banda de música senhor menino deus

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI (UFCA) CURSO DE MÚSICA - LICENCIATURA WAGNER LAYB LUNA OLIVEIRA BANDA DE MÚSICA SENHOR MENINO DEUS: História e memória da educação musical do município de Aurora-CE. JUAZEIRO DO NORTE 2013

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI (UFCA)

    CURSO DE MSICA - LICENCIATURA

    WAGNER LAYB LUNA OLIVEIRA

    BANDA DE MSICA SENHOR MENINO DEUS:

    Histria e memria da educao musical do municpio de Aurora-CE.

    JUAZEIRO DO NORTE

    2013

  • WAGNER LAYB LUNA OLIVEIRA

    BANDA DE MSICA SENHOR MENINO DEUS:

    Histria e memria da educao musical do municpio de Aurora-CE.

    Monografia apresentada ao curso de

    licenciatura em msica da Universidade

    Federal do Cariri como requisito parcial

    para a obteno do ttulo de Licenciado

    em msica.

    Orientador: Professor Me. Jos Robson

    Maia de Almeida

    JUAZEIRO DO NORTE

    2013

  • WAGNER LAYB LUNA OLIVEIRA

    BANDA DE MSICA SENHOR MENINO DEUS:

    Histria e memria da educao musical do municpio de Aurora-CE.

    Monografia apresentada ao curso de

    Licenciatura em Msica da Universidade

    Federal do Cariri, como requisito parcial

    para a obteno do ttulo de Licenciado

    em Msica.

    Aprovada em: _____/_____/________

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________ Prof. Me. Jos Robson Maia de Almeida (Orientador)

    Universidade Federal do Cariri (UFCA)

    ______________________________________________ Prof. Me. Francisco Weber dos Anjos

    Universidade Federal do Cariri (UFCA)

    ______________________________________________ Prof. Dra. Carmen Maria Saenz Coopat

    Universidade Federal do Cear (UFC)

  • Aos meus pais Carlos e Cida.

    Ao meu av paterno Sebastio e a minha

    av materna Alice.

    Ao Pe. Francisco Frana (In Memoriam)

    e ao maestro Esmerindo Cabrinha (In

    Memoriam).

    A todos os msicos da cidade de Aurora.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, por acreditar que seja fonte inesgotvel de vida, fora, amor e energia.

    Aos meus pais e avs, pela educao e pelo amor.

    Ao meu tio Josimar Luna e famlia, pelo apoio incondicional.

    Ao meu tio Wilson Luna, por ter me inserido no mundo da msica.

    A toda minha famlia, pela f depositada em mim.

    A todos os professores e professoras que tive ao longo da vida, que com humildade e

    sabedoria divina se fizeram de degraus para que eu pudesse chegar at aqui.

    Ao amigo Jos Edson Moreira Araujo, pelo incentivo dado para que eu prestasse

    vestibular.

    Ao amigo Joo Paulo Santos, pelo auxlio pr-vestibular.

    A todos os amigos e irmos na msica, pelo convvio harmonioso e de aprendizagem

    constante.

    Ao Prof. Luiz Domingos de Luna, pelas informaes acerca da histria da Banda.

    Ao Prof. Joo Tavares Calixto Jnior, pela contribuio com a pesquisa bibliogrfica e

    documental.

    A Prof. Neidinha, pela ajuda no tocante a parte gramatical do trabalho.

    A todos os entrevistados da pesquisa, pela ajuda enriquecedora.

    Ao Prof. Me. Robson Almeida, pela orientao deste trabalho, mostrando o caminho

    com pacincia, disposio, inteligncia e sinceridade.

    Aos professores participantes da banca examinadora, Francisco Weber dos Anjos e

    Carmen Maria Saenz Coopat, pela disponibilidade e valiosa contribuio.

    A professora Izara Silvino, pelo amor msica plantado, colhido e dividido ao longo

    de sua vida.

    A todos os professores e colegas que passaram e que esto no Curso de Msica da

    UFCA, pela tima relao, respeitosa e amiga, e pelos momentos de aprendizagem e de

    sorrisos.

  • RESUMO

    Este trabalho de pesquisa busca mostrar a importncia da Banda de Msica Senhor

    Menino Deus na histria, memria e no cenrio musical da cidade de Aurora-CE.

    Atravs de histria oral, demonstramos as experincias vivenciadas ao longo dos 28

    anos de existncia da Banda, assim como a lacuna que ficou aps sua desativao. A

    pesquisa foi de natureza qualitativa, sendo realizada na cidade de Aurora em arquivos

    de igrejas, prefeitura, cmara municipal, escolas, em casas de pessoas que contriburam

    com importantes informaes, por meio de entrevistas e pela internet. Para fundamentar

    esta investigao dialogamos com os autores Swanwick (2003), Joutard (2000),

    Burguire (2012), Tinhoro (2005) e Meihy & Holanda (2011) a fim de conhecermos e

    compreendermos o papel que esta manifestao musical exerceu e ainda exerce no

    referido torro. Conclumos com a pesquisa que a Banda de Msica Senhor Menino

    Deus foi importante na difuso do saber musical e no enriquecimento sociocultural da

    cidade de Aurora, durante e aps seu perodo de atividade.

    Palavras-chave: Educao Musical. Banda de Msica Senhor Menino Deus. Aurora-

    CE.

  • RESUMEN

    Esta investigacin muestra la importancia de la Banda de Msica Seor Nio Dios en la

    historia, la memoria y la escena musical de la ciudad de Aurora - CE. A travs de la

    historia oral, demostrar las experiencias a lo largo de los 28 aos de la banda, as como

    la brecha que se mantuvo despus de su desactivacin. La investigacin fue de

    naturaleza cualitativa, que se celebra en la ciudad de Aurora en archivos de la iglesia,

    prefectura, concejo municipal, escuelas, casas de personas que aportaron informacin

    importante e Internet. Para apoyar esta investigacin, el dilogo con los autores

    Swanwick (2003), Joutard (2000), Burguire (2012), Tinhoro (2005) e Meihy &

    Holanda (2011) con el fin de conocer y entender el papel que esta manifestacin

    musical ejerci y an ejerce en esa terrn. Concluimos con la investigacin la Banda de

    Msica Seor Nio Dios fue importante en la difusin del conocimiento musical y el

    enriquecimiento sociocultural de la ciudad de Aurora, durante y despus de su perodo

    de actividad.

    Palabras clave: Educacin musical. Banda de Msica Seor Nio Dios. Aurora-CE.

  • LISTA DE ILUSTRAO

    Imagem 1 Mapa de localizao da cidade de Aurora CE.................................... 3

    Imagem 2 Banda de Msica Municipal de Aurora................................................. 7

    Imagem 3 Banda de Msica Feminina da cidade de CajazeirasPB.................... 18

    Imagem 4 Banda de Msica Senhor Menino Deus, 2006...................................... 21

    Imagem 5 Msicos tocando em desfile do dia 07 de Setembro de 2010............... 23

    Imagem 6 Aniversrio do Padre Frana, 1985....................................................... 29

    Imagem 7 Banda de Msica em foto mais descontrada, 1993.............................. 30

    Imagem 8 Ensaio com o maestro Esmerindo, s/d................................................... 31

  • SUMRIO

    1. INTRODUO......................................................................................... 1

    1.1. Aurora: Um pouco de sua histria e cultura............................................. 2

    2. DESENVOLVIMENTO............................................................................ 8

    2.1. Motivos e motivaes para pesquisar...................................................... 8

    2.2. Fundamentao Terica........................................................................... 10

    2.3. Metodologia............................................................................................. 14

    3. RESULTADOS......................................................................................... 16

    3.1. Histrico da Banda de Msica Senhor Menino Deus................................ 16

    3.2. Histrias/experincias de vida na Banda de Msica Senhor Menino Deus... 24

    3.3. Didtica e metodologia de ensino na Banda de Msica Senhor Menino

    Deus........................................................................................................... 31

    4. CONSIDERAES FINAIS...................................................................... 37

    REFERNCIAS............................................................................................. 38

    ANEXOS........................................................................................................ 40

  • 1

    1 INTRODUO

    Esse trabalho de pesquisa tem como aspirao investigar a importncia de uma

    banda de msica para a formao de uma sociedade melhor e principalmente para a

    formao intelectual e social das pessoas atravs do uso da educao musical como forma

    de instrumento transformador. Escolhemos a Banda de Msica Senhor Menino Deus como

    fonte da pesquisa, banda essa que pertenceu ao Colgio Paroquial de 29 de abril de 1981 a

    Janeiro de 2010. O citado colgio ligado Parquia Senhor Menino Deus, da cidade de

    Aurora CE.

    A escolha por esse tema se justifica pelo fato de existir uma ligao minha com

    a Banda, uma vez que foi l o meu incio musical. Foi l tambm onde encontrei inspirao

    e a certeza do futuro que queria ter. Outras questes atiaram a escolha por esse tema: uma

    delas foi procurar entender o porqu de sua desativao, acontecida em janeiro de 2010,

    acabando assim com um importante ciclo de educao musical na cidade.

    A pesquisa foi toda desenvolvida na cidade de Aurora. Os personagens

    escolhidos foram participantes da Banda em diversos momentos de sua existncia e que

    hoje exercem diferentes funes na sociedade.

    O principal mtodo escolhido para a realizao desta pesquisa foi a histria

    oral, sendo que um dos objetivos foi analisar qual a funo da Banda para a vida dos seus

    partcipes, assim como verificar o seu papel social. Outro mtodo utilizado foia

    historiografia com a abordagem na educao musical.

    O objetivo geral da pesquisa foi estudar e entender a importncia da Banda de

    Msica Senhor Menino Deus para o desenvolvimento musical de Aurora CE, focando os

    aspectos de educao musical por ela proporcionada ao longo de sua existncia. Enquanto

    que os objetivos especficos foram: realizar um levantamento da histria musical de Aurora

    sobre a tica da Banda de Msica Senhor Menino Deus; analisar a influncia que a Banda

    exerceu para os seus participantes; realizar um levantamento acerca das didticas de ensino

    utilizadas durante sua histria e verificar o papel social que a Banda exercia na cidade.

    O trabalho est dividido em quatro captulos, sendo 1) Introduo, 2)

    Justificativa, 3) Resultados e 4) Consideraes Finais; alm das referncias e dos anexos

    com documentos, partituras e fotografias no final do trabalho.

    No captulo 1, explanamos os objetivos e falamos da histria e da cultura de

    Aurora, situando o leitor no ambiente da pesquisa.

  • 2

    No captulo 2, falamos sobre os motivos e as motivaes que nos levaram a

    indagar e pesquisar sobre o tema em questo. Neste captulo tambm dialogamos com

    vrios autores a respeito da dinmica do trabalho, no quesito conceitual e metodolgico.

    No captulo 3, iremos mostrar os resultados da pesquisa, separados em trs

    tpicos, sendo que o primeiro explana a histria da Banda de Msica Senhor Menino Deus;

    o segundo fala a respeito das experincias e memrias dos entrevistados em relao a suas

    participaes na Banda e o terceiro e ltimo tpico fala a respeito das didticas utilizadas

    no ensino musical na Banda.

