barra de são miguel & sua gente

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Durou menos de uma semana e nessa curta estadia deu para mergulhar na vida e nas histórias de personagens maravilhosos que povoam a linda Barra de São Miguel. A viagem ocorreu há mais de dois anos, as entrevistas foram guardadas durante todo esse tempo, agora transformadas em uma pequena história de um recanto maravilhoso do Estado de Alagoas. Alguma coisa pode ter mudado nesse tempo todo, mas o mar é o mesmo, o recanto é o mesmo, os personagens vivem os mesmos dramas e as mesmas alegrias. A saudade é que é tão grande quanto a beleza daquele mar, daquela gente. O projeto gráfico também é do artista Jean Takada, design, ilustrador, diretor de Arte. As fotos são de Ana Maria Bregeiro.

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arra de São Miguel. Tão irresistivelmente linda que o sol faz questão de passar por lá todos os dias. Alguém duvida de que a Barra tenha sido criada por Deus para que Ele pudesse descansar depois das tantas maravilhas que colocou no mundo?

Para você, que eventualmente ainda não conhece a Barra de São Miguel vale notar que se trata de uma cidade do litoral Sul de Alagoas, distante

aproximadamente 35 quilômetros da capital, Maceió.Dizer que se trata de um recanto lindo e indescritível é dizer pouco. Difícil é traduzir

em palavras aquela beleza toda contida naqueles arredores, naquela barra de arrecifes que cerca a sua orla. Seu encanto é redundância.

Acolhedora, maravilha das maravilhas, o mar ali permite que qualquer mortal se anime a caminhar até a parede formada pelos recifes. Isso, quando o dia amanhece. À medida que o sol vai subindo a maré começa a chegar. E vai crescendo até que os corais fiquem quase cobertos e se transformem em uma simples e bem marcada linha no ho-rizonte. Parece até que dizem: “Hora de dormir, amanhã a gente se encontra...”.

E assim é. O que era raso ficou fundo, onde dava para andar, já não dá mais pé. É ficar brincando na água rasa perto da praia, na enorme piscina que o mar formou e esperar pela manhã do amanhã quando a areia da praia se estica e vai lá para longe. As pessoas vão poder então voltar a caminhar até os recifes, ficar cara-a-cara com o mar.

Dia após dia, semanas, meses, anos, a orla da Barra de São Miguel é sempre assim. O mar vai crescendo com o dia, até completar sua obra, chegando para cobrir tudo com um manto sagrado de águas quentes como o coração da gente.

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O mais é o que Deus manda. Areia fina e gostosa na praia. Águas cristalinas, uma verdadeira e imensa piscina natural, talvez a maior do Brasil, formada pelos tão lindos corais de arrecifes.

Meu primeiro contato com a Barra aconteceu há muitos anos. Alagoano, meu pai, que fez a sua vida no Sul, no Estado de São Paulo decidiu voltar para o seu rincão e curtir por lá a sua velhice. Foi para Palmeira dos Índios, cidade de sua nascença, que fica beirando o sertão das Alagoas. Era para lá que eu ia sempre que podia. Geralmente ficava ancorado em Maceió. Alugava um carro e corria o Estado inteiro. Ia e voltava de Palmeira dos Índios, aproveitava e passeava pelo litoral do Estado.

Tanto ia para o Norte como para o Sul, sempre beirando o mar, até que acabei co-nhecendo e me encantando com as belezas da Barra de São Miguel. E daí para frente nunca mais me ancorei em Maceió, só na Barra. Apaixonei pelo lugar, pelo calor, pelas praias, pelo arrecife, me afeiçoei por aquela gente toda, Dona Cícera, Marcos Guerra lá do Hotel Portal Duleste, Jacó das jangadas, Francisco das ostras, o grande Mário, Edinaldo, tantos personagens ali da orla tantos meninos da praia.

Este trabalho é uma homenagem a todos eles. Alguém pode dizer que eles não resu-mem a Barra. Pode ser. Mas, como diria o poeta, quem canta a sua aldeia canta o mundo. A Barra pode ser maior e até melhor que isso, menos para mim, que ali coloquei e finquei meus pés. Fiz da Barra a minha aldeia, de alguns de seus filhos os meus personagens e cantei a todos como se fosse um pedaço do meu mundo.

Deus fez bonito, lamentavelmente os homens não deram continuidade à Sua obra lá

na Barra. Não há quem não se encante com tanta beleza, mas, no entanto, quem abre bem os olhos para ver o outro lado, digamos o lado detrás da Barra vê coisas que, tanto dariam um filme lindo como mostrariam coisas tristes de fazer dó. O fim, no entanto é lindo, pois o saldo é de uma natureza exuberante e pessoas gostosas que ali vivem que fazem a graça do lugar, que dão vida à orla e à cidade, gente que vive a vida que a Barra tem.

Barra de São Miguel já foi um distrito de São Miguel dos Campos e transformou-se em município no final do século XX. Abriga perto de dez mil habitantes. Claramente tem prefeito, vereadores, servidores e funcionários públicos, como não?

A Barra é igual a centenas ou milhares de municípios em todo o país, que foram criados por forças políticas para se transformarem, eventualmente, em currais eleitorais. Noves fora a sua beleza imensa.

Vive um pouco do turismo e muito das migalhas do tal Fundo de Municípios, dinhei-ro federal que chega às vezes mensalmente, às vezes anualmente, dependendo sempre dos humores coronelísticos, ou dos interesses políticos do governo. Especialmente nas vezes quando o governo federal tenha dinheiro.

Oficialmente sua renda é pouca. Quantas moradias têm? Talvez mil talvez mais, talvez menos. Depende muito do que se possa considerar moradia. E em assim sendo e olhando bem, será que todos do lugar conseguiriam pagar IPTUs e similares? Boa pergunta.

Indústria zero, comércio pequeno, quase inexistente, tirando um bom e bem sortido supermercado. A agricultura é rica e produz muita cana. Pena que essa produção seja

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despejada numa usina em outro município próximo. Falando as outras palavras que os economistas adoram, o principal produto da região não tem valor agregado. O economês é perfeito, só que o resultado é praticamente zero.

O pior, segundo as más línguas é que usineiros não costumam pagar impostos por lá. O povo malda, não?

A encantadora orla abriga magníficas residências que geralmente pertencem a magnatas locais, ou seja, aqueles que moram na capital Maceió. Se bem que existam muitos outros donos, moradores mais distantes, gente de todo o Estado e de outras regiões brasileiras.

É garantido que muitos daqueles donos poderosos moram em Brasília, em Goiás e em outras lonjuras.

Essas mesmas más línguas garantem também que boa parte das chiquérrimas pro-priedades deixa de pagar o IPTU. Vai ver, nem pagam os outros impostos. Isto posto, qual seria a novidade?

O ensino público abrange o fundamental e vai até o colegial. Menos mal. Pior é que nem sempre têm professores disponíveis, como se verá mais adiante. A garotada que vive nas fazendas, nas grandes plantações de cana é atendida por ônibus escolar. Da mesma forma que existem ônibus que levam estudantes para cursarem o ensino superior nas Faculdades de Maceió.

Importante dizer isso. Importante também lembrar que foi lá, na Barra de São Miguel que ocorreu o célebre episódio em que os antropófagos índios Caetês, que ao tempo ocupavam o lugar, devoraram o bispo Don Pedro Fernandez Sardinha, que havia apor-tado no lugar para catequizar toda a região nos idos do século XVI.

“Quer saber de mim? Quer saber da minha vida, é? Rapaz, se um dia eu contar mi-

nha história para o carroceiro, quem vai chorar é a burra.” Essa foi a reação do caboclo Mário quando eu perguntei como era viver em Barra de São Miguel. Mário nasceu na Barra, um dos recantos mais lindos das Alagoas. Criativo o Mário. Boa cabeça, inven-tivo, lutador. Mas, e daí?

E daí, vale dizer ainda uma vez que a natureza é linda, porém a burra chora, o car-roceiro chora e chora quem tiver sensibilidade para chorar diante de tantas histórias tristes, tantos sofreres, tanto abandono, tanto desencanto e desencontro.

Já que se falou das belezas, aqui também vai se contar uma porção de histórias de gente da Barra, histórias que fazem até burra chorar.

A Barra tem gente de muita luta, mas é gente conformista e conformada. Gente amiga, solidária, gente forte, de brio, gente honesta, que se irmana, que constrói o pouco que se pode construir. Gente relegada ao abandono tentando descobrir maneiras de ganhar o seu pão em cada dia. Gente que tem mais filhos do que poderia, gente que sofre mais do que deveria. Gente, simplesmente gente, porque gente é assim mesmo em todo lugar, cada um com sua história fazendo até a burra chorar.

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encantamento de Marcos Guerra com a Barra de São Miguel começou há onze anos, por aí. É o tipo do trabalhador, do gerente, do faz-tudo, absolutamente responsável pelo muito bem cuidado e receptivo Hotel Portal Duleste, que fica na cara do mar, de frente para essa beleza de piscina e desse mundo todo

de água que vai e que vem todos os dias que já se falou. Marcos define a cidade de Barra de São Miguel como um lugar que tem todas as características de uma cidade pequena pró-xima da capital. “Ela é totalmente deficitária em termos de infraestrutura. É um recanto

com uma natureza belíssima e com personagens maravilhosos e caricatos que toda cidade pequena tem.”

O encantamento de Marcos começou quando um tio chegou por ali para curtir e passear. “Aqui não tinha nada. Literalmente nada. Só que esse meu tio era um visionário. Viu um terreno à venda e descortinou uma oportunidade de negócio. Exatamente como na história de Olinda quando o português Duarte Coelho, extasiado diante de tanta beleza disse: “Ó linda situação para construir uma cidadela.” Foi assim que começou este hotel. Meu tio viu aquele lindo espaço à venda, bem na frente da praia e fez o negócio correndo.”

Na época a Barra já contava com o Village, um bom hotel, também de frente para a orla. “Além disso, tinha algumas pousadas. A Pousada da Lua, por exemplo, é a mais antiga do lugar.” A construção do hotel Portal Duleste demorou dois anos. São 25 apartamentos, bem versáteis e com todas as condições de oferecer um bom atendimento aos hospedes. “Na verdade esse meu tio era formado em Engenharia em Maceió e tinha uma empresa de construção. Só que essa empresa ficava em Curitiba. Cansado de ir e vir para tocar a obra, pediu que eu ajudasse. Ninguém tinha nenhuma experiência no ramo. Ele prometeu e até jurou que minha missão demoraria um ano, no máximo. Pois eu já estou aqui há 11 anos...”, lembra, sorrindo.

Fora da temporada o hotel mantém seis funcionários. Marcus se sente um deles, pois fica lá o dia todo. “Na temporada e nos feriados prolongados a gente contrata pessoal avulso, diaristas. Eu nunca pensei que passaria a minha vida num lugar tão lindo e ao mesmo tempo

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tão abandonado”, lamenta-se. Marcos lembra que seu primeiro emprego foi no Exército Brasileiro. “Fiquei quatro

anos e saí terceiro sargento. Fiz faculdade de Economia e fui até funcionário público, na Legião Brasileira de Assistência, órgão já extinto”. A LBA era uma entidade criada por dona Darci Vargas com a missão de oferecer assistência às famílias dos pracinhas brasileiros que foram para a guerra. “O pessoal que foi à guerra deixou a família meio desassistida. A LBA tinha essa função cuidar dessas pessoas. Naquele tempo as primeiras damas, esposas dos presidentes da República é que tradicionalmente respondiam pela instituição. “Ao final o órgão desenvolveu um trabalho bem razoável em termos de atendimento comunitário”, lembra Marcos. “Tinha o programa do leite para as crianças, por exemplo, oferecia cursos para as mães e também chegou a funcionar como entidade de suporte financeiro e técnico para as Apaes – Associações de pais e amigos dos excepcionais”.

