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Entrevista: Aziz Ab’Sáber

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Justiça infinita: um strangelove. Edmundo Fernandes Dias

Emprego público: sua face real. Marina Barbosa Pinto

Fazer política hoje. Paulo Roberto Curvelo Lopes

Fazer política hoje: a arte de superar obstáculos. Cyro Garcia

Plano Nacional de Educação: muito discurso, nenhum recurso. Nicholas Davies

Política de transporte, sociedade e espaço urbano. José Augusto R. da Silveira e Tomás de Albuquerque Lapa

UNESCO, Banco Mundial e a educação dos países periféricos. Roberto Leher

Eleições e (idade) mídia no Brasil. Antonio Albino Canelas Rubim

Notas sobre política, jornalismo e corrupção. Bernardo Kucinski

Assistência social e conquista dos direitos sociais. Marina Maciel Abreu

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE é uma publicaçãoquadrimestral do ANDES-SN: Sindicato Nacionaldos Docentes das Instituições de Ensino Superior.

Os artigos assinados são de total responsabili-dade de seus autores. Todo o material escrito po-de ser reproduzido para atividades sem fins lu-crativos, mediante citação da fonte.

CONTRIBUIÇÕES para publicação na próximaedição: veja instruções na página final.

ASSINATURAS e pedidos de números avulsos: utilize o cupom da página final.

Conselho Editorial: Antonio Candido; AntônioPonciano Bezerra; Carlos Eduardo Malhado Bal-dijão; Décio Garcia Munhoz; Florestan Fernandes(in memorian); Lauro Campos; Luiz HenriqueSchuch; Luiz Pinguelli Rosa; Márcio Antônio deOliveira; Maria Cristina de Morais; Maria JoséFeres Ribeiro; Maurício Tragtemberg (in memori-an); Newton Lima Neto; Oswaldo de Oliveira Ma-ciel; Paulo Freire (in memoriam); Paulo Rizzo; Re-nato de Oliveira; Sadi Dal Rosso.

Encarregatura de Imprensa e Divulgação:José Domingues de Godoi Filho

Coordenação do GTCA:José Domingues de Godoi Filho, Antônio JoséValle da Costa e Adriano Severo Figueiró.

Editor:Edmundo Fernandes Dias.

Editores Adjuntos: Antônio Ponciano Bezerra eFranci Gomes Cardoso

Secretário Executivo Editorial:Jair Tenório Jatobá

Edição de arte e diagramação: Dmag Comunicação

Capa:Doriana Madeira (Dmag).

Revisão de textos:Antônio Ponciano Bezerra

Ilustrações:Assoc. Nac. de Educação-ANDE e arquivos Andes-SN

Fotos: Arquivos: ANDES, ADUSP eFolha imagem

Impressão e acabamento: Copy Service

Tiragem: 3.000 exemplares

REDAÇÃO E ASSINATURAS: ANDES-SNSecretaria Regional São Paulo. Av. Prof. LucianoGualberto, trav. J. 374, antiga reitoria, salaADUSP, Cidade Universitária, São Paulo-SP. CEP: 05508-900, Tel. 011-3813-5573, ffax: 3814-9321e-mail: [email protected] Page: http://www.andes.org.br

Fazer Política Hoje

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Universidade, Educação e Trabalho

A mistificação como “virtude”, a virtude como necessidadeEdmundo Fernandes Dias

Construção do império na América Latina: a estratégia militar do EUA. James Petras

Desenvolvimento e crises do padrão fordista-taylorista e os desafios contemporâneos. Franci Gomes Cardoso

Projeto de Emprego Público e a reforma neoliberal das IFES-InstituiçõesFederais de Ensino Superior. Luiz Humberto Ferraz Pinheiro

Políticas públicas atuais para a formação de profissionais em educação no Brasil. César Augusto Minto e Maria Aparecida Segatto Muranaka

Formação profissional e diretrizes curriculares: do arranhão à gangrena.Celi Nelza Zulke Taffarel

A universidade pública no olho do furacão. Olgaíses Maués

A falta de Previdência no tempo da aposentadoria docente. Marluce Souza e Silva

Pessimismo da inteligência e otimismo da vontade: um balanço da greve de 2000 das universidades estaduais baianas. Carlos Zacarias F. de Sena Junior e Eurelino Coelho Neto

ANDES-SN Um sindicato de intelectuais. Ignez Pinto Navarro. ADUFMAT. Cuiabá-MT. 2001. Roberto Leher

Domenico Losurdo, Fuga della storia? Il movimento comunista tra autocritica e autofobia. La Città Del Sole. Napoli. 1999. José Mário Angeli, João Carlos Soares Zuin

Gramsci, globalização e pós-moderno. José Mário Angeli. Editora da UEL. Londrina-PR.1998 Osmani Ferreira da Costa

Ensaio Fotográfico

Ensaio fotográfico: Faces da violência

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Resenhas

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Editorial

ed

ito

ria

l Pessimismo de inteligência, otimismo de vontade. Essa bri-lhante síntese do praticar a Política foi tornada conhecida pelaleitura gramsciana dos textos de Romain Roland.

Fazer política hoje, tema central deste número de Universi-dade e Sociedade, resgata a dimensão de universalidade daemancipação. Em tempos de cólera, em momentos de maximi-zação da violência, a política aparece prostituída diante de nós.Tudo parece ser redutível a um mesquinho ou repressivo jogoonde os dominantes articulam seus interesses e seus projetos.

O século XX viveu, contraditoriamente, duas grandes percep-ções do fazer política: a da renovação da dominação capitalis-ta e a da possibilidade de emancipação das formas mercantis.Na primeira, tudo se reduziu à técnica, ao progresso, ao discur-so competente. Vale dizer, despolitizou-se politicamente a políti-ca. Na segunda, com todas as contradições vivenciadas, a pos-sibilidade de emancipação passava pela construção dos proje-tos, da afirmação da política como realização da humanidade.A técnica não mais comandava, era comandada.

Fazer política hoje é um convite. Para as classes trabalhado-ras recusar o discurso dominante é fundamental. Pessimismo deinteligência significa apropriar-se do existente pelo conhecimen-to na sua forma mais crua, não se deixar iludir, não se auto-enganar. Otimismo de vontade implica partir deste cenário paraesboçar as necessárias estratégias de construção do futuro.

Universidade e Sociedade contribui para essa reflexão. Temascomo emprego público, política educacional, seguridade social,formas da subsunção real do trabalho ao capital são revisitadaspelos nossos autores.

Uma conversa livre com Aziz Nacib Ab´Sáber, cujas idéias cen-trais reproduzimos, é um percurso necessário para a reflexão so-bre ciência em nosso país. Por fim, apresentamos o ensaio foto-gráfico “Faces da Violência” que demonstra graficamente comoriqueza e miséria se materializam como forma da barbárie capi-talista no nosso país e nos nossos dias.

Os editores

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Mais uma vez, diante de um fatoespetacular, busca-se ocultar asdeterminantes reais do problema.O roteiro da peça é velho massempre consegue uma boaaudiência. O mundo, não importaa qualidade das contradições,está diante do grito maniqueísta:Exterminemos o mal! Olho porolho, dente por dente! Isto que,

evidentemente, perturbará asboas consciências, resolverá oproblema? Em uma bela reflexãosobre o racismo, Jean Paul Sartreperguntava aos europeus, espan-tados com o comportamento dosafricanos, “que esperavam, queeles vos agradecessem?”

O chauvinismo racista é sempreperigoso. Stanley Kubrick nos ace-

nou com uma luminosa cena. Umcow boy montado sobre umabomba caía sobre o “inimigo”. A sín-drome de Strangelove parece cadavez mais atual: estamos em guerra!Sim, mas contra quem? Contra osterroristas! Mas, quem são eles?Não sabemos, não temos provas,mas são comandados por OsamaBin Laden. E diante de todas essas

Edmundo Fernandes Dias

Fazer Política Hoje

“Wanted Dead or Alive”1

Justiça Infinita: um Strangelove

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contradições, os governos aliadosrespondem em coro: Exterminai-os!

Mas quem é Bin Laden? Ele foiuma criação do “mundo livre”. Em1986, Willian Casey, diretor da CIA,apoiou a idéia dos serviços secretospaquistaneses de recrutar, organizare treinar radicais islâmicos - entreeles, o grupo de Bin Laden - paracombater os russos no Afeganistão.Zbignew Brzezinski, ex-conselheirode Carter, se perguntava: afinal oque é mais importante, os talibãsou a derrota dos russos? O preço foialto. Já em 1998 Bin Laben declaraa fatwa, ordenando a morte deamericanos e seus aliados. Os terro-ristas do Estado - do Pentágono eda Casa Branca - criaram o monstroque agora, depois de ser um heróina luta contra os russos, virou omaior bandido da história atual.Como bons aprendizes de feiticeiro,os americanos não conseguemmais controlar sua própria criatura.

Terroristas. Palavra mágica quetem o dom de “resolver” tudo. Elessão tudo e todos que não concor-dam com o “mundo livre”, com o“american way of life”, ou melhor,contra o “american way of busi-ness”. Terroristas, comunistas, assimforam chamados aqueles que, du-rante o século vinte, se opuseram àsbrutalidades “civilizatórias” do capi-talismo. Parece estranho esse “ouestá comigo ou está contra mim”.Antigamente eles eram os “bárba-ros”, os outros, os diferentes.

Mas quem é terrorista? Vinteanos atrás (16 de setembro de 1982),os aliados para-militares de Israel(com o apoio cúmplice deste e do“mundo livre”) durante três diassemearam o horror sobre os cam-pos de refugiados de Sabra e Cha-tila. Estupros, saques, assassinatos.E o silêncio do “mundo livre”. Afi-nal, os palestinos eram “bárbaros”,

“terroristas”. A ultra direita libanesapraticou essa ação “civilizadora”, apartir da invasão israelense paraexpulsar a OLP do Líbano, com odecidido e declarado apoio deAlexander Haig, secretário de esta-do americano. Em Sabra e Chatila,foram 1800 os mortos, no Líbano,morreram 17500 libaneses e pales-tinos, na sua imensa maioria, civis.Silêncio cúmplice da maior parte damídia internacional, apoio tácito dasgrandes potências. Quem são osterroristas?

Hiroshima e Nagasaki foram de-monstrações radicais da civilizaçãolivre. Após provocarem longamenteo Japão, obrigando-o a entrar naguerra, os americanos os chamaramde terroristas, covardes, etc. E ins-tauraram em solo americano oscampos de concentração contra osnipo-americanos genericamentetraidores e quinta colunas. As bom-bas atômicas não apenas destruí-ram as duas cidades mas, por déca-das, continuaram matando aquelesque sofreram os efeitos da radiação.Muitos dos quais mal tinham nasci-do. Mas eles eram os bons e civiliza-dos. Os outros, o perigo amarelo.

Não será necessário lembrar osséculos e séculos em que a Inqui-sição garantia a supremacia de umareligião e de uma cultura contra osbárbaros árabes. Nem mesmo ne-cessitamos lembrar a monstruosadestruição de povos e civilizaçõespara que o capitalismo e o “mundo

livre” pudessem ser gestados e che-garem a dominantes no planeta.Pensemos apenas no imenso geno-cídio da atualidade. Em nome daliberdade do mercado, as políticasneoliberais reduziram e reduzem achamada humanidade a fiapos devida, a fantasmas que privados devida perambulam pelo mundo, cho-cando as vistas dos grão-senhoresda financeirização do capital. A es-cravidão de outrora e a de hoje sãonecessárias para os dominantes, éóbvio. Quem mesmo são os terro-ristas?

Operação CONDOR, ditadurasgerenciadas pelos militares, déca-das perdidas para as classes traba-lhadoras, ditaduras abertas do Ca-pital comandadas pelos FHC, pelosDe La Rua, mas afinal quem são osterroristas?

Pode o extermínio do outro, do“bárbaro”, do “terrorista”, represen-tar a liberdade para os povos? AHistória nos mostra o contrário. Osextermináveis judeus são hoje osexterminadores israelenses. Os anti-gos aparelhos repressivos continu-am a existir e a produzir seus efei-tos. Vladimir Putin, militante daKGB, hoje personagem do “mundolivre”, continua sua obra: antes, asoposições internas, hoje, os tche-chenos, sempre combatendo os...“terroristas”, é claro. Assim caminhaa humanidade.

A Liberdade, com L grande, nãopode ser usada como peça de retó-

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Fazer política Hoje

Em nome da liberdade do mercado, as políticas

neoliberais reduziram e reduzem a chamada humanidade

a fiapos de vida, a fantasmas que privados de vida

perambulam pelo mundo, chocando as vistas dos

grão-senhores da financeirização do capital.

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rica quando interessa. Os “libertado-res” profissionais não podem rece-ber um mandato ilimitado, sequerdevem receber qualquer mandato.A Liberdade foi, é, e será sempre umdos grandes mitos que tem guiadoas classes trabalhadoras na negaçãodas brutais condições de vida a quevêm sendo submetidas por séculose séculos.

Bush é o líder dos livres? O cowboy, montado no mais poderosoarsenal nuclear e financeiro do pla-neta, ganhou, de uma hora paraoutra, uma oportunidade de ouro.“Eleito” em eleição contestadíssima,vitorioso por que os republicanos ti-nham um juiz a mais que os demo-cratas no Supremo, quer agoraconstruir um governo de união sa-grada nacional. E para isso nadamelhor que o fantasma do “terroris-ta”, do “bárbaro”. Ganha, ainda porcima, o apoio e a subserviência degovernantes como o Tory Blair quefalam de guerra como se fosse umvideogame. Mesmo no governoamericano, as advertências à escala-da bélica apareceram. A nada sus-peita Madeleine Albright, ultra-con-servadora, já anunciou que acabouo tempo da guerra asséptica. Umaintervenção militar enfrentará, nocaso do Afeganistão, uma popula-ção acostumada à luta contra o in-vasor e que já derrotou ingleses erussos. Será um novo Vietnam, ain-da mais desgastante. A racionalida-de dos opositores não será políticaapenas, mas profundamente articu-lada com a crença religiosa funda-mentalista.

Bush, imaginando-se um heróicivilizador, comanda um país marca-do por uma cultura da morte, cons-truído tanto pelo assassinato siste-mático dos índios, quanto pela vio-lência contra os trabalhadores imi-grantes, passando pelas interven-

ções militares nos mais diversos paí-ses. Uma cultura em que um meni-no de seis anos é passível de pro-cesso por assédio ao beijar na facede uma coleguinha de quatro anos,em que, periodicamente, jovens es-tudantes assassinam colegas e pro-fessores, onde proliferam serial kil-lers e onde se atacam políticas deprevenção da AIDS de outros paísespor restringirem o domínio dasempresas farmacêuticas multinacio-nais. Pode parecer um paradoxo fa-larmos em uma cultura da morte.Ainda hoje, o racismo marca os tra-balhadores com o ferro em brasa daintolerância. Uma sociedade cujospróprios órgãos de segurança afir-mam existirem, em seu próprio ter-ritório, cerca de 1500 seitas de ultra-direita armadas e fanatizadas, ondeum ato como o de Oklahoma, é pra-ticado por um herói condecoradoda guerra do Golfo, ao custo da vidade 200 pessoas, e em que um pre-sidente e um ex-ministro da Justiçae candidato a presidente foramassassinados não pode chamar nin-guém de bárbaro ou terrorista emuito menos ser qualificada comocivilizada. Uma sociedade. Umasociedade, cujos governos apoiaramos ditadores mais sangrentos e con-denaram lideranças reformistas, sópode esperar o ódio dos demais po-vos não obstante sua mídia e a dosseus aliados a apontem como oparaíso na terra. O rosário é longo seo desfiarmos todo. Diante disso tu-do, o silêncio de governos e mídia.Afinal, isto é a liberdade, a normali-dade. Um silêncio quando se tratade apresentar o ponto de vista anta-gonista porque o discurso oficialistaé abundante. O efeito é o do oculta-mento dos fatos reais colocandopara nós a tarefa de revelar o signifi-cado das relações entre os EstadosUnidos e o resto do planeta, vale

dizer encaminhar o deciframentodas condições da hegemonia deles.

Tanto nos USA quanto no Brasile em outros países as liberdades so-ciais e civis estão sob ameaça. Acidade de New York já aprovou apena de morte contra os “crimescontra o Estado” e sete meses decadeia, por exemplo, contra aqueleque soltar boatos sobre questõescomo as do World Trade Center e oPentágono. A simples cor da pele ea fisionomia diferenciada já produzi-ram mortos e feridos. No Brasil, FHCe sua tropa já usam animadamenteo “terrorismo” para aumentar a vigi-lância sobre as comunicações tele-fônicas e, logo, logo, poderão surgirrestrições ainda maiores às liberda-des. Tudo em nome do combate aoterror. A subserviência é total: “oque é bom para os Estados Unidosé bom para o Basil”

Resistir a esse quadro não é acei-tar ações como as que ocorreram emNova York. O ódio de séculos e sécu-los foi atualizado. O ataque aos tem-plos sagrados do american businesse ao templo sagrado do poder militare imperial demonstra a radicalidadedo processo. A hora é de construir aspontes para liquidar essa espiral. Aluta internacional dos trabalhadorese um novo internacionalismo do tra-balho são condições para a liberda-de concreta. Denunciar o militarismoe as ações irresponsáveis dos pseu-do-líderes do mundo significa mobi-lizar nossas forças e nossas emoçõespara a construção da nova socieda-de, para além dos limites impostospelo Capital.

1. Cartaz sobre Osama Bin Laden divulgadonacionalmente nos Estados Unidos.

* Edmundo Fernandes Dias é profes-sor doutor aposentado da UNICAMP eSecretário Geral do ANDES-SN.

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Fazer Política Hoje

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Fazer política hoje é construir umenfrentamento cotidiano, perma-nente e contundente contra oprojeto do governo e suas imple-mentações práticas: um enfrenta-mento ideológico e de ação.Derrotar esse projeto é precisopara resolver os problemas damaioria da população brasileira,para evitar a tendência a maisfome, miséria, violência, morte -a barbárie. Hoje, por exemplo, naArgentina, os movimentos dostrabalhadores desempregadosapresentam uma radicalizaçãomuito grande em relação aosocupados, claro indicador dessasituação de barbárie.

O desmonte do serviço públicoé estratégico para o projeto do go-verno. O Anteprojeto de Lei de Em-prego Público é um instrumentoprivilegiado para este fim, por ma-terializar a forma estatal capacitadapara implementar as políticas neo-liberais e é usado como instrumen-to de ataque ao setor do movimen-to sindical que tem lutado, quaseque anualmente, por seus direitos.E, acima de tudo, luta pela manu-tenção dos serviços públicos neces-sários à vida da classe trabalhadora.

O tema em questão é muitocomplexo e está intrinsicamente li-gado a nossa greve1 porque se rela-ciona com uma concepção de ser-viço público e, por conseguinte, deuma universidade pública.

O debate do Anteprojeto de Leide Emprego Público deve ser feitoem três momentos: o primeiro, in-dicando os elementos que são deimediato associados a essa propos-ta; o segundo, identificando seusdeterminantes, para que possamosconstruir a leitura crítica necessária;o terceiro, definindo linhas de açãofrente a este projeto.

Através dessa medida legislati-va, o governo busca impor o regimeceletista às relações de trabalho,nas Instituições Federais de EnsinoSuperior (IFES). A justificativa dogoverno está apoiada em três argu-mentos: racionalização, produtivi-dade e flexibilidade. Esta argumen-tação compõe um arcabouço queorienta a reforma administrativa eestá a serviço do reordenamentoda ação do Estado. na perspectivade superação da crise de acumula-ção do capital.

As conseqüências mais imedia-tas são: a fragmentação da carreira

Fazer política Hoje

Marina Barbosa Pinto

Emprego Público: sua face real

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docente do sistema federal de ensi-no, assegurada pelo Plano Únicode Classificação e Retribuição deCarreiras e Emprego (PUCRCE); adesvinculação das carreiras atrelan-do diferentes segmentos a diferen-tes órgãos por grau de ensino -superior, profissional, fundamental,médio; a diferenciação entre as ins-tituições e no interior delas; o fim daisonomia e do universalismo; o ata-que aos direitos trabalhistas, em es-pecial, à aposentadoria integral e aovínculo empregatício; a quebra datríade ensino-pesquisa-extensão.

Uma nova lógica se institui nointerior das IFES com a pulveriza-ção das carreiras e salários, o paga-mento por tarefas desempenhadas,a introdução do regime celetista, aconstituição do orçamento global,a adoção dos contratos de gestão,a desvinculação da pesquisa e ex-tensão dos interesses científicos eda sociedade, com seu atrelamentodireto à lógica do mercado, que sechoca frontalmente com a autono-mia da instituição.

Desvendar esse anteprojeto exi-ge a compreensão de que seu de-terminante é a Reforma do Estado.Aqui cabe um parênteses: ele nãoé novo, não é de agora, mas é um“canto” que nos leva ao período daditadura militar no Brasil.

Na década de 60, o discurso ins-tituído, dos que apoiaram o golpemilitar, era o privatizante, desde láa transferência dos recursos públi-cos para o setor privado foi umaconstante. O discurso dominantena época condenava as legislaçõestrabalhista e previdenciária e de-fendia a retração da intervenção dopúblico na economia, tendo comoesteio a inviolabilidade da proprie-dade privada. Durante a ditadura,identificamos que os governos atu-aram no controle do Estado, fazen-

do-o crescer numa lógica de priva-tização interna dos aparelhos admi-nistrativos. Ao dividir, em 1967, pormeio do Decreto 200, a administra-ção direta e indireta, incluindo nes-ta as autarquias, empresas públicase de economia mista, se proliferamas fundações de direito privado,que se sustentavam com recursospúblicos e não estavam sujeitas aocontrole público. A rede de rela-ções que designavam as ações doEstado e seus vínculos com suasempresas primavam pelo controlepessoal e privado, redimensionan-do a noção de público.

Este processo não se deu, enem se dá, sem resistência. Os mo-vimentos organizados atuaram e,ainda que com limites, evitaramque seguisse a escalada de mandoe uso nos aparelhos públicos. Sãoexemplos: a lei 7596/87 que deter-minou a subordinação das institui-ções que recebem recursos públi-cos ao mesmo controle das autar-quias; o PUCRCE que definiu o tra-tamento isonômico entre as tarefase qualificação para trabalhadoresdo setor público; a Constituição de1988 que determina a isonomia noconjunto do serviço público; o Re-gime Jurídico Único (RJU) que esta-belece uma regulamentação únicapara praticamente a totalidade dasrelações de trabalho nos órgãos daadministração direta, autarquia efundacional. Tudo isso combinado

com um avanço na concepção deEstado que vigora na década de 80,no país, expresso em uma amplia-ção da democracia, no fim do regi-me militar e, fundamentalmente,no preceito da universalização dosdireitos.

Na atualidade, o discurso domi-nante é o da crise fiscal originadasobretudo pelo endividamento pú-blico e populismo econômico.Bresser Pereira, principal orquestra-dor deste discurso, apresenta umaproposta de ação do Estado que,paulatinamente, deixa de exercerfunções diretas nas áreas de saúde,educação e assistência social pararepassá-las a organizações públicasnão estatais, terceirizando a execu-ção das políticas sociais.

A nova configuração do Estado,nessa proposta, inclui distintos se-tores no aparelho estatal: 1) núcleoestratégico - presidência, cúpulados ministérios e tribunais federais;2) atividades exclusivas do Estado -agências reguladoras para fiscaliza-ção de políticas; 3) atividades nãoexclusivas do Estado - organizaçõessociais para execução de políticas.Os contratos de gestão serão a“ponte” entre elaboração e execu-ção. Ao núcleo estratégico caberá adefinição dos objetivos, critérios,avaliação, e as organizações sociaisexecutarão e serão fiscalizadas pe-las agências reguladoras do Estado.

É no âmbito das organizações

Ano XI, Nº 25, dezembro de 2001 11

Fazer política Hoje

O discurso dominante é o da crise fiscal originada sobretudo pelo endividamento público e populismo econômico. Bresser Pereira, principal orquestrador deste discurso, apresenta uma proposta de ação do Estado que,paulatinamente, deixa de exercer funções diretas nas áreasde saúde, educação e assistência social para repassá-las aorganizações públicas não estatais.

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12 Universidade e Sociedade

sociais que o governo pretende in-serir as universidades, que passa-rão a ser instituições públicas pordestinarem seus serviços a setoresda população e, não estatal, pornão terem a totalidade de seus re-cursos advindos dos cofres do Es-tado, portanto, terão de obtê-los nomercado, não envolvendo, assim, opoder estatal. Aqui, mais uma vez,volta-se ao “canto” entoado peladitadura: a oficialização das funda-ções de direito privado sob novaretórica: as organizações sociais. Anovidade é que estas poderão sercriadas por pessoas físicas e nãomais pelo Estado, o que gera umalibertação das restrições impostaspela administração estatal. Proces-sa-se a tão desejada flexibilidade,racionalizando os papéis sociais e ouso dos recursos. Retomam-se asrelações privadas no âmbito do Es-tado, gerenciando-as de forma pri-vada, abolindo, mais uma vez, seuconteúdo público.

Como se dá a singularidade dauniversidade nesse processo? Se-gundo os teóricos desta reforma, aprincipal característica da inserçãoda universidade neste projeto é oseu vínculo direto com o setor pro-dutivo, em nome dos imperativosda globalização, que se travestemem uma verdade, absoluta e única,pautada na doutrina do mercadomundializado.

Neste contexto, está em cursouma reforma educacional queocorre na esteira das transforma-ções no mundo do trabalho. Paísesque integram o mercado mundial,

com produtos de alto valor agrega-do, têm demandas para Universi-dades e Centros de Pesquisa. Paí-ses onde os produtos manufatura-dos simples e primários têm a van-tagem da matéria-prima, da ener-gia e do baixo custo do trabalho - àcusta da super-exploração dos tra-balhadores - terão sistemas de en-sino ainda mais simplificados .

Há uma redivisão internacionalno âmbito da educação que pres-siona alguns países a adequaremseus sistemas educacionais a me-nor demanda de conhecimentoavançado. A Organização Mundialdo Comércio tem pressionado for-temente nesse sentido.

Diante da atual etapa de crisedo sistema capitalista, com o apro-fundamento de queda da taxa delucro, são produzidas inovaçõestecnológicas e organizacionais e, nadisputa pela maior taxa de acumu-lação do capital, a educação, paraos neoliberais, passa a ser a “verda-deira riqueza das nações”. Dianteda ideologia da inevitabilidadedeste quadro, de que não há alter-nativa para a humanidade fora dasreformas propostas pelo modelocapitalista em vigência, a conse-qüência, que o governo pretendetornar real, para a educação é ade-quar-se ao novo capitalismo. Nessaideologia, o capitalismo “perde” su-as asperezas e é apresentado comosociedade do conhecimento, formacontemporânea da sociedade capi-talista. O ensino a serviço do merca-do aparece na retórica oficial comoestando a serviço da sociedade,

mas o desvendamento se sucede auma pergunta básica: de que socie-dade? A do mercado, a dos capita-listas? A contra-revolução educacio-nal em curso prioriza o ensino ele-mentar e a formação profissional,em detrimento da importância daciência e do desenvolvimento datecnologia de ponta2.

O cenário é o da agudização dacrise econômica que atinge as eco-nomias dos países industrializados,o epicentro do desenvolvimentoeconômico com queda mundial docrescimento econômico medidopelo PIB, para além do quadro dedestruição das economias dos paí-ses chamados em desenvolvimentoou periféricos. Segundo a UNCTAD,em 1965, a renda per capita dos20% mais ricos era 30 vezes supe-rior a dos 20% mais pobres, hoje adiferença é superior 60 vezes, oque revela o quanto este fenômenoaprofunda a crise social, elevando-aem escala planetária, a índicesdesumanos e insustentáveis.

Numa análise superficial da eco-nomia brasileira, identificamos indi-cadores importantes de que a suatransformação é gritante. O númerode trabalhadores na industria é omesmo da década de 40; de 1998a 2000, o número de postos de tra-balho, no setor de serviços, subiude 346 mil, para 411 mil; o núme-ro de postos de trabalho, na infor-mática, reduziu em 48% e, no setorde comunicações, 54% somente,nos últimos dois anos.

Neste quadro, exige-se uma “glo-balização da educação” cuja funçãocentral é a preparação de mão-de-obra para adequar-se às demandasdas alterações no mercado, combase em reformas organizacionais etecnológicas, que se coloquem aeste serviço com agilidade, flexibili-dade e com alta resolutividade na

Fazer política Hoje

A autonomia radical diante do governo ea necessidade de defini-la como instituição pública eestatal são construções que se contrapõem a ingerênciasindevidas na gestão das universidades.

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relação custo-benefício.A divisão internacional da educa-

ção dar-se-á entre os países que secolocarão na posição de fornecedo-res ou exportadores de educaçãotransacional e os que seriam os be-neficiários ou importadores desta.

O canto que hoje ecoa é dopoder que se julga portador da ver-dade única e absoluta, que noslevará ao mundo moderno e globa-lizado. Essa ditadura do pensamen-to único não é nova, pois se carac-teriza como uma condição de so-brevivência da própria burocraciadominante, já que, se esta estabe-lecer o mínimo de diálogo entre asidéias e projetos distintos do seu,estará negando a si própria.

Para além da subordinação dauniversidade ao mercado, a suasingularidade nesta teia também serevela nas mediações que a regem,seu sistema de gestão. A autono-

mia radical diante do governo e anecessidade de defini-la como ins-tituição pública e estatal são cons-truções que se contrapõem a inge-rências indevidas na gestão dasuniversidades. Quebrar esta auto-nomia é condição para a efetivaçãoda reforma do ensino superior emcurso.

Há que se constatar que a sus-tentação desta reforma tem, alémde uma força externa3, uma forçainterna gerada na sustentação quesegmentos da comunidade docen-te, vinculados ao Estado desde amodernização conservadora enge-ndrada pelo regime militar, até oatual processo de privatização in-terna, viabilizam, articulando a ven-da de serviços da universidade aomercado.