    No captulo 4, encontraremos as consideraes finais desse trabalho de

    pesquisa levando em estima os resultados como forma de reflexo para se chegar a uma

    concluso precisa dos fatos narrados ao longo de seu desenvolvimento.

    E por ltimo, iremos de encontro s referncias e aos anexos, que trazem

    documentos histricos, trechos de jornais, partituras e fotos de encontros da Banda em

    vrios momentos.

    1.1 Aurora: Um pouco de sua histria e cultura

    O municpio de Aurora est localizado na regio sul do Cear, margem

    esquerda do rio Salgado, no Cariri oriental e conta com uma rea de 885,836 km1, distante

    472 km da capital pela BR 116 e pela CE 286, a qual liga a sede citada BR. Faz fronteira

    ao norte com Lavras da Mangabeira e Ipaumirim, ao sul com Barro, Milagres e Misso-

    Velha, a oeste com Caririau e a leste com Cachoeira dos ndios no vizinho estado da

    Paraba2.De acordo com o ltimo senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas

    (IBGE) realizado em 2010, a cidade conta com uma populao de 24.566 habitantes, sendo

    que o nmero de habitantes estimados de 2013 de 24.716.

    1 Fonte: IBGE - http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=230170 (acessado em

    29/10/2013)

    2 Extrado do site: www.arimateia.med.br/conteudo/cidades/aurora.htm (acessado em 27/09/2010)

  • 3

    Imagem 1 Mapa de localizao da cidade de Aurora CE.3

    Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ceara_Municip_Aurora.svg

    Aurora, que outrora se chamava Venda e fazia parte da cidade de Lavras da

    Mangabeira, obteve sua independncia poltica em 10 de novembro do ano de 1883. Tal

    fato citado no livro Venda Grande dAurora (2012), que tem como autor Joo Tavares

    Calixto Jnior: 1883 (10 de novembro) - Por fora da lei 2.047, desagrega-se do de

    Lavras o municpio de Aurora, criando-se como sede da povoao da Venda, ento elevada

    categoria de vila, com a denominao de Vila dAurora. (CALIXTO JNIOR, 2012, p.

    83).

    O municpio conta atualmente com 130 anos de histria, incluindo sua histria

    cultural. Terra me de vrios filhos notrios e importantes nos diversos ramos da

    sociedade, terra do cantor forrozeiro e pesquisador Alcymar Monteiro e do artista plstico

    Aldemir Martins (In Memoriam), os dois nascidos em Ingazeiras, distrito de Aurora.Terra

    tambm do reconhecido nacional e internacionalmente Ngo Simplcio, escultor, embora

    seja reconhecido por ter desenvolvido uma tcnica exclusiva feita com o musgo e barro,

    3(Acessado em: 22/10/2013)

  • 4

    fazendo esculturasusando esses dois elementos citados.Hoje reside na cidade de Nova

    Friburgo, Rio de Janeiro, onde tem um stio chamado Jardim do Ngo.

    Aurora tambm terra do poeta Serra Azul (In Memoriam), do arteso Dio

    Andr (In Memoriam) construtor de carros em miniatura; do construtor de rabeca e mestre

    de cultura do Cear Antnio Pinto; do tambm construtor de rabeca e arteso Gil Chagas,

    do poeta repentista Ismael Pereira; da brava sertaneja Marica Macdo (In Memoriam); do

    valente coronel Izaias Arruda (In Memoriam); do renomado jornalista e escritor

    Hermenegildo de S Cavalcante (In Memoriam); do advogado Paulo Quezado e de tantos

    outros que fizeram e fazem o nome da cidade transbordar as fronteiras.

    Com base nas pesquisas realizadas, at ento podemos dizer que apesar de ser

    uma cidade centenria, nunca houve estudos direcionados para a msica local, nem para a

    histria da educao musical, portanto este trabalho intenta contribuir tambm para

    descortinar e evidenciar os fatos da histria de Aurora e sua msica.

    A musicalidade cearense tem como uma de suas principais caractersticas

    culturais formar msicos atravs de Bandas de Msica, compostas por instrumentos de

    sopros e percusso a quais so possuidoras de um processo educacional com vistas a

    objetivos musicais prticos e delimitados, nas quais o foco principal preparar o msico

    para leitura e execuo musical em grupo. Uma grande maioria das cidades cearenses so

    adeptas a essa cultura, inclusive a cidade de Aurora.

    Em sua dissertao de mestrado, o professor Robson Almeida (2010) enfatiza

    os investimentos do governo estadual voltados para as bandas de msica.

    Foi com incio na dcada de 1980 at o comeo do sculo XXI que houve

    um crescimento destacado do nmero de bandas, em decorrncia dos projetos empreendidos pelo Poder Pblico, por meio do Projeto Bandas,

    de mbito nacional, criado em 1976, e do Projeto de Fortalecimento

    Musical, institudo com recursos do Fundo de Combate a Pobreza (FECOP) do Governo Estadual. (ALMEIDA, 2010, p. 48).

    Ainda sobre o assunto, o autor reafirma essa tendncia cultural cearense em

    relao ao fomento de bandas de msica, sua abrangncia e importncia.

    Desta maneira, com o levantamento aqui exposto, podemos observar que

    os anos 90 e incio do sculo XIX so os que detm o maior nmero bandas formadas, com 50 grupos cada qual, seguida da dcada de 1980,

    com 15 grupos. No perodo compreendido entre os anos de 2006 a 2009,

    entretanto, foram criadas 30 bandas de msica. Consequentemente, desde 2006, todos os municpios do Estado, oficialmente, possuem pelo menos

    uma banda de msica.(ALMEIDA, 2010, p. 49).

  • 5

    Durante sua histria, a cidade de Aurora possuiu cerca de 4 (quatro) bandas de

    msica, cada uma com suas peculiaridades e diferentes funes. A primeira delas foi a

    Banda do Patronato Monsenhor Vicente Bezerra. A segunda, Banda de Msica da

    Associao Beneficente Aurorense, que surgiu na dcada de 1930. A terceira, fundada em

    1981, pelo influente Pe. Francisco Frana (In Memoriam): a Banda de Msica Senhor

    Menino Deus. A quarta, Banda de Msica Municipal, surgiu em 1994, com a funo de

    ensinar msica aos jovens e crianas, fazendo com que posteriormente, de acordo com o

    nvel musical alcanado, os jovens fossem remanejados para a Banda de Msica Senhor

    Menino Deus.

    De acordo com o livro Venda Grande DAurora (2012) existiu em Aurora uma

    banda de msica de nome Banda do Patronato Monsenhor Vicente Bezerra [...] Apesar da

    existncia de outras bandas marciais no municpio (Bandas do Patronato Monsenhor

    Vicente Bezerra e da Associao Beneficente Aurorense) [...] (CALIXTO JNIOR, 2012,

    p 261.). H tambm registros de sua existnciano Jornal do Cear datado do ano de 1908,

    em sua 754 edio, onde a banda do patronato Monsenhor Vicente Bezerra, primeira banda

    essa que se tem registro, fez uma apresentao na cidade de Jaguaribe-Mirim4. A banda,

    que pertencia ao Patronato5, tinha como principais responsveis o Monsenhor Vicente

    Bezerra e o maestro Jos Ribeiro. Uma de suas principais funes era fomentar a cultura

    musical da cidade de Aurora e se fazer presente em festas sacras.

    No dia 29 de Janeiro veio a alegrar-nos com sua presena o illustre Revd.

    Padre Vicente Augusto Bezerra, digno vigario da Aurora, trazendo em

    sua companhia a harmoniosa banda de musica da quella Villa derigida pelo habil e intelligente maestro Jos Ribeiro, a qual veio dar nossa

    festa maior explendor [...]As 10 horas do dia teve logar a missa cantada ao som melodioso do Harmonio

    6 acompanhado pela orchestra do

    distincto maestro Jos Ribeiro. (JORNAL DO CEAR, 1908, 754

    edio.)

    4 Hoje em dia chama-se Jaguaribe, cidade que fica a 308 km da capital.

    5 Educandrio que pertenceu Parquia Senhor Menino Deus, da cidade de Aurora - CE.

    6 O harmnio um instrumento musical de teclas, cujo funcionamento muito similar ao de um rgo, mas sem os tubos que caracterizam este ltimo. Apesar de feito para uso domstico, tornou-se um instrumento

    musical de uso tpico em igrejas, por seu tamanho e preo. O som do harmnio parecido com o

    do acordeo. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Harmnio (Acessado em: 15/11/2013).

  • 6

    O Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro em sua

    72 Edio publicou no ano de 1916a relao dos msicos que pertenciam a referida banda.

    Segundo o Almanaque, os msicos eram:

    Musicos: Anizio Gonalves Maciel. Arthur Moreira da Costa. Cicero Calixto Araujo. Amygdio Cabral Almeida. Epiphanio Gonalves, contra-

    mestre. Jos Alves Ribeiro, maestro. Manoel Arruda. Manoel Furtado de

    Figueiredo. Raymundo Nonato Maciel. Raymundo Lopes. Raymundo do Valle Junior. (BIBLIOTECA NACIONAL, 1916, p. 5)

    Com relao asegunda banda, a Banda de Msica da Associao Beneficente

    Aurorense, o historiador Amarlio Gonalves Tavares retrata em seu livro Aurora

    Histria e folclore (1999), a seguinte descrio:

    Em 1936, a Associao Beneficente fundou a sua prpria banda de

    msica, cujo primeiro maestro foi o msico Arlindo Cruz, que tocava saxofone. Sucedeu-lhe na regncia da Banda, em 1940 o maestro Josino

    Roberto de Sousa, que tocava piston. A partir de 1945, por mais de dez

    anos, a Banda foi regida por Joo Boaventura, que tocava vrios instrumentos de sopro: saxofone, clarineta e trombone de vara.

    (TAVARES, 1999, p. 127-128).

    Ainda em relao a Banda da Associao Beneficente, o escritor do livro

    Aurora - Histria e Folclore (1999), Amarlio Gonalves Tavares, relata uma das principais

    funes: Com o fim de proporcionar deleite populao, a banda em apreo fez inmeras

    retretas (audio pblica) na praa da Matriz [...] E animava as festas da Associao e de

    casas de famlia, tocando marchas e sambas. (TAVARES, 1999, pg. 128).

    A Banda de Msica Municipal, quarta banda, iniciou suas atividades no ano de

    1994, com a chegada dos instrumentos musicais atravs daSecretaria de Cultura do estado

    do Cear (SECULT-CE), teve sua sede nas dependncias do Colgio Municipal Romo

    Sabi, mais conhecido como Municipal, tendo como maestros ao longo de sua histria os

    msicos Lula e Damio Tavares. O intuito inicial e principal da banda de msica municipal

    era de fomentar a msica em instncia municipal, j que a banda que existira na poca

    pertencia a Parquia Menino Deus. Com o passar do tempo, os integrantes que se

    destacavam passaram a migrar-se para a Banda de Msica Senhor Menino Deus, na qual o

    nvel de execuo e de leitura musical era mais alto.

  • 7

    Imagem 2 Banda de Msica Municipal de Aurora7

    Fonte: Maestro Lula.

