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SARA RODRIGUES BANCKE

MOTIVAO ALIUNDE SOB A PERSPECTIVA DA DIMENSO ESTRUTURAL DO PRECEDENTE: CRITRIOS DE ESCOLHA

CURITIBA 2010

SARA RODRIGUES BANCKE

MOTIVAO ALIUNDE SOB A PERSPECTIVA DA DIMENSO ESTRUTURAL DO PRECEDENTE: CRITRIOS DE ESCOLHA

Monografia apresentada Escola de Magistratura Federal do Paran ESMAFE/PR, como requisito parcial para obteno do ttulo de especialista em Direito Pblico pelas Faculdades Integradas do Brasil UniBrasil. Prof. Orientadora Ms. Maria Ceclia Narssi Munhoz Affornalli

CURITIBA 2010

AGRADECIMENTOS

Prof. Ms. Maria Ceclia N. M. Affornalli, por toda a orientao e dedicao dispensada realizao desta monografia.

Ao Prof. Ms. Antnio Csar Bochenek, pela disponibilizao de sua produo literria e indicaes bibliogrficas.

DEDICATRIA

A Deus e a minha famlia, pressupostos essenciais da minha existncia e, por conseguinte, desta monografia, s amigas Anay, Janana, Luzia, Mrcia, Nathaly e Rachel, por toda a pacincia e apoio ao longo desse ano.

O jurista do civil Law pe f em silogismos, o do common Law em precedentes; o primeiro silenciosamente pergunta a si mesmo cada vez que surge um novo problema: O que devemos fazer desta vez?, enquanto o segundo indaga em voz alta na mesma situao: O que ns fizemos da ltima vez? (Lord Thomas Mackay Cooper)

RESUMO

A motivao da sentena, acrdo ou qualquer outra espcie de deciso do Poder Judicirio, uma exigncia constitucional, cuja inobservncia acarreta a declarao de nulidade do provimento judicial. Contendo, via de regra, relatrio, fundamentao e dispositivo, ela tem a funo de por fim a uma contenda formada entre jurisdicionados, ao mesmo tempo em que demonstra a correo da deciso para toda a sociedade, razes pelas quais se exige que observe ela a certos requisitos de modo, tempo e local a fim de ser um bom pronunciamento. Para o elemento do relatrio, reserva-se a anlise de todos os fatos passados que so materiais para a soluo da demanda; para a fundamentao, a elucidao de todas as questes relevantes que influenciaram na deciso; que enunciada no dispositivo, o qual contm o imperativo judicial trazido numa ordem que pe fim a controvrsia. Apesar da importncia que a sentena tem para os litigantes, atualmente, diante do fenmeno da commonlawlizao, ela adquire uma relevncia redobrada, na medida em que pode ser utilizada para justificar os critrios de deciso de um caso sucessivo. Nesse caso, fala-se de motivao aliunde, que consiste em fundamentar a deciso com base em precedentes. Estes podem ser estudados a partir de quatro dimenses: objetiva, em que se faz a diferenciao entre ratio decidendi e obiter dictum; institucional, para a qual existe o precedente vertical, horizontal, autoprecedente e exemplo; da eficcia, em que se diferenciam precedentes must-sources, should-sources e may-sources; e estrutural, em que h o precedente propriamente dito, a jurisprudncia pacfica, a jurisprudncia contraditria e o caos jurisprudencial. A atividade do julgador, no dia-a-dia, diante de inovaes legislativas que trazem a obrigatoriedade de se vincular a precedentes, no pode se eximir de citar julgados em suas decises, sempre fundamentando aliunde. Observadas as dimenses do precedente, pode-se traar uma srie de critrios de escolha dentro da perspectiva estrutural, ou seja, da jurisprudncia em sentido quali e quantitativo, que vo desde o favorecimento das decises s quais o ordenamento atribui eficcia vinculante (mustsource), como a smula vinculante e o controle concentrado de constitucionalidade, at a prpria hierarquia de julgados numa direo vertical, conforme traz o Projeto do CPC. A importncia da aplicao dos precedentes, seguindo rigorosa analogia entre caso paradigma e concreto, est na garantia de justia e igualdade de tratamento perante o Poder Judicirio. Palavras-chave: sentena, motivao, aliunde, precedente.

SUMRIO

INTRODUO................................................................................ 7 1 1.1 1.2 1.2.1 1.2.2 1.2.3 DA SENTENA E SEUS ELEMENTOS...................................... 11 EFEITOS DA SENTENA............................................................... 24 ELEMENTOS DA SENTENA....................................................... 26 Dispositivo........................................................................................ Relatrio........................................................................................... 28 30

Fundamentao................................................................................ 33

2 2.1 2.2 2.3 2.4

DO PRECEDENTE......................................................................... 41 DA DIMENSO OBJETIVA........................................................... 51

DA DIMENSO INSTITUCIONAL................................................ 55 DA DIMENSO DA EFICCIA..................................................... 59

DA DIMENSO ESTRUTURAL..................................................... 62

3

DA MOTIVAO ALIUNDE POR MEIO DAS TCNICAS DE CITAO DOS PRECEDENTES........................................ 66

3.1 3.2

APLICAO DOS PRECEDENTES............................................... 70 A MOTIVAO ALIUNDE SOB A PERSPECTIVA

ESTRUTURAL DO PRECEDENTE................................................ 75 CONCLUSES................................................................................ 83 BIBLIOGRAFIA............................................................................. 86

7

INTRODUO

Algumas alteraes legislativas recentes conferiram nova importncia aos provimentos judiciais, num movimento que est sendo chamado pela Doutrina que estuda o assunto de commonlawlizao, ou seja, a aproximao do sistema brasileiro, reconhecidamente civil Law, do sistema anglo-americano ou ingls, common Law. Na common Law, os precedentes, como so denominadas as decises anteriores capazes de serem referenciadas em julgados posteriores, desempenham fundamental papel dentro do Poder Judicirio. Em especial, eles fornecem os critrios de deciso para casos sucessivos anlogos ao caso paradigma. Em sntese, precedente a deciso judicial composta de fatos, fundamentos, decisrio e justificativa que invocada por um juiz que julga caso anlogo posterior. Contudo, o magistrado no invoca pura e simplesmente as razes que compuseram o julgamento da primeira situao, mas sim a norma jurdica concreta e universalizvel, constante do primeiro julgado e aplicvel ao segundo por um raciocnio de subsuno. Sem embargo, tambm no civil law, ou famlia romano-germnica, a qual o Brasil filiado, o uso de precedentes para fundamentar decises j prtica antiga nos tribunais e juzos de primeira instncia, apesar de tal fato ter ganho nova dimenso com a divulgao via internet dos julgados do Poder Judicirio e com a edio de certos dispositivos na lei processual civil, a exemplo dos arts 557, caput e 1-A, 285A, 518, 1, 544, 3, 543-C, 2, 543-A, 3, 527, I, 475, 3, 120, pargrafo nico, todos do Cdigo de Processo Civil. Principalmente por conta desses fatores que se pode falar em motivao aliunde atualmente, a qual consiste no ato de retomar os argumentos veiculados em precedentes para fundamentar nova deciso, em vez de desenvolver os seus originalmente. E sobre os critrios de escolha de julgados que versa o objeto da presente monografia, que buscou, atravs de um mtodo dialtico, demonstrar a aplicabilidade da teoria das dimenses do precedente de Michele TARUFFO para o

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fornecimento de diretrizes ao operador do direito, diante da vasta gama de decises que perfazem a jurisprudncia brasileira. Para tanto, primeiramente, busca-se conhecer a figura da deciso judicial e seus elementos, afinal, bem ou mal, o precedente no passa de uma sentena e saber como esta formada imprescindvel para se conhecer satisfatoriamente das dimenses do precedente. Descobre-se ento que no conceito lato de sentena incluem-se diversas formas de provimentos judiciais, como acrdos, deciso interlocutria e sentena em sentido estrito, e que cada classificao (de mrito, terminativa etc) tem repercusso sobre o que se espera encontrar nos elementos dispostos no art. 458 do CPC, que sejam o relatrio, a fundamentao e o dispositivo. Porm, independentemente do contedo que veiculem, as sentenas devem obedecer a certos requisitos de tempo, modo e lugar. Assim que elas devem sempre ser publicadas, na sede do juzo e devem ser redigidas de forma clara, certa e congruente, porque sua existncia traz efeitos no somente aos litigantes (funo endoprocessual), mas tambm acarreta o controle exercido por toda a sociedade sobre a correo da atividade judicial (funo extraprocessual). Partindo-se ento para o conhecimento dos elementos da sentena, tece-se algumas linhas sobre o dispositivo, que o preceito imperativo que contm o comando estatal que soluciona a controvrsia entre as partes. Ele deve ser expresso, sob pena de inexistncia de sentena por falta de decisrio, e pronunciar a deciso sobre tudo o que se pleiteia de forma clara e inequvoca. o condicionante da interpretao da sentena e, tanto mais, no pode ser excludo na apreciao do precedente. Em seguida, conhece-se alguns pontos fundamentais sobre o relatrio, o espelho resumido dos fatos processuais e materiais relevantes para a lide. A importncia do que sejam os aspectos mais importantes de serem narrados fez com que a doutrina formulasse uma espcie de lista sobre os aspectos processuais mais marcantes que devem se fazer constar, ao lado da apreciao detalhada das provas. O relatrio, apesar de ter sua importncia diminuda no ordenamento brasileiro por diplomas que o dispensam Lei 9.099/95 o primeiro passo para a fundamentao,

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podendo chegar ao ponto de se dizer que a integra, na medida em que so indissociveis. Ao final do captulo 1, depara-se com o elemento da motivao da sentena, que onde se insere a questo da motivao aliunde. Fundamentao enunciado das razes em que se apoiar a deciso da causa, e a justificativa da escolha dessas razes lastreadas nos eventos probatrios dos autos. Ela pode ser substancial, quando o magistrado deve desenvolver a exausto todos os argumentos, ou sucinta, em que se permite um juzo menos aprofundado sob certos aspectos que , mais ou menos, o que ocorre quando a deciso se funda em precedentes. No captulo 2, apresentam-se as dimenses do precedente do doutrinador italiano Michele TARUFFO, a comear pela objetiva, fundamental para a compreenso de qual o elemento realmente vinculante do precedente. Dois aspectos da deciso so trabalhados nesse vis, a ratio decidendi que a norma do caso concreto e as obiter dicta que tudo o que o magistrado diz na deciso, mas que no importa realmente para o dispositivo. sobre a ratio que se faz o juzo de semelhana que permite a aplicao analgica do precedente e ela extrada da anlise dos fatos materiais do caso e pelos argumentos que o juiz veicula na fundamentao que apresentam tais fatos como relevantes. Na dimenso institucional, avalia-se a direo do precedente, ou seja, baseada na hierarquia judiciria, v-se se o precedente cai de cima para baixo precedente vertical ou se ele se encontra num mesmo nvel de jurisdio, quando pode ser autoprecedente (uma corte que segue as prprias decises) ou precedente horizontal (um juiz que se alinha a entendimento jurisprudencial de outro juiz). J na dimenso da eficcia, apresenta-se quais nveis de fora pode ter um precedente. Em primeiro lugar, esto os precedentes chamados must-sources, que devem obrigatoriamente ser seguidos, exceto se houver uma tima razo para serem afastados. Depois, h os precedentes should-sources, que devem ser referenciados contanto no haja boas razes para no faz-lo. E h os precedentes may-sources, que no obrigam ningum ao seguimento, apesar de constiturem importante elemento de persuaso.