Marcos já tinha virado o mundo antes de chegar e ficar na Barra. Morou em Curitiba, trabalhou como supervisor de vendas da companhia Antártica Paulista, em Recife, fora uma porção de outras atividades. “Mas eu preciso falar um pouco mais desse meu tio que, logo depois de formado decidiu sair de Maceió. Ele achava que se permanecesse por aqui iria ficar marcando passo. Foi para São Paulo, trabalhar na Ferreira Guedes, uma das maiores construtoras da época. Como era o tempo do milagre brasileiro, meu tio foi mandado para Curitiba e lá criou a sua própria empresa.”

Foi ajudando o tio em seus negócios que Marcos chegou à Barra. “Como eu disse, vim com o propósito e a promessa de ficar um ano. Seis meses depois meu tio me disse: “você não sai mais daqui e eu fui ficando. Realmente eu acho que não saio mais daqui mesmo...”, decreta.

“Cheguei aqui num mês de junho, que todo mundo considerava fraquíssimo. No co-

meço eu reclamava e dizia que isto aqui nunca iria dar certo, seria um mau negócio, muito fraco. Eu não via futuro nenhum. Olhava para essa frente do hotel e não via nada. Não tinha calçamento, não tinha essa iluminação que se vê hoje, os postes de luz eram pequenos. Não existiam nem essas barracas aí da orla. E são justamente elas que dão uma certa vida para o lugar. Com o tempo começaram a chegar algumas delas. Eram de lona. Tudo era bem selvagem. Eu passava a semana inteira sem ver ninguém. Às vezes vinha um ou outro hóspede para o hotel. Nos finais de semana a coisa melhorava um pouco. Quando ia ver, no fim do mês o hotel tinha faturado mil, mil e poucos reais. Só a folha de pagamento era muito maior que isso. Sem contar as despesas outras. Concluí que realmente estava per-dendo meu tempo. Mas, fazer o quê se meu tio continuava acreditando? “Isto ainda vai ter muito movimento. “Em dez anos você vai ter que contratar um monte de gente...”, ele dizia. Quando chegou o mês de dezembro o movimento aumentou. E foi muito bem. O hotel se mantém. E, no entanto ele continua sempre apoiando. Inclusive vem ajudando a implantar vários melhoramentos. “Ele acredita e investe.”

Marcos conta que o hotel está começando a investir no segmento de convenções e trei-namentos para empresas e isso exigiu mais investimentos. “O pessoal do Sebrae tem feito um bom trabalho de apoio para os hotéis, através do Arranjo Produtivo Local, no setor de turismo. Nosso público é composto pelo pessoal que vem atrás de uma praia mais isolada, mais calma. Nosso grande consumidor é gente de Alagoas mesmo, porque as praias da capital já não são boas. E nem são tão bonitas assim. O pessoal de Maceió, a alta sociedade de Maceió não toma banho nas praias de lá. O mar é muito sujo, o esgoto vai direto para

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o mar, então o pessoal vem para cá. A Barra é a praia da alta sociedade alagoana. Já a praia do Francês é mais para o pessoal de Maceió que vai e volta, não fica. O turismo do Francês é mais bagunçado. Aqui na Barra nós temos um turismo de família. O dia todo e todos os dias é essa tranqüilidade. Os ricos têm casas por aqui. O governador Teotônio Vilella, o senador Renan Calheiros, o João Lira, que é o homem mais rico de Alagoas, o Carlos Lira, irmão dele, o Collor, o deputado Augusto Farias. Eles vêm pouco, mas vem. Fora os ricos que vêm para os hotéis. Vem gente de Arapiraca, Palmeira dos Índios e de Aracaju. Aracaju é muito bonita mas suas praias não são legais. A orla é linda, mas a praia é feia; a areia de lá é escura. Ao contrário daqui, em Aracajú o trabalho humano fez coisas bem feitas para embelezar a natureza; aqui a natureza já tinha feito tudo. Deus fez a parte dele muito bem feita, pena que o homem não completou. Então os sergipanos vêm para cá”.

“Quer ver a Barra lotada? Venha aqui nos feriados prolongados, no fim do ano, carnaval. Tudo gente de fora. Na época das férias vem muita gente de Goiás, Brasília, Minas. Isto aqui vira aquele desfile de carrões, aquelas caminhonetes luxuosas com cabine dupla. Os turistas chegam pegam 8, 10 apartamentos, ficam 4 ou 5 dias. O pessoal daqui de perto também vem. As pessoas passam um ou dois dias e vão embora. O bom é quando ficam mais tempo. A gente se familiariza e pode oferecer um tratamento melhor. Quem fica só um dia com a gente nem tem condições de nos conhecer melhor nem receber um tratamento mais adequado”, sentencia Marcos.

Tocar um hotel é coisa bem complicada e Marcos já está cansado de saber disso. “Exige muito planejamento. Na hora de fazer compras especialmente. Até um simples café da

manhã tem muita coisa perecível. Então tem que fazer compras no dia-a-dia, não é fácil. Quando se tem um planejamento e o cliente vai ficar cinco ou seis dias, pode-se oferecer um atendimento melhor. De qualquer forma, a gente está sempre na corda bamba.”

Antes de 1987 quando foi construída a AL Norte Sul, estrada que liga Maceió à região Sul do Estado, ir para a Barra era um exercício que se recomendava só para os mais pacientes. As pessoas eram obrigadas a ir para o Sul, até a BR 101, já em São Miguel dos Campos. Dalí seguiam para o Norte chegando para atingir Maceió pelos fundos. “Dava perto de 60 quilômetros. Praticamente o dobro de hoje. O ônibus ia parando e era uma viagem mesmo”, relembra Marcos.

É dele este rápido retrato da pequena Barra de São Miguel. “A cidade tem 7 vereadores, que hoje ganham R$ 2.500,00 por mês, cada um. Como já foi dito, a Barra vive basicamente do turismo e do FPM - Fundo de Participação dos Municípios. Depende diretamente de repasses federais. A Barra tem um quadro de funcionários muito grande, em relação à cidade. A imensa maioria ganha salário mínimo. São 7 mil habitantes, 5 mil dos quais vivem na zona urbana. O resto está nas fazendas. Não temos nenhuma indústria.”

A cana de açúcar, conta Marcos, vai para usinas instaladas em outras cidades. “As usinas de Alagoas são muito grandes e importantes, além de estarem se expandindo, indo para Minas Gerais, por exemplo. Aqui só tem plantadores de cana. O IPTU que a cidade recolhe vem dos pequenos, né? Há muitos anos os grandes não pagam coisa nenhuma. Acho que a Prefeitura até tenta cobrar, mas fica tudo por isso mesmo. São os hotéis e as boas pousadas que oferecem empregos. O preço dos pequenos hotéis e das pousadas é praticamente o mesmo; como a estrutura é quase a mesma, a diferença é pequena. Bem que as agências de turismo poderiam divulgar mais a Barra, afinal temos muitas atrações”, sugere.

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Quem não trabalha em hotéis ou posadas tem ocupação avulsa. “São lancheiros, taxistas, trabalham na construção civil ou são caseiros. A energia é da CEAL, a água é do Estado. Todas as casas são atendidas e o serviço não é dos piores. Tem muita gente vivendo de pesca, criação de ostras na lagoa do Roteiro, na Palatéia, um povoado das ostras. O terreninho mais barato, mais afastado, custa entre 2 e 5 mil reais. São lotes de 7 por 12, por aí, uns cem metros. Existe um Plano Diretor estabelecendo padrões mínimos, mas tudo, ou quase tudo é meio informal. A fiscalização praticamente não existe. Tudo por aqui é erguido em sistema de mutirão e assim o pessoal vai vivendo, porque, como a gente está cansado de saber, tudo o que é precário acaba se transformando em definitivo.”

Definitivamente Marcos tem toda a razão ao afirmar tudo isso. Afinal, ele mesmo, que veio para a Barra em caráter precário, se tornou definitivamente imprescindível e definitivo...

Termino este capitulo recomendando: visite a Barra. E conheça o Marcos lá

no Hotel Portal Duleste, cujo endereço é Rua Edson Frazão, 108, Barra de São Miguel – Alagoas. É o centro da muvuca, já se viu...

O telefone é (82) 3272-1089 – [email protected]

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odo dia é o grande dia, todo dia é igual, todo dia é lindo na orla da Barra de São Miguel. Todo dia, todo mundo cresce muito na vida com a ciência e a paciência da mãezona Dona Cícera, que olha por muitos e reza por todos, amém.

Se tem alguém que realmente importa e dá o tom em tudo na orla de Barra de São Miguel esse alguém é Cícera Omena Feitosa. Não por menos, foi ela quem “inven-tou” esse negócio de churrasquinho e até de barracas na orla da Barra. Dona Cícera dá ordem em tudo, espia tudo, conduz tudo, mãezona que é, de todos. Quem olha para o

seu rosto sério e duro, já sabe com quem está falando. Os longos cabelos brancos dessa “galega” lhe dão porte de senhora.

Não precisa nem mandar, ela apenas crava o olhar e diz tudo. Faz não faz, vai não vai, pode ou não pode. Obedeça-se, cumpra-se. Mas, quem conhece bem, bem de perto mesmo, não se deixa enganar por essa dureza aparente: o coração de Dona Cícera é mole feito geléia de manga.

Ela dá jeito em tudo e tem solução pra tudo. Dá ajuda para quem precisa, carinho para quem está solitário, corretivo para quem errou, palavras doces para quem está desabando, esperança para quem tem medo. Cícera Omena Feitosa é uma figura ímpar na Barra de São Miguel.

Seu sobrenome, Omena, é marca de tradição nas Alagoas. “Meu pai era Omena. Só que trabalhava como vigia, não pertencia ao ramo rico da família”, conta sorrindo. “Papai teve e sustentou 14 filhos. Já se foi o pobrezinho. Nóis “tamo” “viveno”, suspira. Dona Cícera tem 58 anos, nasceu em Rio Largo, município que abriga o aeroporto principal de Alagoas e foi criada em Maceió. Casou-se com José Feitosa, que durante muitos anos trabalhou numa fábrica de óculos fazendo lentes de grau. “Muito bom emprego. Ele era sulfatagista. Trabalhou 22 anos com isso. Um dia arranjou as contas pra gente vir praqui”, contou.

É, mas o recomeço de vida não foi tão fácil assim. Dona Cícera começou a freqüentar a Barra na condição de simples turista. “Eu trazia as crianças e a gente fazia muito picnic

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por aqui. Meu marido gostou e disse: “E se a gente ficasse por aqui?” Pois nós viemos e já estamos há 25 anos na Barra.” Dona Cícera lembra que a família ainda trazia no bolso um resto dos acertos trabalhistas do marido. “Nós nos arranchamos por aqui e começamos a pensar no que fazer para ganhar a vida.” Sem mais nem menos surgiu a idéia de fazer churrasquinho na orla.

