bauru: vida nos bairros

12
Bauru Vida nos Bairros Viver numa cidade com mais de 300 mil habitantes pode tornar imperceptível as variadas faces que a compõe:

Upload: angelo-sottovia

Post on 22-Jul-2016

225 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2011, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

TRANSCRIPT

Page 1: Bauru: Vida nos bairros

BauruVida nos Bairros

Viver numa cidade com mais de 300 mil habitantes pode tornar imperceptível as variadas faces que a compõe:

Page 2: Bauru: Vida nos bairros

Um mundo de cultura e de gente. Essa é a proposta do suplemento Vida nos Bair-ros, que pretende mostrar ao leitor, bauruense ou não as curiosidades e histórias ri-cas de nosso povo. Histórias como a dos jovens que, com opções limitadas de lazer, se aglomeram em locais como o shopping e a Praça da Paz. Histórias como a do Institu-to Lauro Souza, um centro de tratamento da hanseníase que existe na cidade desde 1933. Conheça as memórias que se escondem por lá. E quem di-ria que Bauru também poderia ser curiosa? No Geisel, um ins-tituto que ensina Kung Fu é re-conhecido internacionalmente pelo nível de seus atletas.

A vista geral do mapa da

cidade, prevista pelo Plano Diretor do município, abre este caderno. No decorrer das páginas, partimos do Centro para a periferia, sempre mos-trando diferentes bairros, ins-tituições e atividades. Nesse caminho, conhecemos muitas pessoas que, normalmente, não têm voz fora de sua co-munidade. Como aquelas li-gadas ao projeto 100% Arte, desenvolvido no Jardim Ouro Verde, ou professores de uma escola que reúne crianças ca-rentes para aprender a arte centenária do circo no Parque Vista Alegre . A proposta des-se suplemento é abrir espaços para o esporte, lazer, cultura, comércio... enfim, mostrar a vivência dos moradores em cada um de seus bairros.

Vidas que constroem a história bauruense

Editorial Índice

ExpedienteEditorLucas Santana

ReportagensCarolina SeikoDaniel FariasFelipe GodoyHenrique TobiasJanaína FerrazKaren MeneghetiLucas SantanaVictor Santos

RevisãoDaniel Farias

Diagramação Lucas Santana

OrientaçãoÂngelo Sottovia MTB 12.870Renata Malta MTB 34.600

4CentroAinda há quem goste de morar no centro da cidade.

Vida nos Bairros novembro de 20112

Ouro VerdeBairro conhecido pela violência desenvolve projetos sociais para envolver moradores.

5 Jardim AeroportoConheça a dupla jornada da avenida: de dia a boa forma, à noite a boemia

GeiselCentro de ensino de Kung Fu é reconhecido internacionalmente

Vila IndependênciaConheça o bairro com a maior concentração de asiáticos de Bauru8

6Mary DotaMoradores se orgulham de seu bairro, que tem estrutura semelhante a de uma verdadeira cidade

9 Parque Vista AlegreCasa do Garoto resgata universo do circo em iniciativa pioneira na cidade

3 Mapeando BauruEntenda onde ficam os bairros visitados pela reportagem do Vida nos Bairros

7HistóriaInstituto Lauro Souza, antigo abrigo de pessoas com hanseníase, hoje é referência de saúde

Crônica Conta a história da Vila Falcão, de um tempo que se foi, mas que permanece na memória

EsporteTimes de várzea dão suporte para os bairros de origem.11

10LazerJovens das periferias de Bauru encontram diversão longe de seus bairros

12 CuriosidadesAlguns números importantes (e outros nem tanto assim) sobre Bauru

Page 3: Bauru: Vida nos bairros

´Área Urbana

´Área Rural

´Área Rural

Vida nos Bairros 3novembro de 2011

MapeandoBauru

Ficha Técnica

Idade: 115 anosNome: Conhecida pelo lanche de mesmo nome – de receita controversa – o nome da cidade significa em língua tupi, “cesta de frutas” ou “bauruz”, como eram conhecidos os índios que habitavam as magens do Rio Batalha.Economia: Forte comércio e prestação de serviçosCartão-postal: Parque Vitória-Régia, Templo Tenrikyo e Museu Ferroviário

Map

as: P

lano

Dire

tor/

Pref

eitu

ra; I

nfor

maç

ãoes

car

togr

áfic

as a

prox

imad

as

1 - Centro2 - Ouro Verde3 - Jardim Aeroporto4 - Mary Dota 5 - Parque Vista Alegre6 - Geisel7 - Vila Independência8 - Vila Falcão

Localize-se

Page 4: Bauru: Vida nos bairros

Vida nos Bairros 4 novembro de 2011

Centro

Ouro Verde

Quem passa pelo Jardim Ouro Verde e região encontra um clima quase bucólico. Essa idéia de aparente tranqüilidade só é abalada quando Adriano Albino, presidente de uma ONG que atua no bairro, diz que a re-gião ficou conhecida por ser as-sociada a crimes violentos ocor-ridos em Bauru. “Alguns crimes aconteceram em bairros próxi-mos, mas nos jornais sempre sai que foi no Ouro Verde”, explica.

O bairro é fruto de um empre-endimento residencial falido que resultou em anos de ilegalida-de diante da prefeitura e alguns problemas de ocupação que per-sistem até hoje, como as esqui-nas com terrenos vazios. A lega-lidade só veio em 1996, quando a região começou a receber inves-timentos do município.