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A ltima dimenso, estrutural, traz os critrios para se diferenciar o que seja precedente uma nica deciso suficiente para embasar um julgamento sucessivo e jurisprudncia vrias decises sobre diversas matrias. Dentro desta ltima, possvel verificar uma qualidade diferente nas decises que influenciam na sua eficcia. Existem, assim, os leading cases, que so decises singulares; as orientaes pacficas dos tribunais sobre determinado assunto; os posicionamentos conflitantes das cortes sobre a mesma matria; e o completo caos, em que no h como se estabelecer que a jurisprudncia se orienta para esse ou aquele sentido. Escolher julgados dentro do vasto campo de decises do Poder Judicirio, diante dos rigores que impem esse dever de seguimento, como nos dispositivos j mencionados, uma tarefa rdua para o operador do direito. No entanto, o legislador, no Projeto do Cdigo de Processo Civil, j comeou a esboar alguns critrios de escolha, os quais somados ao que prope a doutrina, podem direcionar seguramente o julgador. Portanto, no captulo 3, conhece-se das vicissitudes da aplicao do precedente, desde a escolha do paradigma at o efetivo raciocnio analgico da semelhana ou distino entre os casos. Conclui-se que, apesar das severas crticas que recebem o fenmeno da commonlawlizao e a prpria motivao aliunde, nos tempos de crise do Judicirio, em que o Legislativo tenta socorrer obrigando-o ao seguimento das decises anteriores, o uso dos precedentes afigura-se como prpria garantia de Justia e igualdade de tratamento judicial funes que nenhum juiz em qualquer lugar do mundo pode se furtar de cumprir.

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1 DA SENTENA E SEUS ELEMENTOS

Sentena uma orao, em portugus claro, o que nada tem a ver com a orao ofertada a Deus e a resposta que com ela se obtm (que muitas vezes adquire um vis negativo). uma frase com verbo e sentido, mas no mundo jurdico ela tambm dotada de imperatividade, mas no a divina, porque prolatada por um juiz togado em resposta a uma contenda humana. Uma sentena uma opinio no cientificamente demonstrada, mas sempre fundamentada, que leva em considerao, sobre uma mesma causa, os pontos de vista de mltiplos interlocutores1. Ela representa a mensurao da justia pelo juiz e seus auxiliares, na concepo aristotlica, pela qual o juiz se pauta pelos critrios de distributividade e transmutabilidade para operar o Direito2. Ela cumpre funes tanto para aqueles que atinge diretamente, quanto para a sociedade, que no se exime dos seus efeitos. Por isso, ela tem requisitos de modo, momento e local, a fim de direcionar a atividade do julgador e a fiscalizao do exerccio deste poder. Contudo, no s de sentenas vive a atividade judicial. H que se entender que existe a sentena-gnero, na qual se incluem a sentena-espcie, deciso monocrtica, acrdo, deciso interlocutria e despacho. Mas muitos outros so os atos do juiz, a exemplo da prpria audincia, da inspeo judicial, da prestao de informaes em recurso de agravo ou mandado de segurana contra ato judicial. Sem embargo, s interessa a esse trabalho a sentena-espcie, deciso monocrtica e acrdo, e so duas as ordens que levam a essa escolha: i) estas espcies seguem todos os requisitos de modo, momento e local que ilustra o CPC, mas como tambm o fazem as decises interlocutrias e despachos em certas oportunidades, h que se destacar que; ii) so estes provimentos que geram precedentes para o

1

VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos. Trad. Maria Emantina de Almeida Prado Galvo. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. (Coleo justia e direito) p. 52. 2 Ibidem, p. 42-52.

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ordenamento jurdico. Portanto, cada vez que se falar sentena, leia-se sentenaespcie, deciso monocrtica e acrdo. Uma vez iniciada essa sistematizao, no se pode deixar de abordar algumas outras classificaes que so postas pela Doutrina em matria de deciso judicial. Assim que se far breve referncia a sentenas de mrito e terminativas, sentenas tpicas e atpicas, sentenas infra, ultra e extra petita, tudo isso antes de se comear a discutir os elementos que compem este ato processual, que so os mesmos que do precedente, e seus efeitos.

a)

conceito

Sentena o ato jurdico lato sensu final ou no, conforme apetecer a cada doutrinador, de um longo e necessrio encadeamento de fatos processuais, praticado pelo juiz, com vontade3 e inteligncia4, por meio de que ele responde s partes do processo a tutela que foi buscada, que seu dever estatal 5. Nagib SLAIB FILHO, retomando Chiovenda6, coloca sentena como ato de tutela jurdica, proveniente do Poder Judicirio, e que pe fim ao processo. Seu suporte o processo, no somente os autos, mas sim os prprios elementos de constituio demandante, demandado, rgo estatal e demanda7. Cndido Rangel DINAMARCO exps que o julgamento de mrito contm uma afirmao ou negao de um direito e sua obrigao, diferente da do homem comum porque tem a capacidade de se impor. Imperatividade, que manifestao do

3

[...] Hoje a doutrina sabe que s no plano subjetivo da mente do prolator ela pode ser havida como ato de vontade, limitando-se esta a determinar a resoluo do juiz em realizar o ato (Liebman). A vontade substancial dirigida no sentido da deciso a tomar do Estado e no do juiz o qual atua impessoalmente no processo e no como uma pessoa comum em seus negcios. [DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de direito processual civil. V. III. 5 ed. rev. atual. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 206-207] 4 THEODORO JNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento.V. I. 50 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 511-512 5 Ibidem, p. 495. 6 SLAIB FILHO, Nagib. Sentena cvel: fundamentos e tcnica. 6 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 274-275. 7 Ibidem, p. 282.

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poder estatal exercido pelo juiz8, como o autor chama essa capacidade e, de alguma forma, parecida com o fenmeno do stare decisis et non quieta movere9, quando a deciso paradigma cresce para alm do caso concreto, reinando no ordenamento jurdico. Sobre o critrio topolgico, como analisou Jos Carlos Barbosa MOREIRA, sentena o ato situado em uma das pontas do procedimento10. Apesar de muito debatida a questo sobre o fato de a sentena extinguir ou no o processo, fato que na hiptese perfeita ela o ltimo ato do procedimento em primeiro grau, prosseguindo o processo perante os tribunais, a critrio dos demandantes11, mas noutro procedimento (procedimento recursal). Tendo isso em conta, DINAMARCO sugere entender a sentena como ato capaz de, processualmente, extinguir o feito, porm nem sempre exercendo esse efeito12. Acrescentando a esta idia, Humberto THEODORO JR destaca que somente quando se opera a coisa julgada formal em sede de primeiro grau pode-se falar que a sentena cumpriu este efeito processual. Com a sentena, na verdade, o que finda a funo do rgo jurisdicional, perante o qual flua o processo, j que o fim com que profere o ato decisrio, naquele momento, encerrar o seu encargo diante da pretenso de acertamento que lhe foi submetido pela parte13. fundamental destacar a imperatividade, uma vez que so vrios os atos do juiz, classificados pelo Cdigo de Processo Civil, servindo a sistematizao para

89

DINAMARCO, Instituies..., p. 196-197.

Expresso que significa no se mude o que j foi decidido, tpica dos pases de common law, conforme exposio em captulo vindouro, que adotam a sistemtica de vinculao por precedentes para embasar suas decises judiciais.10 11

Ibidem, p. 654. [Sentena] o ato culminante do processo que aglutina, por assim, dizer toda a atividade jurisdicional que, teleologicamente, quela se dirige. por meio dela que o Estado concretiza e realiza seu dever de decidir, que poder, eventualmente, renascer com o recurso voluntrio. [...] S no representa a sentena o trmino da prestao jurisdicional nos casos expressos do art. 475, em que haver (obrigatoriamente) submisso da controvrsia ao duplo grau de jurisdio. [WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). ALMEIDA, Flvio Renato Correia. TALAMINI, Eduardo. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 8 ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: RT, 2006. (Curso avanado de processo civil), p. 489]. 12 DINAMARCO, Instituies ..., p. 653. 13 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 496.

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definir a espcie de recurso cabvel para cada deciso14. Vicente GRECO FILHO aponta que a prpria audincia, a inspeo judicial e a prestao de informaes no recurso de agravo e no mandado de segurana impetrado contra ato judicial tambm so atos do juiz15. Sem embargo, a classificao do art. 162 do CPC a mais interessante: sentena, deciso interlocutria e despacho. J primeira vista, deve-se destacar que o vocbulo sentena a empregado tanto mais amplo e tanto mais restrito quando se tem em considerao outros arts. do CPC16. Seguindo a apresentao sistemtica de DIDIER JR et al17, destaca-se que quando o magistrado apenas impulsiona o procedimento, fazendo com que ele avance em suas fases e sem implicar qualquer gravame s partes, est-se diante de um despacho. Se ele decide uma questo, est-se diante de uma deciso lato sensu. Destas separam-se as decises proferidas pelo juzo singular, sentenas e decises interlocutrias, das proferidas por um rgo colegiado, acrdo e deciso monocrtica. Nesse momento, sobre a sentena stricto sensu, comum conceitu-la como ato que implica uma das situaes previstas no art. 267 (extino do processo sem resoluo de mrito) ou no art. 269 (extino do processo com resoluo do mrito) do Cdigo de Processo Civil18. Com base neste critrio, Luiz Rodrigues WAMBIER et al19 diferencia sentenas processuais tpicas para as que resolvem as condies da14

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro (atos processuais a recursos nos tribunais). V. 2. 18 ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2007. p. 15. 15 Ibidem. p. 170. 16 O CPC, nos artigos 458-466-C, cuida de regrar a sentena. Sentena, neste caso, termo que designa, por metonmia, qualquer deciso judicial, seja qual for a sua espcie; sentena, neste sentido, gnero. Em diversos momentos o CPC refere-se a sentena nesta acepo (arts. 467 e 485 do CPC, p. ex.). A CF/88, ao cuidar das decises do STF, refere-se a sentenas (art. 102, I, m), quando rigorosamente, seriam acrdos (art. 163 do CPC). [...] Sucede que o mesmo CPC, em outro momento (art. 162, 1), vale-se do termo sentena para designar espcie de deciso judicial. [DIDIER JNIOR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatrio, teoria do precedente, deciso judicial, coisa julgada e antecipao dos efeitos da tutela.V. 2. 4 ed. Rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2009. p. 279]. 17 Ibidem, p. 280. 18 BOCHENEK, Antnio Csar. Tcnica de sentena. Disponvel em http://direitojusticacidadania.blogspot.com/search/label/T%C3%A9cnica%20senten%C3%A7a%20est rutura Acesso em 11 ago. 2010. 19 WAMBIER et al, op. cit., p. 482-488.