    De acordo com alguns levantamentos realizados atravs de dilogos, relatos

    informais e pesquisa bibliogrfica percebe-se que a Banda de Msica Senhor Menino Deus

    fora a mais importante que surgira no municpio, tanto pela sua funo sociomusical

    quanto pelo tempo de existncia, exatos 28 anos de histria. Podemos conferir registro de

    sua importncia em trecho do livro Venda Grande DAurora (...) foi a Banda de Msica

    Menino Deus, a de maior repercusso e colaborao na formao de msicos autctones

    (CALIXTO JNIOR, 2012, p. 261). Com isso, aproveitando sua importncia histrico-

    cultural e sua tamanha influncia na histria recente da msica e da educao musical na

    cidade de Aurora, resolvemos pesquis-la com o intuito de ampliar nosso entendimento

    acerca da sua importncia na musicalidade aurorense a partir do ano de 1981, ano de sua

    fundao, e tentar perceber a lacuna que ficou aps sua desativao, em janeiro de 2010.

    7 Banda de Msica Municipal da prefeitura de Aurora com a regncia de Damio Tavares, em desfile de 07

    de setembro.

  • 8

    2 DESENVOLVIMENTO

    2.1Motivos e motivaes para pesquisar

    Banda de Msica um tema bastante ligado histria recente da msica e da

    educao musical, seu pas de origem a Frana, e tem dados de sua estruturao datados

    do sculo XVII.

    Genericamente, banda um conjunto musical formado por instrumentos

    de sopro e percusso. Sua instrumentao moderna comeou a se estruturar na Frana quando Jean Baptiste Lully (1632-1687), no reinado

    de Lus XIV (1638-1715), substituiu por obos e fagotes as antigas

    charamelas e dulcianas. Nesta poca, as bandas de msica atuavam basicamente nas cortes e nas igrejas da elite aristocrata, sem a conotao

    de conjunto popular que possui hoje. (BINDER, 2006, p. 08)

    No Brasil, tem registros de sua formao durante o sculo XIX, sendo

    observada a situao precria de sua organizao at a chegada do prncipe D. Joo com a

    corte portuguesa.

    Formadas a partir do sculo XIXem alguns regimentos de Primeira Linha,

    em substituio confusa formao de msicos tocadores de charamelas,

    caixas e trombetas vindos dos primeiros sculos da colonizao, as bandas militares tiveram organizao e vida muito precrias at a

    chegada do prncipe d.Joo com a Corte portuguesa em 1808.

    (TINHORO, 2005, p. 108)

    O estado do Cear tem em um de seus principais aspectos culturais o

    investimento em educao musical atravs das bandas de msica. Essas exercem uma

    fundamental formao no s musical, mas tambm social aos seus adeptos, assim como

    tambm a toda a populao receptora e telespectadora. Como exemplo, podemos observar

    o Informativo A Banda, Edio N 4, Dezembro de 2002, da Secretaria de Cultura e

    Desporto do Estado do Cear,

    Em setembro de 2002, a Coordenao de Msica da Secretaria da Cultura

    e Desporto lanou a primeira edio do informativo A Banda - peridico mensal que tem por objetivo, entre outros, o de implementar a

    integrao entre 172 Bandas de Msica do Estado do Cear, manter constante informaes acerca das atividades desenvolvidas, cursos,

    palestras, repertrios com vistas a aprimor-las tecnicamente. (CEAR,

    2002, p. 1)

  • 9

    Assim como muitas cidades do interior do Cear, Aurora fora contemplada

    com um importante projeto de educao musical, idealizado pelo proco aurorense

    Francisco Frana, que em seu papel de proco conseguiu atravs do MEC instrumentos

    musicais necessrios para dar incio a construo material de um ideal que at ento era

    completamente abstrato, a formao da Banda de Msica Senhor Menino Deus, banda

    pertencente parquia de Aurora, porm geograficamente e socialmente falando, banda

    que pertenceu a todos os aurorenses.

    Decidimos estudar sobre a Banda de Msica Senhor Menino Deus pelo fato de

    esta ter sido durante 28 anos a principal fonte geradora de msicos e maestros da histria

    recente de Aurora, fazendo com que tenha uma notria importncia na construo do saber

    e do discurso musical, pois de acordo com Swanwick (2003, p. 18) a msica uma forma

    de discurso to antiga quanto a raa humana, um meio no qual as ideias acerca de ns

    mesmos e dos outros so articuladas em formas sonoras.

    Um dos principais motivos, alm do j citado, o fato de eu j ter participado e

    ter sido um dos filhos musicais gerados e educados pela banda; motivo esse que faz com

    que a vontade de pesquisar e entender todo o processo seja ainda maior.

    Outro fator que fomos instigados a saber foi se a Banda de Msica contribuiu

    para gerar diversos grupos e bandas musicais populares, mesmo que de forma indireta, no

    intencional. O saber adquirido na Banda de Msica de um modo mais formal e completo

    poderia ser aplicado tambm na msica popular, nos grupos de seresta, de frevo, de baile e

    de forr, ajudando e garantindo assim uma renda importante para os msicos. Tal

    indagao nos ajuda saber se a Banda de Msica Senhor Menino Deus foi alm de um

    simples projeto de um Colgio da parquia, passando a ser durante 28 anos de existncia a

    construtora do discurso e da histria musical recente de Aurora.

    Uma caracterstica bastante interessante da Banda de Msica Senhor Menino

    Deus, que merece ser estudada e registrada, o fato da funo social que ela exercera, pois

    no se limitava apenas a montar uma banda com a finalidade de tocar repertrios, mas

    tambm fazer da banda uma espcie de escola de msica, onde, dependendo do nmero de

    instrumentos disponveis, era possvel fornecer um trabalho de incluso musical, fazendo

    com que jovens de diferentes esferas sociais pudessem aprender teoria musical e

    consequentemente dominar um instrumento. Uma nova possibilidade de vida era dada a

    esses jovens, os quais tinham a opo de ocupar seu tempo com o estudo da msica,

  • 10

    inserindo-os de forma gradativa na sociedade e fortalecendo seu conhecimento atravs

    dessa forma simblica, incentivando tambm a criao de um discurso musical.

    Outra motivao para a escolha de tal pesquisa foi o fato deste trabalho de

    educao musical ter sido interrompido, levando-nos a indagar qual teria sido o motivo

    para sua desativao, causando assim uma inquietao natural para desvendar o porqu.

    Com o fim da banda de msica, percebeu-se muito brevemente uma escassez

    de msicos e de grupos em Aurora, pois a maioria dos msicos da banda de msica migrou

    para outras cidades em busca de oportunidade de trabalho, e os que continuaram sua

    residncia na cidade logo se empregaram em trabalhos distantes da realidade musical,

    levando-os a desistir da prtica. Notando essa escassez sentimos a necessidade de

    pesquisar e ampliar a viso sobre uma perspectiva esttica, de educao musical e de

    histrias de vida.

    2.2 Fundamentao Terica

    Com base na importncia que uma banda de msica pode ter para uma cidade,

    determinando seus valores educacionais, culturais, sociais e musicais, porm, sabendo que

    no importante apenas por esses fatores, mas sim pela criao e fortalecimento do

    discurso musical, que citamos e extramos do educador Keith Swanwick (2003) o seu

    modo de pensar o que de fato a msica e seus diversos movimentos.

    Em seu livro Ensinando Msica Musicalmente (2003), o estudioso Swanwick

    enfatiza por diversas vezes a importncia da msica como uma forma simblica, sendo

    essa representada atravs de discurso. A msica no apenas um meio de valorizao

    cultural, mas sim uma maneira de nos comunicarmos atravs de recursos estticos,

    sentimentos e de ligao cultural, uma vez que a msica detm uma linguagem universal

    na qual ultrapassa todas as fronteiras antropolgicas e culturais. O autor chega a comparar

    o discurso musical com a linguagem verncula: Se a msica uma forma de discurso,

    ento anloga tambm, embora no idntica, linguagem. (SWANWICK, 2003, p. 68).

    A viso de Swanwick prope um olhar mais amplo para a funo da educao

    musical, assim como tambm da educao vivenciada em bandas de msica. Swanwick

    (2003) nos mostra que no devemos nos limitar a enxergar a educao musical apenas pelo

    ngulo social, mas sim, principalmente, como j citado antes, atravs de uma forma

    simblica, ou seja, uma forma de pensamento e de conhecimento.

  • 11

    Ns, portanto, podemos ver a msica alm de suas relaes com origens

    locais e limitaes de funo social. A msica uma forma de pensamento, de conhecimento. Como uma forma simblica, ela cria um

    espao onde novos insights tornam-se possveis. [...] isso se d, em ltima

    instncia, porque a msica significativa e vlida. Ela um valor compartilhado com todas as formas de discurso, porque estas articulam e

    preenchem os espaos entre diferentes indivduos e culturas distintas.

    (SWANWICK, 2003, p 38 grifos do autor)

    Outro autor que enfatiza a importncia da msica, porm, dando uma nfase

    maior para os aspectos sociais Antnio Jos Beck, no seu artigo: Aspectos Sociais e

    Musicais Envolvidos Numa Banda Estudo de um caso. (2003) O autor alm de referir a

    este aspecto tambm traz consigo vivncias e traa um fiel perfil das bandas de msica do

    interior, perfil esse que se assemelha ao da Banda Senhor Menino Deus:

    Antes, mesmo com as inmeras dificuldades, a oportunidade de estudar

    msica era mais fcil. Em muitas cidades e at mesmo vilarejos existiam

    os mestres de banda (responsvel pelas bandas, ele era o professor e

    regente) e as bandas que funcionavam tambm como escola de msica

    formando instrumentistas para a corporao e para a sociedade. (BECK,

    2003, p. 1)

    Ao retratar o passado, o autor, no seu ponto de vista, nos mostra uma crescente

    dificuldade em relao ao estudo de msica em cidades pequenas e vilarejos hoje em dia,

    ocasionados pela falta de investimentos e at mesmo pela mudana de hbitos

    administrativos na rea em questo. Tal problema tambm se assemelha ao da Banda de

    Msica Senhor Menino Deus, que teve seu projeto interrompido pela mudana de hbito

    (viso) sociocultural administrativo.

    Podemos observar que o autor tambm ressalta a relevncia de uma banda de

    msica e da figura do maestro, que nesse caso tambm professor, coordenador e principal

    responsvel pela banda, para a formao de instrumentistas para a sociedade como um

    todo. Notamos aqui um dos principais motivos em que se faz justo pesquisar e escrever

    sobre todo o processo educacional de uma banda de msica, assim como os seus servios

    prestados a sociedade.

    A histria oral, que foi a abordagem metodolgica e conceitual utilizada nesta

    pesquisa, tem uma importncia fundamental no delinear histrico, trazendo consigo a

    hiptese de se fazer vlido um fato com testemunhos reais, documentando suas

    experincias de interesse coletivo e social. A grande importncia da pesquisa em histria

  • 12

    oral dar voz e credibilidade aqueles que dificilmente teriam a oportunidade de dividir

    suas importantes experincias de vida, vivenciadas no meio social.