O atual estágio da contra-refor-ma educacional está em viabilizar adiversificação das instituições e das

fontes de financiamento. Haveráuma alteração profunda no papelsocial da universidade, caso essaproposta se concretize, e ela passa-ria agora a formar aquilo que Taylorchamava de gorilas amestrados4 re-cursos humanos e não indivíduoscom capacidade de ler criticamentea realidade, com solidez teórica ecompetência técnica para a produ-ção de novos conhecimentos. Issoexplica a inclusão da educação nostratados de livre comércio, comotambém a desqualificação da edu-cação tecnológica e de formaçãode professores e o fim do ProgramaEspecial de Treinamento (PET).

A criação dos Centros Univer-sitários, desobrigados do compro-misso com a pesquisa, e dos Insti-tutos Superiores de Educação eCursos Normais Superiores, aligei-rando a formação e descaracteri-zando-a como locus de formação

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de educadores, revela que o cursoda reforma a qualifica como umainvestida inédita no projeto de pri-vatização do serviço e do espaçopúblicos e uma ameaça à universi-dade como locus de produção deconhecimento novo, corresponden-do à lógica dos diferentes camposcientíficos. A pesquisa será a de-mandada pelo mercado e a realizadaquase que exclusivamente para ele.

Este estágio prima pela quedade investimentos e recursos sobresponsabilidade do Estado, o querealimenta o ciclo da privatizaçãoquando, para funcionar as adminis-trações, recorrem a convênios evenda de serviços, alterando, assim,a lógica do trabalho dos docentes,na busca pela superação das avil-tantes condições de trabalho esalário, e a mecanismos externosde superação desta situação.

A marca do mercado é o espíri-to empreendedor que se medepela capacidade de auto-financia-mento das instituições e é para es-sa lógica que as reformas têm em-purrado a universidade, numa velo-cidade semelhante à uma bola deneve descendo dos picos de umagrande montanha, não só é muitorápida, mas quando chega ao solojá adquiriu outra forma que a des-caracteriza e, em seu rastro, destróio que se colocou a sua frente.

Com isso, a autonomia é defini-da governamentalmente como a li-berdade para operar no mercadosem a interferência do Estado, namedida que se desinstitucionaliza auniversidade, caracterizando-a co-mo um novo tipo de propriedade,que é a organização social.

Cabe sinalizar que a busca dainviabilização da universidadecomo instituição pública vai daslegislações que procuram alterar aconcepção de autonomia, como a

PEC 370, o decreto de diferencia-ção da IFES, até as medidas quenão se restringem ao campo daeducação, como a reforma admi-nistrativa e a da previdência, a insti-tuição da previdência complemen-tar, os fundos setoriais. E interna-mente se complementam com aGratificação de Estímulo à Docência- GED, a Gratificação de Incentivo àDocência - GID e a forma de finan-ciamento.

A face real do Anteprojeto de Leide Emprego Público está agorarevelada: é uma medida para efeti-var a flexibilização da autonomia ea transformação da universidadeem organização social.

O quadro é dramático. Paraquem deseja a alteração da ordem,o desafio é compreender a realida-de e encontrar formas de ação quepossam alterá-la na intencionalida-de almejada.

É imperioso e urgente que omovimento docente resista a estareforma e construa mecanismosque assegurem: democratização doacesso à universidade pública e dequalidade para a maioria da popu-lação brasileira; resistência a viabi-lização da reforma administrativa eda previdência; garantia do contro-le social sobre a ação da universi-dade, impedindo os mecanismosde ingerência dos governos; demo-cratização da gestão das universi-dades, viabilizando o debate deidéias com a presença política dasentidades representativas do movi-mento; elaboração, no debatedemocrático, de novo sistema defomento à ciência e tecnologia;construção de conhecimento quepossa viabilizar alternativas parasolucionar os problemas da maioriada população, em especial, um pro-jeto econômico e social.

A tarefa central é não permitir a

utilização da educação como meca-nismo de regulação da economia eum dos pilares de sustentação dadesigualdade social. Este posiciona-mento exige que os princípios domovimento docente, em sua cons-trução histórica, sejam reafirmados,o embate claro e direto de projetoscom o poder instituído, a unidadecom os demais trabalhadores nadefesa do patrimônio público dopaís e o permanente diálogo com asociedade para hegemonizar o pro-jeto de universidade pública, gratui-ta, laica e de qualidade.

Essa ação já vem sendo desen-volvida pelo movimento docente enos coloca na trincheira daquelesque acreditam que outra verdadeexiste e que outro mundo é possível.

1. Greve que se desenvolve no país comuma adesão estupenda dos docentes eque coloca no cenário político a realsituação das universidades e de seus tra-balhadores, denunciando para a socieda-de o projeto de destruição impetrado pelogoverno FHC.

2. Para aprofundamento do tema, ver Leher,R. “O MEC e a Universidade: uma políticahostil”. Mimeo, 2001.

3. Ela é originária dos projetos dos organis-mos financeiros internacionais que con-trolam o desenvolvimento das ações dospaíses periféricos por meio de instrumen-to privilegiado que é a dívida externa.

4. O fato de esse tipo de trabalhador apare-cer como “qualificado” não nega nossaafirmação. Na prática agudizam-se as con-dições destrutivas da força de trabalho eamplia-se a já existente hiper-exploraçãosobre o trabalhador.

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* Marina Barbosa Pinto é professo-ra assistente na Faculdade de Servi-ço Social da Universidade FederalFluminense. 3ª vice-presente do An-des-SN.

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A frase dita por D. João a seufilho, o príncipe regente, pareceter marcado a vida política noBrasil como um estigma: “Pedro,antes seja para ti, que me hás derespeitar, do que para algumaventureiro”. Os diferentesgrupos sociais, em distintosmomentos de nossa história, têmatuado seguindo esta orientação.Com isso, a luta de classes, emnossa sociedade, temcaracterísticas peculiares,dificultando a análise sobreseus desdobramentos.

Sem querer entrar na discussãohistórica que a frase suscita, poisisso é o trabalho dos historiadores,veremos adiante como a podemosusar em nossa realidade atual. An-tes, vamos refletir sobre alguns as-pectos que a frase indica. O primei-

ro é a negação de outros atores nadefinição das situações, em espe-cial, o ator popular; o segundo é aexistência de uma situação limite,na qual a perda de controle é emi-nente; o terceiro aspecto indicado éo reforço do autoritarismo na defini-ção de alternativas. Estes três aspec-tos se combinam de uma forma per-versa, pois adiam o desfecho de umacrise, produzindo novas contradições,a partir do reforço de uma nova-velhacomposição de forças.

A frase de D. João é dita para re-solver uma crise. E ele pretende re-solver com uma solução doméstica,passando a coroa para o filho, poiseste será capaz de respeitá-lo e,com isso, ele continua com o poder.Ao fazer isso, ele reforça a práticaem curso de excluir a participaçãode distintos segmentos, em espe-

cial, os setores populares da socie-dade. As grandes decisões estão nasmãos de uns poucos.

Mas a frase também expressauma perda de controle da situação,caso contrário não se estaria passan-do a coroa. Ao mesmo tempo, há asuposição de que se poderia mantero controle, pela entrega do poder aalguém que está preso, por qualquerrazão, aos seus interesses. Por outrolado, há a necessidade de se ocupareste espaço desta maneira, caso con-trário, ele será ocupado por um outroque é aventureiro. Ou seja, a fraque-za diante da situação é transformadaem força capaz de alterar os rumosdos acontecimentos.

Por fim, a frase redefine a situa-ção de forma autoritária. Tudo está“resolvido” pela decisão e vontadede uma única pessoa e da formaque atenda a seus interesses. Nada édiscutido e nenhuma consulta éfeita, muito menos se busca umaalternativa que articule diferentesinteresses, fortalecendo um pólo depoder e um campo de forças. Oautoritarismo expõe toda a sua fra-queza pela necessidade que tem,para se manter, de fazer concessõesa forças que estejam acima de seuraio de ação. Quanto mais ignora osque estão abaixo, mais se submete aquem está acima.

E o que a frase tem a ver com anossa forma de fazer política, hoje?Por que foi dito acima que ela mar-cou a vida política brasileira como

Paulo Roberto Curvelo Lopes*

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um estigma? Porque estes três as-pectos estão presentes nas estraté-gias que diferentes grupos, tanto dedireita como de esquerda, estabele-cem para sua ação política. Ou seja,estamos em nossa atuação política,com freqüência, excluindo os seto-res populares, quando muito reco-nhecemos outros grupos do espec-tro político; estamos querendo nãoreconhecer a perda de controle dasituação, através da introdução dealternativas que nos mantêm nojogo; apontamos soluções autoritá-rias que excluem outras soluções eencaminhamentos e nos colocam àdisposição de outras forças.

Poderíamos citar inúmeros exem-plos de estratégias políticas, doscampos em disputa na sociedadebrasileira, que são estabelecidasdentro destes três aspectos que afrase de D. João expressa. Mesmoque se identifique aquele que há derespeitar de forma radicalmenteoposta, as estratégias não deixamde estar presas aos aspectos men-cionados. Sempre haverá um que“me hás de respeitar” e, por isso, éo depositário de confiança, contraaventureiros. Só para ilustrar essaquestão, pode ser citada, aqui, nocampo da direita a transição viaTancredo, que depois deixa para oaventureiro Collor e retoma a con-fiança com o outro Fernando. Nocampo da esquerda, pode-se citar amudança ocorrida no Partido dosTrabalhadores, para ter “chances” deganhar as eleições presidenciais. Opartido que nasceu sob o signo daluta de classes, com o slogan “traba-lhador vota em trabalhador”, mudasua estratégia diante das derrotaseleitorais. Diante da perda, a buscade uma vitória alterando as basesde sustentação. Na verdade, o que oPT está dizendo é que antes sejapara “a sociedade que ainda é con-

servadora” mas que irá respeitá-lodo que para um aventureiro. Os trêsaspectos mencionados acima estãopresentes nesta estratégia eleitoral.

Ao pensar em fazer política nasociedade brasileira, em especial,para o campo de esquerda, é preci-so superar esta marca que temcaracterizado a formulação de nos-sas estratégias. É preciso aprofundara discussão sobre os campos em dis-puta, o que efetivamente se disputae a real correlação de forças existen-tes. Para isso, torna-se fundamentalter clareza sobre as diferentesdimensões que compõem o espec-tro da vida social. Trataremos, aqui,da dimensão ideológica, por consi-derá-la de importância fundamentalpara definição do fazer política.

Dois grandes paradigmas, entrediversos, estão presentes na dimen-são ideológica influenciando a defi-nição de estratégias políticas. Trata-se da proposta de Habermas e a deGramsci. Vamos brevemente apon-tar alguns elementos destes doispilares, tentando apontar os limitesdo primeiro e as potencialidades dosegundo.

Habermas irá chamar a atençãopara a questão da comunicação eidentificar a ideologia como uma desuas formas que é sistematicamente

distorcida pelo poder. Trata-se deum discurso que aparece comomeio de dominação, ao mesmotempo em que legitima relações deforças. A persistência dessa formade comunicação deturpada faz comque fique difícil a sua crítica. Um sis-tema ideológico aprisiona todosdentro dele, de forma que se tornaimpossível pensar ou desejar forados termos do próprio sistema.

Habermas se coloca contra aidéia de um grupo como portador deuma ideologia revolucionária bemcomo a existência de uma metalin-guagem que seja capaz de fazer a crí-tica desse sistema de comunicação apartir de fora. Ao contrário, ele acre-dita que é a partir da própria práticalingüística que se pode construir ummodelo regulador para a apreciaçãocrítica da comunicação deturpada.

Ele parte do princípio que todo alinguagem, inclusive a do tipo domi-nador, está orientada para a comuni-cação, o que implica o consenso. Ofalante, ao fazer o enunciado, estásupondo que pode se comunicar,pois do contrário não teria sentidofalar. É aí que reside uma espécie deracionalidade profunda, que vai ser abase, segundo Habermas, para umacrítica de nossas práticas verbais efe-tivas. Mas para chegarmos a essaracionalidade profunda embutidanas próprias estruturas de nossa lin-guagem será necessária a mudançana forma política de vida. Contra osistema ideológico, composto pelosinteresses que ameaçam nossasnecessidades fundamentais comoespécie, Habermas irá propor a críti-ca emancipatória, que será capaz defornecer os elementos que desmon-tam esse sistema.

Se, por um lado, este paradigmarompe com o metadiscurso e com asuperioridade de um grupo comoseu portador, rompendo assim com

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É preciso aprofundar a discussão sobre os camposem disputa, o que efetivamente se disputa e a real correlação deforças existentes. Para isso,torna-se fundamental terclareza sobre as diferentesdimensões que compõem oespectro da vida social.

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qualquer vestígio messiânico, poroutro lado, o discurso construído apartir da crítica emancipatória esca-moteia a luta de classes existenteem nossas sociedades. É verdadeque todo discurso está orientadopara a comunicação e que todos osgrupos sociais estão interessados noconsenso. Mas é verdade tambémque a linguagem não é suficientepara impulsionar a busca de umacrítica que promova a emancipaçãohumana. Como o próprio autorreconhece, é preciso romper aforma política de vida e a dimensãoideológica justamente irá expressara ruptura ou a confirmação de umadeterminada forma política de vida.Ela, portanto, é expressão e aomesmo tempo expressa esta deter-minada forma política de vida.Assim, ela não pode ser vista emseu próprio movimento, como nofundo parece ser a proposta deHabermas, mas, sim, no movimentoda luta que as classes sociais desen-volvem no interior de uma dada for-mação social, num dado contextohistórico.

Desta forma, para fazer políticahoje continua sendo fundamental oconceito de luta de classes.Habermas tem razão em sua críticaà visão messiânica que este concei-to encerra. Não existe uma classepredestinada a promover a emanci-pação da humanidade. Da mesmamaneira que não existe um discursocapaz de explicar todos os outrosdiscursos e anunciar a verdade eter-na. Mas sua crítica perde força quan-do ele desloca a questão discurso

para dentro do próprio discurso,deixando de lado o movimento pro-duzido pelas relações existentesentre os diferentes interesses exis-tentes entre os humanos. Relaçõesestas que se expressam enquantoluta de contrários. É, neste movi-mento, que está contido no conceitode luta de classes, que teremos quebuscar as formas necessárias de sefazer política. Neste sentido, parece-nos oportuno retomar Gramsci quefoi um intelectual que teve o grandemérito de buscar apreender estemovimento em sua época.

O conceito de hegemonia emGramsci, mais amplo que o de ideo-logia, é fundamental para a definiçãode uma estratégia política. Para ele,hegemonia se refere à maneira comoum poder governante obtém con-sentimento. A hegemonia é transmi-tida em formas ideológicas, mastambém, em formas culturais, políti-cas e econômicas. Ela nunca é umconquista de uma vez por todas, mastem que ser continuamente renova-da, recriada, defendida e modificada.Trata-se de uma noção relacional eisso significa que o poder governantetem que tomar combate com forçascontra-hegemônicas. Conquistar ahegemonia é estabelecer uma lide-rança moral, política e intelectual navida social através da difusão de uma“visão de mundo”, própria de umgrupo, para todo o tecido social.

Gramsci valoriza o conceito deideologia, que deve ser vista comoforças ativamente organizadoras epsicologicamente válidas, que pre-param o terreno onde os homens e

mulheres agem, lutam e se cons-cientizam. As ideologias são funda-mentais em qualquer bloco históri-co, pois elas funcionam como umaespécie de “forma” para o “conteú-do” oferecido pelas forças materiais.Nos grupos subalternizados dassociedades de classes, elas são, emgeral, formadas por concepções demundo conflitantes: uma fornecidapelos grupos dominantes e outrafruto da experiência prática que aspessoas dos grupos subalternizadostêm da realidade social. Estes confli-tos não devem ser vistos como umasimples auto-ilusão, mas comoresultantes da própria luta existentena sociedade. É a partir destes con-flitos que se pode ir construindo avisão de mundo das classes subal-ternizadas. Para isso, é preciso, porum lado, romper com um certopaternalismo para com a consciên-cia popular, por outro lado, construirum novo senso comum, a partir deuma via de mão dupla entre a aná-lise política e a experiência popular.

Para Gramsci, toda hegemoniase realiza levando em conta os inte-resses e tendências dos grupossobre os quais ela será exercida. Épreciso que se forme certo equilí-brio de compromissos, sem que issoafete o essencial. Há duas dimen-sões inseparáveis da hegemoniaque são: a ético-política e a econô-mica. Com isso, ela não pode deixarde se fundamentar na função básicaque o grupo dirigente exerce nonúcleo decisivo da atividade econô-mica. A ação política não pode semovimentar apenas a partir dos so-nhos e desejos de seus protagonis-tas. Ao contrário, ela precisa se fun-damentar na realidade factual. Estanão é algo estático e imóvel, mas éprecipuamente uma relação de for-ças em contínuo movimento emudança de equilíbrio. Neste senti-

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É preciso, por um lado, romper com um certo paternalismo para com a consciência popular, por outro lado,construir um novo senso comum, a partir de uma via de mãodupla entre a análise política e a experiência popular.

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do, ao atuar no terreno da realidadefactual, se aplica à vontade na criaçãode um novo equilíbrio de forças real-mente existentes e atuantes.

A intenção de apresentar algunselementos formulados por estes doisautores em torno da dimensão ideoló-gica é a de mostrar que o fazer políti-ca hoje pode estar norteado por duasperspectivas distintas: a concertaçãoou a construção do bloco histórico. Aprimeira aposta na inevitabilidade daconvivência humana. Os seres huma-nos para continuarem a existir en-quanto espécie necessitam encontrarformas de articularem seus interessesimediatos e mediatos. A segunda apos-ta na força dos setores subalterniza-dos como condição necessária paraalteração do contexto de dominação.A escolha não é fácil, embora seja fun-damental para a definição de estraté-gias políticas.

Essa escolha tem que ser pensadaa partir dos contextos históricos deter-minados. É verdade que a complexi-dade existente nas sociedades do sé-culo XXI exige um repensar da açãopolítica. Entretanto, essa complexida-de ainda não esgotou todas as possi-bilidades de realização do modo capi-talista de produção ao mesmo tempoem que aponta a necessidade de suasuperação. Como afirma Marx, na In-trodução à Crítica da Economia Políti-ca, nenhuma sociedade se dissolve epode ser substituída antes de desen-volver e completar todas as formas devida implícitas nas suas relações. Poroutro lado, ele diz também que ne-nhuma sociedade assume encargospara cuja solução ainda não existamas condições necessárias e suficientes,ou, pelo menos, não estejam em viasde aparecer e se desenvolver. Nestesentido, a necessidade da construçãode um bloco histórico capaz de desen-volver uma luta contra-hegemônicacontinua na ordem do dia da constru-ção de estratégias, no fazer política.

Se examinarmos a complexidadedo tempo presente, veremos duas or-dens de questões. A primeira diz res-

peito às forças autodestrutivas que ocapital engendra na sua relação com otrabalho. A segunda ordem de ques-tões refere-se às novas forças queemergem do campo do trabalho nestamesma relação.

Pode-se dizer que, hoje, três forçassão acionadas pela dinâmica do capi-tal, sobre as quais este parece não sa-ber como controlá-las: o capital espe-culativo, o terrorismo e o narcotráfico.Embora de naturezas distintas, estastrês forças são geradas pelo capital, nasua espiral de acumulação e concen-tração. Essas três forças têm em co-mum a marca de apropriação-expro-priação característica do capital. Porisso, são forças incontroláveis, que sópodem ser barradas numa nova re-acomodação da espiral. Em outrasépocas, as sociedades capitalistas en-contraram na guerra a saída para essareacomodação. Mas, como pensar nu-ma guerra nas condições atuais? Asaída não parece ser vislumbrada nohorizonte e estas forças continuam ase desenvolver espalhando o medo ea incerteza em tempos sombrios.

Mas as principais vítimas desta ca-tástrofe anunciada são, sem dúvidas,os trabalhadores e os demais setoressubalternizados de nossas sociedades.Quem mais sofre com as especula-ções financeiras? Quem paga os jurosexorbitantes que os países periféricossão obrigados a entregar aos grandesespeculadores? Quem estava nas tor-res do WCT, às nove horas da manhã,de uma terça feira? Se olharmos os in-teriores do Brasil, quem está morrendopelo uso abusivo de narcóticos? Emqualquer cidadezinha do interior doBrasil, as drogas estão presentes, emespecial, entre a população jovem epobre. Diante deste quadro, como pen-sar em concertação? Como pensar emcrítica emancipatória? Só uma luta semtréguas às formas de dominação supe-rará as condições do quadro atual.

Mas uma outra ordem de questõesestá posta à reflexão. Para a constru-ção de uma contra-hegemonia, nestemomento de crise do capital, provoca-

da por suas forças autodestrutivas, tor-na-se necessário o fortalecimento daorganização dos trabalhadores. Mascomo se trata de uma relação, o cam-po do trabalho, principalmente sendoos trabalhadores a principal vítima dadestruição, sofre profundas desarticu-lações. Três forças são também desen-cadeadas neste campo: a diminuiçãoda massa empregada, com o alastra-mento do desemprego; a descrençano trabalho como valor; o individualis-mo exacerbado. Essas três forças es-tão presentes nos setores subalterni-zados de nossa sociedade, obstaculi-zando a construção de um bloco con-tra-hegemônico.

Desta forma, fazer política hoje éidentificar no desenvolvimento da lutade classes na sociedade brasileira, ascondições para a construção do blococontra-hegemônico. Nesta construção,é preciso romper com o estigma pre-sente em nossa forma de fazer políti-ca e avançar no estabelecimento econsolidação de uma força ideológica,entendida, no sentido gramsciano, co-mo prática social vivida e costumeira.

BibliografiaEagleton, Terry. A ideologia e suas vicissitu-

des no marxismo ocidental. In. Zizek, Sla-voj (org.). Um mapa da ideologia. Rio deJaneiro: Contraponto. 1996.

Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a organi-zação da cultura. Rio de Janeiro: Civiliza-ção Brasileira. 1968.

——————. Obras Escolhidas. São Paulo:Martins Fontes. 1978.

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——————. Soberania popular como procedi-mento. São Paulo: Novos Estudos Cebrap,n 26. 1990.

Liguori, Guido. O pensamento de Gramscina época da mundialização. In.: Educaçãoem Foco, v.5, n.2, set.fev - 2000/2001. Juizde Fora: Editora UFJF, 2000.

Marx, Karl. Contribuição à crítica da Econo-mia Política. São Paulo: Flama. 1946.

——————. Post-facio à segunda ediçãoalemã do Capital. In: Oeuvres Économie.Bibliotheque de la Pleíade. Paris: Galli-mard. 1965.

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Paulo Roberto Curvelo Lopes é profes-sor adjunto da Universidade Federal deJuiz de Fora, doutor em Educação pelaPUC/RJ, consultor do Centro de EducaçãoPopular do Instituto Sedes Sapientiae-SP.

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Fazer política Hoje

Se olharmos o passado não muitodistante, veremos que o governoCollor foi derrubado a partir dedenúncias de corrupção infinita-mente inferiores às que envolvema base governista e o própriogoverno FHC. E aí cabe a pergun-ta: onde está a campanha pelo“FORA FHC E O FMI” ?

No meio de uma das mais pode-rosas greves dos servidores públicosfederais contra a política econômicado governo, vemos a principal lide-rança da oposição atacar a grevedos servidores municipais de BeloHorizonte, com o claro objetivo decortejar o prefeito da cidade paraseu partido, sem se importar com

as nefastas repercussões para a lutados trabalhadores de uma maneirageral.

Quando testemunhamos maisuma demonstração de subserviên-cia de FHC, ao declarar apoio àsações criminosas do terrorismo deestado dos EUA contra o povo afe-gão, e não vemos, por parte do

Cyro Garcia1

Fazer política hoje: a arte de superar obstáculos.

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maior partido da oposição, umacondenação veemente nem da pos-tura de FHC nem dos inúmeros cri-mes cometidos pelos EUA, queresultaram em milhares de vítimasinocentes, tais quais às das torresgêmeas; quando assistimos a tudoisto, evidenciando uma conjunturade possibilidades, por um lado, e deextrema necessidade, por outro, demobilização dos setores explorados,e, no entanto, só enxergamos, naprática dos setores majoritários daoposição, a canalização de todos osconflitos para o processo eleitoralde 2002, cabe uma profunda refle-xão sobre o significado de fazerpolítica hoje.

Se fizermos uma retrospectiva,veremos que, num passado nãomuito distante, estávamos coloca-dos diante de outras perspectivas epossibilidades.

A partir da segunda metade dadécada de setenta, o país assistiu aum grande ascenso, desaguando namultitudinária campanha das Di-retas, que derrubou aditadura militare conti-

nuou, ao longo da década de 80,derrotando os planos econômicosda Nova República, impedindo aimplantação do neoliberalismo quejá se hegemonizava no mundo capi-talista.

Assistiu-se ao surgimento do cha-mado “novo sindicalismo” e com elea criação de dois poderosos instru-mentos de luta da classe trabalhado-ra: o PT e a CUT.

O PT nasceu em 1980, numa ló-gica de ruptura com o regime. Aameaça por ele representada eravisível, tanto assim que foi transfor-mado, pelo discurso da burguesia,através dos meios de comunicação,em um partido radical, imagem queo consagrou no senso comum, e daqual ele hoje tenta desesperada-mente livrar-se.

O PT surgiu sem uma ideologiaprecisa, mas teve o mérito de conterno seu interior as lideranças daIgreja progressista, intelectuais e se-tores da classe média que se opu-nham à ditadura, organizações mar-xistas-leninistas e as lideranças do“novo sindicalismo”, que foram asprincipais responsáveis pela susten-tação da proposta ao tê-la respalda-do nas lutas populares.

O discurso e as propostas dopartido, em seus primeiros anos, te-rão uma clara identidade classista,ou seja, uma preocupação de re-presentação dos interesses e proje-tos da classe trabalhadora em opo-sição aos segmentos dominantes.Alguns episódios são emblemáticosneste sentido.

ELEIÇÕES DE 1982Isto se expressa na campanha

eleitoral de 1982, quando o PT utili-zou “slogans” que representavamuma ruptura com a forma de fazercampanhas, até o momento exis-tente em nosso país. Distanciava-se,

assim, o novo partido, tanto do “cli-entelismo” fisiológico das classesdominantes, quanto do populismotrabalhista, como diferenciava-setambém das campanhas mais ideo-lógicas, feitas pelo PCB, que sempreveiculavam sua política de aliançaspoliclassistas, como caminho para oêxito eleitoral.

Eram momentos em que fazerpolítica do ponto de vista da cons-trução de uma identidade da classetrabalhadora ficava extremamentefacilitado: “trabalhador vota em tra-balhador”; “quem vota em peão,não vota em patrão”; “vote no três,que o resto é Burguês”.

O resultado da votação de Lula edos candidatos operários, principal-mente nos municípios industriaisdo Estado de São Paulo, levando-seem conta o peso da campanha dovoto útil no PMDB e todas as tenta-tivas de isolar o PT, foi significativo.Mas é no papel de educador dasmassas, no sentido em que se posi-cionava Gramsci, que a campanha éabsolutamente vitoriosa: “Deve-sesublinhar a importância e o signifi-cado que têm os partidos políticos,no mundo moderno, na elaboraçãoe difusão das concepções de mun-do, na medida em que elaboramessencialmente a ética e a políticaadequadas a ela, isto é, em que fun-cionam quase como ‘experimenta-dores’ históricos de tais concepções”2.

DIRETAS JÁ E BOICOTE AO COLÉGIO ELEITORAL, EM 1984Após um papel decisivo na cam-

panha pelas Diretas Já, que foi omaior movimento de massas reali-zado no Brasil, com a derrota daemenda Dante de Oliveira, o PT re-cusou-se a participar do ColégioEleitoral. A maioria da oposição atri-buiu a esta atitude um isolacionis-mo do PT.

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Na verdade, mais uma vez a clas-se dominante e seus representantespolíticos manipularam um processode mobilizações que envolveu mi-lhões de pessoas nas ruas, para“costurar por cima” as soluções eexcluir os setores populares, evitan-do qualquer hipótese de ruptura.Neste sentido, a postura do PT foiexemplar, pois o novo regime quenascia com o Colégio Eleitoral, jánascia comprometendo os setoresde oposição. O PT, aos olhos dos tra-balhadores e da sociedade em geral,não teve nada a ver com aquilo.

Tal postura pode ser avaliada co-mo determinante para o posteriorcrescimento eleitoral do PT, tantoem 1986, apesar do Plano Cruzado,que propiciou um caudal enormede votos para o PMDB, quanto,mais ainda, nas eleições de 1988,quando o PT foi claramente identifi-cado como o principal partido deoposição ao regime.

ELEIÇÕES DE 1988À medida que a crise do governo

da “Nova República” se aprofunda-va, com ela também se aprofunda-va o desgaste dos partidos quecompunham a Aliança Democrática,sobretudo o PMDB, cada vez maisidentificado com as medidas anti-populares do governo. Paralela-mente, o ascenso dos movimentossociais prosseguia e se agudizava.Em 1988, de acordo com dados doNepp/Unicamp, realizaram-se 2.137greves com 8.218.546 grevistas.

