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Page 1: Bazinga! A Desconstrução do Ritual de Gift Giving … viabiliza um modelo total do Gift Giving, que não analisa somente a compra ou só a interação, e sim todo o processo. Sherry

 

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Bazinga! A Desconstrução do Ritual de Gift Giving segundo o Discurso Racional de Sheldon Cooper

Autoria: Carolina Rezende Pereira, Renata Andreoni Barboza

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar, utilizando o método da desconstrução, o que envolve o ritual de oferecimento de presentes, por meio do modelo teórico de Gift Giving de Sherry (1983) e a Teoria da Dádiva. Para tal, utilizamos na análise o discurso racional do personagem Sheldon Cooper, do seriado “The Big Bang Theory”. Percebemos que seu discurso racional é desconstruído quando ele ganha um presente inesperado, e seu discurso utilitarista não condiz com uma prática dadivosa, uma vez que quando ele não tem o controle da situação e precisa demonstrar a retribuição infindável que sente.

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1. Introdução O Gift Giving é uma prática histórica que já ocorria na Roma e na Grécia antigas, em

dia das saturnais, ocasião para celebrações quando os amigos deveriam ser visitados e presenteados com as sigilaria (figuras de terracota ou prata) e com pequenas velas de cera, talvez para representar a volta do sol com sua luz (Leite, 2006). O conceito de Gift Giving pode ser compreendido originalmente dentro de uma abordagem antropológica, a partir do estudo seminal de Marcel Mauss (2003) e sua Teoria da Dádiva. O autor revela que os habitantes das sociedades do Pacífico praticavam a oferta de presentes, de forma voluntária e gratuita e, ao mesmo tempo, interessada e obrigatória. Nessa prática ocorria não só a troca de presentes, mas também de cerimônias, de economia, de casamento, por exemplo. O tema central de estudos da Dádiva é desvendar como os vínculos sociais podem ser reforçados ou não, a partir dos atos de dar-receber-retribuir (Mauss, 2003, Godbout, 1999, Caillé, 1998, 2002). Esses atos são imprescindíveis para o desenvolvimento de relações dadivosas, já que “dar” algo a alguém, implica em alguém receber esse bem e que haja em algum momento oportuno uma retribuição do receptor ao doador.

O Gift Giving é considerado como parte de estudos sobre a Teoria da Dádiva, pois as trocas dos presentes, a relação entre doador e receptor envolve os preceitos dadivosos. O ato de Gift Giving é definido como um processo de troca entre o presenteador e o receptor do presente e como tal, traz grandes e importantes consequências econômicas para o mercado consumidor, fazendo dele um ritual de grande interesse para o marketing (Rugimbana, Donahay, Neal & Polonsky, 2003). Além de exercer papel muito importante na economia em termos de vendas no varejo (Sherry, 1983), o ato de Gift Giving também tem o papel de manter relacionamentos interpessoais, uma vez que são expressões intangíveis dos mesmos (Pépece, 2002).

Para Lourenço e Rezende (2012) a pesquisa sobre Gift Giving é relevante para os estudos de consumo e, consequentemente, para os varejistas, pois a partir dela podem-se entender vários fatores que levam o comprador a se comportar de determinada maneira. Conforme vemos em Sherry (1983), estudar a prática de presentear é importante, tanto pelo seu valor representativo na economia quanto pelo simbolismo de seu papel. No Brasil podemos encontrar algumas pesquisas que abordam o assunto como a de Farias, Dias, Benevides, Pereira e Bezerra (2001), Pépece (2002), Santana, Carvalho e Fagundes (2006) e Almeida e Lima (2007). Estas pesquisas observam o Gift Giving sob uma perspectiva psicológica, diferente da proposta deste artigo que observa o Gift Giving em sua dimensão total, ou seja, como um ciclo de interações dos sujeitos no meio social, contribuindo então com esta lacuna presente na literatura.

Este artigo tem como objetivo analisar o que envolve o ritual de oferecimento de presentes – Gift Giving – a partir do modelo de Sherry (1983), utilizando como análise a desconstrução do significado pelo discurso racional do personagem Sheldon Cooper, do seriado “The Big Bang Theory”. Os episódios analisados apresentam situações mundanas de presenteamento como aniversário, casamento e Natal. A escolha do personagem Sheldon Cooper é em razão do seu comportamento ser o antônimo de reações usuais nas trocas de presentes, isto é, o discurso racional de Sheldon contraria aquilo que não é velado no ritual de Gift Giving e, por isso, se mostra como um importante artefato para analisar a contrariedade dos discursos racionais e dadivosos que acontece no mundo cotidiano. Uma vez que, ao presentearmos alguém podemos ter a dualidade de equivaler à relação como se fosse um troco econômico (visão utilitária) ou que seja encorajada nas pessoas que continuem no ciclo dadivoso (Pereira, Strehlau, & Huertas, 2013). O que o seriado “The Big Bang Theory” faz é brincar com essas situações para repensarmos como nós reagimos perante as situações de

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presenteamento. No Comportamento do Consumidor podemos analisar esses episódios como a dualidade do consumidor, ou seja, há a presença dos discursos e práticas racionais, porém o Gift Giving está presente nas conjecturas dos atos de presentear alguém. Um diferencial deste artigo é se utilizar de um seriado televisivo para apresentar uma teoria, o que é pouco usual nos estudos de Marketing.