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ao e pressupostos processuais , atpicas para as que decidem sobre paralisao do processo por mais de um ano, abandono da causa por mais de 30 dias, perempo, conveno arbitral, desistncia da ao, ao intransmissvel, confuso entre autor e ru e sentena de mrito tpica no nico caso do art. 269, I. Em outra classificao, as sentenas processuais so chamadas terminativas, enquanto a sentena de mrito subdividida em: a) atpica, quando do reconhecimento jurdico do pedido, transao, decadncia/prescrio e renncia ao direito sobre o qual se funda a ao; b) tpica de improcedncia, rejeitando o pedido do autor; c) tpica de procedncia, sendo, neste caso, declaratria (da existncia ou inexistncia de relao jurdica ou autenticidade de documento), constitutiva (de um estado ou relao jurdica), condenatria (ante um ato de violao de um direito que propicia aplicao da respectiva sano jurdica), mandamental (se ordena, sob pena de astreinte) e/ou executiva (se ordena, sob pena de qualquer ato de fora praticado pelos auxiliares do juzo, como, por exemplo, o despejo)20. Refere-se, aqui, a esta classificao apenas para adiantar que para as sentenas (e acrdos) processuais, sejam tpicas ou atpicas, o CPC exige uma fundamentao concisa, na forma do art. 45921. A mesma regra submete as decises interlocutrias, por fora do art. 165, CPC. J deciso interlocutria comumente chamada de ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questo incidente, sem extinguir o processo, diferenciandose do despacho porque, neste caso, h gravame s partes22. Exemplo tpico de deciso interlocutria o despacho saneador23. Acrdo o pronunciamento judicial com contedo decisrio proferido por um rgo colegiado fracionrio de um Tribunal, seja pleno ou turma, seja corte

20

ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Direito processual civil: teoria geral do processo, processo de conhecimento e recursos. So Paulo: Mtodo, 2010. p. 85-87. 21 ZAVARIZE, Rogrio Bellentani. A fundamentao das decises judiciais. Campinas: Millennium Editora, 2004. p. 65. 22 BOCHENEK, Antnio Csar. Tcnica ... 23 ZAVARIZE, op. cit., p. 66.

16

especial ou cmara. Seu nome faz referncia consonncia, isto , o acordo de vontades que concorre para formar a deciso24. Ainda em sede de Tribunal, pode ser que o recurso seja julgado apenas pelo relator, em uso dos seus poderes, conforme preceitua o art. 557 do CPC de uma forma genrica muitos outros dispositivos conferem a mesma competncia25 , quando, ento, est-se diante de uma deciso monocrtica, que o pronunciamento proferido por apenas um dos membros do rgo colegiado, nos casos em que o admite a lei ou o regimento interno do tribunal26. A relevncia da distino destas figuras consiste, para os fins deste trabalho, em dizer que todas se sujeitam ao dever de motivao previsto no art. 93, IX da Constituio Federal, que se traduz em verdadeira garantia de administrao da justia27 - sendo, portanto, sujeitas exposio de relatrio, fundamentao e dispositivo, nos moldes do art. 458 do CPC. Tal dever se estende, inclusive, as decises interlocutrias28 (e acrdos interlocutrios29), porque tratam de questes relevantes para o deslinde da causa. J os acrdos e decises monocrticas esto submetidos ao dever de motivao por conta do art. 512, CPC, j que tm efeito substitutivo em relao s sentenas de primeira instncia30. Muitas vezes esse dever mitigado na praxe forense, limitando-se essas decises a esclarecer o que foi mantido ou modificado e reportandose aos fundamentos j expostos na sentena (prtica que origina a fundamentao per relationem, como se explicar)31.

24 25

DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 284. BANCKE, Sara Rodrigues. O precedente judicial e os poderes do relator. Maring, 2009. 217 f. Monografia Cincias Sociais Aplicadas, Direito, Universidade Estadual de Maring. 26 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 284. 27 TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Arago. So Paulo: RT, 2006, p. 166-174, p. 166. 28 ZAVARIZE, op. cit., p. 66. 29 DINAMARCO, Instituies ..., p. 657 30 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A motivao dos julgamentos dos Tribunais de 2. Grau na viso do Superior Tribunal de Justia: acrdo completo ou fundamentado? Revista de processo. So Paulo, ano 33, n. 162, p. 197-227, ago. 2008. p. 198. 31 GRECO FILHO, op. cit., p. 17.

17

Toda deciso do magistrado deve cumprir funes dentro do processo e da sociedade, por isso o dever de motivao assegurando constitucionalmente. assim que DIDIER JR et al apresentam a importncia do provimento judicial, destacando a sua funo endoprocessual32, segundo a qual a fundamentao permite s partes conhecer as razes que formaram o convencimento do juiz, sabendo se foi feita uma anlise minuciosa da causa, a fim de impugnar quaisquer erros por meio dos recursos cabveis, bem como para que os juzes de hierarquia superior tenham subsdios para reformar ou manter essa deciso. J pela funo extraprocessual33, segundo Michele TARUFFO, a motivao assume um relevo constitucional de garantia democrtica de controle do Poder do Estado, analisando se o caso individual foi adequadamente decidido de forma justa e legal. Essa mesma funo inclui a necessidade de justificao enquanto provimento inserido dentro de um sistema, que marca a sua funo de legitimao. Expostas essas primeiras linhas sobre sentena, importa conhecer seus requisitos, que no so os elencados no art. 458, conforme lio de Barbosa MOREIRA que os trata como elementos, enquanto partes que devem integrar a estrutura da sentena34 , mas sim aqueles que tratam das qualidades, atributos de modo como deve ser composta, lugar de sua realizao e no momento adequado a ser proferida, como pertinente a todo ato processual35.

b)

requisitos de momento

A sentena um ato pblico36 e, sob esta perspectiva, imprescindvel a sua publicao para a sua existncia. Com esta, torna-se pblica a prestao jurisdicional, fixando-se o seu teor de forma irretratvel pelo prolator 37, seno pelas hipteses do art.

32 33

DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 290. TARUFFO, La motivazione, p. 167-168. 34 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. O que deve e o que no deve figurar na sentena. In Temas de Direito Processual 8. Srie. So Paulo: Saraiva, 2004. p. 117. 35 DINAMARCO, Instituies ..., p. 656. 36 Ibidem, p. 675 37 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 509.

18

463 do CPC. Assim formada, tambm documento pblico, fazendo prova dos fatos processuais enunciados como premissas da concluso38. Tomando este fato em considerao, apresenta-se um elemento da sentena que no existe no rol do art. 458, CPC, que o fecho. Neste consta a data em que proferida a sentena, marcando o comeo da sua existncia, sendo, portanto, essencial nos termos do art. 164, primeira parte, do CPC. Faltando a indicao expressa, presume-se prolatada a sentena no dia de sua publicao39. Outro elemento fundamental do fecho a assinatura do juiz, sem a qual a sentena perece como ato inexistente. Destaque-se que dever do magistrado, alm de assinar, rubricar todas as folhas que compem o ato (art. 457, CPC)40.

c)

requisitos de local

No obrigatrio41 constar no corpo da sentena a indicao do local, pois, nos termos do art. 176 do CPC, sempre na sede do juzo que se consuma a integrao do ato judicial que a sentena42. Alm disso, no prembulo, que no elemento essencial, comum identificar-se a deciso, inclusive com a denominao do rgo da serventia 43. Outro elemento no essencial, mas cada vez mais comum, a ementa44, consistente numa resenha dos pontos mais relevantes da causa, hbito que muito facilita a motivao aliunde por meio de precedentes.

38 39

DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 373. JORGE, Mrio Helton. Manual prtico da sentena cvel: estrutura tcnica, elaborao da sentena, modelo padro formal, como motivar a deciso, elementos de lgica. Curitiba: JM, 1999, p. 54. 40 Idem. 41 Idem. 42 DINAMARCO, Instituies ..., p. 674. 43 SLAIB FILHO, op. cit., p. 474. 44 A ementa elemento facultativo na sentena, mas tem sido cada vez mais utilizada, quer pela importncia crescente da jurisprudncia e pelo dever do magistrado de tratar em igualdade de condies os casos similares, quer pelo emprego cada vez maior da informtica, cujos bancos de dados exigem a classificao dos assuntos. [Ibidem, p. 477].

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d)

requisitos de modo

Sentena um ato escrito em vernculo, de forma clara, certa e congruente, de forma que ao final forme um silogismo e crie a norma jurdica do caso concreto. So esses os requisitos de modo, sucintamente apresentados. A parte final desta introduo ao captulo 3 destina-se a desvendar as ltimas caractersticas gerais da sentena, antes de se discorrer sobre a fundamentao, enquanto elemento essencial da sentena, e as suas implicaes na teoria do precedente judicial. Como j foi dito, a sentena deve ser escrita, ainda que proferida oralmente em audincia, quando, ento, dever ser documentada nos autos para perene memria da deciso que ela contm45. Eduardo J. Couture, citado por Nagib SLAIB FILHO, comenta que a sentena a reproduo formal de um processo, j que formada de um prembulo (com a denominao da causa), de um relato dos fatos debatidos, do apontamento do direito aplicvel e de uma concluso, que contm a deciso final; tal qual exige a coerncia processual entre o pedido e o decidido46. Assim, se o pedido precisa ser certo, lquido e concludente, a deciso h que ser certa, lquida e clara/coerente47. imprescindvel que a lngua seja o portugus, mas este requisito abrange inclusive a correo da linguagem, o no emprego de expresses inadequadas, chulas, ironia ou de interpretaes por demais ambguas, a correta construo de perodos de linguagem e o emprego de linguagem simples, na medida em que no comprometa a boa tcnica e com ela possa se harmonizar48. Deve-se escrever somente o necessrio, sendo a deciso, desta forma, sucinta, evitando o abuso dos meios de informtica e no que se refere ao alongamento da discusso de matrias j pacificadas na Doutrina e Jurisprudncia. O juiz deve ter como lema examinar as questes de direito relevantes, e s essas. [...] No me refiro a questes infundadas, seno apenas s impertinentes, e portanto irrelevantes. Fora da, o45 46

DINAMARCO, Instituies ..., p. 656. SLAIB FILHO, op. cit., p. 282. 47 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 327. 48 ZAVARIZE, op. cit., p. 126.

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juiz deve resolver todas as questes, ainda que para rejeitar as alegaes dos litigantes, desde que a soluo possa, em tese, influir na deciso49. O exerccio deste trabalho de abstinncia de expresses rebuscadas e inverses gramaticais leva a uma linguagem clara e direta, que tambm requisito de modo da sentena, cuja infrao ocasiona a interposio de Embargos de Declarao. A linguagem deve ser tal que no dificulte o entendimento e interpretao50 da mensagem, gerando certeza s partes e sociedade sobre o percurso percorrido pelo magistrado na sua convico. A linguagem deve ser sempre um elemento de aproximao entre emissor (julgador) e o receptor (partes e sociedade) da mensagem51. J foi dito que sentena que no clara ininteligvel, e, assim sendo, ineficaz. Lembrando a disposio das Ordenaes Filipinas, tanto a certeza quanto a clareza so exigveis da deciso como um todo, integrando o rol de requisitos essenciais dos provimentos judiciais em geral52. Certo o pronunciamento que certifica a existncia, inexistncia ou inviabilidade de anlise de um direito afirmado pela parte, solucionando o estado de dvida gerado pela demanda53. Se se tratar de uma obrigao de prestao, importante que a anlise da deciso responda se devido, a quem devido, quem deve, o que se deve e quanto devido, se possvel54. Ainda que seja o caso de relao jurdica condicional, o requisito da certeza permanece55. Alm disso, a deciso deve ser completa, ou seja, congruente. Esta congruncia pode ser entendida como interna e externa, objetiva e subjetiva. A congruncia externa coloca que a sentena deve ser correlacionada aos sujeitos envolvidos no processo e com os elementos que ensejaram a demanda. A congruncia interna implica clareza, certeza e liquidez da deciso 56. J a chamada congruncia49 50

MOREIRA, O que deve ..., op. cit., p. 121. ZAVARIZE, op. cit., p. 124. 51 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 336. 52 ZAVARIZE, op. cit., p. 125-126. 53 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 327. 54 Ibidem, p. 331. 55 GRECO FILHO, op. cit., p. 258. 56 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 309.