Distante quase sete quilô-

metros do Centro da cidade, os moradores do Ouro Verde e dos bairros que o cincurdam têm poucas opções de lazer e cul-tura. O Recinto Mello Moraes, próximo ao bairro, vez ou outra oferece eventos e apresentações musicais gratuitas, dando pos-sibilidade aos moradores de al-gum entretenimento. Contudo, para Adriano, que guiou a re-portagem pelo bairro, o Recinto representa muito pouco para a população. “Quando tem show, podemos ouvir de dentro das nossas casas”, diz. A melhor al-ternativa fica mesmo por conta dos projetos sociais que atuam no bairro. Sessões de cinema, biblioteca e bateria de percus-são são apenas algumas das ati-vidades promovidas pelo Proje-

to 100% Arte em parceria com o Centro Comunitário que atua no Ouro Verde. Luiz Augusto, de 24 anos, é um dos coordenado-res do Projeto, para ele a impor-tância de desenvolver atividades socioculturais no bairro é muito grande. “Para muitos, é a única área de lazer e o Projeto serve como chamariz para o jovem do bairro”, explica. Luiz entrou no 100% Arte há 4 anos, na bateria de percussão, e hoje, trabalha como multiplicador, ensinando outros jovens. Ele diz ser gra-tificante poder oferecer uma opção cultural para meninos e meninas do bairro que aderem ao projeto em grande número. Entretanto, diz ainda haver bas-tante relutância dos adultos em participar das atividades. •

“Somos associados à violência”Ouro Verde ficou conhecido pelos crimes violentos, mas o bairro mantém projetos sociais e se organiza para criar alternativas para jovens e adultosLucas Santana

Acima, faixada do Projeto 100% arte, desenvolvido no bairro. Abaixo, academia ao ar livre é uma das poucas opções de lazer do Ouro Verde,. Entretanto a falta de iluminação prejudica o uso por trabalhadores no período noturno.

Centro de Bauru ainda tem moradores satisfeitosApesar da crescente migração do centro para outros pontos da cidade, a praticidade de serviços perto de casa é o que ainda mantém pessoas no bairroHenrique Tobias

Referência de comércio em Bauru, o centro da cidade tem um histórico de êxodo de resi-dentes para outros bairros. Os imóveis, antes casas, foram, aos poucos, se tornando lancho-netes, restaurantes, escritórios, clínicas, e, so-bretudo, lojas. Apesar disso, o centro ainda tem residências de pessoas que não se incomodam com o grande movimento rotineiro da região.

O comerciante, José Melhem, por exem-plo, morou no centro de Bauru durante prati-camente a vida inteira. São cerca de cinquenta anos de satisfação com o bairro. José possui uma lanchonete na mesma quadra onde mora e tem poucas queixas sobre o local. “Adoro morar no centro. É tudo prático, é tudo fácil. Você não precisa de carro”.

Ele já morou em outro bairro da cidade, mas acabou voltando ao centro por oportuni-dades melhores. José fala que recusou ofertas de compra de sua casa pela paixão que tem pelo lugar. “É um amor que não dá pra dizer o por-quê”. José apenas reclama da falta de seguran-ça à noite e da dificuldade que as pessoas têm para estacionar o carro.

Outra residente do centro, Isabela Birali Braga, estuda arquitetura na Unesp e vive em uma república há quatro anos. Além de gostar do local porque há colegas morando perto, ela também fala da praticidade de estar no bairro e não tem nenhuma reclamação. “No centro, é muito mais fácil”, diz a estudante.

O centro geralmente é o lugar da cidade aon-de os bauruenses vão para cumprir suas obriga-ções diárias, além de ser oportuno para lazer. Mas seja uma conta para pagar ou um presente para comprar, o destino é sempre longe de casa, exceto para aqueles que fizeram, e continuam a fazer, de suas moradias um complemento dessa correria do dia a dia. •

Casas residenciais são cada vez mais raras no centro da cidadeJa

naín

a Fe

rraz

Foto

s: L

ucas

San

tana

Page 5: Bauru: Vida nos bairros

Jardim AeroportoJardim Aeroporto

Vida nos Bairros 5novembro de 2011

E o dia vem....No silêncio da manhã, a Getú-

lio acorda com os poucos ruídos de passos daqueles que madrugam para o exercício matinal. Ao lado do Aeroclube de Bauru, ponto tu-rístico e patrimônio histórico da ci-dade, a avenida começa sua rotina diária bem cedo e, aos poucos, se enche de pessoas em busca de bem estar. Local de caminhadas, trânsi-to de bicicletas e prática de espor-tes, a manhã getuliense se inicia no melhor estilo de vida saudável.

Da Praça Líbano até o acesso à Rodovia Marechal Rondon, a Avenida Getúlio Vargas percorre vários bairros da cidade. Residên-cia da elite bauruense, de um lado, encontram-se as belíssimas casas--jardins; de outro, os condomínios murados e isolados por sistemas de segurança.

Com aproximadamente 5 km de extensão, a Getúlio é símbolo de beleza e saúde e tem cerca de 1,5 km de ciclovia destinada a ci-clistas e pedestres. Rosângela de Almeida, praticante assídua das caminhadas na avenida, conta que o espaço, para ela, é o melhor local da cidade. “Adoro a Getúlio. Sou

nascida em Bauru e há doze anos não deixo de vir caminhar um dia sequer. Aqui é melhor que muita academia por aí!”, diz a bauruense.

Ao passar das horas, a manhã vai se deixando levar pelo calor in-tenso do meio-dia. A avenida lota de carros, os comércios lotam de gente e o trânsito mostra porque a Getúlio é a via mais importante de Bauru. E passa carro e passa gente, volta carro e vai gente. Num ritmo que parece acelerado, mas não é (a velocidade máxima permitida é de 50 km/h), o pôr-do-sol vai com o fim do dia, junto ao ritmo frenético do horário de almoço.

A tarde chega. Voltam-se as caminhadas, os ciclistas, as crian-ças que depois da escola ganham alguns minutos de lazer antes de ir para casa. “Minha mãe me traz aqui porque é bonito e dá pra andar de bicicleta”, diz Isabela, 9 anos.

E a Getúlio se enche de novo, mas agora de pessoas, que fazem daquele espaço de impaciência e pressa um local de lazer e saúde. O sol se vai....

...cai a noitinhaBalada, barzinhos, som, pesso-

as por todos os lados, a noite da Getúlio acaba de começar. Ponto de encontro não só de jovens, mas também dos maduros e boêmios bauruenses, a avenida concentra os bares e as casas noturnas mais badaladas da cidade.