Nesta pesquisa será apresentada a Teoria da Dádiva que embasa o Gift Giving, o ritual do Gift Giving, o papel das trocas de bens e sua influência na trama dos vínculos sociais. Posteriormente, será apresentado o método da desconstrução que visa à exposição de contradições ou dicotomias presentes em um determinado texto, e em seguida serão analisados três episódios do seriado “The Big Bang Theory”, sob a perspectiva do ritual do Gift Giving. A última seção apresenta as considerações finais do estudo. 2. O Gift Giving na Dádiva

O Gift Giving é uma teoria advinda da Antropologia, especificamente da Teoria da Dádiva (Mauss, 2003). O aspecto principal da Dádiva é compreender a gênese dos laços sociais e como eles se manifestam por meio dos símbolos, dos bens e dos rituais. Para que os vínculos sociais permaneçam, é imprescindível que os atos de dar, receber e retribuir circulem entre os indivíduos, para que eles sempre se sintam intencionados a gerar esses atos e torná-los um ciclo (Pereira et al., 2013). Concomitante, é necessário que as pessoas possuam certas características para que os vínculos sociais permaneçam, como por exemplo, liberdade e risco, prazer do gesto, ação desinteressada, interação e sociabilidade, não equivalente, dívida moral e valor simbólico (Godbout, 1999, Caillé, 2002). Cada característica em particular será detalhada a seguir para melhor compreensão das ações dos sujeitos numa relação dadivosa. A essência da Dádiva está na liberdade e no risco, pois não há regras de comportamento, por isso as pessoas envolvidas nos vínculos sociais podem correr o risco de que não aconteça a retribuição ou até mesmo de não querer retribuir, logo, a liberdade é uma característica essencial para que a Dádiva ocorra. Portanto, as pessoas são agentes sociais na trama dadivosa. Ademais, é preciso que esses sujeitos sintam prazer no gesto de seus atos, e por isso, ela não pode ser obrigatória, no sentido de ser um encargo ou um compromisso. O sentido da Dádiva é de uma ação desinteressada, pois o interesse é livre, deve partir dos sujeitos para que os vínculos sociais aconteçam. A interação entre doador e receptor se dá por meio das trocas sociais, o que gera entre eles sociabilidade. Uma relação dadivosa não pode ser equivalente, já que ela não visa um ideal utilitário, próprio do paradigma do individualista. Nesse último, a sua ideologia é sempre colocar as relações com um fim calculista, ou seja, deve-se findar e evitar que haja dívidas entre os sujeitos. Porém, a dívida na Dádiva não é utilitarista, é preciso que haja a dívida moral para que os vínculos sociais continuem a acontecer, já que é preciso que um sempre sinta que deve “dar” ou “retribuir” mais que o outro. E por fim, a lógica da Dádiva não está no valor monetário ou racional das ações, e sim, no seu valor simbólico.

Os estudos de Gift Giving tiveram influência a partir do artigo de Marcel Mauss intitulado “O Ensaio da Dádiva” em 1924, com essa teoria várias áreas do conhecimento, além da Antropologia, como a Psicologia Social e o Comportamento do Consumidor, começaram a utilizá-la para compreender o fenômeno das trocas não econômicas envolvidas entre as pessoas. Devemos nos atentar que os preceitos já explicitados na Dádiva, como os atos de dar-receber-retribuir e suas características, devem fazer parte da análise do Gift Giving.

Os estudos de Gift Giving no Comportamento do Consumidor tiveram maior intensidade a partir da década de 1970. A Figura 1 ilustra o crescimento dessa teoria por

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décadas e sua evolução da temática a partir de artigos clássicos para a compreensão do fenômeno do ato de presentear.

Gift Giving nas décadas Temas Década de 1970 Função do Gift Giving, a sua influência no

consumo e o relacionamento entre doador e receptor (Belk, 1976, 1979; Banks, 1979, Tigert, 1979)

Década de 1980 Consolidação teórica (Sherry, 1983) e pesquisas empíricas que relacionam Gift Giving com outros tópicos como a sua influência na cultura (Cronk, 1989), análises cross-cultural (Reardon, 1984), ocasiões festivas como o Natal (Hite & Bellizi, 1987; Cutler, 1989)

Década de 1990 Surgimento de outros tópicos como o de gênero (Otnes & Ruth, 1994), o significado do Gift Giving nas relações interpessoais (Belk & Coon, 1993; Komter & Vollebergh, 1997).

Década de 2000 Diferenças de gênero (Saad & Gill, 2003), as marcas (Parsons, 2002; O´Cass & Clarke, 2002) e compra de presentes (Trebay, 2004).

Figura 1. Temas sobre Gift Giving por décadas

A década de setenta foi o período inicial de pesquisas sobre Gift Giving, e os estudos de Belk (1976, 1979) foram primordiais para o entendimento das relações sociais envolvidas no presenteamento e no consumo. A década de oitenta pode ser considerada como aquela que consolida a teoria, uma vez que três modelos teóricos foram propostos para a análise do fenômeno do Gift Giving (Belk, 1976, Banks, 1979, Sherry, 1983). A partir disso, vários estudos até na década atual são relatados na Figura 1, a qual mostra pesquisas que relacionam o Gift Giving com outros tópicos. Esses três modelos serão descritos a seguir para a compreensão do desenvolvimento do modelo teórico sobre Gift Giving. O modelo de Belk (1976) mostra condições como o gosto daquele que presenteará ou daquele que receberá o presente prevalecerá na compra do bem. O autor dispõe de um esquema no qual a relação entre doador e receptor é avaliada em negativa ou positiva mediante a auto-imagem do doador, por exemplo, se ele gosta do receptor, a avaliação que ele tem do presente e a sua percepção em relação à reação do receptor sobre o presente. As combinações positivas ou negativas desse grafo fazem com que as relações sociais entre doador e receptor sejam avaliadas como positivas ou negativas (Belk, 1976).