Era comum, nestas greves e nosmovimentos sociais, vermos as ban-deiras petistas desfraldadas ao ladodas da CUT. O fazer política do pon-to de vista dos trabalhadores eraalgo prazeroso, pois lutava-se e con-quistava-se. Uma faixa em uma dasgreves dos bancários do Rio de Ja-neiro deixava isto claro: “DESCUBRA

O TESÃO DE FAZER PIQUETE”.Foi neste quadro que se realiza-

ram as eleições de 1988. Fruto des-se crescimento do movimento so-cial, o PT já vinha crescendo eleito-ralmente. Em 1986, Lula foi o depu-tado federal mais votado do país.Porém, um fato da luta de classesacelerou, à beira do pleito, o saltona consciência dos trabalhadoresbrasileiros que os momentos ante-riores já indicavam, fazendo-os diri-girem-se para a esquerda e em par-ticular para o PT. Este fato foi o as-sassinato de três operários metalúr-gicos em Volta Redonda: Carlos Au-gusto Barroso, 19 anos; William Fer-nandes Leite, 22 anos; e WalmirFreitas Monteiro, 27 anos. Isto se deuem 8 de novembro de 1988, duranteuma greve com ocupação na Com-panhia Siderúrgica Nacional.

Ao invés de intimidar os traba-lhadores, o que o governo conse-guiu foi aumentar a indignação egeneralizá-la para todo o país. Agreve da CSN continuou ainda maisforte, obrigando o governo a recuar.As greves aumentaram e se radicali-zaram, a tal ponto que na semanada eleição, segundo dados da revis-ta Veja de 16/11/88, havia mais deum milhão de trabalhadores emgreve, compreendendo servidorespúblicos federais e municipais, me-talúrgicos, urbanitários, petroleiros,metroviários, aeronautas, sendoque algumas dessas greves já dura-vam mais de dois meses.

Vieram as eleições e o resultadosurpreendeu até os mais otimistas.O PT ganhou a prefeitura de 39 ci-dades brasileiras, dentre as quaisSão Paulo, a maioria dos municípiosdo ABC, Campinas e Santos, no es-tado de São Paulo. Em Minas Ge-rais, Contagem e alguns municípiosdo Vale do Aço. Ganhou ainda aseleições em Porto Alegre e ficou em

segundo lugar no Rio de Janeiro eBelo Horizonte.

Logo se estabeleceu um debatesobre o significado do voto no PT.As classes dominantes, preocupa-das com o fortalecimento do parti-do e com as eleições presidenciaisdo ano seguinte, em uníssono, ten-tavam minimizar o conteúdo da vo-tação, identificando-o com um me-ro voto de protesto.

Naquele momento, milhões deoperários e de setores de classemédia optaram pelo PT, por ser eleum partido constituído pela van-guarda da classe trabalhadora, quedefendia o socialismo e cujos prin-cipais dirigentes também eram osdirigentes da CUT, das greves, daslutas pela terra, por moradia e dosmovimentos sociais. Foi um votopor uma opção classista, de oposi-ção radical ao governo e de repúdioaos partidos tradicionais. Neste sen-tido, foi um voto de ruptura com ostatus quo.

Contraditoriamente, é a par-tir dos êxitos eleitorais,

f u n d a m e n t a l -

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mente o de 1988, que o partido co-meçou a se transformar, iniciandoum processo de integração ao regi-me que se aceleraria no decorrer dadécada de 90. Sua vida orgânicapassou a ser dominada pelos fun-cionários das prefeituras, dos gabi-netes dos parlamentares, levando-oa um processo de burocratização,que o afastou progressivamentedaqueles setores que, em sua ori-gem, reivindicava representar.

ELEIÇÕES DE 1989. O resultado eleitoral de 88 forta-

leceu os movimentos sociais deuma maneira geral. Em 1989, foramrealizadas 3.943 greves, com a par-ticipação 18.378.623 grevistas, se-gundo o Nepp/Unicamp. Esta mes-ma fonte nos dá conta de que, des-de o início do ascenso, em 1978,até 1989, foram realizadas 12.673greves, com a participação de53.464.989 trabalhadores.

Entretanto o PT, através de umasérie de políticas identificadas gene-ricamente como “modo petista degovernar”, começava a dar passoslargos no processo de integração aoregime. Apesar da evidência de quea generalização das lutas ajudava odesempenho eleitoral do partido,começava-se a discutir no seu inte-rior o efeito das greves sobre a can-

didatura de Lula às eleições presi-denciais de 1989. Diante do debate,o 6º Encontro Nacional, realizado de16 a 18 de junho de 1989, em SãoPaulo, no documento “As eleiçõespresidenciais e a candidatura Lula”,viu-se forçado a aprovar uma reso-lução de apoio às greves. Para ossetores mais à esquerda no interiordo PT, isto soava como uma redun-dância, que os deixava com umacerta desconfiança:

“O PT e Lula defenderam e de-fenderão de forma intransigente odireito de greve, especialmente emum momento como este, em quese promove um violentíssimo arro-cho de salários. O que julgamosapropriado é que o movimento sin-dical, mais precisamente a CUT, querepresenta seu pólo combativo,classista e conseqüente, discuta aquestão das formas de luta em se-tores cujos serviços ou produtosatingem diretamente a vida da po-pulação.

Não está em questão qualquerapelo à contenção das lutas reivin-dicativas em suposto benefício dacandidatura Lula. Esta só terá êxitono bojo de um processo de grandemobilização social. As correçõesque devem ser introduzidas na for-ma de ação dos trabalhadores sópodem partir dos próprios trabalha-dores. Cabe à CUT, em particular,desenvolver uma vigorosa e urgentereflexão e iniciativa neste sentido,para tirar do governo e da burguesiaa condução do problema.

O fundamental, no entanto, éque a campanha presidencial estejaintimamente ligada às mobilizaçõessociais, em geral, e às greves, emparticular. Isto é válido tanto paramovimentos setoriais como para aeventualidade de uma greve que aCUT venha a convocar, e que terá oapoio do PT.”3

A tendência majoritária da dire-ção do partido, a Articulação, come-çava a ter como centro de suas preo-cupações tornar a candidatura deLula “palatável” para setores maisamplos do eleitorado, inclusive dasclasses dominantes. Portanto, decla-rações como as veiculadas na edi-ção de O GLOBO de 28/09/02, queiam contra a greve dos servidores deBH, e que causaram profundo mal-estar junto aos servidores em greve,eleitores de Lula, em sua esmagado-ra maioria, já se esboçavam na cú-pula partidária.

É claro que este processo não sepoderia dar sem contradições, e acampanha presidencial de 1989 re-presentou - muito menos pela von-tade dos dirigentes petistas e muitomais pelo significado dado pelostrabalhadores mais conscientes e ossetores mais organizados da socie-dade civil à candidatura de Lula -um corolário desta década de luta.Diferentemente de 82, Lula não dis-se “Trabalhador vota em trabalha-dor!”, mas muitos trabalhadores vi-am em Lula o mais legítimo repre-sentante de uma década de lutascontra os governos e os regimes deplantão. E milhões embalaram-senos sonhos de Lula-lá, chegandomuito próximo de uma vitória elei-toral, que poderia estabelecer umaruptura com os planos traçados pa-ra a transição.

Entretanto, o PT já começava asentir o peso de sua integração àinstitucionalidade, a partir do êxitoeleitoral de 88. Isto fica evidente emepisódios como o mencionado an-teriormente a respeito do direito degreve, porém a tônica ainda é dadapelas lutas e pela ofensiva dos tra-balhadores e é isto o que a candida-tura de Lula reflete, principalmenteno primeiro turno. Naquele mo-mento, ele atinge 16,08% dos votos

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Diferentemente de 82, Lula não disse “Trabalhadorvota em trabalhador!”, masmuitos trabalhadores viamem Lula o mais legítimorepresentante de uma década de lutas contra os governos e os regimes de plantão.

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e ultrapassa os 15,45% de LeonelBrizola e de todos os demais repre-sentantes da burguesia, superadoapenas por Collor de Mello, que ob-teve 28,52%.

No segundo turno, pressionadointernamente pela adaptação do PTàs instituições do regime e, exter-namente, pelo arco de alianças queé obrigado a construir, tenta cons-truir um discurso mais amplo, visan-do atingir um eleitorado de classemédia e acaba afastando-se da tô-nica do primeiro turno.

Vários comentaristas se referemao segundo turno como sendo umconfronto entre o Brasil organizado,representado por Lula que obteve37,86% dos votos, e o Brasil desor-ganizado, representado por Collorque obteve 42,75% dos votos. Afrustração que se seguiu ao resulta-do do pleito foi grande, entretantopara nós o susto dado na burguesiafoi maior.

Não podemos abstrair o papelda mídia burguesa, principalmenteo da Rede Globo, na manipulaçãode fatos, que se deu, por exemplo,no episódio do seqüestro do em-presário Abílio Diniz, atribuído pelamídia a militantes petistas, além daprópria edição do segundo debateentre os candidatos, que depreciouainda mais o desempenho de Lula.

ÊXITOS ELEITORAIS PROVOCAM ABUROCRATIZAÇÃO DO PARTIDOAo analisarmos as transforma-

ções ocorridas no PT, ao longo dadécada de 90, não podemos abs-trair o fato de que as transforma-ções que ocorreram no processoprodutivo, com a implementaçãodo neoliberalismo em nosso país,bem como a derrota do chamado“socialismo real” no Leste Europeu,causaram um profundo impacto

neste processo. Mas acreditamosque os êxitos eleitorais levam a mu-danças internas que se articulamcom os fatores externos.

Como vimos anteriormente, osêxitos eleitorais do PT são inegáveis.Em 82, o partido elegeu 8 deputa-dos federais e 16 deputados esta-duais; em 86, 18 deputados fede-rais e 33 deputados estaduais; em90, 35 deputados federais e 79 de-putados estaduais; e em 94, 49 de-putados federais e 92 deputadosestaduais. Quanto a senadores, o PTelegeu 1 senador em 90 e 5 em 94.Ainda em 94, o PT, pela primeiravez, conseguiu eleger governadoresestaduais, no Espírito Santo e noDistrito Federal. A votação de Lulatambém cresceu de 16,1% do totalde votos, no 1º turno de 89, para27%, no 1º turno de 94, e em nú-meros absolutos, de 11.622.321 pa-ra 17.136.163.

Desde sua primeira eleição, em1982, até 1994, o PT atingiu umcrescimento de 900%. Foram 3,1%dos votos válidos em 82 e 27% em94. Vale registrar aqui o rigor das re-formas na Lei Orgânica dos Partidos

que estão em discussão no Congre-sso Nacional atualmente, pois o PT,que hoje é um dos maiores partidosbrasileiros, em 82, não conseguiualcançar os 5% que a legislação exi-gia, e que são os mesmos 5% queos congressistas ligados aos partidosda classe dominante querem imporhoje como “cláusula de barreira”. Naverdade, o PT só conseguiu mais de3% dos votos em São Paulo, com9,9%, e no Acre, com 5,4%.

O desempenho eleitoral do PTao longo da década de 80 traz luz aum importante debate sobre o sig-nificado do partido, que alguns au-tores classificam como o embateentre o arcaísmo e a modernidadenas ambigüidades petistas, mas quea nosso ver nada mais é do que osecular embate entre reforma e re-volução.

O dilema sobre a participaçãodos partidos operários nas eleições,assinalado por Przeworski, em seulivro Capitalismo e social-democra-cia: “...se os partidos de base operá-ria permanecem próximos a suabase de apoio na classe trabalha-dora, continuando a desempenharum papel na sua formação política,podem não conquistar maioria emeleições: por outro lado, se eles ex-pandem sua proposta eleitoral demodo a torná-la pluriclassista, cor-rem o risco de se converterem emapenas mais um partido entre ou-tros, perdendo a especificidade desua relação com a classe trabalha-dora e, inclusive, possivelmente,também sua lealdade”, fica supera-do pelo êxito eleitoral do PT ao lon-go da década de 80, já que seus tra-ços marcantes, conforme vimosanteriormente, permaneceram rup-turistas em relação à institucionali-dade, e o partido, fiel às suas ori-gens de independência de classe ede profunda ligação com os movi-

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mentos sociais.Mas, como já foi dito, os êxitos

eleitorais levaram a transformaçõesno interior do partido, principal-mente na sua composição social, oque deu base para as outras mu-danças.

Os êxitos eleitorais propiciaramum brutal aumento, em sua vidainterna, de profissionais do partido,parlamentares, executivos, assesso-

res, funcionários de confiança e todauma legião de pessoas que vivemdiretamente da gestão do Estado.

Além disso, quando da fundaçãodo PT e em seus primeiros anos, vá-rios eram os sindicalistas, ligados àsoposições sindicais, que não exer-ciam mandato sindical, permane-cendo, portanto, nas bases de suacategoria. No entanto, a partir docrescimento da CUT, este quadro foise alterando e várias oposiçõesganharam sindicatos, aumentando onúmero de dirigentes liberados,muitos deles militando também ati-vamente no PT.

Temos afirmado que o marconessas alterações de perfil foram aseleições de 88. Embora não exis-tam, como já comentamos, pesqui-sas sistemáticas do período pré-88,é possível chegar-se a algumas con-clusões, com os dados disponíveis.

Analisando os dados colhidos

por Benedito Tadeu César, em 91,para sua tese de doutorado defen-dida no Departamento de Sociolo-gia, do Instituto de Filosofia e Ciên-cias Humans da UNICAMP, verifica-mos que naquele momento 18,9%dos membros dos diretórios do PTpossuíam mandatos parlamentaresou executivos. Eles correspondiam a12,8% do total dos militantes pes-quisados e constituíam 11,4% dos

membros dos diretórios com rendi-mentos mensais entre mais de doise cinco salários mínimos, 13,2%dos com renda entre mais de cincoa dez salários mínimos e 30,2% doscom ganhos acima de vinte saláriosmínimos. Além disto, dentre os diri-gentes concentrava-se a maior par-cela dos quadros militantes, politi-camente profissionalizados pelopróprio partido, com rendimentosque, em sua maioria, situavam-sena faixa que se estende de mais decinco até dez salários mínimos. So-mando-se aos detentores de man-datos os dirigentes profissionaliza-dos pelo próprio partido - comoassalariados partidários, “liberados”,assessores ou detentores de cargosde confiança nas administraçõessob o comando do partido - e ob-tendo-se assim o total daquelesque se podem denominar comoquadros políticos dirigentes profis-

sionais do partido, verifica-se queeles representam 28,8% do univer-so pesquisado. Esta somatória defatores faz com que a média finaldos índices de rendimentos indivi-duais dos dirigentes petistas se ele-ve, aproximando-se, por uma ques-tão estatística, dos pontos mais ele-vados e, assim, oferece parte da ex-plicação de sua superioridade sala-rial frente aos de sua base.4

Após constatar esta realidade,César expressou um comentáriobastante elucidativo sobre as rela-ções internas no PT “Percebe-seque os níveis de renda acompa-nham, em sua progressão, os níveisde ascensão na hierarquia partidá-ria, o que permite que se afirmeque a renda, tal como já se apontouquanto à escolaridade, se constituinum filtro que, de alguma forma,seleciona os militantes, dificultandoseu acesso aos cargos dirigentes dopartido.”5

Em 97, pesquisa realizada pelaGestão Venturi, constata que estasituação deu um salto. 60,0% dosdelegados do Encontro é de profis-sionalizados, o que atesta cabal-mente que eles determinam a vidainterna do partido. Destes, 18% sãoparlamentares, 13% os assessoram,8% são funcionários de confiançano governo, 6% são dirigentes pro-

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Rendimento Individual Mensal de Todos os Trabalhos dos Militantes de Base e dos Dirigentes do PT,Segundo os Níveis de Militância, em Salários Mínimos.

Até 1 SM 6,0 1,4 0 4,3 2,0 0

Mais de 1 a 2 SM 20,8 6,4 6,0 9,6 2,5 0

Mais de 2 a 5 SM 34,2 26,4 18,1 31,9 21,7 16,7

Mais de 5 a 10 SM 25,0 34,3 37,3 30,3 38,9 43,3

Mais de 10 a 20 SM 11,6 19,3 25,3 19,3 21,2 20,0

Mais de 20 SM 2,5 12,1 13,3 4,7 13,8 20,0

Total 100 100 100 100 100 100

Fonte: Tadeu César.

Classes de Rendimentos

Base Municipal

DiretorioZonal

DiretórioMunicipal

DiretorioEstadual

DiretorioNacional

Base Nacional

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fissionalizados pelo PT, 2% são pro-fissionalizados por suas tendências,1% é funcionário/assessor do parti-do, 1% exerce mandato executivo e9% são profissionalizados pelo mo-vimento social. Somente 9% nãoresponderam e 31% não eram pro-fissionalizados.6

A Gestão Venturi, ao se dar con-ta desta realidade do aumento dadiscrepância entre a base social doPT e o s seus dirigentes, elabora aseguinte nota :

“Estas diferenças de perfis, nãonecessariamente, devem ser enten-didas apenas como problemas derepresentatividade da base socialdo PT., mas, mais do que isso, de-vem ser analisadas, também, peloprisma dos mecanismos de sele-ções internas de participação. Estesmecanismos, por um lado, podemestar reproduzindo internamente aexclusão da realidade social e polí-tica no Brasil. Isto é, este setor par-ticipa de alguma forma do partido,mas são excluídos durante o pro-cesso de participação dos centrosde poder. Por outro lado, pode serque a participação partidária nãoseja atrativa para este importantesetor social, que se localiza na baseda pirâmide da sociedade e, por-tanto, apresente baixa participação,seja partidária, seja política nogeral. Muito provavelmente seja amescla destes dois processos deexclusão, um interno e outro queapenas espelha a exclusão maisampla da sociedade, as razões denão participação.”7

Os efeitos da burocratização dopartido se refletem na brutal altera-ção do perfil dos militantes. Toman-do por base as três pesquisas emque se tem apoiado nosso trabalho,vamos encontrar dados alarmantes,principalmente no tocante à rendaindividual.

Em 91, o índice de petistas queganhavam até 1 salário-mínimo erade 2,9% ; em 97, 2% e em 99, 3%.Portanto, não apresentou altera-ções. Já o índice dos que ganhavamaté 2 salários-mínimos caiu de8,6%, em 91, para 4% e 3% respec-tivamente, em 97 e 99. Tambémapresentaram uma queda acentua-da os que ganhavam de 2 a 5 salá-rios-mínimos, de 24,2%, em 91,para 14%, em 97, e apenas 9% em99. Também a próxima faixa, os queganhavam de 5 a 10 salários-míni-mos, apresentou queda, de 26,2%,em 91, para 19%, em 97, e 22%, em99. Na faixa seguinte, os que ganha-vam de 10 a 20 salários-mínimos, ospetistas deram um salto, de 14,9%,em 91, eles passaram para 27%, em97, e 34%, em 99. Novamente, nafaixa que ia de 20 a 50 salários-míni-mos, outro salto, de 6,2%, em 91, ospetistas passaram para 23%, em 97,e 22%, em 99.

Os altos salários acabam estabe-lecendo uma dependência materialem relação ao Estado burguês e,como o calendário eleitoral brasilei-ro é bienal, as correntes internas doPT acabam direcionando os seusmelhores quadros e esforços para avia eleitoral, deixando de lado ocotidiano da luta de classes.

Além da lógica individual de ga-rantia de vantagens materiais, existeuma questão mais ampla. As finan-ças do partido dependem da contri-buição dos que ocupam cargos e ascorrentes se reforçam com as asses-sorias e contribuições de cadamembro em cargo público, ampli-

ando, com isso, seu peso interno nopartido.

Mas a pressão material logoabre espaço para a pressão políticae a corrupção. Começa a pesar a ne-cessidade de defender posições“populares”, a busca por ter boas re-lações com a imprensa, a considera-ção excessiva com a opinião daclasse média, e a tendência a discu-tir questões que não têm nenhumarelação com os interesses dos tra-balhadores, mas sim com a gestãodo estado, sem falar do abandonofísico das lutas em troca da presen-ça constante no parlamento e emoutras instituições.

O fenômeno da burocratizaçãonão é novo em se tratando dos par-tidos operários.

Recorrendo-se às elaboraçõesfeitas por Trotsky, em sua análise doEstado soviético, vê-se que a buro-cracia soviética assumiu um papelsemelhante ao de uma classe socialpor dirigir um Estado, transforman-do-se, segundo aquele autor, numacasta. Já a burocracia petista não di-rige o Estado, mas, a partir dos êxi-tos eleitorais, está cada vez maisintegrado a ele e a exemplo do queacontece com a burocracia sindical,defende seus interesses com “unhase dentes”: seus empregos, salários,espaço interno e prestígio. Isto fazcom que se consolide no PT seudistanciamento da base e da pers-pectiva da maioria da classe traba-lhadora, como dizia Trotsky; “a bu-rocracia assemelha-se a todas ascastas dirigentes pelo fato de se en-contrar sempre pronta a cerrar os

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A burocracia petista não dirige o Estado, mas, a partir dosêxitos eleitorais, está cada vez mais integrado a ele e aexemplo do que acontece com a burocracia sindical, defende seus interesses com “unhas e dentes”

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olhos perante os mais grosseiros er-ros dos seus chefes em políticageral se, em contrapartida, estes lheforem absolutamente fiéis na defe-sa dos seus privilégios.”8

No mesmo sentido, caminha areflexão de Gramsci, ao comentar opapel do partido nos momentos decrise de hegemonia da classe diri-gente: “Ao analisar-se o desenvolvi-mento dos partidos é necessário dis-tinguir: o grupo social, a massa parti-dária, a burocracia e o Estado-Maiordo partido. A burocracia é a forçaconsuetudinária e conservadoramais perigosa; se ela chega a consti-tuir um corpo solidário, voltado parasi e independente da massa, o parti-do acaba se tornando anacrônico, enos momentos de crise aguda éesvaziado do seu conteúdo social epermanece como que solto no ar”9

LUTA INTERNA: A CONSOLIDA-ÇÃO DE UM PROJETO REFORMISTA

Como vimos, conviviam no inte-rior do partido várias visões de PT,desde aquelas que o concebiam co-mo um partido revolucionário, nosentido marxista, até aquelas que otinham como um mero instrumentoinstitucional, resguardadas as suasdiferenças com os demais partidos.

Do ponto de vista teórico, comojá vimos, essa heterogeneidade eracomposta por marxistas dos maisdiversos matizes: trotskistas, leninis-tas, stalinistas (não assumidos), so-cial-democratas, além de social-li-berais e socialistas cristãos. Porém,todas essas correntes filosófico-polí-ticas, apesar de diversas nuanças,

posicionavam-se, grosso modo, emdois campos: o da reforma e o darevolução.

A existência de diversos setorescom seus distintos projetos de so-ciedade e de estratégia política da-vam ao PT o caráter de um partidoem disputa. Ainda que estivesse di-vidido entre duas estratégias: refor-ma e revolução, não havia no inte-rior do PT a disputa política atravésda conformação de dois blocos. Aatuação se dava de forma pulveriza-da, principalmente no campo revo-lucionário.

O surgimento da Articulaçãopropicia a superação da dicotomiaapontada no início deste tópico, ouseja, aliam-se aos sindicalistas queaté aquele momento eram a dire-ção hegemônica no partido uma sé-rie de militantes originários da es-querda revolucionária. Em sua faseinicial, a Articulação creditava seusurgimento à necessidade de com-bater duas posições que a seu verpoderiam liquidar o partido: por umlado, a posição defendida pelos se-tores que privilegiavam a ação polí-tica institucional-parlamentar, e poroutro, a posição assumida pelos se-tores que defendiam, segundo ela,uma proposta estreita, vanguardistae tradicional de “partido da classeoperária”. Contudo, suas formula-ções se embasavam nas proposi-ções originais do PT. Defendia a in-dependência de classe e o partidocomo um instrumento de interven-ção na luta dos trabalhadores.

Mesmo que com ambigüidades,seguia defendendo a tomada do

poder por vias não institucionais,como se pode notar nesta entrevis-ta de Lula à Folha de São Paulo, em29 de dezembro de 1985: “Estouquerendo mostrar que é falsa a de-mocracia formal... Primeiro estamostentando cumprir as regras do jogo.Não achamos que o Parlamento éum fim, ele é um meio. E vamostentar utilizá-lo até onde for possí-vel. Na medida em que a gente per-ceber que pela via parlamentar, pelavia puramente eleitoral, você nãoconseguirá o poder eu assumo aresponsabilidade de dizer à classetrabalhadora que ela tem de procu-rar outra via”.

Vale registrar que a Articulaçãonão era um todo homogêneo e quehavia uma permanente luta no seuinterior, porém as propostas que sereferenciavam no marxismo preva-leciam até então.

A Articulação começa a mudarsuas formulações a partir da combi-nação de uma série de fatores nacio-nais e internacionais. Internamente,a vitória eleitoral do PT, em 88, queo tornou governo em várias prefeitu-ras, inclusive São Paulo, a maior emais rica cidade do país, representouum salto na integração do partido aoregime político que antes combatia.Além disso, um outro fator internofoi, como vimos anteriormente, oaumento da burocratização. Externa-mente, a ampliação da hegemonianeoliberal e a crise do “socialismo re-al”, com a conseqüente queda dosregimes do leste-europeu, repercuti-ram nas formulações da corrente.Tudo isto a levou a uma revisão equestionamento de suas posiçõesanteriores e a uma recusa cada vezmaior das premissas marxistas.

A revisão de posições se apro-fundava e a democracia representa-tiva passou a ser considerada umvalor estratégico. Além da Articula-

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Ainda que estivesse dividido entre duas estratégias: reforma erevolução, não havia no interior do PT a disputa políticaatravés da conformação de dois blocos.

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ção, outras correntes internas aban-donam o marxismo, conformandoum campo majoritário claramentereformista. A característica de umprojeto em disputa se perdia cadavez mais ao longo do tempo. O pro-jeto reformista tornou-se claramen-te hegemônico no interior do parti-do. Apesar de os documentos conti-nuarem a criticar a social-democra-cia, a prática do partido era cada vezmais social-democrata. Contudo, is-to não se deu sem resistência e al-gumas correntes no seu interiorcontinuaram defendendo o marxis-mo-revolucionário. Com maior oumenor flexibilidade, a Força Socia-lista, e as correntes trotskistas (De-mocracia Socialista, O Trabalho eConvergência Socialista), além de ou-tras correntes menores, permanece-ram defendendo formulações ampa-radas na teoria do socialismo científi-co, tais como a denúncia da demo-cracia formal, a defesa da rupturacom a institucionalidade burguesa, adefesa da violência revolucionária eda ditadura do proletariado.

No decorrer da década de 90,várias alterações se verificaram noquadro das correntes internas doPT. Em 1992, a Convergência Socia-lista foi expulsa do partido, segundoalguns militantes, por suas posturasradicais, segundo a direção do par-tido, por sua indisciplina, mas, abem da verdade, as indisciplinas dadireita partidária não eram cobradascom o mesmo rigor. Esta corrente,juntamente com outros grupos mi-noritários que se retiraram do PT,mais o PFS - Partido da Frente So-cialista, vieram a formar o PSTU -Partido Socialista dos TrabalhadoresUnificado.

Contudo, nosso objetivo não éestudar a configuração das corren-tes internas do PT, mas demonstrarcomo as atuais propostas do parti-

do surgiram e evoluíram no debateinterno de forma a se transformarnum projeto hegemônico de PT.

O EMBATE TEÓRICO-ESTRATÉ-GICO NO INTERIOR DO PTNo item anterior, ao analisarmos

as mudanças havidas nas formula-ções conceituais das diversas cor-rentes no interior do partido, toma-mos como exemplo as transforma-ções havidas no conceito de demo-cracia. No que diz respeito ao socia-lismo, no último congresso do Par-tido, realizado em 1999, o grandedebate que se deu foi sobre a vali-dade ou não do socialismo, numadescaracterização cabal dos pressu-postos originais do PT, ainda queambíguos.

A política de independência declasses é substituída por uma políti-ca de alianças que privilegia apenascritérios eleitorais.

Outro aspecto importante a seranalisado é a relação do partido coma ordem econômica internacionalem face das características de de-pendência da economia nacional.

Em pouco mais de uma década, oPT abandonou as bandeiras de não-pagamento da dívida e de estatizaçãodo sistema financeiro, trocando-aspor um economês que, traduzido,

significa: impor limites (mesmo quetênues) ao sistema financeiro priva-do, de forma a estimular a produção(capitalista), através da queda da taxade juros e do menor comprometi-mento do Estado (não do fim) com opagamento da dívida.

DE INSTRUMENTO DE APOIO À OBSTÁCULOComo não podia deixar de ser, à

medida que o PT vai alterando suasformulações, vai alterando simulta-neamente a sua prática. É o caso daafirmação do “sindicato classista ede luta” dos anos 80, decisivo paraa formação da CUT e do PT, comopodemos ver nesta resolução sobreestrutura sindical aprovada no ICongresso Nacional da CUT: “Sindi-calismo classista: dentro da realida-de do conflito de classes em quevivemos, a nova estrutura sindicaldefenderá a unidade da classe tra-balhadora em torno de seus objeti-vos imediatos e históricos, comba-tendo a política de colaboração declasses e não compactuando complanos de governo que sacrificamos interesses dos trabalhadores.”10

No lugar das negativas aos pac-tos sociais e das greves, testemu-nhamos a CUT participando do “En-tendimento Nacional” com Collor edas câmaras setoriais.

Diferentemente da recusa emparticipar do pacto de transição dasclasses dominantes, boicotando oColégio Eleitoral que deu posse aTancredo/Sarney, vimos o PT dandosustentação à posse de Itamar Francoe se recusando a lutar por eleiçõesdiretas, contribuindo, desta forma, pa-ra a estabilidade das instituições dademocracia representativa.

Os eixos classistas nas campa-nhas eleitorais como “trabalhadorvota em trabalhador” deram lugar aeixos como a “ ética na política” e o

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Fazer política Hoje

O PT abandonou as bandeiras de não-pagamen-to da dívida e de estatizaçãodo sistema financeiro, trocando-as por um econo-mês que, traduzido, significa:impor limites (mesmo quetênues) ao sistema financeiro privado

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“modo petista de governar”, contradi-toriamente num momento em que opartido mais se envolve com as práti-cas antiéticas dos partidos burgueses,tais como o escândalo das filiaçõesno Rio de Janeiro ou as denúncias deenvolvimento do governador doMato Grosso Zeca do PT com emprei-teiras, e a CPI do lixo em São Paulo.

