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Maquiladoras – empresas se- diadas nos países periféricos que importam peças e componentes de suas matrizes estrangeiras para que os produtos sejam montados por trabalhadores que ganham salários muito baixos Para entender de 4 a 10 de dezembro de 2008 10 internacional Pedro Carrano e Venâncio de Oliveira de San Salvador (El Salvador), especial para o Brasil de Fato A AMÉRICA Central é formada por um conjunto de países que vivem uma crise econômica, so- cial e política latente, que se ex- pande a passos rápidos a bor- do da crise estadunidense. Este ano, em Honduras, 50 mil pes- soas saíram às ruas contra as al- tas tarifas de energia elétrica, deixando a cidade fechada pa- ra os turistas. Na Nicarágua, é recorrente acabar a água e a luz em alguma hora do dia. O continente é um mosaico de história de lutas, pobreza, festas populares, povoados e capitais precárias em forneci- mento de serviços básicos. As fábricas maquiladoras, uma das imposições dos gover- nos desde a década de 1990, são parasitárias da economia, não geram sinergias produti- vas e demandam apenas a for- ça de trabalho local, sem direi- tos trabalhistas. O economis- ta Ruy Mauro Marini escrevia que elas eram um enclave de uma economia em outra. De acordo com o pesquisa- dor holandês radicado na Cos- ta Rica, Win Dierckxsens, o ín- dice de desemprego atual dos Estados Unidos é de 25%, aba- lando setores como o da cons- trução civil. Essa situação força o retorno massivo dos trabalha- dores migrantes para suas ter- ras de origem. Cerca de 200 mil centro- americanos atravessam a fron- teira todos os anos. De El Salva- dor, menor país latino-america- no, partem 600 pessoas diaria- mente; porém, em 2008, 70 mil já retornaram. No México, 600 mil. Assim, a falta de emprego e a demanda social aumentam. Com a queda nas remessas dos migrantes para suas famí- lias, a liquidez do Estado e dos bancos dos países de origem se torna crítica. Além disso, as bancarrotas das instituições - nanceiras internacionais po- dem gerar um efeito de contas negativas e de diminuição de oferta de moeda e crédito. A de- manda internacional pela pro- dução centro-americana deve cair – como a das fábricas ma- quiladoras – e o desemprego in- terno pode aumentar. E, assim, o neoliberalismo caminha no o da navalha. Crise política As massas populares respon- dem à crise com intensidades diferentes. Apenas em 2008, houve três paralisações gerais de trabalhadores hondurenhos. A redução do preço da cesta bá- sica está na pauta. Sem base de San Salvador (El Salvador) Anos de guerra civil, encer- rada na década de 1990 e mar- cada no imaginário popular. Logo veio a deserticação ne- oliberal e agora uma nova ja- nela se abre para os salvadore- nhos. O país prepara-se para as eleições legislativas e muni- cipais, em janeiro, e presiden- ciais, em março. A polarização se dá entre dois partidos. De um lado, o ocia- lista Arena governa o país des- de 1989 e tem o discurso aba- lado com a crise do neolibera- lismo. A frágil burguesia local, importadora e dependente dos EUA, aposta nessa opção e no discurso de medo. Sem proje- to político, vem fazendo conces- sões à esquerda, prometendo o passe-livre para os estudantes (uma luta histórica dos jovens salvadorenhos). A histórica Frente Farabun- do Martí pela Libertação Na- cional (FMLN), por sua vez, ge- ra entusiasmo entre militantes e as massas populares. A cara- vana que deu início à campanha mobilizou mais de 300 mil pes- soas. A Frente faz o discurso da mudança, da esperança, da ne- cessidade de moderação para governar em meio à crise – a di- fícil opção de unir interesses di- vergentes. Maurício Funes foi o candidato escolhido para a dis- puta eleitoral de 2009. Apre- sentador televisivo crítico, ele não era militante do partido até então. Em novembro, o candi- dato viajou a Washington para tranqüilizar os investidores. Países da América Central: turbulência, migração, passado e presente de lutas CRISE SOCIAL Extremamente dependentes da economia dos EUA e após anos de neoliberalismo, países da América Central já enfrentam efeitos da crise do capitalismo mundial