Católica e ao jornal O Exemplo, que denunciava a discriminação racial. Para Pelotas,

tem-se o estudo de Loner ( 1999 a, 1999b) sobre a organização negra e Santos (2003), sobre o

jornal A Alvorada. Através destas pesquisas, começa a surgir um panorama mais diferenciado

dos caminhos trilhados pelos negros depois do 13 de maio, no estado gaúcho.

Caminho que, para muitos, estava muito perto da marginalização, pela discriminação,

pela falta de políticas oficiais e pelo distanciamento dos padrões culturais dos ex-escravos

daquelas práticas e comportamentos exigidos pela nova sociedade republicana. Contudo, para

outros trabalhadores negros, que tentavam se integrar na sociedade como artesãos e operários

qualificados, seus caminhos eram, em parte, facilitados pelo amparo e apoio mútuo

representado pelas entidades que criaram para auxiliá-los, desde as últimas décadas do

Império.

Na cidade de Pelotas no tempo do Império, as principais sociedades que

apresentavam forte ou exclusiva presença dos grupos negros, eram suas associações

mutualistas, seja de categorias (como por exemplo a Fraternidade Artística, de artesãos

negros), ou do grupo como um todo (caso da Feliz Esperança, que aceitava inclusive sócios

escravos). Estas e outras foram criadas por volta da década de 1870, que é também o

momento inicial da campanha abolicionista no país. Havia, ainda, a Irmandade da Santíssima

Virgem do Rosário, entidade católica e criada anteriormente.

Mas os negros também eram encontrados em entidades mistas, especialmente aquelas

que diziam respeito à organização profissional, como também aconteceu, naqueles mesmos

anos, com a Harmonia dos Artistas, cujo primeiro presidente era de tez escura, assim

2 Sobre a ideologia do branqueamento e seus impactos sobre o próprio grupo negro, no caso o paulista, ver Domingues, 2004. Outra excelente análise do comportamento da situação do grupo negro em São Paulo está em Reed, 1998.

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diferenciado pelos jornais da época. Já as entidades recreativas eram normalmente separadas,

ou por etnias, ou por cor da pele, mas também para este tipo de clube, o grupo negro se fazia

presente, organizando-se na sociedade Recreio dos Operários ou em entidades teatrais e

também em poucas, mas presentes, entidades carnavalescas, como os Netos d’África, de

1884.

Participando ativamente da campanha abolicionista, os negros pelotenses sentiram a

necessidade de criar uma entidade política centralizadora dos seus esforços, o Centro

Ethiópico. Ressalve-se que, na reta final da campanha abolicionista, um conjunto expressivo

de indivíduos dela participou, dentre os quais queremos destacar a participação do grande

bloco do trabalho, artesãos, operários qualificados e inclusive empresários ou donos de

oficinas, todos irmanados pela objetivo de promover a dignidade do trabalho manual, aviltada

no Brasil pela condição não-livre do trabalhador. Então, embora na região não tenham se

reproduzido confrontos de maior vulto ou a formação de grupos como dos Caifazes do centro

do país, teve-se a participação na campanha de vários jornais e de muitos representantes do

trabalho, desde tipógrafos e redatores de jornais, até artesãos, advogados práticos e outras

categorias, em que se uniam brancos, negros e mestiços.

Contudo, terminada a campanha abolicionista e com a derrota das visões

integracionistas do elemento negro à sociedade como trabalhador, o grande bloco que lutou

pela liberdade se desfez, e ocorreu um primeiro momento de redefinição das entidades negras

na cidade. Embora as entidades mutualistas tenham continuado ainda a expandir-se, devido

principalmente a seu caráter previdenciário, aos poucos ocorre um deslocamento no sentido

do fortalecimento das entidades recreativas, que começam a ampliar suas atividades e

formas, aparecendo, ao final da primeira década, as primeiras associações esportivas negras,

fruto do segregacionismo no esporte, que os levará, em meados da década de 1910 a criarem

uma Federação de futebol, o que também ocorreu em Porto Alegre e Rio Grande.

Em alguns momentos pontuais, como aquele da abolição ou, no período republicano,

na luta para que deputados de cor negra pudessem assumir seus cargos na Câmara, vê-se

que a comunidade negra pelotense atuou de forma unificada, criando Centros políticos,

mobilizando-se em reuniões e outras atividades, como comícios, envio de telegramas, etc.

