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 Retirado de: BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Procedimentos Técnicos da Tradução. Campinas, SP: Pontes, 2004. PROPOSTA DE CARACTERIZAÇÃO DOS  PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO A revisão da literatura efetuada no capítulo anterior (q.v. 2) mostra que os procedimentos técnicos da tradução são propostos como uma tentativa de responder à pergunta "como traduzir?". O trabalho  pioneiro a enumerar esses procedimentos foi o de Vinay e Darbelnet (1977), sendo que os trabalhos subseqüentes aqui examinados ou se reportam diretamente a esse trabalho, ou fazem uma reformulação do mesmo. Constatando que os procedimentos descritos por Vinay e Dar-  belnet (1977) não e ram su ficientes para dar co nta d e todos os mod os de traduzir empregados nas traduções, os autores examinados (q.v. 2) acrescentaram outros a eles, ou eliminaram alguns que não conside- ravam pertinentes.  Existem discrepâncias também no modo como os autores exa- minados (q.v. 2) descrevem e recortam os procedimentos técnicos da tradução, sem falar na divergência terminológica entre eles.   Nes te ca tu lo , ap re se nt o uma pr op os ta de ca ra ct er iza çã o dos procedimentos técnicos da tradução onde procuro combinar as visões dos autores examinados, acrescentando procedimentos aos lis- tados por Vinay e Darbelnet (1977) e, ao mesmo tempo, reagrupando e eliminando alguns dos procedimentos descritos posteriormente, por considerar que estão, na realidade, embutidos em outros.  Procuro, também, adotar uma terminologia que considero mais adequada, visando a eliminar algumas das dificuldades ocasionadas  por s ua vari ação en tre os autores examinado s.  63

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  • Retirado de:

    BARBOSA, Helosa Gonalves. Procedimentos Tcnicos da Traduo.

    Campinas, SP: Pontes, 2004.

    PROPOSTA DE CARACTERIZAO DOS

    PROCEDIMENTOS TCNICOS

    DA TRADUO

    A reviso da literatura efetuada no captulo anterior (q.v. 2) mostra que os procedimentos tcnicos da traduo so propostos como uma tentativa de responder pergunta "como traduzir?". O trabalho pioneiro a enumerar esses procedimentos foi o de Vinay e Darbelnet (1977), sendo que os trabalhos subseqentes aqui examinados ou se reportam diretamente a esse trabalho, ou fazem uma reformulao do mesmo.

    Constatando que os procedimentos descritos por Vinay e Dar-belnet (1977) no eram suficientes para dar conta de todos os modos de traduzir empregados nas tradues, os autores examinados (q.v. 2) acrescentaram outros a eles, ou eliminaram alguns que no conside-ravam pertinentes.

    Existem discrepncias tambm no modo como os autores exa-minados (q.v. 2) descrevem e recortam os procedimentos tcnicos da traduo, sem falar na divergncia terminolgica entre eles.

    Neste captulo, apresento uma proposta de caracterizao dos procedimentos tcnicos da traduo onde procuro combinar as vises dos autores examinados, acrescentando procedimentos aos lis-tados por Vinay e Darbelnet (1977) e, ao mesmo tempo, reagrupando e eliminando alguns dos procedimentos descritos posteriormente, por considerar que esto, na realidade, embutidos em outros.

    Procuro, tambm, adotar uma terminologia que considero mais adequada, visando a eliminar algumas das dificuldades ocasionadas por sua variao entre os autores examinados.

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  • Acredito que, assim, poder estar facilitada a tarefa do tradutor, que ter sua disposio uma srie de procedimentos que efetiva-mente recobrem o que acontece no ato da traduo.

    A clareza terminolgica, acredito, poder tambm facilitar a ta-refa de professores e alunos de traduo, que no mais se vero diante de uma srie de discrepncias entre diversos autores.