produtiva, Honduras já se con- frontou com a perda de cinco mil empregos nas fábricas ma- quiladoras, devido à conhecida instabilidade de trabalho nas suas plantas. A crise econômica soma-se à crise política já instalada. Há O FMLN é o partido herdeiro da insurreição de 40 mil cam- poneses em 1932, das lutas do bispo Romero, da guerra civil dos anos de 1980 (veja qua- dro nesta página). Membros da Frente apontam que houve um movimento de reuxo das lutas de massas após a assinatura dos Acordos de Paz, em 1992. Gestão cidadã Hoje, existe o risco de fraude por parte da Arena, e o FMLN busca uma política que, no ge- ral, seja contrária ao neolibera- lismo. “O atual governo colocou 500 milhões de dólares para oxigenar os bancos. Queremos reformas que levem tranqüili- dade para as pessoas. Nenhum processo pode-se manter com base na lógica eleitoral: há ris- co de fraude, pois as cartelas de votação não possuem o selo o- cial”, arma um membro da di- reção do partido. Durante a “Tribuna Partici- pativa”, quando os deputados do FMLN passam informes pa- ra o povo que se aglutina às sex- tas-feiras em frente à catedral de San Salvador, militantes do partido defendem a constru- ção de gestões cidadãs. “Mudar a maneira de fazer política para um modo mais participativo, no qual o cidadão seja o ator prin- cipal”, defende o deputado da Frente Hugo Martinez. Embora o movimento social no país seja frágil, o FMLN conta com uma inserção nos extratos popula- res, como o setor dos trabalha- dores dos mercados e também dos vendedores informais, que aglutinam uma cota de cerca de 60% da força de trabalho salva- dorenha. São 500 mil trabalha- dores. O partido possui admi- nistrações nos 23 mercados po- pulares da capital. Nos anos de1990, a hegemonia neoliberal e a ressaca do nal da guerra transformaram a Frente numa “instituição partidária de natureza pública, nanciada e com funções estabelecidas por lei”, como explica o pesquisador Dagoberto Gutiérrez. Com os Acordos de Paz, a derrota eleito- ral dos sandinistas na Nicarágua e, sobretudo, a queda do Muro de Berlim, El Salvador passou a viver uma baixa na luta de mas- sas, mas o FMLN sobrevive com milhares de aliados. Deixou de ser uma frente de cinco partidos para tornar-se um partido mas- sivo, porém monolítico. Horizonte eleitoral “A luta passou a ser por car- gos. O militante se converteu em um aliado, em um conse- lheiro, deputado etc., os diri- gentes passaram a fazer parte do Estado burguês, a Frente en- trou com toda a força no proces- so eleitoral”, critica Fidel Nieto, membro da organização política Tendência Revolucionária (TR). Críticos à esquerda do parti- do apontam que as eleições se tornam um m em si mesmo e o partido não fomentaria a luta do movimento popular. Com a crise que já golpeia o país, a Are- na está sem discurso. Porém, de acordo com a TR, o programa do FMLN mantém o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA, apóia o empresariado lo- cal e o investidor internacional. O processo buscaria referência no Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro: vitória e mode- ração do governo Lula. Nesse cenário, é consenso que a derrota da Arena e a vi- tória da Frente são importan- tes, mas a TR aponta a neces- sidade das massas lutarem pela construção de um poder popu- lar, e da aposta em movimentos sociais de luta contra as mine- radoras e as represas, pelos re- cursos naturais etc. As diferenças institucionais e políticas dos dois países são grandes: por um lado, o Brasil tem uma instituição e democra- cia liberal forte. Já El Salvador não possui uma estrutura pro- dutiva e instituições consolida- das. O próximo governo estaria fragilizado com a crise que atin- ge o capitalismo. Um detalhe importante: o FMLN conta com uma militân- cia capacitada, com uma ex- pectativa de que, uma vez não cumprida, deve gerar uma in- satisfação violenta. “Após as eleições, a relação partido e movimento pode mudar”, aposta Nieto. (PC e VO) Em El Salvador, antiga guerrilha pode chegar ao governo Frente Farabundo Martí pela Libertação Nacional possui inserção nos setores sociais, mas, segue a lógica eleitoral do PT brasileiro de San