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i BENIGNO BARRETO FILHO ATIVIDADES PRÁTICAS NA 8 a SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL: LUZ NUMA ABORDAGEM REGIONALIZADA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO 2001

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Page 1: Barreto

i

BENIGNO BARRETO FILHO

ATIVIDADES PRÁTICAS NA 8a SÉRIE DO ENSINO

FUNDAMENTAL: LUZ NUMA ABORDAGEM

REGIONALIZADA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

2001

Page 2: Barreto

iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: Atividades práticas na 8ª série do ensino fundamental: Luz numaabordagem regionalizada.

AUTOR: Benigno Barreto Filho.

ORIENTADORA: Profª. Drª. Maria José Pereira Monteiro de Almeida.

Este exemplar corresponde à redação finalda dissertação defendida por BenignoBarreto Filho e aprovada pela ComissãoJulgadora.

29/08/2001

___________________________________

Profª. Drª. Maria José P. M. de Almeida.

Comissão Julgadora:

___________________________________

Profª. Drª. Maria José P. M. de Almeida.

___________________________________

Prof. Dr. Roberto Nardi

___________________________________

Profª. Drª. Roseli Cação Fontana

ANO: 2001

Page 3: Barreto

v

"O som do mar"

... as barreiras e o estar distante

não me impedem de fazer chegar

aos ouvidos, o som do mar.

Essa linguagem mutante,

ora beijando a areia

num cicio delicado,

ora num movimento brusco

e furioso da arrebentação.

Como um ser vivo,

se permite ir do acarinhar

à rudeza dos movimentos.

Impregnada e enigmática linguagem, ...

"O som do mar"

Benigno

Page 4: Barreto

vii

AGRADECIMENTOS

A difícil tarefa de agradecer, reside em parte, nas limitações das palavras. Estas,

parecem não expressar totalmente o que sentimos.

Agradeço à

Helena S. Barreto e Benigno Barreto, (meus pais), por terem me presenteado com a

vida, pela presença afetiva e pela sabedoria que transborda através da forma simples pela

qual resolveram levar a vida.

Débora Amanda e Mariana, (minhas filhas), por serem a motivação, a esperança, os

desafios, as discordâncias, o choro, o sorriso, o amor, ... , o que não tem fim.

Minha família, pela confiança carinho e afeto.

Meus amigos, pelas palavras de estímulo e perseverança.

Meus alunos, pelos incontáveis momentos de troca e principalmente por tudo que

me ensinaram.

Meus professores, pela dedicação e contribuições dirigidas a este trabalho.

Colegas do GepCE, (Cezar, Erika, Henrique, Michinel, Odisséia, Paulo, Pedroso

Pedro e Suzani), pela convivência amiga, pelas palavras de estímulo e pelas contribuições

ao trabalho.

Professores Antonio Carlos, Roseli Cação e Roberto Nardi, pela receptividade e

disposição em realizar a leitura, no sentido de trazer contribuições valiosas ao trabalho.

Funcionários da Faculdade de Educação pela presteza e atenção com que fui tratado

durante este programa de Mestrado.

Page 5: Barreto

ix

Um agradecimento especial

À minha orientadora, Maria José.

“Parece que fui apenas um menino

brincando na praia e descobrindo de vez em

quando um seixo mais liso, uma conchinha mais

bonita, enquanto o grande oceano na verdade

lá estava inexplorado, diante de mim”.

Isaac Newton.

O entendimento do muito já navegado e da imensidão do mar que se oferece como

desafio esteve presente no desenvolvimento deste trabalho. Traçar o roteiro desta viagem

não foi tarefa fácil, precisou de orientação criativa, incansável e persistente. Desde o

projeto inicial, você acreditou na possibilidade de mudanças, fez críticas, cobranças,

sugestões mas, principalmente, soube trazer o estímulo, nos momentos mais difíceis, a

compreensão e a coerência ao lidar com as limitações que, nos diferentes momentos deste

percurso, foram se colocando.

Page 6: Barreto

xi

SUMÁRIO

Resumo. ..........................................................................................................xiii

Abstract. ..........................................................................................................xv

Apresentação....................................................................................................01

Navegar o mar..................................................................................................03

*Travessia.............................................................................................03

*Ancorar. .............................................................................................12

Como uma quilha corta as ondas. .................................................................21

*As últimas quatro décadas. ..............................................................24

*O lugar ocupado pela experimentação no ensino de Ciências.......30

Entender o mar. ..............................................................................................41

*A metodologia deste estudo. .............................................................51

Luz, arco-íris e o imaginário. ........................................................................56

Navegar é preciso. ...........................................................................................94

Referências bibliográficas. ...........................................................................102

Bibliografia complementar. .........................................................................105

Anexos.............................................................................................................108

Page 7: Barreto

xiii

RESUMO

Este projeto de pesquisa propõe a analise do ensino de Ciências, em nível

fundamental, com foco nas atividades práticas, aqui entendidas como modalidades de

procedimento que visam buscar informações, como nos casos da observação ambiental, da

observação laboratorial, e complementadas pela da leitura, da escrita, do dialogar com

colegas e professor e que desenvolvidas de forma a se complementarem podem propiciar ao

aluno, a possibilidade de chegar à internalização do conhecimento formal. O conteúdo em

estudo tem como tema “Alguns fenômenos produzidos pela luz” e o seu desenvolvimento

ocorre em etapas que se complementam: A busca de idéias prévias do aluno, valorizando os

fenômenos ambientais e condições sócio culturais. – A experimentação realizada no

laboratório, na busca de informações no sentido de, inclusive, estabelecer comparações

entre o fenômeno e a forma de representá-lo. – A sistematização e a aplicação dos

conhecimentos sistematizados. É significativo evidenciar que esta pesquisa ocorre numa

escola pública estadual em Ilhabela, região litorânea de São Paulo, onde as especificidades

econômicas e sócio culturais se acentuam quando comparadas com as de outras regiões do

Estado. Notadamente, esta realidade está presente na pesquisa, ao identificar e analisar a

importância das atividades práticas, no sentido de gerar reflexões que podem facultar a

possibilidade de reconhecer as “idéias prévias” e a linguagem, que o aluno já vem

elaborando dentro de um contexto sócio cultural específico.

Page 8: Barreto

xv

ABSTRACT

The purpose of this research project is to analyze the teaching of natural sciences,

in middle school, focusing on practical activities, enderstood here as procedure modalities

that seek information through environment end laboratory observation, complemented with

reading, writing and exchanging information with classmates and teacher.

All of this should give the student the possibility reach internalization of formal

knowledge the subjected this study is "Some phenomena produced by light" and it

developments into stages that complement each other: the search for student's previous

ideas, emphasizing the environmental phenomena and social cultural conditions;

experiments made in laboratory so as to draw parallels between the phenomena and the way

to represent it"; systemization and application of formal knowledge."

It is important to stress that this research is being done in a state school in Ilhabela,

a coastal city of São Paulo State. This is situation is specially is present in the research

when identifying and analyzing the importance of practical activities in order to bring up

considerations that will yield the possibility of recognizing the "previous ideas" and

language that the student has already been elaborating in a specific social cultural

condition.

Page 9: Barreto

1

APRESENTAÇÃO

Este trabalho consiste numa pesquisa que estuda o ensino de Ciências na escola, em

nível do ensino fundamental, dando ênfase para as atividades práticas entendidas como

modalidades de procedimento que objetivam conseguir informações, como nos casos da

observação ambiental, observação laboratorial, da leitura, da escrita, do dialogar com

colegas e professor, e ainda, desenvolvidas de forma que se complementem pode contribuir

com o aluno, no sentido de chegar a internalização do conhecimento formal. Sua estrutura

está organizada em cinco fases e simula o roteiro de uma viagem que se projeta assim:

Na primeira fase, "Navegar o mar", descrevo a minha trajetória como professor,

percorrendo os diversos momentos vivenciados no contexto do ensino escolar. Desses

momentos emergem os questionamentos sobre o ensino de Ciências, e em particular, como

ele é encaminhado nas escolas da rede pública estadual de Ilhabela. Ainda, nesta fase,

apresento o levantamento de dados feito junto aos professores de Ciências que lecionam

nas escolas estaduais deste município. Tal levantamento precedeu este projeto de pesquisa e

contribuiu parcialmente para justificar o desenvolvimento do mesmo.

A segunda fase do roteiro, "Como uma quilha corta as ondas", reserva espaço

para se resgatar um fragmento histórico, enfocando algumas das diferentes propostas de

utilização das atividades práticas, relacionadas com as tendências da construção do

conhecimento e concepções históricas.

Na terceira fase, "Entender o mar" ocorre a descrição do encontro do professor

com o pesquisador, sob as luzes da fundamentação teórica que contribuiu na elaboração

deste projeto de pesquisa e influenciou a metodologia aqui utilizada.

Na quarta fase," Luz, arco- íris e o imaginário", é relatado o processo de

desenvolvimento da coleta de dados e sob as luzes projetadas pelas fases anteriores deste

roteiro, é desenvolvida a análise e interpretação dos discursos, buscando a compreensão do

ensino de Ciências, em nível fundamental, em particular das atividades práticas, nas escolas

públicas estaduais de Ilhabela, por intermédio da qual é possível que esse ensino se dê sob

novas diretrizes de ação pedagógica.

Page 10: Barreto

2

O roteiro reserva para a quinta fase, "Navegar é preciso", as conclusões deste

estudo, na qual a viabilização deste projeto é vista e analisada através de um descortinar,

não apenas da contextualização do modelo educacional mas, sobretudo, buscando as suas

ramificações no modelo político social.

Para tanto, é importante repensar: - "Como a atividade prática, nos processos de

ensino e aprendizagem, pode levar o aluno ao entendimento de um fenômeno e a

convivência ética com o mesmo, dentro de um contexto sócio-cultural?"

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3

NAVEGAR O MAR

Olho-d’água

E já passou não quer passarE já choveu não quer chegarE me lembrou qualquer lugarE me deixou não sei que lá.Não quer chegar e já passouE quer ficar e nem ligouE me deixou qualquer lugarDesatinou, caiu no mar.Caiu no mar, ...

(Milton Nascimento, Ronaldo Bastos eP. Jobim)

*A TRAVESSIA

de mares, ora calmos, ora bravios,é um mergulhar em direção aos desafios.

Inicio estes escritos e percebo que estas palavras brotam com a preocupação de se

tornarem inteligíveis ao mais amplo espectro de seres humanos e com tal pretensão vão se

lançando sobre o papel à procura de um leitor que se disponha a navegar este mar de buscas

e questionamentos, onde vão se revelando paisagens cuja nitidez passa a se delinear à

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4

medida que o nosso corpo se aproxima do corpo da escola e esta passa a mostrar os seus

múltiplos contornos.

Os passos desta pesquisa foram deixando marcas que, imagino eu, possam ser

descritos e entendidos como o roteiro de uma viagem que precisa ser vivido na sua

plenitude, como um espaço de múltiplas relações e como uma travessia de mares, ora

calmos, ora bravios, que nos faz mergulhar em direção aos desafios. Sentir o espaço escolar

e enxergá-lo sem os muros que o isolam da sociedade, requer a sensibilidade de alguém que

procura entendê-lo com todas as suas contradições e particularidades.

Onde delimitar o início desta viagem? No momento em que senti os pés pisarem o

chão escolar pela primeira vez, nos tempos de ainda menino? Nos cursos de ensino médio?

Na Academia? Neste dia-a-dia de professor? Estas fases de vida, aparentemente tão

distintas, foram se mostrando com seus limites entrelaçados, à medida que trouxeram

consigo os elementos que passaram a compor esta bagagem, da mesma forma que as

diferentes correntes de água trazem registros de vivências por onde passaram e ao se

encontrarem provocam choques, turbulências, desestabilizam, buscam novos rumos e

começam a se deslocar noutra direção, arrastando com seus movimentos e linguagens a

possibilidade de novas propostas e novos caminhos.

Como alguém que se detém diante de um dos momentos belos desta viagem, e

procura compreendê-lo na sua essência, passo agora a detalhar o meu navegar como

professor, sem me desvincular da percepção de que estes rumos vêm sendo traçados bem

antes do início desta travessia e para traçá-los foi necessário transpirar os sonhos,

mergulhar na vida como um ser que busca libertar-se das verdades reinantes e dos saberes

hierarquizados.

Eram tempos de pouca liberdade e muita perseguição aos ideais divergentes do

sistema em vigor. Nessa época, meados dos anos setenta, enquanto o país vivia uma

sequência de governos ditatoriais, eu experenciava as primeiras atividades como professor.

Trazia na memória a imagem daqueles que haviam sido meus professores e que em

momentos diferentes, da minha vida de estudante, haviam deixado suas influências

marcantes.

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5

As salas de aula, tanto do ensino médio como dos cursos pré vestibulares e o

entusiasmo voluntarioso do início de carreira me proporcionaram viver um modelo de

ensino no qual a pedagogia tecnicista favorecia um processo educativo vincado por

diretrizes operacionais.

Com a chegada dos anos oitenta foi possível perceber o sopro de novos ares que

criticavam essa proposta reprodutivista de ensino e buscavam superá-la com outra proposta

pedagógica, para a qual era necessário se valorizarem os componentes sociais que

favorecessem as conexões entre trabalho pedagógico e as relações sociais. Nesse período

tive a oportunidade de atuar como professor em escolas públicas tanto municipais como

estaduais, nas cidades de Santos e São Paulo.

O segundo quinquênio da década de oitenta possibilitou uma mudança

extremamente significativa para a minha carreira docente. Passei a viver e atuar como

professor efetivo da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo, mais especificamente,

na cidade de Ilhabela1, local onde permaneço até hoje, desenvolvendo atividades

educacionais, nas escolas deste município. Esta pesquisa, bem como os questionamentos e

dados que a alimentam são frutos oriundos desta última fase.

Logo nos primeiros anos desta nova convivência pude perceber que a minha

prática pedagógica precisava ser revista. Não se tratou de desconsiderar as experiências

trazidas de trabalhos e estudos desenvolvidos anteriormente, em outras cidades, mas sim de

questioná-las e buscar outras alternativas que se adequassem e ao mesmo tempo brotassem

desta nova realidade.

Esta cidade, Ilhabela, mostrou-se como um cartão postal, exibindo suas

cachoeiras2 cobertas pela mata nativa3 e o murmúrio das suas exuberantes praias mas

1 O município de Ilhabela é formado pelas ilhas de São Sebastião, dos Búzios, da Vitória e outros ilhotesformando um arquipélago, cuja sede administrativa municipal esta assentada na maior delas, ou seja, a ilha deSão Sebastião. A Secretaria do Meio Ambiente através do Instituto Florestal considera que 85% destemunicípio (27,025 hectares) fazem parte do Parque Estadual de Ilhabela.2 A ilha de São Sebastião apresenta relevo com elevações bastante acentuadas como é o caso dos Picos doBaepi, com 1025m, o do Papagaio, com 1307m, e o de São Sebastião, com 1379m. Essas formaçõesconstituem verdadeiras barreiras para os ventos carregados de umidade, trazidos pelo mar. Por essa razão oclima tropical úmido que aqui se forma, provoca grande ocorrência de chuvas gerando muitos córregos eriachos que se precipitam pelas encostas, formando, segundo o levantamento mais recente do ParqueFlorestal, 250 cachoeiras. Esse cadastramento considerou apenas aquelas com volume d'água significativo.

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6

revelou também uma comunidade caiçara4 muito conservadora, com relação aos seus

hábitos, costumes, tradições e cultura, cujo enraizamento foi se estruturando nos últimos

séculos da sua história5.

Considero que a análise das condições de funcionamento da escola pública no

nível fundamental, na Rede Estadual de Ensino de São Paulo, juntamente com esta

realidade regional, revelada pelo litoral norte do Estado e suas características geo-políticas

e culturais foram os principais fatores que me levaram a repensar o ensino de Ciências no

âmbito da educação escolar.

Na cidade de Ilhabela há duas escolas particulares, que juntas, atendem

aproximadamente 400 alunos, numa população de estudantes que se aproxima de 5000.

Entendo que este fato revela a abrangência do ensino público neste município. Para atender

à população que procura pela escola pública a cidade conta com seis escolas estaduais.

Destaco que desde 1995 vem sendo tentada a municipalização das quatro primeiras séries

do ensino fundamental, com a perspectiva de que, futuramente, as escolas municipalizadas

possam atender às oito séries do ensino fundamental, permanecendo o atendimento das três

séries do ensino médio feito pelas escolas estaduais. Para tanto foram construídas pelo

governo municipal e com incentivos do governo estadual de São Paulo, três unidades

escolares. Essas mudanças estão ocorrendo de forma muito lenta devido a resistência

3 A Mata Atlântica, predominante neste arquipélago, juntamente com seus ecossistemas associados, como osmangues e restingas, favorecem as condições de vida para seres da avifauna como: macuco, tiê-sangue, jacu,tucano, jacutinga, maritaca, ou mamíferos como: jaguatirica, macaco-prego, caxinguelê, entre tantas outrasespécies que ajudam a compor este ecossistema.

4 Caiçara - Aqui, entendido como habitante natural do litoral paulista. Pescador das praias do Estado de SãoPaulo.

5 Chamam a nossa atenção os olhos azuis e cabelos cor de fogo de famílias de caiçaras, principalmenteaquelas que se isolaram em praias de difícil acesso, características herdadas do encontro dos nativos com osfranceses e holandeses que ao serem expulsos do Rio de Janeiro, pelos portugueses, vieram se refugiar nestaIlha. Também, há registros de um período que se arrastou até o final do século passado, quando os negrostrazidos como escravos, chegavam ao Brasil debilitados e antes de serem levados para Santos, onde seriamvendidos, eram "desembarcados" e "tratados" nesta ilha, onde passavam por um "período de engorda", paraconseguir melhor preço de venda.A cultura caiçara de Ilhabela tem suas raízes plantadas não só por nativos e portugueses, mas também, pornegros, franceses e holandeses. Embora, hoje, o nome Ilhabela tenha forte vocação turística, a economia destemunicípio não teve sempre essa perspectiva, passou por diversos ciclos. Como é possível constatar, o turismoé muito recente, pois até os anos cinquenta o que se encontrava, por aqui, eram as atividades agrícolas epesqueiras. As canoas de voga são heranças desse período quando a produção de cana de açúcar, cachaça,coco, banana e pescado eram levados para serem comercializados em Santos.

Page 15: Barreto

7

oferecida pela população que deixou de ser atendida em seus bairros, e principalmente, por

terem entendido que essas mudanças não consideraram os seus valores culturais, sobre os

quais farei menção adiante. Tais valores culturais têm laços fortes com a escola,

principalmente, nesta cidade onde não há sala de cinema, de teatro ou outro espaço que

propicie a realização das diferentes manifestações culturais. Isso contribuiu para que o

espaço escolar fosse utilizado para atender as diferentes necessidades desta população.

Para situar melhor esta realidade cito como exemplo a E.E. Gabriel Ribeiro dos

Santos, situada no bairro do Centro, onde estou vinculado como professor e onde

desenvolvi esta pesquisa. Atualmente, esta escola tem seu espaço físico estruturado com

salas para diretoria, secretaria, coordenação, professores, biblioteca, vídeo, informática,

laboratório, salas de aula, quadra de esportes, cozinha, refeitório, banheiros e pátio. Neste

ano de 2001 esta escola completa cem anos de existência e durante todo esse tempo, vem

atendendo a população do bairro central da cidade. A força dessa escola, como espaço de

criação e de certa forma como fator de preservação dos traços culturais, pode ser constatada

em apresentações como a da "Congada", que acontece anualmente na festa de São

Benedito. Durante os dias da apresentação, a escola, a igreja e as ruas do centro tornam-se

um palco onde os atores, bisavós, avós, pais e netos participam da mesma cena. Em

momentos como este, o espaço da escola se abre como local de ensaio, de vestuário, de

rancharia, enfim como espaço de criação e de transmissão de tradições. Estas diferentes

gerações ao pisarem o chão da escola não a vêem apenas como a escola dos seus filhos ou

netos mas sim como a escola onde estudaram e a qual ajudaram a construir. É comum ouvir

deles; "o muro da escola foi construído em tal ano"; " a quadra de esportes foi acimentada

com o dinheiro arrecadado na quermesse de tal ano"; enfim, cada parede ali erguida tem

uma história ligada às suas vidas. Essas ligações contribuem para que eles não aceitem a

intervenção de alguém, supostamente distante desta realidade, no sentido de decidir se seus

filhos ou netos podem ou não freqüentar a mesma escola que eles ajudaram a construir e

entendem como sendo sua.

Utilizei-me deste detalhamento para tentar revelar um pouco do apego destas

pessoas pelas suas tradições que foram sendo construídas e transmitidas por várias gerações

de caiçaras desta Ilha.

Page 16: Barreto

8

Olhando esta escola que acabo de descrever, como um espaço projetado para o

desenvolvimento do conhecimento formal, percebo, baseado no meu dia-a-dia docente, que

não bastou equipá-la com cinco computadores, um aparelho de TV com antena parabólica e

vídeo para gravações da TV Escola, criar cargos de coordenador pedagógico, fazer chegar

os Parâmetros Curriculares Nacionais, (PCNs)6, e distribuir livros didáticos, gratuitamente.

As dificuldades encontradas pelos professores, ao tentarem utilizar esses recursos materiais,

foram se revelando e gerando o sentimento de insatisfação, no que se refere ao seu

desempenho. Por exemplo: Que estratégias adotar com uma classe de quarenta alunos

utilizando cinco computadores? Com que objetivo? Em que momento, como e com que

objetivo explorar uma fita de vídeo? Como utilizar o livro didático, sem que ele se torne

apenas um roteiro do conteúdo a ser planejado para o ano letivo? Como, numa jornada de

40 aulas semanais, encontrar tempo para estudar e discutir os PCNs, cuja elaboração foi

feita por especialistas e da qual o professor não teve oportunidade de participar? Como e

com que objetivo planejar uma aula para o espaço7 reservado ao laboratório, sem

condições8 de uso?

Por outro lado, dirigindo o olhar para a mesma escola, agora, considerando-a como

o espaço onde é possível se desenvolver o conhecimento que parte das experiências vividas

nas manifestações culturais e artísticas desta região, percebo que os alunos sentem prazer

no convívio que decorre de atividades como a construção e conservação da horta, do

jardim, das atividades esportivas, das manifestações folclóricas e religiosas, do festival de

música, de dança , das exposições feitas pelo Parque Estadual de Ilhabela e das brincadeiras

sob os pés de manga, carambola, jambolão e ingá que há anos sombreiam o pátio.

6 Parâmetros Curriculares Nacionais (terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental) produzido peloMinistério da Educação e do Desporto / Secretaria de Educação Fundamental.- Brasília: MEC/SEC,1998.7 Há nesta escola uma sala projetada para funcionar como laboratório, dentro da qual estão dispostos cincomesas com banquetas, cadeiras, três pias, um tanque e quatro armários.

8 A falta de condições de uso se deve principalmente ao fato deste espaço ter sido utilizado, pela direção daescola, como mais uma sala de aula, visando suprir a carência de vagas. A manipulação inadequada e semorientação específica do material, que ali existia, por parte dos alunos, causou o sucateamento e sumiço do jácarente instrumental. Como exemplo desse material posso citar os Kits: os que acompanhavam os subsídiospara implementação do guia curricular de 1977, produzido pela Secretaria de Estado da Educação – SãoPaulo, (SE) /Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, (CENP) /Centro de Treinamento ParaProfessores de Ciências Exatas e Naturais de São Paulo, (CECISP). 1977-SP;os que foram produzidos pelaFundação Brasileira para o desenvolvimento do Ensino de Ciências, (Funbec) e Abril Cultural.- São Paulo,1972.

Page 17: Barreto

9

A percepção do encontro entre esses dois olhares trouxe a imagem da travessia dos

mares ora calmos ora bravios, mas trouxe também, a necessidade de mergulhar em direção

aos desafios que se projetam na busca de condições para desenvolver um trabalho

pedagógico, no qual esses recursos materiais oferecidos pela escola possam ser explorados,

de tal forma, que se adeqüem e considerem as condições socioculturais desta mesma escola.

A seqüência de questionamentos brotados do conviver de quatorze anos com esta

realidade caiçara, diferenciada do restante do Estado, não deixaram dúvida de que a minha

prática pedagógica precisava ser revista e analisada. Nesta busca, iniciei o Curso de

Especialização “Ciência, Arte e Prática Pedagógica”, do Departamento de Metodologia de

Ensino, da Faculdade de Educação da UNICAMP. Durante este curso pude conviver com

professores de diferentes áreas do conhecimento e de diversas regiões do Estado,

propiciando um intercâmbio relevante de experiências.

Outro fator importante na elaboração deste projeto foi a oportunidade de conhecer

novas alternativas de literatura. Durante este curso foram realizadas leituras sobre a área

específica de Ciências e sobre aspectos gerais da educação, que favoreceram e estimularam

minha reflexão.

Motivado pelas experiências proporcionadas por este curso, iniciei um

levantamento junto aos profissionais do ensino de Ciências, que trabalham nas cinco

escolas públicas de Ilhabela, buscando conhecer as condições em que se desenvolve a

Atividade Prática.

Estes dados coletados, que descrevo adiante, sob a denominação "Ancorar", foram

utilizados durante a elaboração da monografia do Curso de Especialização e são subsídios

que constatam uma realidade atual e permitem um estudo mais detalhado que se propõe a

criar diretrizes para uma maneira diferenciada de trabalho escolar.

Como professor, projetei sobre esta pesquisa, não apenas, as luzes que visavam

rever e aprimorar a minha prática pedagógica, refletindo sobre os meus valores, o

conhecimento das características escolares desta região e dos saberes produzidos pela

Educação em Ciências; mas vou além, busco com a possível divulgação deste trabalho

possibilitar a troca de experiências com outros professores, e talvez influenciar outras

práticas pedagógicas.

Page 18: Barreto

10

Direcionei este projeto de pesquisa para o ensino de Ciências, no âmbito da

educação escolar fundamental, mais especificamente, para a oitava série desse ensino. Para

alavancar os objetivos específicos do projeto tomei como base a necessidade de se facultar

a formação de um cidadão crítico que possa conviver, participar, integrar e compreender

uma sociedade com inúmeras transformações, inclusive no que se refere ao conhecimento

científico e tecnológico. Nessa linha de pensamento, enfatizo que, inclusive, os objetivos

gerais do ensino de Ciências, propostos para o ensino fundamental, pelos PCNs visam

possibilitar ao aluno o desenvolvimento de competências que lhe permitam compreender o

mundo no qual está inserido e valer-se dos conhecimentos de natureza científica e

tecnológica para agir como indivíduo e cidadão.

Sem perder de vista estes objetivos gerais, busquei com a estruturação deste

projeto de pesquisa, desenvolver uma unidade de estudo na qual o aluno pudesse observar e

refletir sobre o seu ambiente, realizar atividades laboratoriais, ler, escrever e dialogar com o

professor e com outros estudantes. Com a estruturação dessas atividades pretendi criar

condições educacionais que contribuíssem para que os estudantes reconhecessem a

insuficiência dos seus conceitos cotidianos, enquanto explicações de alguns fenômenos

naturais, e compreendessem aspectos do saber científico.

A articulação do conjunto de atividades foi feita no sentido, não apenas, de

contribuir para a obtenção de informações isoladas, mas visando, principalmente, que os

estudantes chegassem à elaboração de idéias e atitudes, através da valorização de

características regionais do contexto onde o estudo foi realizado.

Na análise do desenvolvimento da unidade de estudo, embora me debruçando

sobre o material produzido pelos alunos, nas diferentes atividades, me detive,

especialmente, na reflexão sobre o ambiente e na atividade laboratorial, atividades que

passei a chamar indistintamente de atividades práticas, e que me possibilitaram buscar

resposta para questões relacionadas à grande ênfase que os professores de Ciências

costumam dar à experimentação como solução para os problemas do ensino.

Coloco assim como principal questão de estudo deste trabalho a pergunta:

- Como a atividade prática, no contexto da unidade colocada a funcionar, pode

contribuir para que os estudantes compreendam os fenômenos estudados?

Page 19: Barreto

11

No subtítulo "Ancorar" resgato e analiso os depoimentos dos professores de

Ciências que lecionam nas escolas estaduais de Ilhabela. Embora estes dados tenham sido

coletados na fase que precedeu este projeto de pesquisa, foram subsídios que contribuíram

em parte para justificar o desenvolvimento do mesmo.

Chegando nesta fase da travessia em que os olhos já começam a projetar imagens

de um novo ancorar, esclareço o leitor, que tanto aqui quanto lá, faço uso e enfatizo o

sonho. Não a palavra sonho mas o sonho que existe na palavra e principalmente neste

estudo.

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12

*ANCORAR

com pés descalçosé sentir o chão se revelar.

Lançar a âncora, percebê-la bater na areia, agilizar os procedimentos para descer em

terra desconhecida e, principalmente, querer tocá-la com pés descalços é sentir o chão se

revelar. Estas revelações foram se dando no dia-a-dia escolar e produzindo

questionamentos que me levaram a desenvolver este estudo.

Motivado pela convicção de que as aulas de Ciências devem ser ministradas de

forma a fazer associações com as características da região9 onde estão ocorrendo, pelos

valores pedagógicos que valorizo10, como professor de ciências das escolas públicas

estaduais de Ilhabela, e pelo propósito de contribuir com a melhoria do ensino, na forma de

conhecimentos produzidos sobre a prática pedagógica, desenvolvida nas aulas que ministro

na disciplina Ciências, foram os principais incentivadores deste estudo.