Contudo, fora esses momentos, suas atividades foram dirigidas à ampliação de sua rede

associativa própria, o que permitiu a esse grupo, apesar do nível elevado de discriminação

com que conviviam diariamente, manter o maior grau de organização entre as comunidades

congêneres do estado.

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Nas primeiras décadas do século XX, momento em que a organização negra está em

seu período de maior expansão, eles possuíam clubes recreativos, teatrais, carnavalescos,

futebolísticos, entidades mutualistas, de assistência as crianças e de representação étnica

(LONER, 1999a). A rede associativa formada pela etnia, auxiliava a integração de seus

membros na sociedade, em termos de construção de relacionamentos, amizades, relações de

compadrio e, obviamente, de oportunidades de emprego e casamento. Também possuiam

uma grande preocupação com a questão educacional, representada pelas várias tentativas, por

parte de suas associações mais consolidadas, como a Feliz Esperança, de estabelecer aulas

públicas, noturnas para seus sócios e seus filhos.

Essa rede começou a se desenvolver no final do Império e foi se consolidando e

diversificando nas primeiras décadas da República. Entretanto, ao final da década de 1910,

evoluindo mais rapidamente nas duas décadas seguintes, houve uma reorientação das

entidades, que abandonaram seu caráter de representação, o mutualismo e objetivos

educacionais, para dedicarem-se principalmente as questões de sociabilidade e recreação, com

o início do desenvolvimento dos clubes carnavalescos negros da cidade, alguns deles,

inclusive, nascendo a partir do fim de associações mutualistas tradicionais, como a Feliz

Esperança, que dá origem ao nascimento do clube carnavalesco Chove não Molha.

Também é na década de 1920 que se tem o maior desenvolvimento dos clubes de

futebol negros, com o desenvolvimento da Liga José do Patrocínio, a qual promovia um

campeonato próprio e também a participação em jogos conjuntos com a Liga Rio Branco, de

Rio Grande, cidade vizinha.

Entre as forças que procuravam manter uma preocupação maior com a cultura e

educação do grupo negro, conformando-o entre os trabalhadores em geral, deve-se inserir o

jornal A Alvorada, que teve uma longa atuação entre a comunidade negra e operária da

cidade, tendo sido fundado em 1907 e existindo até meados da década de 1960, com pequenos

intervalos de interrupção. A direção do jornal e seus colaboradores compunham-se de vários

militantes operários, que SANTOS (2003) chama de intelectuais negros, pois tinham uma

proposta de integração da etnia dentro da classe operária.

A década seguinte, embora contemple uma mais profunda reorientação das entidades

negras, no caminho da sociabilidade e dos esportes, também deu origem ao surgimento de

uma importante e nova entidade, que trazia uma disposição de luta explícita contra a

discriminação racial, a Frente Negra Pelotense. Seu nascimento e breve atuação (1933-1935)

foi marcada pela polêmica interna, pois muitos membros da comunidade tentavam não ver a

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discriminação evidente na cidade e com isso, terminaram hostilizando as lideranças da Frente

Negra, insistindo em que ela se limitasse a propostas educacionais. Ela se propunha a lutar

pela educação e elevação do negro na sociedade, mas seus militantes também tinham uma

postura de enfrentamento e denúncia da discriminação racial. Muitos de seus fundadores eram

militantes operários, alguns deles socialistas que logo a seguir participariam da criação do

Partido Socialista Proletário Brasileiro, e concorreriam sem sucesso a cargos eletivos, como

forma de promover seus ideais.

Um representante da Frente de Pelotas participou do 1º Congresso Afro-brasileiro do

Recife, lendo um manifesto próprio da Frente. A associação pelotense foi inspirada na Frente

Negra Brasileira de São Paulo, a qual depois progrediu para a idéia da criação de um partido

negro, que não se firmou devido a conjuntura do Estado Novo. Entretanto, a Frente Negra

Brasileira tinha tendências xenófobas e apoiava com afinco o governo Vargas (ANDREWS,

1998), no que a Frente Pelotense se distanciava, pois alguns já lutavam há muitos anos contra

a discriminação, pelas páginas do A Alvorada, contra o governo, através da atuação sindical e

pelo reconhecimento e afirmação das raízes africanas, dentro da própria comunidade. Com

isso, alguns combatentes da Frente Pelotense foram denunciados como subversivos, como

Miguel Barros, o representante dessa associação no Congresso do Recife.