    Espero tambm que esta recaracterizao seja til em futuros estudos sobre a traduo, j que os problemas terminolgicos podem ter uma influncia negativa em alguns trabalhos, conforme mostro

    em 4.1.

    Alm disso, na minha segunda proposta de recategorizao dos procedimentos tcnicos da traduo, j utilizo a recaracterizao que apresento a seguir, acredito que com resultado positivo.

    Considero, em minha proposta, um total de treze procedimentos, a saber: a traduo palavra-por-palavra, a traduo literal, a trans-posio, a modulao, a equivalncia, a omisso vs. a explicitao, a compensao, a reconstruo de perodos, as melhorias, a transfern-cia que engloba o estrangeirismo, a transliterao, a aclimatao e a transferncia com explicao a explicao, o decalque e a adaptao.

    Estes procedimentos so descritos abaixo. 3.1.

    A TRADUO PALAVRA-POR-PALAVRA

    A traduo palavra-por-palavra corresponde expectativa que muitos tm a respeito da traduo.

    Enquanto procedimento tradutrio, definida por Catford (1965), Newmark (1988) e Aubert (1987). caracterizada aqui segundo a definio de Aubert (1987:15):

    a traduo em que determinado segmento textual (palavra, frase, orao) expresso na LT mantendo-se as mesmas categorias numa mesma ordem sinttica, utilizando vocbulos cujo semanti-cismo seja (aproximativamente) idntico ao dos vocbulos cor-respondentes no TLO, por exemplo:

    he wrote a letter to the mayor

    l l l l l l I ele escreveu uma carta para o prefeito

    sans retard

    l l sem demora

    Seu uso restrito, porm, pois rara uma convergncia to grande entre as lnguas. A esse respeito, comenta Aubert (1987:16): " relativamente fcil perceber que, encarado como um todo, a tra-duo de um texto de certa extenso (dois ou mais perodos compostos) jamais poder ser empreendida" palavra-por-palavra.

    3.2. A TRADUO LITERAL

    A traduo literal corresponde idia mais difundida a respeito da traduo, e definida por todos os autores examinados para o presente trabalho (q. v. 2). caracterizada aqui tomando por base as definies de Catford (1965), Newmark (1988) e Aubert (1987).

    Aubert (1987:15) considera a traduo literal como "aquela em que se mantm uma fidelidade semntica estrita, adequando porm a morfo-sintaxe s normas gramaticais da LT".

    Cita como exemplos os segmentos textuais abaixo, onde possvel observar as alteraes morfo-sintticas a que foram submetidos, sendo que essas alteraes que distinguem a traduo palavra-por-palavra da traduo literal (cj. Aubert, 1987:16).

    it is a known fact

    fato conhecido

    il est all en ville

    (ele) foi cidade

    Muitos autores, notadamente Vzquez-Ayora (1977), parecem repudiar totalmente a traduo literal como a fonte de todos os erros

  • na traduo. No entanto, como apontam Aubert (1987) e Newmark (1988), ela pode ser necessria, ou at obrigatria. Pode ser neces-sria em um tipo de traduo que tem como objetivo a comparao com o texto original, como em certas edies bilnges. Pode ser obri-gatria na traduo de certos documentos. Nesse caso, observa Aubert (1977), a traduo literal ou mesmo palavra-por-palavra deixa de ser meramente um reflexo de uma coincidncia estrutural e cultural entre duas lnguas, para tornar-se um procedimento tradutrio deliberado. Segundo Newmark (1988), o procedimento recomend-vel sempre que for possvel.

    3.3. A TRANSPOSIO

    A transposio consiste na mudana de categoria gramatical de elementos que constituem o segmento a traduzir, como se observa nos exemplos abaixo:

    Assim sendo, a transposio pode ser obrigatria, quando im- prescindvel para que a traduo se atenha s normas da LT, ou fa-cultativa, quando realizada por razes de estilo, como para se evitar o excesso de advrbios com sufixo mente, na traduo do ingls para o portugus, considerado deselegante e que, na minha experincia, constitui uma recomendao expressa de editores brasileiros.