    O exemplo disto, em oportuno, podemos citar a produo cinematogrfica,

    intitulada: Narradores de Jav. Neste filme demonstrada com clareza a importncia da

    histria oral para a riqueza cultural de um povo. Depois de ter a cidade ameaada de

    desaparecer do mapa por conta da construo de uma usina hidreltrica, moradores se

    organizam e decidem registrar suas histrias, para que elas no se percam junto com a

    cidade. Podemos perfeitamente associar essa problemtica do filme com o nosso trabalho,

    justamente pelo fato de utilizarmos o recurso oral para a narrativa dos fatos.

    O livro Histria Oral: Desafios para o sculo XXI (2000), que tem como

    organizadoras: Marieta de Moraes Ferreira, Tania Maria Fernandes e Verena Alberti,

    retrata bem essa realidade e traz tona os desafios e barreiras da pesquisa em histria oral

    em pleno sculo XXI. Esse livro apresenta uma boa quantidade de autores, e um deles,

    chamado Philippe Joutard se aproxima de nossas experincias ao falar da fidelidade s

    inspiraes iniciais ao estudo da histria oral, tentando com isso passar a devida

    importncia deste conceito para a pesquisa acadmica.

    A fora da histria oral, todos sabemos, dar voz quele que

    normalmente no a tm: os esquecidos, os excludos ou, retomando a bela expresso de um pioneiro da histria oral, Nuno Revelli, os derrotados. Que ela continue a faz-lo amplamente, mostrando que cada indivduo

    ator da histria. (JOUTARD, 2000, p. 33)

    O autor retrata a histria oral como sendo a oportunidade de se penetrar no

    mundo do imaginrio e do simblico, ou seja, temos com isso a oportunidade de chegar

    com exclusividade a um ponto que de difcil acesso para outras linhas de pesquisa seno

    a histria oral.

    No se pode esquecer que, mesmo no caso daqueles que dominam

    perfeitamente a escrita e nos deixam memrias ou cartas, o oral nos

    revela o indescritvel, toda uma srie de realidades que raramente aparecem nos documentos escritos, seja porque so consideradas muito insignificantes o mundo da cotidianidade ou inconfessveis, ou porque so impossveis de transmitir pela escrita. atravs do oral que se

    pode apreender com mais clareza as verdadeiras razes de uma deciso; que se descobre o valor de malhas to eficientes quanto as estruturas

    oficialmente reconhecidas e visveis; que se penetra no mundo do

    imaginrio e do simblico, que tanto motor e criador da histria quanto o universo racional. (JOUTARD, 2000, p. 33-34).

  • 13

    O fato de termos uma pesquisa voltada tambm para um contexto histrico,

    no s de histrias de vida, mas principalmente da concepo histrica de uma instituio,

    no caso, a Banda de Msica, como tambm de instituies ligadas a ela, faz-nos remeter a

    importncia da histria em um panorama mais amplo, para a sociedade e para o

    fortalecimento das distintas culturas, percebendo assim as inter-relaes e ajudando a

    entender o presente olhando para o passado.

    Andr Burguire em seu artigo Da histria evolucionista histria complexa,

    publicado no livro A religao dos Saberes (2012), de Edgar Morin, nos traz o papel da

    histria e do historiador em um contexto de pluralidade do desenvolvimento histrico-

    cultural.

    Sua tarefa, doravante, levar em conta a singularidade de cada cultura, de

    cada poca, de cada modo de desenvolvimento, comparando-os entre eles

    e pondo em evidncia suas inter-relaes. No se trata mais de restituir, mas sim de compreender, e nessa busca, a histria torna-se indistinta das

    cincias sociais (BURGUIRE & MORIN, 2012, p. 365).

    O autor refora tambm o discurso de que a histria nada mais do que a

    tentativa de resposta para as incgnitas da atualidade, ou seja, atravs dos problemas atuais

    que nos voltamos para entend-los atravs dos acontecimentos do passado.

    No existe histria que no seja do presente, gostava de repetir LucienFebvre, ou seja, necessrio renunciar pretenso de reconstituir

    o passado em si mesmo. S podemos apreend-lo com as lunetas de

    nossa prpria poca, isto , interrogamos o passado a partir das questes de nossa poca e para fornecer respostas aos problemas de nossa poca.

    (BURGUIRE & MORIN, 2012, p. 365)

    Tal discurso tambm reforado por Serge Gruzinski em seu artigo

    Acontecimento, bifurcao, acidente e acaso... Observaes sobre a histria a partir das

    periferias do Ocidente, publicado no livro de Edgar Morin (2012) No pensamento

    amerndio, no se volta no passado, o passado que volta at o presente (GRUZINSKI &

    MORIN, 2012, p. 388).

    Escolhemos a histria oral como a principal forma de obter informaes sobre

    a histria da Banda de Msica Senhor Menino Deus, e principalmente para entender os

    processos de ensino e de histria de vida de seus integrantes. O motivo fundamental para

    tal abordagem foi a dificuldade de encontrar registros bibliogrficos a respeito da banda de

    msica. Bandas de msica, militares, marciais ou at mesmo fanfarras constituem uma das

  • 14

    formas mais antigas de ensino e de experincias musicais no Brasil, porm, apesar de sua

    importncia histrica e atuantemente presente, considervel pouco os estudos feitos para

    essa vertente de educao musical. Jos Ramos Tinhoro em seu livro Os sons que vm

    da rua (2005) fala justamente dessa problemtica: Uma das mais antigas e menos

    estudadas instituies ligadas divulgao de msica popular, no Brasil, a das bandas de

    corporaes militares. (TINHORO, 2005, p. 108).

    2.3 Metodologia

    A pesquisa foi de natureza qualitativa. Utilizamos uma abordagem direcionada

    para pesquisa histrico-musical incluindo aspectos da histria oral, da historiografia, da

    pesquisa documental e da Educao Musical. Toda a pesquisa aconteceu na cidade de

    Aurora CE, em arquivos da igreja, prefeitura, cmara municipal, escolas, em casas de

    pessoas que contriburam com importantes informaes e pela internet.

    Os dados foram extrados atravs de documentos histricos, incluindo fotos,

    jornais, revistas, livros, artigos e tambm de entrevistas narrativas pessoais e entrevistas

    por e-mail. A coleta de dados foi feita, sobretudo atravs de relatos, sendo necessrio para

    tal, um dirio de campo, cmera fotogrfica, filmadora e um gravador de voz.

    Sobre as entrevistas narrativas Flick (2009) nos diz:

    As narrativas produzidas pelos entrevistados, como forma de dados,

    podem ser utilizadas como uma alternativa s entrevistas semi-

    estruturadas. [...] As narrativas, por outro lado, permitem ao pesquisador abordar o mundo emprico at ento estruturado do entrevistado, de um

    modo abrangente. (FLICK, 2009, p. 164)

    As abordagens condizem com a necessidade da pesquisa, e uma delas, a

    histria oral, foi uma das mais importantes, por ter uma identidade com todo o processo

    prtico da mesma. Utilizando mtodos tecnolgicos que propiciaram o registro de dados

    obtidos atravs das entrevistas. Fizemos o uso dessa tcnica durante todo o perodo da

    pesquisa de campo, uma vez que a principal fonte fornecedora de informaes para o nosso

    trabalho esteve nas pessoas, nos personagens da histria recente a qual estudamos. Os

    autores Jos Carlos Sebe Bom Meihy e Fabola Holanda em seu livro Histria Oral: Como

    fazer, como pensar (2011) trazem uma definio do que de fato a histria oral:

    Histria oral um recurso moderno usado para elaborao de registros,

    documentos, arquivamento e estudos referentes experincia social de

  • 15

    pessoas e de grupos. Ela sempre uma histria do tempo presente e

    tambm reconhecida como histria viva. [...] Histria oral uma pratica

    de apreenso de narrativas feita atravs do uso de meios eletrnicos e destinada a: recolher testemunhos, promover anlises dos processos

    sociais do presente, e facilitar o conhecimento do meio imediato.

    (MEIHY & HOLANDA, 2011, p. 17-18).

    Utilizamos os meios tecnolgicos principalmente para registrar discursos que

    fundamentem a nossa pesquisa, mas tambm para fazer uma anlise dos fatos recolhidos, a

    fim de realizar um comparativo das informaes, com a inteno de filtrar a legalidade da

    informao adquirida, para s ento, depois disso, public-la. Para que pudssemos realizar

    tal feito, foi preciso realizar entrevistas gravadas atravs de aparelhos eletrnicos, tais

    como: gravador de udio e/ou aparelho celular. Tal tcnica no s comum, como tambm

    a principal vertente do registro da histria oral.

    Histria oral uma alternativa para estudar a sociedade por meio de uma

    documentao feita com o uso de entrevistas gravadas em aparelhos

    eletrnicos e transformadas em textos escritos. Alm de prezar o valor documental do resultado das entrevistas, bem como dos aparelhos

    eletrnicos, aqui considerada a passagem do oral para o escrito. Essa

    alternativa se restringe ao carter documental das entrevistas. A palavra

    estudo no caso restringe as funes sociais ou pblicas da histria oral. (MEIHY & HOLANDA, 2011, p. 19).

    Vendo por um contexto mais amplo, tambm utilizamos da historiografia para

    metodologia da pesquisa. Daniela Nunes (2011), no seu artigo Pesquisas Historiogrficas

    Desafios e Caminhos define o que a pesquisa historiogrfica, assim como a sua

    importncia para a pesquisa acadmica.

    A construo historiogrfica feita sempre em dilogo com as incertezas,

    dvidas e lapsos, que sero preenchidos pelo pesquisador por meio do acesso s fontes e tambm da sua criatividade e imaginao. O confronto

    com o documento mediado pelo tempo, objeto central para o estudo do

    homem e das sociedades; assim, as pesquisas cientficas quando se apresentam ao pblico leitor revelam-se como obras prontas, sem lacunas

    ou silncios e escondem no discurso todas as fraquezas e dificuldades que

    levaram realizao da investigao. (NUNES, 2011, p. 16)

  • 16

    3 RESULTADOS

    3.1Histrico da Banda de Msica Senhor Menino Deus

    A Banda de Msica Senhor Menino Deus nasceu de um sonho do ento proco

    Francisco Frana,compartilhado com Sebastio Tavares da Cruz (Didi Tavares), que na

    poca do surgimento da banda era o vice-diretor do Colgio Paroquial; comJos Dantas da

    Silva (Josenir Dantas), o ento coordenador e Luiz Domingos de Luna, professor.

    Em meados de 1981, o padre, junto com seus companheiros, no mediu

    esforos para conseguir para a cidade de Aurora bens imateriais, dentre estes cultura,

    msica, educao; e bens materiais aos quais estavam includos instrumentos para montar

    uma banda de msica. Finalmente o recurso foi conseguido, segundo afirma o escritor Jean

    Tavares em seu livro Uma Breve Histria de Aurora Cear (1993) os instrumentos

    musicais foram doados pelo Ministrio da Educao e Cultura MEC, em atendimento a

    uma solicitao enviada pelo Pe. Frana. (TAVARES, 1993, p. 24)

    Em 29 de Abril de 1981 foi dado incio ao projeto de iniciao da banda de

    msica com a chegada dos instrumentos musicais. Tal fato pode ser comprovado atravs de

    um documento do Colgio Paroquial destinado ao Informativo Weril, assinado pelo

    auxiliar administrativo Jos Dantas da Silva.