Já Banks (1979) utiliza de um modelo intitulado interactive gift giving paradigm, o qual mostra quatro estágios: a compra, a interação/troca, o consumo e a comunicação/feedback. O estágio da compra refere-se à ocasião ou uma razão para presentear, a procura e a compra do presente (não só o ato do pagamento, mas também a escolha do embrulho, o tempo gasto na busca etc.). No estágio da interação/troca, o presente é dado e aquele que recebe interpreta o significado dessa oferenda, enquanto o doador percebe a reação do recebimento do presente. No estágio do consumo, o bem é usado ou guardado. O último estágio é a comunicação/feedback e ocorre depois do uso do bem, nele a pessoa que recebeu mostra a satisfação pelo presente. O diferencial do modelo de Banks (1979) está em observar as duas partes, tanto daquele que doa quanto aquele que recebe. No modelo de Belk (1976), o autor analisa somente o ponto de vista do doador, já o modelo de Banks (1979)

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viabiliza um modelo total do Gift Giving, que não analisa somente a compra ou só a interação, e sim todo o processo. Sherry (1983) critica o modelo de Banks (1979) por acreditar que ele não é articulado e observa que a interação ou a comunicação estão presentes em outros estágios também. O autor propõe o processo de Gift Giving em apenas três estágios: Gestação, Prestação e Reformulação (Sherry, 1983). No estágio de Gestação, o doador buscará concepções a respeito de si, do receptor e do presente e ao externar essas concepções, tem-se a busca pelo bem e a sua compra que vem imbuída de significado simbólico, já que o dispêndio de tempo e energia do doador agrega-se ao presente. O estágio de Prestação é o momento da entrega do bem, nele o receptor percebe o valor simbólico que o presente possui e sente-se lisonjeado (ou não) e o doador capta a reação. Portanto, receptor e doador vivenciam emoções de satisfação ou insatisfação que podem afetar o retorno dessa oferta, bem como a relação social. No estágio de Reformulação o bem é consumido, guardado, trocado ou rejeitado, e neste momento, a relação social entre os envolvidos é reavaliada, podendo ser reforçada ou não. O diferencial desse modelo está na conotação geral que ele representa, não só a oferta do presente, mas também o que precede a entrega do bem, as consequências e a representação dele. Esses modelos teóricos mostram a consolidação da Dádiva nos estudos do consumo e do consumidor a partir do Gift Giving, o qual envolve os aspectos da compra e da troca sociais entre as pessoas envolvidas numa relação dadivosa. Para esse estudo, será utilizado para análise o modelo de Sherry (1983), uma vez que ele apresenta como um modelo mais completo já que por mostrar aspectos que englobam tanto o modelo de Belk (1976) quanto de Banks (1979), como a compra, a interação entre doador e receptor, satisfação ou insatisfação pelo presente, consumo e o feedback dado ao doador sobre o presente. O diferencial desse modelo é mostrá-lo em estágios, o que corrobora com o que se é analisado em estudos sobre rituais (Mauss & Hubert, 2005; Miller, 2002). 2.1 Ritual do Gift Giving: a troca de bens e reforço no vínculo social   O amor ágape, do grego, significa amor altruísta, incondicional, envolve sacrifícios, é desinteressado, não é possessivo (Belk & Coon, 1993) e por isso pode estar relacionado com o ato de presentear. Estudos demonstram que a razão pela qual as pessoas dão presentes é a de querer expressar sentimentos (Belk et al., 1993). Pépece (2002) em seu estudo pôde verificar que a maioria das pessoas que participou das entrevistas citou que o ato de presentear demonstra uma ligação afetiva ou de admiração entre presenteador / receptor. Segundo Belk (1979) os presentes cumprem quatro importantes funções: 1) os presentes servem como forma de comunicação simbólica; 2) os presentes ajudam a estabelecer e manter relações pessoais; 3) os presentes produzem valor econômico; e 4) os presentes produzem função de socialização. 

O ritual de consumo envolve interação entre sujeitos, a qual possui uma série de “regras” para que o ritual ocorra, por exemplo, pode haver datas específicas para que seja realizado, consumo de produtos e roupas próprias. O ato de presentear representa um ritual que envolve o dispêndio de tempo, o significado que a pessoa tem para o outro, o valor simbólico do presente, o modo como ele será entregue, como será o momento de recebimento do presente e se haverá retribuição ou não (Coelho, 2006). Mauss (2003) ao analisar o ritual, diz que é preciso que as pessoas estejam envolvidas para que ocorra o oferecimento de presentes. Miller (2002, p. 162) apresenta que o “propósito de comprar não é tanto comprar as coisas que as pessoas querem, mas lutar para continuar se relacionando com os sujeitos que querem as coisas”. Portanto, o oferecimento de presente se coloca como uma oferta de um

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bem na tentativa que a relação perpetue e demonstra o significado que a relação tem para os envolvidos.