“E aí, vamos passear na Gét?” é expressão comum entre os fre-quentadores da vida noturna na avenida, o novo centro de curtição. “Primeiro os donos de bares e o público preferiam a Duque, depois a Nações e agora o novo point é a Getúlio, a avenida do momento”, diz Eliana Firmino, gerente de um bar.

Uma pesquisa realizada em 2009 pela extinta Asa Sul aponta que, há dois anos, a zona sul de Bauru já mantinha mais de mil es-tabelecimentos. É uma média de cinco funcionários por local, ou seja, cerca de 5 mil pessoas tra-balhando na região. Apesar de os dados referirem-se a toda a área, é possível ter a dimensão da visibi-lidade e da importância econômi-ca atual da Getúlio, sem dúvida a maior representante da zona sul.

Antigamente, a avenida era uma estrada que ligava Bauru a Agu-dos. Aos poucos, porém, ganhou

força comercial, destacando-se os bares que dominam o comércio to-das as noites, principalmente aos fins de semana. “Aos domingos, por exemplo, o maior movimento é durante a tarde e início de noite, por causa dos jogos na televisão”, conta Alexandre Cardoso, gerente de uma choperia.

A noite chega ao auge. O baru-lho domina toda a avenida e trân-sito volta ao caos. Quem mora por perto diz se incomodar. “Ah, o ba-rulho à noite é terrível. Ou você se acostuma a ele ou você se muda”, afirma Letícia Alcântara, morado-ra de um dos poucos prédios resi-denciais da Getúlio.

Na madrugada, por volta das 4 da manhã, as veias da grande ave-nida diminuem a pulsação. Aque-les que durante o dia correram e se exercitaram em busca da boa forma, agora seguem para casa sob efeito do álcool, trocando as per-nas e procurando o caminho de volta. A avenida finalmente cessa para um breve descanso, pois o sol já vem surgindo. Novamente a Ge-túlio acorda com os poucos ruídos de passos daqueles que madrugam para o exercício matinal. E o dia vem.... •

A avenida Getúlio Vargas, uma das mais conhecidas e movimentadas da zona sul de Bauru, é o ponto de encontro de jovens, crianças e idosos. Graças a sua vida sem descanso: de dia, os bauruenses aproveitam o espaço de lazer para a prática de exercícios; à noite, os bares e casas noturnas viram o point da galera

Getúlio dia e noite: da boa forma à boemia

Foto

s: J

anaí

na F

erra

z, q

ue c

olab

orou

com

a d

iagr

amaç

ão

Janaína Ferraz, com colaboração de Lucas Santana

Page 6: Bauru: Vida nos bairros

Vida nos Bairros 6 novembro de 2011

Mary Dota

Aluguéis nas alturas. Rodeio que atrai multidões. Uma popu-lação de cerca de 50 mil pessoas. Um comércio vivo que funciona ativamente em pleno final de se-mana. Com características típicas de uma cidade de médio porte e considerado um dos maiores nú-cleos habitacionais da América Latina, o bairro Mary Dota con-solidou-se pela fama de ser “uma cidade dentro da cidade”, com os problemas e as qualidades que essa relativa independência pode trazer.

“Aqui é demais, não troco por nada”, comenta Sandra Pinheiro, 55 anos. A moradora, que vive no bairro há mais de 20 anos, sorri ao dizer que foi privilegiada por ver o bairro crescer e se tornar o que é hoje. Para Sandra, alguns dos pontos positivos do local são os eventos culturais frequente-mente realizados, como shows de cantores sertanejos, festas para crianças e o rodeio, “uma delícia”, relata a moradora.

Rafael Santana, membro da Associação Comercial dos Empre-sários do Mary Dota (ACEMAD), ressalta o forte lado comercial da região. O bairro conta com mais de cem comerciantes vinculados

à ACEMAD, e para Rafael, o co-mércio está em ascensão, “houve um grande aumento e estão vindo muitas empresas e agências ban-cárias pra cá”, anima-se.

PROBLEMAS E SOLUÇÕESPor ser um bairro com cara de

cidade, o Mary Dota enfrenta obs-táculos característicos de um ver-dadeiro município. Um deles diz respeito à segurança pública, “o fraco do nosso bairro é a polícia”, afirma a moradora Sandra.

Por outro lado, o local conta com ótimas iniciativas, como a da ONG Periferia Legal, que visa combater alguns dos problemas sociais. O presidente da ONG, Vanderlei Nogueira, declara que o objetivo do grupo é “fortalecer a cultura nas comunidades”.

O ramo imobiliário também enfrenta dificuldades. A maioria dos moradores faz queixas sobre o valor abusivo dos aluguéis; além disso, são enormes as listas de es-pera para se conseguir uma loca-ção. Nada que impeça o desenvol-vimento do bairro, que continua crescendo alçado por um forte comércio e uma população que se orgulha de viver naquele lugar. •

Na alegria e na tristezaCom satisfações e alguns percalços, a relação entre o Mary Dota e seus moradores assemelha-se a um verdadeiro casamento

Felipe Godoy e Victor Santos

Mary Nair Matheus Dota nasceu em Bauru no dia 12 de dezembro de 1946. Foi casada com Milton Dota, com quem teve quatro filhos. Mary se dedicou a uma vida de trabalhos sociais e políticos. Faleceu em um acidente de carro na cidade de Catalão (Goiás), em 1989, com apenas 43 anos de idade.Mary Dota foi gerente da COHAB, Companhia de Habitação Popular de Bauru, e militou contra a ditadura militar durante boa parte da vida. Também atuou como psicóloga em escolas.

Quem foi Mary Dota?