    Nasceu do esforo do Diretor do Colgio Paroquial Menino Deus e

    Vigrio da Cidade de Aurora, o Revmo; Pe. Francisco Frana, um

    desenvolvimentista apaixonado pela ARTE MUSICAL. Foi ele quem se deslocou Braslia e conseguiu do Ministrio de Educao e Cultura

    verba, e, no dia 29 de Abril de 1.981 chegavam em Aurora (21)

    instrumentos musicais marca Weril. (SILVA, s/d, p. 1)8

    O primeiro a vir na tentativa de preparar os msicos foi o maestro Miguel

    Fernandes (In Memoriam). O documento citado, tambm traz consigo essa informao:

    (...) Nessa poca j havia um grupo de alunos estudando msica, cujo professor era o

    aurorense, Ten. Miguel Fernandes Leite, ex-Maestro da Banda da Polcia Militar de

    Fortaleza. (Ibdem). O maestro chegou com o dever de preparar a banda de msica, que

    8 Documento Paroquial enviado ao informativo Weril informando sobre o projeto da Banda de Msica

    Senhor Menino Deus.

  • 17

    inclusive, teve o primeiro nome em sua homenagem: Banda Musical Maestro Miguel

    Fernandes. Tal fato confirmado por um de seus cofundadores, o professor Josenir Dantas

    O primeiro nome da banda foi mesmo em homenagem a Miguel Leite, mas logo que ele no pde mais ficar em Aurora, veio o Maestro

    Cabrinha, e a a banda ganhou o nome de Banda Menino Deus.9

    O maestro colocou diversos hinos militares e alguns dobrados, porm seu

    tempo de trabalho em Aurora foi curto, apenas seis meses, pois no conseguiu se adaptar,

    principalmente pela dificuldade que a parquia tinha por falta de recursos, e tambm por

    questes de sade, fazendo assim com que fosse preciso ser chamado outro maestro.

    Segundo os cofundadores Didi Tavares e Luiz Domingos, o maestro Miguel Fernandes era

    conhecido por ser exigente, no conseguiu muito xito com a administrao do Colgio

    Paroquial, uma vez que as exigncias feitas pelo mesmo eram tidas como difceis de

    consolidar, por vir de outra realidade, encontrou dificuldades para se adaptar.

    Segundo Josenir Dantas, o motivo da sada do maestro Miguel foi por questo

    de sade, fazendo com que a banda ficasse sem comando aps sua ida prematura at achar

    um novo maestro.

    Miguel saiu da banda em funo de problemas de sade pessoal; e sem

    comando, certo dia visualizamos no Maestro Cabrinha, que era msico da banda de Msica de Cajazeiras, uma pessoa brilhante para o cargo e

    sendo assim, o padre o convidou e ns o recebemos. 10

    O maestro Miguel Fernandes posteriormente migrou-se para a cidade de

    Acopiara CE, onde por l se fixou e inclusive comps o hino oficial do municpio. Para

    suprir as necessidades, embora sem comando, msicos experientes gentilmente ficaram a

    conduzir ensaios enquanto a Parquia no encontrara outro maestro.

    Foi numa apresentao musical em Aurora que a populao veio a conhecer a

    Banda de Msica Feminina da Prefeitura de Cajazeiras e, por conseguinte, conheceram seu

    maestro, de nome Esmerindo Cabrinha (In Memoriam).

    9Josenir Dantas, entrevista concedida em 13 nov. 2013. (via e-mail)

    10Ibdem

  • 18

    Imagem 3 Banda de Msica Feminina da cidade de Cajazeiras PB11

    Fonte: Jos Simplcio

    O maestro se destacou pela apresentao, chamando assim a ateno do Pe.

    Francisco Frana, que logo aps a apresentao articulou a sua vinda para guiar a ento

    chamada Banda de Msica Senhor Menino Deus. Segundo Josenir Dantas:

    O nome da banda foi trocado com a sada do maestro(Miguel Fernandes)exatamente por que a associao de Parquia e Colgio

    Menino Deus soavam mais fortes.12

    O maestro Esmerindo, que residia na cidade de Cajazeiras, estado da

    Paraba,com sua simplicidade, humildade e amor a msica conseguiu implantar educao

    musical e fazer com que diversos jovens entrassem de vez para o mundo da msica.

    Aps um ano de estudos os msicos da Banda do Colgio Paroquial

    Menino Deus j recebiam autoridades e, atualmente, sob a maestria do Sr.

    Esmerindo Cabrinha, nossa Banda j chegou at a participar de concursos

    11Banda de Msica Feminina da cidade de Cajazeiras PB com o maestro Esmerindo Cabrinha. Fotografia tirada nos festejos da padroeira de Patos PB, no perodo de 20 a 24/09/1974.

    12Josenir Dantas: Entrevista concedida em 13 de Nov. 2013, (via e-mail)

  • 19

    e recebeu seu 1 Trofu. Dela j saiu gente direto para a Banda da Polcia

    Militar de Mato Grosso do Sul. (SILVA, s/d, p. 1)

    Esmerindo Cabrinha formou uma banda harmoniosa e disciplinada, a qual o

    nvel de excelncia era alto. A sua popularidade tambm era alta, Esmerindo Cabrinha

    amava a cidade de Aurora e a considerava sua segunda casa. Tal amor lhe resultou em um

    merecido ttulo de cidado aurorense no dia 19 de Outubro de 1984.

    O maestro ao longo de sua jornada cerca de 16 anos como regente da Banda

    de Msica Senhor Menino Deus sofreu algumas dificuldades. A principal foi no ano de

    1989, em que, desestimulado com o seu pagamento que inclusive levou o mesmo a ficar

    meses sem receber se viu obrigado a deixar a Banda e retornar a cidade de Cajazeiras. A

    sada do maestro Esmerindo Cabrinha da Banda de Msica Senhor Menino Deus causou

    uma enorme repercusso na sociedade aurorense, levando o recm-empossado diretor do

    Colgio Paroquial Idemrio Tavares a traz-lo de volta. Para que conseguisse trazer o

    maestro de volta, Idemrio teve de fazer um acordo salarial junto s instituies sociais do

    municpio. J no ano de 1990, em uma reunio solene com a presena do diretor Idemrio,

    maestro Esmerindo, msicos da Banda, Pe. Vicente Luis e o prefeito Joo Antnio de

    Macdo fica estabelecido o acordo em que a prefeitura passaria a pagar 1/3 do salrio

    mnimo ao maestro Esmerindo.

    No dia 10 de junho de 1987 morre o Pe. Frana, mas sua inteligncia,

    sabedoria e viso do futuro so imortais. Muitos consideram Padre Francisco Frana como

    um visionrio, um homem frente do seu tempo, que contribuiu para que a cidade de

    Aurora deixasse seus traos ruralistas e abrisse os braos para o desenvolvimento cvico,

    urbano e imaterial. No apenas na msica houve interferncia positiva do Padre Francisco

    Frana, mas em todos os mbitos sociais. Bem feitor da educao, da cultura, do

    desenvolvimento e da civilidade.

    No dia 24 de Janeiro de 1999 Aurora perdia o seu maior educador musical.

    Alm de seus ensinamentos, Esmerindo Cabrinha deixou tambm vrias composies de

    dobrados que serviam para homenagear pessoas importantes para o meio musical, alguns

    dobrados compostos foram: Dobrado Joaquim Paulino13

    , Dobrado Pe. Frana, Dobrado

    13Importante msico do municpio. Foi violonista da parquia, tocava em missas e eventos ligados igreja.

  • 20

    Didi Tavares, Dobrado Idemrio Oliveira, Dobrado Luiz Domingos, Dobrado 10114

    , alm

    de arranjos feitos para o Hino do Centenrio de Aurora e o Hino ao Colgio Paroquial.

    Deixou ensinamentos musicais para vrios discpulos, mas o que o maestro

    deixou de principal foi o valor da msica, disciplina, determinao, compromisso e

    harmonia plantadas no corao de quem conviveu com ele. Com a morte do maestro

    Esmerindo Cabrinha, quem veio a suceder-lhe foi o maestro Paulinho. O mesmo ficou

    pouco tempo na banda, cerca de 6 meses, abrindo assim espao para um novo maestro.

    Sucedendo o maestro Paulinho quem veio a assumir a banda foi o trompetista e

    ex-integrante da banda, Luis Marcos, mais conhecido como Lula. O mesmo contou com o

    apoio de todos os integrantes e deu continuidade ao trabalho de seus antecessores. Com

    muita dificuldade, principalmente pelo pesar da perda do mestre, Lula conseguiu montar

    uma banda que se destacou na regio, fazendo com que fossem sempre convidados para

    participar de vrios festivais de bandas de msica, sempre representando o Colgio

    Paroquial, mostrando o talento dos msicos integrantes, mas principalmente, levando o

    nome do municpio de Aurora para muitas cidades do Cear e do estado da Paraba.

    Uma das figuras importantes para a banda de msica, apontada como

    responsvel por grande incentivo com vistas a alavancar a banda e seus integrantes

    Ftima Oliveira. Ftima foi diretora do Colgio Paroquial edurante seu perodo de gesto

    buscou sempre dar uma assistncia especial Banda de Msica Senhor Menino Deus.

    Durante esse tempo que eu fiquei, foi mais de dez anos, eu fiquei de 99

    at 2010, teve algumas vezes que a prefeitura entrou em parceria com a

    escola. Na poca, oito anos eu acho que ficou... Teve parceria da

    prefeitura que at deu uma melhorada no salrio. Tambm teve alguns diretores que entraram na escola como Ftima Oliveira que veio e deu

    uma fora muito gratificante pra banda... a banda deu uma reativada

    legal, inclusive nesse tempo que ela tava a gente participou de vrios festivais, de algumas apresentaes fora tambm.

    15

    14 Dobrado didtico, usado para iniciao da prtica instrumental em ensaios e apresentaes.

    15 Lula (Luis Marcos): Entrevista concedida em 19 de Out. 2013.

  • 21

    Imagem 4 Banda de Msica Senhor Menino Deus, 2006. 16

    Fonte: Maestro Lula.

    A falta de recursos e o desinteresse por parte do Colgio Paroquial, o qual

    pertence Parquia Menino Deus de Aurora, bem como a falta de apoio externo fizeram

    com que houvesse um declnio que ajudou a ocasionar o fim da Banda de Msica. A banda

    no podia contar mais com um local certo para ensaios, recursos financeiros para

    manuteno dos instrumentos, materiais como: leos lubrificantes, palhetas, aquisio de

    fardas, muito menos com gratificaes para os msicos. Tudo isso exigia um alto

    investimento que o Colgio no podia proporcionar sozinho.

    Um importante e crucial motivo para o fim da Banda foi um atrito que

    acontecera entre o diretor do Colgio Paroquial no ano de 2009 com o maestro Lula. Era

    tradio a Banda de Msica acompanhar a procisso do padroeiro da cidade, Senhor

    Menino Deus, porm, no dia 25 de dezembro de 2009 no foi possvel contar com a Banda,

    pois a maioria dos seus msicos se encontrava em outras cidades, em outros eventos,

    tocando em outros grupos. Segundo o maestro Lula, isso aconteceu por conta da

    necessidade financeira dos integrantes. Esse fato causou um mal estar imediato, e por conta

    disso culminou na deciso do diretor de acabar de vez com o projeto em janeiro de 2010.