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objetiva impe o dever de observncia pelo magistrado dos elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) e dos fundamentos de defesa57 (Art. 128, CPC). Finalmente, a congruncia subjetiva observa a correlao com os sujeitos parciais da relao jurdica processual, no podendo, em regra, atingir que no tenha participado dela58. A falta de congruncia, qualquer que seja, importa nos vcios da sentena ultra petita, extra petita e citra petita. Nas palavras de DIDIER JR et al, se na deciso ultra petita o juiz exagera e, na extra petita, ele inventa, na deciso citra petita o magistrado se esquece de analisar algo que tenha sido pedido pela parte ou tenha sido trazido como fundamento do seu pedido ou da sua defesa59. So casos tpicos que importam em sentena decidida ultra petita quando seus limites vo alm do correto, fazendo que seus efeitos atinjam quem no participou da relao processual, ou concedendo ao demandante mais do que pedido, analisando no apenas os fatos essenciais apresentados pelas partes, com ofensa aos princpios do contraditrio e ampla defesa60. Diz-se extra petita a deciso, em vez de analisar o que devia, avalia outra coisa em seu lugar. Assim, enquadram-se nessa hiptese os casos em que a sentena atinge apenas quem no participou do processo61, ou quando o magistrado, sem analisar o pedido formulado, delibera sobre pedido no formulado, ou ainda, sem analisar fato essencial deduzido, decide com base em fato essencial no deduzido62. Por fim, citra petita a deciso que, violando o princpio da inafastabilidade da jurisdio, deixa de se manifestar sobre pedido formulado, fundamento de fato ou de direito trazido pela parte, seja incidental ou principal, ou de deliberar quanto a determinado sujeito da relao processual63. Tambm se amolda a essa hiptese o caso

57 58

Ibidem, p. 310. Ibidem, p. 323. 59 Ibidem, p. 318. 60 Ibidem, p. 311-312. 61 Ibidem, p. 324. 62 Ibidem, p. 312. 63 Ibidem, p. 311 e 318.

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de pedido implcito em que o magistrado obrigado a analisar por fora de lei, mas falha em faz-lo, independentemente de formulao da parte64. A congruncia interna no deixa de implicar, tambm, o fato de que a sentena um ato de inteligncia e lgico do juiz. Sendo assim, h a regularidade lgica que deve permear a deciso, no sentido de que todos os elementos devem ser coerentes entre si, dirigidos o relatrio e a fundamentao para o dispositivo, embasando-o65. Esta coordenao de elementos sugeriu a idia de um silogismo para o qual a premissa-maior a norma de direito aceita como pertinente, a premissa-menor, os fatos relevantes provados, tal como descritos no processo66, e a concluso, o preceito estabelecido no dispositivo67, da a necessidade de ele resumir todo o processo, a partir da pretenso do autor, a defesa do ru, os fatos alegados e provados, o direito aplicvel e a soluo final dada controvrsia68.

[...] Isso no significa que, no momento em que compe a sentena, o juiz percorra consciente e racionalmente esse iter. A afirmao da sentena como silogismo foi muito combatida e perdeu prestgio, porque na realidade o juiz antes intui a deciso a tomar, formulando mentalmente sua hiptese de julgamento, para s depois racionalizar as intuies, em busca de confirmao na prova e nos conceitos jurdicos. Depois de redigida, porm, a sentena apresenta-se realmente como um silogismo e como tal deve guardar coerncia lgica entre seus elementos constitutivos, sendo imperfeita quando a deciso da causa no corresponder aos fundamentos adotados na motivao; como em todo silogismo, a concluso no ser legtima se no tiver apoio nas premissas assumidas como corretas69.

A apresentao da sentena como silogismo facilita o entendimento desta como a norma jurdica do caso concreto. Como expe DIDIER et al, a atuao do Direito no plano social comporta trs momento: a) formulao da norma in abstrato; b) definio da norma para o caso concreto; c) execuo da norma concreta 70. A sentena atua no segundo momento, quando reduz a norma geral a uma ratio decidendi, passvel de formar coisa julgada material. Esta ratio no se contenta com a aplicao da regra abstrata, mas exige do juiz uma postura mais ativa, exigindo a64 65

Ibidem, p. 322. DINAMARCO, Instituies..., p. 656-657. 66 JORGE, op. cit., p. 41-42. 67 DINAMARCO, Instituies..., p. 657-658. 68 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 499. 69 DINAMARCO, Instituies..., p. 657-658. 70 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 285.

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observncia das particularidades do caso, dos direitos constitucionais e dos direitos fundamentais71. Este ltimo aspecto aqui apresentado, revela o carter dualista da sentena, predominante na Doutrina majoritria, ou seja, que a sua norma concreta revela o direito preexistente, independentemente da previso expressa em texto legal 72. Ainda quando a sentena encontra lacunas na lei, no ser criado novo direito, pois a deciso orienta-se pela analogia e princpios gerais do direito, sendo impossvel a criao de norma conflitante com o direito j existente73. Normas de direito so sempre genricas e destinadas a todo o conjunto social juridicamente organizado, o que no ocorre com a sentena, que sempre fica limitada ao caso concreto dos autos74. Mesmo nos casos decididos por equidade, o magistrado no foge dos princpios cardeais do direito, ento a lide sempre composta com a atuao da vontade concreta da lei em ltima instncia. Em contraposio, Nagib SLAIB FILHO diz que a funo do juiz no se limita a declarao do direito, mas adquire um vis criador na redao do art. 468, quando atribui fora de lei sentena75. Complementa o autor que, nesse caso, a limitao ao poder criativo a prpria existncia da norma genrica e abstrata, sendo a fundamentao indispensvel em qualquer caso76.

Findas estas linhas gerais sobre o que uma sentena, cumpre conhecer seus elementos, em especial a fundamentao que o objeto desta monografia. No entanto, antes de prosseguir, faz-se importante conhecer os efeitos da sentena, aqueles propostos pela doutrina e aquele proposto por esta pesquisa.

71 72

Ibidem, p. 286. BOCHENEK, A. Tcnica... 73 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 497 74 Idem. 75 SLAIB FILHO, op. cit., p. 285. 76 Idem.

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1.1 EFEITOS DA SENTENA

Se a sentena um ato jurdico que forma a norma jurdica concreta e individual para certa demanda com a qual se deparou o juzo, nada mais natural que essa deciso seja entendida nos planos dos atos, de existncia, de validade e de eficcia. Para ser existente uma sentena tem que conter dispositivo e a assinatura do juiz; para ser vlida, a fundamentao, mesmo que errada77 e incompleta78; para ser eficaz, aparece um problema. A Doutrina apresenta uma srie de efeitos para esse fato, tratando-o, assim, ora como ato, ato-fato79 e fato jurdicos. Porm, de forma geral chamam os efeitos da sentena de principais e de secundrios, sejam anexos ou reflexos. Efeito a repercusso que a determinao da norma jurdica individualizada pode gerar e que vincula, de regra, as partes do processo80. Ela se impe ao mundo exterior porque apoiada no poder estatal que lhe atribui a caracterstica de imperatividade sobre o particular que busca a jurisdio81. So principais aqueles que decorrem diretamente do prprio contedo do comando do dispositivo82, ou seja, a declarao, a constituio, a condenao e a ordem em relaes jurdicas. Decorrem do entendimento da sentena enquanto ato jurdico83. So tambm chamados primrios e so necessariamente explcitos e dependem de prvio pedido em regular demanda84. J os efeitos secundrios so insuscetveis de enumerao 85. Eles so externos a sentena e independem das vontades das partes ou do juiz 86, sendo impostos ou por77 78

STF, 1 T., RE n. 209.903-DF, rel. Min. Seplveda Pertence, j. 21/3/2000, RTJ 173/948-952. ZAVARIZE, op. cit., p. 83. 79 J foi visto que a deciso judicial possui uma eficcia como ato decisrio (principal ou reflexa) e como ato-fato (eficcia anexa). [DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 373]. 80 Ibidem, op. cit., p. 354. 81 DINAMARCO, Instituies, p. 205. 82 WAMBIER et al, op. cit., p. 493. 83 Idem. 84 DINAMARCO, Instituies..., p. 206-207. 85 GRECO, op. cit., p. 262.

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fora de lei, quando so chamados anexos (legais), ou pela prpria relao jurdica, reflexos (necessrios)87. Decorrem do entendimento da sentena enquanto fato jurdico, como assevera DINAMARCO, pois estes efeitos no se relacionam vontade dos sujeitos processuais e so contidos pela prpria lei88. Anexos so os efeitos decorrentes de disposio legal, a exemplo da hipoteca judiciria e da eficcia da sentena enquanto ttulo executivo 89, e, assim sendo, operam de forma automtica diante do mero fato da existncia da deciso90. J os efeitos reflexos so aqueles conexos situao jurdica resolvida pela lide, mas no por determinao legal e sim pelas prprias circunstncias da vida 91. So a repercusso da deciso sobre as outras relaes jurdica que com ela mantm um vnculo de nexidade. sob esse ponto de vista, inclusive, que se fala de uma eficcia ultra partes dos efeitos da sentena. Em geral, a norma jurdica concreta revelada pelo juiz opera efeitos diretos para os sujeitos do processo, sendo vedada a extenso de tais a terceiros. Contudo, os efeitos reflexos da sentena conseqncia da eficcia natural desta, que a todos se impe na medida do objeto do julgamento proferido e sem incluir a disciplina imperativa de relaes jurdicas cujo titular no haja sido parte92. Valendo-se da compreenso de que, no direito anglo-saxo, uma deciso judicial desempenha dupla funo, definindo a controvrsia e constituindo precedente para as decises sucessivas93, e considerando que a sentena possui uma funo extraprocessual de legitimao ante o sistema jurdico, natural que, quando proferida86

DINAMARCO assim coloca que quanto aos efeitos secundrios, sequer a vontade subjetiva do juiz tem qualquer relevncia. [DINAMARCO, Instituies..., p. 208]. Em sentido contrrio, WAMBIER et al coloca que efeitos secundrios precisam estar apreciados pelo juiz para que se operem: Efeito secundrio aquele que, embora independa de pedido da parte para que seja produzido, precisa estar contemplado na sentena para que se produza. Portanto, e assim como o efeito principal, uma conseqncia da sentena considerada como ato jurdico. Exemplos: condenao em honorrios; condenao em litigncia de m-f etc. [WAMBIER et al, op. cit., p. 494]. 87 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Srgio Cruz. Processo de conhecimento. 7 ed. rev. atual. So Paulo: RT, 2008. (Curso de processo civil; v. 2), p. 416. 88 DINAMARCO, Instituies..., p. 207. 89 WAMBIER et al, op. cit., p. 493-494. 90 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 367. 91 Ibidem, p. 368. 92 DINAMARCO, Instituies..., p. 210. 93 RE, Edward D. Stare Decisis. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Revista de Processo, So Paulo, a. 19, n. 73, p. , jan-mar/1994., p. 47-48.