Salvador (El Salvador) Durante os anos 1980, o FMLN encabeçou o processo mais intenso de enfrentamento da América Latina na época, do ponto de vista militar. A Frente foi resultado da união de cin- co partidos políticos, entre eles o Partido Comunista, com presença histórica em El Salvador. Sua gênese está no assassinato do bispo Oscar Romero, no momento em que os movimentos de massa eram persegui- dos. As insurreições populares acumuladas desde 1960 desa- guaram, então, em uma tática de acúmulo pela luta armada, por meio do FMLN. Depois de um assalto à capital do país, em 1989, houve uma constatação: nem o FMLN venceria o exército ocial, nem seria derrotada por ele (mesmo com o nanciamento estadunidense). Houve o reconhecimento das autoridades de “empate técnico”. Antes, a Frente já havia sido reconhecida pelos governos de México e França como exército beligeran- te. Em 1992, são assinados os Acordos de Paz. (PC e VO) O que foi o FMLN? uma tentativa fraudulenta de impedir o vice-presidente hon- durenho, Elvin Ernesto San- tos, de concorrer às eleições. Assembléias de poder cidadão foram montadas para buscar “contaminar o processo eleito- ral com o debate político”, como arma Gregório Vaca Rivera, da organização Bloque Popular. Na Nicarágua, por sua vez, o Partido Liberal não reconhe- ce a vitória dos sandinistas nas eleições municipais do dia 11 de novembro, abrindo um processo de confronto nas ru- as entre a militância dos dois partidos. Os governos de Es- tados Unidos e União Euro- péia começam a imprimir re- taliações contra Daniel Orte- ga, presidente pela frente san- dinista, suspendendo progra- mas de ajuda nanceira. Nessa conjuntura, Honduras, Nicará- gua e, possivelmente, El Salva- dor aproximam-se da Alterna- tiva Bolivariana para as Améri- cas (Alba) e do chavismo. Tratado de Livre Comércio A assinatura do Tratado de Livre Comércio (DR-Cafta), em 2006, entre os EUA, a América Central e a República Domini- cana, aprofundou o caráter im- portador dos países da região e sua dependência da economia estadunidense. Na República Dominicana, por exemplo, fo- ram os setores de serviços – co- mo a intermediação nancei- ra, as comunicações e o comér- cio –, que registraram taxas de crescimento. Novo contraste: em países como a Guatemala, os 200 mil empregos perdidos na cadeia produtiva juntam-se à migração massiva para as ca- pitais e outros países. El Salvador é considerado pelas organizações sociais um campo de experimentos do ne- oliberalismo na América Cen- tral desde os anos de 1990, mo- delo aplicado com a seguin- te fórmula: privatizações dos bancos estatais, dolarização e abandono da produção agrí- cola interna. Maquiladoras se instalaram no país e as empre- sas mais frágeis sumiram. Ho- je, o país está inundado por mercadorias, celulares e car- ros, contrastando com a insta- bilidade no emprego, a falta de infra-estrutura básica e a baixa qualidade da saúde. No país centro-americano, a dolarização da moeda, aplica- da em 2001, aconteceu na mes- ma época de um terremoto de grandes proporções. A imagem é forte, e a devastação, parecida. A partir daí, o povo cou refém da política monetária dos EUA. Com a possível desvalorização do dólar, o dinheiro em mãos dos salvadorenhos perde o po- der de compra, podendo gerar inação interna e prejudicar as transações comerciais externas. - Estados Unidos: salário de 64 dólares diários nas fábricas maquiladoras. - El Salvador: salário de 6 dólares diários nas fábricas maquiladoras. - El Salvador envia 50% de suas exportações aos Estados Unidos e 30% para a região centro-americana - Em El Salvador, a cesta básica vale 172,83 dólares, enquanto o salário mínimo é de 161,97 dólares - 1.600: número de mulheres demitidas nas fábricas maquiladoras da cidade de Santa Ana. - Único país da América Central com tropas no Iraque. FONTE: Red Regional de Monitoreo DR-Cafta Dependência econômica de El Salvador com Estados Unidos Fora dos trilhos: política neoliberal em El Salvador trouxe instabilidade no emprego, falta de infra-estrutura básica e baixa qualidade da saúde Eric Rojas Bill Robinson Convenção Nacional da FMLN em novembro, em San Salvador