“Ê, menino, isto aqui não era nada disso que se vê hoje. Naquele tempo era mato só e barro. Não tinha nem estrada. Quando muito tinha caminho pro povo passar. Mas, assim mesmo vinha muita gente. E com isso ficava cada vez mais fácil a gente vender churrasquinho. Na verdade só vendia nos sábados e domingos. O segredo era chegar bem cedinho aqui na orla. A gente ficava o dia inteiro e quando o sol ia embora a gente ia com ele...”, sorri. Os três filhos de dona Cícera, bem crianças ainda, sempre acompa-nhavam os pais.

O fato é que a idéia do churrasquinho foi tão bem e tão boa que se transformou em barraca. “Apesar de todo o abandono do lugar, vinha muita gente praqui. A Barra sempre foi uma cidade turística, vinha muita gente de fora. Talvez nem tanto quanto hoje, mas vinha gente. Lembro da Brasília que a gente tinha, e nos levava para lá e para cá. Era um tempo gostoso e a gente ganhava bem. Se bem que agora melhorou muito, nem tem comparação...”

Dona Cícera orgulha-se em revelar seu progresso. “Hoje já temos uma casa, terrenos, a barraca. Temos tudo”. Claro que a “Barraca do Churrasquinho” já não é a única na orla, são sete barracas, hoje em dia. É tudo concessão da prefeitura. Ganhei o terreno e eu mesma construí o que está aí, já faz nove anos. De lá para cá o movimento só fez crescer e melhorar. Todo mundo lembra que no começo a gente tinha era uma barraquinha de

lona, depois cobrimos com sapé. O diabo é que andou pegando fogo numas barracas por aí e o prefeito liberou a gente para colocar telha. Melhorou ainda mais”.

É uma graça ficar nas barracas de dona Cícera observando o ambiente da orla. O mar beijando a areia tentando conquistar todo mundo, a vida começando bem cedo, chega bem junto com o sol. Os “meninos” de Dona Cícera, que servem como garçons e fazem de um tudo, também chegam na praia nessa mesma hora. Limpam a sujeira do dia an-terior, carregam as mesas e cadeiras de plástico para a areia da praia e montam o “salão”. Não demora muito começam a chegar os primeiros turistas e a orla ganha vida.

Quando ainda se está fora da temporada tem quatro pessoas trabalhando na “Barraca do Churrasquinho” de Dona Cícera. Três são garçons e uma cozinheira. Claro está que quando chegam os feriados prolongados ou os períodos de férias o número de ajudantes aumenta. Dona Cícera cozinha, como ela só e no mais dá ordens. Ordens para tudo. “Aqui a gente faz peixada, camarãozada, lagosta ao molho, lagosta grelhada, caldinho de maçunim, caldinho de feijão, camarão, feijão tropeiro, pirão.”

Somente citar esses pratos assim, impunemente, não traduz a verdade dos fatos. Cada um deles representa um tesouro à parte. Maravilhosamente comíveis simplesmente indescritíveis. “Aprendi a fazer tudo isso por aqui. Antes vivia só tomando conta dos filhos. O que eu acho bom é que o pessoal vai conhecendo prato por prato, conhece um, conhece outro e vai repetindo. Vêm muita gente por aqui. Vem muito artista também. Até o Galvão Bueno já esteve aqui e eu tirei uma foto com ele. Também veio o Zacarias, aquele que pertencia aos Trapalhões, lembra dele? E tanta gente que eu nem decoro.

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Tudo aqui é muito tranqüilo. Só que quando é Carnaval, São João, férias, quando vem o Festival de Maçunim, enche de gente. Vem até cantor de fora fazer show. Fora disso só dá bom lucro no fim de semana.”

José, seu marido José só aparece na hora de abrir a barraca pela manhã. “Nem ele nem meu filho ajudam. Eu sou a única que trabalha”, sorri, conformada. Como por ali ninguém tem segredos, o pessoal comenta muito (e é perfeitamente notável...), a vida que seo José leva. Ele chega pela manhã, manda duas ou três doses de cachaça pro bucho e já fica “delirando”. Quieto quanto está sozinho dispara a falar se tiver quem ouça. E fala, fala, fala. E fala. Quando cansa de falar, e se já não tiver ninguém mais para ouvir, ele adormece sentado. Até que chegue um dos “meninos” de Dona Cícera para levá-lo para casa. Ele chega em casa toma mais duas ou três doses e dorme. É aquela pândega. Dona Cícera fica na barraca até que o último freguês vá embora. “Ontem saí daqui às 7 horas da noite. O sol já tinha ido embora fazia tempo...” O que dá mais, o que rende mais dinheiro? “Tudo igual, comida, cerveja, coco. Tudo vende bem. Claro que a co-mida dá mais lucro”, ensina.

Dona Cícera não se queixa da vida. “Já tenho uma boa casa, dois terrenos e a barraca. Eu procuro ajudar a eles”, diz, apontando para os garçons Mário, Ednaldo e Val. “O Mário e o Val estão fazendo uma casinha para não pagar mais aluguel. Eu forcei para que eles comprassem os terrenos. Fiz eles juntarem o dinheiro para a entrada e fui segurando o dinheiro deles para pagar as prestações. Já pagaram tudo”, conta orgulhosa. Agora constroem aos poucos, no sistema de mutirão. “A dor ensina a gemer e a ser solidário”, ensinava outro alagoano, seo Manoel, meu velho pai...

Dona Cícera vê o mundo bem ao seu jeito. “Por aqui é tudo pobre, mas cada um tem o seu trabalho. Um é pedreiro, outro servente. Um tira maçunim do mar para vender, outro “marguia” atrás de ostra. Cada um “veve” do jeito que sabe, e que pode. Todo mundo sobrevive. Aqui não tem violência é quase tudo uma família...”, filosofa.

“Tirando a senhora, tem mais gente rica por aqui?”, brinca o repórter. Ela sorri. “Sim, tem gente rica que se aposenta e vem aqui para descansar...” Dona Cícera jura que se acostumou muito tarde a gostar de dinheiro. “Eu aprendi a viver depois dos 45 anos. Nunca faltou nada, sempre tivemos como viver razoavelmente, mas eu só fazia para ajudar, meus irmãos, meu pai e minha mãe. Depois que os dois se foram eu dis-se: “agora vou ajudar a mim mesmo”. Meus pais deixaram casa, o pai de meu marido também deixou casa, mas eu disse: “isso aqui não é da gente não, isso aqui é herança de pai e mãe, então vamos deixar pros irmãos da gente e vamos construir a vida da gente”. Ordens de Dona Cícera não se discute. “Meu marido concordou e aí nós construímos a nossa vida. Aqui, só quem manda sou eu, ele e os três filhos. Não tenho mais sonho nenhum. Já vivi tudo. Não posso viajar porque meu esposo não deixa. Por mim eu poria o pé no mundo...”, sonha. Meio brincando, meio sério, diz que às vezes dá vontade de pegar uma pedra, amarrar no pescoço de José Alves Feitosa, com quem está casada há 38 anos “e jogar lá longe. “Bem longe, pra não voltar mais”, sorri. “Não tenho coragem não”, corrige. “E ele nem vai deixar eu fazer isso”, resmunga.

Dona Cícera conta que saiu da Barra de São Miguel para viajar no ano passado. “Mas ainda hoje essa peste de marido que eu tenho ainda reclama porque eu viajei”, conta, rindo e olhando para José que a tudo assiste. “E só fiquei uma semana fora. Fui numa

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sexta-feira e já estava aqui na outra sexta-feira. Ainda hoje ele ainda briga comigo”, reclama aos risos. Ao seu lado, bem “calibrado” pelas tantas doses, José resmunga: “ela me deixou sozinho. Com uma barraca, uma casa e um filho para cuidar. E olhe que meu filho não tem uma cabeça muito boa. Aí deu briga”, diz com voz pastosa. “Deu briga comigo não”, responde Dona Cícera. “Porque eu não brigo com você, não. E devia. Ainda ontem à noite ele estava reclamando de mim, de novo... Fui para o Rio ver minha filha. Deu saudade, né? Esse danado reclama comigo de coisas acontecidas quando a gente ainda era noivo. Ciumento da peste...”, resmunga. “Quem não toma conta do que é seu, os outros levam...”, pondera o combalido José, quase totalmente “de fogo”, como se costuma dizer.

Já se viu e se contou que José é quem chega todos os dias pela manhã para abrir a barraca. Aquelas benditas duas, três ou quatro doses são definitivas. Alguém leva José para casa e depois vai buscar. Buscar para que, mesmo? Ah, para tomar outras doses mais à tarde.

“Além de afogar o seu marido, o que mais a senhora quer da vida, Dona Cícera?” brinca o repórter. “Quero nada não. Tá tudo bom demais. Fico só esperando quando Deus chamar”, responde com seus olhos azuis tão claros quanto o horizonte da Barra.

Todo dia é igual, todo dia é lindo na vida da Barra de São Miguel. Todo dia cresce com a ciência e a paciência da mãezona Dona Cícera que olha por muitos e reza por todos. Amém.

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rancisco Marques Filho, 30 anos é criador de ostras na lagoa de Roteiro, Barra de São Miguel, Alagoas. Talvez seja a falta de alguns ou a existência de tão poucos dentes, talvez seja a força do hábito, talvez seja o fato de não falar muito ou só falar com poucas pessoas, quem sabe até de nem falar, o fato é que Francisco

quase nem fala, apenas balbucia. E se a pessoa que conversa com ele não prestar atenção, mas muita, muita atenção, não vai conseguir entender quase nada do que ele fala.

Ainda assim, foi com toda boa vontade do mundo que ele concedeu esta entrevista e

tentou explicar direitinho como tocou a vida e chegou até aqui. Como vive hoje e como se cria e se cuida de ostras, o seu ganha-pão atual. Para que não pairassem dúvidas no ar a entrevista foi gravada. Em alguns momentos Francisco tinha que repetir e repetir mais de uma vez o que dizia. E ainda assim nem tudo ficava claro. É extremamente difícil entender o que Francisco fala. Ou balbucia.

Mas, no fim, tudo correu melhor do que o esperado. Francisco é um personagem bo-níssimo, interessante e marcante da orla da Barra de São Miguel. O primeiro “enrosco” na entrevista surgiu quando ele resolveu “marguiar”. Foi fácil descobrir que ele queria dizer: mergulhar na idéia e explicar que cria ostras em uma espécie de mesa com três metros de comprimento e um metro de largura. Foi então que contou que havia comprado um “cono”. “Um cono?”, perguntou o repórter. Sim, um “cono”, repetiu Francisco. “Um “cono”? O que seria um “cono”? Para complicar ele dizia que havia comprado uma “vara de cono”. De seis metros. Como? Um “cono”? Uma “vara de cono”? Ficamos enroscados. Ele sabia o que dizia só não sabia dizer e o repórter não sabia traduzir.

Até que concordamos que um “cono” é um cano. Simples assim, ora essa. E uma “vara de cono” é um cano longo, o que deixa as idéias mais claras ainda... Burrinho o repórter, não? Bem que Francisco insistia: “Um “cono” de água. Num tem “cono” de água?” Claro que tem “cono” de água. E tem “cono” de tudo quanto é medida. Inclusive “conos” com seis metros de comprimento ou mais ainda.

Ultrapassada a barreira do “cono” Francisco deu andamento à explicação de sua enge-nhoca. A idéia é formar uma tela utilizando os canos para formar uma mesa onde ficam as ostras. Até aí, perfeitíssima a explicação. E ele deu seguimento: “Aí ostra vai “quecendo” e vai “quecendo”, disse. Tanto quanto o “cono”, o “quecendo” que o Francisco dizia batia

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feito sino na cabeça do repórter. “Quecendo?”, era a pergunta e: “Sim, quecendo”, a res-posta. Demorou para se entender que, quando dizia “quecendo”, o Francisco queria dizer “crescendo”. O repórter não sabia onde colocar as orelhas, tanta burrice...