Ao contrário do que ocorria nopassado, quando tínhamos um parti-do que era um instrumento de apoioàs lutas, hoje temos um partido quese enfrenta com elas, como se deuno episódio recente da greve dosprofessores gaúchos, categoria fun-damental na formação do PT. Valeregistrar que o governo do Rio Gran-de do Sul é encabeçado por OlívioDutra, dirigente histórico do partido,que hoje pertence à chamada “es-querda petista”. Ainda que seu go-verno seja formado por integrantesde todas as correntes do partido, amaioria deles é ligada à esquerda pe-tista, o que mostra que as diferençassão secundarizadas, em face da prio-ridade do exercício do governo.

Cada vez mais, o espaço institu-cional passa a ser privilegiado emdetrimento das lutas sociais. O con-ceito marxista de “luta de classes”deu lugar a um conceito difuso de“direito à cidadania”, segundo oqual, os trabalhadores são vistos co-mo cidadãos sem nenhuma cliva-gem de classe, diluindo-se o papelda exploração capitalista.

O PT das origens não existe mais.O partido que se impôs como umadiferença no cenário político nacio-nal, hoje é um grande partido eleito-ral, com políticas cada vez maissocial-democratas, ainda que seus di-rigentes formalmente não se assu-mam como tal.

PERSPECTIVASAo fazermos estas constatações,

vemos que os obstáculos aumenta-ram, entretanto devemos nos apo-iar no processo de mobilização emcurso para exigir do PT, da CUT edemais setores da oposição vincula-dos aos trabalhadores que colo-quem nas ruas a campanha peloFORA FHC E O FMI, combatendo es-ta submissão ao calendário eleitorale também uma urgente campanhanas ruas contra à guerra imperialis-ta que os EUA querem deflagrarcontra o Afeganistão.

Outra exigência fundamental é ade que Lula, principal líder da opo-sição, assuma em seu programa aruptura com o FMI, a suspensão dopagamento da dívida externa, comomedidas básicas para que se possagarantir a defesa de uma educaçãopública gratuita e de qualidade,bem como da saúde e de outros se-tores essenciais para a maioria dapopulação trabalhadora. É impor-tante afirmarmos, desde já, que nãoqueremos que se repita aqui a ex-periência da Argentina, onde o go-verno De La Rúa, que sucedeu aMénen, assumiu as mesmas políti-cas neoliberais.

Contudo, acreditamos que existeuma série de motivos para manter-mos otimismo quanto ao fazer políti-ca hoje. Nos referimos à prática doMST, que continua insistindo no mé-todo da ação direta e demonstrandoque é possível lutar e conquistar. Naretomadas das greves como principalinstrumento para quebrar a intransi-gência do governo, muitas vezes pas-sando por cima da vontade da dire-ção majoritária da CUT. E, principal-mente, nas do movimento antigloba-lização e antiimperialista, que au-mentam em todo o planeta, agudi-zando a crise do neoliberalismo ereafirmando a estratégia revolucioná-ria de que com lutas a construção deum novo mundo é possível.

FONTES E BIBLIOGRAFIA1) FONTESPesquisa de Delegados PT - Núcleo de Opinião

Pública da Fundação Perseu Abramo, 1999.Pesquisa Delegados PT - Gestão Venturi, 1997Resoluções de Encontros e Congressos 1979-

1998. Partido dos Trabalhadores. São Pau-lo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1998.

Texto do Plano de Lutas do I CongressoNacional da CUT, 1983.

2) BIBLIOGRAFIACÉSAR, Benedito Tadeu. VERSO, REVERSO,

TRANSVERSO. O PT e a Democracia noBrasil. Tese de Doutorado apresentada aoDepartamento de Sociologia do Institutode Filosofia e Ciências Humanas da Uni-versidade Estadual de Campinas. Mimeo,1995.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e oEstado Moderno. Rio de Janeiro, Civiliza-ção Brasileira.

Concepção dialética da História. Rio de Ja-neiro, Civilização Brasileira.

PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e social-democracia. São Paulo, Companhia DasLetras, 1991.

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. Lisboa,Antídoto, 1976.

1 Mestre em História Social pela Universida-de Federal Fluminense

2 GRAMSCI, Antonio. Concepção dialéticada História. Civilização Brasileira, Rio deJaneiro, p. 22

3 Resoluções de Encontros e Congressos1979-1998: Partido dos Trabalhadores. Edi-tora Fundação Perseu Abramo, São Paulo,p.377

4 CÉSAR,Benedito Tadeu. VERSO, REVER-SO, TRANSVERSO. O PT e a Democraciano Brasil. Tese de Doutorado apresentadaao Departamento de Sociologia do Institu-to de Filosofia e Ciências Humanas da Uni-versidade Estadual de Campinas. Mimeo,1995.

5 Idem.6 Fonte: Pesquisa Delegado PT - Gestão

Venturi, 1997.7 Idem8 TROTSKY, Leon. A Revolução Traída.

Antídoto, Lisboa, 1976, p.2699 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e

o Estado Moderno .Civilização Brasileira,Rio de Janeiro, p. 56

10 Texto do Plano de Lutas do I CongressoNacional da CUT, 1983. p. 4

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Cyro Garcia é mestre em História So-cial pela Universidade Federal Flu-minense.

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INTRODUÇÃO Este texto pretende examinar

alguns aspectos do PlanoNacional de Educação (PNE) pre-visto na Lei 10.172, sancionadapela presidente FHC, em 9 dejaneiro de 2001, sobretudo osfinanceiros, fazendo referênciatambém tanto aos 2 projetos delei de PNE encaminhados origi-nariamente em 1998 à Câmarados Deputados - um das entida-des (sobretudo sindicais ligadasà educação) que se reunirampara este fim, no II CongressoNacional de Educação (CONED),em novembro de 1997, em BeloHorizonte, outro do MEC - quantoao seu substitutivo, de autoria doseu relator, Deputado NelsonMarchesan, aprovado pelaCâmara dos Deputados, emjunho de 2000, e pelo Senado,em dezembro de 2000. Para finsde simplificação, os diferentesprojetos serão identificadoscomo segue: Plano da Lei - PNE-Lei; Plano do substitutivo - PNE-substitutivo; Plano do CONED -PNE-Coned; Plano do MEC - PNE-MEC. Vale ressaltar que o PNE-Lei, embora originário do PNE-substitutivo, é uma cópia quasetotal do PNE-MEC, pelo menosem suas diretrizes e metas, emconseqüência dos vetos presi-

denciais ao PNE-substitutivo,aprovado pelo Senado e encami-nhado a ele para sanção.

Tais planos, documentos exten-sos com até mais de 100 páginas,têm em comum um diagnóstico dosvários níveis e modalidades de ensi-no e a definição de diretrizes emetas de expansão que os governosfederal, estaduais, municipais e doDistrito Federal deveriam cumprirnum período de até 10 anos.Embora sejam 4 planos diferentes, 3deles se situam num mesmo campo- o do governo federal - e o outro, odo Coned, se encaixa num campode oposição.

A exemplo de qualquer outroplano, o PNE precisa ser visto nocontexto maior das políticas gover-namentais, que, sob o pretexto daexistência de uma crise fiscal e ge-rencial do Estado, propõem a redu-ção dos gastos sociais e/ou seu re-direcionamento para setores supos-tamente mais carentes, a privatiza-ção, e incentivo à participação dasociedade na manutenção de servi-ços públicos.

Antes de comentarmos pontosespecíficos do PNE-Lei, cabe enfati-zar a fragilidade da idéia de planonuma sociedade e Estado cuja lógi-ca é regida pela racionalidade docapital em sua ânsia de reprodução,e não pela racionalidade do atendi-

mento das necessidades humanas.Ainda que as políticas sociais emEstados capitalistas atendam par-cialmente às necessidades das ma-iorias, em última análise, são subor-dinadas ao movimento maior docapital. Assim, por mais bem conce-bido e intencionado que seja umplano, suas possibilidades de reali-zação serão necessariamente limita-das e truncadas dentro da ordemcapitalista e sobretudo da ordemcapitalista dependente, como é ocaso brasileiro. Além disso, é umequívoco pensar que um plano deeducação possa ser realizado des-vinculado de outras medidas desti-nadas a resolver ou, pelo menos,atenuar problemas sociais que afe-tam enormemente os problemaseducacionais, como o desemprego,os baixos salários, a falta de habita-ção decente, saúde, transportes,cultura. Um plano de educação terápoucas chances de êxito se não forassociado a planos também em ou-tras áreas.

Dois exemplos mostram a fragi-lidade da idéia de plano, sobretudode plano que se pretende voltadopara atender as necessidades daimensa maioria da população. Um éo montante que o povo brasileirovem pagando de juros e/ou amorti-zação do principal da dívida públicainterna e externa. No âmbito fede-

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Plano nacional de educação:muito discurso, nenhum recurso

Nicholas Davies*

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ral, este valor supera o pagamentodo funcionalismo público federal.Segundo artigo publicado em maiode 2000, no informativo INFOR-MANDES (p. 12), do Andes (Sin-dicato Nacional dos Docentes dasInstituições de Ensino Superior), de1995 a 2000 (previsão), os gastoscom pessoal em relação às receitascorrentes do governo federal teriamcaído de 29,82% para 21,58%, en-quanto a proporção dos juros tam-bém em relação às receitas corren-tes teria subido de 13,22% para31,23%. Em valores previstos para2000, os juros iriam consumir bemmais (R$ 78,1 bilhões) do que opessoal (R$ 52,3 bilhões).

Outros exemplos são as Emen-das Constitucionais (ECs) e leis que,

de iniciativa do governo, vêm reti-rando recursos da educação. A ECque criou o Fundo Social de Emer-gência, em 1994, e posteriormenteprorrogada até dezembro de 1999,com o nome de Fundo de Estabili-zação Fiscal (FEF), resultou na perdade bilhões de reais para a educaçãopública em âmbito federal, estaduale municipal, pois desvinculou 20%dos impostos federais destinados àmanutenção e desenvolvimento doensino (MDE), assim como 20% dosalário-educação. Esse prejuízo, pe-lo menos para a educação adminis-trada pelo governo federal, conti-nuou em 2000 e continuará pelomenos até 2003, em conseqüênciada prorrogação desta desvincula-ção, agora com o nome de DRU

(desvinculação da receita da Uni-ão), pela EC 27, de março de 2000.

Antes de examinar o PNE, con-vém fazer uma breve comparaçãoentre o do Coned e o do MEC, quetramitaram como projetos de lei em1998 e 1999 e que revelam diferen-tes concepções de Planos de Edu-cação.

O plano de gabinete do MEC:omissão do Estado, estímulo àparticipação da “sociedade”, pri-vatização, e “racionalização” dosgastos

O PNE-MEC é apresentado co-mo “resultado de um processoaberto e democrático que se desen-volveu ao longo de 1997, com con-sulta aos diferentes agentes públi-cos e atores sociais diretamente en-

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volvidos com a questão educacio-nal”, apontando-se o Consed (Con-selho Nacional de Secretários Esta-duais de Educação) e a Undime(União Nacional dos DirigentesMunicipais de Educação) como in-terlocutores privilegiados. Ora, umprocesso aberto e democrático nãose limita à consulta, que pressupõeuma autoridade que aceita ou rejei-ta, segundo seus próprios critérios,as sugestões porventura oferecidaspelos vários agentes envolvidos. Umprocesso aberto e democrático exi-ge, ao contrário, que os vários seto-res interessados, e não apenas re-presentantes estatais, como é o ca-so do Consed e da Undime, apre-sentem suas propostas em pé deigualdade e procurem estabeleceros pontos consensuais e negociaros conflitivos. Não foi isso o queaconteceu, sendo a proposta doMEC apenas uma confirmação daatual política educacional do gover-no federal. A consulta supostamen-te pretendida pelo MEC parece tersido apenas uma tentativa de darum verniz democrático ao Plano,uma vez que, conforme o MinistroPaulo Renato reconhece na Ex-posição de Motivos, o Plano repre-senta “a continuidade da atual polí-tica educacional”. Ora, se o Mec pre-tendesse consultar seriamente osdiferentes setores envolvidos com aeducação, teria que admitir que oPlano, a partir dessa consulta (sefosse para valer), pudesse alterar aatual política educacional. Como o

Plano representa, segundo as pró-prias palavras do Ministro, uma con-tinuidade da atual política educacio-nal, depreende-se que a consultafoi só para constar.

Para o MEC, os principais proble-mas do sistema educacional seriamsua ineficiência, a má formação dosprofessores, a gestão incompetentedos recursos humanos e financei-ros, e as soluções não dependeriamapenas do Estado. Ao contrário, aresponsabilidade pela educação,mesmo a pública, seria de todos: afamília, os meios de comunicaçãode massa, as organizações não-go-vernamentais, leigas ou confessio-nais, a ação da iniciativa privada. Otrecho a seguir mostra a participa-ção que se espera da “comunida-de”: “há que se incentivar igualmen-te o trabalho voluntário e a organi-zação das comunidades, para, deforma participativa, colaborar nagestão da escola, para melhorar aqualidade do atendimento escolar epara enriquecer o patrimônio da es-cola, práticas que, em todas as de-mocracias, constituem manifesta-ção do exercício da cidadania res-ponsável” (PNE-MEC, 1998, p. 17).A “descentralização” das responsa-bilidades, no entanto, não é acom-panhada da descentralização dasdecisões maiores, relativas à políticaeducacional, que continuam con-centradas no governo federal. Agestão é incentivada, no máximo,em nível micro, da escola, não seestendendo aos órgãos centrais dos

diferentes sistemas educacionais(municipais, estaduais e federal).Ou seja, para cuidar do cotidianoescolar, sobretudo das carênciasdecorrentes da omissão do PoderPúblico, a “comunidade” é chama-da a participar, com trabalho nãoremunerado, contribuições etc.Porém, no âmbito macro, de defini-ção das prioridades educacionais,da utilização dos recursos, da avalia-ção, dos currículos, o PNE-MEC écentralizador, não prevendo a parti-cipação dos profissionais, pais, alu-nos e comunidade.

Para a consecução de todas asmetas quantitativas, o MEC não pro-põe nenhum aumento significativode gastos governamentais, masapenas a “racionalização” dos recur-sos já disponíveis, que, bem empre-gados, seriam suficientes para cum-prir as metas. Embora seja verdadeque a diminuição ou eliminaçãodos desperdícios dos governos pos-sibilitariam um volume significativode recursos adicionais para atendera tais metas, ainda assim é poucoprovável que as metas do MEC pos-sam ser realizadas apenas com ouso “judicioso” dos recursos consti-tucionalmente vinculados à educa-ção (pelo menos 18% dos impos-tos, no caso da União, e pelo menos25%, no caso de Estados, DistritoFederal e municípios). Em primeirolugar, se até hoje as práticas dosgovernantes têm deixado muito adesejar em termos do uso judiciosodesses recursos, por que razãomudarão a partir de agora? Como oPNE-MEC não aponta elementosconcretos que permitam esperar aaplicação correta e racional dosrecursos da educação, as suas me-tas carecem de fundamentação, pornão definirem a origem dos recur-sos adicionais para a sua realização.A única previsão de aumento de

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Ora, se o Mec pretendesse consultar seriamente os

diferentes setores envolvidos com a educação, teria que

admitir que o Plano, a partir dessa consulta (se fosse para

valer), pudesse alterar a atual política educacional.

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recursos é insignificante, pois esta-belece 6,5% (dos governos e da ini-ciativa privada) do PIB até o finaldos 10 anos do PNE. Ora, segundoa tabela 56 do PNE-MEC (p. 129),os gastos educacionais (de todos osníveis de ensino) teriam sido esti-mados em 5,97% do PIB em 1995,sendo 1,12% do setor privado.Como a meta é de 6,5% ao fim dadécada, isso significa um ínfimocrescimento de 0,5% (6,5 - 5,97)em 10 anos, correspondentes a0,05% ao ano. Como 20% destecrescimento (0,1% em 10 anos, ou0,01% por ano) seriam pelo menosdo setor privado, o incremento dosetor público (federal, estadual emunicipal) seria de 0,04% ao ano,equivalente a pífios R$ 296 milhões,tomando-se como base os dadosdo PIB contidos na tabela 56. Ficaclaro, pois, que ou as metas doPNE-MEC são apenas retórica ouele espera contar com a participa-ção da sociedade (leia-se “iniciativaprivada” e trabalho voluntário das“comunidades”) para cumpri-las.Em última análise, ambos os ingre-dientes estão presentes na metas. Aindigência técnica do PNE-MEC serevela ainda na não-estimativa doscustos de cada matrícula adicionalnos vários níveis e modalidades deensino. Ora, qualquer plano deexpansão da educação, para ter omínimo de fundamentação técnica,deve fazer tal estimativa e fixar a ori-gem dos recursos. Ora, o PNE-MECnão fez tal estimativa e apenas es-boçou a origem dos recursos (parti-cipação da comunidade e ONGs, in-centivo ao setor privado e “raciona-lização” dos gastos), não estabele-cendo a correlação entre o montan-te obtido com tais fontes e os cus-tos estimados das novas matrículas.

Plano do Coned: conjuntura x estruturaAo contrário do PNE-MEC, o do

Coned foi fruto de ampla mobiliza-ção e participação de uma série deentidades envolvidas com a educa-ção, tendo sido a culminação de do-is congressos realizados com estefim, o primeiro em julho de 1996, osegundo em novembro de 1997,ambos em Belo Horizonte.

Para o PNE-Coned, os proble-mas educacionais seriam conse-qüência sobretudo de políticas go-vernamentais de inspiração neoli-beral e da influência de organismosinternacionais (em especial o BancoMundial), pressupondo, assim, quebastaria uma correção de rumo des-sas políticas no sentido de uma va-ga e genérica “inclusão social” pararesolver tais problemas. Ora, aindaque tais políticas tenham agravadoa situação social e, em particular, aeducação nos últimos anos, o seuefeito foi mais de caráter conjuntu-ral do que estrutural, uma vez que aexclusão social e educacional é bas-tante anterior às políticas atuais.Essa exclusão só pode ser compre-endida e combatida se examinar-mos e enfrentarmos os seus condi-cionantes estruturais: a sociedadecapitalista de classes, dependente.O caráter dependente do Estadobrasileiro é indicado na Introduçãodo PNE-Coned, porém não a suamarca capitalista de classe. Aliás, osconceitos “capitalismo” e “classesocial” não são mencionados umaúnica vez sequer em todo o Plano,mas apenas “nação”, “povo”, “maio-rias”, “excluídos”. Essa é uma dasdebilidades fundamentais do PNE-Coned em sua proposta de inclusãosocial, pois pressupõe seja isso pos-sível com um “desenvolvimentoauto-sustentado, tendo no Estado oreferencial de articulação e indica-

ção para o fortalecimento do mer-cado interno, para uma política eco-nômica que favoreça a geração deempregos e de renda, a reformaagrária, uma efetiva política agríco-la, uma política de ciência e tecno-logia, articuladas com as necessida-des nacionais.” (Introdução do PNE-Coned). Ora, mesmo que o Estadobrasileiro perca algumas de suascaracterísticas privatizantes por con-ta de um projeto “nacional” quepromova as mencionadas reformas,o máximo que poderia ocorrer seriaa diminuição da exclusão social,mas não a inclusão social, só possí-vel numa nova ordem social, semexploradores e explorados. Como oPNE-Coned não tem o horizonte deruptura com a ordem burguesa, asua proposta de inclusão social e desolução dos problemas sociais eeducacionais acaba sendo sobretu-do retórica. A evasão e repetência,por exemplo, não foram causadaspelo neoliberalismo nem pelas polí-ticas atuais. Podem ter sido acen-tuadas por ele, porém sua razãomais profunda está na sociedadecapitalista, que tem na escola (que,cabe frisar, não serve apenas a estepropósito) mais um instrumento deprodução e legitimação das desi-gualdades sociais com base no graude escolarização dos indivíduos.Ainda que possam e devam sercombatidas por governos reformis-tas dentro da ordem burguesa, aevasão e a repetência têm suas raí-zes na estrutura social e política quesubjaz a tais governos e impõe limi-tes a quaisquer ações reformistas.Isso não significa que tais reformasnão possam contribuir para minoraros problemas educacionais, mas éum equívoco pensar que possamsaná-los, uma vez que são sobretu-do de natureza estrutural, não con-juntural.

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Em contraposição à propostaneoliberal de “qualidade total”, oPNE-Coned lança um vago conceitode “qualidade social”, que, ao con-trário do outro, não seria regidapela ótica do mercado. Ora, como oPNE-Coned não contempla umasociedade não dominada pela lógi-ca do mercado, mas apenas umaem que o mercado não seja tãoexcludente (pois apenas propõe odesenvolvimento do mercado inter-no, mencionado antes), o conceitode “qualidade social” carece dequalquer fundamento, a não serque o objetivo dos mentores doPNE-Coned tenha sido apenas retó-rico, criando um slogan para se con-trapor à “qualidade total” do neoli-beralismo.

Ao contrário do PNE-MEC, o doConed afirma que não cabe à socie-dade (ONGs, comunidade escolar,setor privado) oferecer ou manter aeducação, que seria direito de todose dever do Estado. Porém, ela, atra-vés de suas entidades representati-vas, seria fundamental na gestãodas escolas e dos sistemas educa-cionais, através de Fóruns (FórunsNacional, Estaduais e Municipais),encarregados de elaborar e acom-panhar a política educacional dosgovernos. Em outras palavras, cabe-ria ao Estado financiar a educaçãopública, a ser gerida por tais entida-des representativas. Haveria, assim,uma responsabilização dos gover-nos no financiamento e manuten-

ção da escola pública, porém umadescentralização de sua gestão noâmbito dos sistemas educacionais eda própria escola (Conselhos Esco-lares) ou universidade (ConselhosUniversitários). Não seria, portanto,uma descentralização administrati-va, como prevê o PNE-MEC, maspolítica. Uma questão não enfrenta-da pelo PNE-Coned é que tais enti-dades não representam necessaria-mente o interesse público, sendomuitas orientadas por interessesprivatistas, inclusive muitas ONGs.Portanto, os problemas da gestãodas escolas e dos sistemas educa-cionais não seriam necessariamenteresolvidos por essa descentralização.

Para atender as suas metas maisambiciosas do que as do MEC, oPNE-Coned previu cerca de 10% doPIB (Produto Interno Bruto) emgastos públicos em educação, aofim do período de 10 anos de vigên-cia do PNE. No entanto, a sua ope-racionalização apresenta proble-mas. Em primeiro lugar, mesmo queos governos indiquem nos orça-mentos e balanços estarem aplican-do o correspondente a 10% do PIB,nada garante que isso esteja acon-tecendo na prática, pois não é inco-mum os governos declararem dis-pêndios contábeis em educaçãoque não representam despesasreais. Em segundo lugar, de nadaadianta destinar 10% do PIB para aeducação pública se grande partedos recursos for absorvida pela

burocracia, que é quem controla adestinação das verbas. É sabido queboa parte dos recursos públicos seperdem nas atividades-meio e nãobeneficiam as atividades-fim (aescola e a sala de aula) e o aumen-to de recursos para a educação nãogarante necessariamente o atendi-mento de certas metas de amplia-ção de vagas, contratação de profis-sionais da educação e funcionários,se a burocracia educacional não forcontida em sua voracidade. Em sín-tese, não basta garantir mais recur-sos. É preciso também assegurar asua efetiva aplicação (e não apenascontábil) na melhoria das ativida-des-fim (o professor e o aluno). Porúltimo, a obrigação de destinaçãode 10% do PIB será dificilmenteoperacionalizável porque o PIB éuma renda nacional (dos governose iniciativa privada), não apenas dosgovernos, e será impossível respon-sabilizar o conjunto dos governos,as diferentes esferas de governo(federal, estadual e municipal) oucada governo individualmente emtermos de percentual do PIB. Talvezo único que possa ser responsabili-zado em certa medida seja o fede-ral, até porque individualmentedetém grande parcela da receitanacional. Quando as responsabili-dades financeiras não são clara-mente definidas, o seu descumpri-mento é inevitável.

Um outro item importante dofinanciamento previsto no PNE-Coned é o que serve de referênciapara o valor do custo-aluno-quali-dade-ano, que, no caso da educa-ção básica, equivaleria a 25% (edu-cação infantil, ensino fundamental eensino médio) da renda nacionalper capita, critério este baseado nosgastos em educação dos paísescapitalistas avançados. Este custorepresentaria US$ 1.000 em 1997

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Como o PNE-Coned não contempla uma sociedade

não dominada pela lógica do mercado, mas apenas uma

em que o mercado não seja tão excludente (pois apenas

propõe o desenvolvimento do mercado interno,

mencionado antes), o conceito de “qualidade social”

carece de qualquer fundamento

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(25% da renda nacional per capitana época), ou o equivalente a R$2.500, em 2001. Há dois problemasneste critério. Um é tomar comoreferência o dólar norte-americano,que o governo brasileiro não tem opoder de emitir e cujo valor é alta-mente variável, tendo subido muitomais do que a renda per capitadesde 1997. Outro problema é quea disponibilidade real e potencial derecursos é bastante variável entre osEstados e municípios, cuja imensamaioria (sobretudo de municípios)não contariam com o valor mínimo,mesmo aplicando o percentualmínimo da receita de impostos e asreceitas adicionais trazidas pelaspropostas de criação de salário-cre-che, imposto sobre grandes fortu-nas, combate à sonegação e renún-cia fiscal, isenções fiscais e ao FEF(Fundo de Estabilização Fiscal), con-tidas no PNE-Coned. A debilidadedo PNE-Coned é não prever ummecanismo de equalização dosrecursos entre União, Estados eMunicípios, para garantir a disponi-bilidade de US$ 1.000 por aluno em

todas as redes escolares de todo oBrasil. O Fundef promoveu essaequalização em certo grau limitado,porém só em âmbito estadual etendo como referência apenas umaparte dos impostos e as matrículasdo ensino fundamental regular.

PNE-Lei: discurso sem recursoAntes de fazer comentários es-

pecíficos sobre o PNE-Lei sanciona-do pelo presidente FHC, cabe lem-brar a sua estrutura e a sua origem.O PNE-Lei compõe-se de 6 partes. Aprimeira é uma introdução, conten-do um histórico dos planos e osobjetivos e prioridades do PNE. Asegunda trata dos níveis de ensinoe se divide em educação básica(por sua vez, subdividida em educa-ção infantil, ensino fundamental eensino médio) e educação superior.A terceira é dedicada a várias moda-lidades de ensino (educação dejovens e adultos, educação à distân-cia e tecnologias educacionais, edu-cação tecnológica e formação pro-fissional, educação especial, educa-ção indígena). A quarta diz respeitoao magistério da educação básica; aquinta, ao financiamento e gestão.A última parte refere-se ao acompa-nhamento e avaliação do PNE-Lei.Com exceção dessa última parte eda primeira (Introdução), todas asoutras contêm um diagnóstico, dire-trizes, objetivos e metas. Emboranão faça parte do PNE-Lei propria-mente dito, a mensagem Nº 9 enca-minhada pelo presidente FHC aopresidente do Senado Federal, em 9de janeiro de 2001, contendo osvetos e as suas justificativas ao pro-jeto de lei 42, de 2000 (o PNE-subs-titutivo), é um importante elementode análise, pois praticamente todosos vetos dizem respeito à previsãode recursos para a concretizaçãodas diretrizes e metas do PNE-Lei,

mostrando claramente a debilidadede um PNE-Lei que estabelecemetas de expansão para todos osníveis e modalidades de ensino,mas não prevê nem os custos nema fonte de recursos adicionais parao financiamento de tais metas.

A propósito, tais vetos acabarampor gerar uma contradição dentrodo próprio PNE-Lei, pois, enquantoo seu diagnóstico é idêntico ao doPNE-substitutivo, alguns de seusobjetivos e metas foram vetadospelo presidente FHC. Assim, o diag-nóstico fala da necessidade deaumento dos gastos do conjuntodas três esferas de governo (fede-ral, estadual e municipal) para 7%do PIB, porém esta meta foi vetada,produzindo-se assim um plano quenão é plano, pois não define a ori-gem dos recursos adicionais para ofinanciamento das metas de expan-são. O diagnóstico também men-ciona um padrão mínimo de quali-dade, materializado num custo-aluno-qualidade e na meta 7 doPNE-substitutivo, também vetada.Para os vetos, o presidente alegouque a meta de 7% do PIB contrariao disposto na Lei Complementar101 (Lei de ResponsabilidadeFiscal), não indica fonte de receitacorrespondente e não está em con-formidade com o PPA (PlanoPlurianual), do governo federal. Asalegações são frágeis pois os gover-nos podem fazer - e o fazem o tem-po todo - remanejamento (legal eilegal) de verbas. Um exemplo é adesvinculação de impostos de MDEpromovida pelo governo federalatravés de Emendas Constitu-cionais desde 1994, comentada noinício. Além disso, o PPA será inevi-tavelmente bastante alterado pelosimples fato de o próprio governopreferir remunerar o capital finan-ceiro (através da taxa de juros) a

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investir nos setores sociais, fragili-zando qualquer meta de qualquerplano.

Se o PNE-Lei não estabelece afonte de financiamento adicional desuas metas, qual a mágica que ga-rantirá o atendimento das metas deexpansão, na sua avaliação? Basi-camente, a mera aplicação do per-centual mínimo de impostos vincu-lados constitucionalmente à MDE, a“racionalização” dos gastos (usandoos mesmos recursos para atender aum número maior de alunos - metamuito enfatizada no financiamentodo ensino superior estatal), e a par-ticipação da sociedade (através detrabalho voluntário e contribuiçõesfinanceiras), das ONGs (organiza-ções não governamentais), da inicia-tiva privada e de novas tecnologias(educação à distância).