Fundada no ano 2000 por três estudantes universitários, a ONG Periferia Legal surgiu no bairro Beija Flor. Desde então expandiu muito sua área de atuação, com forte presença nos bairros vizinhos como o Jardim Parque Real e o Núcleo Habitacional Mary Dota, a ONG já visitou doze outros bairros bauruenses.O presidente da ONG, Vanderlei Oliveira, revela que a principal missão da organização é “realizar ações sociais nas periferias e, com isso, proporcionar oportunidades para o desenvolvimento das comunidades locais”. Para tanto, criou-se em 2004 o projeto Ação

Legal, que consiste em eventos realizados quinzenalmente, cada qual em um dos bairros que recebe cobertura da ONG.Atuando nas áreas de assistência social, educação, cultura, saúde, meio ambiente, geração de renda e, principalmente, esporte e lazer, a ONG visa levar às comunidades o que não lhes é oferecido pelo poder público. “Nosso trabalho é voltado para a periferia”, explicita Vanderlei, que também relata as principais ações da Periferia Legal, “já tivemos corrida, axé, samba, rock, já trabalhamos nas escolas, mas o nosso foco é mesmo o hip hop”.

Mais alegria na periferia

Com uma estrutura típica de um município, Mary Dota possui um comércio que funciona ativamente até o anoitecer

Felip

e G

odoy

+

+

A primeira a chegarO Mary Dota tornou-se oficialmente um núcleo habitacional no dia 09/12/1991. Tem gente que mora lá desde a sua fundação, caso de Nair Pinheiro, 79 anos. “Fui a primeira moradora”, conta.A casa de Nair foi entregue três meses após o falecimento do marido. Viúva, ela mudou-se para o bairro num período difícil. “Quando mudei não tinha nada, nem água, nem luz, não tinha nem rua. Eu via os bois passando”, explica.Após o asfaltamento, inúmeras famílias mudaram-se para lá. “Isso aqui virou uma cidade”, comenta a moradora, que enumera as vantagens de se viver ali. “O ônibus passa na minha porta, tem farmácia, mercado, loja de roupa”, acrescenta.

Page 7: Bauru: Vida nos bairros

Vida nos Bairros 7novembro de 2011

História

Já é quase meio-dia. O sino da igreja há muito deixou de soar. As ruas largas de paralelepípedo estão desertas e o único som que quebra este profundo silêncio do cachorro acostumado à vida pa-cata do bairro. Essa cena em nada lembra o brilho e a agitação que lhe eram característicos durante a pri-meira metade do século XX.

O Asilo-Colônia Aimorés, fun-dado em 1933, pode sim ser cha-mado de bairro, mas um bairro muito peculiar. Construído para servir de abrigo aos portadores de hanseníase, na época conhecida como lepra, o bairro ficava 10 qui-lômetros distante de Bauru e, por causa desse isolamento, possuía a estrutura de uma pequena cidade. Além da igreja, havia um cassino, um estádio de futebol, fabrique-tas e até um cemitério, tudo traba-lhando em prol do bom andamento dessa comunidade que chegou a ter mais de dois mil habitantes. +

A maior parte dessa estrutura não existe mais, e o que sobrou, pertence ao Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL), órgão gover-namental de pesquisa e tratamen-to de doenças dermatológicas. Pouco resta para ver, mas ainda há muita história para contar. Jai-me Prado, jornalista e funcionário do instituto há 35 anos, luta com todas as forças para manter essa história viva.

Em pouco tempo de conversa é possível notar que Jaime nutre grande paixão por essas memó-rias, paixão essa que vem desde os tempos de garoto. “Entrei pela pri-meira vez clandestinamente para assistir a um jogo de futebol, à me-dida que a bola rolava, parece que fui sendo contaminado pela his-tória daquele local”, lembra. Mas sua memória não é a única fonte de dados daquela época. O jorna-lista mantém um extenso arquivo de fotos antigas, cerca de sete mil, entre originais e digitalizadas.

Jaime conta ainda que os in-ternos chegavam ao Asilo-Colônia Aimorés sem esperanças de vol-tar à sociedade, afirmando que “na época da fundação, não ha-via cura nem tratamento decente para a doença”. Ao chegar lá, es-ses mesmo internos encontravam uma sociedade paralela, com leis e organização próprias, onde os pre-conceitos ficavam do lado de fora, assim como suas famílias e toda uma vida, que daquele momento em diante, não seria mais a mesma.

Apesar da dor pelo isolamento compulsório, que perdurou no Es-tado de São Paulo até 1967, a vida era agitada dentro das fronteiras do Asilo-Colônia. Havia uma rádio comunitária, a Rádio Publicidade Aimorés, e o que não faltava eram grandes comemorações: Festas Juninas, Carnaval e shows, com bandas muitas vezes compostas inteiramente por internos.

Cleide Ortega, encarregada do Setor de Recursos Didáticos e Pedagógicos do ILSL, conta que os moradores assumiam diversas funções essenciais dentro da co-munidade. “Muitos prédios cons-truídos após a fundação foram feitos por eles, que com o fim do isolamento compulsório, passaram a ser funcionários do Estado e ter direito a aposentadoria”, explica.

Jaime acrescenta que, devi-do à preocupação dos moradores com a beleza e a limpeza das ruas e praças, o bairro ficou conhecido como “Cidade Jardim”. Mas nem só de flores resume-se o passa-do do Asilo-Colônia. Houve uma grande rebelião no dia nove de ju-lho de 1945. “Foi uma revolta, era uma manifestação dos internos e os caras quebraram tudo”, des-creve Jaime. Em contraponto com tal passado, recheado de agitação, os quase quarenta ex-internos que por lá ainda moram enfrentam um cotidiano monótono num lugar que aprenderam a chamar de lar. •

No ano de 1933, em uma área cedida pela fazenda Violante, surgia em Bauru o Asilo-Colônia Aimorés. Sua criação foi uma iniciativa conjunta de diversas cidades do noroeste paulista, que naquele período destinavam 10% de sua verba para a construção de uma área dedicada às vítimas da hanseníase. Na mesma década de 30, como forma de evitar a endemia da “lepra”, o isolamento dos doentes tornou-se compulsório.Entre 1949 e 1969, o local passou a se chamar Sanatório Aimorés. Apesar da abolição da internação compulsória, determinada por lei no Brasil em 1954, apenas 13 anos depois ela chegou ao Estado de São Paulo.De acordo com Cleide Ortega, encarregada de recursos didáticos e pedagógicos do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL), quando o Estado percebeu que era mais vantajoso investir em pesquisa e tratamento do que na manutenção de um sanatório, desenvolveu-se a estrutura de um grande centro de saúde. Primeiro chamado de Hospital Aimorés de Bauru, depois Hospital Lauro de Souza Lima e, desde 1989, já como Instituto, o local tornou-se referência não só na área da hanseníase como também na dermatologia em geral. O ILSL promove eventos durante todo o ano, além de quatro cursos, e conta com 347 funcionários.