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com carter de precedente, ela manifeste uma eficcia reflexa de coerncia com o mesmo sistema. um outro vis da nexidade dos efeitos da sentena sobre o mundo exterior ao processo em que for prolatada e que decorre, fundamentalmente, da prpria funo extraprocessual. Se a fundamentao da sentena possibilita o controle da atividade do magistrado at mesmo pelos demais graus de jurisdio94, em cumprimento de sua funo endoprocessual, o precedente permite o controle de toda a atividade judicial, sob a ordem da coerncia e uniformidade, para saber por que razo foi decidido de certa forma. por este motivo que a norma jurdica do precedente pode crescer para a condio erga omnes, sem violao a qualquer princpio processual, pois mais um efeito da sentena a sua ao legitimadora de coerncia com o ordenamento. Pode ser chamado efeito reflexo precedentrio, to comum nas aes de controle abstrato de constitucionalidade e, na mais atual tendncia, nas aes de controle concreto, quando o tribunal se manifesta pela abstratizao da deciso, evitando novo julgamento desnecessrio da mesma matria.

1.2 ELEMENTOS DA SENTENA

Integra os requisitos de modo a apresentao da estrutura silogstica da sentena, composta de relatrio, fundamentao e dispositivo, nos moldes da redao do art. 458 do Cdigo de Processo Civil. Alm destes, somam-se o prembulo, a ementa e o fecho, ainda que no elencados no artigo.

Art. 458. So requisitos essenciais da sentena: I - o relatrio, que conter os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do ru, bem como o registro das principais ocorrncias havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisar as questes de fato e de direito;

94

MARINONI et al, Processo..., p. 411-412.

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III - o dispositivo, em que o juiz resolver as questes, que as partes lhe submeterem.

Destaque-se que, como acusa Barbosa MOREIRA, no foi a melhor tcnica do legislador que redigiu este dispositivo. Requisitos so adjetivos, qualidades que se somam um objeto, enquanto que o que retrata o art. 458 so elementos, partes integrantes de uma estrutura chamada sentena95. Outra disposio do CPC coloca, implicitamente, a obrigao de seguir o art. 458 a outros nveis de provimentos judiciais, aluso que j foi feita nesta monografia:

Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituir a sentena ou a deciso recorrida no que tiver sido objeto de recurso.

Nestes trs elementos se representam o plano de existncia da sentena, com o dispositivo, e da validade, com a fundamentao e o relatrio (ainda que, quanto ao ltimo, a doutrina seja controvertida), por fora do art. 93, IX da CF:

IX todos os julgamentos dos rgos do Poder Judicirio sero pblicos, e fundamentadas todas as decises, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presena, em determinados atos, s prprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservao do direito intimidade do interessado no sigilo no prejudique o interesse pblico informao; (grifou-se)

A pena de nulidade para as decises, ou seja, para aquelas que implicam gravame s partes, excluindo, deste modo, os meros despachos do dever de fundamentao96. Este dever, entendido como uma garantia97, imposto ao magistrado desde as ordenaes manuelinas, mas antes, em vez de anulao, a pena consistia em

95 96

MOREIRA, O que deve..., p. 117. ZAVARIZE, op. cit., p. 77. 97 O processo equitativo garantido no artigo 6. da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, pressupe a motivao das decises judicirias, que consiste na correcta [sic] enunciao dos pontos de facto [sic] e de direito fundantes das mesmas, em ordem a garantir a transparncia da justia, a persuadir os interessados e a permitir-lhes avaliar as probabilidades de sucesso nos recursos. [ROCHA, Manuel Antnio Lopes. A motivao da sentena. Disponvel em http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/7576-c.pdf Acesso em 02 jan. 2010].

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multa de vinte cruzados para uma deciso imotivada e de mais dez, caso fosse interposto recurso a serem pagos pelo juiz98. conveno99 dizer que o relatrio consistir no exame do passado pelo magistrado para que, no presente, fundamente justificadamente o que ser a melhor deciso para produzir efeitos no futuro. So estes os trs elementos que sero abordados nas sees seguintes.

1.2.1 Dispositivo

Dispositivo o corao da sentena100 no qual se firma o preceito concreto e imperativo101 por meio do raciocnio decisrio do juiz, pela anlise do pedido, do conjunto probatrio e de outros critrios que lhe permitam a deciso 102. Ele comum a todo e qualquer pronunciamento judicial com contedo decisrio 103. O dispositivo permite isolar o que foi realmente decidido, o qual se torna imutvel e coberto pela chamada coisa julgada material104. Infelizmente, a tcnica legislativa no foi das melhores no inciso III do art. 458, j que ela omite que a concluso consiste na resoluo do pedido, fazendo referncia a resoluo das questes que as partes lhe submeteram105. Em primeiro lugar, h questes sobre as quais o juiz se pronuncia ex officio106; em segundo lugar, o dispositivo no consiste na soluo de questes, e sim na ilao final, a que se chegou luz dessa soluo107.

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ZAVARIZE, op. cit., p. 32. BOCHENEK, Tcnica... 100 MOREIRA, O que deve... p. 123. 101 DINAMARCO, Instituies... p. 663-665. 102 MARINONI et al, Processo... p. 478. 103 DIDIER JUNIOR et al, op. cit., p. 301. 104 MARINONI et al, Processo p. 411-412. 105 WAMBIER et al, op. cit., p. 491. 106 MOREIRA, O que deve... p. 117. 107 Ibidem, p. 118.

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Sendo determinante para a condio de existncia da sentena, no se admite que seja formulada implicitamente, tal qual a vedao que se ope a formulao de pedidos pela parte108. O decisrio deve conter o pronunciamento claro e inequvoco sobre tudo o que se pleiteia e tudo que a lei determina ao juiz, de forma clara e inequvoca109. No entanto, no caracteriza dispositivo implcito aquele contido na fundamentao do julgado. Ainda que no formalmente previsto ao final da deciso, integra-se ao decisrio a resoluo de questo cujo contedo se amolde ao dispositivo, a exemplo das questes processuais rejeitadas que implicam um juzo de admissibilidade da demanda110. Para a doutrina, o dispositivo pode ser direto/analtico ou indireto/sinttico. direta e analtica a concluso que especifica a prestao imposta ao vencido 111, de forma to completa que seja dispensvel pesquisar o contedo do decisrio nas outras peas do processo112. Em contrapartida sinttica quando o juiz apenas se reporta ao pedido do autor113 para afirmar a procedncia ou improcedncia, sendo necessrio o conhecimento do restante do processo para complet-lo, ou at mesmo o manejo de Embargos de Declarao114. A elaborao lgica do dispositivo analtico obedece a um rigorismo lgico de: i) atendimento ou no da relao processual principal (Julgo

procedente/improcedente/parcialmente procedente o pedido formulador por X em face de Y para o efeito de condenar/constituir/declarar/conceder a segurana, ordenar, executar...115); ii) e determinaes administrativas, como a disposio sobre o nus de sucumbncia e expedies de ofcios e carta de sentena, etc116.108

No se admite a formulao de pedido implcito. Excees: pedido de prestaes peridicas vincendas (CPC, art. 290); juros legais (CPC, art. 293), os juros de mora (art. 219); despesas processuais e honorrios advocatcios (CPC, art. 20); correo monetria (Lei n 6.899 de 08/04/1981, art. 1) [BOCHENEK, Tcnica...] 109 MOREIRA, O que deve... p. 123. 110 DIDIER JUNIOR et al, op. cit., p. 304. 111 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 501. 112 JORGE, op. cit., p. 51. 113 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 501. 114 JORGE, op. cit., p. 50-51. 115 BOCHENEK, Tcnica... 116 SLAIB FILHO, op. cit., p. 493.

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1.2.2 Relatrio

O relatrio a introduo da sentena117, que representa o espelho resumido e racional118 de todo o histrico da relao processual, narrando objetivamente os fatos relevantes para a formao do convencimento do magistrado119. Tal qual a fundamentao (art. 458, II) ele embasa o dispositivo e, por isso, pode-se dizer que ele integra a motivao120 por um nexo lgico121. Contudo, no se espera que nele apaream pistas de como ser a deciso das questes, mas apenas os dados relevantes e necessrios, sem digresses inteis122. No mbito recursal, importante que ele reproduza todos os argumentos do recurso e das contrarrazes para a contextualizao da instncia superior123. Conforme a redao do art. 458, inc I, importa aparecerem, cronologicamente124, as principais ocorrncias havidas no andamento do processo, bem como a descrio das provas admitidas, produzidas e valoradas125. A doutrina especializada126 em sentena prope uma ordem a ser seguida: 1) nome de todas as partes; 2) narrao cronolgica do encadeamento de atos processuais, com indicao de fls. de preferncia; 3) fatos relevantes na medida em que influenciaram a deciso; 4) suma do pedido, inclusive com a listagem das preliminares alegadas; 5) suporte probatrio documental; 6) citao; 7) suma da resposta; 8) deferimento de provas; 9) realizao da audincia e tentativa de conciliao, incidentes processuais importantes; 10) alegaes finais.117 118

THEODORO JNIOR, op. cit., p. 499. DINAMARCO, Instituies, p. 658. 119 MEDINA, Jos Miguel Garcia. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Parte geral e processo de conhecimento. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. (Processo Civil Moderno), p. 244. 120 Idem. 121 SLAIB FILHO, op. cit., p. 478. 122 MOREIRA, O que deve, p. 119. 123 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A motivao dos julgamentos dos Tribunais de 2 Grau na viso do Superior Tribunal de Justia: acrdo completo ou fundamentado? Revista de processo. So Paulo, a. 33, n. 162, p. 197-227, ago. 2008., p. 198-199. 124 MEDINA et al, op. cit., p. 244. 125 MARINONI et al, Processo..., p. 473. 126 JORGE, op. cit., p. 27-28.

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DINAMARCO chama ateno de que essa ordem pode variar de acordo com a tutela requerida:

As principais ocorrncias havidas no andamento do processo, que a lei manda incluir no relatrio, so aquelas que tenham relevncia para a deciso que a sentena conter. Nas autnticas sentenas de mrito, onde o juiz conclui dando razo a uma das partes e no outra, o relatrio deve fazer aluso aos incidentes surgidos, defesas opostas, aos meios de prova empregados, ao contedo das alegaes finais das partes que so os elementos de cognio a serem utilizados na motivao e no decisrio que por esse modo se preparam. Nas meramente homologatrias, dispensa-se a aluso prova e mesmo aos fundamentos da defesa, porque os atos autocompositivos das partes vinculam o juiz e a este no cabe decidir sobre quem tinha ou quem no tinha razo; mas indispensvel a reproduo do pedido inicial e seus fundamentos, dos quais depende a admissibilidade do prprio ato de disposio de direitos. Nas sentenas que declaram a decadncia, para a qual os fundamentos da defesa pelo mrito so irrelevantes, no necessrio muito rigor na descrio destes. Nas terminativas, suficiente descrever os fatos e fundamentos jurdicos que conduzem extino sem julgamento do mrito127.