Na verdade, a questão da discriminação racial, embora evidente, atuando de modo a

rigidamente demarcar espaços e comportamentos, bem como conformando espectativas de

vida, era muito pouco comentada na cidade, buscando-se, em alguns casos, até a negação de

sua existência, o que motivou em fins da década de 1920, uma moção de todas as entidades

negras de Pelotas denunciando a situação de discriminação racial que sofriam na cidade, a

propósito de uma declaração de um jornal local, negando a prática da segregação racial. Isso

é particularmente interessante, porque demonstra a viabilidade de uma atuação política mais

unificada do grupo, o que entretanto, raramente aconteceu. Somente com a Frente Negra e no

período de sua existência, ocorreu uma crítica mais explícita a questão da discriminação

racial, presente por exemplo, em artigo comemorativo do 13 de maio em jornal local, o qual,

entretanto, saiu com imensos espaços em branco, denunciando a prática da censura.

Contraditoriamente, na década de 1940, teremos um dos clubes carnavalescos

negando a existência do preconceito de cor e louvando a democracia racial brasileira. Em

1942, os dirigentes do Fica Aí, apesar de motivados a apoiar iniciativas oficiais naquele

momento de “esforço de guerra”, recusam-se a participar de um “ Festival patriótico”, que

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culminaria numa apoteose das três raças formadoras do Brasil, pois seu secretário afirma que,

nela, os negros seriam apresentados

com suas representações africanas [colocando] as pessoas que tem a mesma cor de sua pele, em uma fragrante( sic) demonstração de inferioridade perante as pessoas imbuídas na confraternização racial brasileira, que desconhecem preconceito de cor, que reconhecem somente o nível intelectual e moral dos homens. Por isso acha inconveniente que o Fica Ai coopere nessa demonstração de solidariedade, ou melhor , de inferioridade, ao sr. Presidente da República3.

Não pode passar desapercebida a reafirmação do discurso da democracia racial

brasileira, além da identificação das raízes africanas como um sinal de inferioridade, que

pretendem já terem superado, pela sua incorporação na sociedade brasileira.

Com a definitiva reestruturação das entidades negras, que acontece a partir da década

de 1930, teremos a extinção de todas as outras formas associativas que não aquelas de clubes

carnavalescos e de futebol, com o que se terminou reafirmando o estereótipo vigente sobre o

negro. Tendo o Brasil ingressado num novo período político, marcado por maior

centralização, mas também pela ampliação do Estado, que passa a assumir funções antes

desempenhadas pela iniciativa privada, como a questão previdenciária e a educação pública,

algumas entidades, como as mutualistas, realmente tinham perdido boa parte de sua razão de

ser. Essa situação não é exclusiva desse grupo, tendo sido encontrada em várias outros, como

também em associações de outras classes ou setores sociais.

Com o desenvolvimento do rádio e do cinema, alguns tipos de entidades, como os

grêmios teatrais também perderam boa parte de sua razão de ser. Ainda, como o processo de

fechamento político vai recrudescendo ano a ano naquela década, também é fácil entender o

motivo pelo qual apenas as entidades claramente neutras em termos políticos partidários

conseguem continuar a existir.

O carnaval pelotense apresentava aspectos assemelhados aqueles do centro do país

(QUEIROZ, 1992; VON SIMSON, 1989), embora tivesse características singulares,

consolidando-se como o mais forte do interior do estado gaúcho. A participação negra nessa

festa tornou-se expressiva a partir de meados da década de 1910, na qual são criados alguns

clubes carnavalescos, entre os quais o Depois da Chuva, o Fica Aí prá Ir Dizendo, o Chove

Não Molha, Está tudo Certo e o Quem ri de nós tem paixão. Seus nomes pitorescos tem, por

trás de si várias histórias fundadoras, mas é interessante assinalar que muitos outros clubes

3 Ata n. 248, da diretoria, de 30/9/1942. Livro de atas do Clube Fica Aí, de 1938 a 1943.

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ainda existiram, alguns com duração extremamente limitada e outros com maior grau de

informalidade.

Aliás, a informalidade também esteve presente na criação da maior parte dos clubes

acima citados, que normalmente surgiram como blocos carnavalescos dos quais três se

consolidaram, conseguindo comprar sede própria e posicionando-se como fortes associações

negras. Embora mais especializadas, estas entidades carnavalescas continuaram a cumprir o

papel fundamental de integração e representação negra na cidade, diferenciando-se devido ao

poder aquisitivo de seus membros (que, embora no geral fosse baixo, sempre comportava

variações familiares) e na rigidez ou não de seus padrões associativos.