Para que o ritual aconteça é necessário que certos acontecimentos existam para que dê sentido a ele, no caso do Gift Giving, dois itens imprescindíveis para que ocorra o presenteamento são: a troca de bens e o reforço nos vínculos sociais. Mauss (2003) coloca que os bens circulados entre as pessoas são mais que objetos, na verdade, eles provocam o reforço dos laços sociais para que eles sejam mantidos entre os povos por meio das trocas de presentes. O kula descrito por Malinowski (1984) é um ritual de intercâmbio de objetos entre tribos da Papua-Nova Guiné, neste o que era trocado eram colares e braceletes, o primeiro era circulado em sentido horário e o segundo em sentido anti-horário. Dessa forma, cada tribo dava e recebia objetos e viajava quilômetros para realizar essas trocas. O princípio desse ritual não estava somente nas trocas de presentes, e sim, na promoção de vínculos sociais que esses colares e braceletes ofereciam. Na verdade o que se trocava não eram exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se, antes de tudo, de gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e onde a circulação de riquezas constitui apenas um termo de um contrato muito mais geral e muito mais permanente (Mauss, 2003).

Os bens físicos são somente uma demonstração material do significado do vínculo social, como é demonstrado por Malinowski (1984). A partir dessa cerimônia, Mauss (2003) analisa que a gênese dos laços sociais está nos atos de dar, receber e retribuir.

Esses três atos são o que vão promover a circulação não somente de bens, mas também de sentimentos, gracejos, intenções e demonstrações que faz perdurar a relação. Um exemplo simples do Gift Giving está no presente de aniversário, no qual faz parte o dispêndio de tempo mental e de dinheiro, a compra do presente ideal, a locomoção até a loja etc., a entrega do bem e a forma como ele é consumido, esses aspectos representam o esforço e o significado que uma pessoa tem para a outra. Nesse processo, pode ser visto que o produto perde o valor mercantil e torna-se um bem valorativo, ou seja, possui significado, singularidade e subjetividade. A trama da Dádiva pode ser vista da seguinte maneira: a entrega do presente se coloca como o ato de dar (primeiro ato). A pessoa ao receber (segundo ato), pode tanto aceitar quanto recusar o bem. E a retribuição (terceiro ato) acontece em um momento posterior, quando aquele que recebeu oferta algo para aquele que deu. Ele (a) retribui quando percebe que há um significado no vínculo social entre doador e receptor e ao perceber a importância dessa relação ele(a) retribui. Esses atos de dar-receber-retribuir reforçam o envolvimento das pessoas. O que parece é que tudo aquilo que precede o ato de dar algo a alguém e a consequência dessa entrega para o receptor não envolve apenas simples trocas, e sim satisfação, gratidão, amor etc. Enfim, a obrigação velada de cumprir o dar, o receber e o retribuir faz com que o bem material seja, na verdade, um motivo simbólico que estreita os vínculos sociais.

Podemos observar que o Gift Giving baseia-se na premissa de que as trocas são primordiais para promover relacionamentos e elas não têm o intuito de serem utilitárias, e sim dadivosas. Belk et al. (1993) mostrou em sua pesquisa que os indivíduos podem presentear seus entes queridos sem qualquer perspectiva de retorno, apenas como uma expressão do coração. O ato de presentear é a base que sustenta as afinidades sociais, reforça o vínculo e envolve uma série de sentimentos entre os que presenteiam e os que recebem (Komter et al., 1997). Portanto, os bens são uma parte do doador (e não apenas uma parte de uma loja de departamentos), são “objetos de amor”, e não objetos materiais, pois se a intenção fosse uma equivalência utilitária na relação se eliminaria o aspecto simbólico do presente (Belk et al., 1993; Bourdieu, 1996).

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Enfim, o ritual de Gift Giving envolve dois aspectos principais, os bens e seu valor simbólico e os atos de dar-receber-retribuir, que podem reforçar os vínculos sociais entre as pessoas envolvidas na trama, visto nesse estudo, por meio do modelo de Sherry (1983). Para tal, será apresentado a seguir o método que ilustrará a pesquisa a partir da análise de três episódios do seriado “The Big Bang Theory”. 3. O Método

Este é um estudo qualitativo com uma abordagem interpretativista. Para análise dos dados utilizamos a desconstrução (Vergara, 2008), um método que visa à exposição de contradições ou dicotomias presentes em qualquer texto. Desconstruir um conceito não significa destruí-lo (Calás & Smiricich, 1991), mas sim revelar significados. Concentramos nossa desconstrução no conceito de ritual de Gift Giving segundo a visão do personagem Sheldon Cooper do seriado americano “The Big Bang Theory”, permitindo com isso descobrir facetas ocultas e não percebidas do seu discurso.

O seriado “The Big Bang Theory” possui como personagens principais Leonard e Sheldon, dois brilhantes físicos que dividem o mesmo apartamento. Suas vidas se complicam quando uma jovem, Penny, se muda para o apartamento ao lado. A chegada de Penny perturba um pouco a Sheldon, já que ele prefere passar as noites jogando vídeo-game com seus amigos e colegas de trabalho - e também cientistas - Howard e Raj, a se relacionar socialmente com uma mulher. A série está no ar há sete anos e influenciou fortemente o fenômeno geek e nerd em todo o mundo.