Deve ser conferida ateno especial s provas, uma vez que representam a existncia dos fatos dentro do processo: o que no existe nos autos, no existe na vida. Assim, a atividade do magistrado na seleo e valoraes dos elementos probatrias deve ser muito criteriosa. Afinal, a simples relao, por exemplo, das provas admitidas e produzidas implica valorao pelo juiz da atitude da parte, cuja instruo foi admitida, mas no produzida128. o primeiro passo da fundamentao da sentena, nesse sentido, imprescindvel para o controle da racionalidade129 do raciocnio do magistrado. De forma geral, importa que constem todas as provas que influenciaram na ratio decidendi do julgado. Assim que, independentemente de ter sido pelo autor ou pelo ru, merece explicao o evento probatrio que determinou o provimento final. Quanto s provas que apenas elucidam obiter dicta, no relevante para o provimento geral, mas que foram produzidas ainda assim, MARINONI et al coloca que importante que constem no julgado nessa posio secundria em relao ao dispositivo. Destaca que as dicta tambm se incluem no dever de motivao, na medida que, uma vez instrudas, o juiz deve dizer porque so suprfluas ou porque no127 128

DINAMARCO, Instituies, p. 659. MARINONI et al, Processo..., p. 473. 129 Ibidem, p. 474.

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ilidem a hiptese vencedora130. Contudo, os tribunais no exigem tanto, contentandose com a motivao do essencial, ou seja, da ratio decidendi e a omisso sobre as dicta131. A extenso do relatrio deve abranger toda a prova, no somente aquela produzida pelas partes, mas tambm a colhida ex officio132. Integra o dever de motivar, por exemplo, explicar as expresses genricas como a prova do autor no convence ou as alegaes do ru no ficaram provadas, com minucioso detalhamento do porqu isso ocorre133. A extenso do relatrio, nesse sentido, comporta mitigaes por amor economia processual134. No so s as provas da parte vencedora que entram nessa anlise, mas tambm as da parte perdedora que no convenceram135. O que no se inclui nessa atenuao do dever de relatar a omisso do relatrio, ainda que a Doutrina ainda no tenha se posicionado a respeito da nulidade ou no desse fato. O dever de motivar garantia constitucional expressa no art. 93, X, da CF, e deste o juiz no pode se furtar sob pena de nulidade do ato judicial. No entanto, a legislao infraconstitucional criou a mitigao desta regra, no que concerne ao relatrio, na legislao dos Juizados Especiais, art. 38.

Art. 38. A sentena mencionar os elementos de convico do juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audincia, dispensado o relatrio.

Parte da doutrina acusa este dispositivo de duvidosa constitucionalidade 136, j que o relatrio seria condio de validade da sentena137. Outra138 acusa que, se fosse vcio de constitucionalidade, estaria dispensada inclusive a fundamentao, mas como

130 131

Ibidem, p. 477. DINAMARCO, Instituies..., p. 660. 132 MOREIRA, O que deve..., p. 120. 133 Ibidem, p. 121. 134 Ibidem, p. 120. 135 MARINONI et al, Processo..., p. 475. 136 MEDINA et al, op. cit., p. 244. 137 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 500. 138 ZAVARIZE, op. cit., p. 78.

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isso no ocorre, no h mcula sancionvel. Basicamente, o segundo vis no inclui o relato dos fatos dentro da fundamentao. Em verdade, como j foi dito, o relatrio parte da motivao pressuposto lgico para o dispositivo, e sua falta compromete por demais o entendimento da norma jurdica do caso concreto, j que o juiz s pode dizer o direito para o fato da demanda.

1.2.3 Fundamentao

O que motivar? Quando a validade da sentena est em jogo, o que importa colocar no item da fundamentao? Primeiramente, importa dizer o que seja esse dever de motivar, que muitos autores entendem como garantia constitucional139, que possui algumas finalidades e acarreta alguns impactos. As primeiras so trs, segundo Luiz Henrique Volpe CAMARGO140: a) demonstrar a imparcialidade do magistrado; b) demonstrar a justia e a legalidade do pronunciamento judicial; e, c) demonstrar que os argumentos e provas produzidos pelas partes foram efetivamente analisados pelo julgador. Os impactos da motivao so de duas ordens, sociais e judiciais. Para aqueles, tem-se o convencimento dos destinatrios da deciso a respeito de sua correo, especialmente nos quesitos de transparncia e imparcialidade, j que a questo do acerto do julgamento uma tarefa bem mais rdua de ser concluda sem estes dois141. Tambm serve ao juiz, na medida em que ele mesmo pode entender legtima a sua prpria deciso fundamentada142, justificando seu posicionamento, em especial ao tratar de questes muito debatidas na doutrina e na jurisprudncia, quando se observa diversidade de opinies e de decises143. E para os impactos judiciais, est o fato de que a deciso bem fundamentada pode desestimular o recurso, se os139 140

ZAVARIZE, op. cit., p. 44. CAMARGO, op. cit., p. 199. 141 ZAVARIZE, op. cit., p. 55. 142 Ibidem, p. 60. 143 Ibidem, p. 63.

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destinatrios se convencem de que a demanda foi bem apreciada144, facilitar a interpretao e aplicao da sentena, e ainda convencer a instncia reformadora, diante de uma motivao completa, a no conhecer do apelo145. Motivao, para DINAMARCO, o enunciado das razes em que se apoiar a deciso da causa. Embora formulada em momento logicamente anterior ao decisrio, ela direcionada s concluses que viro e deve conter o exame de todos os pontos relevantes para o julgamento da causa146. Se no dispositivo o juiz decide a pretenso, na fundamentao ele elucida as questes, colocando os pressupostos para decidir a causa. Alis, importa fazer distino entre a fundamentao legal e a fundamentao jurdica, sendo esta sobre a qual recai a exigncia constitucional. A primeira consiste na indicao do dispositivo de lei que aplicvel ao caso concreto o que, no entendimento da sentena como um raciocnio subsuntivo, o primeiro passo. J a segunda consiste num exame dos fatos do caso concreto luz da norma geral e sua adequada concretizao s especificidades, resultando na norma jurdica concreta contida na sentena. Para tanto, a indicao do dispositivo legal fica em segundo plano, sendo mais importante a anlise de um contedo jurdico tutelado pelo ordenamento e sua peculiar aplicao ao caso concreto. Alguns autores suspeitam que a fundamentao deve ter um contedo mnimo147, referindo-se a obedincia ao contedo legal da norma geral, em primeiro lugar, seguida da interpretao desta de modo adequado e, em raros casos, suprida a lacuna legislativa ou negada a vigncia lei inconstitucional. Ou seja, deve haver indicao da lei aplicvel, da interpretao que o magistrado lhe d e juzo sobre a sua constitucionalidade, no mnimo. Tratando-se de conceito jurdico indeterminado, similar a hiptese de lacuna de lei, importante ao julgador demonstrar, com acuidade,

144 145

Ibidem, p. 55. [...] Uma deciso, em princpio, para tornar-se vulnervel, h de ser atingida exatamente na sua base: a fundamentao. [WAMBIER et al, op. cit., p. 491] 146 DINAMARCO, Instituies..., p. 660. 147 ZAVARIZE, op. cit., p. 81.

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a forma com a situao ftica se encaixa no conceito abstrato, sob pena de mera repetio de texto legal caso falhe em faz-lo148. Em outro sentido,

Aponta ainda a doutrina, como sendo o contedo mnimo da fundamentao, dois aspectos: a escolha do magistrado deve atender individualizao das normas aplicveis, luz de um rigoroso exame dos fatos e do seu entendimento jurdico, de modo que se possa prever as conseqncias jurdicas decorrentes dessa subsuno; e o juiz deve buscar o nexo de causalidade entre os fato e sua regulamentao normativa149.

Em contraposio e tambm complementaridade idia de contedo mnimo, h a de inteireza da motivao, enunciada pela necessidade de que na sentena constem (a) a interpretao das normas aplicadas, (b) o exame dos fatos e das provas, (c) a qualificao jurdica do conjunto dos fatos alegados e provados (fattispecie) e (d) a declarao das consequncias jurdicas dos fatos que o juiz reconhece como ocorridos150. Em resumo, diante do carter substancial da motivao, o magistrado obrigado a dizer mais do que tautologias como presentes os pressupostos legais, concedo a tutela antecipada, enunciando as razes do porqu entendeu presentes ou no tais pressupostos, por exemplo151. Isto , essa fundamentao substancial reduz-se a referncia expressa aos elementos de fato e de direito considerados para a deciso, deixando explcito com indicao nos autos o que h para justificar a adoo de uma ou outra soluo152. Tal qual no relatrio, que no deixa de integrar a motivao lato sensu, a fundamentao tambm deve se ater aos dados relevantes. H necessidade de se separar o essencial do perifrico; este, assim considerado na medida em que em nada alteraria a concluso do julgado, enquanto aquele, sim, o ponto fundamental do litgio153.

148 149

DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 294. Ibidem, p. 81-82. 150 DINAMARCO, Instituies, p. 660-661. 151 DIDIER JNIOR et al, op. cit., p. 298. 152 ZAVARIZE, op. cit., p. 88-89. 153 ZAVARIZE, op. cit., p. 83.

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O essencial, contudo, no abrange todos os argumentos das partes 154 e nem fica adstrita a eles jura novit curia155. Em geral, a ordem lgica da motivao consiste na anlise de todos os fundamentos, a comear pela apreciao das questes preliminares, de preferncia com exame feito por pargrafos para facilitar a visualizao. Estas se apreciam por relao jurdica processual partindo o exame da relao antecedente (p. ex. com anlise inicial do caso de oposio). O rol a ser seguido o do Cdigo de Processo Civil, atualmente no art. 301156. Em seguida, resolvem-se as questes prejudiciais e as de mrito, seguindo a ordem lgica (p. ex. examina a incidncia de juros aps a condenao em dinheiro) de cada pedido e causa de pedir trazidos pelas partes157. JORGE ainda aconselha que sempre se mencione o nmero de fls. em que se encontram as peas aludidas, se evite o emprego exagerado de adjetivos e a linguagem de deputados (p. ex. ilustre promotor)158. Seguindo a tendncia de DINAMARCO a destacar o que importa constar na motivao da sentena por tipo de provimento, cumpre colocar suas consideraes sobre a fundamentao.

A motivao das sentenas de mrito deve conter o exame de todas as questes de fato e de direito relevantes para a determinao da demanda que deve ser acolhida e da que deve ser rejeitada, segundo os fatos, a prova e os preceitos de direito material; se houver alguma preliminar a ser considerada, tambm indispensvel desenvolver os raciocnios pelos quais ela rejeitada e o mrito julgado. Nas terminativas dispensa-se a motivao quanto ao mrito, justamente porque ele no ser objeto de pronunciamento no decisrio; exige-se contudo o exame dos pontos referentes aos pressupostos de admissibilidade do julgamento deste, como fundamento da concluso pela extino do processo. As sentenas homologatrias devem ter como fundamentao o exame dos pontos indispensveis para que o ato autocompositivo seja regular e, portanto, homologvel. As que pronunciam a prescrio ou a decadncia so motivadas com a concreta apreciao dos pressupostos dessas causas extintivas159.