Ciente de que a escola pública está vinculada a um modelo11 político educacional

que visa atender as necessidades da organização social e sobre o qual seria possível traçar

outros questionamentos, refiro-me, neste momento, apenas àqueles ligados à escola pública

9 Em regiões específicas, por exemplo, Ilhabela, situada no litoral norte do Estado de São Paulo, a escola nãotem considerado as características sócio-econômicas e culturais de uma cidade com raízes caiçaras e comnoventa e cinco por cento do seu território sendo ocupado por uma área de preservação natural, onde está oParque Estadual de Ilhabela, no qual ainda resistem algumas comunidades isoladas, convivendo com umturismo predatório e desordenado.10 Os valores pedagógicos que valorizo têm como objetivo principal a criação de condições que possibilitemao aluno sentir-se como cidadão e agir como tal, com a possibilidade de expressar opiniões, assumir asresponsabilidades dos seus direitos e deveres. Nesse sentido é preciso que o aluno possa desenvolver oespírito investigativo e a visão crítica, de forma mais abrangente, sobre alguns assuntos específicos mastambém possa acessar, selecionar e integrar os assuntos relativos a cultura geral. Facultar a ele a possibilidadede desenvolver a capacidade de encontrar soluções para os problemas que se apresentarem. Nessa busca desoluções é importante que ele venha a valorizar as relações de grupo, as interdependências, a compreensão, olidar com os limites do outro e o respeito ao pluralismo de idéias.11 Reconheço que as relações que decorrem da organização do trabalho pedagógico na sala de aula estãovinculadas à organização do trabalho pedagógico da escola. Por sua vez, a instituição escola e o modeloeducacional no qual ela esta inserida estão estruturados e atendem as influências de fatores culturais,ideológicos políticos e econômicos cuja interação se dá num processo social contínuo.

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13

de Ilhabela, na qual alguns fatores sócio culturais específicos desta cidade proporcionaram

a possibilidade da reavaliação das práticas pedagógicas.

Recordo que durante dois anos tive a oportunidade de trabalhar na Oficina

Pedagógica como Monitor de Ciências (1991a1992), período no qual pude manter contato e

trocar experiências em sala de aula com professores de Ciências, não só de Ilhabela, mas

também de São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba, municípios que integram o litoral

norte do Estado de São Paulo. Destes professores pude ouvir depoimentos que revelaram

preocupações semelhantes às minhas, das quais, destaco algumas:

Como permitir ao aluno mostrar-se, revelar-se, ou melhor, como criar o espaço

dentro da estrutura escolar para que ele tenha condições de participar e contribuir com

conhecimento anteriormente construído por ele, fora da escola?

Como criar condições para procurar em fontes variadas, outras informações, num

procedimento que favoreça o ensino e a aprendizagem?

Como trabalhar essa procura para que o aluno além de conseguir informações,

possa elaborar idéias e atitudes?

Como trabalhar com algumas modalidades desse procedimento de obtenção de

informações, como por exemplo: o estudo do meio, a leitura, a observação e a

experimentação?

Diante, desses questionamentos, procurei de modo mais sistemático inteirar-me dos

questionamentos e realidades de outros professores de Ciências que lecionavam nas cinco

escolas estaduais da cidade de Ilhabela. Para tanto, iniciei, através de questionário12, o

levantamento de opiniões de treze professores de Ciências, dos quais dois abandonaram as

aulas por motivos financeiros, (ambos não contribuíram com seus depoimentos), os outros,

sete professoras e quatro professores, com idade variando de 22 a 46 anos, deixaram

registrado que exceção feita a uma professora, todos tinham residência próxima à escola

onde lecionavam. Os cinco que possuíam licenciatura representam 45% dos professores e

dentre os não licenciados, três fizeram magistério no ensino médio, dois fizeram

Engenharia e um fez Pedagogia. Entre os oito que concluíram o terceiro grau, seis são

12 O questionário elaborado para fazer este levantamento está integralmente reproduzido no Anexo VIII.

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14

formados por Faculdades particulares, um pela Universidade Estadual Paulista e um pela

Universidade de São Paulo, destes, apenas um é pós graduado. Revelaram que lecionam em

classes nas quais o número de alunos varia de 35 a 45, recebendo por isso remuneração que

varia de 1,5 salário mínimo, recebido por um professor com dezessete aulas semanais, até

8,5 salários mínimos, recebidos por uma professora com quarenta aulas semanais na escola

pública e pelo cargo de coordenadora numa escola particular. Exceção feita a uma

professora efetiva, seus vínculos contratuais com a Secretaria Estadual da Educação são

como ACT, (Admitido em Caráter Temporário). Quatro desses professores também

lecionam em escolas particulares e três desempenham outras atividades, não ligadas ao

magistério. Os valores salariais13 são referentes ao segundo semestre de 1997, período em

que estes depoimentos foram colhidos.

Antes de prosseguir com o relato deste estudo que busca identificar as condições nas

quais se desenvolve o ensino de Ciências, além de outros fatores que possivelmente

interferem na prática pedagógica destes professores, enfatizo e reconheço as limitações do

questionário, no que se refere à obtenção das opiniões dos professores, porém, tanto a

elaboração como a aplicação deste instrumento foram realizadas observando as reais

condições de trabalho do conjunto de professores, inclusive a minha, na tentativa de

percorrer todas as escolas desta cidade para obter, da forma mais abrangente possível, as

informações trazidas pelos docentes. O contato feito com estes professores ocorreu

individualmente, na escola onde cada um desenvolve o seu trabalho pedagógico, o que

permitiu, através de conversas informais, obter depoimentos que puderam se somar às

respostas ao questionário.

Na seqüência destes depoimentos, a maioria dos professores revelou que o papel da

Ciência na sociedade é o de estudar os fenômenos ligados à natureza e a sua interação com

a vida, entendem também que deva ser o de desenvolver novas tecnologias e a melhoria das

condições de vida da humanidade. Quando perguntados se achavam que a Ciência deveria

se ocupar de outras finalidades, três não responderam, três disseram que não, outros,

aparentemente, compreenderam que a questão se referia à disciplina Ciências e não à

Ciência propriamente dita, ao fazerem afirmações como: "ela deve desenvolver métodos

para aproximar a escola da comunidade", enquanto outros disseram: "deve ser melhor 13 O valor vigente do salário mínimo no 2ºsemestre de 1997 era R$120,00

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15

aplicada", "deve ter como objetivo principal as condições de vida", "despertar a criatividade

dos alunos". Por outro lado, a pergunta que abordava a função da disciplina Ciências,

obteve 70% das respostas apontando para a interação entre homem e natureza, outras,

respostas ainda colocam "integrar o aluno na sociedade", "estimular a criatividade do

aluno".

Indagados sobre as suas contribuições como professor para a formação dos alunos, a

maioria mostrou-se preocupado em incentivar o aluno a refletir sobre a natureza e a própria

vida, como nestas falas: "Procuro destacar aspectos ecológicos e sociais pela preservação

do meio ambiente.", "Preparar o aluno para o exercício da cidadania e integrá-lo ao meio

ambiente.", "Além de informar procura contribuir na formação do indivíduo." Constatou-se

também a preocupação em explorarem temas atuais, o exercício da cidadania, a informação

sem descuidar da formação e entender a relação da Ciência com as próprias vidas ou

compreender a ciência sob uma visão holística, conforme as afirmações: "Tento fazer com

que compreendam a importância da Ciência nas suas vidas. "Procuro fazê-los entender

Ciências dentro de uma visão holística."

Questionados sobre as idéias de Ciências que os livros didáticos transmitem, a mais

enfatizada foi: "a distância entre os assuntos abordados e a realidade dos alunos", foi citado

também, a necessidade de uma abordagem menos superficial dos assuntos em estudo. Já,

sobre a avaliação, a maioria dos professores mostrou acreditar que a avaliação contribui

para o aprendizado do aluno e a forma como isso ocorre foi entendida de diversas maneiras,

isto é, "como uma forma do aluno superar desafios e dificuldades", "uma forma do aluno

perceber o que aprendeu", e ainda, "a avaliação só terá validade se estiver ligada ao aspecto

diagnóstico."

Todos relataram que os alunos gostam da aula de Ciências e alguns justificaram esse

fato alegando que a matéria desperta curiosidades e esclarecimentos, além de estabelecer

uma ligação com a vida. Esses professores escreveram sobre as diversas idéias que os

alunos têm sobre Ciência , ao iniciar o curso e revelaram algumas, como: "é difícil", "não

gosta", "ligadas à preservação da natureza", "ligados ao corpo humano", "descobrir o

desconhecido", "faz coisas fantásticas", "o cientista é um gênio". E, 90% deles revelou

entender que seus alunos, durante o curso, modificam as suas idéias, passando a entender

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16

que "a Ciência está presente no seu cotidiano", "por adquirirem novos conhecimentos", por

verem despertado o espírito observador e crítico.

As respostas da maioria dos professores evidencia algumas perspectivas com as

quais eles desenvolvem ou gostariam de desenvolver o seu trabalho pedagógico.

Identificam alguns modelos já trazidos pelos alunos e lidam com a possibilidade de

questioná-los e transformá-los.

Entendo, como eles, que o aluno na procura de respostas para as suas perguntas,

sobre os fenômenos naturais, desenvolve fora da escola, explicações que de alguma forma o

satisfazem. É possível identificar essas explicações e adotá-las como ponto inicial do

desenvolvimento de um trabalho, no qual tais explicações se mostrem insuficientes diante

de determinado fenômeno e possibilitem ao aluno a busca de outras informações,

avaliações e explicações.

Quando perguntados sobre as idéias que gostariam que seus alunos adquirissem

durante o curso, os professores disseram fazer parte das suas pretensões que os alunos

entendam a interação da Ciência com as suas vidas e, também, fazem parte dessa

expectativa que eles possam elaborar algumas idéias sobre os assuntos estudados, como

nestes casos: "possam elaborar algumas idéias sobre os assuntos estudados"; "interesse

pelos fenômenos físicos químicos e biológicos e as suas interações com a vida"; "como os

fenômenos que ocorrem na natureza influenciam nossa vida".

Aparentemente, estas colocações se aproximam de um discurso pré elaborado ou,

de alguma forma, assimilado e que projeta uma possível representação ideal, do que se

pretende, seja em relação à Ciência ou às Ciências escolares. Reconheço, entretanto, a

importância de se levar em conta que a própria formulação das perguntas pode ter

contribuído para alguma das respostas dos professores, como também, o fato deles me

olharem como um dos seus colegas. Se considerarmos as condições da realidade escolar, as

pretensões aqui relatadas, pelos professores, me parecem distantes da viabilização. Entendo

que estas pretensões teriam maior probabilidade de ocorrer se ao serem perseguidas, se

reconhecesse no desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem as estruturas

de conhecimento trazidas pela Ciência, pelo professor, e pelo aluno, com as suas idéias

prévias, do senso comum e com características próprias do saber escolar.

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17

Entre outros comentários obtidos dos professores, em resposta à indagação sobre as

condições oferecidas pela escola que mais dificultam o desenvolvimento do seu trabalho,

obtive de seis, entre os onze que responderam o questionário, a citação de "falta de material

e laboratório".

Por outro lado, quando questionados sobre os fatores que contribuem para o

aprendizado dos alunos na escola, predominaram o material didático e o bom ambiente

escolar, mas também foram citadas, atividades práticas, palestras, passeios ecológicos, boa

alimentação e estrutura familiar. Paralelamente, responderam que os fatores que atrapalham

esse mesmo aprendizado são a falta de material didático, classes numerosas, indisciplina,

baixa freqüência, má alimentação, excesso de burocracia da parte do governo que não

valoriza a Educação.

A importância para os professores do material didático, incluindo o do laboratório

e a citação da atividade prática, dos passeios ecológicos e outras atividades, consideradas

por eles como adequadas, foram elementos levados em conta quando pensei este trabalho.

Foi-lhes também perguntado sobre as atividades mais utilizadas em aula e

praticamente todos faziam uso das aulas expositivas com o intuito de transmitir conceitos,

usavam textos para aprofundar esses conhecimentos e audiovisuais quando possível. Noutra

pergunta 60% dos professores revelaram que suas escolas têm laboratório mas sem

condições de uso, ainda assim, oito dos onze que responderam, deixaram claro ser possível

desenvolver atividades práticas fora do laboratório, dependendo da atividade e do material

a ser utilizado.

Quando questionados sobre as condições necessárias para se desenvolver a

atividade prática, todos citaram o material didático como o fator mais importante; com

menor freqüência, foi citado o laboratório em si, monitores, grupos menores de alunos e a

atenção do governo com as escolas mais afastadas.

A realidade das escolas estaduais de Ilhabela aqui revelada pelos professores de

Ciências, é retrato fiel do abandono dos espaços reservados ao funcionamento do

laboratório. Em síntese, concluí desse levantamento de dados que o professor entende que a

atividade prática é um recurso que pode contribuir com os processos de ensino e de

aprendizagem, mas sente-se impossibilitado de usá-la.

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Diante das condições precárias já relatadas entendo que dificilmente se

viabilizariam as mudanças que nas questões anteriores os professores aparentemente

propõem e pretendem que ocorram. Vejo, como eles, a necessidade de se buscar condições

para viabilizar essa atividade e tenho clareza que a observação, a reflexão sobre o ambiente,

a atividade no laboratório, a leitura e a escrita podem ser modalidades de um procedimento

que busque informações e sistematização em diferentes fontes. Reforço, entretanto que, tais

modalidades não devem ser desenvolvidas isoladamente e sim de forma a se

complementarem, criando possibilidades para a internalização do conhecimento formal.

Além destes depoimentos, os professores foram convidados a fazerem alguns

comentários adicionais e completaram esta entrevista deixando registros como estes; "Estas

informações refletem a realidade da rede estadual", "O Estado deve olhar para o aluno

como um cidadão e não como uma pessoa que não pode repetir de ano, porque custa muito

para Estado", "Estou feliz por esta iniciativa, nos sentimos muito isolados", "Uma aula

prática é mais proveitosa, embora seja mais trabalhosa, por isso precisamos de apoio".

O sentimento revelado nesta fala: "Estou feliz por esta iniciativa, nos sentimos

muito isolados" representa a decepção dos professores com relação às condições de

trabalho oferecidas pela escola pública estadual. Particularizando, os professores de

Ilhabela, sentem-se muito distantes dos grandes centros regionais do Estado, onde as

Faculdades Públicas estão localizadas. Os órgãos institucionalmente encarregados de

capacitar e manter atualizados estes professores revelam-se inoperantes no sentido de

facultar ao professor a possibilidade da formação continuada e de criar canais que

aproximem a produção acadêmica da realidade da sala de aula no ensino fundamental. O

professor sente-se isolado diante da impossibilidade de realizar a troca de experiências,

geradas pela sua prática em sala de aula, e de reavaliá-las.

Este levantamento de opiniões emitidas pelos meus colegas facultou-me a visão de

algumas semelhanças entre a minha vida docente e a deles, especialmente, no que se refere

a algumas idéias14 educacionais, a situação profissional e as possibilidades e limitações

14 Algumas dessas idéias, já destacadas anteriormente, nas quais a escola deve valorizar o pensar e o agir doaluno como cidadão, o desenvolvimento do espírito investigativo e crítico, a capacidade de estabelecerrelações e propor soluções para os problemas específicos de sua realidade e sobre assuntos ligados à culturageral. E ainda, o trabalho pedagógico desenvolvido pela escola precisa se adequar e considerar as condiçõessocioculturais desta mesma escola.

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19

para se desenvolver o trabalho pedagógico. A forma de ver o ensino de Ciências em

Ilhabela, por estes professores, revela idéias educacionais frutificadas de seus

conhecimentos e vivências. Deixam a evidência de que se há fatores positivos como a

proximidade entre a residência e a escola, possibilitando maior interação com a

comunidade, há também, fatores inibidores como a má remuneração, instabilidade

profissional e a escassez de tempo para estudo e pesquisa.

Iniciei este levantamento de opiniões, que acabo de relatar, convencido de que o

objetivo deste trabalho era apenas um pequeno passo, do qual outros poderiam decorrer.

Quando me debrucei sobre a organização e análise dos depoimentos, obtidos junto a estes

professores de Ciências, pude perceber que novos passos se projetam de forma bem mais

ampla. Merecem o estudo de uma literatura educacional abrangendo o trabalho pedagógico

desenvolvido com a atividade prática, em condições semelhantes à da escola pública de

Ilhabela. Requerem a reflexão sobre a importância dessa atividade para o ensino de

Ciências, no âmbito escolar, e particularizando, no âmbito da escola pública de Ilhabela,

levando em consideração a sua geografia com os recursos locais, sua economia turística e

pesqueira, os fatores socioculturais.

A vivência dos últimos anos, como professor do ensino de Ciências em Ilhabela,

ampliou minhas possibilidades de perceber que estas peculiaridades e os múltiplos

componentes sociais interagem com o cotidiano escolar sendo fatores de estímulo para

análise e desenvolvimento de ações que permitem mediar o conhecimento.

Esta busca leva-me a reconhecer na atividade prática um dos recursos a serem

utilizados no ensino de Ciências. Pensar nesta atividade com a perspectiva de um projeto

escolar culturalmente transformador é o principal desafio. Essa trajetória é permeada por

muitas interrogações e revisões de estratégias de ação, visando reconhecer na fala do aluno

um conhecimento com reflexões, argumentos e linguagem que se insere e tende a romper

com o seu cotidiano.

Em síntese, os professores consideram como fatores inviabilizadores da atividade

prática, o número excessivo de alunos em cada sala, a falta de instrumentos adequados para

a montagem dos experimentos, a falta de monitores para ajudar a preparar esse

instrumental, a falta de situações nas quais ocorram discussões, analises e propostas para

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20

viabilizar o desenvolvimento dessa atividade. Mas, entendem ainda, que a atividade prática

é um recurso que pode contribuir com os processos de ensino e de aprendizagem. Como

eles, avalio que há necessidade de se buscar condições para se viabilizar essa atividade,

tendo como entendimento que modalidades de procedimento que visam buscar informações

como é o caso do estudo ambiental, da observação laboratorial, a leitura, a escrita, dialogar

com o professor e com os colegas, além da própria exposição do professor, que devem ser

desenvolvidos de forma a se complementarem, gerando a possibilidade de se chegar à

internalização do conhecimento formal.

Na fase seguinte deste roteiro de viagem, "Como uma quilha corta as ondas", com o

objetivo de buscar informações que contribuíssem com a perspectiva do desenvolvimento

deste projeto, utilizei, como recurso, a elaboração de um resgate histórico dando enfoque a

algumas das diferentes proposta de utilização da atividade prática.

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COMO UMA QUILHA CORTA AS ONDAS

E então que quereis... ?

...O mar da Históriaé agitadoas ameaças e as guerrashavemos de atravessá-las,rompê-las ao meio,cortando-ascomo uma quilha cortaas ondas.

MAIAKÓ VSKI. (escrito em 1927)

O sopro intermitente da brisa marinha, provocando o murmúrio e o remanso quase

imperceptível da maré, num deslizar sobre a areia ainda morna pelo sol, é emoldurado pelo

silêncio da praia deserta que se deixa quebrar, apenas, pelo canto dos pássaros se

acomodando no arvoredo. A paz trazida pela natureza neste fim de tarde, contrasta com a

forma inquieta dos pensamentos do navegador que ali passa alguns momentos, atraído pelo

descortinar desta cor de ferrugem derramada pelo quase adormecer do sol, fazendo parecer

indefiníveis os limites do mar com o céu, cena que numa seqüência de transformações

pode deixar para trás essa calmaria e desenhar a fúria transformadora dos ventos,

correntezas e arrebentações, numa coreografia enigmática e tão arrebatadora quanto a

anterior. Nessa alternância de cenas, a se repetir impunemente e nos fazendo crer que esses

quadros vão se compondo às gotas, como num transpirar do pincel de Van Gogh,

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escondem-se desafios, movimentos, matizes, conhecimentos a serem revelados, meandros a

serem explorados, que o olhar do navegador busca vencer com o traçado de novos rumos e

a experiência das rotas já percorridas.

O mar da História, como o mar da Educação, é agitado, e exige daqueles que

buscam conhecê-lo, o olhar observador e crítico dirigido ao que, dele, já se conhece, no

sentido de gerar novas expectativas que emergem da possibilidade de superar essas

agitações e num ousar de análises e ações, projetar novas quilhas que possam ultrapassá-

las, como o fazem com as ondas.

As reminiscências, que vou buscar na minha bagagem docente, trazem-me, por

vezes, situações de sala de aula que me levam a compará-las com as de quem navega, tal é

a riqueza de momentos inesperados, que se colocam à frente daqueles que põem em prática

as teorias, planos e rotas traçados em terra firme, onde o balanço do mar não faz tremer as

mãos, no momento de segurar o lápis para riscar o roteiro.

Mantendo diante da retina estas imagens do viver escolar, procuro conhecer, com

maior abrangência e riqueza de detalhes, como tem se desenvolvido, historicamente, o

ensino de Ciências, em particular, nas últimas décadas. Dirijo o foco deste fragmento

histórico, em estudo, para a atividade prática, e neste encaminhar, faço o levantamento de

situações e argumentos que me possibilitem uma análise crítica, sobre as condições

históricas em que esta atividade vem se realizando.

Lendo os relatos dos professores envolvidos com o ensino de ciências, no contexto

escolar, anteriormente descrito, é possível dizer que a maioria desses profissionais trazem

no seu imaginário o vínculo da experimentação com esse ensino, revelando na totalidade

dos depoimentos desses professores, de alguma forma, as frustrações por eles sentidas, de

não poderem desenvolver tal atividade, ainda que tenham sido citadas diferentes condições,

como fatores inviabilizadores.

As raízes dessa necessidade marcante, que faz parte da prática docente destes

professores, vêm se ramificando há algumas décadas e a retomada de alguns modelos

educacionais que balizam o ensino de Ciências, para análise histórica no contexto da

educação em Ciências, pode contribuir para o entendimento desse processo.

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23

Embora o ser humano tenha a constante e tendenciosa ilusão de acreditar que é

protagonista e vive no momento mais importante da história da humanidade, não é possível

negar às últimas décadas do século XX o papel de uma época sem precedentes, no que diz

respeito, principalmente, ao desenvolvimento dos meios de comunicações de massa que

possibilitaram a divulgação das convulsionárias agitações sociais, modificando a vida e

aproximando milhões de seres humanos de diferentes regiões da Terra.

Inicio esta retrospectiva a partir dos anos sessenta, por entender que a chamada área

de Educação em Ciências sofreu, de maneira formal e sistematicamente, grandes

modificações no seu desenvolvimento nestes últimos quarenta anos, pelo menos no que se

refere à bibliografia acumulada sobre os estudos referentes à área. De acordo com

Schnetzler,(1998):

"Em termos históricos, o crescente interesse em pesquisa sobreEducação em Ciências foi resultado do movimento de reforma curricularque ocorreu principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra no início dadécada de 60", (p. 387).

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AS ÚLTIMAS QUATRO DÉCADAS

No nosso país o início da década de sessenta reservou, politicamente, a

interrupção de dois mandatos presidenciais, o de Jânio Quadros e João Goulart. Estes

presidentes tiveram como herança do antecessor Kubitschek, as conseqüências financeiras

da política "cinqüenta anos em cinco" inclusive com a construção de Brasília, em tempo

exíguo. Transferir a capital do país com toda a sua classe política, encastelada no Rio de

Janeiro, e administrar um programa de governo que não passava de diretrizes gerais, foram

fatores agravantes para esse tumultuado período que Werebe (1994), entendeu assim:

"Sem conseguir implantar um plano governamental bem definido edesenvolver ações dentro de uma linha coerente, Jânio Quadros acaboupor renunciar seu mandato sem ter cumprido dois anos de governo.Seguiu-se um período bastante tumultuado, dentro do qual assumiu apresidência o vice-presidente João Goulart.

O governo populista de Goulart veio aumentar as inquietações devários setores da sociedade brasileira, em particular da burguesiaconservadora. De certa forma forneceu elementos para os quepreconizavam uma intervenção militar que pusesse fim a seu governo.Celso Furtado refere-se ao fato de que o governo americano (deKennedy) estava seriamente convencido de que a situação brasileira erapré-revolucionária. Já em março de 1963 Kennedy apresentara aoCongresso americano para denunciar as "infiltrações comunistas" noBrasil. Furtado relata uma sua visita ao presidente americano, àsvésperas do golpe militar no Brasil, afirmando que ele "estava tenso,preocupado com a ameaça de um golpe de esquerda" no Brasil. Oexemplo de Cuba e o malogro da "infeliz " operação da baia dos Porcosem Cuba ajudaram a criar esse clima de temor contra uma novarevolução esquerdista na América, e desta vez não numa pequena ilha,mas num quase continente", (p. 75).

Os anos setenta fizeram cair a máscara da ditadura de transição que se arrastava

desde 1964, e "mostraram" a face repressiva e arbitraria do regime ditatorial. Sobre esse

período Werebe (1994), escreve:

Em 1969 um novo golpe, "dentro do golpe", veio não apenas reforçar,mas endurecer mais a repressão. O ato institucional nº 5 (AI-5) pôs fim àfase mais "branda" da ditadura. O sinistro período do governo Médici,seguido pelo governo Geisel, foi marcado por perseguições, torturas e

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assassinatos que atingiram não somente os líderes de esquerda mastambém os liberais que se manifestavam contra a ditadura.

Um verdadeiro clima de terror de "tipo Kafkiano" foi instituído nopaís: qualquer pessoa a qualquer momento, sem razão válida, poderiaser presa, torturada e até mesmo assassinada, como de fato ocorreu, nocaso do deputado Rubens Paiva, no Rio de Janeiro, e do jornalistapaulista Vladimir Herzog. O isolamento das pessoas, o silêncio em tornodos acontecimentos e, por que não dizer, o medo, a paranóia impediram,por muito tempo, a reorganização de grupos de contestação. Referindo-se ao clima de medo e desconfiança que se instalou na própria USP,determinado inclusive pela intromissão de policiais "disfarçados" nainstituição, Marilena Chaui (1988, p.253) escreveu: "Policiaistransformados em professores, funcionários e estudantes, ou professores,estudantes e funcionários transformados em policiais, transitam em todaa parte", (p. 77).

Esse clima de arbitrariedade atingiu e lesou instituições e os poderes constituídos

que desde a instauração dos seguidos governos militares, através de atos institucionais e

medidas provisórias viram seus direitos cerceados, deixando espaços para que ocorressem

privilégios escandalosos, como no caso da educação, na qual o aumento das isenções

fiscais às escolas particulares, revelavam o favorecimento ao ensino particular. Essa

proteção revela-se mais prejudicial às escolas publicas quando da aprovação do decreto nº

72495 de junho de 1973, no qual estados, territórios e Distrito Federal deveriam orientar

seus planos de educação, no sentido de criar estabelecimentos públicos somente onde

houvesse insuficiência de atendimento, à demanda contida, por parte da escola particular.

Prevendo inclusive o uso do dinheiro público para custear bolsas de estudo aos alunos

carentes. A constatação destes favorecimentos vem se juntar a outros fatores que

contribuíram para acelerar a deterioração enfrentada pelo ensino público, nos anos

seguintes.

Se por um lado havia a organização de empresários exercendo a função de

ideologia partidária e influindo diretamente nas diretrizes educacionais, também havia do

outro lado, mobilizações estudantis, sob inspiração do movimento ocorrido em maio de

1968, na França. Esse movimento estudantil pautava suas reivindicações nas concepções

humanistas modernas. Nas escolas que foram ocupadas foi possível desenvolver projetos,

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com professores e alunos, cujos eixos refletiam essas concepções. Sobre esse momento,

Saviani (1984), faz a seguinte referência:

"Nesse mesmo ano de 1968 se desencadeou uma grande mobilizaçãodos estudantes universitários, na esteira do movimento de maio ocorridona França, que culminou com a tomada pelos alunos, de várias escolassuperiores. As reivindicações de reforma universitária feitas pelomovimento estudantil se pautavam, fundamentalmente, pela concepçãohumanista moderna. Com efeito, nas escolas ocupadas foram instaladascomissões paritárias compostas por professores e alunos e organizadoscursos pilotos que valorizavam os interesses, a iniciativa e as atividadesdos alunos, desenvolviam o método de projetos, o ensino centrado emgrupos temáticos extraídos das preocupações político-existenciais dosalunos, o método de solução de problemas, a valorização das atividadesgrupais (trabalho em equipe) da cooperação e etc.; características essas,todas elas integrantes da concepção humanista moderna de filosofia daeducação", (p.278).

Essa mobilização estudantil gerou uma corrida pela reforma universitária, por

parte dos poderes constituídos, desaguando na Lei 5.540, de novembro de 1968 e ainda, na

reforma do ensino primário e médio que passaram a se chamar 1º e 2º graus, através da Lei

5692, aprovada em agosto de 1971. Com o amparo legal, predomina e ganha corpo a

neutralidade científica, sob a orientação de uma pedagogia que defende um processo

educativo seguindo diretrizes operacionais e objetivas, aproximando-se de modelos

empresariais. As características dessa orientação pedagógica foram sumariadas por Saviani

(1984), da seguinte maneira:

"A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nosprincípios da racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogiaadvoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-loobjetivo e operacional... Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferênciassubjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência. Para tanto, eramister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em certos aspectos,mecanizar o processo. Daí, a proliferação de propostas tais como oenfoque sistêmico, o microensino, o teleensino, a instrução programada,as máquinas de ensinar e etc. Daí, também o parcelamento do trabalhopedagógico com a especialização de funções, postulando-se a introduçãono sistema de ensino de técnicos dos mais diferentes matizes. Daí, enfim,a padronização do sistema de ensino a partir de esquemas de

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planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar asdiferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas",(p. 156).