Foram analisados três episódios da série que abordam a temática do Gift Giving. O primeiro dos três episódios é o 16° da primeira temporada e trata da preparação do aniversário surpresa de Leonard. O segundo episódio está presente na segunda temporada (episódio 11) e aborda o presenteamento no Natal. Este episódio é praticamente todo dedicado à prática e aos significados do Gift Giving. O último episódio faz parte da quinta temporada da série (episódio 24) e trata do casamento de Howard e Bernadette, quando Howard decide presentear seus padrinhos.

A ideia do método é desmontar o conceito, para então analisar e entender o real sentido do significante, as entrelinhas e os elementos subjacentes ao discurso que, quase sempre, têm a voz do contador da história (Boje & Dennehy, 1993; Foucault, 1998). A proposta de desconstrução elaborada por Stern (1996a, 1996b) segue o leito de Derrida (1967), no qual é feita uma leitura aproximada do texto, usando-se a práxis da nova crítica – close reading – para analisar os significados e expor seus paradoxos e elementos não revelados, utilizando-se de atributos da linguagem, influências históricas e suposições culturais do texto.

A desconstrução, como forma de “leitura”, analisa as particularidades de um texto julgando de forma crítica seus significados. Segundo Lengler, Vieira e Fachin (2002) esta perspectiva pós-modernista usa técnicas, insights, métodos e abordagens de uma variedade de tradições, permitindo ao pesquisador ir, voltar, e ir novamente, sem muita preocupação com os limites acadêmicos. O método tem a finalidade de permitir ao pesquisador a identificação dos atributos presentes no texto, tais como linguagem e personagens e serve como impulsionador para a exploração desconstrutivista do que não é percebido, inconsciente e não presente na superfície do significado.

Motivados pelo desafio da desconstrução do ritual de Gift Giving, buscamos identificar o que está nas entrelinhas, reconhecendo elementos obscurecidos pela força do discurso dominante. Esse método será adotado para a desconstrução do conceito e da prática do ritual de Gift Giving por respaldar o pesquisador com uma teoria e uma história sobre a

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estrutura ou relação a ser desconstruída. O método envolve a identificação de elementos textuais, a construção de significados e, por fim sua desconstrução, fase na qual o pesquisador desafia as perspectivas dominantes de significado (Lengler et al., 2002).Buscamos a desconstrução, pois acreditamos que o conceito de Gift Giving e sua prática contêm significados ainda não revelados, guardando em si um conjunto de atores e vozes marginalizados, e como Derrida (1967, 1999) justifica toda palavra, predicado, conceito e significação léxica é passível de desconstrução (Stern, 1996b). 4. Análise dos dados Segundo Sherry (1983) para que ocorra o ritual do Gift Giving são necessários três estágios – Gestação, Prestação e Reformulação. A partir desses estágios serão descritas e analisadas situações específicas dos episódios que retratam o desenrolar do processo de presentamento. Concomitante será discutida a definição de Gift Giving, o papel do bem nas relações sociais e os atos de dar-receber-retribuir (que permeiam em qualquer relação dadivosa). A razão da escolha dos episódios do seriado “The Big Bang Theory” se dá pelos discursos de Sheldon, que demonstram a antítese do que se permeia no Gift Giving. Isto é, o seu comportamento extremamente racional e utilitário se coloca numa dimensão a qual não é possível estabelecer dívida moral com alguém, uma vez que esta constrói e reforça os vínculos sociais entre as pessoas (Pereira et al., 2013). Portanto, Sheldon utiliza explicações racionais que justificam o seu comportamento em relação a qualquer ímpeto de estreitamento dos laços sociais. Porém, o seu discurso é desmascarado por meio de suas práticas, ou seja, quando ele ganha um presente com alto valor simbólico (guardanapo com o autógrafo de Leonard Nimoy) e ele se sente que tem uma “dívida impagável” a Penny. Essa prática inesperada faz com que o discurso utilitarista de Sheldon fracasse e se faz perceber, então atos de Gift Giving, como a retribuição. Em primeiro lugar devemos analisar o conceito de Gift Giving. Para Belk (1979), Sherry (1983), Wonfirbarger (1990) a base para o evento do presenteamento está nas trocas de bens entre receptor e doador. O ato de presentear pode ser considerado como uma expressão tangível das relações sociais, pois envolve um comprometimento maior do que simplesmente a compra de um produto, já que esse último está envolto de sentimentos, de mensagens simbólicas e de escolhas subjetivas projetadas para o receptor. O diálogo entre Sheldon e Penny demonstra o que envolve o conceito geral do Gift Giving.

Sheldon: Oh, Penny... eu sei que você acha que está sendo generosa mas o fundamento da troca de presentes é a reciprocidade. Você não me deu um presente, me deu uma obrigação. Penny: Não querido, tudo bem. Você não tem que me dar nada em troca. Sheldon: É claro que eu tenho! A essência do costume diz que agora eu tenho que sair e comprar um presente para você de valor comensurável e que represente o mesmo nível compreendido de amizade que o presente que você me deu representa. Bem, não é a toa que as taxas de suicídio sobem tanto nesta época do ano. Penny: Tudo bem, quer saber? Esquece, não vou lhe dar presente nenhum.