Alis, o prprio CPC traz uma diferenciao quanto profundidade da motivao a depender do tipo de deciso, a chamada fundamentao concisa, em154

STJ, 1a. Turma, REsp 681.638/PR, rel. Min. Teori Zavascki, j. em 26.09.2006, DJ 09.10.2006, p. 262 155 THEODORO JNIOR, op. cit., p. 501. 156 JORGE, op. cit., p. 30. 157 Ibidem, p. 31-32. 158 Ibidem, p. 32-33. 159 DINAMARCO, Instituies..., p. 661.

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contraposio a substancial que foi a apresentada at aqui. Em geral, ela empregada para as sentenas terminativas, as falsas sentenas de mrito (prescrio e decadncia), as interlocutrias, as sentenas de jurisdio voluntria, algumas medidas do processo cautelar (p. ex. produo antecipada de provas) e nos Juizados Especiais160. Os autores costumam cham-la de adequada e suficiente tendo em vista o dispositivo a que se referem161, com a anlise de todas as questes essenciais colocadas para o desfecho da lide162, sendo insuficiente a meno genrica a requisitos e frmulas prontas163. A conciso no implica fundamentao implcita, consideradas por alguns como negatria de justia e proibida pelo ordenamento164. Os casos ilustrados na doutrina165 desta espcie consistem basicamente em: (a) caso do juiz deixar de se referir a alguns pontos do processo por serem suprfluos aos j considerados, o que se coaduna com a exigncia de que a fundamentao refira-se ao essencialmente essencial, tolerando-se omisses quanto a pontos colaterais166; (b) quando a soluo de uma questo resulte em precluir o exame das questes e pontos sucessivos ou da prpria causa principal, afinal, a sentena no tem que ser prolixa; (c) quando diante de teses contrapostas, a aceitao motivada de uma deixa implcita a razo da rejeio da outra, caso em que se admite validamente essa espcie de fundamentao 167. Note-se que sensvel a distino entre a fundamentao implcita e a falta de motivao, ilustrada em trs hipteses principais tambm: (a) omisso do juiz quanto s razes de seu convencimento; (b) quando as premissas que fundam a deciso no podem ser consideradas tanquam no esset (falta de motivao intrnseca); (c) quando tenha se omitido sobre o exame de um fato decisivo para o juzo, de modo que se leva a crer que caso tivesse apreciado, a deciso seria outra (falta de motivao

160 161

ZAVARIZE, op. cit., p. 79. Idem. 162 MEDINA et al, op. cit., p. 247. 163 ZAVARIZE, op. cit., p. 72. 164 Vide JORGE, p. 33 e MEDINA et al, p. 247. 165 SAIKI, op. cit., p. 12, nota de rodap. 166 DINAMARCO, Instituies..., p. 660-661. 167 ZAVARIZE, op. cit., p. 105.

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extrnseca)168. Quanto ao primeiro caso, clara a doutrina de que se trata de sentena no-fundamentada; no entanto, nos dois ltimos entende-se estar diante de uma sentena mal-fundamentada, que cumpriu o requisito da fundamentao, mas falhou na justia, merecendo reforma na instncia superior. Alis, ainda sobre este assunto, SLAIB FILHO169 e BARBOSA MOREIRA chamam ateno ao fato de que a no-conciso no significa sentena verborrgica e que o juiz possa se perder em digresses inteis, tais como conjecturas hipotticas ou o passo-a-passo da evoluo da deciso em sua mente. O juiz s tem de julgar a causa que lhe foi submetida; no outra causa hipottica, que no foi ajuizada. Reitero, para encerrar a exposio, que a sentena deve conter todo o necessrio e s o necessrio; no lhe pode faltar inteireza lgica170. Sem embargo, quando se trata do raciocnio justificativo, especialmente em relao apreciao das provas, a doutrina costuma ser bem mais rgida. Uma vez apresentada a narrao processual do autor e a narrao do ru, o juiz no pode simplesmente escolher uma e dar como fundamentao suficiente a remisso a alegaes das partes. Alm de valorar todas as provas que implicaram a adoo e a rejeio de um ou outro aspecto, ele deve justificar a sua escolha. A motivao, assim, adquire nova forma sob o vis da explicao da convico e da deciso, da origem das razes bastantes ou no para a procedncia do pedido171. Numa dimenso analtica, consistente na mera anlise do conjunto probatrio e eleio de uma verso processual da verdade, o juiz deve escolher a que esteja baseada nas provas que outorguem a melhor convico, de preferncia a que for mais profundamente ancorada no lastro probatrio disponvel172. J a dimenso sinttica consiste num contraponto entre duas verses analticas, ou seja, duas narraes igualmente viveis. Pode haver aceitao parcial de cada uma das verses, contanto que sejam coerentes (p. ex. no admitir fatos incompatveis168

FRAGOSO, Jos Carlos. Sobre a necessidade de fundamentao das sentenas. Disponvel em http://www.fragoso.com.br/cgi-bin/artigos/arquivo58.pdf Acesso em 02 jan. 2010.. 169 SLAIB FILHO, op. cit., p. 489. 170 MOREIRA, O que deve, p. 123-124. 171 MARINONI et al, Processo..., p. 472. 172 Ibidem, p. 485-486.

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como verdadeiros no h princpio da eventualidade na sentena) e congruentes em relao ao conjunto ftico-probatrio a melhor verso espelha os fatos provados173. Quanto a estes fatos, absolutamente necessrio que constem dos autos e no do conhecimento ntimo do magistrado, sendo fundamental a anlise da credibilidade da prova ou presuno174, bem como sua capacidade e utilidade de elucidar o fato que pretende elucidar175. A partir destas, somadas aos argumentos das partes, o juiz faz sua convico. Aps ter raciocinado sobre as provas e proferido sua deciso, resta ao magistrado justificar os raciocnios, que foram feitos antes, por meio de argumentao176. Fundamentar, assim, significa escolher entre verses possveis; justificar, argumentar a verso escolhida. A justificativa, apesar de comprometida com as opes derivadas dos raciocnios que lhe antecederam, deve expressar as razes que levaram as concluses dos raciocnios sobre as provas e para a tomada da deciso 177. Isso significa ir alm de dizer o porqu da adoo da hiptese vencedora. Ora, se o juiz preferiu as provas A e B que favorecem o autor em detrimento da prova C que beneficia o ru , no basta fazer referncia s provas A e B, sendo necessrio explicar a razo pela qual a prova C no lhe convenceu178.

Tantas consideraes sobre as partes que integram a sentena, especialmente no ltimo caso da fundamentao, importam para uma comparao, no captulo final, do uso justificado da jurisprudncia, ou mais atentamente do precedente, na fundamentao conhecida por aliunde (que est fora) isto , desenvolver a nova sentena com base em uma antiga. Em rpido cotejo, importa para o desenvolvimento da argumentao aliunde: (i) os fatos essenciais da causa, razo pela qual tanto na sentena paradigma quanto na173 174

Ibidem, p. 487-488. Ibidem, p. 412-413. 175 Ibidem, p. 472. 176 Ibidem, p. 478. 177 Idem. 178 Ibidem, p. 488.

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nova sentena o magistrado deve estar bem atento a quais elementos fticos e probatrios iro importar para o dispositivo; (ii) a pontuao das questes relevantes a serem resolvidas, e sua similitude com as que foram desenvolvidas no caso paradigma; (iii) o raciocnio justificativo, que muito similar ao que MARINONI et al coloca para a valorao das provas se o fato B, por que, ento, no o fato A? So esses os pormenores que importam para a motivao aliunde que se aproveitam desta introduo a sentena. A segunda parte deste trabalho, assim, tem por objeto saber a que tipo de deciso ser feita referncia na motivao da nova sentena a ratio decidendi da deciso paradigma, o provimento dos tribunais superiores, o posicionamento constante dos tribunais, os acrdos vinculantes... todos conceitos que importam para julgar adequadamente as demandas no Poder Judicirio atual.

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2 DO PRECEDENTE

No haveria um porqu da realizao desta monografia se no se falasse, ao menos um pouco, de um fenmeno j h muito tempo observado pelos doutrinadores e que est sendo chamado de commonlawlizao ou hibridizao de sistemas. Porm, antes de explicar a origem do termo, melhor seria fornecer as condies fticas em que est inserido o Processo Civil na realidade moderna. Roger PERROT, a propsito da chegada do novo milnio em 2001, proferiu conferncia sobre uma breve recapitulao do histrico da lei processual civil francesa, o qual em muito se assemelha ao da brasileira, como se pretende demonstrar. E ressaltou o autor que o acontecimento processual marcante deste ltimo meio sculo ter sido sem dvida, e no s na Frana, o considervel aumento da massa litigiosa. Foi esse dado primeiro que pesou muito fundo nas transformaes do processo civil francs 179. O entravamento do Judicirio pelo nmero excessivo de demandas, para o autor, tem duas causas, a saber uma quantitativa e uma qualitativa. A primeira (quantitativa) que, numa sociedade complexa e de desenvolvimento acelerado, houve uma rpida sucesso de leis que fatalmente geraram um contencioso abundante, ainda mais se se somar o fato de que os jurisdicionados, mais cnscios de seus direitos, tm hesitado pouco em ingressar com demandas, percorrendo [se necessrio] todos os degraus da hierarquia judiciria, desde o juiz de primeiro grau at a Corte de Cassao180. Como o contingente funcional do Poder Judicirio continua praticamente o mesmo, naturalmente, o resultado s alcanado aps uma demora de meses ou anos. A segunda causa (qualitativa) representa um agravamento da primeira. Explica o autor que as demandas, antigamente, versavam apenas sobre certas matrias, como propriedade, sucesso, contratos (taxados em lei), mas a sociedade complexa acabou179

PERROT, Roger. O processo civil francs na vspera do sculo XXI. Trad. Jos Carlos Barbosa Moreira. Revista de Processo, a. 23, n. 91, p. 203-212, jul-set/1998. p. 204. 180 Idem.

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por trazer tona novos assuntos, desde reclamaes trabalhistas e acidentes de trnsito at seguros e locaes, com todas as peculiaridades que podem haver no quotidiano. Conclui, PERROT, que [c]umpre que nos rendamos evidncia: sociologicamente, o processo deslocou-se na direo de camadas populacionais de condies mais modestas, que vivem de seus ganhos e so comumente designadas por classes mdias181. Diante deste cenrio, as preocupaes do jurista moderno dirigiram-se para solucionar principalmente dois problemas o acesso Justia e a durao dos processos.

V-se ento, porm, onde est o paradoxo que faz pensar um pouco na quadratura do crculo. De um lado, nossos tribunais esto entulhados de um contencioso sempre mais abundante, que retarda fatalmente o curso da Justia. Mas, de outro lado, a natureza dos litgios que chegam justia exige soluo cada vez mais rpida: eis a um imperativo absoluto, ainda mais imperioso que no sculo passado182.