Para a aplicação do percentualmínimo, o PNE-Lei propõe as metas2 a 5, que prevêem mecanismos defiscalização e controle da aplicaçãodo percentual mínimo com basenas determinações da LDB, mobili-zando inclusive Tribunais de Contas,Procuradorias da União e dosEstados, Conselhos do Fundef, sin-dicatos, ONGs e a população emgeral para essa fiscalização. Estaproposta, presente também noPNE-MEC, tem a virtude de chamara atenção para um problema antigoe ainda não resolvido, que é a não-aplicação, pelos governos, dosrecursos legalmente vinculados àMDE. Em estudos que realizamossobre os gastos contábeis de prefei-turas e do governo estadual flumi-nense (DAVIES, 2000a; DAVIES,2001a) e também efetuados poroutros estudiosos (CALLEGARI,1997), constatamos que bilhões dereais legalmente devidos deixaramde ser aplicados em MDE. A prefei-tura do Rio de Janeiro, por exemplo,

deixou de aplicar mais de R$ 1 bi-lhão devido em 1998 e 1999. O go-verno do Estado de São Paulo dei-xou de investir quase R$ 7 bilhõesdevidos em MDE de 1995 a 1999,segundo apurou uma ComissãoParlamentar de Inquérito instaladaem 1999 na Assembléia Legislativade São Paulo. A Subcomissão de In-vestigação dos Recursos do Fundef,criada pela Comissão de Educaçãoda Câmara dos Deputados, tam-bém apurou uma série de irregulari-dades praticadas com os recursosdo Fundef numa infinidade de mu-nicípios e Estados (BRASIL, Congres-so Nacional, 2001).

Quanto aos Tribunais de Contas,embora constitucionalmente in-cumbidos de fiscalizar as contas go-vernamentais, é pouco provável quedemonstrem o necessário rigor emtal fiscalização, a não ser que este-jam sob a vigilância atenta da opi-nião pública (o que raramenteacontece) ou, por alguma razão “es-pecial”, estejam perseguindo o go-vernante em questão (“para ami-gos, tudo; para os inimigos, o rigorda lei”). Afinal de contas, seus con-selheiros foram nomeados a partirde “acordos” entre parte do legisla-tivo e o executivo. Além disso, suacompetência técnica está longe dadesejável, conforme constatamosem estudo sobre as instruções nor-mativas que elaboram para avaliaras receitas e gastos em MDE (-DAVIES, 2001b). De qualquer ma-neira, mesmo que os Tribunais fos-sem confiáveis do ponto de vistaético e técnico e elaborassem pare-ceres bem fundamentados, estes

podem ser constitucionalmentederrubados (por maioria de 2/3 dos“representantes” do povo) pelolegislativo, que, em última análise, équem aprova as contas governa-mentais.

É verdade que, se os governoscumprissem o que manda o Art. 212da Constituição Federal ou os arti-gos correspondentes das Cons-tituições Estaduais e Leis Orgânicas,a educação pública nacional recebe-ria um acréscimo de receita que cor-responderia a alguns bilhões dereais por ano (talvez até superandoos 10 bilhões), permitindo o atendi-mento de algumas das metas doPNE-Lei. Porém, será um atendi-mento apenas parcial e tendo comobase o padrão de qualidade atual-mente existente, que está longe dodesejável e não é considerado peloPNE-Lei como meta a ser buscada.Se o descumprimento desta exigên-cia constitucional (e também demuitas outras) é costumeiro nos go-vernantes, que, para isso, têm conta-do com a conivência do Legislativo eo conluio e/ou omissão do Judi-ciário, não há nenhuma razão paraesperar mudança em suas práticasagora, a não ser que sejam submeti-das a um forte e qualificado contro-le social. De nada adianta criarmecanismos legais se a populaçãonão exerce um controle direto sobreo Poder Estatal, que está longe deser Público.

A proposta de “racionalização”dos gastos - ou seja, usar os mes-mos recursos físicos, técnicos, hu-manos e financeiros para atender aum número maior de matrículas -

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De nada adianta criar mecanismos legais

se a população não exerce um controle direto sobre

o Poder Estatal, que está longe de ser Público

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está mais dirigida para o ensinosuperior estatal, sobretudo o fede-ral. Embora o diagnóstico de gastoexcessivo por aluno no ensino su-perior público esteja presente noPNE-MEC, no PNE-Lei (que repro-duz o do PNE-substitutivo) ele de-saparece, porém não nos objetivose metas, em que o financiamentodo ensino superior estatal fica con-dicionado ao número de alunosatendidos e à pesquisa. Isso signifi-ca que o financiamento das institui-ções federais dependerá da suaprodutividade medida em númerode matrículas. A “racionalização”dos custos está também implícitana proposta do PNE-Lei de diversifi-cação das instituições de ensinosuperior, com algumas se dedican-do à pesquisa, ensino e extensão(as universidades), e outras apenasao ensino.

A diversificação abrangeria acriação de novas modalidades deensino superior, como os cursosseqüenciais e cursos modulares,que parecem feitos sob medida pa-ra a iniciativa privada, cuja expansãoera vista como aceitável e desejávelno PNE-MEC para atender à metade 30% da população de 18 a 24anos em 10 anos, contra o percen-tual atual de 12%. O incentivomaior à iniciativa privada não vemapenas do objetivo explícito 27(“oferecer apoio e incentivo gover-namental para as instituições comu-nitárias sem fins lucrativos, prefe-rencialmente aquelas situadas emlocalidades não atendidas peloPoder Público, levando em conside-ração a avaliação do custo e a qua-lidade do ensino oferecido”), massobretudo da contenção do setorestatal, presente em dois dos vetospresidenciais a objetivos constantesdo PNE-substitutivo e também napolítica federal dos últimos anos.

Um objetivo vetado era ampliar aoferta de ensino público de modo aassegurar uma proporção não infe-rior a 40% do total das vagas, pre-vendo inclusive a parceria da Uniãocom os Estados na criação de novosestabelecimentos de educaçãosuperior. Este objetivo do PNE-subs-titutivo, claramente defensivo, pre-tendia apenas que o setor públiconão perdesse espaço para a iniciati-va privada, como vem perdendo nasúltimas décadas. O outro objetivovetado estipulava a triplicação dofinanciamento público à pesquisacientífica e tecnológica em 10 anos.

A outra mágica que, segundo oPNE-Lei, permitiria atender as suasmetas, não ambiciosas quanto asdo PNE-Coned, seria a convocaçãopara a participação da sociedade,enfatizada sobretudo para o objeti-vo de erradicação do analfabetismo.Segundo o seu diagnóstico para aeducação de jovens e adultos (EJA),“sem uma efetiva contribuição dasociedade civil, dificilmente o anal-fabetismo será erradicado e, muitomenos, lograr-se-á universalizaruma formação equivalente às oitoséries iniciais do ensino fundamen-tal. Universidades, igrejas, sindica-tos, entidades estudantis, empresas,associações de bairros, meios decomunicação de massa e organiza-ções da sociedade civil em geraldevem ser agentes dessa amplamobilização.” Tal contribuição se da-ria na forma da utilização de “espa-ços ociosos existentes na comuni-dade, bem como efetivo aproveita-mento do potencial de trabalhocomunitário das entidades dasociedade civil” (objetivo 8 daEJA) e de trabalho não-remunerado de estudan-tes de educação supe-rior e cursos de for-mação de pro-

fessores em nível médio, queganhariam apenas “créditos curricu-lares” (objetivo 11). A deficiência dodiagnóstico e dos objetivos do PNE-Lei está em que, embora reconheçaa importância do financiamentopúblico das ações de erradicação doanalfabetismo, não estipula recur-sos significativos para isso. Os doisúnicos objetivos sobre isso (10 e 11da parte dedicada ao financiamen-to) são excessivamente modestos,sobretudo quando se considera anecessidade de atendimento depelo menos 16 milhões de analfa-betos, segundo as estatísticas ofi-ciais. Os recursos estaduais e muni-cipais para tal fim seriam constituí-dos pelos 15% dos impostos quenão entram na constituição doFundef (o Fundo de Manutenção eDesenvolvimento do Ensino Funda-mental e de Valorização do Ma-gistério). O problema é que os 15%desses impostos (IPTU, ISS, ITBI,Imposto de renda dos servidoresmunicipais, no caso dos municípios,e 15% do IPVA, ITCD e Imposto derenda dos servidores estaduais, nocaso dos Estados) são insignifi-cantes na imensa maioriados municípios pobresdos mais de 5.500existentes, cuja re-ceita principal éconstituída de

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FPM (Fundo de Participação dosMunicípios) e ICMS, não de impos-tos próprios. É bastante provávelque estes 15% dos impostos quenão entram no Fundef representem,nos municípios mais pobres, nomáximo 5% da receita total deimpostos, correspondendo a valo-res irrisórios para atender a metastão ambiciosas. Essa imensa carên-cia dificilmente seria compensadapelo apoio financeiro da União aosmunicípios mais pobres (objetivo11), pois o governo federal destinapara este fim apenas R$ 187milhões em 2001 (R$ 230,00 pormatrícula) e não tem demonstradosensibilidade para essa questão,pois nunca cumpriu o Art. 60 do Atodas Disposições ConstitucionaisTransitórias da CF de 1988 (confor-me denunciado em vários relatóriosdo Tribunal de Contas da União),que determinava ao Poder Públicoa destinação de 50% do percentualmínimo previsto na ConstituiçãoFederal de 1988 (9% dos impostosno caso da União) para a universali-zação do ensino fundamental e aerradicação do analfabetismo. Alémdisso, a Emenda Constitucional 14,de sua iniciativa, reduziu este per-centual de 50% para 30% dos 18%,ou seja, 5,4%, valor que é diminuí-do para 4,2% pela Emenda quedesvincula 20% da receita deimpostos da União (a DRU, mencio-nada antes). Como na contabiliza-ção dos 4,2% o governo federalpode legalmente incluir a quotafederal do salário educação (quenão é imposto e deve girar emtorno de R$ 900 milhões/ano), naprática o governo federal só seriaobrigado a aplicar menos de 4%dos impostos não só na erradicaçãodo analfabetismo como também noensino fundamental. Como váriosdos seus programas (merenda, livro

didático, dinheiro direto na escola,transferências à educação do Dis-trito Federal e outros) podem sercontabilizados nos 4%, o que sobrapara a EJA é irrisório, do ponto devista legal. Talvez isso explique amiséria dos R$ 187 milhões conce-didos em 2001 para a EJA dentro doprograma Recomeço.

A fragilidade do financiamentoda EJA pelos 15% dos impostos quenão integram o Fundef é aumentadapelo fato de a lógica do Fundef sóprivilegiar as matrículas do ensinofundamental regular e deixar de foraas de outros níveis e modalidadesde ensino, inclusive as do ensinofundamental supletivo, induzindo,assim, os governos a buscarem ma-trículas (reais ou falsas) apenas nonível de ensino com potencial dereceita (o fundamental regular), eabandonarem ou congelarem as deoutros níveis, que só representamdespesa e não trazem receita doFundef.

Essa mesma lógica também fra-giliza o financiamento da educaçãoinfantil e do ensino médio, cujasmetas de expansão não seriam al-cançadas com recursos novos, masapenas com os 10% dos impostosnão vinculados ao ensino funda-mental pela EC 14 (dos 25% previs-tos na Constituição Federal). A debi-lidade do PNE-Lei mais uma vez ficapatente. Conforme já comentadoacima, mesmo supondo-se queuma parte mais ou menos significa-tiva deste percentual não venhasendo aplicada, é pouco provável

que sua aplicação correta (dificil-mente garantida, pelas razões jáapontadas) ofereça os recursos ne-cessários. O mais provável é que asmetas de atender, em 10 anos, 50%das crianças de até 3 anos (umacréscimo de 5.867.840 matrículas)e 80% de 4 a 6 anos (mais7.300.160) e do ensino médio (ma-is 6.608.531), se forem cumpridas,o sejam de maneira limitadíssima e,mesmo assim, mediante a com-pressão (a “racionalização”) dosgastos, inclusive da remuneraçãodos profissionais da educação, re-duzindo a qualidade da educaçãopública e minando dois dos objeti-vos declarados do PNE.

A propósito dos profissionais daeducação, o PNE enfatiza a sua for-mação inicial e continuada e prati-camente nada fala sobre sua valori-zação remuneratória, pressupondoque ela teria sido resolvida peloFundef. Ora, o Fundef só se destinaa quem atua no ensino fundamen-tal regular e exclui os profissionaisde outros níveis e modalidades deensino. Mesmo quem atua no ensi-no fundamental regular não seránecessariamente beneficiado peloFundef, uma vez que, segundo obalanço feito pelo MEC sobre oFundef e divulgado em outubro de2000, mais de 2.000 prefeituras equase todos os governos estaduaisperdem recursos para o Fundef epoderão alegar que não têm condi-ções de melhorar a remuneraçãodeles por causa dessa perda. Sehouvesse uma preocupação sériacom a melhoria da remuneraçãodos profissionais da educação, elateria que se basear na totalidadedos recursos da educação, e nãoapenas no Fundef, que na verdaderepresenta a parcela menor dosrecursos da educação (cerca de40% a 45% dos recursos totais vin-

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culados à MDE dos Estados, DistritoFederal e Municípios). Em 1998, porexemplo, o Fundef nacional totali-zou R$ 13,2 bilhões, porém os re-cursos vinculados à MDE não inte-grantes do Fundef somaram maisde R$ 17 bilhões.

Tampouco se pode esperar mui-to da ação supletiva da União paraa educação infantil dos municípios,se tomarmos como referência acomplementação federal para oFundef, que, além de ilegal, é irrisó-ria em termos nacionais (cerca de3,5% do total da receita nacional doFundef, ou em torno de R$ 500milhões anuais desde 1998, quan-do o Fundef foi implantado obriga-toriamente). A ilegalidade dessacomplementação refere-se ao cál-culo do valor mínimo nacionalanual supostamente necessário pa-ra garantir um padrão mínimo dequalidade, previsto na Lei 9.424,que regulamentou o Fundef em1996. Se a lei fosse cumprida, estevalor por matrícula teria sido demais de R$ 550 em 2001, e não osR$ 363 fixados para as matrículasde 1ª a 4ª séries (segundo critériosde contenção do gasto público).Estima-se que a não complementa-ção federal devida terá totalizadobem mais de R$ 7 bilhões de 1998a 2001. Em vista desse passado crô-nico de ilegalidade, não podemosnutrir expectativas de que o gover-no federal irá cumprir o objetivo 18do PNE-Lei (oriundo do PNE-substi-tutivo mas não constante do PNE-MEC), que manda a União calcular

este valor mínimo “rigorosamentede acordo com o estabelecido pelaLei 9.424”.

Outra mágica que garantiria arealização das metas do PNE, semaporte de recursos significativos porparte dos governos, seria o uso denovas tecnologias, em especial aeducação à distância, fomentadapara atender a vários níveis e moda-lidades de ensino: educação dejovens e adultos, formação profis-sional, ensino superior, capacitaçãode professores (a TV Escola é umexemplo disso). A proposta do PNE-Lei seria duplamente vantajosa paraa iniciativa privada, pois a União sepropõe apenas a estabelecer nor-mas para credenciamento das insti-tuições de ensino à distância e afinanciar programas educativos. Ainiciativa privada ganha duplamentecom isso porque a educação à dis-tância é uma forma de ela expandira clientela a um custo bem maisbaixo do que a educação presenciale os programas educativos serãoproduzidos por ela e adquiridos pe-los governos (vide o Telecurso). Évantajosa também porque vem utili-zando apenas instrutores em muitosdesses cursos (o Telecurso, porexemplo), com um nível de qualifi-cação menor do que um professorcom a habilitação legalmente exigi-da para tal fim e não-organizado emsindicatos e, portanto, sujeito a salá-rios menores. Em síntese, o PNE-Lei,através de propostas de educação àdistância, contribui para a reprodu-ção ampliada na educação.

ConclusãoSe tivéssemos que sintetizar os

vários PNEs que estiveram em dis-puta, colocaríamos num mesmocampo o PNE-MEC, o PNE-substitu-tivo e o PNE-Lei e no outro o PNE-Coned, embora o PNE-substitutivotivesse feito algumas concessões apropostas de entidades que partici-param da elaboração do PNE-Coned, como um modesto aumen-to dos gastos estatais do PIB (7%)para os próximos 10 anos, ao con-trário dos 5,5% do PNE-MEC e dos10% do PNE-Coned. Uma diferençabásica entre esses dois campos ésobre o papel do Estado e da socie-dade e sua relação. Enquanto osPNEs do primeiro campo, em sinto-nia com a perspectiva neoliberal,diminuem ou congelam a responsa-bilidade do Estado e incentivam ouconvocam a participação de entida-des da sociedade para suprir as de-ficiências ou omissões do Estado(inclusive pela privatização), masnão o controle social sobre as açõesestatais, o PNE-Coned sublinha aresponsabilidade do Estado na ofer-ta de serviços educacionais e atribuia tais entidades o papel de, atravésde fóruns e conselhos, formular apolítica e controlar a gestão educa-cional desde o nível micro (a esco-la) até o macro (os sistemas educa-cionais). Essa foi a disputa básicaentre os vários PNEs. Ambos oscampos apresentam debilidades.Os PNEs do campo neoliberal seenredam numa contradição internainsolúvel, que consiste na elabora-ção de um plano de ação estatal apartir de um diagnóstico que identi-fica a ineficiência e insuficiênciadessa mesma ação estatal como oprincipal problema e propõe comosolução o incentivo e convocação àparticipação da sociedade (pais dealunos e instituições privadas sobre-

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A iniciativa privada ganha duplamente

com isso porque a educação à distância é uma

forma de ela expandir a clientela a um custo

bem mais baixo do que a educação presencial.

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tudo) para suprir essa insuficiênciae corrigir a ineficiência usando osseus próprios meios e recursos, enão os meios e recursos de que dis-põem os órgãos centrais da buro-cracia. Tais PNEs neoliberais seriam,assim, apenas uma reedição da so-cialização do prejuízo ou da miséria(educacional, neste caso), antigaprática das classes dominantes detodo o mundo, para garantir ou in-tensificar, pela via estatal, a privati-zação do lucro (ou dos recursos pú-blicos, neste caso). O PNE-Coned,por outro lado, embora se oponhaem muitos aspectos aos PNEs neo-liberais, reduz o diagnóstico a pro-blemas conjunturais (neoliberalis-mo, políticas atuais) e não capta adimensão estrutural (o capitalismodependente) de muitas questõeseducacionais (evasão e repetência,por exemplo). Como não se dispõea enxergar o caráter estruturalmen-te privatista do Estado capitalistadependente, suas propostas - em-bora nada revolucionárias em ter-mos qualitativos, pois não preten-dem mudar a natureza da escola -não seriam realizáveis em sua pleni-tude, porque limitadas ao planoconjuntural, das políticas governa-mentais. Mesmo um governo dediscurso seriamente reformista (pa-ra distinguir dos que são apenasdemagógicos) dificilmente realizarámuitas das metas do PNE-Coned,se não enfrentar os condicionantesestruturais da ação estatal.

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Fazer política Hoje

Nicholas Davies é professor na Fa-culdade de Educação da Universida-de Federal Fluminense.

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1. INTRODUÇÃOOs problemas relacionados aoacelerado processo de expansãourbana e às questões de mobili-dade e acessibilidade à cidadeestão no centro das discussõesrecentes sobre a qualidade devida urbana. Tem-se buscado ava-liar os efeitos da lógica evolutivasobre a sociedade, a partir daanálise da relação entre as novasconfigurações espaciais e as polí-ticas de transportes. Dessa manei-ra, questões envolvendo a dinâ-mica da cidade e o comportamen-to social merecem uma análiseaprofundada, uma vez que o sur-gimento de novos territórios afetaa gestão dos transportes.

De modo geral, questões físico-territoriais, de deslocamento e sócio-culturais, não são adequadamenteobservadas nas discussões sobretransporte urbano e, por isso, nãocondizem com a realidade das cida-des. Neste artigo, são destacados osprocessos de expansão e de trans-formação do espaço urbano, real-çando a formação de novos territó-rios que, por sua vez, exerceminfluência sobre a gestão dos trans-portes.

Aceitando-se que as questões do

transporte devem ser tratadas numaperspectiva multidisciplinar, comoforma de reconstituição do cotidianoda cidade e da sociedade, o trans-porte pode ser visto como um ins-trumento de análise das lógicas evo-lutivas urbanas, colocando-se com apossibilidade de conduzir uma estra-tégia de resolução dos descompas-sos entre as necessidades de deslo-camento e a dinâmica de crescimen-to urbano.

2. Crescimnto e fragmentação do tecido urbano

A historiografia urbana mostraque à predominância da centraliza-ção físico-espacial, considerada sis-tematicamente a partir da segundametade do século XIX, atualmentecontrapõe-se à descentralização, àdesintegração e à fragmentação da“nova vida urbana” (Topalov,1987).O processo histórico de crescimentourbano destacou os papéis funcio-nais da centralidade, do surgimentodas cidades até as primeiras décadasdo século XX, contrapondo-a à frag-mentação recente, característica docrescimento contemporâneo. Omodelo dito dos “lugares centrais”,pelo qual Walter Christaller (1933)explicava o crescimento e a reparti-

ção das cidades, não dá devidamen-te conta de uma reticulação genera-lizada, ao mesmo tempo mais instá-vel e menos centrada, nem da urba-nização dispersa, em forma de tentá-culos. Uma das conseqüências foi osurgimento de novas centralidades ea perda da perspectiva estrutural datotalidade da cidade, que afetou aquestão da acessibilidade urbana.Ao contrário do que ocorreu com osespaços de centralidade histórica,que permitiam a percepção da tota-lidade da cidade, no processo atualde dispersão urbana, as novas peri-ferias produzidas pelas dinâmicasespaciais de segregação somentepodem ser apreendidas de formafragmentária.

Os fatos nas médias e grandescidades brasileiras dão a parecer quea era das entidades urbanas discre-tas acabou. Isso indica a necessida-de de rever, de forma ampla, as polí-ticas de transporte urbano, nãosomente no que se refere à oferta detransporte, e sua adequação àsnecessidades de deslocamento dapopulação, mas também quanto àsarticulações com a estrutura urbanae a ocupação do solo. Além disso, háque rever-se também os padrões decrescimento urbano e os efeitos dis-

Política de transporte,sociedade e espaço urbano

José Augusto R. da Silveira*Tomás de Albuquerque Lapa**

Fazer política Hoje

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tributivos, no espaço, alcançadospelas ações públicas.

A urbanização, difusa e fragmen-tada, sob forma de linhas-filamen-tos, acentua a segregação social e asetorização territorial, destacando acategoria tamanho urbano e as defi-ciências de infra-estrutura e serviçosurbanos. O processo de fragmenta-ção, relacionado com a estruturaespacial, tem produzido novos terri-tórios de maneira acelerada e dis-persa, decompondo a paisagem dacidade em territórios que correspon-dem a áreas, simultaneamente es-tanques e articuladas, com conteú-dos próprios.

O crescimento da cidade atualestá assente na produção de novascentralidades e em rotas induzidaspelas novas tecnologias e subcultu-ras urbanas, incrementando a escalada urbe, multiplicando e elastecen-do trajetos. A técnica, implicada na

morfogênese do espaço urbano,influi na constituição dos novos terri-tórios e, conseqüentemente, naacessibilidade, assim como na for-mação de mentalidades e comporta-mentos humanos.

A passagem da urbanização depólos tradicionais para a de “geogra-fia de linhas de crescimento”(Choay,1994 e LeBrás,1993), coinci-dentes com as principais rotas dacidade, tornam mais complexas asflutuações e incertezas inerentes aosnovos padrões de assentamentosurbanos, além de dificultar a gestãodos transportes, exigindo a releiturade suas políticas.

O caráter dual da urbanizaçãobrasileira reflete a mais marcante desuas características: a polarizaçãosocial e espacial que define fluxosurbanos típicos, influi na produção emultiplicação de territórios distintose a na setorização do espaço. Com o

desenvolvimento das forças produti-vas e a extensão da divisão social dotrabalho, o espaço, manipulado,aprofunda as diferenças de classes, asetorização, a segregação e a conso-lidação de novos territórios. Estaevolução acarreta um movimentoparadoxal: o espaço tanto une quan-to separa os seres humanos. Esteparadoxo é traduzido sob a forma desistemas fundamentais, construídosna cidade, que viabilizam o estabele-cimento das diferentes redes sociais.

Historicamente, o espaço dacidade sempre esteve dividido emsubespaços diferenciados, tanto pelaidade do ambiente construído e peloconteúdo humano, quanto pelas ati-vidades que nele se localizam. Aimbricação desses fatores fracionoua cidade em unidades complexas,cujas articulações traduzem-se porrelações e deslocamentos que defi-nem as redes urbanas. O processo

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de desenvolvimento urbano recente,incrementando consideravelmente otamanho e a complexidade da cida-de, acompanhou-se de localizaçõesmais diversas, vendo-se emergirnovas polarizações, eixos e núcleosde atividades, em lugares bem loca-lizados, ou atrativos, das novas peri-ferias urbanas. Identificar-se asnecessidades de adequação do sis-tema de transportes, face aos novospadrões de assentamentos, são tare-fas cada vez mais instigantes. Osnovos pólos do espaço urbano sãopontos sensíveis em que o arranjoconstruído busca oferecer uma ima-gem moderna, dinâmica e atrativana cidade (Rochefort,1998). Estadinâmica, elastecendo e multiplican-do itinerários, concorre para o cresci-mento disperso e aumento da com-plexidade das redes urbanas, crian-do dificuldades para a satisfação dademanda de transportes.

3. Surgimento de novos territórios e setorização do espaçoSegundo Villaça (1998), a organi-

zação espacial das cidades brasilei-ras apresenta um misto de círculosconcêntricos e de setores de círculo,onde os últimos predominam sobreos primeiros, concorrendo para afragmentação e segregação do espa-ço urbano. O processo conduz à for-mação de redes geográfico-sociaisde produção e apropriação diferen-ciada do espaço. Por outro lado, as

políticas de transporte, articulando-se com a cultura automobilístico-rodoviária, em detrimento do trans-porte público eficiente, influem naprodução de novos territórios, afe-tando o tamanho urbano, incremen-tando a fragmentação e multiplican-do desordenadamente as origens eos destinos de tráfego. Os novos ter-ritórios, muitas vezes surgem inde-pendentemente da presença de cen-tralidades, quando a sociedadepassa a organizar-se em redes e emfunção de interesses setoriais. Aconsciência de pertencer a um terri-tório, com uma sub-cultura própria,leva ao enfraquecimento das rela-ções entre as partes e o todo urba-no.

A noção de totalidade da cidade éguiada pelo fato histórico de que asdimensões econômica e política so-brepõem-se à dimensão social desseespaço, revelando uma desassocia-ção que se mostra como fator impor-tante na formação de territórios dis-tintos e distanciados no espaço dacidade, com impactos na gestão ade-quada dos transportes.

O espaço da cidade é estruturadopelas condições de deslocamentodo ser humano, seja enquanto por-tador da mercadoria força de traba-lho - como no deslocamentocasa/trabalho - seja enquanto con-sumidor - reprodução da força detrabalho, deslocamento casa/com-pras, casa/lazer, escola, etc. A forçaestruturadora dos territórios que

abrigam o terciário origina-se dessadinâmica, a começar pela própriaárea central da cidade e os centrosexpandidos e eixos de comércio e deserviços.

No tocante aos transportes, o es-paço urbano é heterogêneo e setori-zado a partir dos principais eixos viá-rios. Mais ainda, quando as classessociais, com diferentes graus dedependência espacial, apresentamdiferentes demandas, associadas arotas de deslocamento urbano. Asredes sociais materializam vetoresde crescimento, geograficamentedistribuídos no espaço urbano,atuando na cidade sob a forma de“redes geográficas de apropriaçãodiferenciada de seus espaços”(Krafta,1996). Assim, produzem-se econsolidam-se eixos viários e territó-rios diferenciados e distanciados,constituindo formas espaciais emodos distintos de produção doespaço urbano, que desafiam a ges-tão dos transportes.

No processo em discussão, osterritórios produzidos pela periferiza-ção assumem um novo significado,quando são revistas as noções decentro - periferia, onde o espaçourbano é marcado pela segmenta-ção e pela produção de novas cen-tralidades, que concorrem para a for-mação de verdadeiras excrescênciasurbanas (Lapa,1996). Os territóriosperiféricos atuam como fatores mag-netizantes, de ampliação e multipli-cação dos trajetos urbanos. A perife-ria mais evidencia do que oculta aconstrução histórica da setorização eda segregação social, plasmando aolongo do tempo as clássicas relaçõesde centro e periferia, redefinindo aslocalizações e a apropriação doespaço. A diversificação e a redistri-buição do uso e da ocupação, esta-belecendo novos padrões urbanosde circulação entre as classes sociais,

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Fazer política Hoje

As políticas de transporte, articulando-se com acultura automobilístico-rodoviária, em detrimento do transporte público eficiente, influem na produçãode novos territórios, afetando o tamanho urbano,incrementando a fragmentação e multiplicandodesordenadamente as origens e os destinos de tráfego

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acentuam a apropriação diferencia-da, fragmentada e setorizada doespaço. Os “espaços deslocados” dePierre George (1990) constituem oespaço da heterogeneidade territo-rial, das localizações periféricas -tanto da classe de alta renda comoda classe de baixa renda -, dos valo-res diferenciais e da segregação pro-duzida pelo distanciamento cada vezmaior entre o espaço econômico e oespaço social. Conformam-se novasgeografias urbanas que descortinamum descompasso entre as políticasconvencionais de transporte e asnovas formas de organização dasociedade. Contraditoriamente, oprocesso engendra um estágio dedesenvolvimento que promovetanto uma integração quanto a frag-mentação e a setorização do espaçourbano.