Os anos setenta ainda são bafejados pelos ares da guerra fria, nos quais a corrida

espacial entre outros desenvolvimentos tecnológicos clama por produções científicas que

caminhem na direção dos desenvolvimentos tecnológicos, e para tanto, organismos

internacionais investem na produção de novos cientistas. Essa iniciativa seria uma das

justificativas para o uso de verbas públicas nas pesquisas científicas e na educação

científica. Desta forma, o ensino de Ciências estaria encarregado de estimular, já nos

primeiros ciclos escolares, o método investigativo e a formação de pretensos cientistas.

Nesse contexto, no qual o capitalismo internacional vincula o desenvolvimento do país ao

alinhamento com as diretrizes por ele estabelecidas para a educação, o ensino de Ciências

convivia com as influências da chamada Escola Nova. Essa tendência difundia a

preponderância dos objetivos formativos sobre os informativos.

Nesse contexto é atribuído às atividades experimentais papel importante na

compreensão de conceitos. Pretendia- se, dessa forma, que o aluno diante da observação de

um fenômeno, pudesse levantar hipóteses, testá-las, avaliá-las e refutá-las ou não.

Nos anos oitenta, ao especificar o contexto político educacional no qual se

desenvolveu essa década, Gouveia, (1992), destaca que no âmbito da educação, no estado

de São Paulo, tivemos:

"Ao nível estadual, novos espaços surgem em 1982 com a eleiçãodireta dos governos de Estado. No Estado de São Paulo as esperançasrenascem, pois teríamos, a partir de 83, um Governo de Oposição. Aproposta de educação do Governo Montoro estava apoiada no tripé: a)autonomia para as unidades escolares; b) participação dos educadoresnas reformas necessárias e c) valorização do Magistério. A meta seria aDemocratização da Educação e a Descentralização do Sistema Públicode Ensino. Tudo apontava para significativas mudanças educacionais"(p. 50-51).

Se por um lado o contexto político educacional dos anos 80 influenciou mudanças

na Secretaria de Educação e nos seus órgãos, como por exemplo na Coordenadoria de

Estudos e Normas Pedagógicas, (CENP), de onde surgiram propostas como a do ciclo

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28

básico e da reorganização da escola de primeiro e segundo graus, por outro lado, sob a

óptica do professor que viveu essa década na sala de aula, como foi o meu caso, as

propostas de democracia, autonomia e participação apenas tangenciaram a escola. A prática

e o dia-a-dia escolar mostraram e ainda mostram que as discussões e análises sobre a

educação parecem ecoar das vozes distantes ou privilegiadas, vindas dos cursos de pós-

graduação e dos órgãos governamentais encarregados de fazer interagir a produção

acadêmica e a realidade escolar do ensino fundamental.

Mesmo reconhecendo a distância entre as propostas e as suas viabilizações, é

possível dizer que nos anos 80 as mudanças políticas em curso influenciaram discussões no

sentido de se tentar reformas educacionais com maior participação da comunidade escolar.

A educação foi palco da análise do processo educacional, no qual passam a ser

considerados com ênfase, dentre outros aspectos, o aluno com seus saberes prévios e o

processo pelo qual ele constrói o conhecimento científico.

A influência da produção teórica destes estudos desenvolvidos particularmente na

academia se faz sentir na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, (PCNs/1998)

que nos anos 90 são propostos como balisadores do sistema educativo brasileiro.

Por outro lado, a viabilização dessas influências no dia-a-dia da sala de aula não se

evidencia, ou melhor, basta direcionar o olhar à minha volta e posso identificar que a

realidade na qual estou inserido é regada por "pesadas gotas" de aulas que se repetem de

forma apenas expositiva e apego excessivo ao livro didático, que queiram ou não, continua

sendo o recurso mais freqüente nas mãos de professores e alunos. Essa mesma realidade

escolar, à qual me refiro, também é regada por "leves gotículas" de leitura a respeito dos

estudos e pesquisas, que de certa forma, se fazem presentes nos PCNs.

Quando falo das leves gotículas de leitura, refiro-me aos três dias iniciais do ano

letivo (reservado para o planejamento escolar) quando os PCNs possibilitam ao professor

discutir algumas alternativas para a sua prática docente, as quais no decorrer do ano letivo

vão sendo esquecidas e inviabilizadas.

Dirigindo o olhar para a realidade da escola pública, na qual desenvolvo a minha

atividade docente, reconheço em alguns depoimentos dos professores, relatados no capítulo

anterior, como estes: "Estou feliz por esta iniciativa, nos sentimos isolados" e "Uma aula

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29

prática é mais proveitosa, embora seja mais trabalhosa, por isso precisamos de apoio"; a

forma sintética de revelar a distância existente entre as propostas educacionais e as

possibilidades de viabilizá-las. Nesse sentido, escrevendo sobre o tema: "Contribuições,

limitações e perspectiva da integração no ensino de Ciências Naturais", Schnetzler, (1998),

escreve:

"No entanto, é voz corrente que entre a produção da pesquisa e o seuuso na sala de aula há obstáculos e entraves seríssimos. Apesar dorápido desenvolvimento da pesquisa sobre Educação em Ciências nestesúltimos 40 anos, e de suas potenciais contribuições para a melhoria dasala de aula, elas não têm chegado aos professores e professoras que, defato, fazem acontecer a educação científica em nossas escolas. Constata-se que a pesquisa educacional tem sido desenvolvida sem a participaçãodaqueles atores. Porque estes, então, se sentiriam compromissados coma sua adoção?

Muito se tem produzido e dito sobre o que os professores eprofessoras deveriam fazer, usar e pensar para darem "boas aulas deciências". Do alto das estruturas acadêmicas e governamentais,prescrições têm sido propostas que, em sua maioria, são literalmenteignoradas pelo professorado ou implementadas, na prática da sala deaula, de forma bastante distinta.

Na realidade, o professor tem sido afastado da pesquisa educacionalporque o espaço para tal não foi criado durante a sua formação inicial enem em sua formação continuada. Concebidos como meros executores,aplicadores de propostas e idéias gestadas por outros, os professores eas professoras têm sido ainda culpabilizados pela baixa qualidade danossa educação", (p.386).

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30

*O lugar ocupado pela experimentação no ensino de

Ciências.

Sou levado a reconhecer na colocação da Schnetzler, reproduzida anteriormente,

um retrato praticamente fiel da realidade que o palco do cotidiano escolar tem colocado

diante dos meus olhos, com cenas nas quais têm se revelado as condições reais para o

desenvolvimento do trabalho educacional.

Vejo na convivência com a minha prática pedagógica, que estou detalhando ao

escrever esta dissertação, a ocorrência de experiências que contribuíram com esta pesquisa.

Vejo, também, a necessidade de buscar em outras experiências escolares as contribuições

que têm se direcionado ao desenvolvimento do ensino da Ciência, considerando

especialmente o papel das atividades práticas, nesse ensino.

Nesse sentido, busquei inicialmente avaliar o lugar que nas últimas décadas, a

experientação tem ocupado, no que se refere ao ensino da Ciência. Esse lugar tem sido

privilegiado se não no conjunto de todas as escolas, pelo menos no imaginário do

professor, como solução para os problemas de ensino, e em várias das propostas dos que

têm pensado a educação nessa área. Entretanto, as justificativas para o seu uso escolar têm

sofrido grande variação na medida em que diferentes concepções do que é a Ciência,

diferentes tendências pedagógicas e diferentes aportes teóricos ocupam a cena educacional.

A complexidade dessas justificativas pode ser avaliada se considerarmos que,

mesmo em nossos dias não existe posição unânime nem mesmo sobre o papel da

experientação na construção científica; e, além disso, o conhecimento escolar a respeito do

saber científico não se confunde com este último. Mesmo assim, o sonho de muitos

professores é levar seus alunos para o laboratório, ou mesmo realizar atividades práticas

em classe, ou ainda ir a campo, fazendo com que os estudantes se detenham em certas

características do ambiente.

As respostas fornecidas pelos professores que registrei em "Navegar o mar",

trazem à tona alguns inviabilizadores desse sonho, além de recursos materiais e de tempo,

lembrados por eles, quando questionados sobre o uso ou não da experimentação, também

as ações e momentos que possibilitariam o conhecimento e a reflexão sobre concepções de

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ensino e de Ciência, e sobre funções e funcionamento dessa atividade, isoladamente ou

agregada a outras de natureza diversa, parecem não estar ocorrendo a contento. Se a

experimentação parece tão desejável, com que objetivos e como deve ser realizada? Tendo

em vista o aprendizado de que conteúdos, habilidades e atitudes? Como essa atividade

pode se tornar significativa para a compreensão pelo estudante da Ciência e sua inserção na

sociedade? Como levar em conta as idéias primeiras dos estudantes ao realizá- la?

Numa pesquisa recente de revisão bibliográfica Santos, (2001) analisa tendências

em dissertações e teses publicadas do Brasil de 1972 a 1995, relativas à experimentação no

ensino de Ciências de 5ª a 8ª série do ensino fundamental.

O autor num conjunto de 572 teses e dissertações sobre ensino da Ciência, em

diferentes níveis, encontrou 53 trabalhos que trataram a experimentação e entre eles 12

voltados para o ensino de 5ª a 8ª série do ensino fundamental, sendo que na tabela por ele

elaborada (p.56) seis estudos investigam 8ª séries, três deles abordando conteúdos da

física, em outro quadro (p.64) o autor registra que em dois dos trabalhos o pesquisador é o

próprio professor, que planeja e orienta o trabalho, enquanto que em um dos trabalhos não

ocorre propriamente atividade experimental, sendo que o pesquisador aplica um

questionário. O referencial predominante nesses trabalhos é o piagetiano presente nos três,

que remetem para o conteúdo da física e enquanto dois trabalhos centralizam-se em

fenômenos um deles volta-se para conceitos isolados.

Entre as considerações finais de Santos, chamou-me a atenção a sua afirmação de

que nas doze dissertações analisadas.

"(...)mesmo os pesquisadores que se utilizaram de referenciais teóricosconstrutivistas, reproduziram, de um modo geral, abordagenscomportamentalistas nas atividades, o que evidencia uma incoerência.Usam, por exemplo, referenciais teóricos piagetianos e terminamreforçando o modelo de atividade por redescoberta que tem por base ocomportamentalizmo(...).Até mesmo quando lançam mão de recursoslúdicos o fazem mais com a intenção de ilustrar conceitos que estãoquerendo transmitir, é um reforço à transmissão de conhecimentos",(p.77).

Minha compreensão é de que essas ocorrências estão associadas a complexidade

dos processos de ensino e sua análise, e, entre outros fatores, se originam na maneira

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desagregada como são associados comunicações de caráter filosófico (valorativos),

referenciais teóricos, procedimentos e resultados na própria investigação educacional. Se

agravam na divulgação das pesquisas, quando freqüentemente, só é dado relevo aos

resultados, e culminam na prática efetiva e diária da sala de aula onde as condições

existentes quase sempre impossibilitam que as propostas subentendidas nos resultados se

efetivem.

Acredito, por outro lado, na positividade da complexidade das relações de ensino

em sala de aula. Os múltiplos processos ali existentes, alguns detectados nas pesquisas, e

outros não, devido à própria impossibilidade destas darem conta do todo, uma vez que só

podem ser realizadas a partir de questões especificamente formuladas.

No que se refere às tendências pedagógicas, pensadas e analisadas na academia,

seu ideário acaba de algum modo atingindo a escola e influenciando-a.

Delimitando um período, no caso, a segunda metade do último século no Brasil,

encontrei em trabalhos como os de Libâneo (1983), Saviani (1983) e Gadotti, (1984)

classificações e delimitações de períodos de predominância das tendências chamadas

tradicional, nova e tecnicista.

Entendo não ser importante, neste momento, a reprodução dessas classificações

mas parece-me relevante lembrar que através de documentos oficiais, subentendidas em

livros didáticos, em cursos de educação básica ou continuada de professores, ou de outros

modos, a escola foi sendo influenciada por certas idéias, e as que as substituíram

posteriormente. Assim, o importante na prática educacional seria aprender, aprender a

aprender ou aprender a fazer? O eixo da ação pedagógica seriam os conteúdos, o intelecto,

a lógica ou o sentimento, o aspecto psicológico, o interesse? O professor é um transmissor

de conteúdo, um facilitador, orientador ou um técnico aplicador de meios adequados? Os

objetivos deveriam obedecer a sequência lógica do conteúdo, o desenvolvimento do aluno

ou a preocupação deveria ser apenas em operacionaliza-los? Deveriam ser avaliados

apenas os conhecimentos adquiridos ou as atividades precisam ser valorizadas?

Se consideradas as oposições que essas questões compreendem é difícil acreditar

que no cotidiano de uma escola respostas para essas questões tenham sido dadas de forma

a compor um todo coerente segundo uma única tendência pedagógica.

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33

Ao escrever sobre os modelos de ensino no Brasil, Martins (1994), em sua

dissertação de mestrado, diz que, em geral, esses modelos refletem as tendências

educacionais oriundas de fora do país, citando como exemplos dessas tendências a

pedagogia tecnicista e a escolanovista. Reconhece que como toda atividade humana, as

tendências educacionais são passíveis de sofrer influência de interesses políticos e

econômicos e vê como possível a existência simultânea de diferentes tendências

educacionais num mesmo contexto, e escreve:

"O que geralmente se observa num determinado momento e para umadada realidade, é a coexistência de várias tendências, com o predomíniode uma delas. A pedagogia tradicional, por exemplo, não sucumbiu àsidéias escolanovistas que, por sua vez, não desapareceram com o modelotecnicista ou com o surgimento das teorias críticas.

Regra geral, observa- se que as tendências dominantes nas diferentesáreas do conhecimento, num determinado período, são muitas vezesdivulgadas e/ou assimiladas como padrões desejáveis nos processos demodernização dos países em desenvolvimento. Isto ocorre também naeducação", (p. 13).

No que se refere à experimentação no ensino da Ciência, Amaral (1997), partindo

do tripé conhecimento formal, experimentação e estudo ambiental, identifica três

tendências: tradicional, redescoberta e descoberta. Quanto ao papel educacional da

experimentação o autor afirma que na visão tradicional o papel dessa atividade é a

verificação da teoria, enquanto que na redescoberta ela visa a reconstituição induzida do

conhecimento científico e na descoberta objetiva-se fazer com que o estudante adquira

postura de cientista mirim. Também segundo Amaral na tendência tradicional o estudante

aprende por imitação, memorização e repetição, na redescoberta através de processo

induzido e simplificado de redescoberta do conhecimento científico, enquanto que na

descoberta a aprendizagem se daria de modo autônomo num processo que visa simular a

pesquisa científica. Quanto ao mundo real, para o autor, a visão tradicional o abstrai,

sendo pontos de saída e de chegada o conhecimento científico, a redescoberta simula o

fenômeno no laboratório e a descoberta trabalha com fenômenos naturais mas de modo

simplificado. Assim, segundo esse autor, a tendência tradicional e a redescoberta

trabalhariam unicamente com dois eixos do tripé, Ciência, experimentação e ambiente, no

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34

caso, com os dois primeiros, enquanto que a descoberta incluiria o trinômio, mas com a

questão ambiental sendo trabalhada de forma distorcida.

Já, segundo o meu entendimento sobre a atividade prática passa por uma análise, na

qual considero que o processo de ensino, ao contar com a mediação do professor, revela a

necessidade de ações que permitam a ocorrência de situações problematizadoras, da

procura de diferentes fontes de informações, da elaboração de idéias e atitudes, e também,

da sistematização.

Ao utilizar a terminologia Atividade Prática, tive como preocupação não vê-la

identificada apenas com a experimentação. À "atividade prática" que proponho como

objeto desta pesquisa pretende buscar a viabilização, num contexto escolar regionalizado,

já detalhado anteriormente, levando em consideração que a experimentação será explorada

como uma modalidade de procedimento, de forma complementar com outras fontes de

informações, como é o caso do estudo do ambiente, da observação, da leitura e da

exposição do professor.

As situações problematizadoras podem contribuir para que o aluno adquira

consciência da insuficiência do seu modelo, para explicá-la. A medida que as explicações

trazidas pelos alunos a respeito dos fenômenos naturais, elaborados fora da escola, vão

sendo questionados e vão se revelando insuficientes, é possível criar situações que

estimulem o aluno na busca de outras informações, facultando a ele rever os limites das

explicações anteriormente apresentadas e propor solução para o problema em estudo. Com

as situações problematizadoras objetiva- se levar ao aluno a possibilidade de promover a

mudança dos conceitos alternativos em conceitos científicos ou pelo menos conceitos mais

próximos destes últimos. Ainda que, haja a possibilidade do aluno internalizar o conceito

científico mantendo os conceitos alternativos, e utilizando uns ou outros conforme o

contexto.

É possível dizer que essa mudança conceitual nem sempre ocorre, principalmente,

se tivermos como entendimento que a sala de aula propicia a construção do conhecimento

no decorrer do processo, no qual os alunos se apropriam dos significados e da linguagem

do professor, numa construção de conhecimento compartilhado. Segundo, Mortimer &

Machado (1997).

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35

"O ensino não pode ser visto simplesmente como um processo dereequilibração (Piaget,1965), no qual a exposição dos sujeitos àsituações de conflito levaria à superação das concepções prévias e aconstrução de conceitos científicos. A superação de obstáculos passanecessariamente por um processo de interações discursivas, no qual oprofessor tem um papel fundamental, como representante da culturacientífica. Nesse sentido, aprender ciências é visto como um processo de"enculturação" (Driver, Asoko, leach, Mortimer & Scott,1994), ou seja,a entrada numa nova cultura diferente da cultura do senso comum.Nesse processo, as concepções prévias do estudante e sua culturacotidiana não têm que, necessariamente, serem substituídas pelasconcepções da cultura científica. A ampliação de seu universo culturaldeve leva-lo a refletir sobre as interações entre as duas culturas, mas aconstrução de conhecimentos científicos não pressupõe a diminuição dostatus dos conceitos cotidianos, e sim a análise consciente das suasrelações" (p140-141).

Entendo que tanto conceitos científicos, elaborados, produzidos e reconhecidos

como válidos pela comunidade científica, como os conceitos cotidianos, elaborados com

embasamento no senso comum, precisam da ação do professor no sentido de possibilitar a

ocorrência da interação educativa. Ao dimensionar a sua ação pedagógica o professor deve

colocar-se, não apenas, como alguém cujo objetivo é o de divulgar os conhecimentos

científicos, mas sim, o de valer-se dos conhecimentos cotidianos, trazidos pelo aluno e das

suas necessidades em compreender as situações em estudo, para possíveis mediações num

trabalho que almeja a compreensão do conhecimento científico

A procura de informações, a busca de soluções e, algumas vezes o confronto de

diferentes idéias e atitudes supõe um processo contínuo e dinâmico que pode contribuir

para o domínio de aspectos da cultura científica. Estes aspectos, entretanto, se relacionam

aos conteúdos de ensino selecionado. E neste estudo, optei, pelo tema: "Luz, numa

abordagem regionalizada", para complementar uma unidade de ensino.

Na busca de contribuições, feitas anteriormente, sobre o tema, destaco pesquisas

como:

Com o título "Conceitos espontâneos de crianças sobre fenômenos relativos à luz:

análise qualitativa". As autoras Goulart e outros (1989), desenvolveram um projeto com

crianças de 7 a 13 anos, de três escolas públicas do 1º grau no Rio de Janeiro e estudaram

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as representações espontâneas dessas crianças, sobre fenômenos relativos à luz e seus

modelos de visão. Tiveram como proposta levar informações sobre a linguagem

empregada por eles para explicar os fenômenos físicos do cotidiano e desenvolver

metodologia apropriada para que os professores possam se valer dela. Para tanto

padronizaram uma entrevista com duração de trinta minutos, composta por um conjunto de

questões chave e atividades concretas, de acordo com o método piagetiano, na qual, a

criança foi incentivada a analisar uma sequência de situações que caracterizam

determinado fenômeno.

A entrevista contou com uma fase diretiva, na qual foi apresentada à criança uma

situação de laboratório permitindo o manuseio e a observação para satisfazer a curiosidade

do aluno, seguido de um conjunto de perguntas, (padronização da entrevista). Já, a outra

fase, não diretiva, foi feita apresentando à criança os mesmos fenômenos e perguntando

como ela os explicaria, encorajando-a a dizer o que pensa, construindo um diálogo com o

mínimo de linguagem verbal, por parte do entrevistador.

Na fase conclusiva do estudo, as autoras fazem uso de uma classificação, segundo

elas piagetiana, para as respostas (randônicas, romanceadas, sugeridas, convicção liberada

e convicção espontânea).

Baseadas na compilação de respostas, (liberadas e/ ou espontâneas), partem do

que foi chamado de "estado de conhecimento da criança" e sugerem algumas implicações

para o desenvolvimento curricular, e para o treinamento de professores de Ciências.

Ainda, sobre o tema abordando fenômenos relativos à luz, destaco a pesquisa com

o título "Um teste para detectar questões alternativas sobre tópicos introdutórios de óptica

geométrica", no qual o autor Harres (1993), tem como objetivo detectar se o aluno tem

concepções cientificamente corretas, em alguns tópicos introdutórios da óptica geométrica.

Esses tópicos dizem respeito ao processo de visão, propriedades de propagação da

luz e formação de imagens em espelhos planos. Para tanto, elaborou um teste de 15 itens,

de escolha múltipla, que foi aplicado em 152 estudantes de 2º e 3º graus que já tinham

estudado óptica geométrica.

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O autor cita o reduzido número de trabalhos, (cinco), a respeito de concepções

alternativas, relacionados a óptica geométrica, e (três), se considerados os tópicos

introdutórios da óptica geométrica.

O levantamento feito pelo autor em literatura que cita concepções alternativas

sobre tópicos introdutórios da óptica geométrica revela o não conhecimento, por parte dos

alunos, sobre a propagação da luz, por exemplo: - a luz é identificada como "estando" na

fonte emissora ou no objeto iluminado.

Já no processo da visão há dificuldade em reconhecer e aplicar corretamente as

propriedades da propagação da luz, principalmente, quando da dissociação entre o

processo de visão e a propagação da luz, por exemplo: - "para ver o objeto não é necessário

vir luz do objeto até nossos olhos".

Baseado nos dados o autor entendeu que as concepções alternativas levantadas

são, na maioria, concepções errôneas 15 e conclui propondo:

“Um teste de lápis e papel que, por um lado, pode ser aplicado eavaliado muito rapidamente e, por outro lado, é capaz de dar aoprofessor (ou ao pesquisador) informações se o aluno tem concepçõescientíficas sobre tópicos introdutórios da óptica geométrica”.

Outro trabalho abordando o tema luz, foi divulgado pelas autoras Almeida e

Mozena (2000). Neste estudo analisam o funcionamento da leitura no contexto de trabalho

com uma unidade sobre “Luz e outras formas de radiação eletromagnética”. A unidade de

estudo foi desenvolvida com alunos de 8 série do ensino fundamental. Segundo as autoras,

as noções como representação, condições de produção e história de leitura deram suporte à

análise, que permitiu, além da identificação de representações sobre luz, compreender no

funcionamento da leitura dos textos pelos estudantes.

Outro trabalho abordando aspectos deste tema foi desenvolvido por Alves (1993),

com o título “A luz do sol: um curso dirigido a crianças da região litorânea e a criança

veranista”. Inserido no programa de mini-cursos de verão oferecido pelo (Centro de

Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos) CECLIMAR da UFRGS foi desenvolvido na

15 Grifo do autor

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38

cidade de Imbé, curso sobre a composição da luz solar. Também foi abordada a idéia de

visão das cores como uma percepção diretamente associada ao tipo de iluminação, à qual

os objetos são expostos. Foi dirigido, na primeira etapa, a crianças de sete a nove anos e a

na segundo a crianças de dez a doze anos. O tema abordado atende o principal objetivo do

CECLIMAR, oferecer mini-cursos cujos temas estejam contextualizados à região do

litoral.

Ao final do curso as crianças fizeram relatórios dentre os quais foram destacados

aqueles que descreviam as atividades desenvolvidas em forma de desenhos em quadrinhos.

Considerou a autora, que não foi objetivo do curso ensinar conteúdos específicos mas de

proporcionar à criança, o contato com fenômenos relacionados à Física, num contexto

litorâneo.

A autora entende como relevante o aspecto das crianças terem estabelecido

algumas relações entre a luz do sol e os fenômenos cotidianos. Enfatizou também que as

crianças de seis a nove anos, mais do que as de dez a doze anos conseguiram sistematizar

as atividades realizadas. A respeito desse aspecto sugere em nível de pesquisa que se

analise o papel da escola, no sentido de não estar contribuindo para a criatividade e

autonomia da criança.

Outro trabalho que aborda o tema, foi desenvolvido pela autora Almeida (1996),

no qual são focalizadas as representações de estudantes do ensino médio relacionadas ao

tema luz. Descreve as representações reportando-se aos instrumentos que permitiram

inferi-las, sem excluir aqueles que não dizem respeito ao conhecimento científico. Embora

reconheça que há crescente complexidade das teorias sobre luz, entende que a abordagem

desse tema, em nível de ensino médio, deva se projetar sob enfoque que privilegie

abordagens qualitativas e abrangente de forma a propiciar ao aluno chegar a racionalidade

científica.

Em publicação recente, com o título: “O ensino da óptica na perspectiva de

compreender a luz e a visão”, os autores Gircoreano e Pacca (2001), apresentam o trabalho

desenvolvido por eles, com 120 alunos do 2o ano, em nível de ensino médio. Tentam

promover o ensino dos temas de óptica geométrica, baseando-se nas concepções

espontâneas dos alunos. Essas concepções foram levantadas através de questionários

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39

respondidos pelos alunos. Na sequência, foi feita discussão baseada nos dados obtidos,

seguida de atividades experimentais, como o da sala do nada, visando proporcionar ao

aluno a vivência da ausência de luz. Outras atividades experimentais são desenvolvidas

com o objetivo de proporcionar ao estudante, segundo os autores

“(...) a oportunidade para acompanharem suas idéias e expectativas comuma situação prática, criando contextos para a construção dos conceitoscientíficos”, (p. 26).

Ao descrever seus estudos sobre luz, Guesne (1989), parte do que considera ser a

luz, para o físico e se propõe à busca do entendimento sobre o que é a luz para estudantes

de dez a quinze anos, inclusive, saber deles, as propriedades atribuídas a ela, e a forma de

interpretar os fenômenos ligados à existência da luz. Em sua narrativa chama-nos a atenção

concepções que foram conseguidas sob o enfoque da óptica geométrica. Nesse sentido,

segundo a autora, a abordagem revela como alvos prioritários, apresentados pelas crianças

estudadas, a idéia da luz ligada ao processo de visão.

Neste momento abro parênteses para relatar uma preocupação que me conduz a

várias reflexões e que eu gostaria de levar em conta, como um dos componentes

significativos para o entendimento de alguns propósitos desta pesquisa.

Durante estes anos de trabalho docente, nesta escola, pude constatar que

aproximadamente 80% dos alunos que concluem o ensino fundamental, continuam seus

estudos em nível de ensino médio. Já, o ensino médio, fornece dados, nos quais, em cada

classe de 40 alunos, dois ou três têm condições de continuarem seus estudos em nível

superior.

Esses alunos que provavelmente não voltarão ao banco escolar, fazem parte do

corpo social e precisam exercer a sua cidadania. Nesse sentido, entendo que o ensino

escolar, incluindo pesquisas como esta devem considerar as condições sócio culturais da

região.

O ritmo de vida tranqüilo, desta pequena cidade, favorece ao aluno manter um

contato praticamente diário com elementos como o mar, cachoeiras e uma reserva de Mata

Atlântica. É provável que este aluno já tenha se detido a admirar e buscar explicações

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40

diante de cenários como por exemplo o do arco-íris. Esse quadro pode ser merecedor de

admiração mas, também, desencadeador de observações, reflexões e explicações das

características evidentes e até dos mais sutis que compõe o arco-íris. Neste sentido, o

trabalho de Tragtenberg (1986), abordando as belezas do arco-íris e seus segredos, trouxe

contribuições para que se projetassem ações que permitissem explorar este assunto, durante

o desenvolvimento do projeto de pesquisa.

Partir de observações como o leque de cores por ele mostrado, e buscar as

possibilidades para ocorrência desse fenômeno, pode conduzir a eventual

compartilhamento de conhecimentos, elaboração de explicações que venham a estimular

novas procuras, inclusive, a de relacionar os fenômenos ocorridos com a luz, na formação

do arco-íris, com outras situações que se projetam no seu cotidiano.

Durante o processo de desenvolvimento das etapas que estruturaram esta

pesquisa, procurei explorar as condições de regionalidade que pudessem contribuir com a

identificação das idéias prévias dos alunos, com a experimentação realizada no laboratório,

na busca de informações no sentido de, inclusive, estabelecer comparações entre o

fenômeno e a forma de representá-lo, e com a sistematização e a aplicação dos

conhecimentos sistematizados.

Não foi objetivo desta pesquisa atingir momentos em que os alunos chegassem a

explicações com fundamentações algébricas e geométricas, forma através da qual boa parte

dos livros didáticos tratam este conteúdo e pretendem que o aluno venha a reproduzir.

Busquei, com esta unidade de estudo, ampliar as possibilidades dos alunos poderem

manifestar as suas idéias prévias valerem-se delas para tentarem alcançar o entendimento

de alguns fenômenos relacionados à luz, buscarem e compartilharem informações que os

estimulassem a refletir, inclusive, contribuir com a possível internalização de aspectos da

cultura científica.