Empolgado, Francisco não parava de explicar: “Aí a ostra vai “quecendo” e quando é “adepois”, quando é mais de seis “méis”, tem mais de vinte ou trinta ostra “garrada” uma na outra e aí “nóis” tem que “fazê” a limpeza pra se passar as debaixo pra riba e as de riba pra baixo.” Essa foi a explicação, “ipsis verbis” fornecida por Francisco. E que ele nem saiba disso, pois “ipsis verbis” é tão complicado quanto “conos”, “quecendos” e outras jóias. Claro que o leitor esperto entendeu tudo, melhor que o repórter. De mais a mais, é de se esperar que, presumivelmente ninguém pretenda ser técnico ou criador de ostras, certo? Se esse for o seu desejo, caro leitor, procure o Francisco, direto, sem intermediários...

O próximo enrosco na entrevista surgiu quando se perguntou a Francisco como as ostras procriam. “Ela produzi, né?”, foi a resposta rápida e direta. “Ela se reproduz?”, o repórter insistiu para ter a certeza do que se estava falando. “É, ela “produzi”. Tem o macho e a fêmea, não tem? Então, eles se “produzi...”. Estamos, portanto, devidamente entendi-dos e é melhor até a gente mudar de assunto antes que acabemos nos intrometendo na intimidade das pobres ostras.

O fato é que Francisco conhece ostras de cor e salteado. Basta olhar e, no que vê, ele diz se a ostra é macho ou fêmea. “A ostra macho é compridinha, a ostra fêmea é redondinha”, explicou. Simples assim, não é?

Quanto maiores, melhores ostras, mais caras ficam.

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Elas vivem no que ele chama de “manguisal”, ou manguezal como diríamos nós. Da mesma forma que são um bichinho bem “piquinininho”. “Aí nóis tira do mangue e põe no “cateveiro” (sendo que o “cateveiro” é aquela mesa com os “conos” que Francisco já explicou, fácil, não?). “Aí todo dia a gente faz a limpeza. Elas comem as coisas que o mar traz quando a maré “ienche”. Quando a maré seca elas não comem nada ficam esperando a maré “iencher” de novo”, explica.

Com seis meses as ostras já estão prontas para serem consumidas. Quanto mais velhas, maiores ficam, quanto maiores mais caras.

Faz cinco anos que Francisco trabalha com ostras. Antes cortava cana. Era dureza. Quanto ganhava? “Nem “alembro”. Ele puxa pela memória e fala que naqueles tempos era uns 120, 150 por quinzena.

Francisco foi ajudado pelos cursos do Sebrae. Todos os meses ele e alguns companheiros iam para Maceió para assistir aulas sobre criação, cultivo e até venda de ostras. Até hoje eles freqüentam aulas de reciclagem. “Nóis” vamos lá todo mês, quando tem alguma coisa errada a gente acerta.” Aprenderam até o valor e a importância da união e formaram uma associação que já tem 37 associados e todos pagam uma taxa para a associação.

“O que eu ganho agora dá só para comer. Porque a gente está no inverno. No verão melhora um pouco porque chega muita gente na praia”, diz Francisco. Além de oferecer suas ostras na praia (e ele leva sal, vinagre e azeite para melhor atender os clientes), toda semana vem um comprador de Recife buscar suas ostras.

Na praia cada ostra é vendida por cerca de 0,80 centavos. Uma porção com 12 ostras

fresquíssimas sai por 10 reais. “Se o freguês chora muito a gente faz por 8. Quando o di-nheiro é curto se vende até por sete...”, conta. Quais os melhores fregueses? “Os paulistas. São bons de pagar. Os “ricão” daqui “quer” pagar sempre pouco. Os de fora não, pagam bem. Tem gente que acha muito barato e até paga mais caro. Já tive freguês que pagou porque quis 15 reais”, alegra-se.

“Peguei esta ostra aqui hoje de manhã e ela dura até amanhã. Passando de amanhã já não presta mais”, conta. O criatório de Francisco tem oito mesas (com os tais dos “conos”) cheias de ostras. Levando-se em conta que cada mesa tem condições de abrigar mil ostras Francisco é dono de 8 mil ostras. A 40 centavos cada uma, sua “fortuna” chega a 3.200 reais.

Quando se brinca dizendo que ele está rico devolve: “Nada, tô rico nada... Mas “nóis” não pode vender tudo de uma vez. Sem ostra não dá pra “poquiá” (procriar). Ontem eu vendi 500, mas não é toda semana que eu vendo assim. Às vezes passa 15 dias, um mês. Tem que deixar elas “quece” (crescerem) pra vender”.

Francisco mora bem perto das suas ostras, num bairro da Barra de São Miguel. A casa é própria. “É uma casinha de taipa feita por mim mesmo.” Casado, tem uma filha de um ano e seis meses. “Dá para tocar a vida assim, Francisco?” “Dá, com um pouco a gente vai vivendo e vai passando o inverno e esperando o verão que se ganha mais porque tem mais gente. No inverno é meio limitado, a gente faz 100, 150 por mês. No verão a gente faz uns 400, 600 real. “Nóis tudo” trabalha em casa. Minha mulher fica cuidando das ostras”.

200 reais por mês. Será que não tem conta errada nisso tudo? Vai se saber... “E dá pra comprar comida?”, é a pergunta que não quer calar. “Dá. Às vezes a gente passa com 200, às vezes a gente passa até com 100. A gente compra macarrão, arroz, feijão, compra uns dois, três quilos de mistura e dá pra passar. Tem vezes que eu ganho 50, 40 por semana...”.

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Francisco se enrola nos números e nas datas. Só não se enrola na vida, pois mais enrolado do que está não pode ficar. O fato é que o inverno é ruim e o verão só melhora um pouco. Fora o pouco arroz e feijão, a grande mistura é o sonho de um dia as coisas melhorarem. Só não se sabe, nem ele sabe, que coisas são essas e que melhorias podem chegar. Melhor nem perguntar. Ele tem vivido assim a vida inteira, ele vive assim, ele vai continuar vivendo assim, sobrevivendo.

Francisco promete fazer uma boa feira quando o verão vier. Talvez compre até uns bons pedaços de carne. “È, no verão eu vou fazer uma feira melhor”, resmunga.

Como não dá para vender mais no atacado, como não dá para produzir mais, como não dá nada, Francisco vai com o que tem. A vida ensina e cria espertezas. Quando não têm ostras próprias prontas para vender, ele compra de quem tem e vende com um pequeno lucro. “Tem muita gente que cata ostra “marguiando” no fundo da lagoa. Eu compro deles e vendo. Um “bade” (balde) custa 15 ou 20 reais. Desses “bade” de “mantega”. A gente vende as que já tá no ponto e deixa as pequena pra “quece” (crescer). Quando elas “que-ce” nóis vende. Demora uns seis, sete “meis”. Elas só “quece” no verão”, explica. Francisco ensina que ostra boa é de verão “porque ostra de inverno não “quece”, só “ingorda” porque fica na água sossegando...”

Fora esse negócio de cuidar das ostras, será que Francisco estudou? “Estudei não. Não estudei muito não porque minha mãe me tirou da escola pra trabalhar mais ela para cortar cana, limpar mato, tudo. Minha mãe já morreu e meu pai também. Meu pai morreu com 99 anos, quase cem. Minha mãe morreu nova, com 57 anos. Minha mãe teve 24 filhos.”

Onde estão os irmãos de Francisco? “Já morreu mais da metade, só tem uns dez vivos. Tem um morando em Mato Grosso. Tem três que eu nem conheci, tudo filho de outra mãe. Meu pai teve duas mulheres. “Nóis” nem se conhece”.

Francisco nasceu e se criou na Barra e sabe que seu irmão mais novo tem 22 anos. Ele também vende ostra na orla da Barra. “Nóis” tudo vende ostra. Pois não passou um cara por aqui vendendo ostra, ainda agorinha? Era meu sobrinho. Meu pai e minha mãe “foi” quem criou ele...”, explica. Será que é bom comer ostra, Francisco? “É bom. Eu como muita ostra. Se “bota” no prato eu como umas 50 dessas aí. É forte. Faz bem pra saúde. E a farinha da ostra tem muito “cassio”. “Cassio”? Sim, claro, cálcio, como não? “É boa pra “ostoporose” (osteoporose)”.

Vai ver que é isso mesmo, vai ver que Francisco tem bons ossos, boa estrutura física e tudo o mais. Tem até essa paciência danada para explicar as coisas para um repórter emocionado e chato. Tudo isso pelo fato de comer muita ostra... Por sinal Francisco tem o corpo ideal para jogar bola. E ele joga? “Jogo bola sim. Acho bom. Eu não sou muito bom, mas acho bom. Se fosse bom não estava criando e vendendo ostra...”. Vascaíno e palmeirense pensa que o Palmeiras tem alguma coisa a ver com as palmeiras da sua terra. Na dúvida prefere o Vasco.

O que um Francisco pode esperar da vida? “Ter saúde para poder trabalhar eu e minha mulher e minha filha. Queria que ela fosse uma cantora, mas sabe lá o que ela vai ser na vida... Ela vai pra escola. Já está na creche e não vai acontecer com ela o que aconteceu comigo. Minha esposa sabe ler que faz gosto. Minha filha vai ter que estudar muito. Não quero que ela trabalhe o que eu já trabalhei até agora. Comecei a trabalhar com cinco anos de idade. Limpando mato, tirando capim, tirando ostra, sururu, maçunim, lombeta, caranguejo. Aqui

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dá tudo. Eles ficam tudo junto com a ostra, na areia da lagoa. É só “marguiá...”.Francisco diz que consegue ficar mais de um minuto debaixo d´água. “Quase dois mi-

nutos. Mais que isso eu não fico não. Ficar muito tempo lá em baixo é perigo de se morrer afogado. Eu não gosto de “marguiá” muito fundo não; eu “marguio” no mais raso”. A última vez que Francisco “marguiou” perdeu a “chapa” (chapa de dentes, a dentadura). Vai ver que é isso que atrapalha a sua fala.

“Tirei a chapa para “marguiar” e botei dentro do chapéu. Aí, quando voltei levei o chapéu direto pra cabeça e vi a chapa “avoando e marguiando”. Ainda “marguiei” atrás, procurei, procurei e não achei mais. Ficou ruim. Uma chapa daquelas custa uns cem real”, lastima-se.

Deve haver por aí um dentista disposto a trocar uma chapa nova por uma porção de ostras. Será que não? “Preciso criar mais ostras para comprar uma chapa nova. Minha mulher tem todos os dentes”, conta, orgulhoso.

E sem dizer mais nada, lá vai o Francisco levando suas ostras pela areia da orla da Barra de São Miguel. É fácil identificá-lo. Sua camiseta traz a inscrição “Ostras das Alagoas”, e o seu telefone: 99433302. Quando o freguês se interessa ele abre a caixa de isopor, exibe as ostras e espera a ordem. Quantas vai? Tem tempero, tem cominho, azeite, sal. Tudo para dar boa sorte para o Francisco e bom apetite leitor. É só “marguiar” nessa idéia...

eu nome? Jacó. É, põe aí: Jacó. Só Jacó mesmo porque se procurar pelo meu nome verdadeiro ninguém vai conhecer.” E lá vai o sempre risonho jangadeiro que passa os dias levando e trazendo gente em divertidos pas-seios de jangada pela barra da Barra. Ele leva gente até a praia do Gunga

e volta. Leva gente até as praias do centro e volta. Vai contando histórias, vai falando da vida do lugar.