4. Descompasso entre políticasde transporte e novas formas de organização da sociedadeAs políticas de transporte são

implementadas segundo métodos etécnicas que tomam como base ascircunscrições político-administrati-vas existentes, assim como as cha-madas zonas de tráfego. O problemacrucial reside no fato de que o trans-porte ainda é visto como um ele-mento setorial, que se relaciona ape-nas com suas partes internas, e nãocomo um sistema participante doprocesso mais amplo de estrutura-ção da cidade.

O pensamento positivista e adefesa de soluções científicas paratodos os problemas, inclusive os denatureza social, influenciaram osmétodos de pesquisa em transpor-tes a partir do final dos anos 1940 einício dos anos 1950. Durante adécada de 1960, os procedimentosmetodológicos foram desenvolvidoscom a aplicação de técnicas analíti-

cas e modelos matemáticos, volta-dos para soluções do “setor trans-portes”. Transporte passou a sersinônimo de modelagem, valorizan-do cálculos matemáticos que, emmuitos casos, distanciam-se da reali-dade complexa da cidade e não cap-tam a dinâmica da sociedade.

A problemática dos transportes,com origens fundamentalmentesociais, não pode ser tratada sob umponto de vista restrito e setorial, poisenvolve a produção dinâmica deredes territoriais no espaço, articu-lando intimamente a acessibilidadeà construção de localizações. Essaperspectiva considera o espaço nassuas relações com a sociedade, istoé, através dos processos sociais, dasfunções e das formas, numa visãochamada por Santos (1978) de“espaciológica”, onde o espaço pos-sui seu sentido e seu significado(Canter e Santos,1978). A realidadeurbana mostra que o processo tempotencial multiplicador, com a gera-ção e consolidação de novos territó-rios dispersos, produzindo uma rela-ção conflituosa entre oferta edemanda de transporte, face às res-tritas políticas de transporte urbano.

As descrições assumem umaperspectiva ainda mais intrincada,em um contexto marcado por umprocesso de reestruturação urbana

complexa e veloz, que Topalov(1987) denominou de “nova vidaurbana”, ligada a um padrão de con-sumo e de relações sociais, crescen-temente mercantilizado, diversifica-do e fragmentado.

É importante que as políticas detransporte levem em conta a relaçãodialética do transporte com a ocupa-ção e o uso do solo e sua influênciano processo de produção e apropria-ção do espaço urbano, assim comono padrão de crescimento urbano enos impactos sobre o desenvolvi-mento da cidade. Sob esse foco, po-de-se visualizar a incompatibilidadeexistente entre a produção do siste-ma de transportes, como base físicaà estruturação da cidade, e o proces-so de crescimento urbano.

O descompasso entre as políticasoficiais e a forma como a sociedadepassou a organizar-se, deixou consi-deráveis lacunas no que diz respeitoao atendimento dos serviços essen-ciais, como no caso dos transportes,favorecendo o aparecimento dos“modos alternativos” de transporteque, freqüentemente, apresentam-sena clandestinidade. As conseqüên-cias diretas são o agravamento dosconflitos urbanos e das dificuldadesna gestão dos transportes, assimcomo a alimentação e consolidaçãodo processo desordenado de cresci-mento da cidade.

5. Articulação das políticas de transporte com a organização do espaço urbanoTendo em vista o cenário do cres-

cimento urbano recente, que apre-senta acelerada produção de novosterritórios, é essencial que as políticasde transporte levem em conta o cará-ter dialético da relação transporte -uso do solo, visando adequar-se àrealidade da cidade. É necessárioconsiderar o peso, representado

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Fazer política Hoje

Os territórios produzidos pela periferização assumemum novo significado, quandosão revistas as noções decentro - periferia, onde oespaço urbano é marcadopela segmentação e pelaprodução de novascentralidades

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pelos interesses setoriais que moti-vam a existência de cada território.Por outro lado, é necessário definiruma estratégia de articulação entreas novas localizações e as antigasáreas consolidadas, de modo asse-gurar a eficiência e distributividadedas políticas de transportes, buscan-do fortalecer a unidade e a coerênciada totalidade do tecido urbano.

Na perspectiva descrita, o siste-ma de transporte coloca-se comouma base fundamental do processode estruturação da cidade, podendovir a assegurar, através de uma polí-tica compatível com a realidade dacidade, tanto uma acessibilidadeadequada aos novos territórios,quanto um funcionamento equili-brado das redes urbanas. As trans-formações do espaço urbano são,em grande medida, calibradas pelosistema de transporte, que compõe-se de verdadeiras “linhas de força”da paisagem urbana (Cullen,1961 ePanerai,1980,1986).

Ao engendrar no espaço umainterface entre a acessibilidade, osterritórios e as pessoas, a possibilida-de de deslocamento e os movimen-tos urbanos criam produtos e intera-ções, influindo no modo de organiza-ção das redes sociais e no processodas transformações urbanas. Noâmbito das suas relações com a ocu-pação e uso do solo, o transportepode vir a atuar como elemento dareorganização urbana e minimizaçãodos conflitos urbanos.

As políticas de transporte podemconduzir à construção de eixos estru-turais de acesso que favoreçam espa-ços heterogêneos a conformaremum certo grau de unidade, equilíbrioe organicidade, estabelecendo asrelações adequadas entre os ele-mentos formativos do espaço urba-no, que podem incluir justaposiçõese/ou separações territoriais.

Para Sampaio (1999), na cidadeo importante não é o uso da noçãode estrutura como algo estático,mas, entender o que é “estrutural”na sua dinâmica, enquanto processode desenvolvimento urbano. Na for-mação da estrutura urbana, existeuma base física e territorial subja-cente, onde são produzidos e se re-produzem os sistemas. Entre esses,destaca-se o sistema viário, em arti-culação dialética com o uso do solo.A exterioridade da estrutura (o siste-ma de vias, por exemplo), em suaconformação e articulação com ouso do solo, revela as correlações deforças que produzem e setorizam acidade, sendo a estrutura física umaparte da estrutura urbana (social,econômica, política). O que particu-lariza os produtos, resultantes daapropriação do espaço urbano, é aassociação com suas localizações,referindo-se às relações entre umdeterminado território urbano e to-dos os demais. Na verdade, essas re-lações contêm forças políticas e eco-nômicas e dominam aquelas que sematerializam através do desloca-mento dos seres humanos enquantoconsumidores e/ou portadores daforça de trabalho (Villaça,1998).

As políticas de transporte devemconter arranjos, norteados tanto pelaacessibilidade eficiente, quanto pelalógica de estruturação da cidade, queindiquem a forma de coexistência earticulação dos elementos constituin-tes do tecido urbano e seus parâme-tros estruturais. Dessa maneira, so-mente políticas estratégicas de trans-porte, de cunho estrutural, podemconduzir a uma adequação do servi-ço ao processo de crescimento urba-no, situando-o como uma questãosocial fundamental e de responsabi-lidade coletiva. As políticas de trans-porte devem articular ações não sónas três esferas de poder público,

mas também no nível da participa-ção efetiva da sociedade, que deveestar engajada nos esforços de com-patibilização do transporte com arealidade do processo de crescimen-to urbano.

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Fazer Política Hoje

José Augusto R. da Silveira é professormestre no Departamento deArquitetura e Urbanismo daUniversidade Federal da Paraiba.-UFPB.

Tomás de Albuquerque Lapa é professordoutor no Departamento de Arquitetura eUrbanismo da Universidade Federal dePernambuco-UFPE.

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Unesco, Banco Mundial e educação dos países periféricos

Fazer Política Hoje

Roberto Leher*

1) IntroduçãoUm leitor ocasional de O Correioda Unesco dificilmente iria crerque a entidade das Nações Unidasresponsável pela Educação,Ciência e Cultura possui uma his-tória cujos estrategistas doDepartamento de Estado dos EUA,da CIA e, mais recentemente, doBanco Mundial são protagonistasmuito mais importantes do que oseducadores, os cientistas e osartistas envolvidos com a sua cria-ção. Este estudo irá sustentar quea temática educação e segurançaencontra-se no cerne de sua traje-tória. Quando os países periféri-cos tentaram transformá-la numainstituição direcionada para aconstrução de sistemas de ensino

capazes de promover a autono-mia científi-

co-cultural ( uma reivindicaçãoconstitutiva da luta por uma NovaOrdem Econômica Internacional -(NOEI) ( , forças da direita força-ram a saída dos EUA desta insti-tuição, contribuindo, assim, para odeslocamento de suas atribuiçõeseducativas para o Banco Mundial,com conseqüências muito negati-vas para a educação dos paísesperiféricos.

2) O Surgimento da Unesco e a Guerra Fria

A Unesco representa, ao mesmotempo, uma tradição e uma rupturacom a política externa americana.Uma tradição na medida em que,desde o início do século, os EstadosUnidos atuam internacionalmente na“difusão” cultural, científica e educa-cional. Uma ruptura, pois, até 1938, a

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cooperação internacional escapavada política oficial do Estado. Até en-tão, a presença internacional dos EUA,no plano cultural, devia-se a funda-ções privadas como a Guggenheim(1913), Rockefeller (1913), Carnegiee Ford e a associações internacionaiscomo o Instituto Internacional deEducação (1919), a Associação In-ternacional de Educação (1923),entre outras.

Entretanto, a II Guerra Mundial ea consolidação da hegemonia dosEUA mudam isto. O avanço das ide-ologias fascistas e, mais especifica-mente nazista não apenas na Eu-ropa, mas também na América La-tina e na Ásia, fez com que o laissez-faire no domínio cultural fosse aban-donado para fazer-se frente a estasameaças. Em 1938, o Departamentode Estado criou a Divisão de Rela-ções Culturais, tornando a culturaum assunto de Estado. O alvo maisimediato foi a América Latina, umaregião vista como vulnerável, instá-vel politicamente, em decorrência dafraca adesão à cultura anglo-saxã,conforme acreditava o governo dosEUA. O ambiente predominante,

ainda sob o impacto da Guerra, foibem sintetizado por Roosevelt emsua “Mensagem sobre o Estado daUnião”, 1941: liberdade de expres-são; liberdade de religião; prosperi-dade e segurança. Este ambienteultrapassava as fronteiras do Estado.Também organizações privadas co-mo a recém-criada “Educação paraSegurança Internacional” (síntese doesforço de várias instituições) com-partilhavam esses ideais. Em umareunião da Comissão de Ministrosda Educação dos Países Aliados(CMAE), o representante dos EUA, oprofessor da Universidade de Yale,Ralph Turner, propôs a criação daDivisão de Organização da Segu-rança Internacional para favorecer aorientação intelectual e emocionalnecessária à democracia. Um anodepois, em 1943, a ONU e as Na-ções Associadas assinaram na CasaBranca um acordo para a criação da“Organização das Nações Unidaspara a Segurança e a Reconstrução”.É impossível deixar de observar queo esboço da nova organização jácontinha em seu âmago a preocupa-ção com a segurança.

Com o fim da Segunda Guerra, osrepresentantes da CMAE reivindica-ram prioridade à reconstrução dasinstituições educativas de seus paí-ses destruídas pela guerra. A propos-ta previa a criação de uma Orga-nização Internacional para a Edu-cação e a Cultura. Uma Conferênciada CMAE foi chamada para Londres.Nesta, os EUA participaram comuma delegação importante, contan-do não apenas com delegados pró-ximos a Roosevelt, como ArchibaldMcLeish, mas também com repre-sentantes do Congresso, entre osquais o Senador J.W. Fulbright. Emsua manifestação final, o encontroafirmou “a importância, a longo ter-mo, da cooperação democrática nos

domínios da educação e da culturapara a paz, da segurança e da estabi-lidade econômica para um mundorico e feliz” (Archibald, op.cit.,p.26,destaques:RL).

Várias motivações concorrerampara a criação da Unesco: o empe-nho da CMAE para a reconstruçãodos seus sistemas de ensino, a guer-ra fria e a “cruzada” dos EUA emfavor da segurança e do estilo devida americano. Como é possível de-preender, o ponto de vista dos EUAera consideravelmente mais particu-larista do que o de seus parceiroseuropeus que, no geral, não queriamque a nova entidade ficasse excessi-vamente atrelada à guerra fria.Embora os estrategistas do Depar-tamento de Estado estivessem cons-cientes de que a propagação do“estilo de vida” americano, naAmérica Latina, não deveria aparecercomo uma manifestação de imperia-lismo dos EUA, um pouco antes dacriação da Unesco, várias escolas daAmérica do Sul passaram a ser sub-vencionadas pelos EUA, a ponto de,em 1943, o pessoal da Divisão deRelações Culturais reagir ao queconsideraram “propaganda não de-mocrática” (Archibald, op.cit.,p.25).

Após complexas negociações en-tre os membros da CMAE e diversasconsultas entre os líderes da delega-ção Norte Americana (Fulbright e Ar-chibald MacLeish) e o Departamentode Estado (o novo Secretário deEstado Adjunto para Assuntos Públi-cos e Culturais, William Benton, esta-va preocupado com a possível “ma-nipulação” política no terreno educa-cional1), a Unesco foi enfim criadaem 1945, na Conferência de Lon-dres2, para elaborar programas deajuda ao ensino nas regiões libera-das; fomentar o desenvolvimento ci-entífico, bem como para repatriarobjetos culturais.

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Embora limitada historicamentepela identificação da educação coma segurança, o artigo primeiro do Atoconstitutivo da Unesco declara: “AOrganização se propõe a contribuirna manutenção da paz e da seguran-ça...” (Archibald, 1993:70), algunsavanços foram possíveis. Distin-tamente da ONU, na UNESCO, cadanação teria direito a um voto, igua-lando países grandes e pequenos e,fato notável, a sua sede seria emParis e não em Washington, como oBanco Mundial. A diferença estrutu-ral entre a ONU e a Unesco, nestedomínio, jogará um papel funda-mental no futuro desta última.

Apesar de a representação dosEUA na Unesco contar com pessoasrealmente devotadas à instituição,como Archibald e William Benton, asua subordinação ao Departamentode Estado impunha séria redução àautonomia de seus membros. Todosos assuntos polêmicos deveriam serapreciados preliminarmente peloDepartamento de Estado que faziaprevalecer os interesses geopolíticosde Washington. A própria escolha deBenton como o primeiro embaixa-dor dos EUA junto a Unesco estáligada não apenas ao fato de suacondição de lutador incansável emdefesa deste organismo, mas tam-bém à sua “visceral” convicção anti-comunista. Com efeito, em 1938,Benton fora Conselheiro de NelsonRockfeller quando este ocupava ocargo de Coordenador de AssuntosInter-americanos do Departamentode Estado. Na avaliação de Archibald(1993:60), Benton não deve ter de-cepcionado os seus patrocinadores,pois esteve empenhado em garantira influência da pax americana naUnesco.

O primeiro Secretário Geral daentidade, zoólogo e filósofo inglêsde renome, Julian Huxley, havia par-

ticipado ativamente das negociaçõespara a inclusão da palavra “ciência”no nome da nova organização.Entretanto, a sua candidatura haviasido objeto de severas restrições.Segundo Benton e mesmo algunsdelegados ingleses, ele seria próxi-mo demais da esquerda (é precisolembrar que a sua indicação estavarelacionada à vitória dos trabalhistasna Inglaterra). Por isso, e após Archi-bald MacLeish ter se recusado a con-correr ao cargo, os EUA impuseram aredução de seu mandato à metade,alegando que o primeiro Diretor de-veria se encarregar de preparar umaconferência mais ampla na qual se-ria escolhido, finalmente, o primeirodiretor com mandato pleno.

O fato de os EUA serem respon-sáveis por mais de 40% de toda ver-ba da Unesco conferia-lhe enormesupremacia política e econômica. Osconflitos, portanto, tornaram-se ine-vitáveis, a começar pelas prioridadesdo orçamento definidas pelos EUA,com o programa de ciências notopo, seguido do de informação àsmassas, em detrimento da educaçãoformal. A antecipação do mandatodo primeiro Diretor, J. Huxley, e arenúncia do segundo, Jaime TorresBodet, estão intimamente associa-das a estes conflitos de interessesentre parte dos países membros e osdo seu principal financiador. De fato,Benton avaliara como não conve-niente a indicação pelos EUA dosegundo Diretor Geral, pois, destemodo, este país teria de abrir mãodo estratégico cargo de Diretor GeralAdjunto, responsável pela execuçãoorçamentária. Bodet, então Ministrodas Relações Exteriores do México,ex-professor de história francesa eex-ministro da Educação, foi indica-do pela delegação francesa e contoucom o apoio dos EUA, que o reco-nhecia como hábil diplomata. O seu

nome era tido como ideal para fazera ponte entre os países pobres e aEuropa “civilizada” . Porém, os atritoslogo surgiram. Bodet estava maisinteressado na educação elementardos países pobres do que na educa-ção de massas via meios de comuni-cação, uma prioridade que não agra-dava os EUA, que passou a avaliarcomo um equívoco o seu apoio aBodet. Este, por sua vez, ficou con-trariado com o não-apoio dos dele-gados à entrada da China popular naorganização em favor da China (deTaiwan), mesmo que a título provi-sório. A situação de Bodet tornou-seinsustentável a partir da derrota desua proposta de orçamento pela dosEUA, significativamente inferior à deBodet. A sua renúncia foi o desfechoprevisível do conflito.

A despeito do evidente poderdos EUA, setores da direita america-na acusavam a Unesco de simpatiapelo comunismo e de ter pretensõestotalitárias (uniformização da educa-ção ocidental sob a influência comu-nista). Vale lembrar que todos osrepresentantes dos EUA foram inves-tigados pela comissão de assuntosanti-americanos de J. McCarthy,vários deles chegaram a ser afasta-dos. As ações anti-Unesco da direitaserão uma constante em sua históriae terão radicais desdobramentosalgumas décadas mais tarde. Se aação da direita, nos primeiros anosda entidade, não foi forte a ponto deimpedir a participação deste país nainstituição, ao menos produziu des-confiança entre os congressistasconservadores que mantiveram aUnesco sob severa restrição econô-mica. Os republicanos privilegiavamas ações bilaterais, sobretudo as de“propaganda”, como a Voz daAmérica, por exemplo. E os repre-sentantes dos países europeuspouco fizeram para mudar esta

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situação, pois estavam, de fato,empenhados na reconstrução dassuas próprias instituições educativasatingidas pela Guerra. Como esta foiincluída no âmbito do Plano Mar-shall, a acomodação prevaleceu.

A supremacia norte-americana seefetivou igualmente pela ação defundações privadas. Com efeito, adebilidade financeira da Unesco re-duziu a sua autonomia diante dessasentidades. A Ford, por exemplo, fi-nanciou, no princípio da década de50, quase a metade do programa deassistência técnica da Unesco, emespecial, nas áreas da educação bási-ca e da educação cívica. Estas funda-ções empurraram a Unesco para osembates da Guerra Fria. Assim, a Fordesteve envolvida no projeto destina-do a “reduzir as tensões internacio-nais” (Coréia). Certamente, o pesocrescente das verbas extra-orçamen-tárias, com destinação definida emfóruns externos à Unesco, enfraque-ceu a entidade, que se torna muitofrágil na década de 50.

3) Deslocamento para os países periféricos

Um balanço da primeira décadaatesta a condição marginal da enti-dade. A sua criação, em meados dadécada de 40, não esteve inseridano cerne da política de desenvolvi-mento. Inicialmente, ela expressouum movimento liderado pelos paí-ses europeus atingidos pela Guerra,ávidos em reconstruírem os seus sis-temas educacionais. Os EUA partici-param ativamente deste processo,interessados em difundir os valores

“democráticos”, sobretudo nos paí-ses submetidos ao fascismo. Noentanto, à medida em que o PlanoMarshall assumiu a reconstruçãoeuropéia, a Unesco se voltou cadavez mais para os países em desen-volvimento. Na década de 50, ocor-reram acentuadas mudanças nesteorganismo. A União Soviética ingres-sou na instituição, os países socialis-tas intensificaram a sua participaçãoe as ex-colônias puderam atuar naentidade modificando a relação deforças interna. Em decorrência donovo contexto, na década de 60, aUnesco passou a se envolver naproblemática do desenvolvimento,sobretudo a partir da “década dodesenvolvimento”, aprovada pelaAssembléia Geral da ONU, em 1961.Esta maior proximidade com os paí-ses do chamado Terceiro Mundo ecom os países socialistas, como jáapontado, foi explorada pela direitados EUA, quando exigiu a saídadeste país da Unesco.

O surgimento da Unesco nãomodificou nem o status da Educa-ção na política externa dos EUA nemo conceito norte-americano de de-senvolvimento. Em suas práticas dedomínio/ direção, os EUA, rarasvezes, recorreram a este organismo.Isto não quer dizer que a instituiçãoestivesse fora da área de influênciada potência hegemônica, ao contrá-rio, a representação deste país eraformalmente subordinada ao Depar-tamento de Estado, mais precisa-mente, ao Secretário de Estado paraAssuntos Públicos. Ademais, a suaimportância econômica e política era

reconhecida e respeitada: todos osconflitos entre a Unesco e os EUAforam resolvidos a favor deste últi-mo. Os exemplos são muitos: o pri-meiro Diretor Geral, J. Huxley, teve oseu mandato reduzido à metade porimposição dos EUA; René Maheubuscou maior proximidade com ospaíses do dito Terceiro Mundo, pro-pondo que o conceito de desenvol-vimento deveria incluir a redistribui-ção da riqueza e do poder mundial,entretanto, os seus posicionamentoslogo tiveram a oposição dos EUA,oposição decisiva a ponto de levá-loà renúncia.

Apesar disso, nem mesmo o anti-comunismo motivou os EUA a inves-tir grandes somas na Unesco. As ati-vidades bilaterais tinham muito maisapoio do establishment do que asagências de desenvolvimento multi-laterais. Os recursos deste organis-mo eram apenas uma parte muitomodesta das verbas destinadas para“cultura, informação e propaganda”,então o meio privilegiado de emba-te com os soviéticos, conforme regis-trado por Macbride (1989:xi, negri-tos: RL).

Como já assinalado, a invençãodo desenvolvimento estava relacio-nada à guerra fria, deslocando para oTerceiro Mundo o campo de batalhaideológica das grandes potências.Entretanto, estes embates ideológi-cos foram travados mais no terrenoda propaganda de massa e dasações bilaterais (Aliança para o Pro-gresso, United States InformationAgency -USIA) do que no da educa-ção tout court. Até 1953, a delega-ção norte-americana da Unescoesteve subordinada ao setor do De-partamento de Estado responsávelpela propaganda. Neste ano, Eisen-hower reuniu todas as agências depropaganda na USIA, uma instânciadesvinculada do Departamento de

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A invenção do desenvolvimento estava relacionada

à guerra fria, deslocando para o Terceiro Mundo o

campo de batalha ideológica das grandes potências.

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Estado. Deste modo, a Unesco, ape-sar de permanecer tutelada peloDepartamento de Estado, ficou me-nos limitada em seus objetivos. Emcontrapartida, na prática, o seu cam-po de atuação tornou-se mais restri-to, tendo em vista o estrangulamen-to financeiro empreendido peloCongresso Americano. A forte restri-ção orçamentária perdurou até oprincípio do governo Kennedy quan-do a descolonização, aliada ao ba-lanço comercial negativo, levou osEUA a “redescobrir” os organismosinternacionais.

Quando Kennedy assumiu a pre-sidência, a relação dos EUA commuitas organizações internacionaisestava bastante deteriorada. Na se-gunda metade da década de 50, aUnesco ocupava um lugar decidida-mente secundário na política exter-na dos EUA e, em contrapartida, istotornou-a mais próxima das necessi-dades dos países pobres e de redu-zida industrialização: uma tendênciamelhor configurada na década de60. A Conferência de Nova Delhi, porexemplo, destacou como prioridadeo ensino primário na América Latina,as pesquisas sobre as terras áridas,hidrologia, oceanografia e sismolo-gia, bem como a respeito das imbri-cações entre valores culturais do oci-dente e do oriente. Também no prin-cípio da década de 60, a Unesco pro-duziu importantes estudos anti-ra-cistas, a despeito dos conflitos ra-ciais internos nos EUA. Além disso, apresença da União Soviética assu-miu maior visibilidade (a URSS en-trou na Unesco em 1954), notada-mente, por seu empenho a favor dadescolonização.

Esse processo de identificação daUnesco com os países em desenvol-vimento havia passado relativamentedespercebido até mesmo dos gruposde direita contrários à Unesco. Po-

rém, a ação destes grupos hipercon-servadores, muito vigorosa e agressi-va na primeira metade dos anos 50,deixara sementes3 que, na décadade 70, viriam configurar a SociedadeHeritage que estaria no centro domovimento anti-Unesco que resultouna saída dos EUA, em 1984.

No final do governo Eisenhower,este quadro geral de desinteressehavia mudado um pouco. Mas foiKennedy quem incluiu a efetiva reto-mada da liderança dos EUA nos orga-nismos internacionais entre os obje-tivos estratégicos do governo. Amudança pode ser compreendida noescopo do deslocamento da guerrafria para os países em desenvolvi-mento. A entrada dos ex-países colo-niais na Unesco e o fortalecimentorelativo da URSS, na entidade, leva-ram os EUA a optar por uma orien-tação mais internacionalista, incluin-do uma presença mais ativa nos or-ganismos internacionais das NaçõesUnidas. Ilustrativo dessa tendênciafoi o retorno de William Bentoncomo embaixador junto à Unesco.

Algumas ações da Unesco inte-ressaram diretamente os EUA (o pro-grama de educação de base naAmérica Latina (1956) e a aproxima-ção com os países das antigas colô-nias africanas) tanto por questõesgeopolíticas, quanto por motivos po-líticos domésticos, como o fortaleci-mento do movimento negro internoe os vínculos deste com os movi-mentos de libertação da África: “há,para além das fronteiras, uma outraforça poderosa que tem inspirado onegro americano. É o movimento dedescolonização e de liberação quese desenvolve desde a SegundaGuerra mundial” (Martin LutherKing, apud, Archibald, op.cit.,p.264).

O programa de ajuda ao desen-volvimento da educação na AméricaLatina e na África, 1960, está inscri-

to neste movimento. O crescimentoacentuado do número de países naUnesco (1958: 83; 1960: 101) acir-rou as tensões da guerra fria. Asupremacia americana na Unescoestava ameaçada pelo princípio“uma nação, um voto”, bem comopelo significativo número de paísesque seguiam mais ou menos deperto a liderança soviética. Ummodo de garantir a orientação ade-quada aos interesses dos EUA foi aampliação de verbas extra-orçamen-tárias, cuja finalidade já estaria pre-viamente definida em instâncias emque a supremacia americana erainquestionável, como a UNICEF, IDA,BIRD e BID. Assim, entre 1961 e1963, o orçamento formal cresceu21,66%, enquanto o extra-orçamen-tário, que escapava ao controle doConselho Geral, aumentou 67%. AUnesco foi reduzida, cada vez mais,a um órgão de assessoria a proje-tos concebidos por outros organis-mos internacionais ou por funda-ções privadas. Comprova o enfra-quecimento da Unesco a imposiçãode Kennedy em favor de projetosque somente podem ser compreen-didos no escopo da guerra fria. Em1961, a Unesco destinou US$ 640mil de seus magros recursos paraum projeto no Vale do Mékong(Vietnã) que consistia na elaboraçãode um modelo matemático à escalado Vale para, a partir de parâmetrosclimáticos, proteger e desenvolveras florestas, a pesca e a navegação. Acoincidência cronológica (com enviode tropas) e a utilidade geográficado projeto são, de fato, gritantes.

Os principais conselheiros deKennedy, como McGeorge Bundy eW.W Rostow, adotavam a idéia cen-tral de que “a pobreza é a mãe docomunismo que destrói as liberda-des e a democracia e, por isso, é pre-ciso que os EUA participem muito

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ativamente no combate à misériapara melhorar o futuro dos pobres efavorecer o estabelecimento de regi-mes próximos do seu” (Archibald,op.cit.,p.285). Esta orientação tevereflexos na Unesco, que foi incitadaa participar do “Decênio do Desen-volvimento da ONU”. Como desdo-bramento, na Conferência de Paris,1962, a educação foi ressignificadacomo “educação dos recursos hu-manos enquanto fator de desenvol-vimento econômico e social equili-brado” (Archibald, op.cit.,p.291).

A análise do período JFK permiteconstatar um esforço de reorganiza-ção do campo das relações culturaisexteriores, demasiadamente frag-mentadas no período Eisenhower. ODepartamento de Estado já manifes-tara a preocupação com a imagemdos EUA, ao promover o estudo“Como os outros nos vêem” (1959).O estudo de Charles Frenkel “Theneglected aspect in internationaleducation and cultural policy abro-ad” fez sérias críticas à atuação dosEUA no plano educativo-cultural. AUnesco foi considerada, por este últi-mo, como o melhor meio de difusãodo estilo americano de produzir eviver, pois poderia remover a suspei-ção de imperialismo. Neste contexto,Kennedy criou o posto de Secretáriode Estado Adjunto para AssuntosEducacionais e Culturais, 1961, indi-cando o representante da FundaçãoFord, P. H. Coombs e nomeou J. H.Marrow, um negro, como represen-tante dos EUA na Unesco, “um mi-nistro a título pessoal”, conformeKennedy. Esta nomeação foi signifi-cativa tendo em vista os conflitosditos raciais nos EUA e a importânciacrescente dos países africanos naguerra fria.

A reaproximação com a Unesconão pode ser lida, entretanto, comouma mudança de fundo na avalia-

ção do Departamento de Estado.Este prosseguia, na sua crença deque as ações bilaterais de propagan-da eram mais eficazes, como sedepreende da prioridade conferida à(US)AID, à Aliança para o Progressoe aos Corpos da Paz. A preocupaçãoesteve centrada mais na presumidainfluência soviética na Unesco emenos no avanço da Educação dospaíses ditos em desenvolvimento.Com efeito, a década do desenvolvi-mento, para a qual a Unesco foi inci-tada a devotar as suas energias, foi,sobretudo, a década da intervençãoamericana com a agressão a Cuba,1961 (JFK), e a invasão à RepúblicaDominicana, 1965 (LBJ).