    Este procedimento definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1), Vzquez-Ayora (1977), Newmark (1988) e Catford (1965).

    3.4. A MODULAO

    A modulao consiste em reproduzir a mensagem da TLO no TLT, mas sob um ponto de vista diverso, o que reflete uma diferena no modo como as lnguas interpretam a experincia do real, como nos exemplos abaixo, na traduo entre o ingls e o portugus.

    she said apologetically

    (ela) disse desculpando-se

    (ela) disse como justificativa

    she said reproachfully

    (ela) disse censurando

    (ela) disse em tom de reprovao

    advrbio

    verbo reflexivo

    adjunto adverbial

    advrbio

    verbo

    adjunto adverbial

    como a palma da minha mo

    buraco da fechadura

    Nos casos apresentados acima, a modulao obrigatria, encontrando-se inclusive dicionarizado o segundo exemplo (keyhole = buraco da fechadura, cf. Houaiss, 1981:319). Este procedimento pode tambm ser facultativo, refletindo ento uma diferena de estilo, aspecto abordado por Vnay e Darbelnet (1977). V-se abaixo um exemplo de modulao facultativa:

    Observa-se que h mais de uma opo de traduo para cada

    segmento, o que indica que a transposio no um procedimento obrigatrio. Muitas vezes ser possvel tambm uma traduo literal (tal como definida aqui, q.v. 3.2) do segmento.

    No segundo segmento citado acima, por exemplo, existe no por-

    tugus a possibilidade de se manter um advrbio na traduo, como se v abaixo, tornando a traduo literal.

    she said reproachfully advrbio

    (ela) disse repreensivamente advrbio

    (ela) disse recriminadoramente advrbio

    It is easy to demonstrate

    fcil demonstrar

    No difcil demonstrar

    Este procedimento definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p. 28), Vzquez-Ayora (1977) e Newmark (1981, 1988).

    3.5. A EQUIVALNCIA

    A equivalncia consiste em substituir um segmento de texto da LO por um outro segmento da LT que no o traduz literalmente, mas que lhe funcionalmente equivalente.

    like the back o f my hand

    keyhole

    (traduo literal)

    (modulao)

  • Este procedimento normalmente aplicado a clichs, expresses idiomticas, provrbios, ditos populares e outros elementos cristaliza-dos da lngua, como nos exemplos abaixo:

    God bless you! Sade!

    Gesundheit! Deus te crie!

    Its a piece of cake. sopa.

    Truly yours

    Sincerely yours Atenciosamente

    Este procedimento foi defendido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p. 29), Vzquez-Ayora (1977:313-322) e Newmark (1988: 90-91).

    Newmark (1981, 1988) considera o equivalente cultural, o equi-valente funcional e o equivalente descritivo como procedimentos inde-pendentes, mas estes procedimentos esto englobados aqui sob a equi-valncia, considerada como um procedimento mais geral.

    3.6. A OMISSO VS. A EXPLICITAO

    A omisso consiste em omitir elementos do TLO que, do ponto de vista da LT, so desnecessrios ou excessivamente repetitivos.

    Na traduo do ingls para o portugus, este procedimento usa-do, por exemplo, em relao aos pronomes pessoais. Em ingls ocorre aquilo que, em portugus, seria considerada uma repetio excessiva deles, j que o portugus, auxiliado pelas desinncias verbais que deixam claro a que pessoa se refere o verbo, costuma omitir o pro-nome pessoal na posio de sujeito, ao contrrio do ingls, onde obrigatria sua presena.

    Na traduo do portugus. para o ingls seria usado, para o mes-

    mo caso, o procedimento inverso, a explicitao do pronome, pois sua presena obrigatria em ingls.