Na fase seguinte desse roteiro de viagem "Entender o Mar" pretendo me ater na

descrição da fundamentação teórica que contribuiu com a elaboração deste projeto de

pesquisa incluindo a metodologia do estudo.

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41

ENTENDER O MAR.

SONHOS

No arrastão dos pescadoresVinham discos voadoresIemanjás de porcelanaCarruagens, caravanasNum painel de fliperama.Vinha tudo que eu sonhavaUm postal de ItuveravaVinham seios de sereiasMeu São Jorge em lua cheiaMeus castelos de areia.Meu cordão de carnavalA paixão mais tropicalMeu São João junto às fogueirasMinhas festas brasileiras no arraialNo arrastão dos pescadoresVinha o céu dos pescadoresFeito a mão por bordadeirasCom lanternas de traineirasE estrelas verdadeiras.Vinha tudo que eu sonhavaVinha o rio que eu pescavaMeus tesouros e meus mapasMeus navios em garrafasMeu destino de pirata.Olá - láToda vez que eu quiser sonharVou buscar o mar.

(Ivam Lins e Vítor Martins).

O espaço escolar, em especial a escola pública estadual é, há alguns anos, o meio e

a minha fonte de pesquisa, de tal forma marcantes, que geraram várias interrogações, no

que diz respeito à troca de conhecimentos, à possibilidade de reconhecer as representações

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42

dos alunos, as interações de discursos em sala de aula, as tentativas de tomar medidas com

o intuito de contribuir para a internalização de conceitos e projetando um futuro convívio

social diferenciado por parte do aluno. Mas foi além, favoreceu-me com o experenciar de

vários depoimentos, dos quais destaco este que relato a seguir.

Mesmo sob pena de me tornar prolixo, entendo ser oportuno destacar um texto que

reflete um dos registros que obtive durante estes anos de estudo, pois foram situações como

esta, construídas no cotidiano escolar, que me levaram a refletir sobre a minha prática

pedagógica.

Os gestos desencontrados e o barulho das banquetas sendo arrastadas davam a

impressão de um desbravar de caminhos e passagens por onde os alunos foram chegando,

cada um com o seu jeito, como se fossem peregrinos que se livram das mochilas, após

longa caminhada. Os comentários paralelos conseguiam sufocar o ruído insuportável da

sineta, um lápis emprestado, uma conversa aqui outra ali, os risos e cochichos provocados

pelo recadinho escrito na bancada, uma bolota de papel cruzando a sala sobre as nossas

cabeças, um grito sem dono, a euforia por estar na sala do laboratório, a atenção de alguns e

a brincadeira de outros, não disfarçavam a maior ou menor habilidade de lidar com o

instrumental. Enquanto uns demonstravam alguma familiaridade com o observar, o

analisar, o formular de algumas propostas e explicações, outros caminhavam de forma

"anárquica", durante o processo de estudo.

Estas imagens, tão firmemente fixadas na minha memória, derivam de uma aula de

Ciências, desenvolvida com um grupo de alunos de quinta série do ensino fundamental,

quando ao explorar algumas noções sobre a força que é aplicada às superfícies de contato

entre dois corpos, deparei-me com um dos alunos apoiando cotovelos e mãos sobre a

bancada, o queixo encostado nas mãos sobrepostas, os olhos querendo saltar das pálpebras,

como se fixos estivessem, a observar o que ocorria com o instrumental, deixando exalar

uma luz fisionômica com a qual parecia procurar alguns registros trazidos na memória.

Percebi que naquela cena havia algo que o interessava e talvez fosse o momento adequado

para relacionar o seu mundo e o ensino escolar da Ciência.

Sentindo a minha aproximação, o aluno, com trejeitos acaiçarados e sonorizando as

vogais de forma anasalada, disse: - Professor, você usou óleo para fazer esse bloquinho

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escorregar sobre a rampa e eu lembrei que o meu pai quando puxa a canoa da água, não

joga óleo na areia, mas pede para que eu e meus irmãos coloquemos uns pedaços de troncos

de árvore em baixo da canoa e, assim, nós não precisamos fazer muita força .

Concordando com as observações do aluno, comecei a explorar junto com ele e com

seus colegas outros aspectos da atividade que estávamos desenvolvendo. Individualmente,

vi, como na sutileza de um lapso de imagem, abrir-se um leque de questionamentos que

desfilaram pela minha mente, sem pedir licença. Tateando o imaginário, passei a refletir

sobre outras possibilidades de desenvolvimento daquele assunto. Talvez aquela aula

pudesse ter acontecido na beira da praia, onde o mesmo fenômeno teria sido explorado,

levando-se em consideração aspectos e situações mais próximas do contexto sociocultural

do aluno, onde os espaços, com os quais está mais familiarizado, pudessem favorecer a

descontração e a argumentação mais fluente e reveladora dos seus conhecimentos iniciais.

Essa argumentação ou argumentações me deixariam mais próximo das idéias primeiras e

da linguagem que sociohistoricamente o aluno já vem construindo, possibilitando com

isso, a mediação de novos saberes acenando com a possibilidade e a necessidade de se

romper com algumas representações. Tudo mediado pelo compartilhamento de

conhecimentos entre todos os atores deste ato, podendo viabilizar as cenas que favorecem o

encaminhar de novas elaborações de conhecimentos, agora, sob um olhar formal e

sistematizado.

Ocorreu-me, também, utilizar a figura da canoa para explorar outros assuntos,

como por exemplo a importância da pesca para essa comunidade caiçara. Atividade essa

que competiu economicamente, noutras épocas, com o ciclo da cana de açúcar, com as

plantações de coco e banana e ainda hoje divide esse espaço econômico com o turismo.

Utilizar-me dos números e das engenhosidades matemáticas para tornar mais evidente o

quanto esses pescadores são explorados pelos atravessadores que comercializam o pescado,

fruto do seu trabalho, por preços aviltantes. Estimular novas reflexões, no sentido de um

questionamento cidadão, facultar ao aluno a possibilidade de se perguntar, se esses

desajustes estão ou não ligados à possibilidade de acesso às novas tecnologias que os

avanços da ciência ajudam a criar mas que nem sempre estão a serviço de uma sociedade

mais justa.

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- Professor! ... e se eu fizesse...?, outro chamado, outro depoimento, desta vez

trazendo-me de volta ao burburinho da sala de aula, onde o idealizado busca superar limites

colocados pela realidade escolar e essas limitações explícitas ou não agem como uma

atitude provocativa e desafiadora, na direção de alternativas concretas que consigam

percorrer esses meandros, assemelhando-se à ação mediadora do imaginário ao tecer

caminhos entre a luz e o arco-íris.

Ouvir estes depoimentos com ouvidos de quem se encontra atraído por uma

música e procura compreendê-la considerando as motivações do compositor, senti-los

como expressões talhadas pelo experenciar do cotidiano, onde as múltiplas intervenções

dos aspectos sociais deixam suas marcas, vê-los como desafio motivador de novas buscas,

novos saberes, respirar os “conhecimentos primeiros”, que neles se revelam, como o ar

renovador de construções de conhecimento, mergulhar com todos os sentidos nesse espaço

de interações dos discursos foram as preocupações que estiveram presentes em toda a

trajetória deste estudo. Preocupações que, mesmo considerando as limitações da atuação do

pesquisador, pretenderam enfatizar a interação como um dos fatores que influenciam a

coleta de dados e conseqüente análise dos mesmos, embora, acredite ser difícil evitar a

esterilização dos espaços, quando utilizados pela pesquisa, onde muitas variáveis se perdem

ou são desprezadas.

O atuar, nestes últimos anos, como professor, no ensino de Ciências, me possibilita

ver nestas peculiaridades e nos múltiplos componentes sociais interagindo com o cotidiano

escolar, os fatores de estímulo para análise e desenvolvimento de ações que permitam

mediar o conhecimento.

Pensar nos processos de ensino e aprendizagem em Ciências Naturais requer a

valorização dos múltiplos aspectos que interferem nas relações entre a natureza e os seres

humanos e estes entre si. Essas relações passam pela investigação, troca de informações,

atitudes, responsabilidades, convívio com diversidade de opiniões e se projetam fortemente

influenciadas pelo contexto social e pelo sistema produtivo.

Todo modelo educacional influencia não apenas os conhecimentos mas também

habilidades e atividades dos estudantes. O modelo educacional que tem por objetivo formar

cidadãos, necessariamente, precisa ter em conta não apenas o desenvolvimento de conceitos

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científicos mas também a reflexão, as atitudes desejáveis, os valores socialmente orientados

e a capacidade de reflexão. A possibilidade de investigar, trocar, experimentar, comparar,

ler, discutir e organizar, sob a mediação do professor, pode facultar ao aluno esses

desenvolvimentos.

Dessa forma, no ensino de Ciências não devem ser priorizadas as definições ou

mesmo apenas a compreensão de conceitos científicos. Estes, tendo em vista a

possibilidade do aluno vir a sistematizá-los durante o processo de ensino, serão trabalhados

tendo em vista o reconhecimento de que os conceitos têm na sua fundamentação linhas de

raciocínio e de lógica trazidas pelas teorias científicas, cuja complexidade diverge da

complexidade do trabalho escolar. E, além disso, são produzidos numa sociedade com

todas as suas peculiaridades, inclusive, a de ser um país que sofre influência dos modelos

educacionais produzidos no exterior, cuja elaboração desconsidera as nossas necessidades

internas. Sobre os laços de dependência cultural e ideológica com as nações hegemônicas,

Martins, (1994), escreve:

"Copiando modelos externos, os países em desenvolvimentopretendem adquirir características semelhantes a esses modelos,aparentemente sem considerarem que as inovações produzidas numdeterminado país são criadas em função das necessidades internasdaquele país, inclusive com a função de reformar ou manter intactosvalores, atitudes e comportamentos de seu interesse. Importam-se idéias,ciência, tecnologia, modelos pedagógicos, etc., que são implantados emsua totalidade, parcialmente ou adaptados às condições nacionais",(p.13-14).

Há que se reconhecer, nos processos de ensino, não somente as estruturas de

conhecimento trazidas pela Ciência mas também as do professor e dos alunos, com suas

idéias prévias; do senso comum e com características próprias do saber escolar. A relação

que se estabelece no processo de ensino deve permitir a mediação de concepções da

Ciência contribuindo para novas elaborações e para a estruturação e formalização de

conhecimentos científicos socialmente orientados.

Abordando a necessidade de superação de obstáculos epistemológicos, na forma de

idéias primeiras e ao mesmo tempo reconhecendo a sua importância, Bachelard, (1998),

refere-se à educação, particularizando:

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"Na educação, a noção de obstáculo pedagógico também édesconhecida. Acho surpreendente que os professores de Ciências, maisdo que outros se possível fosse, não compreendam que alguém nãocompreenda. Poucos são os que se detiveram na psicologia do erro, daignorância e da irreflexão. Os professores de Ciências imaginam que oespírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir umacultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer entender umademonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que oadolescente entra na aula de física com conhecimentos empíricos jáconstruídos. Não se trata, portanto, de adquirir uma culturaexperimental, mas sim mudar de cultura experimental, de derrubar osobstáculos já sedimentados pela vida cotidiana", (p. 23).

As idéias prévias trazidas pelo aluno são forjadas pelos horizontes da cultura e dos

limites sociais que o acolhem. Se diante de determinado fenômeno em estudo lhe for

facultado revelar essas idéias, no sentido de explicitá-las, cria-se a possibilidade de que

ocorram comparações entre as suas explicações e a dos seus colegas, professor, textos,

filmes, ou outro meio de acessar informações que o façam refletir sobre essas idéias iniciais

e possam estimulá-lo a estruturar outras idéias, chegando à internalização do conhecimento

científico na forma que adquire na escola.

É surpreendente a participação do aluno quando ele se vê diante de situações de

estudo que o deixam à vontade, liberto de inibições e bloqueios. Revelam-se aí as

observações e as explicações, aparentemente de fácil compreensão que trilham as

generalidades do primeiro olhar e vêm carregadas de imagens previamente concebidas,

revelando o empirismo imediato. Para Bachelard, (1998):

"... o aluno e o aprendiz não se apresentam de início como purosespíritos. A própria matéria não se apresenta para eles uma razãosuficiente de calma objetividade. Ao espetáculo dos fenômenos maisinteressantes, mais espantosos, o homem vai naturalmente com todos osseus desejos, com todas as suas paixões, com toda a alma. Não é pois deadmirar que o primeiro objetivo seja um primeiro erro", (p. 68).

Resgatar as idéias prévias trazidas pelo aluno e mediar a aprendizagem de novos

significados e explicações para os fenômenos revelados pelo mundo que o cerca, requer o

professor como elemento viabilizador, não apenas das situações significativas e

desafiadoras para o aluno, mas também, indicando outras fontes de informação,

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favorecendo a elaboração de novos conceitos e a possível sistematização desses

conhecimentos.

Essa mediação, segundo Vigotsky, assume papel indispensável se entendermos a

ocorrência das relações de conhecimento, desenvolvidas tanto no cotidiano escolar como

fora da escola, com as suas especificidades.

As significações elaboradas socialmente estão sendo objeto de apropriação por

parte do aluno à medida que se desencadeiam as suas relações com o outro e a linguagem.

As interações sociais lhe possibilitam a apropriação de formas culturais de pensar e agir,

facultando-lhe a reconstrução interna das formas de pensamento e ação. Desta forma, o seu

processo de desenvolvimento individual passa inicialmente pelo social, do qual ocorrem as

relações de interação interna. A internalização, entendida como processo interno de

transformação de uma construção externa, decorre daquilo que a criança aprende com o

outro, da elaboração e da incorporação do aprendido, modificando as formas de

pensamento e ação. Segundo Góes (1991):

"As funções psicológicas, que emergem se consolidam no plano daação entre sujeitos, tornam-se internalizadas, isto é transformam-se paraconstruir o funcionamento interno. Esse plano interno, intra-subjetivonão é um plano de consciência preexistente que é atualizado mas ummodo de funcionamento que se cria com a internalização, pelodeslocamento da fonte de regulação do próprio sujeito. (Leontiev, 1981).Dessa maneira, longe de ser uma cópia do plano externo, ofuncionamento interno resulta de uma apropriação das formas de ação,que é dependente tanto de estratégias e conhecimentos denominados pelosujeito quanto de ocorrências no contexto interativo", (p. 18).

Esse processo de internalização não é entendido como um processo de mera

assimilação, mas sim, como um mecanismo desenvolvido pelo homem no sentido de

assimilar as formas de comportamento culturalmente fornecidas de tal forma que as

relações interpessoais possam ser transformadas em intrapsicológicas. Para Oliveira(1993):

"O processo de desenvolvimento do ser humano, marcado por suainserção em determinado grupo cultural, se dá "de fora para dentro".Isto é, primeiramente o indivíduo realiza ações externas, que sãointerpretadas pelas pessoas ao seu redor, de acordo com significadosculturalmente estabelecidos. A partir dessa interpretação é que serápossível para o indivíduo atribuir significados às suas próprias ações e

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desenvolver processos psicológicos internos que podem ser interpretadospor ele próprio a partir dos mecanismos estabelecidos pelo grupocultural e compreendidos por meio de códigos compartilhados pelosmembros desse grupo", (p. 38).

Na escola o papel mediador é assumido, principalmente, pelo professor e pelos

alunos. De forma mais abrangente, as pessoas e as coisas que integram o mundo do aluno

são os mediadores dos conhecimentos que lhe permitem a construção de significados

compreendidos por Vigotsky, (1998), da seguinte maneira:

"O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreitodo pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de umfenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Uma palavra semsignificado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da"palavra", seu componente indispensável. Pareceria, então, que osignificado poderia ser visto como um fenômeno da fala. Mas, do pontode vista da psicologia, o significado de cada palavra é umageneralização ou um conceito. E como as generalizações e os conceitossão inegavelmente atos do pensamento, podemos considerar osignificado como um fenômeno do pensamento. Daí, não decorre,entretanto, que o significado pertença formalmente a duas esferasdiferentes da vida psíquica. O significado das palavras é um fenômenode pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha corpo pormeio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida em que esta é ligadaao pensamento, sendo iluminada por ele. É um fenômeno do pensamentoverbal, ou da fala significativa - uma união da palavra e dopensamento", (p. 151).

O ser humano se desenvolve no mundo e no grupo social que o acolhe e nele

convive com os sistemas de representação do real. Para Vigotsky o desenvolvimento

psicológico do homem tem como fonte alimentadora a interação social, entendendo que é

nas relações interpessoais que o indivíduo encontra a possibilidade de internalizar as

formas estabelecidas culturalmente.

Vigotsky se vale do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) ao

discutir os mecanismos através dos quais as experiências de aprendizagem geram o

desenvolvimento na relação do sujeito com o outro. Esse conceito é entendido por ele,

Vigotsky (1984), como:

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"A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costumadeterminar através da solução independente de problemas e o nível dedesenvolvimento potencial, determinado através da solução deproblemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração comcompanheiros mais capazes", (p. 97).

Atualmente, segundo Góes, não há consenso no que se refere ao reconhecimento da

relevância teórica da ZDP, entendendo que há opiniões segundo as quais esse conceito foi

formulado especificamente para debates sobre questões educacionais. Sobre isso Góes

(1997), assume que:

"A asserção da ajuda do outro tem a força de ilustração e é umareferência generalizada à mediação social, enquanto que a idéia centralseria a de uma necessária participação, de qualquer natureza, do outro,nas experiências de aprendizagem e no desenvolvimento do indivíduo.Nesse sentido, a proposição de desenvolvimento proximal pode ser vista,sobretudo, como tendo um valor heurístico para a investigação dosprocessos humanos, no esforço de entendermos a constituição recíprocados processos individuais e sociais e, especificamente, de avançarmos naanálise sobre os modos pelas quais os conhecimentos são construídos.Assim o conceito será menos útil se for tomado como estritamente ligadoà prescrição de uma prototípica mediação do outro, ou de uma mediaçãoharmoniosa com um caráter pedagógico homogêneo", (p. 92).

Os processos de desenvolvimento mental e aprendizagem estão vinculados às

interações sociais vivenciadas pela criança, de tal forma que, para Vigotsky, há que se

entender o desenvolvimento dos conceitos científicos na mente da criança para se chegar a

criação de métodos eficientes para ensinar crianças na fase da escolaridade, no que se

refere ao conhecimento sistemático. Nesse sentido, Vigotsky (1998), escreve:

"... um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativasformadas pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é umato real e complexo de pensamento que não pode ser ensinado por meiode treinamento, só podendo ser realizado quando o própriodesenvolvimento mental da criança já tiver atingido o nível necessário.Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representaum ato de generalização. Mas o significado das palavras evolui. Quandouma palavra nova é aprendida pela criança, o seu desenvolvimento malcomeçou: a palavra é primeiramente uma generalização do tipo maisprimitivo; à medida que o intelecto da criança se desenvolve, ésubstituído por generalizações de um tipo cada vez mais elevado -

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processo este que acaba por levar à formação dos verdadeiros conceitos.O desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras,pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atençãodeliberada, memória, lógica, abstração, capacidade para comparar ediferenciar. Esses processos psicológicos complexos não podem serdominados apenas através da aprendizagem inicial.

A experiência prática mostra também que o ensino direto de conceitosé impossível e infrutífero. Um professor que tenta fazer isso geralmentenão obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetiçãode palavras pela criança, semelhante à de um papagaio, que simula umconhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidadeoculta um vácuo", (p. 103).

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*A METODOLOGIA DESTE ESTUDO.

Um dos momentos importantes desta pesquisa foi o da definição da metodologia a

ser usada. A decisão foi pela abordagem de natureza etnográfica, pois segundo André

(1997):

"Quando os estudiosos das questões educacionais recorreram àabordagem etnográfica, eles buscavam uma forma de retratar o que sepassa no dia-a-dia das escolas, isto é, buscavam revelar a complexa redede interações que constitui a experiência escolar diária, mostrar como seestrutura o processo de produção de conhecimento em sala de aula e ainter-relação entre as dimensões cultural, institucional e instrucional daprática pedagógica. O objetivo primordial desses trabalhos era acompreensão da realidade escolar para, numa etapa posterior, agirsobre ela, modificando-a. ... A consideração dos múltiplos significadosatribuídos pelos sujeitos às suas ações e interações, princípiofundamental da etnografia, levou os pesquisadores da área de educaçãoa buscarem as representações e as opiniões dos atores escolares,tomando-as como importantes elementos de investigação da praticaescolar", (p.49-50).

Esta pesquisa, realizada dentro de um contexto escolar específico, procurou

reconhecer o conhecimento e a história de vida dos agentes deste cotidiano escolar e

interferir nesse cotidiano visando criar ações pedagógicas que possibilitassem a interação

entre o conhecimento trazido pelo aluno e o conhecimento que a escola busca transmitir.

Nesse sentido, de acordo com a minha vivência como professor, reconheço a

fragilidade da relação entre os conhecimentos que a escola propõe e aqueles trazidos pelos

alunos. Por exemplo: o olhar admirador, observador, interessado que o aluno dirige para os

fenômenos que contribuem para a formação do arco-íris ou das aparentes imagens formadas

pelos corpos imersos na água, não encontra relações com esses mesmos fenômenos quando

propostos pela escola. Assim, esta pesquisa considerou as múltiplas interações que ocorrem

entre os atores participantes da sala de aula e do espaço escolar, como detalho adiante.

Também, revelou o meu olhar sobre o papel da escola e procurou alcançar suas

reais dimensões dentro de um modelo educacional elaborado, instrumentalizado e inserido

numa visão política social. Dessa forma, procurou considerar os vínculos estabelecidos

entre os universos escolar e outros universos sociais.

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O desenvolvimento da pesquisa aqui apresentada possibilitou-me agir como

observador, mas também como mediador. Os registros desta mediação fazem parte dos

dados coletados e estão detalhados nesta fase do trabalho "Luz , arco-íris e o imaginário".

Agindo como mediador procurei estimular as interações entre os alunos e deles comigo, no

sentido de compreender as suas observações, seus comentários, suas dúvidas, suas

explicações, os seus conhecimentos. Durante o encaminhamento destas ações interativas

pude propor novas situações-problema, a utilização de materiais e espaços para serem

usados de maneiras diversas. E de acordo com André (1997):

"A pergunta então é a seguinte: Como manter o distanciamentonecessário para uma análise objetiva, como requer o trabalho científico?Uma das formas de abordar tal questão tem sido o estranhamento umesforço sistemático de análise de uma situação familiar como se fosseestranha. Como explica muito claramente Dauster (1989): O processo deestranhamento não se revela a olho nu. Supõe ampla visão teórica eaproximações específicas ao objeto investigado (p. 5). Trata-se portantode saber lidar com as percepções e opiniões já formadas, reconstruindo-as em novas bases, levando, sim, em conta as experiências vividas masfiltrando-as com apoio do referencial teórico e de procedimentosmetodológicos específicos", (p. 53).

Obtive dados de observações, registros orais e escritos. A convivência direta

com esta comunidade escolar contribuiu com uma bagagem muito abrangente de

depoimentos, fatos, comportamentos, linguagens, enfim, um acervo que compõe o

contexto em estudo.

Para compor este acervo foi importante a minha ação como professor e

pesquisador, num convívio direto, participativo e prolongado com a realidade social, na

qual a escola em questão está inserida.

O encaminhamento anteriormente descrito, conduz ao entendimento do porquê o

estudo realizado nesta pesquisa se desenvolveu em etapas e com estratégias que podem

aproximá-lo de uma pesquisa do tipo etnográfico. Marli André (1987), escreve:

"O que caracteriza mais fundamentalmente a pesquisa do tipoetnográfico é, primeiramente, um contato direto e prolongado dopesquisador com a situação e as pessoas ou grupos selecionados.Evidentemente deve ficar claro, desde o início da pesquisa, o grau deenvolvimento ou de participação do pesquisador na situação pesquisada.

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A intensidade do envolvimento pode variar ao longo do processo decoleta dependendo das exigências e especificidade do próprio trabalhode campo. O que parece muito fundamental é que o pesquisador tenhamuito claro em cada momento por que certo grau de participação e nãooutro está sendo assumido e saiba avaliar prós e contras desta oudaquela ação.

Um outro requisito da pesquisa do tipo etnográfico é a obtenção de umagrande quantidade de dados descritivos. Utilizando principalmente aobservação, o pesquisador vai acumulando descrições de locais, pessoas,ações, interações, fatos, formas de linguagem e outras expressões, que lhepermitem ir estruturando o quadro configurativo da realidade estudada, emfunção do qual ele faz suas análises e interpretações.

Outro aspecto peculiar aos estudos etnográficos é a existência de umesquema aberto e artesanal de trabalho que permite um transitar constanteentre observação e análise, entre teoria e empiria", (p. 38-39).

No que se refere às fases de desenvolvimento da pesquisa etnográfica, André

(1997) declara que:

"A primeira fase da pesquisa etnográfica não difere muito da deoutros tipos de pesquisas: requer amplo estudo da literatura relacionadaao tema e sobre o contexto a ser estudado. Essa fase é fundamental paraa formulação do problema e para a construção do olhar teórico queorientará o trabalho de campo. Daí nascerão as categorias iniciais deanálise, as perguntas e os questionamentos que dirigirão a coleta dedados", (p.52).

Nesta pesquisa admito como primeira fase a revisão bibliográfica e os levantamentos

das opiniões dos professores de Ilhabela que auxiliaram na estruturação dos meus

questionamentos e no encaminhamento da pesquisa de campo.

Os questionamentos referentes à concepção de conhecimento científico que norteia

a pesquisa foram embasados na obra de Bachelard (1998), mas também o reconhecimento

dos questionamentos de professores de Ilhabela e na revisão bibliográfica da literatura da

área de Educação em Ciências, relativa ao tema experimentação. A abordagem de pesquisa

caracterizada como de natureza etnográfica foi construída a partir das discussões de André

(1997). Os aspectos referentes às mediações pensadas para o trabalho com os estudantes

foram abordados à luz de Vigotsky (1998 ).

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Sobre a segunda fase da pesquisa etnográfica, André (1997), entende que:

"A Segunda fase é a do trabalho de campo propriamente dito, queenvolve a observação direta e intensiva e as estratégias que visam captaras opiniões e representações dos atores sociais. Nessa fase, opesquisador não segue hipóteses rígidas, fica atento ao surgimento depistas que o conduzam a novas formulações, novas perspectivas deanálise. Aqui é essencial a experiência pessoal do pesquisador, suasensibilidade, abertura e flexibilidade para a descoberta de novascategorias, novas formas de interpretação do objeto pesquisado. É omomento de fazer as mediações entre a teoria e a experiência vivida emcampo, de dialogar com os referenciais de apoio, de rever princípios eprocedimentos e fazer os ajustes necessários", (p. 52).

Nesta investigação, como professor e pesquisador, selecionei como conteúdo central

do ensino o tema a Luz, com foco principal no fenômeno: reflexão, refração e dispersão. E a

organização das aulas foi pensada em três etapas:

1aetapa: A busca de idéias prévias do aluno, valorizando os fenômenos

ambientais e condições sócio culturais.

2ªetapa: A experimentação realizada no laboratório na busca de informações,

no sentido de, inclusive, estabelecer comparações entre o fenômeno e a forma de

representá-lo.

3ªetapa: A sistematização e a aplicação dos conhecimentos sistematizados.

A descrição detalhada de cada etapa será feita no capítulo "Luz, arco-íris e o

imaginário".

Para encaminhar a conclusão deste capítulo, a respeito da terceira fase da pesquisa

etnográfica, André (1997), escreve:

"A terceira fase do trabalho etnográfico é a de sistematização dosdados e de sua apresentação em forma de relatório. Isso leva, nummovimento de vaivém que envolve rearranjos, recomposições, abstraçõese que culmina em uma nova estruturação do real", (p. 52).

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Nesta pesquisa, no decorrer da terceira fase, articulei um diálogo entre as falas dos

autores que fundamentaram o trabalho, dos alunos que contribuíram com discursos orais e

escritos e a minha própria voz como mediador.

Para concluir este momento do texto da dissertação, justifico a opção pela etnografia,

como abordagem de pesquisa, alegando que segundo o meu entendimento, ela pode

contribuir com o desenvolvimento do processo de construção de conhecimentos na área de

Ciências, considerando o contexto escolar regionalizado de Ilhabela, relacionado com a

experiência de vida dos alunos.

Na fase seguinte deste roteiro de viagem, "Luz, arco-íris e o imaginário",

faço o relato do processo de ensino e descrevo a coleta de dados, a sua análise e a

interpretação que fiz de alguns dos discursos ocorridos com a unidade de ensino em

funcionamento.

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LUZ, ARCO- ÍRIS E O IMAGINÁRIO

A bússola que norteia esta atividadeaponta para os "erros iniciais" dosalunos e os reconhece comoincentivadoresde futuros nadadores e não denáufragos.

Esta pesquisa que, como comentei anteriormente, foi motivada pela necessidade de

reavaliar e modificar a minha prática pedagógica desenvolvida com alunos do ensino

fundamental, (de 5 ª à 8 ª série), numa escola pública estadual, do município de Ilhabela,

centralizou-se no estudo do funcionamento da atividade prática com estudantes de 8ª série.

A necessidade de mudança levou-me à busca de depoimentos de outros professores

que, como eu, lecionam Ciências nas seis escolas deste município, no sentido de identificar,

com maior abrangência, as reais condições em que se desenvolve o ensino de Ciências, nas

escolas públicas estaduais desta cidade.