“Sou nascido e criado aqui no paraíso”, como costuma se referir ao seu canto, à sua Barra de São Miguel. 46 anos, casado, pai de três filhos, o menor com 18 anos. “Já era para ser avô, mas minha nora perdeu dois bebês na gravidez.” Apesar de toda a experiência e

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vivência, Jacó é um dos jangadeiros mais novos da orla. “Antes eu trabalhava lá no centro, tomando conta das lanchas dos marajás que vem praqui pra barra. Se tem marajá por aqui? Mais ou menos muitos. Tudo marajá ricão, grandão, dos bão”, brinca.

Entre outras atrações a Barra de São Miguel abriga um clube que tem não mais que 36 sócios, por aí. Fica no centro, perto do cais. É lá que se pode ver ancoradas as tais lanchas dos tais marajás. “Trabalhei muito tempo por lá. Saí para deixar o lugar para o meu filho mais velho. O outro filho trabalha comigo por aqui.” Os marajás tão citados e lembrados por Jacó são de todo lugar e não só das Alagoas. Tem muito marajá, in-clusive, que vem de Brasília. “É melhor a gente ficar calado ou mudar de assunto para não comprometer”, diz Jacó, marotamente. E com toda a razão. Alguns dos marajás são mesmo muito vingativos...

Jacó começou sua vida de jangadeiro há 9 anos graças a um cunhado que trabalhava na Casal, empresa de água de Alagoas. “Um dia ele disse que tinha arrumado uma concessão para operar uma jangada na orla. Só que para trabalhar com jangada por aqui tem que ter concessão. Aí ele perguntou se eu tomaria conta de uma jangada se ele comprasse uma. Eu disse: se você confiar em mim eu topo, dou conta do recado. Ele foi lá comprou uma dessas “bichas” aí, que muita gente conhece como lancha, ou jangada moderna. Porque jangada mesmo são aquelas que ficam lá na praia da Pajuçara, em Maceió. Aquelas são bem mais difíceis de manobrar. A jangada verdadeira é de madeira, mais larga que este barco. E é movida à vela, aproveita os ventos. Bem, de qualquer forma, meu cunhado comprou a jangada e eu fiquei trabalhando. Sempre sonhando que um dia poderia ter

a minha jangada. Fui tocando”.Só que teve um problema: vieram as eleições da época e o cunhado do Jacó acabou

perdendo o emprego que tinha na prefeitura. “Como ele ficou desempregado eu devolvi a jangada que era dele e fui procurar outra coisa para fazer. Aqui na Barra ou o sujeito trabalha com turismo ou se dedica à construção civil. Graças a Deus eu sabia trabalhar nisso. Apesar de ser pedreiro, carpinteiro e mexer um pouquinho com eletricidade. Enfim, me viro. Já participei da construção de muita casa de muitos companheiros por aqui. Fui trabalhando até que apareceu um concunhado meu que tinha uma lancha. Ele trabalhava nos Correios e me disse: “pegue a minha jangada e tome conta.” O bom de tudo é que na verdade aqui é tudo parente. Cidade pequenina assim queira ou não queira é tudo parente um do outro. E se não é um dia ainda vai ficar. Casa primo, casa tio, casa todo mundo com todo mundo. Quando aparece alguém de fora vai se entro-sando com a gente, vai criando uma nova família dentro da nova família. A tribo é uma só. Pois é, voltei para a praia novamente e fui tocando de novo”, conta Jacob com seu jeitão de marinheiro tranqüilo.

“Já reparou? O bom da vida é que de vez em quando aparece um doido louquinho por mudar de vida. Quando eles fazem isso acabam abrindo espaço pra gente. Foi assim que aconteceu comigo. Apareceu um amigo que tinha uma lancha e estava maluco para ir embora. Coisa da mulher dele. Eu explico. A mulher dele queria ir pra junto dos parentes dela. Fez porque fez, queria porque queria, sabe como é mulher, né? Pois ele perguntou: “E aí Jacó, quer ficar com a minha jangada?” Fomos ficando

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nos enrolos dos negócios e eu nem lembro como foi, quanto paguei e tal. Acho que foi uns sete mil, oito mil. Não tenho certeza. Fiquei com a jangada. Quanto custa uma jangada? Aí depende, né? Se for só a jangada é um preço menor. Mas aí a pessoa resolve explorar mais por causa do ponto, né? Quer queira, quer não queira isto é um emprego, é ou não é? E ai ele disse: “Vai ficar?” Eu disse: “Vou”. O problema é que não se pode vender o ponto, porque é concessão. Se você quer vai ter que pagar o preço que o camarada pedir. Quando há interesse se pode passar o ponto para a frente. Só que o sujeito dono do ponto tem que concordar, claro. O cara pediu quinze mil e eu disse: “Rapaz, não tenho esse dinheiro todo”. Ele ainda insistiu: “Se vira com o grupo aí...”. Estava desesperado para ir embora. Não deu certo e ele acabou vendendo a jangada pra um pessoal de Brasilia. O pessoal pegou a jangadinha e levou embora. Ai ele disse: “Jacó me compra só a concessão”. Respondi que concessão não podia vender. Aí me deu um estalo na cabeça e eu disse: “Eu posso conversar com o prefei-to me entender com quem manda e desmanda e depois volto a falar com você”. Fui falar com os homens, com a diretoria da Associação pra saber se podia ou não. Falei com o prefeito e ele disse: “Se ele está querendo sair é problema dele”. Ficou no vai e não vai. Aí eu me acertei com a associação, o prefeito não falou mais nada e eu dei 600 ou 700 reais para o sujeito. Fiquei com a concessão e fiquei na espera da jangada. Um belo dia um cunhado meu, que até se aposentou como cabo da Polícia Militar, me ajudou. O cabo Macedo, gente muito fina. Ele fez um empréstimo na Caixa e eu consegui comprar a jangada. É aquela ali, olha... Batizei de Maristour. Completinha. Paguei 8 mil por ela. Só o motor da bicha custa quase 12 mil. Todo mês eu levava o dinheiro pois o empréstimo já vinha descontado do salário do meu cunhado. Creio

que demorei uns quatro anos para pagar; era um salário mínimo todo mês mas fui tocando o barco pra frente”, conta todo feliz.

A Associação dos Jangadeiros da Orla da Barra de São Miguel tem 14 membros. Falante, bem articulado, Jacó é um lutador da categoria. Benquisto, pela sua integridade, é admirado por todos. “É porque eu sou assim mesmo. Até minha esposa diz que eu nunca estou de cara feia. Faço amizade com todo mundo, criança, velho. Procuro estar sempre ao lado das pessoas ajudando no que posso. Encaro tudo na boa.”

Brincalhão, respeitoso, Jacó construiu a casa onde mora com a mulher e todos os filhos. Na verdade são duas casas, uma térrea e a outra como cobertura. “Cabe todo mundo”. Além dele, toda a família ajudou na construção. “Aqui é assim que funciona, a gente faz desse jeito e todo mundo ajuda todo mundo. Você chega discute o seu pro-blema com as pessoas, elas se juntam e vamos lá. E fazemos mesmo. O sujeito que já foi ajudado um dia, se sente obrigado a ajudar quando precisarem dele.”

“A vida aqui é o que você está vendo. A maior parte trabalha na orla, ou no mar, pescando, tocando jangadas. Tem gente que se vira como garçom. Lá para trás, lá para o fundão da cidade a vida não é muito boa não. Boa parte das pessoas vive de pesca, outros vão para a cana ou para os bancos de areia. Muita gente sobrevive pegando maçunin, um marisco comestível muito farto naquele pedaço. Parece com o sururu, mas é menorzinho. O maçunin é arredondado e o sururu é comprido. A vida aqui é meio sofrida. Meio não, é sofrida mesmo. Os pescadores dependem da maré. Só podem sair quando a maré está secando e aí descobrindo os bancos de areia vão chegar nos

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bichinhos. Um trabalhão danado para pegar três quatro sacos de maçunin para poder dar uma quantidade mais ou menos. Aí tem que carregar tudo nas costas, da canoa até a casa, onde os maçunins serão despinicados. Despinicar é tirar a casca. Um trabalhão de cão. Tem que ir para a mata pegar madeira para cozinhar tudo. É sim, o maçunin tem que ser cozido e é melhor que se cozinhe no fogo de madeira porque cozinhar com gás não compensa, o gás está muito caro. A casca do maçunin se abre quando ele está cozido. Aí é que vem o trabalho de despinicar tudo, tirar a casca. Um por um. Pense no trabalho que dá. E sabem por quanto eles vendem quando saem na rua? Três reais, quatro reais o quilo. Na carestia, ou no verão, quando o preço é bom chega a cinco reais. Ou então tem que se deslocar daqui até Maceió para vender no mercado. E vende muito mais barato. Como se vê, a vida do lado de lá que fica fora da orla é muito mais sofrida do que aqui na praia”, lastima-se.

Jóca não sabe dizer o quanto ganha um pescador. “Já se viu que é pouco, mas eles vão vivendo do jeito que dá. Acho que no máximo conseguem um salário mínimo por mês. E olhe lá”, sentencia. “Quem tem condições de botar uma barraquinha, um jeito qualquer de vender alguma coisa vai viver bem melhor do que esse pessoal da pesca, né? Muita gente ainda mora em casas de taipas. Até que arruma um dinheirinho, faz mutirão. A Prefeitura o governo andaram doando uns terrenos para o pessoal de classe pobre fazer sua casinha. Eles moram um pouco afastados da cidade, mais pra perto das barreiras, por ali. Hoje a maioria das casas já é feita com blocos de cimento. O diabo é que eles têm muitos filhos. É filho que não tem quem conte”, ri.

Fora a pesca, fora o trabalho na praia, a construção civil é a alternativa para se ganhar o pão. “A diária de um ajudante braçal aqui na Barra hoje em dia está em 20 reais. No fim do mês dá mais ou menos um salário mínimo. Já o pedreiro trabalha por 50 reais, em média por dia”, explica. “O que? Você quer saber como essa gente se diverte? Eu acho que a vida já é uma diversão. Quer queira, quer não, tem que se divertir do jeito que der. Tinha um cinema por aqui, mas faz muitos anos que acabou. Também, como é que o pessoal iria pagar o ingresso...?”, ironiza

Para quem acorda tarde a vida aqui começa às 6 horas da manhã. “Aqui tem que acordar bem mais cedo do que isso. Principalmente quem ganha a vida na pesca.” Em compensação já não se vê quase ninguém nas ruas depois das seis da tarde. Para onde vai toda gente? “Fica em casa. Uns vendo televisão, alguns conversando, outros enfadados, cansados do sol, do trabalho, já estão descansando. Com certeza pensando que amanhã é outro dia e que tem que correr atrás da vida novamente”.

“Meu único sonho é ter uma melhora de vida. Só isso. A riqueza nossa é ter saúde e continuar nessa vida que vivemos aqui. Melhora de vida seria ter um carro, se movimentar mais. Às vezes aparece um problema de saúde. A saúde aqui não dá para queixar. Tem posto, e quando não dá para atender aqui tem que esperar uma ambulância para levar para Maceió. Claro que não é o melhor, mas vai se tocando. A gente tem que fazer de contas, né?”.