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Sheldon: Não, agora é tarde demais, eu já vi. O adesivo de duende diz: Para Sheldon. A sorte foi lançada. O dedo que se move escreveu. Hanibal cruzou os Alpes.

O que esse diálogo demonstra a partir do discurso racional de Sheldon e a teoria sobre Gift Giving advinda de Mauss é que a reciprocidade é a base das relações sociais. Enfim, sem a reciprocidade não há trocas e não há comunicação entre as pessoas. Outro ponto a ser analisado é o discurso de Sheldon sobre o presentear como uma questão utilitária. Como Penny comprou um presente para ele, o mesmo sente uma obrigação de oferecer e devolver o presente.

Sheldon é um físico que racionaliza todas suas ações mesmo em situações como a de presentear. No casamento de Howard e Bernadette, Howard presenteia os padrinhos de casamento com uma revista em quadrinhos, quando Sheldon percebe que esse presente tem um valor monetário maior do que aquele comprado por ele, Sheldon reage da seguinte forma:

Sheldon: Sendo um presente em que você pensou, esta história em quadrinhos, nestas condições vale pelo menosuma centena de dólares. Howard: Sim, e daí? Sheldon: Eu comprei para você e Bernadette uma molheira por oitenta e oito dólares. O que me coloca em dívida com você e eu não posso estar em dívida com você porque um dia você pode me pedir para ajudá-lo a se mudar,ou paramatar um homem. Leonard: Eu duvido que ele vai pedir para você matar um homem. Sheldon: Bem, e se essa for a única saída dele? Eu não posso arriscar. Aqui estão doze dólares. Agora, estamos quites. Espere, espere, espere, eu comprei um cartão. Dê-me dois dólares. E para constar, é por isso que eu odeio Gift Giving.

Essa situação mostra de modo cômico a tentativa de equivalência de presentes, por meio de um comportamento racional de Sheldon. Porém, o que devemos salientar é que para a existência das relações sociais é preciso uma ação desinteressada (Godbout, 1999). Isto é, é preciso que os sujeitos envolvidos em trocas sociais estejam incorporados no espírito da dádiva e que não sintam obrigação utilitária. Se isso acontecer, não há mais sentimento dadivoso, já que para perdurar a relação é preciso que exista a dúvida se haverá retribuição ou não. Para Sherry (1983) o ritual de presenteamento inicia-se pelo estágio de Gestação, onde há a busca e compra do presente, as concepções a respeito de qual deve ser o melhor presente, da pessoa a quem vai se presentear e da ocasião. O enredo do episódio 16 da primeira temporada da série é sobre o aniversário de Leonard, quando Penny pergunta a Raj, Howard e Leonard o que compraram para Leonard. Raj e Howard dizem que compraram uma escultura do Batman e uma cópia autografada da revista em quadrinhos “The Feynman Lectures on Physics”, respectivamente. Penny pergunta o porquê de Sheldon não levar nada, e ele explica a sua lógica racional da equivalência nos presentes. Penny continua explicando que amigos trocam presentes e depois de insistência e ajuda de Howard para deixar a obrigação velada de que seria “uma convenção social não opcional”, Sheldon aceita e Penny o leva para comprar algo em uma loja de eletrônicos. Na loja podemos analisar o estágio de Gestação, o qual envolve o que comprar para o receptor, quem é ele (como ele é, suas características, sua relação com o doador), qual ocasião e a respeito do receptor.

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Sheldon: Sim, mas eles têm gravadores de DVDs aqui. Leonard precisa de um gravador de DVD. Penny: Sheldon, um presente não deveria ser o que alguém precisa. Deveria ser algo divertido. Algo que não comprariam para eles. Sheldon: Quer dizer, um suéter? Penny: Bem, é um suéter divertido. Tem uma estampa geométrica interessante. Sheldon: É a geometria que a faz interessante? Penny: Tudo bem. O negócio é, o jeito de demonstrar que gostamos das pessoas é colocando o pensamento e imaginação nos presentes que nós damos. Sheldon: Oh, ok, entendi, então sem gravador de DVD.

Nesse diálogo, Penny tenta demonstrar a Sheldon que o presente deve ser algo que “colocamos o pensamento e a imaginação”, logo a lógica do presenteamento não está em dar algo que a pessoa realmente precisa, e sim, algo que venha também a representatividade do doador como o tempo demandado, o tipo de produto, a embalagem, por exemplo.

Ainda no estágio da Gestação, vemos que o indivíduo busca uma simbologia para a compra do presente, despendendo seu tempo na busca do mesmo. Sheldon não compreende porque alguém deve gastar seu dinheiro e seu tempo buscando comprar algo para outra pessoa, pois acredita que provavelmente não irá comprar o que o outro quer. Ele discorda do ritual de Gift Giving, buscando ações que ele considera mais práticas de acordo com o seu discurso descrito a seguir:

Sheldon: Toda a instituição do Gift Giving não faz sentido. (...) Digamos que saí é gastei 50 dólares com você. É uma atividade laborosa porque tenho que imaginar o que você precisa quando você já sabe do que precisa. Eu poderia simplificar as coisas, e lhe dar os 50 dólares diretamente e você me daria 50 dólares no meu aniversário e assim até um de nós morrer, deixando o outro mais velho e 50 dólares mais rico. E lhe pergunto, vale a pena?