Tais depoimentos revelaram necessidades do dia-a-dia escolar, semelhantes àquelas

vividas por mim, e já destacadas em "Navegar o Mar". Uma das preocupações reveladas diz

respeito à necessidade de se reavaliar e adequar a atividade prática à realidade escolar,

particularmente, deste município. Os professores entendem que o desenvolvimento desta

atividade representa um dos instrumentos a serem explorados, no sentido de contribuir com

o processo de ensino e consequentemente com a aprendizagem dos estudantes.

Com base na bibliografia consultada e comentada nas fases anteriores a esta, e ainda,

na minha vivência diária com esta realidade escolar, entendo que a utilização da atividade

prática assume papel relevante quando inserida, harmoniosamente, na argumentação do

professor, onde as reflexões e as trocas de conhecimento podem ser favorecidas por esta

atividade.

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Com o intuito de atender a estes objetivos, projetei o desenvolvimento desta pesquisa

baseado no pressuposto de que a atividade prática se insere no processo de ensino e

aprendizagem, contando com a mediação do professor no sentido de produzir ações que

possibilitem:

- a ocorrência de situações problema.

- a procura de diferentes fontes de informações.

- a elaboração de idéias e atitudes.

- a sistematização e a aplicação dos conhecimentos sistematizados.

Durante a elaboração e desenvolvimento deste projeto foi preocupação constante

considerar as condições culturais, sociais, políticas e econômicas, ligadas a esta região

litorânea, desta forma, para atingir os objetivos da pesquisa, esta proposta priorizou alguns

aspectos de estudo e estratégias, considerando as peculiaridades de Ilhabela. Considerou,

também, as condições estruturais da escola, do aluno e do professor16.

As ações aqui propostas tiveram, ainda, a intenção de tornar as atividades aqui

desenvolvidas, compatíveis e viáveis com as condições reais deste contexto escolar. Para

tanto, entendo ser importante, neste momento, detalhar que a economia do município de

Ilhabela depende basicamente do turismo e da pesca, e os alunos, em sua maioria, estão

vinculados a esta realidade por intermédio de seus pais, muitos deles pescadores ou

caseiros. A proximidade desta escola com a praia e com a casa de turistas facilitou a

utilização de ambientes como o mar e a piscina.

O tempo necessário para o desenvolvimento da unidade de estudo foi de quatro

semanas, sendo que os alunos da 8ª série do ensino fundamental, nas escolas estaduais de

São Paulo, têm três aulas semanais.

16 Como professor efetivo da Rede Estadual de Educação de São Paulo faço opção por jornada semanal dequarenta aulas. Para freqüentar o curso de mestrado reservei um dia por semana para cursar as disciplinasoferecidas pelo curso e participar das revisões de estudo do Grupo de estudo e pesquisa em Ciência e Ensino(GepCE). Levado pelas minhas condições salariais, fui obrigado a permanecer lecionando as quarenta aulassemanais, fator que limitou o meu convívio acadêmico e provavelmente foi responsável por algumas lacunasdeixadas por esta pesquisa, mas por outro lado, essas limitações aproximaram o desenvolvimento destapesquisa das reais dificuldades e das possibilidades vividas no dia-a-dia escolar, pelo professor. Reconheço aescassez do tempo para freqüentar a Universidade e elaborar este projeto de pesquisa, mas acredito que aminha realidade é semelhante à dos meus colegas de profissão, pelo menos daqueles que, de alguma forma,questionam e buscam novas alternativas para as suas práticas pedagógicas.

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Como conteúdo a ser estudado foi selecionada a "LUZ", com ênfase para os

fenômenos luminosos de reflexão17, refração18 e dispersão19 e a unidade foi constituída com

as seguintes etapas:

1a A busca de idéias prévias do aluno, valorizando os fenômenos ambientais e

condições sócio-culturais.

* Atividade realizada na piscina e no mar, onde o professor estimulou os alunos a

observarem e comentarem sobre os fenômenos relacionados com a reflexão e

refração. (Utilização de duas aulas).

* Atividade realizada no pátio da escola, desencadeando discussão sobre o arco-

íris, fenômeno de fácil observação no dia-a-dia dos alunos. (Utilização de uma

aula).

* Os alunos foram convidados a fornecerem alguns depoimentos, por escrito,

sobre os fenômenos vistos nas atividades anteriores.(Utilização de uma aula).

2ª A experimentação realizada no laboratório na busca de informações, no

sentido de, inclusive, estabelecer comparações entre o fenômeno e a forma de representá-

lo.

* Os alunos trabalharam no laboratório estudando os “mesmos” fenômenos vistos

nas três aulas iniciais. (Utilização de duas aulas)

* Os alunos elaboraram depoimento por escrito sobre os fenômenos

estudados.(Utilização de uma aula).

3ª A sistematização e a aplicação dos conhecimentos sistematizados.

* Os alunos elaboraram depoimentos escritos, baseados na leitura e análise de

textos, abordando os mesmos fenômenos já identificados. (Utilização de quatro

aulas).

17 Os corpos, sejam eles, opacos ou transparentes, refletem parcialmente a luz que incide sobre eles, ou seja, aluz é devolvida para o meio de onde ela proveio. O fenômeno de reflexão regular da luz predomina quandoum feixe luminoso incide sobre uma superfície altamente polida.18A refração ocorre quando os raios luminosos ao atravessarem a superfície de separação de dois meiostransparentes, (como por exemplo ar e água), sofrem desvio nas suas direções originais de propagação.

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59

Como professor, aplicando a unidade de ensino acima descrita, confesso que tive

algumas preocupações, antes não vividas, no que se refere às formas de registrar os

momentos, os espaços e os depoimentos produzidos neste estudo. Entendi que os dados

desta pesquisa deviam ser coletados nos espaços da interação escolar com o mínimo de

modificação dos mesmos, embora, sabendo que, qualquer procedimento utilizado para

registrar a coleta dos dados, não possibilitaria detectar e analisar muitas das variáveis

intervenientes nas interações, muito se perderia ou seria desprezado. Dessa forma, os

depoimentos obtidos nas atividades, realizadas fora da sala de aula, foram registrados num

diário de campo. Já os registros feitos em sala foram viabilizados pelos próprios alunos,

através da escrita, enquanto as mediações do professor e dos alunos foram registradas em

diário. Assim, foi evitado a utilização de gravadores de som e de imagem, por considerar

que estes elementos não fazem parte do cotidiano escolar dos alunos, ou melhor, eles não

estão habituados a ver suas aulas serem gravadas. Esses fatores, ao meu entender,

contribuiriam para manifestações não usuais e certamente diminuiriam a espontaneidade

das suas manifestações.

19 Ao fenômeno de espalhamento da luz composta num espectro de várias cores é dada a denominação dedispersão. È possível através de um prisma, por exemplo, decompor a luz branca em sete cores, (vermelho,alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta), denominadas espectro da luz solar.

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60

ALGUNS RESULTADOS

PRIMEIRA ETAPA

Passo a descrever a primeira etapa da atividade, citada como: A busca de idéias

prévias do aluno, valorizando os fenômenos ambientais e condições sócio- culturais.

Nas atividades descritas o número de alunos foi variável, mas em média estiveram

presentes aproximadamente 30 estudantes.

A opção pelos locais, piscina, mar e pátio da escola, utilizados para o

desenvolvimento desta etapa do estudo, se deve à disponibilidade dos mesmos, à facilidade

com que professor e alunos podem acessá-los e, principalmente, pelo convívio diário que os

alunos têm com esses locais, o que lhes possibilitaria retomarem situações ligadas ao

fenômeno em estudo que fazem parte do seu “arquivo” de vivências, reflexões e dúvidas

que interagem no seu saber.

Acerca dos objetivos perseguidos nesta etapa, o estudo desenvolvido com os

alunos buscou revelar os conhecimentos e a linguagem que empiricamente ele já vem

construindo e possivelmente estejam relacionados com a observação dos fenômenos da

reflexão, refração e da dispersão. Para tanto, fiz intervenções no sentido de evidenciar

situações que estimulassem a fala dos alunos, a interação de conhecimento entre eles e

possibilitassem questionamentos a respeito dessas falas.

*Atividade realizada numa piscina azulejada.

Inicialmente, os alunos contornaram a piscina de forma aleatória e foram

estimulados por mim a observarem os azulejos de revestimento. Posteriormente, foram

convidados a sentarem na borda da piscina e fazerem novas observações. As minhas

intervenções foram na direção de conseguir o maior número de manifestações, que

revelassem as suas percepções a respeito das observações feitas sobre os diferentes corpos

imersos ou não e as deformações que suas imagens sofrem.

Propus aos alunos que observassem quatro corpos; os azulejos da piscina ,os

pés, o corpo de um dos colegas que foi jogado na água pelos colegas e o cabo do aspirador.

Embora, inicialmente, tenha planejado usar, como corpos a serem observados, os azulejos e

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61

o cabo do aspirador, deixado dentro da piscina propositadamente. Os pés e o corpo do

aluno que foi parar dentro da piscina, foram improvisações ocorridas durante a aula, e

devidas à descontração com que os alunos encararam o novo tipo de atividade.

Professor: Observem os azulejos, como vocês estão vendo esses azulejos?

Eduardo: Os que estão na água são menores.

Tico: Os que estão na água são mais curtos

Maiara: Os que estão na água são mais largos.

Janaina: Os que estão na água são maiores.

Fernando: Os que estão na água estão se mexendo.

Tico: Os que estão na água são mais claros.

Joice: Os que estão na água estão deformados.

Ao fazer as intervenções, tanto na piscina como no mar, limitei-me a fazer

perguntas que estimulassem as observações, sem questiona-las. Tive como principal

preocupação propiciar situações que favorecessem as suas manifestações e a comparação

entre o que os alunos iam falando sobre as suas observações, o que nem sempre foi fácil

pois todos falavam simultaneamente, havendo muitas falas repetidas.

As falas dos alunos referem-se, principalmente, às formas dos corpos. Retomando

falas como estas: "são menores", "são maiores", "são mais curtos", "são mais largos",

"estão deformados"; parece-me que, até aqui, a principal percepção está ligada à

comparação entre o formato dos azulejos imersos e não imersos na água, e não se pode

falar de objetividade da observação. É altamente provável que os estudantes não estivessem

se referindo às mesmas dimensões dos azulejos, quando manifestaram observações

contraditórias.

Na tentativa de criar outra situação que favorecesse novas falas, e aproveitando-me

da vontade de alguns de se molharem, sugeri que tirassem o tênis e os chinelos, e

mergulhassem as pernas na água, dessa forma, os seus corpos passaram a ser o objeto de

observação.

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62

Professor: Sentem na beira da piscina, com as pernas mergulhadas na água. Como vocês

estão vendo as suas pernas e pés?

Mariana: A minha perna encolheu.

Isaura: O meu pé está mais gordo.

Maiara: O meu pé subiu.

Felipe: O meu pé está mais branco.

Nota: Três alunos começaram a se empurrar para ver qual deles ia parar dentro d'água.

Embora eu tivesse pedido para que não se jogassem na piscina, um deles foi jogado na

água. Aproveitei a situação criada, esperei as risadas, falatório e "gozações" diminuírem e

fiz outra intervenção, no sentido de favorecer outras falas.

Professor: Observem o corpo do Junior, principalmente os pés.

Eduardo: O corpo encolheu, parece um anão.

Fernando: O pé subiu.

Maiara: O pé engordou.

Janaina: O pé está tremendo.

Eduardo: O pé está todo deformado.

Além das deformações que vão se revelando com outras expressões como: "mais

gordo", "minha perna encolheu", ocorre também a constatação da profundidade aparente

dos corpos, como na fala: "o pé subiu".

Nota: Um dos alunos começou a brincar com a aspirador da piscina, dando-me a

oportunidade de estimula-los a participarem com outras falas.

Professor: Observem o cabo do aspirador que está com o Acauã.

Damiani: Está torto.

Isaura: Está quebrado.

Fernando: Não está quebrado, parece quebrado.

Ivair: O cabo ficou mais curto.

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63

Era minha pretensão que os alunos tivessem como principal preocupação a

constatação das deformações sofridas pelos corpos, pela profundidade aparente onde se

encontram e pela distorção que um objeto aparenta sofrer quando parcialmente mergulhado

na água. Considerando os depoimentos colhidos como: “A minha perna encolheu”; “O meu

pé subiu”; “O cabo do aspirador está quebrado” é possível dizer que foram constatados

pelos alunos a deformação, a aparente profundidade e a distorção sofrida pelos corpos. Na

fala do Fernando, "Não está quebrado, parece quebrado" há uma preocupação com o modo

de dizer, ao formular sua fala sobre o objeto observado, diferenciando o estar quebrado do

parecer quebrado, e encaminhando para o objetivo que me havia proposto, ou seja, que

notassem a aparente diferença entre os corpos dentro e fora da água.

As observações feitas pelos alunos foram verbalizadas na sequência anteriormente

descrita. Evitei relatar algumas falas que repetiam o que já havia sido revelado por outros

alunos, procurei registrar as falas discordantes que propiciassem evidenciar a iterlocução

ocorrida entre os alunos.

*Atividade realizada no mar

Na ida dos alunos à praia, foram feitas três tentativas em locais diferentes. As duas

primeiras tentativas de se observar alguns seres vivos, no fundo do mar foram inviáveis,

devido à agitação da água que ao provocar a agitação da areia e outras partículas causou o

escurecimento da água. Na terceira tentativa, foi escolhido, pelos próprios alunos, um local

onde a quantidade de pedras existentes possibilitava parcial represamento da água,

facilitando com isso a visão dos seres vivos que ali habitam.

Procurei incentivar a observação dos fenômenos, desta vez utilizando o mar como

local de estudo, com a pretensão de mediar percepções ocorridas num local com maior

facilidade de controle sobre as ocorrências, no caso a piscina, e as percepções que poderiam

ocorrer num local onde as condições de controle sobre a ocorrência dos fenômenos seria

pouco provável.

Ali as minhas intervenções buscaram obter além da observação dos fenômenos, o

resgate da memória ou da produção de olhares categorizados de vivências cotidianas e da

possibilidade de mediar percepções semelhantes às ocorridas na piscina e no mar.

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64

Professor: Observem aquele ouriço, baseado no que vocês já viram na piscina, podemos

dizer que ele está realmente na profundidade em que o vemos?

Eduardo: Não.

Tico: Ele está mais para cima. (além do Tico mais dois alunos repetiram esta fala).

Maiara: Ele está mais para baixo.(a maioria dos alunos repetiram ou concordaram

com esta fala).

Janaina: Ele é maior dentro da água.

Fernando: O peixe também é assim, fica menor fora da água. Fica de olho quando for puxar

a linhada.

Neste caso, pude notar que o aluno parece fazer distinção entre a posição da

imagem e do corpo, ao dizer: "mais para cima" ou "mais para baixo", ou em outras

palavras, que a posição da imagem vista não é a real. Na fala do Fernando: “O peixe

também é assim, fica menor fora da água. Fica de olho quando for puxar a linhada”;

entendo que há percepções que foram relacionados com outros objetos, fato não ocorrido na

piscina. Ele, também, recorre a uma situação do seu cotidiano, ou melhor, aparenta estar

retomando um fenômeno já vivido e estabelecendo uma relação com o atual.

Mas do mesmo modo que na piscina, algumas observações são contraditórias;

enquanto para três alunos o ouriço está mais acima, para os demais que se manifestaram ele

está mais baixo. Como sabemos que o ouriço real estava mais abaixo do que aparentava,

fica a possibilidade de que os alunos que o viram mais acima estivessem apenas se

referindo ao que efetivamente estavam vendo, no caso, a imagem, não o ouriço

propriamente dito. Mas também é possível que eles estivessem manifestando percepções

diferentes dos demais.

Novas perguntas poderiam, eventualmente, ter esclarecido essas dúvidas, mas não

era minha intenção provocar a sistematização já nessa fase das atividades.

*Atividade realizada no pátio da escola.

Ainda, estimulando as observações e recorrendo a produção de olhares

categorizados de situações já vividas, os alunos são solicitados no sentido de buscarem

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65

situações que propiciem a ocorrência dos fenômenos em estudo. O pátio da escola é um

local onde eles permanecem grande parte do tempo não só no período de aula, mas também

nos finais de semana e momentos de lazer. Utilizei este local com a expectativa de propiciar

a eles outra oportunidade de retomarem e revelarem as possíveis percepções feitas a

respeito dos fenômenos em estudo, baseados em observações feitas anteriormente sobre o

arco-íris.

Também aqui não houve, da minha parte, até esta etapa da atividade, a

preocupação em buscar a sistematização dos fenômenos, tentei favorecer a observação da

ocorrência dos mesmos, em diferentes situações, e também deixar que as diferentes falas

dos colegas mediassem percepções diferenciadas e criassem necessidades de sistematização

num encaminhamento para uma produção mais coletiva de conhecimento.

Após quatro ou cinco minutos, utilizados para que os alunos se acomodassem à

sombra de uma mangueira e um pé de ingá, uns sentados no chão, outros numa mureta que

circunda as árvores e outros em dois bancos compridos, foi possível iniciar a atividade com

a minha fala.

Professor: Geralmente, quando nós conseguimos ver o arco-íris, quais são as condições do

tempo?

Eduardo: Precisa ter chuva.

Tico: Precisa ter chuva e sol.

Maiara: É lógico que precisa de sol, nunca vi arco-íris durante a noite.

Janaina: Tem sim, um lado da Terra fica escuro porque ela gira.

Nota: A fala da Janaina aparentemente se contrapõe, à da Maiara, não no que se refere à

existência do sol para a formação do arco-íris, mas à "existência do sol durante a noite".

Possivelmente esteja se referindo à presença ou não da luz solar, devido ao movimento de

rotação da terra, memorizando conversas, ensinamentos ou leituras escolarizadas ou da sua

cotidianidade. Essa fala gerou algumas conversas paralelas. Em meio ao falatório a Maiara

novamente argumentou, resgatando uma situação já vivida.

Maiara: Não é preciso chuva, eu já fiz arco-íris com a mangueira do jardim.

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66

Fernando: Eu também já vi no gira-gira.

Tico: Então precisa de água e sol.

Joice: E a chuva não é água?

Janaina: Eu já vi arco-íris no fim da tarde e o sol não aparecia.

Tico: Eu também só vejo arco-íris no fim da tarde.

Isaura: Pudera, dorme até o meio dia.

Nota: Esta fala gerou risos e conversas simultâneas de vários alunos, até que o Fernando

retomou o assunto em estudo.

Fernando: Não é assim, eu já vi pela manhã.

Os primeiros depoimentos revelam que a possibilidade de aparecer o arco-íris está

ligada à presença do sol e da chuva, ou apenas água das mangueiras ou gira-gira. Porém, é

possível perceber que os alunos, aparentemente, não fazem distinção entre a luz emitida

pelo sol e o próprio sol. Foi neste sentido que ocorreu a minha segunda intervenção.

Professor: Bem, vocês estão dizendo que o sol e a água são fatores importantes para a

formação do arco-íris. Então vamos fazer mais uma observação: - A luz do sol que chega

até nós, é de que cor?

Maiara: Branca.

Janaina: Não tem cor

Tico: Amarela.

Tico: Não, é branca.

Vários alunos: É branca.

A minha ultima intervenção provocou breves falas, das quais os alunos repetiram

de forma descontraída "branca", e, mesmo os dois alunos que disseram "amarela" e "não

tem cor", retomaram a fala e disseram branca, sem a preocupação de justificar a mudança.

Naquele momento, tentei intermediar, explorando a fala da Maiara no sentido de

buscar situações que favorecem o entendimento e produzissem explicações por parte dos

alunos, sobre o surgimento das várias cores, tendo como perspectiva, numa futura

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67

atividade, na qual utilizaria um prisma, para que pudessem ocorrer percepções que

possibilitassem a elaboração de explicações para a dispersão da cor branca.

Portanto, buscando a situação já vivida e relatada pela aluna Maiara, “Não é preciso

chuva, eu já fiz arco-íris com a mangueira do jardim”, a minha terceira intervenção procura

avançar para as explicações sobre o surgimento das várias cores. Dessa forma, ficaria ainda

a questão da chuva, mangueira, gira-gira, ou seja, água em qualquer situação provocaria o

arco-íris?

Professor: Vamos lembrar da cena em que a Maiara jogou água para cima com a

mangueira. Se a luz do sol é branca, como surgem as outras cores?

Eduardo: Saem do sol

Isaura: A luz do sol muda de cor.

Maiara: A luz do sol é branca até atingir a água, depois muda de cor.

Professor: Mas que cor?

Eduardo: Várias cores.

Professor: Como uma cor pode virar várias?

Fernando: A luz do sol se espalha quando encontra a água.

Tico: Mas a luz do sol também chega até a água do mar e não se espalha.

Nesse conjunto de falas notamos que alguns dos estudantes que se manifestaram

passaram a se referir à luz do sol e não apenas ao sol, mas também que algumas falas

representam grande avanço no sentido da compreensão das condições que provocam o

arco-íris. Maiara fala em mudança de cor quando a luz atinge a água, Fernando avança no

sentido de explicitar a mudança, ou seja, a luz do sol irá se espalhar ao encontrar a água, o

que representa um avanço na compreensão do fenômeno em estudo, o arco-íris. E Tico

levanta a grande questão, ou seja, percebe que qualquer água não serve. Enquanto isso,

Eduardo parece não notar a importância da água na sua primeira fala desse episódio. Já na

segunda, pode-se notar sua inserção na conversa na tentativa de mediação que fiz como

professor, após a fala de Maiara. Mesmo não propiciando nenhum avanço aparente na

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68

explicação do funcionamento do arco-íris, essa fala é um indício da sua participação nos

raciocínios que estavam sendo compartilhados pelo conjunto de alunos e pelo professor.

Mas voltando à argumentação do Tico, aproveitei para tentar obter outras falas que

contribuíssem com a possibilidade de favorecer a discussão. Perguntei a alguns alunos que

haviam falado pouco, o que eles achavam da fala do Fernando. O Pablo, o Renan, a Wdssa

e a Walquíria disseram que não sabiam, o Antônio, a Kauisa, a Diana e o Ederson disseram

que o Fernando tinha razão. Quando tentei obter deles o porquê desse concordar com o

Fernando, fui interrompido pela fala da Maiara:

Maiara: Não é qualquer água, ela precisa estar no ar pulverizada como no esguicho.

Eduardo: É isso mesmo, na cachoeira do Veloso, quando o sol está forte eu olho aquele

monte de gotinhas que caem lá de cima , ficam coloridas como um arco-íris.

Janaina: Quer dizer que qualquer luz que passar pela água muda de cor?

Fernando: Não, a luz do sol quando passa pelas gotinhas se divide em outras cores.

As falas de Maiara e a nova contribuição de Eduardo se encaminharam mais para a

explicação do fenômeno, explicação esta que diante da questão levantada por Janaina,

Fernando sistematizou chegando no que se constitui numa explicação adequada nesse nível

de ensino, pois não considero que no ensino fundamental se deva chegar a detalhes sobre

ângulos de incidência da luz.

Embora, neste final de atividade a discussão tenha ficado centralizada na fala de

alguns alunos, acredito que os argumentos que foram sendo colocados favoreceram o

questionamento e a avaliação das percepções que inicialmente haviam sido exteriorizados.

É possível perceber que os depoimentos vão sofrendo modificações provocadas

pelos significados compartilhados e os questionamentos trazidos com as novas informações

que foram sendo socializadas. A argumentação da Isaura: “A luz do sol muda de cor” foi

sendo enriquecida com a fala dos outros colegas como, Fernando: “A luz do sol se espalha

quando encontra a água”; Tico: “Mas a luz do sol chega até a água do mar e não se

espalha”; Maiara: “Precisa estar pulverizada, como no esguicho”, até a fala de Fernando

"(...) a luz do sol quando passa pelas gotinhas se divide em outras cores".

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69

No entanto, este encaminhamento não pode ser considerado a sistematização

definitiva, se é que se pode falar em sistematização definitiva. Certamente que, enquanto

alguns aluno avançam mais no sentido da compreensão o fenômeno arco-íris, outros da

classe talvez tenham apenas despertado para a questão nesse episódio de ensino.

*Convite aos alunos para fazerem um depoimento por escrito sobre as atividades

anteriores.

A partir desta fase das atividades em sala de aula, selecionei apenas quatro

estudantes para analisar suas manifestações neste estudo. Utilizei como critérios para

seleção o fato deles não terem faltado às aulas, enquanto as atividades estavam sendo

realizadas e, além disso, terem se mostrado bastante participativos.

Neste momento, a atividade faculta ao aluno a possibilidade de expressarem, livre

e individualmente, as possíveis explicações para os fenômenos em estudo, agora, fazendo

uso da linguagem escrita.

Escrevi a primeira e a segunda pergunta na lousa e lhes propus, oralmente, que

refletissem sobre as observações e a possibilidade de explicar os fenômenos em estudo. As

perguntas foram reproduzidas como seguem:

Primeira pergunta:

Professor: Vocês perceberam que os azulejos da piscina, os pés e o ouriço, quando

estão imersos na água, nos dão a impressão de serem maiores do que realmente são.

Constataram que a profundidade que eles aparentam estar não é a real. Notaram também,

que o cabo do aspirador parece quebrado. Como vocês explicariam esses fenômenos?

Note-se que a própria pergunta, pela maneira como foi formulada, já contém a

percepção esperada nessa fase da atividade "constataram que a profundidade que eles

aparentam estar não é a real", e mais, essa afirmação vai além da simples percepção para já

introduzir à idéia básica conceitual de profundidade, real e aparente.

Algumas respostas para a primeira pergunta:

Janaina: Sempre que colocamos alguma coisa na água e olhamos de fora, esse objeto

muda.

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70

Eduardo: Quando olhamos para os peixes dentro da água e nós estamos do lado de fora ele

aumenta. Mas se nós mergulhamos ele fica com o tamanho real.

Fernando: Os objetos mudam porque estão na água e quem olha está no ar, ou vice-versa.

Falo isso porque já mergulhei e vi as coisas que estavam no ar ficarem embaçadas e

diferentes.

Maiara: Eu pensei que o vidro do aquário, lá de casa, fizesse com que as coisas que

estão lá dentro aumentassem de tamanho, mas não é. O motivo da deformação deve ser o ar

e a água.

Nesse conjunto de respostas pode-se notar que embora solicitados a explicarem

fenômenos, os estudantes não parecem se preocupar em fornecer porquês em suas

respostas, mas o que escrevem revela generalizações dos fenômenos observados: Janaina

diz "sempre que (...)" Eduardo e Fernando dão uma condição fundamental para a ocorrência

do fenômeno, e Maiara apresenta indícios de ter mudado sua representação sobre a causa

dos fenômenos observados, possivelmente influenciada pelas falas dos colegas.

Nas quatro falas desses estudantes, ao responderem à primeira pergunta, é possível

entender em Janaina; Eduardo; Fernando e Maiara que a ocorrência do fenômeno está

ligada à necessidade de meios diferentes para observador e corpo observado, eles

manifestam essa condição embora numa linguagem não formal. Também é marcante a

exteriorização do olhar categorizado ligado a situações já vividas, Fernando “Já mergulhei

e vi”; Maiara “Já pensei”.

No depoimento da Janaina a utilização da palavra “sempre” revela a generalização

que também ocorre com o Eduardo, quando usa como argumento a situação já vivida ao

mergulhar.

Também, o Fernando usou como argumentação uma situação de mergulho

anteriormente vivida.

A Maiara elaborou de outro modo, e além de relacionar os fenômenos em estudo

com situações anteriormente vividas, parece ter tentado a explicação para a ocorrência dos

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71

fenômenos em estudo, ao escrever: "O motivo20 da deformação deve ser o ar e a água", mas

como os outros estudantes, não relaciona a luz aos fenômenos observados.

Na segunda pergunta fiz uso de algumas colocações feitas pelos estudantes e da

síntese dos aspectos mais importantes vistos por eles, na tentativa de, agora por escrito,

buscar suas idéias prévias sobre a dispersão da luz.

Segunda pergunta:

Professor: Vocês estão convencidos que a luz do sol é branca e que para se obter o arco-íris

é necessário o sol e a água. Esta opinião ficou clara quando tentamos reproduzir um arco-

íris com o esguicho da mangueira. Porém, o que não ficou bem compreendido, por todos,

foi o seguinte: - Se a luz do sol é branca até que atinja a água, o que ocorre com ela ao

atravessar essas gotas de água, fazendo com que surjam outras cores?

Também esta pergunta contém informações necessárias para a resposta ao que é

efetivamente perguntado. Dizendo "Vocês estão convencidos", como professor, eu estava

recapitulando algumas falas dos estudantes ou tentando convencê-los de que eles estavam

convencidos? Afinal não existe na mediação do professor sempre alguma tentativa de

convencimento? Acredito, ao rever agora a pergunta formulada que a sua formulação já

retém o encaminhamento da sistematização prevista para uma outra etapa do trabalho?

Respostas, para a segunda pergunta, fornecidas por quatro estudantes:

Fernando: A única explicação para isso é a luz do sol.

Maiara: É possível que as cores estejam misturadas, porque na marina tem uma biruta e ao

lado um papa-vento pintado com várias cores. Quando o vento está forte ele gira com

velocidade e as cores se misturam, ficando mais ou menos cinza claro. Quando o vento

diminui, as outras cores voltam a aparecer.

Janaina: Eu acho que a luz do sol quando atinge a água se reflete e provoca uma

ilusão de óptica, que funciona como uma miragem. Agente21 anda, anda e nunca alcança e

depois de um certo tempo desaparece.

20 Grifo meu.21 Redação do aluno.

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72

Eduardo: Nós já fizemos, com a professora de Educação Artística, um disco com todas as

cores, fixamos num bambu e colocamos para girar. Quanto maior a velocidade menos se

viam as cores, ficando apenas o branco. Com o sol e a chuva deve acontecer a mesma coisa

porque o arco-íris aparece e desaparece, como o disco quando gira.