    16Apresentao da Banda de Msica Senhor Menino Deus durante o desfile de 07 de Setembro.

  • 22

    Teve uma procisso que a banda nunca faltava, e dessa vez faltou porque

    j tava decaindo e no tavam dando mais o apoio que... O mnimo apoio que davam no estavam dando mais, ai, a maioria dos msicos, como eu

    j disse que no eram consistentes, os msicos j tava (sic.) tocando

    profissionalmente j em banda, essas coisas, e a data da festa dia 25 de dezembro, uma data festiva em todo canto, e todos os msicos tavam

    viajando pra fora, a maioria. S tinha uns 3 ou 4 aqui.17

    Apesar de a Banda ter finalizado suas atividades em Janeiro de 2010 como j

    foi ressaltado, a prefeitura continuou a solicitar os servios de seus msicos. Embora no

    existisse mais a Banda como instituio, existia ainda a proximidade e a amizade entre os

    msicos, assim como a necessidade financeira e a vontade de tocar.

    Cabe aqui a expresso popular Juntar a fome com a vontade de comer18 para

    descrever o enredo ps-Banda, pois o que acontecera foi justamente a necessidade por

    parte da prefeitura de ter a Banda em eventos cvicos municipais com a dos msicos de

    ganhar dinheiro e de continuarem tocando e se reencontrando. Com isso, sempre quando

    precisava, a prefeitura pagava a cada msico um valor simblico para se reunirem e

    tocarem o repertrio costumeiro.

    Para desempenhar tal funo, os msicos no precisavam ensaiar, pois j

    tinham o entrosamento e o repertrio difundidos em suas memrias ao longo dos anos.

    Ficava assim estabelecida uma maneira prtica, porm vazia, de executarem seu repertrio

    sempre quando a prefeitura solicitasse os seus servios, e somente isso, j que os quesitos

    bsicos de uma Banda de Msica como uma sede, cronograma de ensaios e aulas de

    msica no existiam mais. Com o tempo, os msicos foram percebendo que esse tipo de

    modelo s beneficiava um lado e que no era o deles.

    O ltimo desfile de 07 de Setembro com participao do grupo com cerca de

    12 msicos ex-integrantes da Banda de Msica Senhor Menino Deus foi no ano de 2010,

    muito embora tenham realizado algumas apresentaes pontuais aps essa data, o desfile

    de 07 de setembro tinha a participao da Banda de Msica Senhor Menino Deus como

    uma tradio. O fato de ter os msicos que integraram durante anos a Banda de Msica

    desfilando em 2010 dava a entender para os menos esclarecidos que ela no havia acabado,

    causando assim um mal entendido, que automaticamente trazia consigo um conformismo

    17 Lula (Luis Marcos): entrevista concedida em 19 de Out. 2013.

    18 Frase de sabedoria popular.

  • 23

    por parte da populao, e que esse conformismo no era bom para a situao dos msicos,

    j que na verdade, de fato, no existia mais a Banda de Msica Senhor Menino Deus.

    Imagem 5 Msicos tocando em desfile do dia 07 de Setembro de 2010.19

    Fonte: Prefeitura Municipal de Aurora20

    Foi no ano de 2011 queos msicos decidiram no mais participar do desfile de

    07 de setembro. Isso foi decidido depois que organizamos um evento na cidade chamado:

    SEMA Semana de Educao Musical de Aurora. Esse evento aconteceu durante os dias

    de 11 a 15 de Julho de 2011, e teve como tema a Banda de Msica: No deixemos a

    banda morrer! No deixemos a msica acabar!. Durante esse evento, que contava com

    diversas oficinas musicais no decorrer da semana no dia 15, foi realizada uma

    manifestao pr-reativao da Banda de Msica Senhor Menino Deus, com passeata pelas

    ruas da cidade tendo como ponto de encontro a Escola Monsenhor Vicente Bezerra (local

    do evento) onde l estava preparada uma mesa redonda com diversos representantes da

    sociedade, entre eles o Prefeito Municipal de Aurora. Tal manifestao serviu para

    informar a sociedade sobre a situao que se encontrara a Banda de Msica Senhor Menino

    Deus, desativada.

    19ltimo desfile dos msicos que compuseram a Banda de Msica Senhor Menino Deus, no dia 07 de

    setembro de 2010.

    20 http://www.aurora.ce.gov.br/multimidia/slideshow/slideshow.asp?idAlbum=89&pasta=setembro.

  • 24

    Ao concluirmos a mesa redonda e o evento em si, decidimos em conjunto que

    o melhor caminho seria reativar a banda pelo municpio. Com esse diagnstico, o prefeito

    municipal se comprometeu a reativ-la, solicitando que formssemos uma comisso para

    auxili-lo.

    Depois de dois anos do evento, no dia 31 de outubro de 2013, fora anunciado

    atravs do site da Prefeitura Municipal de Aurora, a aquisio de novos instrumentos

    musicais, sendo anunciada tambm a reativao e municipalizao da Banda de Msica

    Senhor Menino Deus.

    A Prefeitura municipal de Aurora acaba de adquirir todos os instrumentos

    musicais com vistas a recomposio da Banda de msica Senhor Menino Deus que, dentre em breve ser municipalizada. Os instrumentos foram

    recebidos na tarde desta quinta-feira (31) pelo secretrio de Cultura e

    Turismo do municpio. 21

    3.2 Histrias/Experincias de Vida na Banda de Msica Senhor Menino Deus

    Dentro do habitat educacional, seja ele de qualquer cincia da natureza,

    propcio analisarmos a fora emprica nas relaes que acontecem em um ambiente de

    ensino. No caso das bandas de msica no diferente. As experincias vividas pelos

    maestros, assim como pelos seus integrantes, muito nos servem de informaes

    importantes para entender todo um processo educacional, no s no aspecto de

    aprendizagem musical, mas na histria de vida de seus integrantes e de sua contribuio

    para com a sociedade.

    Para escrevermos esse captulo realizamos entrevistas com ex-componentes da

    Banda de Msica Senhor Menino Deus. Hoje, alguns deles no vivem mais de msica,

    porm, no negam sua importante influncia sociocultural e educacional em suas vidas e

    para a sociedade.

    A banda ajudou na formao de jovens que hoje so professores, comerciantes,

    empresrios, polticos, padres, sargentos, mdicos e claro, msicos e maestros. Decidimos

    entrevistar os integrantes que tenham em sua trajetria anos de experincias de vida, tanto

    na banda quanto fora dela. Os entrevistados foram: Auriclio Fernandes, esse fez parte da

    primeira formao da Banda de Msica, tendo como maestro o sargento Miguel Fernandes

    Leite; Francisca Moreira de Jesus (Neidinha), tambm fez parte da primeira formao da

    21 Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Aurora: http://www.aurora.ce.gov.br/noticias/texto.asp?id=3247

    (Acessado em: 01/11/2013)

  • 25

    banda, sendo que conheceu os dois primeiros maestros; Jos Simplcio,importante msico

    violonista e artista arteso; Wilton Nascimento, sargento do exrcito brasileiro; Ribamar,

    importante msico aurorense, trompetista e bombardinista; Maestro Lula, ex-componente e

    ex-regente da Banda de Msica Senhor Menino Deus e hoje regente das bandas de msica

    das cidades de Lavras da Mangabeira-CE e Baixio-CE.

    Auriclio Fernandes, hoje professor de matemtica pela rede municipal e

    estadual de ensino fez parte da primeira formao da banda de msica, tocando tarol22

    .

    Dono de uma tima memria chegou at a relatar em entrevistaprestada ao site Aqui

    Conectados23da cidade de Aurora, publicada no dia 09/10/2011, quem foram os 20

    primeiros componentes da banda de Msica Senhor Menino Deus. Segundo Auriclio, os

    msicos e seus respectivos instrumentos foram:

    COMPONENTES (1 Formao): Bateria: Joo Acio da Silva Bombo; Jos Drivaldo de Oliveira Surdo; Antnio Vicelmo Pratos; Francisco Auriclio Fernandes Tarol. Saxofone:Maria de Lourdes dos Santos Alto; Jos Dantas da Silva (Josenir) Tenor. Trompetes (Piston): Jos Paulo Silva Souza; Gildsia Maria Ramalho Tavares;

    Alexandre Alves de Oliveira. Clarinetes:Jos Lary Filho; Jos Simplcio;

    Ana Aurlia Tavares da Cruz; Francisca Moreira de Jesus (Neidinha); Gerncio Dantas da Silva. Trombone de Piston:Jos

    Wellington Pereira. Tuba:Raimundo Alves de Oliveira.

    Trompas:Francisca Janurio de Oliveira (Simone); Maria de Lourdes Batista; Damiana Barbosa Alves. Bombardino:Lzaro dos Santos

    Ferreira.24

    Com relao ao msico Jos Simplcio, existe uma contradio em relao ao

    ano em que o mesmo veio a se integrar banda de msica, pois ele afirma que s entrou na

    banda com a chegada do maestro Esmerindo Cabrinha, sendo que este foi o responsvel

    por abrir as portas da banda de msica para a sociedade, uma vez que antes de sua chegada

    a banda era voltada apenas para o Colgio Paroquial.

    Quando a banda comeou o primeiro maestro no foi Seu Esmerindo. Eu

    no tava no. Foi o tenente Miguel Leite, n? Ai a banda ensaiava l no

    ginsio paroquial, por que a banda da parquia, ai quando seu

    Esmerindo chegou ele exigiu pra botar a banda fora... A banda do colgio, mas os msicos pode ser de fora... [...] Por isso que foi formada

    22

    Instrumento percussivo muito usado em fanfarras, bandas de msica militares e marciais. Tem como

    finalidade marcar as cadncias.

    23http://www.aquiconectados.com.br/?page=noticia&cod_not=750 (Acessado em 30 de Nov. 2013)

    24Auriclio Fernandes: Entrevista concedia em 08 de Out. 2011.

  • 26

    a banda, eu no estudava em colgio, n? Ai foi aberto pra todo

    mundo.25

    Auriclio citou em sua entrevista o nmero de alunos na primeira formao da

    banda, citando tambm a sua importncia para o municpio de Aurora em termos culturais.

    Eram 21 instrumentos, mas s colocamos no incio 20 instrumentos,

    dificuldade principalmente com um dos instrumentos chamado trombone

    de vara, que ainda hoje existe... mas a banda comeou a sua caminhada, e eu acho que durante todo esse tempo veio servindo a populao de

    aurora, servindo at outros municpios, numa forma de mostrar a

    cultura, mostrar a riqueza do nosso povo, o talento dos aurorenses pra msica, n?.

    26

    Alm de ter vnculo na banda de msica, Auriclio Fernandes posteriormente

    fez parte do quadro de direo do Colgio Paroquial, sendo responsvel por tambm

    administrar a banda de msica, j tendo como maestro Esmerindo Cabrinha. Enfrentou um

    perodo de transio com a morte do maestro.