Após o estágio de Gestação, o clímax se dá no estágio designado como Prestação, pois nele ocorre a entrega do presente, a interação, a reação do receptor, a satisfação ou insatisfação perante o presente. É neste momento que os três atos da dádiva acontecem: dar, receber e retribuir. Isto é, a entrega do presente (dar) e o aceite ou a recusa (receber) e uma possível retribuição (no momento atual ou em outra ocasião). O episódio 11 da segunda temporada de “The Big Bang Theory” retrata exatamente esse momento: Sheldon não sabia o que dar de presente no Natal para Penny, já que ele sentiu a obrigação velada de retribuir (uma vez que ela já havia comprado um presente para ele). Ele vai a uma loja de sabonetes, cremes e loções e decide comprar um kit para banho, porém surge a dúvida de qual tamanho seria o ideal, com essa indecisão (já que não sabe o que Penny dará), Sheldon decide comprar várias cestas, como ele mesmo explica:

Sheldon: O perigo estava em eu retribuir demais ou de menos, mas eu inventei um plano perfeito. Eu vou abrir o presente dela para mim antes, e então pedir licença, fingindo um desarranjo intestinal, depois

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vou procurar o preço do presente dela na internet, escolher a cesta de valor mais aproximado, dar para ela e devolver as outras para reembolso.

Na troca de presentes Penny entrega a Sheldon um guardanapo, ela pede que ele vire ao contrário. Ao fazer isso, Sheldon se senta na poltrona, se apoiando, como se tivesse prestes a desmaiar e lê o que está escrito “Para Sheldon, uma vida longa e próspera. Leonard Nimoy” (Nimoy é um ator conhecido por seu papel como o Sr. Spock de Jornada nas Estrelas Star Trek). Penny conta que Leonard Nimoy foi ao restaurante onde ela trabalha e ela pediu o autógrafo do ator, e se desculpa pelo guardanapo estar um pouco sujo, já que Nimoy limpou a boca com ele. Sheldon se levanta abruptamente, sem acreditar no que escutou e fica espantado, já que ele percebe que tem a posse do DNA de Leonard Nimoy. Sheldon sai da sala e retorna com seis cestas de banho e Penny fica surpresa.

O fato de Sheldon entregar uma quantidade exagerada no presente reafirma o propósito do Gift Giving ele se sentiu em dívida moral com Penny e não sabia como retribuir o bastante. Isto é, como o presente que ele ganhou foi acima da expectativa e o seu plano estratégico não deu certo, Sheldon não sabia como retribuir, pois o que ele recebeu foi muito e, portanto, entregou todas as cestas de banho. Ademais, como ele sente que não foi o suficiente, ele abraça Penny, fato esse extremamente incomum para os trejeitos de Sheldon, já que ele tem aversão ao contato humano. Podemos observar que o discurso racional de Sheldon decai quando ele recebe um presente inimaginável e se sente numa dívida moral grande, a qual ele extravasa seu comportamento usual e abraça Penny.

Sheldon entra na sala com seis cestas e Penny fica surpresa. Penny: Sheldon, o que você fez? Sheldon: Eu sei! Não é o bastante, não é? Tome. Sheldon abraça a Penny Penny: Leonard, olhe, o Sheldon está me abraçando. Leonard: É um milagre da Saturnália!

Essa reação de Sheldon pode ser corroborada quando Mauss (2003) coloca que dar

alguma coisa a alguém é como dar uma parte de si, enquanto receber alguma coisa é "receber uma parte da essência espiritual de alguém". Os presentes, para os participantes do ato de presentear, são mais importantes pelo valor simbólico envolvido do que pelos benefícios econômicos que venham a decorrer desta troca.

O último estágio, o de Reformulação, é quando acontece o momento pós troca de presentes, ou seja, o bem é consumido, guardado ou trocado. Nos episódios esse estágio não é enfatizado, porém podemos considerar que tanto a molheira (episódio 5.24), a revista em quadrinhos (episódio 5.24), quanto o guardanapo (episódio 2.11) são bens que serão consumidos e guardados.

Sheldon tem dificuldade em participar do ritual de oferecimento de presentes, já que ele não gosta do convívio social e acredita que não é necessário fazer algum sacrifício para outra pessoa. Porém, o seu discurso é desconstruído num momento ápice, quando ele ganha um guardanapo autografado de Leonard Nimoy. Portanto, o Gift Giving observado por uma perspectiva racional como a de Sheldon, transparece a necessidade de findar ou não criar vínculos sociais, porém o próprio desconstrói o seu comportamento usual quando o presente oferecido é algo além do que ele poderia esperar, e esse é o intuito do ritual do oferecimento

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de presentes. Isto é, a busca, a escolha, a compra, o momento da entrega, a reação e como o bem é consumido faz com que o doador e receptor entendam a importância de cada um na trama de sua relação social. 5. Considerações Finais

Os três episódios específicos de “The Big Bang Theory” brincam de forma cômica e irônica com as situações cotidianas de oferecimento de presentes que passamos no dia a dia. Ao analisarmos o enredo utilizando a teoria sobre Gift Giving podemos observar que ao termos a preocupação racional de equivaler o presente que recebemos e usamos discursos coerentes ao pensamento de Sheldon, o que fazemos, na verdade, é não querer ou não manter os vínculos sociais. Uma vez que essa atitude não favorece que os atos de dar, receber e retribuir se desenvolvam, já que o doador, nesse caso, tem a intenção com o presente de encerrar esse sentimento de continuação de trocas dadivosas. Portanto, para que o Gift Giving ocorra é preciso que o dar-receber-retribuir sejam a mola propulsora para a manutenção das relações sociais.