    Estes dois procedimentos foram definidos por Vzquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p. 46).

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    3.7. A COMPENSAO

    A compensao consiste em deslocar um recurso estilstico, ou seja, quando no possvel reproduzir no mesmo ponto, no TLT, um recurso estilstico usado no TLO, o tradutor pode usar um outro, de efeito equivalente, em outro ponto do texto.

    Os trocadilhos, por exemplo, quando no podem ser efetuados com um mesmo grupo de palavras, podem ser feitos em outro ponto do texto onde sejam possveis, para equilibrar o texto estilisticamente.

    comum dizer-se, ao criticar as tradues, que "empobreceram" o texto. Este empobrecimento seria a ausncia no TLT dos recursos estilsticos empregados pelo autor no TLO.

    Cito abaixo um trecho de Alice in Wonderland (cf. Carrol, s/d: 53), por Fernando de Mello (cf. Carrol, 1976:89-90) onde podem-se notar perdas e compensaes:

    THE RABBIT SENDS IN A LITTLE BILL

    It was White Rabbit, trotting slowly back again, and looking anxiously about as it went, as if it had lost sotnething; and she heard it muttering to itself, "The Duchess! The Duchess! Oh my dear paws! Oh my fur and whiskers! She'll get me executed, as sure as ferrets are ferrets! Where can I have dropped them, I wonder?" Alice guessed in a moment that it was looking for the fan and the pair of white kidgloves, and she very good-naturedly began hunting about for them, but they were nowhere to be seen everything seemed to have changed since her swim in the pool; and the great hall with the glass table and the little door, had vanished completely.

    O COELHO MANDA-LHE O LAGARGO PELA CHAMIN

    Era o Coelho Branco que l vinha, aos saltos, devagar e s voltas como quem perdeu alguma coisa; e Alice ouviu-o murmu-rar: "A Duquesa! A Duquesa! Ai as minhas patinhas, ai as minhas suas e os meu bigodes! Vai mandar-me executar, to certo como eu .me chamar Coelho! Onde que eu os teria deixado cair?" Alice adivinhou logo que ele andava procura do leque e das luvas brancas de pelica e, como era boa por natureza, comeou

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  • tambm a procur-los, mas sem os ver em nenhum lado via-se que tudo tinha mudado depois que ela tinha comeado a nadar

    no lago: o trio com a mesa de vidro e a porta pequena, tudo tinha desaparecido por completo.

    Este procedimento examinado por Nida (1964), Vzquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p. 47) e Newmark (1981, 1988).

    3.8. A RECONSTRUO DE PERODOS

    A reconstruo consiste em redividir ou reagrupar os perodos e oraes do original ao pass-los para a LT.

    Na traduo do portugus para o ingls muitas vezes necessrio distribuir as oraes complexas do portugus em perodos mais curtos em ingls. Na traduo do ingls para o portugus ocorre o inverso.

    Observo isso com freqncia quando traduzo manuais do usurio do ingls para o portugus. De modo geral, meus clientes no aceitam os perodos curtos do ingls, achando que do ao texto em portugus um tom excessivamente infantil.

    Um exemplo de reconstruo de perodos realizado por mim pode ser visto abaixo em 3.9.

    Este procedimento descrito por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55).

    3.9. AS MELHORIAS

    As melhorias consistem em no se repetirem na traduo os

    erros de fato ou outros tipos de erro cometidos na TLO.

    este o procedimento que utilizo quando traduzo para o ingls os relatrios de bolsistas de uma instituio beneficente. Alguns deles, ao escreverem seus relatrios, cometem vrios tipos de erro. Como o relatrio visa apenas a informar aos supervisores da entidade nos Estados Unidos acerca do desenvolvimento dos projetos dos bolsistas e no a refletir seu idioleto corrijo automaticamente tais erros, como no exemplo abaixo (cf. Farias, 1988):

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    O trabalho ser desenvolvido em 04 etapas a 1. etapa do tra-balho consta da sensibilizao dos professores, nesta etapa cada grupo apresenta relize de seus trabalho que sero discutidos em reunio com todas s diretoras e professores de educao arts-tica, comunicao e expresso e Estudos Sociais, (sic.)