Conforme balanço de Archibald(op.cit.,p.239), a presença dos EUAfoi marcante no ato de fundação daUnesco, quando “homens de boavontade”, como o Senador Fulbright,Archibald McLeish e William Ben-ton, estiveram empenhados na suaconstrução, ainda que à semelhan-ça dos EUA. O acirramento da guer-ra fria e o aprofundamento da inter-venção americana no Vietnã deslo-caram o interesse do Departamentode Estado para a propaganda e paraas ações bilaterais, muitas delas,como as do Comitê de Coorde-nação de Ação Psicológica, em co-mum com a CIA. A criação da USIAé um forte indicador da orientaçãopredominante no Departamento de

Estado, assim como a Aliança para oProgresso.

É inegável que Kennedy recru-desceu os esforços para assegurar asupremacia americana diante dospaíses em desenvolvimento. Asações da (US)AID, da Aliança para oProgresso e a maior presença nosorganismos internacionais apontamnesta direção. Mas a escalada daGuerra no Vietnã fortaleceu a opçãodos falcões pela força, pela propa-ganda e pelas ações de desestabili-zação, em detrimento da política dedesenvolvimento e de combate àpobreza.

O governo de Johnson inicioucom um liberal, Charles Frenkel, co-mo Secretário de Estado Assistentepara Assuntos Educacionais e Cul-turais, o setor do Departamento deEstado responsável pela relação EUA- Unesco. Embora tal nomeaçãopossa parecer inusitada, tendo emvista a orientação externa conserva-dora, ela é coerente com o contextodo período. O movimento pelos di-reitos civis assumira grandes propor-ções e o bom senso político indicavaque algumas reformas seriam neces-sárias. Uma boa relação com aUnesco era um modo de sinalizar ointeresse dos EUA pela sorte dosnovos países africanos e, destemodo, era uma via indireta para ate-nuar os confrontos com o movimen-to negro interno. Em sua gestão,Frenkel defendeu a necessidade demudanças na orientação da políticade educação e cultura do De-partamento de Estado, deslocando-ada guerra psicológica para a políticade desenvolvimento, solicitando for-malmente ao Secretário de EstadoDean Rusk que retirasse a educaçãoe a cultura da esfera da propaganda.Advogou a favor do “entendimentomútuo” entre os países em desen-volvimento e os EUA e, para isto,

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A escalada da Guerrano Vietnã fortaleceu a opçãodos falcões pela força, pelapropaganda e pelas açõesde desestabilização, emdetrimento da política dedesenvolvimento e decombate à pobreza.

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defendeu a necessidade da reeduca-ção dos EUA sobre a sua posição nomundo, com o objetivo de tornar opovo americano menos ignorante desi mesmo. Porém, o caráter belige-rante da política externa levouFrenkel a pedir demissão do governodois anos após assumir.

O Senador Fulbright, em 1966,captou o sentido das mudanças emcurso no governo Johnson e os se-us efeitos na política cultural. Ful-bright previu um futuro sombrio pa-ra as relações culturais e educacio-nais, caso a guerra do Vietnã prosse-guisse. Em virtude da opção deJohnson e de seus estrategistas, co-mo Rostow, de ampliar a presençaamericana na guerra, todo o apara-to do Estado ficou subordinado àlógica da guerra. A USIA, que seriadescentralizada, ficando a cargo dasembaixadas, permaneceu sob ocontrole do Departamento de Es-tado, enquanto a (US)AID reconhe-cia que a educação estava sem futu-ro em suas atividades (Preston, Jr.,op.cit.,p. 109). Esse ambiente revi-gorou a extrema-direita que tornoucada vez mais ásperas as suas críti-cas às Nações Unidas e à Unesco;em particular. O caráter deletério desua manifestação foi amplificadoquando várias entidades uniramseus esforços para “mudar a menteamericana” em favor do livre mer-cado e do anticomunismo, entre asquais se destacam: American Le-gion, American Enterprise Institute,The Young American for Freedom eThe John Birch Society (Preston Jr.,op.cit.,p.111).

O Comitê Interno de Segurançado Senado identificou o propósitoda Unesco da “defesa da paz nasmentes dos homens”, como propa-ganda soviética. Este anticomunismoressurgente tomou conta da cabeçade muitos intelectuais. Em 1967,

Ramport Magazine constatou que asoperações culturais da CIA eviden-ciavam a subordinação de intelec-tuais representativos aos desígniosda guerra fria.

A “doutrina Johnson” tinha o pro-pósito de exportar os “valores cultu-rais” representantes da nova ordemdiplomática mundial. Proclamava odireito da ajuda aos países amigoscontra ideologias exógenas. Nesseperíodo, como sempre, a guerranada tinha de fria. O afastamentodos EUA da Unesco passou a sercada vez mais radical. O discurso deseu governo assinalava o sentimentode perda de confiança neste tipo deinstituição, daí a recorrência aosoutros “meios”, muito mais contun-dentes e unilaterais.

O avanço das concepções con-servadoras, seja na forma da teoriado capital humano, seja na da socie-dade do conhecimento, reforçava asposições do Banco Mundial, emdetrimento das da Unesco. O enfra-quecimento deste órgão das NaçõesUnidas, na segunda metade dadécada de 70, só não foi maior por-que a coalização conservadora que oatacava sofrera um significativogolpe com o escândalo de Water-gate. A presidência de Carter arrefe-ceu o progresso dos conservadores emanteve uma abordagem mais libe-ral e flexível para as questões queeclodiam na Unesco.

Carter havia incorporado o dese-jo do grande capital, expresso nasposições da Comissão Trilateral, emfavor de uma maior proximidadecom o Terceiro Mundo e em prol daabertura política destes países. ODepartamento de Estado constatoua existência de tensões que estavamlevando a velha ordem a ruir, porisso, o seu empenho de renovaçãoplena do sistema internacional. Essecomportamento adaptativo visava a

melhorar a segurança e a economiados EUA e de seus aliados. Comefeito, a substituição progressivadas ditaduras por democracias par-lamentares pode ser interpretadacomo evidência da falta de habilida-de do poder coercitivo de manterindefinidamente sob controle ascontradições do desenvolvimentosemiperiférico pró-sistêmico (Arri-ghi, 1997:237). Esse processo de re-democratização, conduzido emgrande parte pelos Estados Unidos,foi bem sucedido, posto que a “se-miperiferia latino-americana se mo-vimentou, com uma determinaçãosem precedentes, em direção a de-mocracias parlamentares, sem qual-quer mudança perceptível na orien-tação pró-sistêmica de seus gover-nos” (Idem, p.244).

Embora durante o período Car-ter a situação da Unesco não tivessemudado de forma significativa, aomenos a sua equipe não a com-preendia como a “expressão domal”, nem os EUA como a sua vítima,como apregoavam os conservado-res. Os representantes dos EUA doperíodo, Esteban Torres, um Con-gressista democrata, e Barbara Ne-well, uma proeminente educadora,avaliaram o período como de rea-proximação com o Terceiro Mundo ede reafirmação da liderança dos EUAna Unesco.

Os ventos conservadores volta-ram a soprar para a direita de sem-pre. Com a invasão do Afeganistãopela URSS, a crise com o Irã e, so-bretudo, a eleição de Reagan, os se-tores ultraconservadores do Depar-tamento de Estado voltaram ao cen-tro das decisões, muitos deles vin-dos da Fundação Heritage, o princi-pal think-tanks de apoio a Reagan.Conforme Preston, et.al (1989), aofensiva anti-Unesco foi avassalado-ra. A coligação Departamento de Es-

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tado, Heritage e grande imprensapreparou o caminho para a transfor-mação da Unesco numa ameaça aosEUA. A direita a acusava de ser con-tra o mundo livre, de propagar ocomunismo, doutrinar as crianças ejovens e, além destas “más” qualida-des, de ser um órgão perdulário. Emsuma, a opinião pública foi conven-cida de que a Unesco acobertava ini-migos poderosos e colocava a segu-rança dos EUA em risco. O governoReagan deu um ultimato: caso nãohouvesse modificação de objetivos ede formas de funcionamento noprazo de um ano, os Estados Unidossairiam da Unesco. É preciso desta-car que as modificações exigidaseram demasiadamente ambíguas egenéricas; inexeqüíveis, em suma.Comissões de estudo independentesatestaram que as acusações deReagan e de seus aliados da Heritageeram fantasiosas. Contudo, a decisãopolítica já fora tomada, os EUA aban-donaram a Unesco em 1984, debili-tando-a gravemente, tendo em vistaque este país se constituía em suamaior fonte de renda.

A saída dos EUA, de Singapura eda Inglaterra da Unesco presta-se amuitas interpretações. Este estudo asitua no bojo do abandono da ideo-logia do desenvolvimento em favorda ideologia da globalização. A açãode Reagan contra a Unesco não foialgo isolado. O establishment políti-co que Reagan representava encon-trava-se em guerra contra todos osorganismos e instâncias da ONU que

ainda sustentavam a idéia do “direi-to ao desenvolvimento” como aUnesco, PNUD, Assembléia Geral daONU, OIT etc. Os EUA empreende-ram duros golpes contra todas elas;porém, no período, a Unesco repre-sentava o elo mais fraco das NaçõesUnidas. Mais tarde, Reagan obteveimportantes concessões da Assem-bléia Geral e Clinton vetou a reelei-ção de Boutros-Ghali (um partidáriodo desenvolvimento) para o cargode Secretário Geral da ONU, em con-formidade com os desejos da ultra-direitista Fundação Heritage (Belan-ger, 1997:23-24).

4) Supremacia do Banco Mundial e as reformas neoliberais da educação dos países periféricos

Embora o Banco Mundial estives-se financiando o setor de pesquisase projetos da Unesco desde a déca-da de 60 e, seguramente, tivesseampliado a sua influência no con-teúdos dos projetos, somente com asaída dos EUA da Unesco é que asua supremacia, em matéria educati-va torna-se inquestionável. Comefeito, a década de 80 pode sercaracterizada como um períodoexcepcional para as políticas doBanco. Com a crise da dívida de1982, os países latino-americanostornam-se reféns do aval do FMI edo Banco Mundial e este avalsomente poderia ser obtido com aadesão incondicional às “reformasde ajuste estrutural” que abriram o

subcontinente para as políticas neo-liberais de “livre-mercado”.

Desde então, está em curso umapolítica de uniformização dos siste-mas de ensino dos países da região,centrada nos eixos: ensino elemen-tar, reforma curricular, avaliação cen-tralizada, uso intensivo de tecnolo-gias educacionais, dissociação doensino profissional do ensino prope-dêutico e diferenciação das institui-ções de ensino superior, em favor daruptura com o que o Banco denomi-na de “modelo europeu de educa-ção”. O ensino preconizado é carre-gado de ideologias do tipo: não exis-te desemprego para aqueles que sequalificarem conforme as demandasdo mercado. Considerando a tesedas “vantagens comparativas” adota-da pelos países da região e, conse-qüentemente, a separação do mer-cado de trabalho/conhecimento dospaíses periféricos em relação aomercado dos países centrais, a cha-mada “adaptação da educação àsdemandas do livre mercado” tem-seconfigurado como um verdadeiroapartheid educacional planetário(Leher, 1999). Subjacente a estamissão institucional, é possível en-contrar a persistente preocupaçãocom a segurança e a governabilida-de. Daí a emergência de temas noscurrículos como “convívio social” eoutros que recuperam, em outrocontexto, os estudos de moral e cívi-ca característicos do período da dita-dura militar.

A Unesco viveu, nos anos 90, umperíodo contraditório. É inegável aimportância de suas atividades nocampo cultural e dos direitos huma-nos. Muitos projetos educativos ino-vadores e críticos em relação ao“pensamento único” contam comsubsídios ou com apoio desta enti-dade. A sua ênfase na educação dasmeninas e das crianças em situação

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A separação do mercado de trabalho/conhecimento

dos países periféricos em relação ao mercado dos países

centrais, a chamada “adaptação da educação às demandas

do livre mercado” tem-se configurado como um verdadeiro

apartheid educacional planetário

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de risco, embora compensatória, éimportante.

No entanto, a comparação deagendas atesta que o Banco Mundialcontinua determinando a da Unesco.Como foi visto anteriormente, ascondições políticas e econômicaspara esse domínio não foram remo-vidas. A rigor, a Unesco funcionacomo órgão auxiliar do Banco. Nãosurpreende, pois, que as suas linhasmestras sejam, no fundamental,iguais às do Banco. O vetor da refor-ma preconizada pela Unesco é a“eficiência”, entendida como: i) usoeficiente dos recursos existentes nasinstituições (aumento do número deestudantes sem correspondenteaumento das verbas educacionaispor meio de tecnologias de ensino); ii) mudança estrutural da institui-ção educacional por meio da combi-nação da informatização com a ava-liação do produto, esta última eleva-da a parâmetro definidor do finan-ciamento, e iii) mudanças nas rela-ções entre as instituições públicas ea sociedade.

A agenda da Unesco prossegueseguindo a Conferência de Educaçãopara Todos (Jomtien,1990), quandoo Banco Mundial já assumira a con-dição de ministério mundial da edu-cação dos países periféricos. O focoestabelecido pela Conferência é oensino elementar, a ser estendido,gradualmente, até o ensino básico,definido como oito anos de escolari-dade. O pressuposto implícito emseu discurso é a ideologia do capitalhumano. Esta assevera que a educa-ção é a arma mais eficaz contra apobreza e em favor do desenvolvi-mento sustentável. O fato de quemuitos jovens escolarizados nãoencontram emprego porque este,simplesmente, inexiste, é ocultado.A degradação econômica e social daÁfrica subsahariana, por exemplo,

dificilmente será revertida pela edu-cação, visto que, em tais condições,a escolarização é quase que inviável.Em relação ao início da década de90, as verbas dos organismos inter-nacionais para a educação, após umperíodo de crescimento, estão quaseque estagnadas, a despeito da déca-da da Educação (US$ 1 bilhão em1990, US$ 2 bilhões, em 1994 e US$1,3 bilhões, em 1998).

A Unesco aponta que os proble-mas do desenvolvimento e da dívidaexterna são entraves à escolarização,porém não torna efetivo este posi-cionamento. Ao apontar para o pro-blema da pobreza, na ótica da teoriado capital humano, este organismoacabou aderindo ao credo daempregabilidade. Os desdobramen-tos são o esvaziamento científico e ahipertrofia de valores e disposiçõesideológicas pró-economia de livremercado no currículo. O seu discur-so sinuoso preconiza a adequaçãoda educação à comunidade. Con-siderando que todas as suas políti-cas são focalizadas (geralmente apartir de mapas da pobreza). A ade-quação às demandas sociais, cultu-rais e tecnológicas locais é umaforma sutil de reproduzir as diferen-ças sociais presentes no espaçosocial (daí a equidade e não mais aigualdade).

Na década de 90, a instituiçãoem debate prosseguiu seu viés pri-vatista. A exemplo do Banco Mun-dial, o Estado e as políticas públicassão vistos como ineficazes, a não serno caso do ensino primário regular.A saída encontrada para colocar aspolíticas públicas de escanteio é alocalização das organizações não-governamentais como “parceiraspreferenciais”. Exemplo desta orien-tação pode ser encontrado na edu-cação de jovens. Como entre osjovens pouco ou nada escolarizados,

os “pobres” são muitos, a Unescotrabalha com a idéia de que não épossível contar com o Estado paraatendê-los: “Como o Estado nãoconsegue proporcionar educaçãoformal, são as organizações não-go-vernamentais que educam as pes-soas em situações difíceis” (NotíciasUnesco, n. 13, julho de 2000).

O balanço do programa Edu-cação para Todos na América Latinaindica o crescimento quantitativodas matrículas no primário, porém aqualidade é fortemente desigual. Ohiato que separa os países centrais eperiféricos, em matéria de escolari-zação se ampliou no período.Ademais, conforme aponta estudoda CEPAL, as políticas de descentrali-zação na América Latina - um princí-pio axial da Unesco e do BancoMundial - estão aumentando a dife-renciação entre as classes sociais.

Quanto ao ensino superior,embora reconheça a importância doEstado em seu desenvolvimento, aConferência Mundial sobre a Edu-cação Superior da Unesco (1998)apregoa a necessidade da “diversifi-cação das fontes de financiamento”,abrindo caminho para as fontesalternativas de recursos, vindas dosestudantes, das empresas e do mer-cado e a “diversificação” das institui-ções de ensino superior e o apoio àsinstituições privadas, nos mesmosmoldes do Banco Mundial (1994).Recente documento do BancoMundial4, citado por Sguissardi(2000), indica mudanças “de ênfa-se” no discurso deste organismo.Agora, defende que a expansão doensino superior é necessária aos paí-ses em desenvolvimento. Pode pare-cer contraditório com os documen-tos anteriores, notadamente com “LaEnseñanza Superior - Las leccionesderivadas de la experiencia, 1994”.Entretanto, um exame cuidadoso

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desses dois documentos revela quenão são antinômicos. De fato, desdeo início da década de 90, o Bancovem determinando aos países perifé-ricos reformas que “diferenciam” asinstituições e “diversificam” as suasfontes de financiamento. É este ensi-no superior reconfigurado que oBanco atualmente diz apoiar.

É crucial que as experiências edu-cacionais promovidas pelos organis-mos internacionais sejam rigorosa-mente avaliadas. O fracasso doProjeto Nordeste do Banco Mundialé apenas a manifestação mais visívelda questão. O problema é muitomais complexo, pois antes de avaliaros projetos específicos é preciso ava-liar as diretrizes e os acordos de coo-peração com estes organismos. Éfato sobejamente conhecido que, nadécada passada, as instituições mul-tilaterais direcionaram seus recursosno “assessoramento” dos governosna implementação das reformas deajuste estrutural. Os acordos e suascondicionalidades têm de ser cuida-dosamente avaliados à luz do mode-lo de desenvolvimento que o pro-cesso de mundialização do capitalestá configurando para os paísesperiféricos, entre os quais o Brasil.

5) Considerações finaisA débâcle histórica da Unesco

significa uma importante lacuna nosesforços empreendidos pelos paísesperiféricos para construírem um sis-tema de ensino capaz de alcançarpadrões republicanos. Os países afri-canos e do sul da Ásia ainda nãolograram reconstruir os seus siste-mas de ensino deteriorados pelaspolíticas neocoloniais. Esta situaçãoé agravada pela tempestade neoli-beral que tem impedido a própriaexistência de universidades na ÁfricaSubsahariana, por exemplo; os paí-ses latino-americanos, por sua vez,

também não estão passando incólu-mes pela mesma tempestade. A po-lítica anti-universitária do BancoMundial para a região, a partir daúltima Conferência da Unesco(1998) para o Ensino Superior, ga-nhou maior vigor, pois esta Con-ferência abriu novos caminhos paraa privatização do ensino superior. Éimportante destacar a perda da au-tonomia da Assembléia Geral daUnesco. Na primeira versão do Re-latório da Conferência de 1998, exis-te um posicionamento claro a favordo financiamento público das uni-versidades públicas; entretanto, naversão final, elaborada após a Con-ferência, a tônica desta versão é a“diversificação das fontes de finan-ciamento”, como queriam os repre-sentantes do Banco Mundial.

A trajetória da Unesco atesta quea edificação de sistemas de ensinocapazes de contribuírem para umprojeto de desenvolvimento direcio-nado para as necessidades humanasirá requerer mudanças profundas nacondição capitalista dependente dospaíses periféricos. Somente assimuma entidade internacional voltadapara a Educação, a Ciência e a Cu-ltura - a solidariedade internacionalserá indispensável para a maior par-te dos países vitimados pelo colonia-lismo e pelas reformas estrurturaisneoliberais - poderá gozar da neces-sária autonomia para responder aosanseios históricos por educação deprimeira qualidade para todos aque-les que possuem um rosto humano.

6) Bibliografia AMIN, Samir. Les défis de la mondialisation.

France: L’Harmattan, 1996.ARCHIBALD, Gail. Les États-Unis et l’Unesco.

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WORLD BANK. Relatório Anual. Wash.: WorldBank, 1999.

Notas1 . O secretário de Estado dos EUA, Dean

Acheson, desaconselhou a sua delegaçãopatrocinar uma proposição concernenteaos povos “não soberanos” (colonizados),segundo a qual a Unesco deveria ajudá-losa desenvolver sistemas educativos que sal-vaguardassem suas próprias culturas.

2 . Estiveram representados 44 países naConferência, entre os quais o Brasil. AURSS não compareceu, apesar da insistên-cia dos EUA e da França. Os motivos alega-dos foram evasivos, mas a diplomacia so-viética deixou transparecer que não viacom bons olhos ingerências externas emseu sistema educacional.

3 . Destaque especial tem que ser feito paraa American Legion, bem como para Ame-rican Flag Committee e para NationalistAction League.

4 . WB: Higher Education in DevelopingCountries - Peril and Promise. Wash.:WB,2000.

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* Roberto Leher é presidente doANDES-SN e professor doutor na Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ.

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A mutação eleitoral, derivada dapresença da mídia e mais preci-samente de uma nova sociabili-dade ambientada por ela, aconte-ceu nas décadas de 50 e 60,principalmente nos EstadosUnidos, pois na Europa oprocesso encontrou maioresdificuldades, tais como: as reper-cussões da II Guerra Mundial, atradição partidária/ideológicamais consolidada, a rarefeitaexpansão da televisão e seu con-trole quase sempre estatal, den-tre outros. A situação americana,ao contrário, potencializa estamutação. Alguns dados falam porsi só: a televisão começa a serusada em 1948; em 1952, ela temseu primeiro grande ano; em1956, 99,6% dos lares assistemàs convenções partidárias; em1960, 20 milhões vêem a publici-dade eleitoral paga, enquanto115 milhões assistem aos deba-tes, sendo que 55% da popula-ção adulta acompanharam todosos debates e 80% viram, pelomenos, um deles. 1

Se estas novas configurações po-líticas e especialmente eleitoraisemergiram nos anos 50 e 60, nosEUA, e, posteriormente, na Europa 2,o mesmo não acontece no Brasil,pois a ditadura militar, imposta em

1964, interditou tal processo, atra-vés da repressão e censura políticas.Cabe, entretanto, lembrar que aditadura não teve apenas esta pos-tura de negação, sempre lembradadevido a sua brutalidade. Ela tam-bém, de modo intencional, tomouiniciativas, buscou criar os alicercessócio-tecnológicos para o desenvol-vimento da mídia, em uma lógicade indústria cultural, e, por conse-guinte, começou a conformar umaIdade Mídia no país.3 Tais iniciativas,muitas vezes esquecidas, visavam àintegração do país, estando obvia-mente subordinadas à ideologia dasegurança nacional. Elas buscavamfortalecer o controle e a dominaçãoideológica do país, além de desen-volverem uma produção e distribui-ção de bens culturais, sob a égidedo mercado capitalista. Assim o de-senvolvimento de um verdadeirosistema nacional e integrado de co-municações acontece “... a partir dosurgimento das redes - networks -de televisão, e isso já no início dadécada de 1970, portanto, hámenos de trinta anos”.4

O contraste entre o desenvolvi-mento de uma sociedade ambien-tada pela mídia no Brasil, incentiva-do pela ditadura militar, e a interdi-ção de a política transitar em pleni-tude no país terminam assim por

impedir o florescimento do proces-so de mutações no âmbito das con-figurações da política e das eleiçõese, inclusive, o aparecimento no paísde estudos de comunicação e polí-tica. Desse modo, a seguinte obser-vação pode ser facilmente formula-da e afirmada:

“Este impedimento da políticalivremente se realizar na sociedadee em seus novos espaços (virtuais)de sociabilidade, engendrados pe-las mídias, determinou, por conse-guinte, que a eclosão significativadesta temática de estudos guardas-se uma íntima conexão com a rede-mocratização do país e, em espe-cial, com os embates eleitorais, que,neste novo contexto, se realizamem uma sociedade na qual a co-municação se tornou ambienteconstitutivo da sociabilidade”.

5

Esta íntima conexão com o retor-no a uma situação democrática, poróbvio, também se produz em rela-ção às manifestações dos primeirosexperimentos das novas configura-ções da política e das eleições noBrasil.

A eleição para presidente em1989 torna-se então emblema des-tas novas configurações da política.Decerto que, na campanha pelasDiretas Já em 1984, e nas eleiçõesque se seguem ao fim da ditadura

Eleições e (idade) mídia no Brasil

Antonio Albino Canelas Rubim *

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em 1985 e 1986, experimentos co-meçam a ser engendrados, mas aeleição presidencial de 1989 podeser tomada, para efeito de demarca-ção de fronteiras, como episódioverdadeiramente inaugurador dasnovas configurações da política edas eleições no país,6 devido à po-tência proveniente de seu caráternacional e inovador.

Para uma rápida demonstraçãodas diferenças inscritas e manifestasno processo eleitoral, basta compa-rar a eleição de 1989 à última elei-ção livre para presidente acontecidaantes da instalação da ditadura mili-tar no país. O contraste, enfatizada aperspectiva comunicacional, entre oBrasil de 1989 e o de 1960, temcontornos brutais. Parecem ser doisBrasis. No país de 1960, apenas30% da população viviam nas cida-des; existiam poucas estradas na-cionais, como a Rio-Bahia, recéminaugurada; a precariedade dostransportes e das telecomunicaçõesdificultavam, em muito, a interaçãoentre cidades e regiões do país; osjornais, o rádio (um pouco menos)

e a televisão funcionavam comoveículos eminentemente locais; astransmissões televisivas se restrin-giam a oito capitais (São Paulo, Riode Janeiro, Belo Horizonte, PortoAlegre, Recife, Salvador, Fortaleza eCuritiba), com 18 emissoras e “cer-ca de 100 mil aparelhos no Rio eSão Paulo”.7

Vinte anos depois, em 1980, apopulação já se tornara majoritaria-mente urbana (67%). A populaçãoeconomicamente ativa tinha quaseduplicado (93%), enquanto que osetor secundário da economia cres-ceu 263% e o terciário 167%, tor-nando o Brasil um país urbano, in-dustrial e de serviços.8 Agora no paísexistiam 235 emissoras de televi-são, 25 milhões de receptores, cin-co redes nacionais e 94% da popu-lação estavam potencialmente atin-gida pela televisão.9 Pesquisas reali-zadas em 1989 e 1990, com amos-tragem nacional, indicavam que86% e 89% dos entrevistados, res-pectivamente, tomavam conheci-mento dos acontecimentos políti-cos através da televisão.10 Além

disto, o país encontra-se conectadoatravés de estradas, da expansão dotransporte aéreo e interligado porredes de comunicação e de teleco-municações.

Alguns dados mais podem mos-trar a imensa transformação daseleições. Em 1960, votaram cercade 15 milhões de pessoas, na época20% dos brasileiros, pois analfabe-tos, soldados e jovens entre 16 e 18anos não votavam. Em 1989, cercade 82 milhões foram às urnas, algoem torno de 60% da população,quase dois terços deles semi-analfa-betos ou analfabetos.11

Nestas circunstâncias tão distin-tas, as campanhas também sofre-ram mutações e aconteceram emformatos muito diferenciados. Em1960, ela se pautou pelos espaçosgeográficos, apesar das dificuldadese das dimensões continentais dopaís: comícios, caravanas, contatodireto com os eleitores marcaram acampanha presidencial de Jânio eLott. A disputa eleitoral se fazia cen-tralmente nas ruas e praças. A pre-cária mídia de então, com o rádio,

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principalmente, e a imprensa escri-ta à frente, apenas noticiava e reali-zava a cobertura jornalística dacampanha primordialmente acon-tecida nos espaços geográficos.Inexistia o horário eleitoral de pro-paganda gratuita nos meios eletrô-nicos e a propaganda eleitoral pagaera aceita nos meios impressos.

Já em 1989, o horário eleitoralgratuito tornou-se a vedete e o eixoda campanha, associado às pesqui-sas, ao marketing e aos debateseleitorais. Os comícios, as passea-tas, as caravanas, as carreatas e ocontato direto com os eleitorestambém aconteceram, mas agoraem outra conjunção de formatos esentidos. A interação entre a tela ea rua marcou a intensidade desteretorno da escolha direta de presi-dente da República. Essa interaçãoexistente entre tela e rua, no entan-to, não impediu que, em razoávelmedida, os acontecimentos políti-cos gerados na tela não fossemapenas coberturas e amplificaçõesdaqueles acontecidos nas ruas. Emsuma: não só a tela ganhou centra-lidade na campanha em relação àrua, como também passou a ser umespaço social (ainda que eletrôni-co) de produção de fatos político-eleitorais essenciais para a campa-nha e autonomizados frente aosacontecimentos da rua. Mais ainda,a eleição presidencial, acontecendoisolada da escolha para outros car-gos, certamente potencializou opoder acionado da mídia e aindamais reduziu a intervenção do cam-po político, não plenamente envol-vido no procedimento eleitoral.Apesar disto, a politização da elei-ção foi muito significativa.12

A Política e a mídia nas recentes eleições presidenciaisConforme o assinalado anterior-

mente, a política e os processoseleitorais podem ser estudados emdiferentes angulações e pelo acio-namento de uma multiplicidade deprocedimentos metodológicos. Re-fletir sobre as iniciativas e atitudes,complementares ou conflituosas,ensejadas pelos campos da políticae das mídias nos momentos eleito-rais, sem dúvida, aparece comouma das possibilidades analíticasmais interessantes para iluminar ascontemporâneas relações existen-tes entre estes dois campossociais.13

A preocupação de compreenderos imbricamentos, as sintonias e osconfrontos, entre estes campos,tem relevância evidente quando sequer refletir acerca das novas confi-gurações da política e das eleições,mais especificamente em uma con-temporaneidade ambientada pelasmídia. A literatura existente sobre asatuais relações entre comunicaçãoe política, na perspectiva de com-preender a interação entre campossociais, mesmo que muitas vezesnão refira explicitamente esta no-ção, navega em horizontes largos econtrastantes. Alguns autores suge-rem uma situação de dominânciada política, na qual se amesquinhaa comunicação, pelo silenciamentoou através de sua concepção como

puramente instrumental, não seatribuindo a ela nenhuma capacida-de de impactar de maneira signifi-cativa o campo político.14 No extre-mo oposto, fala-se de uma submis-são persistente da política à mídia eaté do fim da política em umasociedade transbordante de mídia,algo tão ao gosto dos comunicólo-gos, em especial daqueles orienta-dos por um olhar pós-moderno.