Para o acesso Justia, o Estado brasileiro, a semelhana do francs, desenvolveu as benesses da Assistncia Judiciria Gratuita, por meio da Lei 1.060/1950. Assim, os menos favorecidos tm direito a ser assistido por advogado sem precisar pagar qualquer quantia em dinheiro. neste sentido que se fala em defensoria pblica, reconhecida como instituio essencial funo jurisdicional do Estado, a quem incumbe a orientao jurdica e a defesa dos necessitados (art. 134, C. F.)183. Alm disso, como no basta aumentar o nmero de juzes, por claros motivos oramentrios, foram trs as sadas que a Frana, e tambm o Brasil, a seu modo, adotaram para resolver a situao da tempestividade processual: i) Declnio da colegialidade valorizao das decises monocrticas onde antes reinava absoluto o julgamento por colgio de juzes, a exemplo do que preconiza o art. 557 do CPC e outros181 182

Ibidem, p. 205 Idem. 183 MARINONI, Luiz Guilherme. O custo e o tempo do processo civil brasileiro. Disponvel em http://marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2010/04/O-CUSTO-E-O-TEMPO-DO-PROCESSOCIVIL-BRASILEIRO.doc Acesso em 15 de ago. 2010.

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dispositivos similares184. Destaque-se que o Cdigo de Processo Civil Alemo (ZPO), em recente reforma, tambm adotou essa medida, j que o ideal seria que os litgios fossem resolvidos em termos definitivos mediante um nico julgamento. A multiplicao desmedida dos meios tendentes a propici-los e prolong-los, entretanto, acarreta o alongamento indesejvel do feito, aumenta-lhe o custo, favorece a chicana e, em muitos casos, gera, para os tribunais superiores, excessiva carga de trabalho185; ii) Mudanas no procedimento com ampliao dos poderes do juiz, criao do instituto da antecipao de tutela, inverso do contraditrio186, valorizao da soluo alternativa de conflitos, a exemplo da mediao e conciliao. Quanto a esta ltima, o novo ZPO dispe que se ao tribunal parecer adequado, caber-lhe- propor s partes que se submetam a uma mediao extrajudicial, com suspenso do processo187; iii) Preocupao maior com a execuo das decises judiciais, abandonado a antiga concepo de que a atividade jurisdicional se encerra com a sentena o que culminou com as reformas processuais no CPC das Leis 11.232/2005 e 11.382/2006. A quarta mudana, que no constou da conferncia de PERROT, a chamada commonlawlizao, consistente em uma espcie de stare decisis legislativo brasileiro, ou seja, uma valorizao especial das decises judiciais emanadas dos tribunais de cpula, no sentido de que elas traam a nova interpretao/soluo das lides para os graus jurisdicionais inferiores, obrigados a segui-las. Pretende-se com este processo resolver as duas causas, quantitativa e qualitativa.

184 185

Art.s 544,3; 543-C, 2; 543-A, 3; 527, I; 475, 3 e 120, pargrafo nico, todos do CPC. MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Breve notcia sobre a reforma do processo civil alemo. Revista de Processo, a. 28, n. 111, p. 103-112, jul-set/2003. p. 105. 186 [...]Apenas sublinhemos que sua originalidade essencial reside em atribuir efeitos jurdicos ao mutismo do devedor, no sentido de que, se este no se ope ao decreto de injuno no prazo fixado, seu silncio valer como reconhecimento implcito da dvida. PERROT, op. cit., p. 208. 187 MOREIRA, Breve notcia... p. 106.

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Resolver-se-ia a causa quantitativa, ou seja, o excesso de demandas, por meio da atribuio de eficcia precedentria jurisprudncia das cortes, ou seja, tornandoa motivao obrigatria nas decises dos juzes, tanto ao proferir as sentenas, quanto ao indeferir os recursos que contrastem com a tese dominante do tribunal188. J a qualitativa, espera-se resolver a partir do momento em que, como nos casos de recursos repetitivos e repercusso geral, esmera-se a corte de cpula no julgamento da lide, de forma que a deciso resultante seja verdadeiro paradigma de aplicao do direito. Convm agora explicar a nomenclatura. Chama-se commonlawlizao na medida em que invoca a idia do sistema de Direito anglo-saxo, mais comumente denominado em sua lngua materna de common Law (Direito comum), associada a um conceito de transformao ou processo, ou seja, a adoo de certas caractersticas jurdicas anglo-americanas por parte da civil Law, isto , o Direito romano-germnico. O termo hibridizao ou hibridao189 atende ao mesmo sentido, j que sinaliza a fuso de certas qualidades de um sistema pelo outro. Portanto, antes de perscrutar sobre precedentes e vinculatividade, deve-se tecer algumas consideraes sobre fase anteriores, igualmente importantes, que de certa maneira justificam a commonlawlizao em seu sentido atual, qual seja um sistema precedentalista para o Brasil, lembrando sempre que a hibridao no trata de substituir um sistema por outro, e muito menos de renunciar a princpios, mas de adequar o modo como incidem e com isso caminhar para um processo mais justo e mais efetivo190. Cndido Rangel DINAMARCO191 aponta duas inovaes processuais originria do Direito anglo-saxo: o informalismo no trato de causas de pequeno valor188

Na linha do novo ZPO, o recurso de Revision fica subordinado a necessidade do pronunciamento superior para o desenvolvimento do direito ou a garantia de uma jurisprudncia uniforme (543), ou seja, somente quando for necessrio estabelecer precedentes para o Judicirio tal qual a tentativa de se fazer no ordenamento brasileiro com a instituio da repercusso geral e dos recursos repetitivos. MOREIRA, Breve notcia..., p. 109. 189 BOCHENEK, Antnio Csar. Os precedentes e o processo civil no Brasil e nos EUA. Disponvel em http://direitojusticacidadania.blogspot.com/search/label/precedentes Acesso em 11 ago. 2010. 190 DINAMARCO, Cndido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo I. 6 ed. So Paulo: Malheiros, 2010, p. 123-158. 191 Ibidem, p. 128-129.

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econmico, decorrente das small claims courts, pelos postulados das Leis 7.244/1984 e 9.099/1995 (o que contribuiu para resolver, a sua maneira, alguns dos problemas de acesso Justia, como observou PERROT); e a tutela coletiva, a partir dos conceitos de class actions, que culminaram em diplomas como a Lei 7.347/1985. Ambas as mudanas afrontaram princpios do Direito Processual Civil, o que implicou uma releitura, por exemplo, do princpio da oralidade (mitigao considervel de exigncias formais nos atos do processo), princpio da celeridade (adoo de novas tecnologias no mbito processual), princpio da indispensabilidade da defesa tcnica (permisso para que os litigantes defendam-se por si, sem participao necessria de um advogado) e princpio do contraditrio (substituio processual nas tutelas coletivas legitimidade de representao pelo autor ideolgico). DINAMARCO ainda aponta que o que h de rico e promissor nessas tcnicas a proposta de sua prpria generalizao, para que o sistema processual como um todo possa desvencilhar-se dos rigores de vetustas regras herdadas dos romanos, em si mesmas responsveis pela segurana do processo, mas que em certa medida impedem a agilidade que se pretende na preparao e outorga da tutela jurisdicional 192. Ou seja, tais mudanas tm o primeiro objetivo de acelerar o processo e destravar as pautas do Poder Judicirio, sendo estas funes as invocadas, principalmente, para justificar o processo de commonlawlizao. Tendo em vista as influncias recebidas do Direito anglo-saxo e as necessidades j descritas, os processualistas passaram cada vez mais a buscar novas luzes e novas solues no Direito comparado, a exemplo de: a suspenso condicional do processo no direito penal, o amicus curiae193, a clusula due process of Law, do contempt of court, alm das citadas anteriormente, o que ocasionou a quebra de barreiras existentes entre duas ou mais famlias jurdicas, antes havidas como intransponveis194.

192 193

Ibidem, p. 130. BOCHENEK, Antnio Csar. Os precedentes e o processo civil no Brasil e nos EUA. Disponvel em http://direitojusticacidadania.blogspot.com/search/label/precedentes Acesso em 11 ago. 2010. 194 DINAMARCO, Fundamentos..., p. 131

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O que no significa dizer que houve completa importao de institutos jurdicos, sendo alguns conceitos, como a vinculatividade de precedentes/smulas, recebidos com resistncia pela Doutrina e Judicirio195. O prprio Cndido Rangel DINAMARCO apontou que no seria legtimo atribuir to grande poder vinculativo smula de jurisprudncia predominante do STF ou do STJ, sob o risco de uma jurisprudncia rigorosamente estvel e insuscetvel de variaes196. Fica bem evidenciada a resistncia em conferncia transcrita de Jos Carlos Barbosa MOREIRA197, na qual o autor chama ateno para fatos como: a) a prpria common Law enfrenta problemas de celeridade no

andamento dos atos processuais, resultando na adoo, contrria a multissecular tradio, de um cdigo de processo civil, pela Inglaterra, e de um sistema alternativo de resoluo de litgio (Alternative Dispute Resolution ADR), pelos Estados Unidos198; b) hiperdimensionamento da malignidade da lentido,

colocando a rapidez como o valor nico de Justia. Se uma Justia lenta demais decerto uma Justia m, da no se segue que uma Justia muito rpida seja necessariamente uma Justia boa. O que todos devemos querer que a prestao jurisdicional venha a ser melhor do que . Se para tornla melhor preciso aceler-la, muito bem: no, contudo, a qualquer preo199;

195

[...] Sabe-se hoje que essas realidades constituem pontos de poderosa resistncia aceitao pura e simples da diviso dos sistemas jurdicos, em escala mundial, e sua confinao nas chamadas famlias do direito da notria elaborao de Ren David. Pode-se at entender que "em cada famlia os objetivos da lei so os mesmos e sua funo mais ou menos a mesma" - mas "o mtodo de sua aplicao e implementao varia muito e tem diferentes efeitos colaterais". Por isso, embora o estudo de sistemas jurdicos estrangeiros facilite a fertilizao das idias jurdicas, o exame de pases que aceitaram em bloco o transplante de sistemas jurdicos estrangeiros mostra que comumente ocorre uma resistncia cultural que s no comprometer a efetividade do sistema acolhido se houver um paciente trabalho de aculturao (Takeshi Kojima). [DINAMARCO, Fundamentos... p. 137]. 196 DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed. rev. atual. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 50. 197 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. O futuro da justia: alguns mitos. Revista de Processo, a. 26, n. 102, p. 228-238, abr-jun/2001. 198 Ibidem, p. 229-230. 199 Ibidem, p. 232.

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c)

deslumbramento ingnuo que impele imitao acrtica de

modelos estrangeiros. Em que pesem as diversas influncias que a legislao processual recebe portuguesas, italianas, alems, cannicas e, agora, anglo-saxnica, o autor destaca que existem dois pressupostos para as operaes de importao. Primeiro, cumpre examinar cuidadosamente o funcionamento do instituto que se pretende adotar. Segundo, convencer-se de que a pretendida inovao compatvel200. Quanto ao processo de commonlawlizao, Barbosa MOREIRA ainda descreve que a diferena estrutural quanto s fontes da norma implica srio risco de importao por parte do ordenamento brasileiro. Devo declarar com absoluta sinceridade, p