A Maiara e o Eduardo remetem suas falas ao mesmo esquema explicativo,

buscando fundamentação de um “modelo” em experiências diferentes. Enquanto a Maiara

aponta a existência de uma mistura de cores que formam o branco, notada num objeto do

seu cotidiano, o Eduardo se volta para uma experiência escolar, relata o disco de Newton

construído noutra disciplina.

Já o Fernando parece ter regredido em relação a sua fala no pátio do colégio,

quando disse que "A luz do sol se espalha quando encontra a água", ou, simplesmente

considerou já ter dito tudo e, portanto, não precisava acrescentar mais nada.

Nestes últimos depoimentos, parece que os alunos elaboraram seus argumentos

baseados numa bagagem de vida, anteriormente construída, no sentido de buscar soluções

para os fenômenos em estudo. A Janaina, diante da solicitação de explicação, busca-a na

comparação com um fenômeno também considerado por ela como estranho. O arco-íris, em

discussão e a reflexão total, fenômeno chamado, pela aluna, de miragem. Embora sendo

fenômenos diferentes, foram por ela associados e relacionados à luz, numa indicação de

algum tipo de compreensão, provavelmente ligada ao seu cotidiano, no qual se deteve a

observar fenômenos como a "miragem".

A associação feita por essa aluna é um indício de que as explicações para

fenômenos isolados sem a exploração das vivências dos estudantes, podem deixar lacunas

sérias na formação conceitual sobre os temas em estudo.

Quando ao formular a questão disse "Se a luz do sol é branca até que atinja a água,

o que ocorre com ela ao atravessar assas gotas de água, fazendo com que surjam outras

cores?" teria, certamente me satisfeito com respostas do tipo "se espalha", e reconheço que

estava tentando induzir essa resposta. Mas o que efetivamente teria conhecido sobre as

idéias primeiras dos estudantes se essa tivesse sido a resposta? Isto teria significado que

eles teriam compreendido e poderiam explicar o fenômeno sabendo diferencia-lo de outros

fenômenos? Aparentemente não.

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73

Estes depoimentos, feitos pelos alunos, influenciaram as ações pedagógicas das

outras etapas do estudo, nas quais esteve presente o entendimento de que o aluno deve ser

visto como um ser social, com todas as suas participações nas diferentes atividades que

desenvolve, alguém que aprende e ensina no convívio com outros colegas, professores e

pessoas que fazem parte do seu mundo.

As interações sócio-culturais são significativos mediadores no processo de

aprendizagem, facultando ao estudante expressar de forma organizada, ou não, as suas

informações que o professor pode utilizar em mediações procurando o encaminhamento

para o saber científico.

Em alguns depoimentos os alunos citaram situações já vividas e tentaram

relaciona-las com as situações que estavam sendo colocadas como objeto de estudo. De

certa forma eles recorrem a bagagem de informações que foi construída na sua história de

vida e da qual eles se valeram, aparentemente, na tentativa de buscar soluções para novos

problemas. É preciso que se dê a eles a oportunidade de revelarem essas informações e

também, como foram sendo construídos seus conhecimentos, com o passar do tempo, ainda

que se queira considerar esses conhecimentos como “primeiros”. Esses conhecimentos são

importantes para que se possa caminhar no sentido de mediações que contribuam para a

elaboração do conhecimento.

Acredito que esta primeira etapa foi mais que um processo de captação das idéias

prévias do aluno. As ações desenvolvidas geraram situações que aparentemente lhe

possibilitaram a oportunidade de, através da fala de seus colegas e do professor, acessar

outras informações, de fazer comparações sobre essas falas e refletir sobre elas.

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74

SEGUNDA ETAPA

Na segunda etapa da atividade, citada como: "A experimentação realizada no

laboratório, na busca de informações no sentido de, inclusive, estabelecer comparações

entre o fenômeno e a forma de representá-lo", realizei os procedimentos que passo a

descrever.

O local utilizado foi a sala de laboratório, onde, embora, o espaço físico seja

razoável, no sentido de acomodar os alunos, a possibilidade de conseguir instrumental para

realizar as atividades práticas é precária. Dessa forma, foram utilizados os materiais em

disponibilidade, tanto para alunos como para o professor. Esses materiais foram assim

relacionados:

1ª atividade: (moeda e copo com água).

2ª atividade: (lápis e copo com água).

3ª atividade: (ponteira de raio laser e vasilha de vidro com água).

4ª atividade: (cuba prismática com água e colimador).

Com a tentativa de similar em laboratório os fenômenos que já haviam sido objeto

de estudo na etapa anterior, procurei agir no sentido de estimular os alunos a obterem

informações, analisá-las e estabelecerem possíveis comparações entre os fenômenos e as

suas representações, na medida do possível em linguagem científica.

*Os alunos trabalham no laboratório.

Inicialmente, os alunos formaram oito grupos, ocupando as quatro mesas

disponíveis, onde foram realizadas, em momentos diferentes, as quatro atividades que são

descritas a seguir.

1ªatividade) Solicitei aos alunos que colocassem uma moeda no fundo de um

recipiente opaco, inicialmente sem água. O aluno deveria colocar os olhos num ângulo de

visão que praticamente não fosse possível ver a moeda. A medida que o recipiente foi

recebendo água, passou a ser possível enxergar a moeda.

2ªatividade) Num recipiente de vidro transparente, neste caso foi utilizado um

copo, parcialmente com água, foi introduzido um lápis, ficando parte dele submerso. Aqui,

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75

o meu objetivo era tentar reproduzir o fenômeno já observado com o cabo do aspirador da

piscina.

3ªatividade) Propus aos alunos que utilizassem um recipiente de vidro com água,

uma ponteira de raio laser e ambiente escuro. O aluno procurou fazer incidir o pincel de luz

sobre a superfície da água, considerando vários ângulos de incidência e buscando observar

o que era refletido e refratado.

4ªatividade) Foi proposto ao aluno a utilização de cuba prismática, (ou prisma de

lucite oco), cheia de água, sobre a qual deveria incidir feixe colimado22 criando-se a

possibilidade de ocorrer a dispersão da luz branca.

Na primeira e segunda atividades pedi aos alunos para que observassem a

importância da posição na qual eram colocados os olhos em relação ao objeto observado. A

simplicidade dos instrumentos usados e a curiosidade favoreceram ações por parte dos

alunos que, por iniciativa própria, repetiram várias vezes as observações, levados pelos

detalhes e pelas dúvidas que ainda os incomodavam.

Ao meu ver, ficou evidente a facilidade com que lidaram com o instrumental.

Na terceira e quarta atividades práticas os alunos tiveram que improvisar o

escurecimento do ambiente de forma a pelo menos minimizar a claridade. Aqui, as

dificuldades surgiram em relação aos ângulos de incidência dos raios de luz. No caso da

posição do colimador em relação à cuba, fizeram várias tentativas até atingirem o objetivo.

*Após as atividades de laboratório os alunos foram convidados a fazer alguns

depoimentos.

Com o intuito de facultar ao aluno a oportunidade de refletir sobre os fenômenos em

estudo, elaborar possíveis explicações e expressa- las, valendo-se da linguagem escrita, fiz

uso da lousa, onde escrevi uma pergunta, que será reproduzida a seguir. Oralmente, propus

a elaboração da resposta, na qual, insisti para que fossem levadas em conta as atividades

realizadas no laboratório e aquelas realizadas na piscina, no mar e no pátio da escola.

22 O colimador existente no laboratório é uma pequena caixa com uma pilha de 1,5 V e uma lâmpada, comuma fenda que permite a observação de um pincel fino de luz.

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76

Professor: Procure lembrar com detalhes as observações que você fez na piscina, no pátio

da escola e no laboratório. É possível relacionar os fenômenos ocorridos no laboratório com

aqueles da piscina e do pátio? Descreva algumas das suas observações e tente fazer uma

relação entre elas.

Os depoimentos feitos revelaram que praticamente todos os alunos parecem

relacionar o estudo feito no pátio da escola, sobre a formação do arco-íris e o estudo feito

com a luz incidindo sobre a cuba prismática, como ocorre nestes exemplos, em que

considerei os quatro alunos cuja trajetória nessa unidade de ensino venho acompanhando

preferencialmente neste estudo, embora, em algumas situações, comente falas da classe

com um todo.

Eduardo: "A separação de luz do sol aconteceu com a água da chuva e no laboratório a luz

se separou com a cuba".

Janaina: "Nós podemos fazer no laboratório um arco-íris com a luz artificial e a cuba."

Fernando: "A luz passa pela cuba e se separa em outras, como o sol e a chuva."

Maiara: "A luz passou pela cuba e se separou em outras. No arco-íris fica igual só que a

luz do sol passa pelas gotas de chuva."

O Eduardo parece atribuir o papel de separação da luz, no primeiro caso, à água da

chuva e no segundo à cuba, enquanto que a Janaina deixa subentendido certo

contentamento pelo fato de ter nas mãos a possibilidade de produzir o arco-íris. E,

manifesta uma tentativa de classificação do tipo de luz considerando que a luz que sai do

colimador é "artificial".

Registrei, também que quase todos os alunos conseguiram estabelecer as

semelhanças entre os fenômenos ocorridos com o cabo do aspirador da piscina e com o do

lápis parcialmente imerso no copo com água, como é possível identificar a seguir:

Janaina: " O lápis no copo parece o aspirador na piscina."

Maiara: " O lápis parece quebrado como o cabo do aspirador."

Eduardo: " Se a gente olha de fora o cabo do aspirador da piscina fica parecido com o lápis

do copo."

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77

Fernando: " Depende da posição da gente para ver o lápis quebrado no copo e o cabo da

piscina."

Tanto o Eduardo, ao escrever "Se a gente olha de fora (...)" como o Fernando

"Depende da posição da gente (...)" formulam a resposta, aparentemente, chamando a

atenção para uma condição necessária para ocorrência do fenômeno.

Também foi possível identificar que metade do número de alunos, aparentemente,

conseguiu citar algumas relações entre os fenômenos ocorridos com os pés mergulhados na

piscina, o ouriço e o peixe dentro e fora da água e com a moeda no recipiente, inicialmente

seco e depois com água, como ocorre nestas respostas:

Janaina: " Sem água a moeda fica no lugar certo como o ouriço no mar".

Eduardo: " Nós precisamos olhar na posição certa para ver a moeda no copo com água, no

mar também é assim".

Fernando: " O pé da gente na piscina ficou como a moeda no copo mas precisa procurar a

posição melhor".

Maiara: " Se olhar de cima a moeda no copo parece mais alta como o nosso peixe no mar.

Isso é por causa do ângulo".

Embora esses trechos das respostas não permitam que se note na fala dos estudantes

qualquer relação entre os fenômenos e a luz, há nelas indícios de compreensão de

condições que interferem na visão dos fenômenos vistos no mar, piscina e laboratório, mas

estas não são necessariamente as condições mais importantes.

Enquanto a Janaina organizou a resposta aparentemente realçando a importância da

água para que o fenômeno possa ocorrer, resta no entanto a dúvida se ela teria tido

consciência de que estava olhando de fora da água; o Eduardo e o Fernando tentam

incorporar à resposta uma condição ao dizerem "(...) mas precisa procurar a posição

melhor" e "Nós precisamos procurar na posição certa (...)". Já a Maiara formulou sua

resposta usando o termo ângulo como uma aparente tentativa de explicação para o

fenômeno.

Para esses três alunos a posição (ângulo) da qual se olha ficou aparentemente sendo

a condição mais importante para que o fenômeno (refração) ocorra; provavelmente isso se

Page 86: Barreto

78

deve a própria maneira como a atividade com a moeda foi organizada - a partir de indicação

frequentemente encontrada em livros didáticos; ao pedir ao aluno para fixarem a posição,

falar em ângulo e ao mesmo tempo solicitar que refletissem sobre o assunto,

provavelmente, de forma involuntária, forneci-lhes indícios de que o ângulo era importante.

Assim, pude notar que eles relacionaram os fenômenos que ocorreram no laboratório com

os da piscina e do mar, mas quanto às explicações - meios diferentes, visão aparente,

ângulos do qual se observa o objeto - a simulação dos fenômenos no laboratório não parece

ter tido maior contribuição para a sua compreensão do que os fenômenos observados no

cotidiano. A própria possibilidade de simulação dos fenômenos, no entanto, parece ter tido

grande influência na disponibilidade para que refletissem sobre o assunto. Também pude

notar a grande influência das mediações do professor nas falas dos estudantes.

Continuando com os registros dos alunos, notei que apenas quatro deles registraram

a relação do arco-íris com os fenômenos luminosos, ocorridos com os pincéis de luz

refletidos e refratados, e os que ocorreram na vasilha de vidro com água. Aqui, nas falas do

Eduardo, Fernando e Maiara considero a ocorrência de alguns traços de formalização das

informações, deixando-me, no entanto, a impressão deles já terem obtido informações sobre

o assunto, o que pode ter ocorrido antes do início do trabalho com a unidade ou após o

início da mesma, talvez consultando livros didáticos ou se informando com outras pessoas.

Como só pude analisar o material, escrito pelos alunos, após o término do curso, não pude

entrevistá-los para tentar identificar as fontes dessas informações.

Janaina: "Eu sei que a luz se desvia para se separar por isso acontece o arco-íris."

Eduardo: "A luz chega e uma parte se reflete, a outra atravessa a água dependendo do

ângulo da luz."

Fernando: "A vasilha com água funciona igual a gota de água, uma parte atravessa e

desvia."

Maiara: "Cada posição tem um ângulo para o raio da luz atravessar a água da vasilha. A

outra parte reflete e faz outro ângulo. O ângulo divide as cores."

Desses alunos dois conseguiram formular respostas onde, em certo trecho, pode-se

supor a ocorrência da relação do ouriço e do peixe com os pincéis de luz refletidos e

refratados, nestes casos entendo que há o avanço no sentido da formalização dos

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79

conhecimentos, onde os depoimentos parecem destacar a falsa visão projetada sobre os

objetos devido aos desvios sofridos pelos pincéis de luz .

Fernando: "A posição dos olhos muda o lugar das coisas quando elas estão na água. Parece

que a moeda e o ouriço subiram. Isso é a luz que desvia uma parte e a outra reflete".

Maiara: "A gente mexe a cabeça para cima e para baixo e a moeda e o peixe também parece

que mudam. É por causa do raio de luz que desvia e o resto reflete".

Ainda que essas respostas não sejam explicações completas dos fenômenos

observados, indicam a relação do fenômeno com a luz, e na resposta do Fernando há,

inclusive, a referência explícita ao meio. Um outro aspecto é que a informação que detém

faz referência à reflexão e refração, ou seja, os dois fenômenos pensados simultaneamente,

o que é interessante, mesmo sabendo-se que a parte do pincel de luz refletida não é

responsável pelos fenômenos em questão.

O trabalho simultâneo com fenômenos relacionados a propriedades diferentes da

luz, diferente do que ocorre usualmente, quando um fenômeno é estudado totalmente

separado do outro, torna, a meu ver, o conhecimento formalizado mais próximo do que

ocorre efetivamente com a luz na natureza.

Numa tentativa de síntese sobre a segunda etapa, acredito que ela tenha permitido o

exercício de ações que estimularam nos alunos o desenvolvimento de habilidades e de mais

reflexão o que foi favorecido pelo contato deles com o instrumental, pelo ensaiar o seu

manuseio, pelo compartilhar, principalmente, no sentido de buscar novas alternativas e

soluções para o encaminhamento e estruturação de possíveis construções de conhecimento.

As atividades em grupo favoreceram não só o compartilhar de conhecimento e

opiniões entre os colegas, como também revelaram alguns traços de independência deles

em relação ao professor, durante as improvisações ocorridas com o manuseio do

instrumental.

Mas essa atividade também mostrou o quanto as mediações do professor

influenciam os estudantes e não necessariamente dentro da linearidade com que as

atividades são planejadas.

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80

TERCEIRA ETAPA

Esta etapa, mencionada como "Sistematização e aplicação dos conhecimentos

sistematizados" teve o seguinte desenvolvimento:

Aqui, os alunos utilizaram quatro aulas para desenvolver o estudo de quatro

textos23, sendo as duas primeiras aulas destinadas aos seguintes textos: 1) “O enigma da

cor”, p. 84,85 do livro A evolução da Física de Einstein- Infeld24; 2) “Fibras Ópticas”

adaptado da revista Super Interessante25, Ano 10; n° 11, (1996), complementado com

"Encurvando a Luz" p. 230 do livro Física (Termologia, Óptica e Ondulatória) de Paraná,

D.N.S.(1998)26. Após esse estudo, foram convidados a redigir dois depoimentos, sugeridos

pelo professor. Nas duas aulas restantes eles tiveram acesso aos seguintes textos: 3) “Vidros

e energia solar” p. 8;9 da revista Ciência Hoje27, Vol. 7; nº 42, (1988): 4)Adaptação do

texto “Sol e vento em alta tensão” revista Super Interessante28, p. 68 à 71; ano 6; nº 1,

(1992). Após este estudo, os alunos também redigiram dois textos sobre os temas

abordados.

Nas duas primeiras aulas o aluno pode estudar três textos, um deles escrito pelas

mãos de um grande cientista, o outro pelas de um jornalista e o terceiro por um autor de

livro didático. Embora os textos estejam se referindo a temas relacionados com a luz, as

abordagens têm preocupações diferentes, no que se refere ao leitor alvo. Não foi objetivo

desta estratégia aferir maior ou menor identificação do aluno com este ou aquele texto e

sim possibilitar a ele o acesso a três abordagens com características diferentes de

linguagem.

O texto "O enigma da cor" trata do fenômeno ocorrido com a luz do sol ao passar

pelas gotículas de água, e também por um prisma. O texto "Fibras ópticas" faz abordagem

sobre o avanço tecnológico que a fibra óptica representa em alguns campos da atividade

humana. O texto "Encurvando a luz" procura descrever as sucessivas reflexões ocorridas

com a luz ao passar pela fibra óptica. Avaliei, ao planejar a atividade, que os três textos, de 23 Os textos utilizados podem ser encontrados nos anexos.

24 Veja Anexo 125 Veja Anexo 2 e 3.26 Veja Anexo 4.27 Veja Anexo 5 e 6.

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81

forma complementar, trariam a possibilidade dos alunos acessarem informações, no sentido

de retomar os estudos feitos nas etapas anteriores e refletir sobre eles. Com a ação pretendi

contribuir com o processo de sistematização.

Em posse dos textos29, pedi aos alunos que se agrupassem em duplas, livremente

escolhidas por eles, fizessem as leituras, e em posse das informações obtidas nos textos e

recorrendo aos estudos feitos nas etapas anteriores, discutissem e avaliassem com o colega

do grupo essas informações. Finalmente foram convidados a redigir, individualmente, um

texto exteriorizando o seu aprendizado sobre o conteúdo estudado.

Ao facultar o acesso dos alunos às informações trazidas pelos textos, utilizando

como estratégia a formação de pequenos grupos, neste caso duplas, o que tinha como

objetivo era gerar discussões, favorecer os espaços interativos fazendo com que as

diferenças aflorassem e produzissem a busca de alternativas.

Esta atividade desenvolvida em dupla também visou estimular, no aluno,

comportamento no sentido de avaliar as informações e organizá-las na busca de possível

internalização de conceitos científicos. Procurei interferir minimamente nas discussões

ocorridas em cada grupo na expectativa de incentivar ações menos dependentes do

professor. Pretendi, nesta etapa, que o aluno recorresse, prioritariamente, aos textos, como

fontes de informações, situação que as etapas anteriores da atividade não haviam

proporcionado.

Avalio que nesta etapa ao selecionar os textos utilizados pelos alunos e ao

formular as propostas de redação, procurei desenvolver ações que por si constituem

mediações do professor. Neste sentido, pedi aos alunos para que a produção das redações

fosse individual, entendo que também foi uma forma de orientar os estudantes no sentido

da sistematização.

Embora alguns alunos tenham reclamado do que consideraram pouco tempo para

desenvolver a atividade, pude observar que praticamente todos participaram, havendo

conversas sobre os conteúdos dos textos, não só no grupo mas, em alguns casos, entre os

grupos. Algumas duplas tentaram produzir apenas um texto, mas eu insisti para que cada

28 Veja Anexo 7.29 Foi fornecido ao aluno uma cópia de cada texto.

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82

aluno produzisse o seu texto; com isso pretendi que mesmo compartilhando conhecimentos

com os colegas, cada aluno chegasse á sua sistematização. Talvez por esse motivo,

encontrei algumas redações que pareciam se repetir.

O tema proposto para a redação foi escrito por mim, na lousa e gerou textos, dos

quais reproduzo quatro, a seguir:

Primeira proposta de redação:

Professor: Escreva um texto, cujo tema é: “Como vejo e explico o arco-íris”.

As respostas dos quatro alunos selecionados para análise:

Janaina: Um arco-íris se forma quando a luz do sol atravessa as gotas da chuva. A luz

branca é separada em sete cores diferentes, porque a refração da luz provoca isso dentro das

gotas de água. A parte de cima do arco é vermelha e a de baixo é violeta, as cores do meio

são azul, amarelo, etc.

Eduardo: Sempre que um arco-íris aparecia, eu ficava olhando para aquelas cores bonitas e

certinhas . Hoje eu sei que essas sete cores quando estão juntas, formam a luz branca como

a do sol. Nós conseguimos ver as cores separadas porque ao atravessar as gotas de água,

cada cor apresenta um desvio diferente da outra.

Fernando: Eu vejo o arco-íris como um fenômeno que acontece na natureza e o homem não

consegue controlar quando ele aparece e desaparece. No laboratório nós também

conseguimos as sete cores do arco-íris, por quanto tempo nós quisermos e assim podemos

estudar melhor a reflexão e a refração. Além disso, as cores só se separam porque têm um

ângulo de desvio diferente.

Maiara: Eu vejo o arco-íris como uma paisagem muito bonita e acho importante que

a Ciência estude as suas cores mas também gostaria que o homem usasse esses estudos para

fazer o bem e cuidar das pessoas. Minha mãe já precisou fazer tratamento e usou luzes com

cores diferentes. Para explicar o arco-íris é preciso entender que a luz do sol passa pelas

gotas de chuva e se separa em sete cores por causa da reflexão e refração.

Com a exploração dos três primeiros textos e a primeira proposta de redação, tive

como expectativa dar ao aluno condições para que ele pudesse interagir com as

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83

informações trazidas pelos textos, e ainda, com a produção de depoimentos escritos por

eles, obter possíveis indícios de sistematização de conhecimentos.

O olhar de admiração diante da beleza do arco-íris parece estar registrado no início

de algumas redações como ocorre com o Eduardo: "Sempre que um arco-íris aparecia, eu

ficava olhando para aquelas cores bonitas e certinhas" e a Maiara: "(...) Eu vejo o arco-íris

como uma paisagem muito bonita,(...)".

As possíveis explicações sobre a formação do arco-íris que os alunos parecem ter

buscado elaborar, chamaram a minha atenção sobre alguns aspectos. Um deles é que em

alguns trechos das respostas obtidas aqui, parecem repetir o que o aluno já havia dito na

primeira etapa da atividade, como ocorre com a Janaina: "Um arco-íris se forma quando a

luz do sol atravessa as gotas da chuva(...)". Entretanto o Eduardo escreve sobre a separação

das cores, remetendo a possibilidade dessa ocorrência aos diferentes desvios sofridos por

elas: "(...)nós conseguimos ver as corres separadas porque ao atravessar as gotas de água,

cada cor apresenta um desvio diferente da outra."

Os alunos ainda não haviam recorrido, nas etapas anteriores, a termos como

refração e reflexão da luz, no sentido de procurar elaborar explicações, segundo eles, para a

separação das cores. Isso ocorre com a Janaina: "(...) a luz branca é separada em sete cores

diferentes, porque a refração da luz provoca isso dentro das gotas de água", e com a

Maiara: "(...)a luz do sol passa pelas gotas de chuva e se separa em sete cores por causa da

reflexão e refração".

Ainda que não se refiram à dispersão, no que poderia ser considerado um equivoco

de caracterização dos fenômenos, mostram a preocupação em utilizar a terminologia nova e

descrevem o fenômeno em estudo.

Outro argumento utilizado pelos alunos como uma possível justificativa para a

separação das cores foi o ângulo de desvio ser considerado uma característica própria de

cada cor, como ocorreu com o Eduardo: "Nós conseguimos ver as corres separadas porque

ao atravessar as gotas de água, cada cor apresenta um desvio diferente da outra" e o

Fernando: "Além disso, as cores só se separam porque têm um ângulo de desvio diferente".

Aparentemente o Fernando revela um certo prazer em saber que o homem pode

reproduzir e estudar em laboratório o fenômeno ocorrido na natureza.

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84

Fernando: "No laboratório nós também conseguimos as sete cores do arco-íris, por quanto

tempo nós quisermos e assim podemos estudar melhor a reflexão e a refração".

Sob o aspecto ético a Maiara parece estar preocupada com a utilização desse

conhecimento e a sua viabilidade prática, provavelmente, remetendo a uma situação já

vivenciada. "acho importante que a Ciência estude as suas cores mas também gostaria que o

homem usasse esses estudos para fazer o bem e cuidar das pessoas. Minha mãe já precisou

fazer tratamento e usou luzes com cores diferentes".

Segunda proposta de redação:

Ainda, tendo como fonte de informação os três primeiros textos, principalmente o

que se refere a fibra óptica, fiz a segunda proposta de redação, com a qual busquei

proporcionar ao aluno condições de vir a expor possíveis conhecimentos sistematizados.

A terceira proposta de redação atende objetivos semelhantes aos da segunda mas

para responde-la o aluno fez uso dos dois textos usados nas duas últimas aulas cujos títulos

são: “Vidros e energia solar” e “Sol e vento em alta tensão”. Por esse motivo, reproduzo, na

sequência, as redações referentes à segunda e terceira proposta para posteriormente analisá-

las conjuntamente. (A referida análise encontra-se à partir da p. 95).

Professor: "O estudo sobre alguns fenômenos produzidos pela luz como a reflexão, a

refração e a decomposição nos permitem discutir sobre alguns avanços tecnológicos, entre

eles o da fibra óptica. Escreva o que você sabe sobre esse assunto".

As respostas dos quatros alunos selecionados, referentes à segunda proposta.

Fernando: A fibra óptica é um fio mais fino que um fio de cabelo e futuramente poderá

substituir os fios de metal. O mais importante é que elas podem ser usadas nas cirurgias e

ajudar a estudar o corpo humano.

Janaina: É difícil acreditar que a mesma brincadeira que nós fazemos com a luz do

sol quando reflete no espelhinho várias vezes, como zigue-zague, também acontece dentro

de um fio tão fino. Esses fios chamados de fibra óptica podem ser usados na medicina mas

também nas comunicações dentro do Brasil e com outros países.

Maiara: Dentro da fibra óptica a luz se movimenta por causa do fenômeno da

reflexão. A luz tem velocidade muito grande por isso esses fios são melhores que os fios de

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85

metal. No Brasil as telecomunicações estão sendo mudadas e as novas instalações estão

sendo feitas pelo litoral.

Eduardo: A Ciência levou muito tempo para estudar a reflexão dos raios de luz e também

para criar a fibra óptica onde a luz pudesse passar rapidamente. Agora estão gastando muito

dinheiro para instalar essas fibras no litoral do Brasil, mas não são todas as pessoas que vão

poder usar. Isso não é justo. Os hospitais como a Santa Casa de Ilhabela também não tem

nenhum aparelho com fibra óptica para ajudar os médicos e as pessoas.

Na sequência, farei o relato das atividades desenvolvidas na terceira e quarta aula,

desta etapa mas, antes de fazê-lo, utilizo este parágrafo para registrar que um dos textos

aqui utilizados, “Fibras ópticas”, reproduz, em determinado trecho, a informação

equivocada na qual uma das vantagens da fibra óptica seria a de permitir que os sinais

fossem transmitidos, em seu interior, com a velocidade de 300 (quilômetros por segundo)30.

Tenho a impressão que esse equívoco representa o raciocínio usado pela maioria das

pessoas, o que não diminui, necessariamente o valor dos alunos terem lido esse texto, pois

há outras informações importantes e a utilização de um texto científico, “absolutamente

correto”, talvez não fosse de interesse dos alunos. Mas, sob esse aspecto, talvez seja o mais

importante, perceber que o próprio professor, inserido na realidade escolar, nem sempre

tem acesso a textos atualizados.

A terceira e quarta aula, desta etapa, seguiram as mesmas estratégias das duas

primeiras. Neste caso, das duas últimas aulas, foram estudados os textos: 3) “Vidros e

energia solar”, que aborda a possibilidade de aproveitamento da energia solar fazendo uso

de lentes e espelhos. Ao descrever esse uso, discute inclusive, a ocorrência dos fenômenos

de reflexão e refração da luz. 4) “Sol e vento em alta tensão”, que relata a utilização de

coletores solares, citando Gravata-PE, como um dos exemplos onde essa utilização já

ocorre. Estes textos possibilitaram a elaboração da terceira e quarta proposta de redação que

permitiram a produção de algumas respostas, como estas:

Terceira proposta de redação:

30 Levando-se em consideração a velocidade da luz no vácuo, 300000 quilômetros por segundo e o índice derefração do vidro, 1,5, teremos a velocidade da luz, dentro da fibra óptica, a 200000 quilômetros por segundo.

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Professor: Nos textos estudados conseguimos entender que a luz do sol é um dos elementos

causadores do arco-íris. Além disso, foi possível desenvolver outros estudos sobre a

utilização dos raios solares em benefício do homem. O que você pode escrever sobre esse

assunto?