Trajetória histórica de uma referência em saúde

+

Perdido no tempoInstituto Lauro de Souza Lima, hoje desenvolvido centro de pesquisa, carrega um passado cheio de boas histórias Felipe Godoy

Victor Santos

“Com o fim do isolamento compulsório, os internos tornaram-se funcionários do Estado com direito a aposentadoria

Art

e de

Fel

ipe

God

oy, q

ue c

olab

orou

com

a d

iagr

amaç

ão

Page 8: Bauru: Vida nos bairros

Vida nos Bairros 8 novembro de 2011

GeiselArte de origem chinesa, o

Kung Fu parece remeter a tradi-ções orientais e a filmes de Bru-ce Lee. Certo? Não no Núcleo Geisel. Quem conhece o trabalho desenvolvido há mais de 15 anos pela Associação Garra de Tigre de Kung Fu Hung Gar (AGTKF) sabe que, em Bauru, Kung Fu significa formação de caráter e reconheci-mento internacional.

Com sede na Academia Mu-nicipal Francisco Takao Kajino, a AGTKF foi idealizada em 1995 pelo então estudante da Unesp Richard Leutz. Entidade sem fins lucrativos a academia sobrevive de doações, patrocínios e dos valo-res arrecadados com os exames de graduação. As aulas são gratuitas.

“No início, atendiamos apenas os moradores do Geisel e proxi-midades”, explica Leutz. “À medi-da que e o trabalho evoluiu, inte-ressados de toda parte de Bauru e de outras cidades foram apare-cendo”.

Por que a escolha pelo Geisel? “Por residirmos ali”, diz o profes-sor Leutz. “Além disso, sabíamos

que existia uma falta de opção para as crianças da comunidade”.

Uma das crianças da comuni-dade que ingressaram logo nos primeiros anos é João Oliveira, hoje com 22 anos. “O João é hoje nosso principal atleta ”, comenta Leutz. Iniciado no Kung Fu aos 9 anos, João possui 11 títulos pau-listas, 10 brasileiros, e é atual campeão pan-americano.

O foco do trabalho é formar outros campeões como João? “Não mais”, diz Leutz. “O princi-pal objetivo é a formação do cará-ter do indivíduo através dos con-ceitos existentes no Kung Fu, que ensinam a, entre outras coisas, respeitar o próximo, saber lidar com os desafios da vida e ter força de vontade”.

A AGTKF já representou Bau-ru em oito estados brasileiros, além de promover a cidade inter-nacionalmente. Em 2011, Richard Leutz foi o representante brasilei-ro no tradicional evento de Kung Fu realizado no Templo Shaolin, na China, com mais de 60 mil pessoas e atletas de 59 países. •

Kung Fu no GeiselAssociação Garra de Tigre desenvolve no bairro trabalho de reconhecimento internacionalDaniel Faria

Alunos realizam exame de graduação na Academia do Geisel

Dan

iel F

aria

Passando pelo viaduto Mauá, da avenida Pedro de Toledo, sentido Falcão, é possível avistar o telha-do de uma construção que parece perdida em meio às demais casas ao redor. A igreja Tenrikyo, na vila Indepedência. Religião japonesa, a Tenrikyo tem como bases funda-mentais para uma vida plena e de alegria, a gratidão, a satisfação e a salvação. Em Bauru encontra-se a sede missionária Dendotyo, que em julho deste ano completou 60 anos. Além de ser ponto de encon-tro das famílias japonesas, a igreja é local onde a cultura nipônica se mantém viva. Eventos anuais como o Undokai contam com o apoio da Tenrikyo, que também oferece au-las de japonês e atividades para vá-rias faixas etárias. Abaixo da igreja, existem as Casas de Divulgação, moradias dos próprios fiéis, onde as pessoas reúnem-se para prestar seu culto.

A Tenrikyo na época do pós--guerra era como um refúgio para os japoneses. A família de Giro Ishikawa saiu de Avaí e mudou--se para a Vila Independência, em Bauru, no ano de 1945. Hoje, com 93 anos, ele relembra que sua famí-lia era budista, e por causa da igre-ja Tenrikyo de Bauru, sua família começou a seguir a religião. Seu so-brinho, Tadashi Ishikawa trabalha no templo. Ele explica que o Centro representa a vida de uma mulher, chamada Oyassama, que seria a porta-voz de Deus.

Em 1930, segundo informações do Clube Cultural Nipo-Brasileiro, residiam 23 famílias de imigrantes japoneses em Bauru. Dessas, dez eram originárias da províncias de Okinawa. Sendo peritos na pro-dução de legumes e hortaliças, as famílias estabeleceram-se às mar-gens do córrego Água do Sobrado, aos arredores da Vila Independên-

cia, para aproveitar a água para irrigação. Esses são os pioneiros, e seus descendentes mantém a re-gião como a maior concentração ja-ponesa de Bauru. •

Pedacinho do JapãoTemplo Tenrikyo erguido há 60 anos preserva a cultura japonesa na Vila IndepedênciaCarolina Seiko

Templo Dendotyo em dia de cultos reúne até 600 pessoas de 80

igrejas do Brasil todo

Divulgação

Vila Independência

Page 9: Bauru: Vida nos bairros

Vida nos Bairros 9novembro de 2011

Acrobacias, saltos, corda bam-ba, perna de pau, malabarismo: esses são os números que a jovem trupe realiza, entretendo o público e mantendo viva uma tradição.