    No segundo momento, como diretor em exerccio da escola de 1996 a

    2002, como a banda pertencia a escola, ns passamos a dirigir tambm

    esse segmento da banda e procuramos ao longo do nosso tempo dar apoio, onde ns tivemos nesse perodo a regncia do maestro Esmerindo

    Cabrinha, que depois veio a falecer e posteriormente consegui contratar

    mais outros dois maestros, o Paulinho l de Mauriti, e o maestro Lula que daqui de Aurora tambm que nos orgulha o trabalho que foi feito

    na banda. 27

    O professor Auriclio relembra as primeiras experincias na banda de msica,

    dentro da sala de aula e fora dela:

    As aulas inicialmente comearam assim, inicialmente dentro da sala de

    aula depois passou pra aquele ptio, ai eu acho que depois de trs meses

    ns j comeamos a sair das quatro paredes l da escola, ai o maestro

    Miguel Fernandes colocou a banda na rua como se diz... que o local adequado pra se tocar, n?

    28

    Alm de exaltar as suas primeiras experincias com a banda de msica, o

    professor tambm demonstra orgulho de ter participado da primeira formao:

    25 Jos Simplcio: Entrevista concedida em 30 de Nov. 2013.

    26Auriclio Fernandes: Entrevista concedida em 08 de Out. 2011.

    27Ibdem

    28Ibdem

  • 27

    Olha, eu acho que pra mim como pra todos os outros vinte que fizeram

    parte da primeira formao, bem como dos demais durante esses trinta

    anos que a banda existe no deixa de ser um legado, uma herana que se eterniza. Me sinto lisonjeado [...] um orgulho, n? Ter participado da

    primeira formao.29

    Outro personagem dessa histria Wilton Nascimento. Wilton comeou suas

    atividades na banda no ano de 1983, j com o maestro Esmerindo Cabrinha. Entrou na

    banda influenciado por um amigo de nome Z Paulo (Jos Paulo Silva Souza), trompetista,

    sendo que o admirava por tocar bem seu instrumento. Hoje Wilton Nascimento sargento

    msico do exrcito brasileiro. Ao relatar o que a banda de msica significou ele diz:

    Meu futuro. Hoje eu sou Sargento Msico do Exrcito, e devo muito

    Banda de Msica de Aurora, da qual foi o incio de tudo.30

    Depois de muito tempo tocando na banda que o formou msico, Wilton

    recebeu o convite para ir tocar em uma banda de msica de maior expresso. Ele descreve

    esse momento ao longo de sua entrevista:

    O Maestro Major da Polcia Militar do estado de Mato Grosso do Sul, Assis Paulino, quando ia de frias em Aurora, me via tocando e me

    falava que quando eu atingisse a maior idade ele me levaria para a

    banda da PM.31

    Tal ato se cumpriu no ano de 1989 quando o maestro Assis Paulino, natural da

    cidade de Aurora, veio especialmente para levar o jovem trompetista para terras distantes e

    desconhecidas, levando-o a sair de sua banda formadora.

    Wilton afirma que o que mais lhe marcou na banda, alm do maestro

    Esmerindo Cabrinha foram as apresentaes musicais, quando a banda era convidada pra

    tocar nas festividades da cidade, dando certo destaque e incentivo. Tal opinio

    compartilhada pelo msico Jos Simplcio, o qual afirma em entrevista:

    Pra mim foi muito bom, por que, o caba (sic.) se destaca mais, no meio

    da sociedade, de farda, com a banda, n? Alvorada... ns num ganhava

    nada, no tinha ordenado, era s o gosto, n?32

    29Auriclio Fernandes: Entrevista concedida em 08 de Out. 2011.

    30 Wilton Nascimento: Entrevista concedida em 02 de Dez. 2013 (via e-mail).

    31Ibdem.

    32 Jos Simplcio: Entrevista concedida em 30 de Nov. 2013.

  • 28

    O msico Ribamar relata a experincia que mais lhe marcou na Banda de

    Msica. Ribamar entrou na banda no ano de 1982, atravs do msico Jos Simplcio e foi

    um dos que passou mais tempo como integrante, exatos e ininterruptos 27 anos.

    Rapaz, o que mais me marcou foi a primeira vez que eu abri o estojo do

    instrumento, que eu senti aquele cheiro, aquela coisa... Tu doido cara...

    Pronto! Aquilo me marcou! 33

    O msico tambm falou a respeito da importncia que a Banda de Msica teve

    para sua vida.

    Tudo! A minha vida mudou, mudou completamente... Por que, no caso se

    eu no conhecesse a msica, podia ser um Z Ningum... Podia ta perdido ai nas drogas e em tudo no mundo... [...] Eu acho que a msica

    ela acalma... acalma o corao do cidado! Ai voc no conhece outras

    coisas, ento no d pra... Nem pra definir o que a msica. 34

    A professora de portugus pela rede estadual de ensino, Francisca Moreira de

    Jesus (Neidinha), fez parte da primeira formao da Banda. Foi aluna do maestro Miguel

    Fernandes e posteriormente do Maestro Esmerindo. Neidinha, ao trazer o passado para o

    presente reconhece tambm o quo foi importante a sua passagem pela Banda de Msica

    Senhor Menino Deus.

    A msica abre espao pra muita coisa, sem contar a interao. A prpria interao com os colegas. O padre Frana era uma pessoa que tava

    sempre presente e se preocupava muito com a formao dos msicos...

    Levava a gente pra passear, tinha a parte de recreao... E... Sem contar que voc aprende, n? Aprende teoria musical... Uma experincia na

    verdade muito boa! Em todos os sentidos! Em todos os sentidos!... No

    pessoal, na parte da formao mesmo, musical, e voc desenvolve vrias

    habilidades... A audio, a parte que voc fica mais sensvel... Uma infinidade de coisa... Me ajudou muito a banda!

    35

    Apesar de a banda no ter tido recurso suficiente para ajudar financeiramente

    seus msicos, percebemos que eles tinham um apreo por tocar, mesmo que de forma

    gratuita. O maestro Lula enfatiza em sua entrevista esse sentimento de satisfao que era o

    de tocar na banda de msica na poca do Pe. Frana.

    Eu lembro que quando ingressei na banda, o Padre Frana ainda era

    vivo e a gente via que ele tinha apreo pela banda. A gente tinha

    33 Ribamar: Entrevista concedida em 01 de Dez. 2013.

    34Ibdem

    35 Neidinha: Entrevista concedida em 02 de Dez. 2013.

  • 29

    passeios... Quando no tinha condies de levar a um passeio pra fora

    ele levava pra o stio dele. Ele tinha um sitiozinho com um riacho e a

    gente ia l, e ele fazia aquela festa toda e botava a banda pra tocar, a gente era tratado como deveria ser, n? A gente ficava satisfeito com

    oque acontecia e tinha prazer de fazer quando ele pedia. Todo

    aniversrio dele a gente ia tocar. Chegava l tocava os Parabns e antes

    de terminar a msica ele j estava l fora e quando a gente terminava ele j pedia o dobrado que ele mais gostava, que era o dobrado Dois Coraes36

    Imagem 6 Aniversrio do Padre Frana, 1985. 37

    Fonte: Severina Luna.

    Ribamar tambm tem uma opinio semelhante a de Lula, quando fala em

    relao ao tempo bom do Pe. Frana. Ao lembrar-se do seu incio, o msico leva suas

    memrias ao encontro a datas e eventos especficos, como o aniversrio do padre e viagens

    de lazer. Ribamar tambm lamenta amargamente o fim da Banda, nos mostrando a

    importncia que ela tinha para o Padre Frana em paralelo com a apatia encontrada

    posteriormente.

    36 Lula (Luis Marcos): Entrevista concedida em 19 de Out. 2013.

    37Banda de Msica Senhor Menino Deus em frente a casa paroquial no aniversrio do Pe. Frana em

    19/11/1985. Era tradio a Banda acordar o Padre no seu aniversrio, esse o motivo dele estar de pijama na

    foto.

  • 30

    Ah! O Padre Frana! Ai foi o mestre maior! [...]Ele levava a banda pra o sitio dele l... a gente ia pescar! Gostava muito da banda! No aniversrio

    dele a banda ia pra frente da casa dele... Ele ficava era danando, cara!

    Era a vida dele essa banda! Ento por que chegar outro padre e acabar!?

    38

    Imagem 7 Banda de Msica em foto mais descontrada, 1993.39

    Fonte: ngelo Leite.

    Lembranas que marcam. Muitas vezes coisas simples e singelas, mas que

    ficam incumbidas de se fazerem presentes no presente, atravs das boas lembranas de um

    passado no to distante. Como Gruzinski (2012) enfatiza, ns no voltamos ao passado,

    ele que viaja constantemente at o presente, e nos mostra o quo importante ter sua

    valiosa companhia entre ns.

    Percebemos que o maestro Esmerindo foi o que mais marcou na memria

    musical do municpio de Aurora, o maestro era conhecido pelo seu jeito simples de ser e

    por sua impressionante paixo pelo que fazia. Esmerindo no est s na memria daqueles

    que participaram diretamente da banda, est tambm na memria daquelas pessoas que

    nunca sonharam em pegar em um instrumento musical. Era comum, quando no estava

    38 Ribamar: Entrevista concedida em 01 de Dez. 2013

    39 Banda de Msica reunida em 29 de Ago. 1993, desprovidos de fardamento, fazendo lembrar os momentos

    de lazer citados nos depoimentos de Neidinha, Lula e Ribamar.

  • 31

    compromissado com alguma tarefa da banda, ver seu Esmerindo passeando pelas ruas de

    Aurora, fazendo visitas, muitas visitas, tomando o seu tradicional cafezinho, fazendo

    amizades e incentivando os jovens a participar da Banda de Msica Senhor Menino Deus.

    considerado por muitos o principal formador musical da cidade de Aurora.

    3.3Didtica e metodologia de ensino na Banda de Msica Senhor Menino Deus

    Imagem 8 Ensaio com o maestro Esmerindo, s/d. 40

    Fonte: Maestro Lula.

    Durante sua histria, a Banda de Msica teve quatro maestros, sendo que o

    mais duradouro foi o maestro Esmerindo Cabrinha com 16 anos frente da batuta;o

    segundo foi Lula, com 10 anos; em seguida vem o maestro Paulinho e o maestro Miguel

    Fernandes, os dois com cerca de seis meses. Quatro maestros e quatro didticas de ensino

    diferentes, cada um com seu estilo e sua maneira de aplicao do saber musical. Atravs de

    40 Ensaio da Banda de Msica Senhor Menino Deus com o maestro Esmerindo Cabrinha na sede, que ficava

    por trs da Igreja Matriz de Aurora, chamada Recanto dos Msicos. s/d.

  • 32

    relatos dos participantes, procuramos mapear as relaes de ensino-aprendizagem,

    analisando com isso todo o processo de educao musical e de didticas de ensino.