Respostas dos alunos selecionados, para a terceira proposta:

Janaina: Os raios do sol podem ser aproveitados para aquecer ou produzir

eletricidade. Nos casas, nas indústrias e em alguns veículos a energia do sol pode ser

aproveitada. Para se construir esses aparelhos podem ser usados lentes e espelhos que

fazem os raios desviarem para um ponto central. Nesse ponto podem passar água ou ar que

serão aquecidos e começam a se movimentar para ser usados.

Eduardo: Os raios do sol aquecem todos os lugares onde ele chega. Percebendo isso, o

homem quis aproveitar melhor o calor e construir alguns aparelhos para não gastar muita

eletricidade e também o petróleo, que polui o ambiente. Essa energia é barata e não polui

mas é preciso aperfeiçoar os aparelhos solares para que as pessoas possam comprar. Se as

indústrias e as fábricas substituírem o petróleo pelos fornos solares o planeta sofrerá menos.

Fernando: A luz quando chega num espelho se reflete. Se o espelho não for reto os raios

podem ser desviados só para um ponto. Assim é feito com a luz do sol, porque os raios do

sol estão todos espalhados e são desviados para um ponto que fica muito aquecido. Se na

direção desse ponto for colocado um encanamento de água ela poderá ser usada de várias

formas. Por exemplo para economizar a eletricidade usada no chuveiro.

Maiara: Eu já sabia que as lentes faziam um pedaço de papel pegar fogo. Mas agora eu sei

que quando os raios do sol passam pela lente sofrem refração e se juntam e por isso

conseguem aquecer mais. Os espelhos também podem ser aproveitados porque podem

refletir os raios de luz. Se o espelho for curvo a luz pode ser refletida para a mesma direção.

Por isso os espelhos e as lentes podem ser usadas para fabricar coletores solares.

A segunda e a terceira proposta para redação de texto, feitas pelo professor,

também tiveram a preocupação com a estruturação dos conhecimentos formais, mas

objetivaram principalmente o reconhecimento da aplicação desses conhecimentos

supostamente sistematizados. Nesse sentido busquei registros deixados pelos alunos,

indícios da relação, feita por eles, entre a estrutura e funcionamento da fibra óptica e os

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87

fenômenos ópticos estudados. Também tive a preocupação de buscar indícios da relação,

feita por eles, entre o aproveitamento da energia solar e os fenômenos ópticos em estudo.

Nesse sentido, destaco alguns trechos das redações produzidas pelos alunos:

Fernando: "A fibra óptica é um fio mais fino que um fio de cabelo e futuramente poderá

substituir os fios de metal".

Janaina: "É difícil acreditar que a mesma brincadeira que nós fazemos com a luz do sol

quando reflete no espelhinho várias vezes, como zigue-zague, também acontece dentro de

um fio tão fino".

O Fernando aparentemente se ateve mais aos aspectos da utilização da fibra óptica,

projetando para o futuro a substituição dos fios de metal pela fibra óptica, embora, o texto

relate que já se iniciou essa substituição.

Ainda que usando expressões como zigue-zague (também encontrada num dos

textos usados para leitura), a Janaina escreve sobre a reflexão da luz do sol ao atingir o

espelho, aparentemente, consegue imaginá-la de forma semelhante na fibra óptica. Nessa

circunstância e, dado o nível dos alunos, considero que não é tão importante se ela associa,

ou não, o fenômeno com a refração e consequentemente com a reflexão total. Mesmo não

tendo atingido o conhecimento da Física, ao qual com maior números de aulas, talvez se

pudesse ter alcançado. O que ela adquiriu com a leitura parece ter sido um grande avanço

em relação a simples memorizações de livros didáticos. Também, na colocação da Maiara,

a seguir, foi mencionado o fenômeno da reflexão e da velocidade da luz. Embora seja

possível entender que parte dessas redações reproduzem os textos lidos pelos alunos,

também há indícios de sistematização de conhecimentos.

Maiara: "Dentro da fibra óptica a luz se movimenta por causa do fenômeno da reflexão. A

luz tem velocidade muito grande por isso esses fios são melhores que os fios de metal".

Embora, segundo minhas expectativas, a propriedade a ser destacada fosse a

frequência e não a velocidade, isso não diminui o valor das respostas dos alunos, que

apenas evidencia que não se pode esperar nesse nível que todos os conceitos estejam

absolutamente corretos, de acordo com o conhecimento científico. É possível que esta seja

uma iniciação ao mundo científico tecnológico.

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88

Eduardo: "A Ciência levou muito tempo para estudar a reflexão dos raios de luz e também

para criar a fibra óptica onde a luz pudesse passar rapidamente".

Quando se referiram aos coletores solares, percebi que alguns alunos reproduziram,

em determinados trechos da redação, o texto anteriormente lido mas parecem encaminhar

um olhar prático para os fenômenos relacionados à luz, em particular com a utilização de

lentes e espelhos. Acredito que isso tenha se esboçado nas falas de Janaina, Fernando e

Maiara, destacados a seguir:

Janaina: "Para se construir esses aparelhos podem ser usados lentes e espelhos que fazem

os raios desviarem para um ponto central. Nesse ponto podem passar água ou ar que serão

aquecidos e começam a se movimentar para ser usados".

Fernando: "A luz quando chega num espelho se reflete. Se o espelho não for reto os raios

podem ser desviados só para um ponto. Assim é feito com a luz do sol, porque os raios do

sol estão todos espalhados e são desviados para um ponto que fica muito aquecido".

Maiara: "Eu já sabia que as lentes faziam um pedaço de papel pegar fogo. Mas agora eu sei

que quando os raios do sol passam pela lente sofrem refração e se juntam e por isso

conseguem aquecer mais".

A respeito da aplicação dos conhecimentos e das possíveis utilizações desses

avanços tecnológicos, as suas respostas parecem estar carregadas de preocupações com os

danos que possam causar à natureza e com o bem estar do ser humano, como possivelmente

tenha ocorrido nos trechos seguintes:

Fernando: "O mais importante é que elas podem ser usadas nas cirurgias e ajudar a estudar

o corpo humano".

Janaina: "Esses fios chamados de fibra óptica podem ser usados na medicina mas também

nas comunicações dentro do Brasil e com outros países".

Maiara: "Os raios do sol podem ser aproveitados para aquecer ou produzir eletricidade. Nas

casas, nas indústrias e em alguns veículos a energia do sol pode ser aproveitada".

Supondo que o Eduardo, tenha preocupações semelhantes aquelas da Janaina e

Maiara mas formulou sua resposta, conforme pude entender, fazendo comparações entre o

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89

uso de diferentes tipos de energia e algumas implicações do seu uso e dos possíveis danos

que venha causar.

Eduardo: "Os raios do sol aquecem todos os lugares onde ele chega. Percebendo isso, o

homem quis aproveitar melhor o calor e construir alguns aparelhos para não gastar muita

eletricidade e também o petróleo, que polui o ambiente. Essa energia é barata e não polui

mas é preciso aperfeiçoar os aparelhos solares para que as pessoas possam comprar. Se as

indústrias e as fábricas substituírem o petróleo pelos fornos solares o planeta sofrerá

menos".

A medida que fui desenvolvendo a leitura e a análise destas respostas, tive o olhar

voltado, inclusive, para a diversidade das redações dos alunos o que de certa forma, parece

ser indício da riqueza de possibilidades que a leitura permite, ao trazer a tona interesses e

possíveis conhecimentos anteriores dos estudantes.

Quarta proposta de redação:

Como já foi colocado anteriormente, a terceira e quarta proposta de redação foram

feitas por escrito, na lousa, durante a terceira e quarta aula, nas quais os alunos tiveram a

oportunidade de estudar em grupo, (no caso duplas), os textos: “Vidros e Energia Solar” e

“Sol e Vento em Alta Tensão”. Durante o estudo dos textos os alunos conversaram com o

colega do grupo e em alguns casos, com colegas de outro grupo. As minhas intervenções

foram no sentido de estimular os estudantes a construírem as redações, baseados nas

informações obtidas durante o desenvolvimento das etapas anteriores desta unidade de

estudo, e naquelas trazidas pelos textos, inclusive, buscando relacionar essas informações

com o dia-a-dia por eles vivido.

Professor: Descreva para uma pessoa que não conhece Ilhabela, quais as formas de energia

mais consumidas por esta população e como estas formas de energia chegam à Ilha. Com as

informações obtidas nos textos, escreva também, se estas são as melhores alternativas para

esta cidade.

Respostas dos alunos, selecionados para análise, referentes à quarta proposta.

Passo a reproduzir integralmente as respostas dos alunos, para em seguida me deter

em analisá-las.

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Janaina: As energias mais usadas na Ilha são a elétrica e a do petróleo. A energia

elétrica vem de São Sebastião pelo cabo submarino e o petróleo vem na balsa pelos

caminhões pipa. Se as pessoas usassem mais coletores solares economizariam eletricidade e

não seria necessário construir novas represas e hidroelétricas que estragam muito o

ambiente. Eu também não sei porque as fábricas não fazem aqueles carros com baterias que

usam a luz solar, assim substituiriam a gasolina e evitariam a poluição.

Eduardo: No passado, Ilhabela já teve gerador elétrico na cachoeira da Água Branca e na

Vila mas hoje eles não funcionam mais, por esse motivo a energia elétrica vem pelos cabos

submarinos, de fora da Ilha. Seria bom que os estudos sobre a luz ajudassem a melhorar os

coletores solares para substituir outras energias que poluem. Mas é preciso ter cuidado com

as pessoas que vão ficar sem emprego se as refinarias e os postos de gasolina forem

fechando. Essas pesquisas sobre a luz também precisam servir para ensinar as pessoas a

trabalhar com isso.

Fernando: As pessoas que vivem atrás da Ilha poderiam mudar de vida se esses coletores

que usam células para transformar a energia do sol em elétrica, fossem colocados nas suas

casas. Por exemplo, se eles tivessem as geladeiras poderiam juntar o peixe da semana toda,

para vender na cidade, sem perder nada. Infelizmente a luz do sol fica se perdendo e eles

não sabem que já existem esses aparelhos para aproveitar essa energia. Eu sei que eles não

tem dinheiro para comprar, mas a prefeitura poderia comprar e depois eles pagariam aos

poucos quando conseguissem vender mais peixes.

Maiara: A Ciência sempre arruma um jeito de fazer novas experiências para mudar a

vida do homem. Às vezes essas descobertas ajudam mas muitas vezes elas também

prejudicam as pessoas, principalmente quando a ambição não respeita o direito dos outros e

o ambiente onde nós vivemos. Eu gostei de saber que a mesma luz do sol que faz um arco-

íris tão bonito e colorido, também pode ajudar as pessoas se for aproveitada pelos coletores

que o homem inventou.

Foi minha intenção, ao elaborar a quarta proposta de redação, buscar o

reconhecimento dos olhares que o aluno projeta sobre a sua realidade imediata e

prioritariamente, estimular a necessidade dele se posicionar, ainda que teoricamente, como

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91

agente dessa realidade, inclusive, fazendo uso dos conhecimentos supostamente

sistematizados.

Aqui os alunos identificaram as principais formas de energia que movimentam a

sua cidade e segundo eles, os meios para conseguí-las, como ocorre nestes trechos:

Janaina: "As energias mais usadas na Ilha são a elétrica e a do petróleo. A energia elétrica

vem de São Sebastião pelo cabo submarino e o petróleo vem na balsa pelos caminhões

pipa."

Supondo, que o Eduardo tenha elaborado sua resposta usando como justificativa o

potencial energético que as cachoeiras de Ilhabela, segundo ele, representam. Essa

identificação parece avançar no sentido de buscar fundamentações, supostamente, em

informações da sua realidade e daquelas conseguidas durante o desenvolvimento das

atividades:

Eduardo: "No passado, Ilhabela já teve gerador elétrico na cachoeira da Água Branca e na

Vila mas hoje eles não funcionam mais, por esse motivo a energia elétrica vem pelos cabos

submarinos, de fora da Ilha."

Aparentemente, sobre as alternativas energéticas para a cidade de Ilhabela, os

alunos propõe, ainda que formalizando de diferentes formas, alternativas que possivelmente

tenham levando em consideração as informações obtidas nos textos, na economia local e na

preservação ambiental como parece ocorrer nestes trechos:

Janaina: "Se as pessoas usassem mais coletores solares economizariam eletricidade e não

seria necessário construir novas represas e hidroelétricas que estragam muito o ambiente.

...assim substituiriam a gasolina e evitariam a poluição."

Eduardo: "Seria bom que os estudos sobre a luz ajudassem a melhorar os coletores solares

para substituir outras energias que poluem."

Cabe ressaltar o olhar crítico, que algumas redações sugerem, principalmente ao

cobrar mudanças e novos posicionamentos diante das situações em questão, mas parecem

revelar sua impotência diante dos meios de viabilizar essas mudanças. Deixam a impressão

de que essas soluções estão em mãos alheias, ou fora do seu alcance, como ocorre em:

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92

Janaina: "Se as pessoas usassem mais coletores solares economizariam eletricidade.; ...Eu

também não sei porque as fábricas não fazem aqueles carros com baterias que usam a luz

solar, ..."

Eduardo: "Seria bom que os estudos sobre a luz ajudassem a melhorar os coletores solares

para substituir; ...Essas pesquisas sobre a luz também precisam servir para ensinar ..."

Fernando: "...mas a prefeitura poderia comprar e depois ..."

Maiara: "...A Ciência sempre arruma um jeito de fazer novas experiências para ..."

Segundo pude entender, alguns alunos projetam suas preocupações no aspecto

social, enfatizando o direcionamento que se dará à utilização desses conhecimentos e suas

conseqüências, como parecem revelar estes alunos:

Eduardo: "...Mas é preciso ter cuidado com as pessoas que vão ficar sem emprego se as

refinarias e os postos de gasolina forem fechando. Essas pesquisas sobre a luz também

precisam servir para ensinar as pessoas a trabalhar com isso."

Fernando: "As pessoas que vivem atrás da Ilha poderiam mudar de vida se esses coletores

que usam células para transformar a energia do sol em elétrica, fossem colocados nas suas

casas. Por exemplo, se eles tivessem as geladeiras poderiam juntar o peixe da semana toda,

para vender na cidade, sem perder nada ..."

Maiara: "A Ciência sempre arruma um jeito de fazer novas experiências para mudar a vida

do homem. As vezes essas descobertas ajudam mas muitas vezes elas também prejudicam

as pessoas, principalmente quando a ambição não respeita o direito dos outros e o ambiente

onde nós vivemos ..."

Acredito que o encaminhamento e o desenvolvimento destas atividades permitiram

valorizar os fenômenos ambientais e os fatores sócio-culturais, a atuação do professor como

mediador e agente de ações estimuladoras, no sentido de criar situações que possibilitassem

ao aluno buscar informações, interagir com elas, estabelecer comparações entre o fenômeno

e a representação do mesmo, internalizar alguns aspectos do conhecimento formal e

determinadas aplicações desse conhecimento, considerando a contextualização histórica e

sócio-cultural do aluno, ainda que alguns equívocos também tenham sido manifestados.

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93

Na busca das soluções para os problemas propostos o aluno pode revelar suas

concepções e seus "conhecimentos prévios", mediados pelos atores que fazem parte da sua

história de vida. Esses conhecimentos prévios não foram manifestados apenas na primeira

etapa, mas inclusive nas seguintes. Também, sobre a sistematização, ocorreram indícios nas

diferentes etapas, inclusive na primeira, embora, não tenha ocorrido tanto quanto se poderia

desejar. Essas revelações contribuíram com a mediação do professor, no sentido de

produzir ações que, inclusive, desencadeassem situações problema. Nesse movimento, o

aluno teve a oportunidade de entrar em contato com novas informações trazidas pelas

interações com colegas e professor e confrontá-las com suas concepções, reavaliá-las e

aparentemente, iniciar o processo de mudança conceitual.

A utilização dos textos, favoreceu as atividades em grupo, criou espaços interativos,

aflorou diferenças e produziu a busca de alternativas. Estimulou no aluno comportamento,

no sentido de lidar com as informações, organizá-las e possivelmente chegar ao processo de

sistematização de conhecimentos. E, quem sabe, estimulou também a possibilidade de

busca de novas informações pelos estudantes, se estes tiverem oportunidade de outras

leituras.

Em síntese, acredito que os conhecimentos que esta unidade de estudo sobre Luz,

desenvolvida, em onze aulas, com alunos de oitava série do ensino fundamental, com os

diferentes enfoques e atividades que foram propostos, possibilitou ações geradoras de

situações problema, com a perspectiva de estimular o aluno a buscar diferentes fontes de

informações, a caminhar na direção da elaboração de idéias e atitudes e de certa forma,

fornecer indícios da sistematização e dos conhecimentos sistematizados. Entendo que todo

esse processo não representa o que se poderia considerar como conhecimento final dos

estudantes sobre o assunto e sim, um conhecimento inacabado à espera de novas

aquisições. Nesse sentido, ainda que se considere as possíveis impropriedades e lacunas

ocorridas durante o desenvolvimento deste estudo, acredito que a forma como a unidade foi

trabalhada e o seu relato podem contribuir como subsídios na estruturação de outros

projetos pedagógicos semelhantes, objetivando criar perspectivas para que o aluno possa

caminhar no sentido da construção de significados a respeito do conhecimento científico.

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94

NAVEGAR É PRECISO.

"O grande Oceano."

... A onda que desprendes,

arco de identidade, pluma estrelada,

quando se despenhou foi só espuma,

e regressou para nascer sem consumir-se.

Pablo Neruda

Nos sucessivos momentos que ajudaram a construir este estudo, pude viver novas

situações, que se somam a tantas outras proporcionadas pelo dia-a-dia escolar, desafiadoras

e imperiosas no sentido de cobrar alternativas. Acredito que a atividade prática, como aqui

foi entendida, vem somar-se a outras estratégias que buscam a viabilização do ensino de

ciências, no âmbito escolar. Precisa ser vista, entendida e adaptada ao momento e a

realidade, que o olhar sensível, crítico e envolvido com o meio onde se desenvolve o

estudo, poderá discernir. Estar presente e inserir-se nesse contexto aumenta a possibilidade

do educador concretizar um projeto escolar culturalmente transformador, no qual,

atividades como esta possibilitam a identificação das variáveis que interferem na própria

atividade e através dessas variáveis ir construindo as etapas do desenvolvimento da mesma.

Entendo que se ampliou a possibilidade deste projeto se viabilizar na sala de aula,

na medida em que passei a considerar com ênfase, já na fase da sua elaboração, as

condições culturais, sociais, políticas e econômicas, ligadas a esta região litorânea.

Inclusive, ao priorizar aspectos de estudos e estratégias, levando em consideração as

especificidades de Ilhabela e as condições estruturais da escola, onde se desenvolveu o

projeto, do professor e do aluno. A regionalidade, especificada durante esta dissertação, ao

ser entendida como uma das condições intervenientes na elaboração deste projeto,

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contribuiu de forma a estimular determinadas ações que se viram refletidas também na

mediação do professor, ao propor atividades que possibilitaram a ocorrência de situações

problema, da procura de diferentes fontes de informação, da elaboração de idéias e atitudes,

da sistematização e da aplicação dos conhecimentos sistematizados.

Durante o desenvolvimento das diferentes etapas desta pesquisa pude perceber que

argumentações como a necessidade de um laboratório bem equipado ou com instrumental

suficiente e adequado às atividades experimentais, utilizadas como uma das estratégias para

o ensino de Ciências, em nível fundamental, precisam ser repensadas. É fato que a

convivência do professor com a realidade na qual a escola está inserida e o reconhecimento

do contexto escolar como condições relevantes para a elaboração de projetos que permitam

buscar alternativas ao laboratório instrumentalizado e adequado ao ensino escolar, pode

contribuir com a elaboração de estratégias de ação pelo professor, mas exige dele um tempo

de dedicação que vai muito além do horário destinado às aulas e as HTPC31. O

desenvolvimento do trabalho pedagógico do professor precisa ser avaliado, principalmente

por ele, mas para isso é necessário que o modelo educacional tenha dentre os seus objetivos

a valorização do professor e essa valorização implica em mudanças significativas no plano

de carreira e passa pela discussão, elaboração e implementação de leis, através das quais

sejam asseguradas condições para que o professor possa desenvolver projetos de pesquisas

ligado à sua prática pedagógica32.Acredito que o professor não precise se afastar da sala de

aula para o desenvolvimento da sua pesquisa mas necessita de tempo para compatibilizar a

sua atividade de professor, com a de estar pesquisando continuamente.

Se, por um lado, entendo que a estratégia de inserir-me no contexto escolar e

envolver-me com o cotidiano onde se desenvolveu esta pesquisa, foram posturas que

aparentemente, favoreceram e aproximam os levantamentos, análises e alternativas

propostas pela pesquisa da realidade escolar, por outro lado, estou convencido de que, por

melhores que sejam as propostas de ações pedagógicas e intenções investidas neste ou em

qualquer outro projeto, voltado para o ensino de Ciências, estas serão inócuas se, 31 O artigo 13 da Lei 836/97 estabelece que a jornada de trabalho docente de 40 horas semanais deve ser de:33 horas cumpridas com os alunos, 3 horas cumpridas na escola para realização de atividades pedagógicas e 4horas cumpridas de forma livre.

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desconsiderado for, o olhar focado nas relações da humanidade, pressionadas por este

modelo atual que gradativamente se globaliza. Não se pode perder a dimensão do social

mais amplo, no qual a escola e o modelo educacional que a engloba estão inseridos, sob

influência de fatores políticos, econômicos, ideológico e culturais, interagindo num

processo social contínuo.

Ao analisar a crise dos anos 80, Apple não a vê apenas como econômica, embora,

esta esteja ligada aos processos de acumulação de capital que se estende pelo mundo.

Evidenciando essa realidade, Apple, (1989) escreve:

"...por detrás dos problemas da educação, a respeito dos quais aimprensa tanto fala, nossas vidas cotidianas e as vidas de milhões depessoas ao redor do mundo são envolvidas numa crise econômica, umacrise que provavelmente terá duradouros efeitos culturais, políticos eeconômicos.

Ela está afetando nossas próprias idéias a respeito da escola, dotrabalho e do lazer, dos papéis sexuais, da repressão "legítima", departicipação e direitos políticos, e assim por diante. Ela está abalandoas próprias bases econômicas e culturais das vidas cotidianas de muitosde nós.

... A crise não é uma ficção. Ela pode ser vista todos os dias no trabalho,nas escolas, nas famílias, nas agências de saúde e de previdência dogoverno, em tudo à nossa volta.

... Aquilo que se tem chamado de crise fiscal do estado, tem surgido àmedida que o estado vê-se impossibilitado de manter os empregos, osprogramas e os serviços que foram conquistados pelo povo após anos deluta. Ao mesmo tempo, os recursos culturais de nossa sociedade estão setornando mais completamente comercializados à medida que a culturapopular é invadida pelo processo de mercantilização. Eles sãoprocessados, comprados e vendidos. Também eles tornam-se mais umaspecto da acumulação" (p 19-20).

As mesmas estruturas sociais que investem e viabilizam a produção científica,

limitam e dirigem a divulgação e utilização dessa produção. Com a perspectiva de manter a

sobrevivência do sistema, as rédeas politicamente engendradas, desmistificam claramente a

32 Não é meu objetivo, nesse momento, juntar argumentos que contribuam para uma discussão sobre avalidade da pesquisa na qual as ações do pesquisador e as ações do agente pesquisado são desenvolvidas pelomesmo professor.

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neutralidade científica e colocam a produção dessa atividade como qualquer outra, atrelada

ao conjunto social.

A análise das "relações sociais da educação" nos ajuda a compreender que setores

organizados (institucionalizados) de uma sociedade, quando padronizados, podem servir a

interesses que pouco ou em nada contribuem para a evolução social. A escola pode ser

vista como uma destas instituições, principalmente quando está limitada por um modelo

educacional, que como o nosso, vale-se, quase com exclusividade, de parabólicas para o

"treinamento" de professores, nesta imensa diversidade cultural e territorial, vale-se de

livros didáticos, moldados por parâmetros curriculares, não devidamente compreendidos, e

vale-se ainda, de avaliações padronizadas para os diversos graus de educação.

Os interesses que impulsionam essa padronização globalizante têm, sob a óptica

capitalista, uma argumentação de "custo benefício", na qual o investimento feito na

instituição escola deve retornar na forma de um produto moldado à manutenção do sistema

de produção vigente. Nesse sentido, a escola, tal como está estruturada, desempenha o

papel de acentuar as diferenças sociais, e descriminar, através da seleção e valorização de

determinados padrões e modelos.

A argumentação e a postura crítica a respeito desses cerceamentos, projetados sobre

a instituição escola, não se propõe a estimular ou justificar a atitude inerte de ver nela um

problema estruturalmente pré estabelecido, impedindo a sua inserção num quadro mais

abrangente de relações sociais. Ou ainda, em posse desse entendimento, deixar-se tomar

pela desilusão e desconsiderar a escola como um veículo onde há possibilidade de se

desenvolver ações alternativas.

Num primeiro instante, parece paradoxal que o entendimento mais abrangente

desse modelo educacional, buscando linhas de relações macro sociais, possa fazer aquele

educador que está com os pés limitados pela sala de aula, sentir-se impotente, ou perceber-

se envolvido pelo entendimento de que a sua ação diária é infrutífera diante das

articulações estruturais do modelo. Mas sob outra perspectiva viabiliza-se o entendimento

de que há possibilidades para se produzir alternativas e gerar resistências, com objetivos

modificadores, projetando sobre o micro social que envolve a escola, esse conhecimento.

Para tanto é preciso estar presente e saber-se presente nesse meio, envolver-se e sentir-se

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envolvido com essa realidade, evitando produzir conhecimentos e analises sobre as

relações e linguagens da escola, valendo-se do olhar de quem se contenta com a imagem

trazida por um binóculo.

Navegar esse mar da sala de aula é expor-se à insegurança e ao imprevisto que

emergem dos movimentos desordenados entre o saber e o fazer que surgem à nossa frente,

inesperadamente, exigindo o repensar diário das práticas e dos conhecimentos. Esse ir e

refluir de águas, revelam a desordem motivadora que passa a impulsionar aqueles que

optam pelo abandonar da arrogância incrustada no conhecimento seguro e definitivo, e se

permitem reconhecer a existência, no espaço educacional institucionalizado, de uma

distância crescente entre os saberes e os fazeres.

Esses desafios esperam das mãos do educador não apenas os currículos, conteúdos e

metodologias ideais, mas principalmente, uma educação cidadã, na qual o educando é

estimulado a conviver com os desafios contextualizados, valorizando aspectos éticos, a

convivência com a diversidade de idéias, a solidariedade, a prática de ações comunitárias

viabilizando o derrubar dos muros que separam a escola da escola da vida.

O educar para "o futuro" perde espaço diante das necessidades, dos conflitos e dos

medos que se exibem "no hoje" e no imediato. O conviver neste contemporâneo privilegia

os ares mutantes que se encaminham para os ambientes extra-classe, favorecendo a

formação do indivíduo. Há que se considerar a velocidade das informações e as possíveis

manipulações dos veículos que as produzem e divulgam. O acessar e lidar de forma crítica

com esse emaranhado inesgotável de dados, que absorvemos ou que de alguma forma

somos obrigados a conviver com eles, revela a necessidade de atitudes educacionais

interativas, nas quais o educando possa encontrar espaços para lidar com essas informações

soltas e transformá-las em conhecimento.

Os alunos trazem destes dias que vivemos as imagens de um contexto social que

valoriza a esperteza ao invés do saber, sentem na fala dos pais e na própria pele a aflição

crescente do desemprego, das desigualdades e das injustiças sociais que se exibem sem o

menor constrangimento, até para os menos críticos. Essa realidade favorece o desestímulo

de muitos que sem perspectivas imediatas, são fortemente tentados a buscar caminhos à

margem do socialmente aceito. A escola não pode se prestar ao papel de acentuar essas

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diferenças sociais, deve sim, criar atrativos dentro desse cotidiano imediato e projetá-lo,

ainda que seja para um futuro incerto, mas que permita fazê-lo manter vivo o ato de sonhar.

Precisa encaminhar-se na direção do fortalecer e do criar perspectivas, repensando os

desinteresses desses alunos, sendo mediadora dos seus valores mais significativos,

favorecendo o tempo e o espaço para que ele possa sentir prazer no ato de criar, na auto

confiança que se desprende do realizar, do sentir-se capaz de fazer, no revelar dos seus

olhares e dos seus padrões estéticos que a arte da vida se encarrega de esculpir.

A dinâmica social na qual estamos inseridos gera situações e necessidades onde não

cabe mais ao aluno o papel passivo de receber, assimilar e aplicar os conhecimentos

prontos que lhes são transmitidos. Esta realidade cobra dele o comportamento de quem age

e interfere com o conhecimento, levando-o a se projetar sobre as situações concretas que

estão ao seu redor, e de certa forma, revelando a força e o fascínio que a possibilidade de

realizar mudanças, no seu meio social, exerce sobre o jovem.

Viabilizar esta propositura requer do espaço escolar a possibilidade para que o aluno

possa agir aprendendo e aprender agindo, mas concomitante a isso, a ação conjunta e

continuada de educador e pesquisador, aprendendo com o ensinar e com o viver inserido no

corpo social onde se projeta essa educação. Tentar compreender a descontextualização, as

mazelas e os insucessos da escola, olhando-a e pesquisando-a à distância, ou ainda,

pinçando fragmentos do seu cotidiano é, a meu ver, lançar-se ao risco de materializar um

contexto irreal e sobre ele desenvolver estudos e projetos que independente da

fundamentação teórica, poderão juntar-se a tantos outros que o cenário da sala de aula

inviabilizou, descortinando a distância marcante entre os projetos idealizados e a realidade

escolar.