A equipe de educandos da Casa do Garoto conta com 350 jovens, e todos passam pela oficina de cir-co. Quarenta artistas, os que mais se destacavam, formaram-se e já apresentaram quatro espetáculos. Além da oficina de circo, a entida-de localizada no parque Vista Ale-gre e vinculada à Paróquia Nossa Senhora das Graças oferece ou-tros cursos e atividades no contra--período escolar, para crianças e adolescentes de 7 a 17 anos. A Casa do Garoto foi um antigo internato e abrigava somente jovens do sexo masculino, hoje atende meninos e meninas.

A assistente social da Casa, Eli-zabeth Baio, conta que certa vez foi contratado um espetáculo de circo de uma universidade particular de Bauru e tanto a direção quanto os educandos adoraram. Assim, tive-ram a idéia de montar a Oficina de Circo e, após três anos reformulan-do o projeto e apresentando-o jun-to ao Conselho Municipal de Di-reitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), a Oficina foi aprovada.

Projetos como esse costumam

provocar efeitos positivos na vida dos jovens. Elizabeth comenta al-gumas mudanças de comporta-mento: “muitas vezes procuramos colocar os mais bagunceiros nessas oficinas porque o resultado é mui-to satisfatório”. No espetáculo o artista faz de tudo um pouco, o que cria um senso de responsabilidade e de colaboração e melhora a auto--estima, reforça Elizabeth. Quem vai mal na escola regular não pode participar das oficinas nem do es-petáculo. Como os jovens adoram a atividade, procuram não “sair da linha”. Assim, as melhorias em questão de disciplina e notas esco-lares são efetivas.

Mas nada disso seria possível se não fosse a paixão do palhaço Rogerito pelo circo. Esse é o nome artístico do professor Paulo Sérgio Rodrigues, que ministra as ofici-nas. Paulo Sérgio trabalha e vive verdadeiramente no universo do circo desde os oito anos de idade. Além disso, trabalhou seis anos fora do Brasil. O professor procura passar toda essa experiência como exemplo para os jovens: “eu fico muito feliz por isso, porque é uma coisa que eu amo e estou conse-guindo resgatar através deles essa cultura”. Assim como Paulo Sérgio começou cedo na vida circense, al-

guns talentos revelados pela ofici-na parecem apontar para o mesmo caminho: os palhaços Babalu e Bo-chechinha já seguem profissional-mente com Rogerito em turnês.

O circo popular ou tradicio-nal, que de modo geral caiu em quantidade nos últimos anos de-vido à ascensão de novas formas de entretenimento como a TV e a internet, agora se revitaliza e se consolida em sua forma popular, com iniciativas como essa. Além da revitalização do circo como um todo, Paulo Sérgio também acredi-ta na importância do projeto para a região de Bauru e reconhece o produto de seu trabalho. “Eu me dediquei muito pra que isso desse certo e graças a Deus o sonho foi realizado”, orgulha-se.

De fato, ao assistirmos o espe-táculo de circo fica evidente a de-dicação dos profissionais da Casa do Garoto. Paulo Sérgio, além de ministrar as oficinas, também monta alguns dos equipamentos utilizados. Além disso, existem di-ficuldades financeiras e de divulga-ção. Mas a trupe da Casa pretende ampliar seu trabalho para que, no futuro, a oficina seja estendida à comunidade.

Afinal, o espetáculo não pode parar. •

Respeitável circo!Como a Casa do Garoto trabalha para manter vivo esse universo mágico

“Malabares é uma coisa dificílima de se aprender; mas quando aprendem, não param mais”, afirma o professor Paulo Sérgio Rodrigues

Karen Menegheti

“Eu me dediquei muito pra que isso desse certo e graças a Deus o sonho foi realizado

Foto

s: K

aren

Men

eghe

ti

Luan Ferreira, de 14 anos, estuda e mora no jardim Araruna e está há dois anos na oficina. Começou por influência do irmão nos malabares. Seu personagem, o palhaço Tampinha, comprova as melhorias do circo na vida de um adolescente: “era extremamente mal-humorado e aprendi a lidar e me importar com os outros; também foi me ajudando a perder a vergonha. É uma alegria pra mim ver as crianças alegres, é inexplicável”.

Parque Vista Alegre

Page 10: Bauru: Vida nos bairros

“ A gente quer comida,, bagunca e o c@r4l#0 ”Lazer

Lazer dos jovens das periferias bauruenses é encontro semanal nas Nações UnidasJanaína Ferraz

Vida nos Bairros10 novembro de 2011

Mas afinal, o que é lazer?

Sexta-feira, 19h. Desliga a TV. O prato já está na mesa com aquele cheiro bom de comida fresquinha. A mãe chama: “Vem que a janta tá pronta!”. Come. Pega o prato e deixa na pia. Toma banho. Abre o armário, procura o que vestir. Cadê “as roupas de sair”? “Manhê, você não passou a minha calça nova?”. “Passei sim senhor! Está no cabi-de!”. Veste a melhor que tem. Toma outro banho, mas agora de perfu-me. No cabelo vai metade do pote de gel. Pronto. Beija a mãe e pede a benção. “Ah, esqueci o celular!”. Agora sim. Ao som de Mc Catra no volume máximo que o celular aguenta, o ônibus parte. Do bairro

Mary Dota até o Bauru Shopping são dois ônibus. No mínimo 40 mi-nutos de viagem. E parte. A sexta--feira acaba de começar. Para eles.