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Page 1: BDF 10 301 2008 final · 2008. 12. 4. · de San Salvador (El Salvador) Anos de guerra civil, encer-rada na década de 1990 e mar-cada no imaginário popular. Logo veio a desertifi

Maquiladoras – empresas se-diadas nos países periféricos queimportam peças e componentes de suas matrizes estrangeiras para que os produtos sejam montados por trabalhadores que ganham salários muito baixos

Para entender

de 4 a 10 de dezembro de 200810

internacional

Pedro Carrano eVenâncio de Oliveira

de San Salvador (El Salvador), especial para

o Brasil de Fato

A AMÉRICA Central é formada por um conjunto de países que vivem uma crise econômica, so-cial e política latente, que se ex-pande a passos rápidos a bor-do da crise estadunidense. Este ano, em Honduras, 50 mil pes-soas saíram às ruas contra as al-tas tarifas de energia elétrica, deixando a cidade fechada pa-ra os turistas. Na Nicarágua, é recorrente acabar a água e a luz em alguma hora do dia.

O continente é um mosaico de história de lutas, pobreza, festas populares, povoados e capitais precárias em forneci-mento de serviços básicos. As fábricas maquiladoras, uma das imposições dos gover-nos desde a década de 1990, são parasitárias da economia, não geram sinergias produti-vas e demandam apenas a for-ça de trabalho local, sem direi-tos trabalhistas. O economis-ta Ruy Mauro Marini escrevia que elas eram um enclave de uma economia em outra.

De acordo com o pesquisa-dor holandês radicado na Cos-ta Rica, Win Dierckxsens, o ín-dice de desemprego atual dos Estados Unidos é de 25%, aba-lando setores como o da cons-trução civil. Essa situação força

o retorno massivo dos trabalha-dores migrantes para suas ter-ras de origem.

Cerca de 200 mil centro-americanos atravessam a fron-teira todos os anos. De El Salva-dor, menor país latino-america-no, partem 600 pessoas diaria-mente; porém, em 2008, 70 mil já retornaram. No México, 600 mil. Assim, a falta de emprego e a demanda social aumentam.

Com a queda nas remessas dos migrantes para suas famí-lias, a liquidez do Estado e dos bancos dos países de origem se torna crítica. Além disso, as bancarrotas das instituições fi -nanceiras internacionais po-dem gerar um efeito de contas negativas e de diminuição de oferta de moeda e crédito. A de-manda internacional pela pro-dução centro-americana deve cair – como a das fábricas ma-quiladoras – e o desemprego in-terno pode aumentar. E, assim, o neoliberalismo caminha no fi o da navalha.

Crise política As massas populares respon-

dem à crise com intensidades diferentes. Apenas em 2008, houve três paralisações gerais de trabalhadores hondurenhos. A redução do preço da cesta bá-sica está na pauta. Sem base

de San Salvador (El Salvador)

Anos de guerra civil, encer-rada na década de 1990 e mar-cada no imaginário popular. Logo veio a desertifi cação ne-oliberal e agora uma nova ja-nela se abre para os salvadore-nhos. O país prepara-se para as eleições legislativas e muni-cipais, em janeiro, e presiden-ciais, em março.

A polarização se dá entre dois partidos. De um lado, o ofi cia-lista Arena governa o país des-de 1989 e tem o discurso aba-lado com a crise do neolibera-lismo. A frágil burguesia local, importadora e dependente dos EUA, aposta nessa opção e no discurso de medo. Sem proje-to político, vem fazendo conces-sões à esquerda, prometendo o passe-livre para os estudantes (uma luta histórica dos jovens salvadorenhos).

A histórica Frente Farabun-do Martí pela Libertação Na-cional (FMLN), por sua vez, ge-ra entusiasmo entre militantes e as massas populares. A cara-vana que deu início à campanha mobilizou mais de 300 mil pes-soas. A Frente faz o discurso da mudança, da esperança, da ne-cessidade de moderação para governar em meio à crise – a di-fícil opção de unir interesses di-vergentes. Maurício Funes foi o candidato escolhido para a dis-puta eleitoral de 2009. Apre-sentador televisivo crítico, ele não era militante do partido até então. Em novembro, o candi-dato viajou a Washington para tranqüilizar os investidores.

Países da América Central: turbulência, migração, passado e presente de lutas CRISE SOCIAL Extremamente dependentes da economia dos EUA e após anos de neoliberalismo, países da América Central já enfrentam efeitos da crise do capitalismo mundial

produtiva, Honduras já se con-frontou com a perda de cinco mil empregos nas fábricas ma-quiladoras, devido à conhecida instabilidade de trabalho nas suas plantas.