    The work will be developed In four stages. The first is to make teachers aware o f the issues. At this stage each group will present an oral summary of their work to be debated at meetings with the school principals, and art, language, and social studies teachers.

    Este procedimento foi definido por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55, 1988).

    3.10. A TRANSFERNCIA

    A transferncia consiste em introduzir material textual da LO no TLT. A denominao "transferncia" para este procedimento a preferida por Newmark (1988:81-82).

    A transferncia pode assumir as formas abaixo: -

    1) estrangeirismo

    2) estrangeirismo transliterado (transliterao)

    3) estrangeirismo aclimatado (aclimatao)

    4) estrangeirismo + uma explicao de seu significado, que pode ser:

    a) nota de rodap

    b) diluio do texto.

    Esses procedimentos sero descritos a seguir.

    3,10.1. O Estrangeirismo

    O estrangeirismo consiste em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocbulos ou expresses da LO que se refiram a um conceito, tcnica ou objeto mencionado no TLO que seja desconhe-cido para os falantes da LT.

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  • O vocbulo ou expresso aparecer no TLT entre aspas, em itlico ou sublinhado marcando o itlico isto , com uma marca grfica de que se trata de vocbulo estranho LT o que obri-gatrio nas normas brasileiras de editorao (cf. Silva, 1984; Houaiss, 1975).

    Este procedimento definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 25). Ao defini-lo, denominam-no "emprstimo" apropriando teoria da traduo um termo j utilizado pela lingstica, dando-lhe uma acepo diferente, pois falam de um "emprstimo" tomado no prprio ato da traduo, e no da utilizao de vocbulos j incor-porados ao lxico da LT: "o que interessa ao tradutor so os em-prstimos novos e mesmo os emprstimos pessoais" (Vinay e Darbel-net, 1977:47), observao feita tambm por Nida (1964:137).

    Aquilo que entendem por "emprstimo", portanto, outros autores chamam de estrangeirismo, como observa Yebra (1984:333). Concei-tuado pela lingstica, o estrangeirismo vem a ser um emprstimo vocabular no integrado lngua que o toma, conservando da outra os fonemas, a flexo e a grafia. Com o passar do tempo, sendo o vocbulo da lngua estrangeira amplamente aceito pelos falantes da que o acolheu, tende este a se adaptar fonologia e morfologia desta ltima, caso em que se transforma em emprstimo (cf. Cmara Jnior, 1977:111), atravs de um processo denominado aclimatao (cf. Pei, 1966: 3-4).

    Exemplos de emprstimos do ingls aclimatados no portugus so: chulipa, escrete, nocaute, piquenique, sinuca, time. Suas formas em lngua inglesa so: sleeper, scratch, knockout, pic-nic, snooker e team (cf. Ferreira, s/d, 321, 557, 975, 1091, 1037, 1378).

    O emprstimo lingstico, por sua vez, consiste, como foi dito acima, na incorporao de elementos de uma lngua em outra, "tais elementos podendo ser, em princpio, fonemas, afixos flexionais, afi-xos derivacionais, vocbulos e tipos frasais"

    u (cf. Cmara Jnior,

    1977:104).

    Embora o termo empregado por Vinay e Darbelnet (1977) no seja estritamente correto, pelos motivos examinados acima, j adqui-riu livre curso entre tradutores, professores e tericos da traduo. Ao realizar o presente estudo, senti a necessidade de marcar a dis-tino entre os termos "emprstimo" e "estrangeirismo," correntes na

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    lingstica, como foi visto acima, e o procedimento descrito por Vinay e Darbelnet (1977). Foi encontrada a mesma preocupao em Newmark (1981:178-179), que sugere o uso dos termos "transcrio," "transferncia" ou "adoo." Proponho utilizar o termo transferncia para o macro-procedimento que engloba outros que utilizam o elemento lexical do TLO no TLT. Reservei o termo estrangeirismo para aquilo a que Vinay e Darbelnet (1977) denominam "emprstimo," a fim de evitar ir de encontro terminologia tradicional em lingstica.