O mais rígido era o Clube Fica Ai prá Ir Dizendo, considerado como um clube da

elite negra e no qual, os padrões de comportamento esperado dos sócios, de regras sobre as

vestimentas a serem utilizadas em bailes e outras solenidades e uma constante e direta

intromissão na vida privada e familiar dos sócios, o que evidencia um cuidado especial em

manter um alto padrão, tanto em termos morais quanto de status social. Particularmente

visado era o comportamento dos sócios jovens e das mulheres de qualquer idade, os quais

tinham seus passos, amizades e até atitudes no clube sempre vigiados pela diretoria, composta

exclusivamente de homens, com apenas algumas senhoras participando de comissões para

festas.

Sendo a comunidade negra composta basicamente por trabalhadores, especializados

ou não e funcionários públicos, de níveis modestos, o resultado é que poucos estariam em

condições de cumprir a risca estes regramentos, o que despertava muito ressentimento e

mágoa entre aqueles que não conseguiam cumprir suas exigências associativas, evidente em

vários dos depoimentos de sócios dos demais clubes entrevistados. Estes eram mais flexíveis,

com relação ao comportamento e padronização de vestimentas, embora também estivessem

sujeitos a forte influência da “ideologia do branqueamento” que se difundia pela sociedade

brasileira da época e que praticamente implicava na eliminação do grupo negro como raça,

pela sua absorção cultural e física ( DOMINGUES, 2004).

O jornal A Alvorada, embora também contemplasse colunas destinadas a vigiar o

comportamento dos jovens, abrigava colunistas que possuíam uma visão diferenciada,

algumas delas lideranças operárias que comungavam de princípios socialistas e que sempre se

bateram pela inserção do negro coletivamente, enquanto uma das raças formadoras da

sociedade brasileira, tendo para isso participado de inúmeras associações, de classe operária e

do grupo negro, ao longo de sua militância. Essas lideranças procuravam, dentro de seu

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espaço no jornal, combater a discriminação e reafirmar as raízes africanas de seus membros,

tentando disseminar posições de autovalorização racial e classista nesse grupo.

Em comum a todas essas entidades, havia a compreensão de que somente através da

educação os negros poderiam ascender cultural e socialmente, ganhando o reconhecimento

da sociedade. Embora alguns perseguissem este objetivo de forma individualista, inclusive

discriminando outros elementos dentro da etnia, havia também um grupo coeso que, baseado

nas tradições coletivistas do movimento operário e dos trabalhadores em geral, tentava

construir uma proposta de inclusão social efetiva, de classe e de raça, no interior do grupo

negro. A presença destes elementos, auxiliava-os a manter uma posição menos individualista

e a perseguir valores coletivos, contrapondo-se a pesada influência da ideologia do

branqueamento e contribuindo para uma oposição a assimilaçãopela diluição étnica.

Conclusão

Devido à intensa discriminação racial, Pelotas foi a cidade gaúcha em que os negros

mais diversificaram suas instituições, formando clubes recreativos, teatrais, carnavalescos,

futebolísticos, entidades mutualistas, de assistência as crianças e de representação étnica.

Essa rede associativa auxiliava a integração de seus membros na sociedade, em termos de

construção de relacionamentos, amizades, relações de compadrio e, obviamente, de

oportunidades de emprego e casamento. Iniciada no período imperial, e se diversificando no

início do período republicano, houve posteriormente uma reorientação das entidades, que

abandonaram seu caráter de representação, o mutualismo e seus objetivos educacionais, para

dedicarem-se principalmente ao lazer e a sociabilidade. Clubes carnavalescos e de futebol

passaram a disputar a principalidade entre o grupo. Estas entidades predominaram entre 1940

e 1960, paralelamente com o aumento das possibilidades de inserção social em setores de

classes médias baixas ou de operários especializados para os negros.

A pesquisa sugere que havia duas fortes fontes de influência sobre este grupo. De um

lado, aqueles que buscavam a integração social de qualquer forma, perdendo a perspectiva

racial e adequando-se ao comportamento esperado pelos setores brancos da sociedade e de

outro, um grupo coeso que, baseado nas tradições coletivistas do movimento operário e dos

trabalhadores em geral, tentava construir uma proposta de inclusão social efetiva, de classe e

de raça.

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