Há cerca de dez anos, o encon-tro dos jovens da periferia de Bauru acontece todas as sextas e sábados entre um fast food árabe e a Praça da Paz, na Avenida Nações Unidas, região nobre do município. Não muito diferente de qualquer outra cidade do interior, os adolescentes costumam ter seu ponto de encon-tro semanal. Antigamente, a turma de bairro se via na pracinha, em frente à paróquia depois da missa, ou ali na calçada do sr. Joaquim. Mas, o que acontece quando a ci-dade cresce, a pracinha some e o sr. Joaquim muda de endereço?

Bauru tem aproximadamente 350 mil habitantes e é pólo eco-nômico do centro oeste paulista. A região central, os condomínios e

bairros de classe alta se resumem a 20% da cidade. Os outros 80% de Bauru são compostos de grandes regiões periféricas, com seus pró-prios centros urbanos e que pos-suem vida independente. Porém, quando se trata de lazer e cultura, os moradores se veem limitados a um shopping distante, a um tea-tro monopolizado e a pequenos e carentes centros esportivos. O re-sultado disso é o êxodo cultural na cidade. Retrato que não agrada a todos.

Conhecido pelos moradores da região das Nações como “Mano’s Day” (Dia dos Manos), o encontro dos jovens é visto como vandalis-mo, bagunça e falta de organiza-ção. Carlos José de Martins, geren-te do fast food conta que os jovens que frequentam o local costumam ser bastante desordeiros. “Uma parte conversa, fica quietinha no

canto com os amigos. Mas muitos deles ficam consumindo bebida al-coólica, correm no meio da rua e sempre arrumam brigas”, diz o ge-rente, que afirma diminuir bastan-te o número de clientes no estabe-lecimento quando os jovens estão por perto.

Max Antonio, 14, é morador do Bairro Nova Esperança e frequenta o local desde os 11. “Eu venho à Pra-ça da Paz zoar com a molecada, fi-car com as meninas e beber com os amigos”, conta o garoto, que afirma não deixar de vir à região, ainda que houvesse mais lazer em seu bairro: “Mesmo se tivesse alguma coisa legal para fazer onde eu moro, eu continuaria vindo aqui. É o melhor lugar da cidade. Tem shopping, as melhores meninas, todo mundo que eu conheço vem pra cá”.

“Como é mesmo aquela música dos Paralamas, tia? A gente quer comida, não é? Pois é, a gente não quer só comida, a gente quer comida, bagunça e o c...!”, falou às gargalhadas um dos garotos ao mencionar a música “Comida”, dos Titãs.

A falta de lazer nos bairros mais afastados de Bauru parece não ser o principal motivo do encontro dos jovens em outras regiões da cidade. Segundo estudos realizados pela Univer-sidade de Montes Claros (UNI-MONTES), em Minas Gerais, os adolescentes em geral não possuem muita informação a

respeito do que seja lazer. Em termos práticos, lazer é tudo aquilo que se dispõe a ser feito para a distração, num tempo ócio. Esse tempo inutilizado é a chave da questão. Os jovens estão cada vez mais ociosos, passando horas em frente à TV e aos computadores.

A mesma pesquisa aponta que as atividades que os adoles-centes mais gostariam de fazer requerem dinheiro. O resultado mostra que mais de 60% de-les afirmam não ter condições financeiras para a diversão que desejam.

Encontro é conhecido também como mano’s day

DA CAVALARIA AO CAOSA faixa etária dos frequentado-

res do “Mano’s Day” é de 11 a 18 anos. A maioria diz existir um ri-tual sagrado entre eles: “Primeiro a gente vai ao supermercado, daí como a gente é menor de idade, tem sempre alguém mais velho. É o cara que compra bebida pra ga-lera toda. Mas só bebida, ninguém se envolve com droga não. Depois de compradas as bebidas, damos uns rolês no shopping. Só quan-do o shopping fecha é que a gente desce tudo junto. E a polícia sem-pre vai com a gente à cavalo, mas claro que ninguém é bobo de beber na frente deles, né?”, conta uns dos garotos que se identifica como Ser-ginho, 12 anos.

A polícia realmente sempre os

acompanha. Edson Antonio, cabo da cavalaria do 4° batalhão de Bau-ru, diz que muitas vezes a polícia precisa intervir de forma mais in-tensa. Brigas generalizadas são co-muns entre eles. Segundo o cabo, ao saírem do shopping, muitos dos jovens pixam as ruas, comércios e residências, quebram garrafas de vidro pelo caminho e chegam a con-sumir drogas. “Uma vez estávamos na Praça da Paz e havia uns indi-víduos fumando maconha, e então decidimos revistá-los. Na hora em que o menino tirou o tênis, havia um revólver calibre 22 lá dentro”, conta Edson.

O garoto em questão chegou a ser conduzido até a delegacia, mas o conselho tutelar o liberou.•

Preferência dos jovens (%)

Falta de $Falta de tempoViolênciaPreguiça

67%16%

12% 5%

Falta de dinheiro

Falta de tempo

ViolênciaPreguiça

O que impede o lazer dos jovens

Praça da Paz virou ponto de encontro dos jovens às sextas-feiras

Henrique Tobias

Janaína Ferraz colaborou com a diagramação

Page 11: Bauru: Vida nos bairros

Vida nos Bairros 11novembro de 2011

Foto: Carolina Seiko

Esporte

Apesar do pouco tempo de existência, o Cometa Ajax e o In-dependência, times de futebol amadores de Bauru, mantêm uma relação solidária com os bairros onde surgiram. Nas sedes dos ti-mes, são oferecidas atividades que os moradores podem usufruir gratuitamente. Em retorno, ofere-cem apoio por meio de doações ou, como no caso do Independência, auxiliando em obras inacabadas.

O Cometa Ajax tem sede no bairro Bela Vista. Uma das ativida-des oferecidas ali é a ginástica para a terceira idade. Segundo o presi-dente do time, Sidney Queiroz An-drade, também há atenção para os mais jovens. “Em datas especiais, como Dia das Crianças e Natal, a gente está sempre proporcionando algum evento para as crianças da comunidade”, diz. Andrade afirma que os jogadores participam des-sas confraternizações com os mo-radores. “O time é bem enraizado ao bairro”.