Com 27 litros de gasolina na média dá para fazer quatro viagens para o Gunga. O fa-turamento de uma jangada varia muito. Depende do número de passeios que o jangadeiro atende. Cada passeio tem um custo. Tem passeio que sai da orla e vai até à praia do Gunga.

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O jangadeiro leva os turistas, deixa na praia e depois vai lá buscar. É um passeio de uma hora e custa 15 reais por pessoa. Um casal que queira ir para a praia do Gunga vai gastar 60 reais. “Se a lancha estiver cheia pode até fazer por 20 reais por pessoa. Agora, tem passeios que custam 11 reais. É quando o turista chega aqui na orla de van, sobe na jangada e vai para o Gunga. Lá ele pega a van de novo”. O controle de tudo é feito pela associação. Cada jangadeiro tem a sua vez de atender. Todos pagam uma mensalidade para a associação que mantém uma secretária para organizar a saída das jangadas e encara outros custos como energia elétrica, água, telefone e até o percentual que se paga às empresas de cartão de crédito... “No fim da história sobra muito pouco. Às vezes o movimento é tão fraco que o jangadeiro fica dois, três dias sem sair da orla. No máximo se fatura uns 1/1.500 por mês. Isso na temporada de verão, claro”, explica Jacó.

“Esquecemos de falar da educação, né? Aqui tem escola sim, mas a maioria das crianças nem vai. Seja por falta de tempo, porque tem que ajudar os pais na lida do campo, seja por falta de condições para comprar material, que hoje em dia está com um preço absurdo. Às vezes também falta empenho dos pais em colocarem os filhos nas escolas”, reclama.

“Sonhar a gente pode e deve, mas eu não penso em sair daqui. A gente fica vendo o mundo pela televisão e o que a gente vê não é nada bom. Acho que ir aí pra fora não vale a pena. Claro que aqui também acontecem essas coisas mais desagradáveis, mas é tudo mais controlado. Quando alguém sai da linha a comunidade reage. O máximo que acontece é essa molecada arengando um com outro... besteirinhas. Esse negócio de gangs, essas coisas assim aqui não tem não. A droga já está aparecendo. A gente vai tentando segurar, mas a coisa é no mundo inteiro, né? A comunidade faz o possível para lutar contra”, consola-se.

Seu momento mais triste foi não ter tido a chance de estudar. “Tive que correr cedo

porque arrumei família muito cedo também. Se tivesse estudado com certeza teria um emprego melhor”, queixa-se. Sua esposa trabalha como professora na escolinha e vai toda semana para Maceió freqüentar a faculdade para dar aulas no curso ginasial ou colegial. “Quanto ela ganha? Um salário mínimo”, responde Jacó.

Isso apesar do falante e bravateiro ex-presidente ter anunciado aos quatro ventos para quem quisesse ouvir que o Brasil não teria professor ganhando menos que oitocentos reais por mês. Fazer bravatas e arengar é fácil, difícil é trabalhar e cumprir.

Jacó fez curso na Capitania dos Portos e os cursos demoram mais ou menos um mês. Todos são habilitados a dirigir jangadas e lanchas. Recebem carteira de habilitação de Arrais Amador especificando sua categoria. O grande perigo, diz Jacó é bater nos arrecifes ou abusar.

A maioria das pessoas que freqüenta a orla vem do Rio, São Paulo, Brasilia. “Prefiro o pessoal do Rio. Paulista é mais quieto. Baiano também é bem legal. Vem muito argentino também e até que eles são bacanas. Todos são legais, estão passeando, depende muito do que recebem...”

Dito tudo isso, lá vai Jacó em mais uma viagem até o Gunga. O mar de Jacó é lindo, a vida também, apesar de tantos pesares...

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airo Casemiro dos Santos nasceu em Lagoa Azeda, município próximo da Barra. “Não sei o porquê do nome da cidade. Vivi pouco tempo lá. Minha mãe, Maria Francisca, teve 6 filhos e nós viemos para a Barra quando eu tinha 7 anos. A gente ainda era bem pequeno quando minha mãe se separou de meu pai.”

Cozinheiro de muitas idéias gostosas, Jairo trabalhava no Hotel do Marcos Guerra, o Portal Duleste quando deu esta entrevista. Falou de sua mãe com muito carinho. “Ela

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sim era cozinheira das boas. Foi isso que ajudou para que ela encontrasse seu primeiro emprego em um restaurante daqui da cidade. Meu pai bebia muito, muito, muito. Era um horror. Ela vivia dizendo: “se você não deixar a bebida, um dia eu vou deixar você...” E ele respondia: “pode ir, pode ir...” Chegou uma hora que ela não agüentou mais e saiu de casa mesmo. Ela veio para a Barra sozinha. Um mês depois foi buscar a gente. Nós tínhamos ficado com meu pai. O bandido ficou com a casa e a gente veio morar aqui de aluguel. Fora a bebida, meu pai também era viciado em droga. Ele morreu cinco anos depois que nós saímos lá da nossa cidade. Aí minha mãe vendeu a casa e comprou um terreno aqui.”

Hoje, com 25 anos, Jairo é o terceiro dos filhos. “O mais novo tem 23 anos e o mais velho tem 29. Todos nasceram de “carreirinha”, um depois do outro. Dois já se casaram, o mais velho e a irmã mais nova, e quatro ainda vivem em casa. Falando bem a verdade, quando minha mãe chegou por aqui na Barra nem sabia cozinhar. Chegou no restaurante e pediu emprego. O dono perguntou: tem experiência? Ela disse: “Não, só tenho força de vontade.” E o homem falou: “Então vá lá pra cozinha.” Três dias depois ela assumiu a cozinha e não parou mais. Ficou quase dez anos trabalhando lá. Quando o restaurante fechou ela foi trabalhar em um restaurante vizinho.”

Nisso tudo as crianças de Maria Francisca cresceram e alguns já começavam a procurar trabalho para ajudar a mãe. “Minha mãe tinha até registro em carteira lá no restaurante. Ela foi agüentando as coisas para os filhos todos. Entrei na escola e fiquei até o primeiro ano do ensino médio. Aí comecei a trabalhar como garçom numa barraca nas praias do centro. “Lá é muito bonito. É onde acontece o encontro do rio Niquim com o mar. O rio

Niquim é lindo e desemboca no oceano bem ali na Barra de São Miguel. E forma uma bela e grande enseada com exuberantes praias e ilhas. Fiquei dois anos trabalhando por lá. Fui faxineiro, diarista em casas de família, fiz de tudo. Trabalhava dois, três dias por semana. Esse tipo de trabalho é muito requisitado pelas casas dos bacanas. A cidade é muito simples, mas o movimento aumenta muito na época das férias. Eu ganhava mais do que quando ficava atendendo como garçom. Ia na escola quando dava, parei quando vim para trabalhar neste hotel. O problema é que eu estudava à noite e os horários do hotel não combinavam. Não pretendo passar o resto da minha vida numa cozinha ou numa barraca de praia, eu quero mais. Quero fazer cursos, quero crescer. Trabalhar em hotel não vale a pena. Ganha salário mínimo. Pra mim que sou solteiro até que dá. Ajudo um pouco em casa. Quem realmente trabalha em casa sou eu, a minha mãe e minha irmã que tem um filho pequeno. Ela é mãe solteira. O problema é que tenho dois irmãos desempregados. A renda da gente chega aos mil e poucos. Eu ganho salário, minha irmã e minha mãe ganham uns trezentos cada uma... Minha mãe só trabalha nos fins de semana. É quando os donos das casas vêm pra cá”, revela o tímido Jairo.

Feliz da vida, ele conta que ganhou uma bicicleta de uma amiga no dia do seu último aniversário. “Aqui, quem tem uma bicicleta já subiu na vida. Não é todo mundo que pode comprar. Eu tenho uma porção de amigos e eles me ajudam muito. Aliás, nós nos ajudamos sempre. Conheço todo mundo e todo mundo me respeita”, revela.

Enquanto isso Jairo sonha. Quer estudar para ser enfermeiro como queria desde que era criança. “Eu sempre me vi trabalhando na área de saúde. Gosto de atender as pessoas.

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Eu tenho essa vontade de trabalhar com o público.” Jairo não esconde o seu jeito muito especial de ser. “Eu sou gay assumido. É como sou visto aqui na cidade. E todo mundo me respeita. Assumi quando tinha 19 anos. Antes, eu tinha uma vergonha enorme, vivia escondido, calado nos cantos. Escondido do povo. Teve um tempo que eu cheguei para minha mãe e me assumi, contei tudo. A reação dela foi chocante. Começou a chorar e ficou um bom tempo sem falar comigo. Três meses depois ela aceitou. E passou a me defender. Sim, porque tem gente que não tem respeito. Aqui, como eu disse, todos me respeitam, mas é que vem pessoas de fora e começam a mexer comigo, tirando onda. Os meninos daqui me tratam super bem, e não têm nenhum preconceito. Não, eu não sou o único gay da cidade. Existem vários. Tenho amigos e todos são assumidos. Como é uma cidade pequena o povo não aceita muito bem essas coisas. Mas eu tenho amigos travestis que atuam em Maceió.” Jairo também não esconde que teve um relacionamento sério durante uns seis meses com uma pessoa. “Infelizmente não deu certo. Ele morava em outra cidade e as coisas não rolaram”, despista.

O bom cozinheiro Jairo aprendeu as artes da cozinha com a mãe. “Eu também gosto muito de música, gosto de fazer arranjos. Por isso é que quero terminar meus estudos, melhorar as condições de vida da minha família. É muito cansativo vir aqui para o hotel pela manhã, servir o café, ir embora, voltar no final da tarde e ficar de plantão até as dez da noite. Mas, o que é que eu posso fazer? Como é uma cidade turística, o povo só melhora de vida quando é verão. Muita gente trabalha como garçom. Nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro a cidade ferve. No inverno o desemprego é quase total.

Na Barra todo mundo conhece todo mundo, todo mundo sabe da vida de todo mundo, Jairo pertence à Barra e continua sonhando com o mundo.

osé Mário de Araújo completou 33 anos ontem. “Bebi pouco, não bebi tudo o que eu queria e merecia. Você quer saber de mim, é? Pois saiba que se eu contar a minha vida pro carroceiro quem vai chorar é a burra. Foi uma luta danada para chegar até hoje. Batalhei demais.”

José Mário nasceu em Viçosa, estudou até a quinta série. “Larguei tudo para poder trabalhar, se não fizesse isso, hoje eu teria menos do que o nada que tenho. Comecei a trabalhar no campo. Era uma plantação de tomate, cebola, quiabo, maxixe, tudo em terra alheia, tudo trabalhando para os outros.” Mário conta que tem uns vinte irmãos. “Isso se contar as duas famílias. Meu pai casou duas vezes. Minha mãe era a primeira

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família dele. Ela mora em Marechal Deodoro, pertinho daqui da Barra. Ela arrumou outro e meu pai arrumou outra. Minha mãe sofreu demais, a coitada...”

Mário dispara a contar: “Quando meu pai bebia, e ele bebia muita cachaça, chegava em casa e queria espancar todo mundo. A gente dormia na rua “pra mór” dele não fazer mal pior. Ele pegava uma espingarda doze e ameaçava atirar em todo mundo. Era assim mesmo. A gente saia tudo correndo. Três mulheres e quatro homens. Quando meu pai chegava bêbado era um perigo. Meu pai era aposentado e trabalhava como coveiro para a prefeitura. Eu morava em um bairro chamado de Santa Rita, que fica depois de Massaguera, no litoral norte do Estado. Depois, quando ele já estava muito velho, já perto da morte parou com a bebida. O diabo continua vivo até. Como eu disse, casou de novo. Não vejo toda hora, mas ele tá sempre na hora da morte. Só que nunca morre. O cara é forte. Eu acho até que ele está perto dos cem anos, uns 95, por aí.”