    3.10.2. A Transliterao

    A transliterao consiste em substituir uma conveno grfica por outra (cf, Dubois et ai., 1978:601; Pei, 1966:282), como no caso de glasnost, uma transliterao do alfabeto cirlico para o romano, e que no deve ser confundida com a transcrio fontica (cf. Dubois et al, 1978; Pei, 1966).

    Como procedimento de traduo, ocorre em casos de extrema divergncia entre duas lnguas, que nem sequer tm um alfabeto co-mum. Este procedimento descrito por Catford (1965:26).

    Na traduo entre o ingls e o portugus normalmente no ha-ver lugar para este procedimento, uma vez que as duas lnguas uti-lizam o alfabeto romano. Podem ocorrer, contudo, elementos j trans-literados na LO. Sendo este o caso, preciso obedecer as normas de transliterao adequadas para cada lngua (cf. Maillot, 1975:147; Associao Brasileira de Normas Tcnicas, 1961:1).

    3.10.3. A Aclimatao

    A aclimatao o processo atravs do qual os emprstimos so adaptados lngua que os toma (cf. Pei, 1966:3-4). Este processo pode tambm ser denominado "decalque'' (cf. Pei, 1966:34; Crystal, 1980:51). Atravs desse processo, um radical estrangeiro se adapta fonologia e estrutura morfolgica da lngua que o importa (cf. Cmara Jnior, 1977:105).

    Enquanto procedimento tradutrio, a aclimatao consistiria em o tradutor realizar, ele mesmo, essas transformaes a que o emprstimo estaria sujeito durante o uso pelos falantes da lngua que o adota.

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  • Seria, portanto, um passo alm do estrangeirismo (q.v. 3.10.1) em que a palavra estrangeira simplesmente copiada da LO no TLT. Aqui, o vocbulo j estaria sujeito a alguma transformao, a ser efetuada pelo tradutor.

    Observo que, em meu trabalho de tradutora e de professora de traduo, nunca tive a oportunidade de realizar este procedimento, de modo que concluo que o tradutor raramente o realiza: normalmente s depois que uma palavra tomada de emprstimo pelo conjunto de falantes de uma lngua que passar pelo processo de aclimatao.

    Tal como observa Alves (1983), este procedimento s pode ser detectado em uma traduo atravs de uma anlise diacrnica, para determinar se j havia sido utilizado anteriormente ou no.

    3.10.4. A Transferncia com Explicao

    A condio necessria para o emprego da transferncia na traduo que o leitor possa apreender seu significado atravs do contexto.

    Muitas vezes o TLO no permite esta compreenso, sendo ne-cessrio acrescentar ao TLT procedimentos adicionais transferncia para proporcionar ao leitor um entendimento do significado do mesmo.

    Esses procedimentos adicionais, que se dividem em notas de rodap e explicaes diludas no texto, foram examinados em detalhe por Nida (1964) e Newmark (1981, 1988).

    Newmark (1988) enumera as trs formas que podem tomar as notas do tradutor: 1) notas de rodap, 2) notas no final do captulo e 3) notas ou glossrio no final do livro.

    Alm disso, a explicao da transferncia pode ser diluda no texto, assim evitando-se o emprego da nota de rodap. Nesse caso, a explicao pode aparecer entre vrgulas, entre travesses, entre aspas ou entre parnteses, como no exemplo abaixo:

    SAT, Scholastic Aptitude Test, exame de avaliao a que se submetem estudantes norte-americanos ao final do segundo grau como requisito para a entrada nas universidades,. . .