Para suprir os gastos financei-

ros dessas atividades, o Cometa Ajax promove mensalmente algum encontro, uma feijoada, por exem-plo, a fim de arrecadar fundos através de doações.

O Independência também re-aliza arrecadações mensais desse tipo, informa o auxiliar técnico do time, Ronaldo Henrique de Cam-pos, conhecido entre os moradores pelo apelido Rincon. Diferente-mente do Cometa Ajax, porém, a sede do Independência, localizada no bairro de mesmo nome, não tem uma rotina de atividades gratuitas. Isso porque o imóvel está inaca-bado, diz Rincon. Apesar disso, o local ainda sedia confraternizações esporádicas gratuitamente, como festas de aniversário, casamentos e churrascos.

Segundo o auxiliar, os residen-tes do bairro se unem para susten-tar a sede e ajudam até mesmo nas obras. “Quando está de folga, vai lá ajudar”, diz Rincon ao se referir a moradores que trabalham como pedreiros. O presidente do Inde-

Times de Várzea têm forte ligação com seus bairros de origemCometa Ajax e Independência promovem atividades recreativas para os moradores

Henrique Tobias

Sede do time Independência tem obras inacabadas. Mesmo assim,

serve de apoio para os moradores.pendência, Marcelo Agbirto No-veli, diz que “a Vila Independência é apaixonada pelo time”. Segundo Noveli, os próprios jogadores não têm muito envolvimento com as ati-vidades do bairro porque estão sem-pre ocupados com os jogos. •

Hen

rique

Tob

ias

Vila Falcão Uma história vivaCrônica

Relembrando a vida de outrora no poe-ma “Num bairro mo-derno”, o português

Cesário Verde escreveu: “Como é saudável ter o seu conchego, e a sua vida fácil! Eu descia, sem muita pressa, para o meu em-prego, aonde agora quase sem-pre chego com as tonturas duma apoplexia”. Pensei nestes versos quando conversei com Henrique Perazzi de Aquino, autor do blog Mafuá do HPA e pesquisador da história de Bauru, sobre uma das regiões mais célebres da cidade, a Vila Falcão.

Veja, há muito a se falar a res-peito da Vila Falcão. Pense, por exemplo, em alguns dos princi-pais ícones culturais da cidade. Na divisa do bairro com a Vila Pacífico, encontra-se o Estádio Alfredo de Castilho, campo do Esporte Clube Noroeste, uma das mais tradicionais agremiações esportivas do interior paulista.

Além disso, a inauguração da Instituição Toledo de Ensino (ITE) na década de 1950 provo-cou o desenvolvimento cultural e comercial não apenas do bairro, mas de toda a cidade. Durante muito tempo, a região foi tam-bém sede da Escola de Samba Mocidade Independente, vence-dora de muitos desfiles na cida-de. É possível citar ainda a igreja de São Benedito, o Cine São Ra-fael e a Casa Confiança, partes in-tegrantes da história bauruense.

Para quem conhece inti-mamente a Vila Falcão, no en-tanto, há outros critérios para se analisar o bairro — critérios muito mais íntimos e pessoais. “Entrar naquele lugar e ver ali pessoas quase imortais nas his-tórias do bairro é algo como você folhear um livro de História e re-viver essas pessoas frequentando alguns dos locais inesquecíveis”, compara Aquino.

A história da Vila Falcão tem

início do século 20 a partir de um loteamento pertencente a Maria Falcão Machado, praticamente na mesma época do início das obras da Estrada de Ferro Noro-este do Brasil. A região, porém, só foi integrada ao perímetro ur-bano de Bauru em julho de 1918.

Para Aquino, a própria cons-tituição inicial do bairro acentua as particularidades da Vila Fal-cão. “A Falcão é uma das primei-ras vilas destinadas aos traba-lhadores da ferrovia em Bauru e pela proximidade dos trilhos, dos barracões da ferrovia e também do centro da cidade, possui uma formação única e indissolúvel”, explica.

Todo bairro parece ter uma vida particular. Na Vila Falcão, esse sentimento é ainda mais acentuado. Segundo Aquino, “ali tem quase de tudo e sobra um calor humano, uma proximida-de entre vizinhos, amizades, não existente em regiões mais moder-

nas da cidade. O diferencial são as pessoas, os mais velhos e esse algo a mais repassado aos das no-vas gerações”.

Aquino conclui nossa con-versa com lembranças bastante pessoais. “Minhas maiores lem-branças são do meu avô, moran-do numa casa não mais existente, na rua Martin Afonso, onde hoje está o Supermercado Confian-ça. Uma imensa jabuticabeira no quintal, uma reunião familiar aos domingos e quando o almoço estava quase pronto me pediam para ir buscá-lo numa bocha exis-tente algumas quadras abaixo de sua casa”. Como um Cesário Ver-de bauruense, Aquino sabe que o bairro é feito de história viva, composta de um tempo que já passou, mas que ainda perma-nece ali, vívida e atuante, em sua memória.

Daniel Farias

Foto

: Car

olin

a Se

iko

Vida nos Bairros 11novembro de 2011

Page 12: Bauru: Vida nos bairros

População346.650

Área673,49 Km²

Distância de São Paulo345 Kmsp bauru

Altitude526m

Universidades05Faculdades06Escolas Técnicas04

agências bancárias existem pela cidade

57ano da inauguração da TV Bauru, primeira emissora latino-amricana a se instalar no interior

1960

bauruenses moram em áreas ilegais em

9.000

22bairros

20%têm menos de 15 anos

têm mais de 60 anos13%

R$ 1.635é a remuneração média do bauruense

de setembro é fundado o Esporte Clube Noroeste

fundação do estádio Alfredo de Castilhops: Noroeste perdeu o jogo para o Campinas por 1 a 0

1935

Dados fornecidos pelo IBGE, Prefeitura de Bauru e Seade-SP

Art

e: L

ucas

San

tana

Algunsnúmeros

sobreBauru