A burra da história de Mário choraria ainda mais como Mauro chorou durante na morte de seu irmão. “Ele morreu há uns dois anos numa festa de São João. Foi negócio de cachaça, negócio de mulher, essas coisas. Cachaça e mulher dá encrenca mesmo. Meu irmão era um cabra trabalhador, não roubava, não tinha negócio de droga, nem fumava maconha. Só que era muito desaforado. Deixou dois filhos. Morreu assassinado a tiro. Quem matou foi um policial. O policia estava numa mesa com dois travecos, isso mesmo, dois travestis. Aí meu irmão começou a tirar uma onda com a situação e o policial não gostou. Veio falar com ele e botou o dedo no rosto do meu irmão. Meu irmão também botou o dedo no rosto do policial. O policial mandou ele tirar o dedo e meu irmão não gostou. Meu irmão tinha pedido uma cerveja e o garçom foi levar a cerveja para ver se separava a briga. Aí meu irmão passou a mão na cerveja e tacou na cara do policial.

O policial estava à paisana e armado. Aí o policial tirou o revólver e um outro irmão meu, o Bahia, resolveu segurar a mão dele e gritava: “Corre, Nadinho, corre.” Nadinho era o meu irmão que morreu. Nadinho disse que não ia correr coisa nenhuma. Ai dois comparsas do policial agarraram o meu irmão Bahia e quando o Nadinho começou a correr levou o primeiro tiro. E depois levou mais dois tiros. Isso tudo por causa da “mulé”. O Nadinho tinha ido para Maceió e arrumou uma mulher. Depois foi com ela lá pra festa, quis fazer graça e deu no que deu. Eu estava trabalhando por aqui e vieram me contar. Meu Deus, me deu uma dor no coração. Aí fomos para o enterro e não deu em nada para o culpado. Mas também não se pode dizer nada, pode? O homem é da polícia... Eu espero que a justiça lá de cima castigue esse desinfeliz.”

Mário continua o seu desabafo: “Apanhemo” muito do meu pai. Teve uma vez que eu estava já formado homem e ele pegou um pau e queria me sovar. Eu disse: “Venha!” Daquele dia pra frente ele nunca mais veio pra cima de mim. Eu tinha meus 17 anos. Fiquei com minha mãe até os 20 lá em Marechal Deodoro (cidade próxima à Barra de São Miguel). Aí eu consegui um serviço numa pousada aqui na Barra de São Miguel. “Aquela ali olha, bem na frente da praia”, contou, apontando para a casa onde funciona a pousada. “Trabalhei uns sete anos por lá e engravidei a minha primeira mulher. Aí eu falei para a dona da pousada sobre a minha situação e ela disse: o quartinho é pequeno não dá para você ficar com sua mulher. Minha mulher se chamava Claudineide Maria dos Santos. Hoje ela deve ter uma 24 anos. Conheci quando ela tinha 13. Ela veio to-mar um banho na praia e eu fiquei com ela até hoje. Eu disse pra dona da pousada: se

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ela não pode ficar eu também não fico e vou embora. A mulher deixou e eu fiquei. Aí minha mulher engravidou de novo. Tive que chegar pra patroa e pedir minhas contas. “Eu quero minhas contas.” Ela perguntou: por quê? Fiquei até com vergonha de dizer o porquê. A dona da pousada disse: não faça isso não. Mas eu fiz. Fui embora para Marechal Deodoro. Ô meu Deus, foi a pior viagem que eu fiz na minha vida. Porque fiquei um tempo na casa da minha mãe e não deu certo. Fiquei um tempo na casa da mãe dela e também não deu certo. Não é que eu brigasse com ninguém e nem a minha mulher brigasse, o problema é que eu não tinha uma renda, um dinheirinho nem para ir à feira. E aí todo mundo começava com aquela conversinha daquele jeito: “fica aqui com mulher e filho e não ajuda em nada”. Eu me senti mal e fui pra casa de um irmão meu. Saí para arrumar trabalho em uma usina, a Subauma, que fica em Marechal Deodoro e quando cheguei em casa ouvi meu irmão e minha mãe falando de mim. Aquelas coisas “é que o Mário isso, o Mário aquilo” e tudo contra mim. Meu emprego na usina era cortar cana. Ganhava uns 200/300 reais por mês. Num dava nem pra feira. Agora mesmo, para fazer uma feira para passar o mês, eu, a Neide e os três filhos (já tem três filhos? Pois é, já tenho três filhos), então, pra passar o mesinho bem passado, acho que precisava de uns 300 reais. Isso se não tivesse nenhum problema de saúde. Eu como bem. Tomo café e almoço aqui na barraca da dona Cícera. A gente ergueu um barraco no terreno dela, aqui perto da orla. Dona Cícera tem sido uma patroa maravilhosa.”

Pois é, mas voltando à história, meu irmão falou: “sabe de uma coisa? Não dá certo ficar na casa dos outros.” Aí eu fui pra casa da mãe da minha mulher lá em Maceió. Foi

pior. A mãe dela até que tem condições. Ela falava: “minha filha, você vai por uma estrada e vê dois pés de pau. Tem um com folha e outro sem folha. Onde é que você vai assistir à chuva? Pau pelado não tem água”, concluiu. No caso, o pau pelado era eu. Aí eu disse: Tá certo. Peguei minhas coisas, dez horas da noite e fui pra praça da faculdade. Minha primeira filha estava a 9 dias de nascer. Dormimos na praça. Tentei voltar para Marechal Deodoro, de novo pra casa de minha mãe. Deixei a menina com minha mãe, peguei uma bicicleta e vim eu mais minha mulher aqui para a Barra. A gente dormiu na rua. Aí arrumei um trabalho para ela na Brisamar, uma pousada que tem aqui. Enquanto isso eu trabalhava com caminhão, em Maceió. Todo dia eu ia de bicicleta daqui pra Massaguera que fica perto do trevo do Francês. Ficava trabalhando o dia inteiro. A gente dormia no mato. No mato mesmo. Quando era noite, que eu voltava do trabalho pegava a Neide a gente ia pro mato. Parece brincadeira dizer que a gente ia pro mato, mas era verdade. A gente procurava uma casa em construção, uma casa abandonada, uma casa onde não tivesse ninguém. Tudo para passar a noite. Nunca tivemos problema. Porque a gente saía de manhãzinha. A gente saía, escondia a roupa e depois ia trabalhar. Ela na pousada e eu em Massaguera, carregando caminhão. Aos sábados e domingos eu ainda trabalhava aqui na barraca da Dona Cícera. Aí minha mulher recebeu o primeiro mês e nós arrumamos um barraco por 80 reais. Cada caminhão de cimento que eu descarregava ganhava 15 reais. Às vezes descarregava três viagens por dia. Minha mulher tem muita fibra. Aí eu falei com dona Cícera e ela deixou eu construir um barraco no terreno da filha dela que mora no Rio de Janeiro. E ela ainda me ajudou mais. Me deu 500 blocos de cimento, nove sacos de cimento e 12 telhas brasilit. O resto eu me virei. Aí eu aprendi uma coisa que alguém me disse: Mário, você se vire porque o mundo não é quadrado, o mundo é

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redondo. Aí eu sai do caminhão e fiquei direto aqui na barra. Trabalhando de garçom. Faz cinco anos que estou aqui. Recentemente surgiu a oportunidade de dois terrenos que estavam sendo vendidos. Eu comprei um e o Val, o outro garçom, comprou o outro. Dona Cicera deu 500 reais cada um para a gente dar de entrada no terreno. Ficaram 15 parcelas de 235 para a gente pagar. A gente já “liquidemos”. Minha mulher sofreu barbaridade. Ela agora ganha 82 reais por mês do bolsa família. Sonha construir nossa casa e ver meus filhos indo bem na escola. Nenhum vai deixar a escola de jeito nenhum. Eles têm 9, 5 e 2 anos. Meus irmãos também sempre passaram por momentos difíceis, só que não tanto quanto eu. Também sofreram. Sim, eu sou um cara alegre. Eu brinco, estou sempre de bem com a vida. Quer saber, fiquei tão feliz que você nem imagina por ter conseguido o meu terreno. E, agora, meu amigo chega de história, pois eu vou trabalhar. Com licença.”

E o Mário se foi logo depois de anotar o meu pedido de uma cerveja muito gelada. Eu queria tomar todas as cervejas do mundo saudando o Mário, pois ele merece. Afinal, quando ele conta sua vida pro carroceiro, chora a burra, chora a carroça, choro eu. É por isso que eu bebo.

landro aqui rouba só coisinha. Aqui tem muito pouco para roubar.” Edinaldo dá risada quando conta isso, pois essa brincadeira resume a si-tuação de quase miserabilidade de boa parte da cidade. Bom menino o Edinaldo. Foi uma das primeiras pessoas com as quais eu me entendi na

praia da orla da Barra. Edinaldo de quê? Não sei, nem perguntem porque eu nunca perguntei. É Edinaldo e pronto. Ele é meio franzino, ágil, ligeiro, esperto, tem linguajar diferenciado, dá para se perceber que só está ali porque ainda não chegou a sua boa hora.

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Sim, porque, afinal de contas, cada um de nós merece ter a sua boa hora...“Vai outra cerveja aí, Marcelinho?”, me pergunta. Eu digo que sim e ele traz. Me

chama de Marcelinho porque eu o chamei de Marcelinho. Seu jeito, seu porte, sua malemolência, seu rosto alegre, lembram mesmo o Marcelinho, aquele jogador do Corinthians. No meu primeiro dia de Barra fiquei numa mesa com cadeiras e guarda-sol, bem no limite da areia e do mar. Quase pisando na água. Olhei ao redor e vi aquele rapaz atendendo uma ou outra mesa. Percebi a semelhança dele com o jogador e gritei: “Aê, ô Marcelinho, traz uma cerveja aí”. Ele sorriu e trouxe. Eu expliquei a “história do Marcelinho” e ele pareceu gostar. A partir dali nos chamávamos de Marcelinho.

No meio de tanta cerveja, nunca perguntei o sobrenome do Edinaldo. Falha? Talvez não, ficou sendo Edinaldo Marcelinho...

Edinaldo tem 19 anos. Mora com pai e mãe numa fazenda distante sete quilômetros ali da orla da Barra. O pai é operador de máquinas em uma usina de cana. Como não é toda hora que tem cana para moer, não é toda hora que tem trabalho para o pai de Edinaldo. “Estou no terceiro ano do Colegial, mas não adianta”, queixa-se. “Não adianta por quê?”, pergunto eu. “Rapaz, as coisas aqui não são fáceis não. Agora, por exemplo, não tem professor de Matemática na escola. Nem de Matemática nem de Filosofia. Nas outras matérias até que eu estou bem. Mas, falando sério, eu quero mesmo é repetir de ano para ver se consigo aprender alguma coisa no ano que vem. Neste ano não aprendi nadinha até agora. Nos outros foi normal, mas este ano agora está ruim demais na escola. Passei três meses sem aulas de Português. A minha sala tem 42 alunos. Todo mundo tem tido a mesma dificuldade. Aí, chega o final de ano e tudo mundo é aprovado. Todo mundo passa de ano...”