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    A explicao pode tambm tomar a forma de um "equivalente cultural" (cf. Newmark, 1988:82-83), por exemplo:

    Night School, o Supletivo americano,. . .

    ICM, the Brazilian sales tax...

    Ou pode tomar a forma de um "equivalente funcional" (cf. Newmark, 1988:83), livre de conotaes culturais, como m3s~e~xemplos abaixo:

    High School (Escola Secundria).. .

    Cambono, an acolyte,. . .

    Surgeon General Ministro da Sade . . .

    Wall Street, o mercado financeiro de Nova Iorque,. ..

    3.11. A EXPLICAO

    Havendo a necessidade de eliminar do TLT os estrangeirismos para facilitar a compreenso, pode-se substituir o estrangeirismo pela sua explicao. Isso pode acontecer em uma pea de teatro, por exem-plo, em que, por uma questo de ritmo cnico, preciso que o espec-tador tenha uma compreenso imediata da situao.

    Este procedimento descrito por Nida (1964), que o recomenda ao invs do estrangeirismo, particularmente quando comenta a tra-duo da Bblia para leitura em voz alta, a qual geraria a mesma necessidade de compreenso imediata que o teatro.

    Os exemplos oferecidos acima (q.v. 3.10.4) podem ser repetidos aqui, omitindo-se o estrangeirismo:

    . . . exame de avaliao a que se submetem estudantes norte-americanos ao final do segundo grau como requisito para a en-trada nas universidades. . .

    . . . o Supletivo americano... . .

    . the Brazilian sales tax. . .

    . . . Escola Secundria. . .

    . . . acolyte

    . . . Ministro da Sade. . .

    . . . o mercado financeiro de Nova Iorque. . .

  • 5.12. O DECALQUE

    O decalque consiste em traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais da LO no TLT, abandonando a confuso que se criou em torno do termo empregado por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 27), j que, como foi visto, muitos autores interpretam o decalque como sendo uma aclimatao do emprstimo lingstico.

    Tal como o estrangeirismo e a aclimatao, o decalque s pode ser detectado em uma traduo existente atravs de uma anlise dia-crnica, que determine se j havia sido usado ou no, como observa Alves (1983).

    Newmark (1981, 1988) define dois tipos de decalque. Um deles o emprstimo de tipos frasais propriamente dito e o segundo o o na traduo de nomes de instituies, conforme nos exemplos abaixo:

    a) decalque de tipos frasais

    task force grupo tarefa

    textbook livro texto

    case study estudo de caso

    b) decalque de tipos frasais ligados a nomes de instituies

    INPS National Institute for Social Welfare

    Tive a oportunidade de utilizar este procedimento ao traduzir manuais de treinamento de pessoal americanos para uma firma bra-sileira. Foi exigncia do cliente que os nomes dos personagens citados nas histrias de caso, das entidades mencionadas (tais como universi-dades e firmas), bem como cidades, fossem substitudos por outros bem brasileiros, a fim de aproximar da realidade dos empregados bra-sileiros as situaes citadas como exemplos, sem, no entanto, alterar o contedo da teoria de trabalho em equipe que desejavam veicular.

    O mesmo deu-se em relao a situaes tipicamente americanas, tais como horrios de refeies, tipos de alimentos, esportes prati-cados, que foram substitudos por outros mais comuns no Brasil.

    The People's Republic of China A Repblica Popular da China

    3.13. A ADAPTAO

    A adaptao o limite extremo da traduo: aplica-se em casos onde a situao toda a que se refere a TLO no existe na realidade extralingstica dos falantes da LT. Esta situao pode ser recriada por uma outra equivalente na realidade extralingstica da LT.

    Este procedimento foi descrito por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 30) e por Vzquez-Ayora (1977), alm de ser comen-tado por Newmark (1988).

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