A crise econômica soma-se à crise política já instalada. Há

O FMLN é o partido herdeiro da insurreição de 40 mil cam-poneses em 1932, das lutas do bispo Romero, da guerra civil dos anos de 1980 (veja qua-dro nesta página). Membros da Frente apontam que houve um movimento de refl uxo das lutas de massas após a assinatura dos Acordos de Paz, em 1992.

Gestão cidadãHoje, existe o risco de fraude

por parte da Arena, e o FMLN busca uma política que, no ge-ral, seja contrária ao neolibera-lismo. “O atual governo colocou 500 milhões de dólares para oxigenar os bancos. Queremos reformas que levem tranqüili-

dade para as pessoas. Nenhum processo pode-se manter com base na lógica eleitoral: há ris-co de fraude, pois as cartelas de votação não possuem o selo ofi -cial”, afi rma um membro da di-reção do partido.

Durante a “Tribuna Partici-pativa”, quando os deputados do FMLN passam informes pa-ra o povo que se aglutina às sex-tas-feiras em frente à catedral de San Salvador, militantes do partido defendem a constru-ção de gestões cidadãs. “Mudar a maneira de fazer política para um modo mais participativo, no qual o cidadão seja o ator prin-cipal”, defende o deputado da Frente Hugo Martinez. Embora

o movimento social no país seja frágil, o FMLN conta com uma inserção nos extratos popula-res, como o setor dos trabalha-dores dos mercados e também dos vendedores informais, que aglutinam uma cota de cerca de 60% da força de trabalho salva-dorenha. São 500 mil trabalha-dores. O partido possui admi-nistrações nos 23 mercados po-pulares da capital.

Nos anos de1990, a hegemonia neoliberal e a ressaca do fi nal da guerra transformaram a Frente numa “instituição partidária de natureza pública, fi nanciada e com funções estabelecidas por lei”, como explica o pesquisador Dagoberto Gutiérrez. Com os

Acordos de Paz, a derrota eleito-ral dos sandinistas na Nicarágua e, sobretudo, a queda do Muro de Berlim, El Salvador passou a viver uma baixa na luta de mas-sas, mas o FMLN sobrevive com milhares de afi liados. Deixou de ser uma frente de cinco partidos para tornar-se um partido mas-sivo, porém monolítico.

Horizonte eleitoral “A luta passou a ser por car-

gos. O militante se converteu em um afi liado, em um conse-lheiro, deputado etc., os diri-gentes passaram a fazer parte do Estado burguês, a Frente en-trou com toda a força no proces-so eleitoral”, critica Fidel Nieto,

membro da organização política Tendência Revolucionária (TR).

Críticos à esquerda do parti-do apontam que as eleições se tornam um fi m em si mesmo e o partido não fomentaria a luta do movimento popular. Com a crise que já golpeia o país, a Are-na está sem discurso. Porém, de acordo com a TR, o programa do FMLN mantém o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA, apóia o empresariado lo-cal e o investidor internacional. O processo buscaria referência no Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro: vitória e mode-ração do governo Lula.

Nesse cenário, é consenso que a derrota da Arena e a vi-tória da Frente são importan-tes, mas a TR aponta a neces-sidade das massas lutarem pela construção de um poder popu-lar, e da aposta em movimentos sociais de luta contra as mine-radoras e as represas, pelos re-cursos naturais etc.

As diferenças institucionais e políticas dos dois países são grandes: por um lado, o Brasil tem uma instituição e democra-cia liberal forte. Já El Salvador não possui uma estrutura pro-dutiva e instituições consolida-das. O próximo governo estaria fragilizado com a crise que atin-ge o capitalismo.

Um detalhe importante: o FMLN conta com uma militân-cia capacitada, com uma ex-pectativa de que, uma vez nãocumprida, deve gerar uma in-satisfação violenta. “Após aseleições, a relação partidoe movimento pode mudar”,aposta Nieto. (PC e VO)

Em El Salvador, antiga guerrilha pode chegar ao governoFrente Farabundo Martí pela Libertação Nacional possui inserção nos setores sociais, mas, segue a lógica eleitoral do PT brasileiro

de San Salvador (El Salvador)

Durante os anos 1980, o FMLN encabeçou o processo mais intenso de enfrentamento da América Latina na época, do ponto de vista militar. A Frente foi resultado da união de cin-co partidos políticos, entre eles o Partido Comunista, com presença histórica em El Salvador.