Ao encaminhar estes limitados escritos para as linhas derradeiras sinto-me

impelido a confessar que não foram poucas as vezes, durante esta viagem, nas quais escapei

do roteiro e violei a direção indicada pela bússola que prudentemente, me indicava a

direção de uma linguagem mais acadêmica. Reconheço ter vivido esses momentos em meio

a águas revoltas, bastante conflitantes mas extremamente reveladoras e gratificantes. Vejo

com muita nitidez a importância, do convívio com a academia e o respirar teórico

favorecido por ela, de forma semelhante, valorizo o longo convívio que tive com esta

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comunidade caiçara, situações que revelaram a necessidade dos ares teóricos possibilitando

o impulsionar da embarcação, mas revelaram também, o quanto é preciso se estar dentro do

barco, para poder estear e posicionar a vela, e não se perder o momento adequado de

receber e explorar intensamente esses ventos, favorecendo o manejar do leme, na busca de

roteiros que considerem as correntezas do entorno.

Valendo-me da linguagem construída e entalhada pelo cotidiano, faço como o

velho marinheiro, ao revelar, com mansidão característica, que "o conhecer o mar" se

constrói lentamente, como se fora um namoro sem pressa. Sabe ele, que as entrelinhas e o

detalhar mais íntimo só irão revelando seus meandros, sutilezas e intenções com o conviver

diário. Estas águas impregnadas pelo dia-a-dia escolar, não justificam mas influenciaram

sobremaneira o meu lápis, em direções nem sempre formais, levando-me a reconhecer a

força que esse envolvimento social teve, na estruturação deste estudo.

Neste momento, quisera eu, ter talento para lançar mão da fluência e inspiração

poética de Drummond, e assim, valer-me de uma poesia para agradecer ao leitor que se

aventurou nesta viagem. Como não posso fazê-lo, peço emprestado as suas; "Mãos".

Mãos dadas.

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei um mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

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não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista dajanela,

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente,

os homens presentes,

a vida presente.

Carlos Drummond de Andrade

Page 110: Barreto

102

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Page 116: Barreto

108

ANEXOS

Anexo I e II EINSTEIN Albert, INFELD Leopold. A evolução da Física. O

enigma da cor. 4.ed. Tradução de Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar Editores,

1980. p.84-85.

Anexo III, IV, V, VI e VII Super Interessante. Fibras Ópticas. São Paulo: Abril,

Ano 10, n.11, 1996.

Anexo VIII e IX PARANA, Djalma Nunes da Silva. Física. Termologia,

Óptica e Ondulatória. Encurvando a Luz 6.ed. São Paulo: Ática, 1998.p.230, v.2.

Anexo X, XI, XII, XIII, XIV e XV Ciência Hoje. Vidros e energia solar.

Rio de Janeiro: SBPC, v.7, n.42, 1988. p.8-9.

Anexo XVI, XVII e XVIII Super Interessante Adaptado do texto Sol e vento em

alta tensão São Paulo: Abril, ano 6, n.1, 1992. p. 68-71.

Anexo XIX e XX Questionário respondido pelos professores que

lecionavam Ciências, nas seis escolas públicas estaduais de Ilhabela.

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109

Anexo I “O enigma da cor”, p.84-85 do livro A evolução da Física de Einstein – Infeld,

(1980)

O enigma da cor

Foi novamente o gênio de Newton que explicou pela primeira vez a riqueza de cores

do mundo. Eis a descrição de uma das experiências de Newton em sua própria linguagem:

“No ano de 1666 (em que eu me ocupava da lapidação de vidros óticosde formatos outros que não o esférico) preparei um prisma triangular devidro para tentar com ele produzir os célebres fenômenos das cores. Ecom esse propósito, escureci a minha câmara fiz um pequeno furo nopostigo de minha janela para deixar entrar uma quantidade suficiente deluz do Sol e coloquei o meu prisma à sua entrada, de modo que pudesseser refratada para a parede oposta. Foi a princípio um divertimentomuito agradável ver as cores vivas e intensas assim produzidas”.

A luz do Sol é “branca”. Após atravessar um prisma, ela mostra todas as cores que

existem no mundo visível. A própria natureza produz o mesmo resultado na bonita gama de

cores do arco-íris. As tentativas de explicar esse fenômeno são antiquíssimas. A história

bíblica de que um arco-íris é a assinatura de Deus aposta em uma convenção com o homem

é, em certo sentido, uma “teoria”. Mas não explica satisfatoriamente porque o arco-íris se

repete de tempos a tempos e por que isso se dá sempre em conexão com a chuva. O

problema da cor foi pela primeira vez cientificamente atacado, tendo sua solução indicada,

no grande trabalho de Newton.

Uma das bordas do arco-íris é sempre vermelha e a outra sempre violeta. Entre

elas estão arranjadas todas as outras cores. Eis a explicação de Newton para o fenômeno:

toda cor já está presente na luz branca. Elas todas atravessam o espaço interplanetário e a

atmosfera em uníssono e dão o efeito de luz branca. A luz branca é, por assim dizer, uma

mistura de corpúsculos de tipos diferentes, pertencentes às diferentes cores. No caso da

experiência de Newton, o prisma as separa no espaço. De acordo com a teoria mecânica, a

refração resulta de forças agindo sobre as partículas de luz e originadas das partículas de

vidro. Essas forças são diferentes para corpúsculos pertencentes as cores diferentes, sendo

as mais fortes pertencentes ao violeta e as mais fracas ao vermelho. Cada uma das cores

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110

Anexo II

será, portanto, refratada, ao longo de uma trajetória diferente, sendo separadas umas das

outras quando a luz deixa o prisma. No caso de um arco-íris, as gotículas de água

desempenham o papel do prisma.

A teoria da luz como substância é agora mais complicada. Não temos agora uma

substância, mas muitas, cada uma pertencente a uma cor diferente. Se, contudo, há alguma

verdade na teoria, suas conseqüências devem concordar com a observação.

A série de cores contidas na luz branca, do Sol, conforme revelada pela

experiência de Newton, é chamada espectro do Sol, ou, com mais precisão, seu espectro

visível. A decomposição da luz branca em seus componentes, conforme aqui descrita, é

chamada dispersão da luz. As cores do espectro, separadas, poderão ser de novo misturadas

por um segundo prisma devidamente ajustado, a menos que a explicação dada seja errada.

O processo deverá ser precisamente o inverso do primeiro. Devemos obter luz branca das

cores previamente separadas. Newton mostrou por meio da experiência que é realmente

possível obter-se a cor branca de seu espectro, e o espectro da luz branca, desse modo

simples, quantas vezes se quiser. Essas experiências formaram um forte apoio à teoria

segundo a qual os corpúsculos pertencentes a cada cor se comportam como substâncias

imutáveis. Newton escreveu:

“... cores essas que não são geradas, mas apenas tornadas aparentes ao

serem separadas; pois se forem de novo misturadas e combinadas,

comporão novamente aquela cor, como faziam antes da separação. E,

pela mesma razão, as transmutações feitas pela reunião de várias cores

não são reais; pois quando os raios desiguais são novamente separados,

exibem as mesmas cores que exibiam antes de entrar na composição;

como se sabe, os pós azul e amarelo, quando finamente misturados,

parecem verdes a olho nu e, no entanto, as cores dos corpúsculos

componentes não são desse modo realmente transmutadas, mas apenas

combinadas. Porque quando vistos com um bom microscópio ainda se

mostram azuis e amarelos, intercaladamente”.

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111

Anexo III “Fibras Ópticas” adaptado da revista Super Interessante, Ano 10, n.11, (1996).

Por terra, mar e ar

A infovia ótica brasileira percorre 8500 quilômetros. Seja embaixo do chão,

suspensa em postes de luz ou no fundo do oceano.

Há quatro anos, a Embratel trabalha na instalação da rede. O primeiro trecho

interestadual, entre São Paulo e Rio, ficou pronto em 1993. Dois anos mais tarde, Belo

Horizonte entrou no circuito. Em 1997, deverá ser inaugurada a linha inteira, de Porto

Alegre a Fortaleza, que entra para Belo Horizonte e vai a Brasília e Goiânia. A rede terá

5200 quilômetros por terra, ao longo de rodovias e ferrovias, 800 quilômetros aéreos,

seguindo a fiação elétrica, e 2500 quilômetros submarinos, enterrados no fundo do mar.

Numa Segunda fase, até 1998, mais 8200 quilômetros de cabos devem chegar a

outras grandes cidades. E novos 2000 quilômetros atingirão Belém, mas só no ano 2000.

Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco, Manaus e Boa Vista ficarão de fora. Segundo avalia a

Embratel, o trafego de informações não compensa a instalação.

Cada cabo de dezoito fibras pode transmitir 622 megabites por segundo, o suficiente

para 28000 ligações telefônicas simultâneas. Isso representa uma capacidade 25 vezes

maior que a do cabo de cobre Brus, que liga o Brasil aos EUA. E essa capacidade pode ser

ainda mais alta se a potência dos equipamentos nos terminais for maior que a atual.

Há gente que acha pouco. A julgar pelo comentário do físico Hugo Fragnito, do

Projeto de Fibras Ópticas da Universidade Estadual de Campinas, esses 622 megabites por

segundo não vão dar nem para o começo. “Se levarmos em conta a demanda reprimida,

cada fibra deveria transmitir 5000 megabites por segundo”. O coordenador do Laboratório

de Sistemas integrados da Universidade de São Paulo, João Antônio Zufo, faz uma

comparação que deixa as fibras brasileiras em desvantagem: “O cabo de fibras óticas

Columbus, entre Estados Unidos e Europa, tem capacidade para 10000 magabites”.

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112

Anexo IV

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113

Anexo V

Um cabo com dezoito fibras óticas e 8500 quilômetros de extensão vai interligar

quinze capitais estaduais e Brasília, desde Porto Alegre até Fortaleza. Sua ponta norte

entrará nos cabos América 1 (de onde os sinais partirão para Venezuela, América Central e

Estados Unidos) e Columbus (que liga os Estados Unidos à Europa). A ponta sul vai se

plugar no Unisur, que chega ao Uruguai e à Argentina. Finalmente, o Brasil terá um viaduto

para entrar nas infovias mundiais. (Veja mapa na página anterior).

Não era sem tempo. O atual sistema de telecomunicações – um bolo que junta

telefonia, dados de computador, TV por assinatura e outras coisas – está saturado. Pior: sua

expansão anda atrasada e a procura por serviços não atendida é grande. Par se Ter uma

idéia, há 15 milhões de linhas telefônicas fixas no Brasil, o que significa 8,46 aparelhos por

100 habitantes. É muito pouco. A meta da Embratel para o ano 2003 é ter 40 milhões de

telefones. São Paulo tem dezessete telefones fixos por 100 habitantes enquanto Buenos

Aires tem mais de trinta. E o mais impressionante é que, lá, um telefone novo custa só 200

dólares.

A rede ótica é um alívio. Vai descongestionar o sistema, ampliando sua velocidade e

sua capacidade. O problema é que não vai trazer melhoras imediatas para o usuário comum

pois a rede de acesso – a conexão dos terminais domésticos com as centrais estaduais

interligadas (Telesp, Telerj, Temig, etc.) – ainda usará fios de cobre. Grandes usuários,

como empresas e bancos, esses, sim, sentirão melhora, pois compram linhas privadas de

alta velocidade e se conectam diretamente com as centrais.

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114

Anexo VI

Sinais levados por luz encanada.

Fibras óticas são filamentos de vidro, sílica, nylon ou silicone, de altíssima

transparência, capazes de transmitir luz a grande distância. Elas transportam sinais

elétricos, transformados em correntes pulsantes de raios laser, num pisca-pisca de milhões

de pontos de luz por segundo. Têm a metade do diâmetro de um fio de cabelo. A luz entra

por uma ponta e vai direto à outra. Nas redes de telecomunicação, a luz usada é o laser, que

pisca uma extremidade num código lido por um sensor do outro lado. Sem parar.

O que faz a invenção do físico indiano Narinder Singh Kanpany, de 1952, tão

sensacional são as vantagens que ela oferece em relação ao fio de cobre convencional. A

primeira é a ausência de interferência. Um facho de luz de uma lanterna só pára quando

encontra algo opaco no caminho. Não sofre intervenção de nada, nem mesmo no facho de

outra lanterna. Idem com a fibra ótica: o feixe de luz corre por dentro do vidro sem que

nada o detenha, até chagar ao destino final. Não importa por onde passe, seja terra, água ou

ar. Nada interfere. Já o sinal elétrico dos fios de cobre é alvejado por interferências de todo

tipo.

A segunda vantagem é a velocidade. Os sinais são transmitidos de uma ponta a

outra na velocidade da luz (300000 quilômetros por segundo).

Preço proibitivo.

A desvantagem é de ordem econômica. O preço da fibra já despencou

espetacularmente e custa, hoje, a mesma coisa que um fio de elétrico. Os equipamentos

óticos é que são caros. A conta somada da primeira e da segunda fase de construção da

Rede Nacional bate na casa de 1,1 bilhão de dólares. Alias, é em parte por isso que os

mortais comuns não tirarão proveito imediato das vantagens óticas. “O preço do sistema

não justifica o uso para a conexão de usuários e assinantes”, diz o engenheiro Benedito

Macieira, da empresa Schahin Cury, responsável pelo trecho entre Porto Seguro (BA) e

Natal (RN).

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115

Anexo VII

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116

Anexo VIII “Encurvando a Luz” p.230 do livro de Física (Termologia, Óptica e

Ondulatória) de Paraná, D.N.S. (1998).

Encurvando a luz.

A fibra óptica é um filamento alongado, de plástico ou vidro transparente. Os raios

de luz penetram por uma das extremidades do filamento e caminham sem escapar, numa

série de reflexões totais.

Em 1870, diante dos incrédulos membros da Royal Society de Londres o físico

inglês John Tyndall demonstrou que a luz podia fazer uma curva. Colocou uma lanterna

dentro de um recipiente opaco cheio de água, com um orifício num dos lados, pelo qual a

água escorria. A luz acompanhava a trajetória curva da água, como se tivesse sido dobrada.

Na verdade, a luz se propaga em ziguezague, saltando de um lado para o outro dentro do fio

de água, numa série de reflexões internas.

No entanto, a descoberta de Tyndall só começou a Ter utilidade prática oito

décadas mais tarde, em 1952, graças às pesquisas do físico indiano Narinder Singh

Kanpany, então com 25 anos. Seus experimentos o levaram à invenção da fibra óptica.

Em suas experiências empregou dois cilindros, um dentro do outro. Depois trocou

o cilindro externo por uma película de vidro. Percebeu então que, se essa película tivesse

um índice de refração muito inferior ao do cilindro, funcionaria como um espelho,

concentrando toda a luz. O truque deu certo porque, quanto maior a diferença entre os

índices de refração , menor o ângulo-limite. Com um ângulo-limite baixíssimo, toda a luz

que entrasse no cilindro seria refletida para praticamente todos os ângulos de incidência.

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117

Anexo IX

Após três anos de pesquisa, em 1955 Kanpany cunhou a expressão fibra óptica e patenteou

a invenção.

Além de melhorar extraordinariamente as telecomunicações, a fibra óptica também

é usada numa variedade de equipamentos: automóveis, mísseis, blindados, satélites, fiação

de computadores, eletrodomésticos e ainda em microeletrônica, engenharia genética,

fotografia, etc. Na medicina ela é um instrumento bastante utilizado, podendo ser

introduzida nas artérias de pessoas com problemas cardíacos, possibilitando que a

concentração de oxigênio no sangue dentro do coração seja medida.

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118

Anexo X “Vidros e energia solar” p.8-9, da revista Ciência Hoje, v.7, n.42, (1988).

Vidros e energia solar: alternativa e interação tecnológica.

As freqüentes estiagens dos rios que alimentam as hidrelétricas brasileiras e os

possíveis aumentos de custo e a escassez de combustíveis fósseis têm levedo alguns

pesquisadores a procurar fontes alternativas de energia que minimizem as dificuldades

futuras. Uma série de características vantajosas aponta a energia solar como uma das fontes

que poderá suprir as necessidades do Brasil, possuidor de grandes regiões de clima seco e

ensolarado. Além de facilmente captada, concentrada, armazenada e transportada, ela é

inesgotável por várias gerações, não poluindo o ambiente e seus custos operacionais são

reduzidos. Pode substituir a eletricidade e a combustão em sistemas de aquecimentos

domésticos e industriais, e abre um vasto campo de exploração: desde locais urbanos e

rurais, montanhas, planícies e desertos, até em navios, aviões, satélites, balões, automóveis

e motocicletas.

Os vidros são componentes essenciais de coletores solares planos, concentradores

e células solares, podendo atuar durante a coleta, seleção ou filtração das radiações

desejáveis, concentração, transporte e armazenamento dos raios solares e térmicos (figura

1). Os fornos solares permitem fundir peças ou componentes ópticos, cerâmicas avançadas,

inclusive vidros especiais, e criar novas lentes e sistemas ópticos (figura 2). A importância

deste ciclo está na possibilidade de, a partir de novos materiais, surgir uma grande

variedade de industrias de alta tecnologia.

Os coletores solares planos captam mas não concentram a luz e são usados para

aquecimento e resfriamento de edifícios, secagem de materiais e destilação solar de água.

Já os concentradores, que podem ser bi ou tridimensionais e associados com fibras ópticas,

caracterizam-se pela obtenção de temperaturas superiores às obtidas nos coletores planos.

Além de propiciar aplicações similares às das chapas planas, eles são empregados para

geração de vapor, movimentação de turbinas, fusão de sólidos, transporte de energia solar

de ambientes externos para internos, fornos solares para tratamentos de materiais, pirólise,

produção de hidrogênio por decomposição térmica da água e reações fotoquímicas. As

células solares convertem a luz em eletricidade – são fotovoltaicas -, característica que

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119

Anexo XI

possibilita a sua utilização em computadores, equipamentos de eletrônica terrestre e

espacial e nas telecomunicações.

Lentes e prismas podem concentrar, espalhar, desviar feixes ópticos e propiciar a

obtenção de altas temperaturas em cadinhos ou câmaras destinadas a fundir e moldar

pequenas peças. A captação de energia solar pode ocorrer em níveis térmicos baixos e

elevados. A coleta de uma quantidade máxima de energia em baixas concentrações

térmicas destina-se, em geral, ao aquecimento de ambientes domésticos, cozimento de

alimentos e purificação de água. Neste caso, emprega-se vidro de elevada transmitância à

radiação solar e opacidade à radiação térmica, explorando-se o “efeito estufa”. Por outro

lado, uma elevada concentração de energia é desejável para atingir altas temperaturas,

próximas das encontradas na própria fonte, como no caso dos fornos solares, que utilizam o

efeito refletor de, pelo menos, um espelho.

A concentração de energia solar exige superfícies refletoras móveis ou fixas. Para

obter-se energia bastante concentrada, devem-se escolher espelhos grandes com aberturas

amplas. O armazenamento da energia captada pode ser operado em tanques de água, leitos

de pedra e sistemas químicos (cristais, sais fundidos e gases).

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120

Anexo XII

Os materiais transparentes absorvem, em geral, pouca luz. A cor verde clara do

vidro comum é responsável pela absorção de cinco a dez por cento da luz incidente. A

substância controladora da cor e da absortância do vidro comum é o óxido de ferro. A

radiação absorvida provoca um aumento progressivo da temperatura da chapa ou bloco de

vidro, até alcançar um valor de equilíbrio, condizente com as perdas por convecção,

radiação emitida e condução através do material de sustentação.

Os espelhos para concentradores solares podem ser revestidos por uma película

metálica na face frontal (externa) ao feixe de luz incidente ou na segunda superfície

(posterior) de uma placa de vidro comum ou especial. No segundo caso, a radiação passa

através do vidro e é absorvida ou refletida por uma camada que pode estar ou não em

contato com a superfície vítrea. Para emprego como refletor, o vidro deverá ser tão

transparente quanto possível à radiação solar. Se usado como cobertura de um coletor solar,

ele deverá também ser opaco as radiações térmicas emitidas pelo corpo negro. Na

construção de grandes concentradores solares recomenda-se o vidro polido ou cristal

(float), que obtém a partir da formulação química do vidro comum.

As variedades de coletores e concentradores já desenvolvidas aparentemente não

exploram todas as possibilidades de uso de lentes e prismas, alegando-se elevadas perdas

térmicas ou de eficiência neste sistemas. Tais dispositivos podem ser revistos ou

aprimorados no caso de um país como o nosso, onde a energia solar é abundante e seu

desperdício já ocorre naturalmente pela falta de um plano de aproveitamento organizado.

O uso de lentes de vidro para concentração de radiação solar é inadequado quando

se desejam temperaturas elevadas, pois ocorrem perdas de radiação, causada pela absorção

no material da lente e pelas aberrações esféricas, além de outras de caráter óptico. É raro,

portanto, o emprego de lentes concentradoras nos fornos solares. Em virtude de peso e

custo elevados, as lentes têm um uso restrito nas aplicações de energia solar, com a exceção

das lentes de Fresnel – estas são úteis para baixo nível de concentração de energia,

principalmente as circulares. A vantagem das lentes sobre os espelhos é que elas não

exigem metalização ou revestimento protetor.

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121

Anexo XIII

As superfícies vítreas nem sempre exigem esmerilhamento e polimento para

complementar a operação primária de conformação. O acabamento pode ser obtido através

de operações secundárias, classificadas em térmicas mecânicas e químicas. Os tratamentos

térmicos incluem o uso de calor para recozimento, têmpera, corte ao fogo, selagem,

alisamento de bordas e bicos, cozimentos de lacas, esmaltes e vernizes, bem como

formação de cavidades especiais e flutuação para obtenção de vidro polido. Os tratamentos

mecânicos incluem esmerilhamento, polimento a seco, corte – atualmente em desuso – e

jateamento com areia. Os acabamentos químicos envolvem polimento com ácido – etching;

espelhação ou metalização por prateação, cobreação, aluminização ou pulverização

catódica; e recobrimento pirolítico a úmido, magnético e têmpera química.

Um forno solar consiste num sistema óptico que capta a radiação solar,

concentrando-se numa pequena cavidade, gerando calor e temperaturas muito altas. Tal

cavidade constitui o próprio forno, além de ser a menor parte de todo o equipamento. O tipo

mais simples consiste num refletor parabólico com seu eixo frontal ao sol, onde o espelho

deve seguir ou rastrear a fonte. O refletor se apóia sobre dois eixos, um polar e outro de

inclinação, e o seu movimento pode ser estabelecido por um mecanismo de relógio ou por

um servomecanismo, controlado por uma célula solar ou fotovoltaica.

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122

Anexo XIV

Os fornos solares de eixo parabólico vertical apresentam condições adequadas para

fundir materiais cerâmicos, porque esta é a geometria mais conveniente para manter os

cadinhos ou cubas verticalmente. No entanto, possuem limitações de tamanho, decorrentes

de problemas estruturais envolvidos na sustentação de grandes parabolóides nessa posição.

Uma experiência realizada na Iugoslávia com um forno solar de eixo óptico

vertical vertical obteve resultados satisfatórios na produção de 16 minerais sintéticos. O

forno foi operado num período de seis meses das 8 h às 17 h, usando amostras de 100g, que

foram homogeneizada mecanicamente durante quatro horas, postas em cadinhos de

porcelanas e fundidas oito a dez vezes. Após alguns experimentos, onde ocorreram quebras,

os cadinhos originais foram substituídos por outros de níquel, que suportam cerca de cem

testes sem deterioração. O estudo dos cristais dos minerais produzidos demonstrou que o

forno solar é um excelente equipamento para fundir misturas de óxidos, sem contaminá-los

nas temperaturas superiores. As condições de aquecimento e resfriamento podem variar de

acordo com o procedimento experimental desejado que, no entanto, é forçosamente

intermitente.

A conjugação de lentes coletoras e focalizadoras com espelhos permite montar

fornos solares multilentes e obter temperaturas da ordem de 4500 a 4700ºC. Tal concepção

abre perspectivas de contrução de fornos multifocais, possibilitando a produção em paralelo

de várias peças de pequeno porte.

O nordeste brasileiro possui condições geográficas privilegiada para o uso de

fornos solares que objetivem desenvolver a produção de materiais cerâmicos e vítreos

especiais. Por outro lado, as regiões centro-oeste, sudeste e sul podem utilizar a energia

solar com fins de aquecimento e para economia de energia elétrica ou de combustão, já que

a luz difusa em dias nublados também pode ser aproveitada.

A capacidade tecnológica já existente em industrias, universidades e centros de

tecnologia é suficiente para permitir a criação de um programa de médio prazo para a

instalação de coletores solares. No entanto, é necessário ainda desenvolver os vidros ou as

lentes para a construção de fornos solares que apresentem baixos valores de calor

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123

Anexo XV

específico e absortância ou que possam ser resfriados com eficiência. Outro desafio

consiste no aprimoramento das fibras ópticas, prismas ou dutos capazes de suportar e

transportar radiações altamente concentradas. A formulação química e os processos de

fabricação de vidros distintos do comum e suas conformações geométricas merecem uma

abordagem em separado. Por exemplo, seria oportuno introduzir também no Brasil

processo de têmpera química de vidros comuns para facilitar a produção de perfis

parabólicos para os concentradores solares.

Abraham Zakon

Escola de Química,

Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Colin Graham Rouse

Agrupamento de Tecnologia Inorgânica,

Instituto de Pesquisas Tecnológicas do

Estado de São Paulo.

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Anexo XVI Adaptado do texto “Sol e Vento em alta tensão” revista Super Interessante,

p.68-71, ano 6, n.1 (1992).

Onde as linhas não chegam.

Há dez anos, a população de Gravatá, a 80 quilômetros de Recife, PE, viu surgir

junto a cidade um curioso conjunto habitacional. Composto por apenas cinqüenta casas e

equipados com painéis e células solares, moinhos de vento e fermentadores de matéria

orgânica, seu objetivo era verificar se uma pequena comunidade pode viver sem estar

ligada à rede elétrica convencional. Este ano, batizado de Centro Latino-americano de

Tecnologia Energética, o conjunto está pronto para receber seus primeiros moradores.

Espera-se que em curto prazo eles sejam recrutados entre família carentes da região, diz

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125

Anexo XVII

Glauber Cabral, da Secretaria de Transportes, Comunicações e Energia do Estado. Cada

casa tem um painel capaz de aquecer, diariamente, 200 litros de água, usada no banho ou na

cozinha. Os painéis têm a forma de finos tanques retangulares de alumínio, e são pintados

de preto para converter o máximo de luz em calor. Os fermentadores, por sua vez, geram

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126

Anexo XVIII

gás em quantidade suficiente para cinqüenta fogões, e a iluminação virá de moinhos e das

células solares, que convertem luz diretamente em eletricidade. No total os geradores têm

potência de 5 quilowatts. Uma experiência parecida foi a instalação de células solares pela

Cesp, Centrais Elétricas de São Paulo, na isolada região do Vale do Ribeira, sul do Estado.

A idéia é fornecer energia onde há poucas linhas convencionais Em sete postos de saúde,

as vacinas ficam em refrigeradores ligados às células solares, conta o engenheiro Fernando

Almeida Prado, da Cesp. “A potência ainda é baixa, mas é útil”.

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127

Anexo XIX

QUESTIONÁRIOS PARA PROFESSORES DE CIÊNCIAS

1. Nome

2. Sexo

3. Idade Estado civil

4. Endereço

5. É licenciado?

6. É licenciado em que?

7. Local e ano em que se formou.

8. Outros cursos, (local e ano de formação).

9. Disciplinas que leciona, o número de aulas semanais e as aulas atividade.

10. Salário mensal como professor. (rede estadual)...........(rede municipal).......(redeparticular)..............

11. Qual o vínculo empregatício? Efetivo.............. ACT.......

12. Desempenha outras atividades? Quais?

13. Número médio de alunos por classe (se necessário descrimine série e curso).

14. Que condições na escola, mais dificultam o seu trabalho como professor?

15. Quais as suas contribuições, como professor, para a formação dos seus alunos?

16. Para que serve a Ciência em nossa sociedade?

17. Você acha que a Ciência deveria ter outras finalidades? Por que?

18. Quais as finalidades das disciplinas que você leciona?

19. Quais são as idéias dos seus alunos sobre Ciência, ao iniciarem o curso?

20. Durante o curso, essas idéias se modificam? Por que?

21. Que idéias sobre Ciência você gostaria que seus alunos adquirissem, no curso?

22. Em sua opinião, que idéias sobre Ciência são transmitida nos livros didáticos?

23. Que fatores contribuem para o aprendizado dos alunos na escola?

24. Que fatores mais atrapalham esse aprendizado?

25. O que você faz para avaliar seus alunos?

26. A avaliação pode contribuir para o aprendizado dos alunos? De que maneira?

Page 136: Barreto

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Anexo XX

27. Os alunos gostam das aulas da disciplina que você leciona? Por que?

28. Quais destas atividades você utiliza nas aulas? Com que finalidade?(aula expositiva,experimentação, leitura de texto, audio-visuais).

29. Sua escola tem laboratório? Quais as condições de uso?

30. As aulas experimentais podem ser realizadas fora do laboratório? Como?

31. Você relaciona a realidade de Ilhabela com o conteúdo desenvolvido em aula? Por que?

32. Na sua opinião, que condições faltam para que o professor possa desenvolver as aulasexperimentais?

33. Você gostaria de fazer algum comentário adicional?