Para Sherry (1983) o Gift Giving pode ser interpretado como um convite para uma parceria e como uma confirmação de um sincero comprometimento por parte do presenteador para com o receptor. Desta forma o ato de presentear pode ser considerado uma expressão tangível de relações sociais, e como Sheldon não gosta de criar e manter essas relações ele simplesmente procura ignorar o ritual de Gift Giving, enxergando-o como um ritual puramente econômico. Suas ideias são descontruídas quando recebe o presente de Penny e observa que apenas alguém que realmente o conheça, ou seja, que faça parte das suas relações sociais poderia compreender a importância do guardanapo. O mesmo ocorre quando ele decide colocar sua energia e seu tempo em busca de um presente para a festa de aniversário surpresa de Leonard e passa a se divertir com isso, tentando imaginar qual seria o presente ideal, algo que contraria totalmente sua lógica utilitária.

Para Bourdieu (1996) se se quiser eliminar o aspecto simbólico do presente, basta, em vez de comprar, pesquisar e descobrir do que a pessoa gosta, preencher um cheque e entregá-lo a ela. É exatamente desta forma racional que Sheldon busca agir, pois para ele a busca por simbologias é algo desnecessário, para ele um presente é apenas um presente, sem significados ocultos. Vemos claramente que isto é desconstruído quando Sheldon recebe de Penny um presente que, para ele, e apenas para ele, possui uma simbologia única e inegável. Quando Sheldon percebe a importância do presente recebido sua primeira reação é tentar retribuir com algo que seja tão importante quanto o presente que recebeu, e exatamente por não conseguir encontrar algo que proporcione a Penny os mesmos sentimentos que sentiu ao receber o presente ele a abraça, algo que nunca faz e evita ao máximo, para assim conseguir retribuir o prazer que sente.

É limitado compreender o comportamento do Gift Giving focando-se apenas como um ato puramente econômico, como Sheldon analisa, já que dificilmente o doador conhece as necessidades e os desejos do receptor. Por meio do Gift Giving é possível compreender a simbolismo do bem, o papel do doador (aquele que oferece o bem) e do receptor (o que receberá), o conceito que o doador tem daquele que presenteará e como o simbolismo do bem é usado por aqueles que dão (Wonfinbarger, 1990). Ou seja, Penny conseguiu, ao entregar este presente de Natal para Sheldon, entregar algo que o represente, algo que faz parte de sua história e de sua vida, e por isso se torna um presente inesquecível. Os modelos de Gift Giving apresentam uma tendência maior em analisar sob a perspectiva do doador, ou seja, todas as suas ações referentes ao oferecimento de presentes, e dão menos importância ou não relatam a questão da retribuição. Porém, devemos salientar a

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importância de analisar também o receptor, uma vez que para continuar as ações de Gift Giving na Dádiva é preciso que os sujeitos sociais se encorajem para que ela ocorra e continue existindo. Já que sem a trama dadivosa, os atos se reduzem a um interesse utilitário de ganho, e na Dádiva, não há ganhador, e sim a soma e reforço dos relacionamentos. Referências: Almeida, A. R. D. de, & Lima, C. (2007) Ai meu Deus, o que eu Compro? Um Estudo Experimental sobre a Ansiedade na Compra de Presentes. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro. Anais do XXXI ENANPAD. Rio de Janeiro: ANPAD. Banks, Sharon K. (1979) Gift Giving: a review and an interactive paradigm. Advances in Consumer Research, 6, 319-324. Belk, R. W. (1976) It´s the Thought that Counts: A Signed Diagraph of Gift Giving. Journal of Consumer Research, 3, 155-162. Belk, R. W. (1979) Gift-giving behavior. Research in Marketing. 2. ed. Jagdish N. Sheth, Greenwich. CT : JAI Press, 95-126. Belk, R. W., & Coon, G. S. (1993) Gift Giving as Agapic Love: An Alternative to the Exchange Paradigm Based on Dating Experiences. Journal of Consumer Research, 20, 393-417. Boje, D., & Dennehy, R. (1993) Managing in the post modern world: America’s revolution against exploitation. Dubuque: Kendall/Hunt Publishing. Bourdieu, P. (1996) Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus. Caillé, Alain. (1998) Nem holismo nem individualismo metodológicos. Marcel Mauss e o paradigma da dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 13 (38). ______. (2002) Introdução: o terceiro paradigma. In: Antropologia da Dádiva: o terceiro paradigma. Petrópolis: Vozes. Calás, M. B., & Smricich, L. (1999) Past post modernism? Reflections and tentative directions. Academy of Management Review, 24 (4), 649-71. Coelho, Maria Claudia. (2006) O valor das intenções: dádiva, emoção e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV. Cronk, L. (1989) Strings Attached. Sciences, 19 (3), 2-4. Cutler, B. (1989) Here Comes Santa Claus (again). American Demographics, 11 (12), 30-35. Derrida, J. (1967) Writing and difference. Chicago: University of Chicago Press. Disponível em: <http://www.hydra.umn.edu/derrida/arch.html>. Acesso em: 05 fev. 2014.

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