Edinaldo diz que não quer isso. “Eu quero aprender, entende? Eu preciso aprender. Eu não quero parar de estudar, quero ir longe. Este ano eu me formo no Colegial. Mas, adianta? Não sei nada...”.

Edinaldo tem dois irmãos que também estudam, um menino e uma menina, 17 e 15 anos. Todo dia todos vêm da fazenda para a escola em um ônibus da prefeitura da cidade. Depois das aulas são levados para casa.

O trabalho de Edinaldo na barraca de Dona Cícera começa às 8 horas. Mas, bem antes disso, entre 6 e 7 horas, Edinaldo e o Mário, o filósofo da burra que já conhecemos arrumam tudo. Espalham mesas e cadeiras, deixam os guarda-sóis empinados.

Todos já estão cansados de saber que Dona Cícera é a líder, em torno dela gravitam Edinaldo, Mário e tinha o Chacal. Chacal também era garçom mas foi embora. “Dona Cícera não gostava muito dele”, conta Edinaldo. Agora o Chacal “toma conta” dos carros que chegam e ficam estacionados ali na orla.

Esperto, orienta os motoristas sobre os melhores lugares para estacionar. Quando o carro já está estacionado ele coloca um papelão enorme sobre o volante e os bancos para evitar o sol quente. Fica zanzonando daqui prali e dali praqui atrás de clientes motoristas. Quando o turista vai embora ele pede um “troco”. Quase sempre leva.

“Chacal é um malandrão”, resmunga Dona Cícera, queimando o chão com seu olhar azul... “Ele é bem esperto mesmo. Cuidado com ele”, aconselha.

Edinaldo conta que Chacal já tem uns 30 anos e vive com uma menina de 18 anos. Que está grávida. A criança está por nascer. Chacal repete para todo mundo que “está só esperando o telefonema dela para ir onde ela está”. Só não diz onde ela está. “Com a

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família...”, despista. Chacal dorme por ali mesmo, em qualquer canto de uma barraca. Ou até na praia. Sua cama são aqueles papelões que ele usa nos carros que estacionam por lá, para diminuir o sol. Os papelões são cama, cobertor, lençol e ganha pão...

Pela manhã toma banho num banheiro de uma das barracas. Faz a barba. Se apruma, se ajeita. Fica esperando pelos turistas, que começam a chegar por volta de nove, nove e meia da manhã. Chegam com as vans de agências de turismo que percorrem os hotéis de Maceió. Catam turista por turista, hotel por hotel e levam para a Barra de São Miguel, roteiro favorito e a grande atração do roteiro no Litoral Sul das Alagoas. Os turistas compram esses pacotes de passeio que englobam visitas às praias da Barra, passeios de jangada, passeios até à praia do Gunga, por sinal também muito bonita. Visitas ao rio Niquim, no local de encontro do Niquim com o mar são as tantas atrações do local, a barraca da Dona Cícera entre elas.

Edinaldo diz que ganha bem na temporada. “Tem dia de fazer 50, 60 reais. Pena que a temporada dure só três meses”, lamenta-se. Seu pai também, como já se contou, trabalha de três em três meses por causa do sistema da usina. “Quando termina a safra, mói a cana, faz álcool ou açúcar e acabou. Volta só na outra safra.” O pai não paga nem aluguel e nem água. Só paga energia elétrica.

“Quero me formar. Gosto muito de matemática. E é justo a matemática que eu gosto e preciso tanto, que está sem professor lá na escola. Talvez eu queira ser engenheiro. Pelo menos estou determinado a aprender. O fato de ficar três meses sem professor com-plica muito. Aqui os professores trabalham por contrato que fazem com o município.

Quando termina o contrato terminam as aulas. Até arrumarem outro professor, até o professor chegar, até se entender com os alunos é uma desgraceira, complica muito. Quando as aulas começam está tudo certo, todos os professores estão ali, as aulas são bem legais. Depois os contratos vão terminando e a gente fica na situação que está, sem aula, sem nada.”

O que adianta saber que ele vai se formar neste ano? “Me formar assim não vale. Eu não aprendi nada.” Edinaldo não desanima. “Quando eu me formar vou procurar um cursinho e me preparar direito. Vai ser tudo uma questão de acerto com Dona Cicera. Ela está disposta a me ajudar em todo o sacrifício.”

Edinaldo sonha alto porque também já está namorando há um ano. “A menina era casada e tem um bom emprego. O pai dela acha que fui eu quem tirou a filha do marido, mas não foi nada disso. Ela deixou porque quis; eu só tinha amizade por ela. Aí sim, depois é que a gente ficou. Aqui todo mundo conhece todo mundo, tudo é amigo, tudo é irmão, não vou roubar mulher de ninguém”, desabafa.

De vez quando acontecem os arranca-rabos na praia. “Não por parte dos turistas, se bem que muitos turistas sejam muito abusados. Os arranca-rabos são mais entre gente do lugar. Especialmente aos sábados e domingos vem muita gente da cidade para a praia. São os farofeiros daqui. O pessoal que atende nas barracas e os turistas não gostam dessa gente. “Eles fazem muita sujeira, muita zoeira e gastam pouco”, reclama Marcelinho. Nesses casos a gorjeta é mínima. Mas quando dá encrenca é encrenca feia mesmo. São os maloqueiros que brigam. Enchem a cara de cachaça e se pegam a tapa, no pau, e de

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tudo quanto é jeito. Até a fogueira passar. Isso quando não termina um estirado...”.O papo rolou até a hora de Edinaldo levar o marido de dona Cicera para casa. Seo

José já bebeu todas. Já se contou que ele chega cedo para abrir a barraca, toma uma , toma duas e na terceira já está para lá de Bagdá. “Ele tem 58 anos, mas está acabadaço. Fica por aqui, perturbando até que o almoço fique pronto. Aí eu pego a marmita para ele e para o filho dele e levo pra casa deles. À tarde volto para buscar de novo. Ele vem, bebe duas ou três, fica de fogo e vai embora. Só que aí já vai com Dona Cícera. Que paciência que essa mulher tem...”.

Eu fiquei uns bons dias vendo e vivendo tudo isso nos meses de setembro do ano de

2009. Quanta saudade da Barra de São Miguel & da sua gente.Ao que eu soube mais recentemente, ou seja, no mês de julho de 2011, o Mário, o

homem que faz a burra chorar com suas histórias, terminou a construção da sua casi-nha, mas já não está mais na Barraca da D. Cícera. Pelo menos por enquanto. Hoje ele trabalha em uma empresa na cidade de Marechal Deodoro.

Ednaldo, o “Marcelinho”, já é pai de um menino e também deixou a barraca de Dona Cícera para trabalhar em um mini mercado.

Jacó deve estar navegando com sua jangada formosa e famosa. O velho Chacal, parece, foi embora definitivamente da Barra de São Miguel. Pelo menos nunca mais foi visto. Marcos Guerra continua tocando o Hotel Portal Duleste. Eu estou com uma saudade danada dessa gente toda.

A vida continua linda na Barra de São Miguel.

Tudo o que você vai ler a seguir, está con-tido nos folhetos promocionais da cidade.

Experimente, deve valer a pena. A Barra sem-pre vale a pena...

≈ Carnaval - O carnaval de Barra de São Miguel é a festa mais multitudinária que acontece no município, conhecida em toda a região por ser a preferida dos jovens. Ao longo de todos os dias de celebração são realizadas inúmeras atividades, desde a eleição da rai-nha do carnaval até os concursos aquáticos e vários shows musicais, todas acompanhadas das típicas orquestras de frevo que animam a população em seus desfiles diários pelas ruas da cidade. As noites são famosas, cheias de alegrias e diversão, onde a dança e a música estão presentes até altas horas.

≈ Igreja de Santana - Barra de São Miguel - A Igreja de Santana foi construída nos primeiros anos do século XX, graças as doa-ções da população. No seu interior está guar-dada a imagem de Nossa Senhora de Santana, padroeira da cidade.

≈ rIo nIquIm O Rio Niquim desemboca no Oceano Atlântico, às margens da praia de Niquim, formando uma bela e grande ensea-da com exuberantes praias e ilhas cobertas de mangues. É um lugar bastante frequenta-do pelos banhistas e nas suas proximidades destacamos a Lagoa Niquim.

Lagoa Niquim As águas da Lagoa de Niquim foram consideradas de grande poder medici-nal pelos nativos. São típicos os passeios em barco nesta lagoa.

Outro dos numerosos atrativos turísticos de Barra de São Miguel são os passeios em

barco e jangadas até a Praia do Gunga e a Lagoa do Roteiro, localizadas no município vizinho de Roteiro, visitando as diferentes ilhotas e mangues que encontramos no seu recorrido.

≈ Barra de São mIguel A Praia de Barra de São Miguel é uma praia urbana, com areia branca e águas tranquilas de cor azul

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esverdeado, uma das mais frequentadas do sul de Alagoas. Destaca-se pela extensa barreira de recifes de corais, está localizada paralela à costa, a poucos metros das margens, forman-do nas marés baixas uma espetacular piscina natural, onde o banho e o mergulho são os esportes mais praticados. Sua parte norte é frequentada pelos amantes do surf, devido a boa qualidade de suas ondas

O litoral do município de Barra de São Miguel caracteriza-se pelas suas belas praias, que

formam uma belíssima paisagem paradisíaca de grande encanto para os turístas. São o prin-cipal pedido turístico de um dos lugares mais visitados do sul de Alagoas. Merece especial destaque a Praia de Barra de São Miguel, a mais urbana e frequentada pelos turístas que visitam o município.

≈ PraIa do gunga uma das praias mais bonitas do Brasil, particular a praia recebe tu-ristas de todo o mundo com acesso regulado. Imenso coqueiral e visual paradisíaco

≈ PraIa do meIo A Praia do Meio é uma praia de areia fina e branca com águas trans-parentes. É uma das praias onde o surf é um dos esportes mais praticados, sem esquecer do mergulho.

≈ PraIa de Porto de vaCa Praia com piscinas naturais e recifes de corais, per-feita para os amantes do submarinismo e da

pesca.

≈ PraIa nIquIm A praia Niquim está lo-calizada na desembocadura do rio Niquim. De areia fina e clara, águas cristalinas ideais para o mergulho.

≈ PraIa BonIta A Praia Bonita também possui uma extrema beleza como indica seu próprio nome, com águas limpidas e cristalinas perfeitas para a prática do submarinismo

≈ PraIa daS ConChaS A praia das Conchas é uma praia de areia fina e branca, com águas transparentes de agradável tempe-ratura, ideais para o banho e o mergulho. Praia da Atalaia Praia de areia branca e águas cristalinas.

O AUTOR

Formado em Direito no Mackenzie, dediquei minha vida à comunicação. Comecei nos Diários e Emissoras Associadas, do eterno Assis Chateaubriand,

que ainda conheci em vida. Sempre gostei de fazer títulos para o jornal. Em 1966 criei a manchete “Pelé, jogai por nós”, que ficou famosa. Fui para a

publicidade e trabalhei na MPM Propaganda, na Ogilvy & Mather Brasil e outras. Criei minhas próprias agências, a Walter Hüne & Barros e Tese Arte e Propaganda. Voltei para o jornalismo como diretor de redação do extinto Diário Popular dirigindo a edição centenária do jornal. Depois veio o jornal

Imprensa Livre, em Atibaia. Dou aulas de jornalismo desde 1986.