    Miguel Fernandes, maestro aposentado da Banda da Polcia Militar do Cear,

    foi o primeiro formador da Banda de Msica Senhor Menino Deus e descrito por Josenir

    Dantas como tendo um perfil militar, uma vez que estava habituado a uma formao

    associada Banda de Msica da Polcia Militar:

    Miguel, diante do seu regime de caserna era muito exigente no tocante a

    horrio, assiduidade do aluno, conservao dos instrumentos e gostava

    de tomar lies arguindo o aluno de acordo com a lio que mandara estudar. Mas era pessoa muito amiga e compreensiva

    41

    Percebemos com a explanao de Josenir Dantas que o maestro Miguel

    Fernandes era bastante profissional em sua funo. Detentor de habilidades

    composicionais, o maestro tambm se aventurava a compor lambadas e era considerado

    excelente em teoria musical.

    Miguel Leite Fernandes era aposentado da Banda da Polcia Militar do

    Cear. Ele era muito bom como terico musical e louco por composies

    pessoais. Na poca, adorava escrever lambadas. 42

    Neidinha, que fez parte da primeira formao, teve suas primeiras experincias

    musicais com o maestro Miguel Fernandes.

    Com o maestro Miguel, eu estudei mais teoria. Quando eu peguei o instrumento, foi poucos dias, no estava conseguindo me adaptar, e

    deixei... No d pra falar tanto. Passei uns trs, quatro meses na teoria

    musical, com aulas duas vezes por semana.43

    Ao continuar falando sobre suas experincias didticas, Neidinha conclui seu

    pensamento sobre o maestro Miguel como pessoa e como educador.

    Era uma pessoa muito boa. Ele tinha muito conhecimento, muito

    conhecimento mesmo. Mas eu acho, no sei assim exato... Porque que ele no conseguiu... Talvez tenha sido a metodologia. Ele era um pouco mais

    fechado do que Seu Esmerindo. 44

    41Josenir Dantas: Entrevista concedida em 13 de Nov. 2013 (via e-mail).

    42Ibdem

    43 Neidinha: Entrevista concedida em 02 de Dez. 2013.

    44Ibdem

  • 33

    A didtica de ensino utilizada por Miguel Fernandes em sala de aula foi

    descrita por alguns de seus alunos ao relembrarem memrias das experincias vivenciadas

    em conjunto, fazendo uma anlise critica e sinttica de sua abordagem como educador

    musical, assim como dos resultados colhidos. O perfil exigente do maestro Miguel

    Fernandes tambm observado no maestro posterior, Esmerindo Cabrinha, como cita o seu

    aluno Jos Simplcio em uma breve avaliao, deixando perceber que alm de exigente,

    Esmerindo era tambm rgido em sua abordagem de educador musical, exigncia e rigidez

    dentro dos limites e que garantiam a organizao e o respeito entre o grupo.

    Era to organizado de um jeito, que quando ele reclamava um, uma

    coisa, ns no sabia (sic.) com quem era e nem podia (sic.) olhar pra trs pra saber quem . Ns ficava (sic.) olhando pra ele. Ele reclamando

    um msico e ns num sabia (sic.) quem era. Se ns olhasse (sic.) ele

    brigava.45

    Ao continuar falando do maestro, Simplcio comenta um fato que lhe

    aconteceu certa vez, durante sua passagem pela Banda.

    Ele era muito rgido, n? O sapato... A meia era preta, um dia eu fui com

    uma meia azul e ele notou e mandou eu tirar! Era bem organizado, muito bonito, muito bacana!

    46

    Apesar de parecer rgido, o maestro Esmerindo Cabrinha era percebido pelos

    integrantes da Banda como sendo organizado, disciplinado e bastante srio em sua

    proposta de educador musical. Fora do ambiente docente era considerado como um

    menino, simples, brincalho e querido, mas quando adentrava nas dependncias da sede

    mudava completamente.

    Muito bom! Era um bom maestro! Na hora do trabalho era rgido, por

    isso que ele deixou muito msico... Ento a maioria dos msicos que tem

    aqui aprendeu com ele. E outros que j aprenderam com os msicos dele, n? Na hora do trabalho era! Fora do trabalho era um menino, a gente

    fechava ele na mo, mas quando dizia vamos ensaiar, ai era outra

    pessoa.47

    Outro msico que fala a respeito da didtica de seu Esmerindo Wilton

    Nascimento:

    45 Jos Simplcio: Entrevista concedida em 30 de Nov. 2013.

    46Ibdem

    47Ibdem

  • 34

    O maestro era rgido, tinha uma vasta experincia em ensinar e muitas

    vezes a maneira dele ensinar no era o que o aluno queria, mas sempre tinha um bom resultado.

    48

    De uma maneira mais romntica, a professora Neidinha relata a sua percepo

    sobre a metodologia do maestro Esmerindo, enfatizando sua pacincia e amor a profisso

    que exercera.

    Seu Esmerindo tinha uma metodologia bem diferente. Ele era uma

    pessoa muito dinmica! E assim, ele no exigia,deixava voc a vontade. Sabe, ele tinha muita pacincia! Uma tranquilidade... Paciente demais!

    Ensinava assim com prazer! Tinha muito prazer de ensinar, sabe? E ele

    se identificava com os msicos, podia ser adolescente, jovem, adulto...

    Ele tinha uma metodologia prpria pra cada um, e as pessoas eram apaixonadas por ele. Ento isso atraia, mesmo se voc no tivesse

    vocao, afinidade com a msica, mas se sentia atrado por ele. Podia

    observar que a sede da banda de msica era cheia de msicos direto, mesmo que no estudasse l, mas ia l pra conversar com ele... Ento

    era bem diferente, uma metodologia bem diferente.49

    Com relao a rigidez caracterstica do maestro, Neidinha esclarece:

    Era uma coisa rgida, mas um rgido que voc no se sentia ofendido

    com a rigidez dele. No! Ele exigia do msico e tudo, mas no era aquela coisa que espantava as pessoas. Era uma rigidez pra manter a

    organizao... Somente por isso.50

    Indo ao encontro a sua didtica de ensino, os alunos demonstram atravs de

    relatos como eram as aulas prticas com o maestro Esmerindo.

    Primeiro ele ensinava a bater compasso, depois passava o instrumento

    pra gente embocar, comear a embocar... E era muito duro pra gente

    embocar nota, aquela coisa toda... Ele... Ele acompanhava bem. 51

    Neidinha fala da disponibilidade que o maestro tinha, coisa que demonstrava

    para ela ser impressionante. Sendo que a qualquer hora que fosse solicitado o maestro

    estava disposio transparecendo sempre dedicao e amor ao que fazia.

    Ele no tinha horrio, o msico ia l o horrio que tivesse tempo. Por

    exemplo, eu dizia assim: Seu Esmerindo eu vou chegar aqui amanh s

    48 Wilton Nascimento: Entrevista concedida em 02 de Dez. 2013 (via e-mail)

    49 Neidinha: Entrevista concedida em 02 de Dez. 2013.

    50Ibdem

    51 Ribamar: Entrevista concedida em 01 de Dez. 2013.

  • 35

    sete da manh. Pode vir! Eu vou marcar isso aqui.. (anotava no nosso caderno) Essa lio aqui voc vai ter que dar amanh. Qual o horrio que voc quer vir?

    52

    Com relao a metodologia, o maestro Esmerindo utilizava uma abordagem

    individual, tanto em relao a teoria musical quanto ao instrumento.

    As lies eram por semana, ele anotava e quando voc dominava ele

    passava pra outra. O ensino de teoria era individual. O primeiro

    encontro foi coletivo, mas depois quando ele comeou a passar as lies os msicos tinham aulas individuais mesmo. Com o instrumento tambm

    era assim, s os ensaios da banda que eram coletivos.53

    Neidinha confessa o quanto era eficaz a metodologia utilizada por Esmerindo

    Cabrinha para a aprendizagem dos seus alunos.

    As vezes eu estava sozinha com ele, ele se dedicava mais.A pessoa

    aprendia mais, no verdade? Por que voc est numa sala com muitos alunos,vinte alunos... Voc est ensinando l no quadro... Voc no sabe

    se todos esto aprendendo, mas quando est s voc e o professor ento

    ele vai ver a sua deficincia, no ? Ele era dessa forma, voc ia sozinho l e ele lhe ensinava, via onde voc estava com deficincia. Foi assim que

    eu consegui me desenvolver mais e aprender a escala, por que eu tinha

    essa dificuldade.54

    O msico Wilton Nascimento confessa e confirma a metodologia de ensino do

    maestro, fala tambm do mtodo utilizado por Esmerindo durante sua passagem pela

    Banda de Msica Senhor Menino Deus, o qual era o Mtodo Bona.

    O mtodo que ele utilizava era o Bona, Solfejo e Leitura Mtrica, ele passava muitas lies... O ensino de teoria e de prtica era individual,

    ele ia evoluindo o ensino da teoria conforme o aprendizado de cada um e

    quando ele percebia a dificuldade do aluno no instrumento, ele mudava.

    55

    O mtodo Bona, citado no depoimento do msico Wilton Nascimento foi

    criado na Itlia por Paschoal Bona e tem como principais vertentes a prtica do solfejo

    como forma de exerccios para aperfeioar a leitura musical atravs de lies. um

    mtodo muito usado para preceder a prtica em instrumentos de sopro.

    52 Neidinha: Entrevista concedida em 02 de Dez. 2013.

    53Ibdem

    54Ibdem

    55 Wilton Nascimento: Entrevista concedida em 02 de Dez. 2013 (via e-mail)

  • 36

    Com relao ao maestro Paulinho, esse no teve uma passagem exitosa pela

    Banda, fato que culminou com uma participaotmida e curta, apenas seis meses.

    O maestro Lula por ter sido formado pelo maestro Esmerindo, adotou

    metodologia e didtica parecida com a do seu professor, obtendo uma boa impresso com

    relao a expectativa criada pelos seus alunos, tanto que Lula passou 10 anos frente da

    Banda, vindo a sair somente com a desativao da mesma.

  • 37

    4 CONSIDERAES FINAIS

    De acordo com os resultados obtidos atravs de pesquisa de campo, chegamos

    a concluso de que a Banda de Msica Senhor Menino Deus foi essencial para a formao

    de msicos e de cidados na cidade de Aurora. Foi deveras a instituio que mais

    contribuiu para ampliao do ensino de msica, e com isso, do leque de msicos que

    dominam as diversas linguagens existentes.

    Podemos perceber atravs desta investigao, que a Banda de Msica foi

    instrumento de mudana para muitos que participaram, alguns at tendo-a como o mapa do

    tesouro para o sentido de suas vidas. Tal sentimento no por acaso, um sentimento de

    privilgio, de gratido e de felicidade por ter vivido momentos to especiais.

    Conclumos que a Banda de Msica Senhor Menino Deus tambm foi muito

    importante para o cenrio musical da cidade de Aurora, como tambm da regio, pois era

    uma me geradora de msicos, alguns at com destaque regional. Durante sua histria,

    muitos msicos de Aurora foram convidados para tocar em outras bandas de msica, como

    exemplo principal, cito a banda de msica da cidade de Milagres, onde uma boa parte dos

    seus msicos eram convidados para tocarem nas festividades da cidade. Tambm foi

    importante para fortalecer e enriquecer o cenrio da msica local, fazendo com que seus

    msicos tambm viessem a tocar em bandas e grupos musicais de diferentes segmentos.

    E por fim, percebemos que a cidade de Aurora, e principalmente a sua cultura

    musical, foi bastante privilegiada durante e depois da existncia da Banda de Msica

    Senho