Sua gênese está no assassinato do bispo Oscar Romero, no momento em que os movimentos de massa eram persegui-dos. As insurreições populares acumuladas desde 1960 desa-guaram, então, em uma tática de acúmulo pela luta armada, por meio do FMLN.

Depois de um assalto à capital do país, em 1989, houve uma constatação: nem o FMLN venceria o exército ofi cial, nem seria derrotada por ele (mesmo com o fi nanciamento estadunidense). Houve o reconhecimento das autoridades de “empate técnico”. Antes, a Frente já havia sido reconhecida pelos governos de México e França como exército beligeran-te. Em 1992, são assinados os Acordos de Paz. (PC e VO)

O que foi o FMLN?

uma tentativa fraudulenta de impedir o vice-presidente hon-durenho, Elvin Ernesto San-tos, de concorrer às eleições. Assembléias de poder cidadão foram montadas para buscar “contaminar o processo eleito-ral com o debate político”, como afi rma Gregório Vaca Rivera, da organização Bloque Popular.

Na Nicarágua, por sua vez, o Partido Liberal não reconhe-ce a vitória dos sandinistas nas eleições municipais do dia 11 de novembro, abrindo um processo de confronto nas ru-as entre a militância dos dois partidos. Os governos de Es-tados Unidos e União Euro-péia começam a imprimir re-taliações contra Daniel Orte-ga, presidente pela frente san-dinista, suspendendo progra-mas de ajuda fi nanceira. Nessa conjuntura, Honduras, Nicará-gua e, possivelmente, El Salva-dor aproximam-se da Alterna-tiva Bolivariana para as Améri-cas (Alba) e do chavismo.

Tratado de Livre ComércioA assinatura do Tratado de

Livre Comércio (DR-Cafta), em 2006, entre os EUA, a América Central e a República Domini-cana, aprofundou o caráter im-portador dos países da região e sua dependência da economia estadunidense. Na República Dominicana, por exemplo, fo-ram os setores de serviços – co-mo a intermediação fi nancei-ra, as comunicações e o comér-cio –, que registraram taxas de crescimento. Novo contraste: em países como a Guatemala, os 200 mil empregos perdidos na cadeia produtiva juntam-se à migração massiva para as ca-pitais e outros países.

El Salvador é considerado pelas organizações sociais umcampo de experimentos do ne-oliberalismo na América Cen-tral desde os anos de 1990, mo-delo aplicado com a seguin-te fórmula: privatizações dosbancos estatais, dolarização eabandono da produção agrí-cola interna. Maquiladoras seinstalaram no país e as empre-sas mais frágeis sumiram. Ho-je, o país está inundado pormercadorias, celulares e car-ros, contrastando com a insta-bilidade no emprego, a falta deinfra-estrutura básica e a baixaqualidade da saúde.

No país centro-americano, a dolarização da moeda, aplica-da em 2001, aconteceu na mes-ma época de um terremoto de grandes proporções. A imagem é forte, e a devastação, parecida. A partir daí, o povo fi cou refém da política monetária dos EUA. Com a possível desvalorização do dólar, o dinheiro em mãos dos salvadorenhos perde o po-der de compra, podendo gerar infl ação interna e prejudicar as transações comerciais externas.

- Estados Unidos: salário de 64 dólares diários nas fábricas maquiladoras.

- El Salvador: salário de 6 dólares diários nas fábricas maquiladoras.

- El Salvador envia 50% de suas exportações aos Estados Unidos e 30% para a região centro-americana

- Em El Salvador, a cesta básica vale 172,83 dólares, enquanto o salário mínimo é de 161,97 dólares

- 1.600: número de mulheres demitidas nas fábricas maquiladoras da cidade de Santa Ana.

- Único país da América Central com tropas no Iraque. FONTE: Red Regional de Monitoreo DR-Cafta

Dependência econômica de El Salvador com Estados Unidos

Fora dos trilhos: política neoliberal em El Salvador trouxe instabilidade no emprego, falta de infra-estrutura básica e baixa qualidade da saúde

Eric Rojas

Bill Robinson

Convenção Nacional da FMLN em novembro, em San Salvador