Em meio a estas posições unila-terais, inúmeras outras possibilida-des resultantes do entrelaçamentopodem ser vislumbradas. StefanReiser, atento a uma questão comcerta similitude com esta, ainda queinstalada em fronteiras mais cir-cunscritas, propõe a noção de inter-dependência, ao estudar as interfe-rências da política e da mídia nadeterminação de agendas e temasem instantes eleitorais, descartandoexplicitamente o mero predomínioda política ou da mídia.15 Tal postu-ra coincide com a proposição depremissas e procedimentos já ins-crita em textos anteriormente publi-cados, nos quais se sugere que - aoinvés de encarar a dominância per-manente da política ou da mídianesta relação como algo já dado deantemão, predefinido (para) sem-pre - se busque, através de procedi-mentos rigorosos e sistemáticos,investigar como esta predominân-cia, em contínua disputa, alterna-sedinamicamente, e locomove-se em

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A interação entre a tela e a rua marcou a intensidade deste

retorno da escolha direta de presidente da República.

Essa interação existente entre tela e rua, no entanto,

não impediu que, em razoável medida, os acontecimentos

políticos gerados na tela não fossem apenas coberturas e

amplificações daqueles acontecidos nas ruas

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um campo de forças sociais, que, aoreunir política e mídia, as insere emuma circunstância histórico-socialmais abrangente e lhes dá sentido epoderes a esta tensa conexão, por-que sempre simultaneamente con-flituosa e complementar.16

Aceita esta tensão permanente,manifesta ou latente, e a cotidianadisputa pela hegemonia na relaçãoentre os campos, em decorrênciada possibilidade sempre presentede alternâncias na predominância,torna-se viável elaborar uma inter-pretação das recentes eleições pre-sidenciais brasileiras dentro de umaótica analítica atenta ao comporta-mento e às atitudes dos campos dapolítica e da mídia, considerando ainterdependência, o confronto e acomplementariedade dos campos ecotejando as iniciativas empreendi-das por seus agentes nos diversosmomentos eleitorais em estudo.

A primeira análise diz respeito àconjuntura e aos acontecimentosda eleição de 1989 para escolhaisolada do novo presidente brasilei-ro. Essa eleição caracteriza-se comoa primeira eleição pós-ditadura quecoloca em disputa o poder e ogoverno nacionais do país17. Naque-le momento, o campo político ou

mais especificamente os políticos,apesar da recente efervescência daConstituinte e seu desfecho com aelaboração da Constituição “Cida-dã” de 1988, encontram-se desgas-tados pelas promessas não cumpri-das da “Nova República” e pelo rei-terado fracasso e uso politiqueirode planos de combate à inflação ede estabilização (da moeda), aexemplo do que acontece com oPlano Cruzado, aquele que maisgalvanizou as esperanças dos brasi-leiros no instante imediatamenteposterior ao final da ditadura militar.O descontentamento com o gover-no Sarney, com a explosão (hiper)inflacionária, com as mudanças so-ciais não realizadas, com a sobrevi-vência das velhas lideranças políti-cas gestadas pela ditadura, dentreoutros motivos, solapavam o campopolítico.

O panorama eleitoral irá expres-sar com fidelidade a ausência dealternativas hegemônicas e a frag-mentação do campo político. Ogrande número de candidaturas decentro, esquerda e direita apontapara o momento de transição vividopala sociedade brasileira. A irrupçãoeleitoral de Collor e de Lula indica,antes de tudo, o desejo e o signo demudanças prevalecentes na época,o fastio com os políticos profissio-nais “tradicionais” e uma ansiedadepor novidades políticas, ainda queem perspectivas político-ideológicasmuito distintas. Enquanto a novida-de de Lula implica radicalidade, nasuperação da ditadura e na buscade um justiça social no país, a outra,representada por Collor, ao se ali-mentar do ressentimento dos “des-camisados” contra a injustiça, inau-gura, em nível nacional, uma possi-bilidade política de privilegiamentodo mercado como princípio regula-dor e motor da sociedade, em detri-

mento do estatal e do público.Collor, em moldes marcantes e ino-vadores para a política brasileira, in-troduz, em patamar nacional, umaalternativa neoliberal, bem comouma política configurada pela exis-tência de um padrão midiático nopaís. Não por acaso, Collor acionoue esbanjou marketing, sondagensde opinião, produção de imagempública, etc. Hoje parece consensoque tais inovações de Collor - se fra-cassaram posteriormente em virtu-de de uma personalidade ataba-lhoada e de equívocos de seu trân-sito na política - persistiram no am-biente nacional, seja contaminandoo ideário e o comportamento (neo-liberal) de outros políticos, seja alte-rando e atualizando as configura-ções e formatos da política, em sin-tonia com a ambientação midiáticada sociedade. A “Rede Povo” deLula, contraponto político-ideológi-co-eleitoral das concepções collori-das, em perspectiva diversa, tam-bém qualificou e atualizou a forma-tação da política em novas configu-rações.

Por fim, para esta rápida panorâ-mica do campo político, cabe assi-nalar que, apesar da importânciaindiscutível das decisões a seremtomadas naquele instante, a especi-ficidade de um eleição “solteira”,apenas para presidente, promoveuum acionamento algo limitado docampo político, porque não mobili-zado em plenitude para uma dispu-ta mais ampliada, envolvendo si-multaneamente outras instânciasde poder, e certamente tambémporque a potência desse campo en-contrava-se deprimido pelo mani-festo desgaste dos políticos naque-la conjuntura eleitoral.

Em contraste com esta parcialretração do campo político, a inter-venção do campo das mídias mani-

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festou-se em intensidade nos idosde 1989. A mídia, através de seunoticiário e de outros tipos de pro-gramas de forte apelo de audiência,como as telenovelas, agendou te-mas, que se tornaram centrais naeleição, como aqueles referidos àdesqualificação dos políticos, doEstado e dos servidores públicos,emblematicamente simbolizadasna tematização dos “marajás”, oni-presente e avassaladora na época.Na trilha dos “marajás”, vem seu ca-çador, tornando escandalosamentemanifesta a produção midiática deimagens públicas e políticas, comformidável incidência na eleições. Ahipótese de que este cenário midiá-tico-eleitoral, em algum sentido,funcionou como uma antecipaçãodo olhar neoliberal na sociedade epolítica brasileiras não parece im-provável.

A potencialização do campo dasmídias manifesta-se evidente eminúmeros acontecimentos que con-formam a eleição de 1989: o caráterde eleição “solteira”; a expectativade uma experimento inédito deeleição presidencial em uma socie-dade ambientada pela mídia; alegislação eleitoral que permite semrestrições a utilização das “gramáti-cas” midiáticas, desenvolvidas napaís em um patamar técnico alta-mente qualificado; a competenteelaboração estratégico-plástica dascampanhas, em especial, a de Lulae de Collor e, por fim, as interferên-cias político-eleitorais explícitas,inclusive comprometedoras, de par-te da mídia, em episódios como oseqüestro de Abílio Diniz e a ediçãoveiculada do último debate entreCollor e Lula. Todo este conjunto deiniciativas demonstra a significativaatuação, a interferência ativa e ocaráter determinante do campo dasmídias naquele evento eleitoral.

Ainda assim, realçado o enormepapel da mídia, não dá para aceitarafirmativas que, unilateralmente, adestacam do campo de forças forja-do socialmente na interação entremídia e política, o qual incide sobrea disputa eleitoral, nem posiçõesque atribuam à mídia todo poderdecisório nas eleições e sobre a po-lítica em 1989.

Em verdade, a incidência da mí-dia nas eleições de 1989 deve serentendida em dois níveis diferencia-dos. De um lado, a conformação deuma situação de idade mídia noBrasil altera profundamente o cam-po de disputa eleitoral, constituindonovas condições e circunstânciasnas quais ocorre o embate eleitoral.Tais condições e circunstância apre-sentam-se fortemente marcadaspela presença da mídias em rede e,portanto, indicam a primeira moda-lidade de compreensão do impactoda mídia nas eleições. Por outrolado, a mídia não se caracteriza ape-nas como um novo e relevante fatorque altera as condições de disputa,mas também - e isso torna-se fun-damental - age como um ator políti-co, senão novo, mas agora comampliada potência política, devidoao seu intenso desenvolvimento, aamplitude crescente de seu poderde publicizar e de silenciar e seu in-tenso impacto em uma sociabilida-

de envolvida pela mídia18. E estaintervenção como ator no campo dapolítica se vê potencializada aindamais pelo caráter altamente competi-tivo das eleições em seu segundoturno, quando Collor e Lula disputa-ram a presidência de modo bastanteacirrado até o momento da votação.

As conclusões primeiras paraesta interação entre os dois camposno episódio das eleições de 1989incluem, em seu elenco, o impactoda novidade do acionamento elei-toral da mídia e de suas novas mo-dalidades de realização; sua poten-te intervenção, inclusive, por vezesdecisiva, como no segundo turno,quando o campo de força eleitoral,composto por inúmeros atores,fatores e tipos de recursos, encon-trava-se em situação de igualdadee, portanto, de intensa disputa e,por fim, as debilidades (conjuntu-rais) do campo político. A políticarealizada em espaços eletrônicos eem televivências se expressa, pelaprimeira vez no Brasil, de maneiratão contundente, assim como osinteresses e o poder de interferên-cia política de algumas das mídiashegemônicas em seu campo. O ca-pital político detido pela mídia e suanão-submissão instrumental e in-condicional ao campo político fi-cam, em 1989, nitidamente mani-festos.19

A circunstância das eleições de199420 mostra modificações, maspreserva ainda, na mudança, o cará-ter de transição vivido no país,mesmo que já apresentando traçosevidentes da possibilidade de serealizar, mais uma vez, uma transi-ção pelo alto, no estilo “moderniza-ção conservadora” ou “via prussia-na”, tão persistente como cruel tra-dição na história político-social bra-sileira. O campo político, ferido erenovado pelo mobilizador “impea-

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Realçado o enorme papel

da mídia, não dá para

aceitar afirmativas que,

unilateralmente, a destacam

do campo de forças forjado

socialmente na interação

entre mídia e política

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chment” de Collor, pelo quase letár-gico plebiscito e pela inoperante,mas esclarecedora, “reforma consti-tucional”, assiste entretanto a umaredefinição e uma recomposição re-levante de suas forças, inaugurandocomposições políticas há pouco im-prováveis.

Esta recomposição, principal-mente aquela que acontece sob aégide neoliberal, apesar da aparen-te derrota desta proposta junto como monumental e inédito impedi-mento de um presidente da repú-blica, viabiliza, pelo menos, duasintervenções fundamentais docampo político nas eleições de1994: a draconiana legislação elei-toral que objetiva controlar as “gra-máticas” midiáticas, impedindo, emmuitos casos, seu acionamento, eaquela que produz o que se de-monstrou ser o grande diferencialna competição eleitoral de 1994: oPlano Real, esboçado de maneiraexplícita com um calendário marca-damente eleitoral. A eleição “casa-da”; a legislação eleitoral; as novascomposições políticas, com desta-que para a aliança entre Partido So-cial Democrata Brasileiro - PSDB ePartido da Frente Liberal - PFL, e oPlano Real, em especial, alteramprofundamente o cenário de indefi-nições e de possibilidades variadasque se havia aberto no período pós-”impeachment”, quando estoquesneoliberais e de cunho social se en-tremeavam aleatoriamente na con-juntura, temas como a fome transi-tavam e repercutiam na sociedade ena mídia e Lula emergia como pro-vável vencedor das eleições. Taisintervenções, anotadas acima, jun-tamente com outras, forjam a espe-tacular alteração do cenário políti-co-eleitoral e a vitória de FernandoHenrique Cardoso.

A mídia atuou em todos os epi-

sódios políticos pré-1994, destacan-do-se com uma participação ativano impedimento de Collor. Elaigualmente expressou, de algumamaneira, o cenário ambivalente emdiversos sentidos do governoItamar, ainda que, em uma avalia-ção final, terminasse por prevalecertambém na mídia uma posiçãoneoliberal, episódica e confusamen-te marcada por tintas nacionalistasou sociais, como também ocorreucom o governo Itamar. Mas estadinâmica que, em alguma medida,contemplava o diverso, ainda quedesigualmente, entrou em colapsocomo a aceitação pela mídia e comseu apoio incondicional ao PlanoReal, que passou a ocupar e serdefendido ferozmente em toda aprogramação dos espaços eletrôni-cos: nos eventos esportivos, como apotente Copa do Mundo, que assal-ta, de modo avassalador, os cora-ções e mentes do país do futebol;nos materiais noticiosos; nas tele-novelas; nos shows de variedades;nos musicais etc. Acrescente-se aesse apoio da mídia, a milionáriacampanha publicitária do Realdesenvolvida pelo governo, que,exuberante, preencheu e reforçou aadesão da mídia, implícita ou explí-cita, à candidatura FHC.

As conclusões segundas suge-rem a tentativa das frações domi-nantes, no campo político, agoramais rearticuladas, de domesticar amídia em sua intervenção política,seja através de seu controle legisla-tivo externo draconiano, seja pelasua assimilação por um projetosocial e ideológico compartilhado,expresso no fim da inflação, naestabilidade, enfim no Plano Real.Aliás, este plano acaba demonstran-do a capacidade de intervenção dapolítica sobre a mídia e, em espe-cial, a possibilidade de um reversão

e construção políticas de cenárioseleitorais, em prazos bastante exí-guos.

Depois das duas experiênciaseleitorais em uma sociabilidade deambiente midiático, acontece, em1998, um terceiro experimento21

que, mantendo traços dos anterio-res, traz a novidade de se realizarem um momento, no qual a transi-ção parece ter se completado. Istoé, em uma circunstância na qual asambigüidades e possibilidades deuma transição se afunilam em tornode um projeto dominante cada vezmais hegemônico: a inserção plenado país em lugar secundário emuma globalização, sob a égide neo-liberal.

O refinamento e construçãodesta alternativa dominante derivamda capacidade de aglutinação daaliança PSDB-PFL, em torno de FHC,forjando um poderoso bloco políti-co-ideológico e também fisiológico,que passa a comandar, como umtrator, a política na sociedade brasi-leira, inclusive “ganhando” o disposi-tivo da possibilidade de reeleiçãopresidencial. Tal intervenção políticareconfigura todo o cenário eleitorale determina suas perspectivas, in-cluindo a plausívelcontinuidade dogoverno FHC.

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Fazer Política Hoje

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O expediente da reeleição propi-cia a singular - e inédita no país -situação de se conviver como umpartícipe legitimado do processoeleitoral que ocupa dois papéissimultânea e ambiguamente emuma preocupante duplicidade decandidato e governante. Esta duplaexposição certamente introduz umadesigualdade, competitiva e deacionamento de recursos, não des-prezível no processo eleitoral. Taldesigualdade torna-se ainda maisgritante, quando uma legislaçãoeleitoral - no Brasil sempre casuísti-ca, porque não permanente e deli-berada a cada eleição - reduz otempo do horário eleitoral gratuitode televisão e rádio e reduz aindamais a campanha nestes espaços,ao “distribuir” - em verdade, dimi-nuir - os dias da semana dedicadosà campanha presidencial. Tem-seassim uma exposição rádio-televisi-va sumamente restringida e semritmo para a disputa presidencial.Ainda outra importante intervençãodo campo político que marcou oprocesso de 1998: a redução deli-berada, por intervenção direta dasforças políticas dominantes, de can-didaturas há apenas duas efetivas,

Fernando Henrique e Lula, es-tando esta última em uma

situação somente minimamenteviável.

A intervenção do campo dasmídias se fez, antes de tudo, emtotal sintonia com as forças domi-nantes do campo político. A adesãoda mídia foi indiscutível tambémnessa eleição. A tradição oficialista egovernista da mídia no país outravez se realizou. Mais que isto, ficoupatente uma afinidade ideológicaentre setores dominantes na políti-ca e boa parcela da mídia em tornodo Plano Real e das proposiçõesneoliberais para o Brasil. Esta afini-dade eletiva não derivava, entretan-to, exclusivamente de uma convic-ção ou afiliação ideológica, mas deuma crônica dependência da mídiaao Estado (endividamento, financia-mento de negócios, etc) e dos inte-resses das empresas de comunica-ção na privatização de estatais, espe-cialmente do ramo das telecomuni-cações, coincidentemente (?) realiza-da em ano eleitoral. Por fim, outragritante intervenção da mídia: o qua-se silenciamento acerca de um epi-sódio tão transcendente para o país -inclusive para seus estados - comoas eleições. Em algumas redes, o as-sunto praticamente não existiu, ten-do emissoras se omitido deliberada-mente de acompanhar sequer aagenda das candidaturas. Tal atitudedenuncia um abandono de uma ló-gica produtiva jornalística, em detri-mento de postura de mera adesãoao sistema político dominante.

As terceiras conclusões que po-dem ser tiradas da interação entrepolítica e mídia parecem apontarpara uma “Santa Aliança” de seussetores dominantes, expressão eresultado de uma transição realiza-da, outra vez, por cima. Uma “SantaAliança” que, ao invés de disputaruma eleição, buscou ao máximoimpor aos cidadãos uma visão de

eleição já decidida e, portanto, sem“atrações” para ser publicizada. Aoinvés de informações, profundo si-lêncio sobre a eleição e as (graves)questões nacionais. Esta foi a estra-tégia hegemônica detectada atravésde diversos dos estudos realizadas:um agendamento e um enquadra-mento de temas marcadamentefavoráveis ao candidato-presidentee um silêncio profundo sobre ques-tões problemáticas e sobre a pró-pria competição eleitoral. A mídiaafirma assim a continuidade de FHCcomo discurso único e única alter-nativa para o país.

Ao transitar pelos últimos experi-mentos eleitorais presidenciais, fica-ram manifestos possíveis e circuns-tanciais entrelaçamentos entre ocampo da política e o campo dasmídias, agora instalados em umanova circunstância societária viven-ciada pelos brasileiros, caracterizadapor um intensivo envolvimento emum ambiente midiatizado. Umaavaliação sintética do conjunto demomentos eleitorais midiáticos(1989, 1994 e 1998) deve reter asseguintes dimensões significantes:1. A conformação de um bloco polí-tico-ideológico dominante que per-passa e articula os setores domi-nantes nos campos da política e damídia. A constituição deste blocoaparece, aliás, como uma das me-lhores modalidades de expressãoda fase terminal do processo detransição política vivido pelo país,no período pós-ditadura e da hege-monia conquistada nestes anospelo ideário neoliberal no Brasil. Aexistência consolidada deste blocode poder também define, em razoá-vel medida, a relação que prevaleceentre os campos da política e damídia; 2. A absorção do impacto ini-cial e da novidade do poder da mí-dia e sua assimilação como instante

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da nova política parece nítida. Talassimilação acontece através de in-tervenções, muitas delas legislati-vas, do campo político, objetivandoter controle sobre a mídia, por viada aceitação e da presença cada vezmais cotidiana de uma gama deprocedimentos político-midiáticosque tomam forma e relevância noperíodo e pela modelagem aconte-cida nas campanhas eleitorais, àsquais tenderam à convergir parapadrões muito assemelhados e, porconseguinte, com capacidade de in-tervenção muito aproximados; 3. Apreocupante tentativa política damídia de restringir e até silenciar atemática política, ação que tem ex-pressivo impacto sobre a políticarealizada publicamente, em ruas outelas. Assim a atualidade, represen-tada como sem alternativas, parecese tornar uma inexorável realizaçãodo dominante.

O processo eleitoral de 2002 no-vamente coloca em movimento asociedade brasileira, abrindo novase interessantes perspectivas políti-co-midiáticas e reatualizando, demodo dramático, a questão dademocratização da comunicação eda democracia em nosso país.

1 Ver KRAUS, Sidney e DAVIS, Dennis.

Comunicación masiva: sus efectos en el

comportamiento político. México, Trillas,

1991, p.51-101.

2 Para uma reflexão sobre este impacto de

um ponto de vista europeu, ver:

SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O esta-

do espetáculo. Rio de Janeiro, Difel, 1978.

3 Ver: RUBIM, Antonio Albino Canelas. “De-

mocracia, cultura e comunicação no Bra-

sil”. In: Intercom. Revista Brasileira de Co-

municação. São Paulo, (53):51-58, julho a

dezembro de 1985.

4 LIMA, Venício. “Os mídia e a política”. In

RUA, Maria das Graças e CARVALHO, Maria

Isabel V. de (orgs.) O estudo da política.

Brasília, Paralelo 15 Editores, 1998, p.210.

5 RUBIM, Antonio Albino Canelas e AZEVE-

DO, Fernando Antonio. “Mídia e política no

Brasil: textos e agenda de pesquisa”. In:

Lua Nova. São Paulo, (43): 189-216, sendo

a citação da página 189. Neste artigo, en-

contra-se vasta bibliografia sobre o tema

da mídia e política no país.

6 Para uma visão de algumas campanhas

eleitorais já reconfiguradas anteriores a

1989, consultar: CARVALHO, Rejane. Tran-

sição democrática brasileira e padrão mi-

diático publicitário da política. Campinas,

Pontes/UFC, 1999.

7 FEDERICO, Maria Elvira B. História da co-

municação - rádio e tv no Brasil. Petropó-

lis, Vozes, 1982, p. 85.

8 Dados retirados de: GUIMARÃES, César e

VIEIRA, Roberto Amaral A. “Meios de co-

municação de massa e eleições (um expe-

rimento brasileiro)”. In: Comunicação &

Política. Rio de Janeiro, 2(9):147-158,

1988.

9 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Mídia e

política no Brasil....p.16.

10 MÓISES, José Álvaro. “Democratização e

cultura política de massa no Brasil”. In: Lua

Nova. São Paulo, (26):24, 1992.

11 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Mídia e

política no Brasil...p. 16.

12 Sobre a comparação entre as eleições de

1960 e 1989, ver RUBIM, Antonio Albino

Canelas. “Mídia, dimensão pública e elei-

ções presidenciais”. In: ____. Mídia e políti-

ca no Brasil...p.15-36 e LIMA, Venício. ob.

cit. p.210-214, especialmente.

13 A noção de campo social, originalmente

formulada por Pierre Bourdieu, foi aplica-

da à comunicação por, dentre outros,

Adriano Duarte Rodrigues. Ver: RODRI-

GUES, Adriano Duarte. O campo dos me-

dia. Lisboa, Veja, s.d. 189 p. e RODRIGUES,

Adriano Duarte. Estratégias da comunica-

ção. Lisboa, Presença, 1990, 223 p. O texto

trabalha com uma formulação livremente

diferenciada deste conceito.

14 Tal atitude parece ser ainda a predomi-

nante entre os cientistas políticos brasilei-

ros. Ver: LIMA, Venício. ob. cit.

15 REISER, Stefan. “Política y medios masivos

de comunicación en la campaña electoral”.

In: THESING, Josef e HOFMEISTER, Wi-

lhelm (orgs.) Medios de comunicación, de-

mocracia y poder. Buenos Aires, Centro In-

terdisciplinario de Estudos sobre o Desa-

rollo Latinoamericano/Fundação Konrad

Adenauer, 1995, p.165-187.

16 Ver, por exemplo: RUBIM, Antonio Albino

Canelas. “Comunicação, política e sociabi-

lidade contemporâneas”. In: ___ (org.)

Idade Mídia. Salvador, Edufba, 1995,

p.107-146.

17 A bibliografia sobre as eleições de 1989 e

sua relação com a mídia abrange um nú-

mero expressivo de títulos. Dentre eles,

podem ser destacados: ALBUQUERQUE,

Afonso de. “Aqui você vê a verdade na

tevê”. A propaganda política na televisão.

Niterói, Mestrado de Comunicação, Ima-

gem e Informação da Universidade Federal

Fluminense, 1999; FAUSTO NETO, Antonio.

O presidente na televisão. In: Comuni-

cação & Política, São Paulo, IX (11): 7-27,

abril/junho de 1990; GUIMARÃES, César e

VIEIRA, Roberto A. Amaral. Meios de co-

municação de massa e eleições. um expe-

rimento brasileiro. In: Comunicação & Po-

lítica, Rio de Janeiro, I (9): 147-158, 1989;

KUCINSKI, Bernardo. O ataque articulado

dos barões da imprensa: a mídia na cam-

panha eleitoral de 1989. In: ___. A síndro-

me da antena parabólica. São Paulo, Fun-

dação Perseu Abramo, 1998; LIMA, Venicio

Artur de. Televisão e política: hipótese

sobre a eleição presidencial de 1989. In:

Comunicação & Política, São Paulo, Ano 9,

(11): 29-54, abr./jun de 1990; MIGUEL,

Luis Felipe. Mídia e manipulação política

no Brasil - a Rede Globo e as eleições pre-

sidenciais de 1989 a 1998. In: Comunica-

ção & Política. Rio de Janeiro, VI(2/3):119-

138, maio/dezembro de 1999; RUBIM,

Antonio Albino Canelas. Medios, política y

elecciones brasileñas de 1989 y 1994. In:

Dia-Logos de la Comunicacion. Lima,

(42):18-24, junho de 1995. (Revista publi-

62 Universidade e Sociedade

Fazer Política Hoje

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cada pela Federação Latino-Americana de

Faculdades de Comunicação Social - FELA-

FACS); RUBIM, Antonio Albino Canelas.

Mídia e política no Brasil. João Pessoa,

Editora da UFPb, 1999; SILVA, Carlos Edu-

ardo Lins da. The brazilian case: manipula-

tion by the media?. In: SKIDMORE, Thomas

(org.) Television, politics and the transition

to democracy in Latin America, Washin-

gton/Baltimore e London, The Woodrow

Wilson Center Press e The Johns Hopkins

University Press, 1993, p.137-144 e

STRAUBHAAR, Joseph; OLSEN, Organ e

NUNUS, Maria Conceição. The brazilian

case: influencing the voter. In: SKIDMORE,

Thomas (org.) Television, politics and the

transition to democracy in Latin America,

Washington/Baltimore e London, The

Woodrow Wilson Center Press e The Johns

Hopkins University Press, 1993, p.118-136.

18 Sobre estas questões analisadas em uma

perspectiva mais teórica, ver: RUBIM, An-

tonio Albino Canelas. Comunicação &

Política. São Paulo, Hacker Editores, 2000.

19 A análise dos momentos eleitorais de

1989, 1994 e 1998 têm, como ponto de

partida, a bibliografia, já razoável, existen-

te sobre estes episódios eleitorais, espe-

cialmente a que trabalha em um viés das

interações então existentes entre comuni-

cação e política. Como se optou por não

citar sempre esta bibliografia, sua referên-

cia pode ser encontrada principalmente

em RUBIM, Antônio Albino Canelas e AZE-

VEDO, Fernando ob. cit. e, secundariamen-

te, em RUBIM, Antônio Albino Canelas. Mí-

dia e política no Brasil. 20 Para uma análise das interações entre mí-

dia e eleições de 1994, cabe destacar:FAUSTO NETO, Antônio. A construção dopresidente. Estratégias discursivas e aseleições presidenciais de 1994. In: PautaGeral, Salvador, III (3):23-57, janeiro/ de-zembro de 1995; FAUSTO NETO, Antônio.Telejornais e a produção da política: estra-tégias discursivas e as eleições de 1994.In: MOUILLAUD, Maurice e PORTO, SérgioDayrell (orgs.) O jornal: da forma ao senti-do, Brasília, Paralelo 15, 1997, p.499-523;KUCINSKI, Bernardo. O príncipe mulato e

o sapo barbudo: mídia e eleições presi-denciais de 1994. In: ___. A síndrome daantena parabólica. São Paulo, FundaçãoPerseu Abramo, 1998; LIMA, Regina LúciaAlves de. A política e seu funcionamentodiscursivo: estratégias, marcas e contratos.In: Comunicação & Sociedade. São Paulo,(26):41-60, 1996; MIGUEL, Luis Felipe. Mí-dia e manipulação política no Brasil - a Re-de Globo e as eleições presidenciais de1989 a 1998. In: Comunicação & Política.Rio de Janeiro, VI(2/3):119-138, maio/dezembro de 1999; MIGUEL, Luis Felipe.Mito e discurso político. Uma análise a par-tir da campanha eleitoral de 1994. Cam-pinas/São Paulo, Editora da Unicamp/Imprensa Oficial, 2000; PORTO, MauroPereira. Telenovelas e imaginário políticono Brasil. In: Cultura Vozes, LXXXVIII (6):83-93, novembro-dezembro de 1994;PORTO, Mauro. Telenovelas e política: oCR-P da eleição presidencial de 1994. In:Comunicação & Política. Rio de Janeiro,I(3):55-76, abril-junho de 1995 (nova sé-rie); PORTO, Mauro e GUAZINA, Liziane. Apolítica na TV: o Horário Eleitoral da elei-ção presidencial de 1994. In: Contracam-po, III, janeiro a julho de 1999, p.3-34;RONDELLI, Maria Elizabeth e WEBER,Maria Helena. Ensaio das eliminatórias: osmedia e o campeonato eleitoral. In: Re-vista de Comunicação e Linguagens, Lis-boa, (21-22):347-357, dezembro de 1995;RUBIM, Antônio Albino Canelas. Medios,política y elecciones brasileñas de 1989 y1994. In: Dia-Logos de la Comunicacion.Lima, (42):18-24, junho de 1995. (Revistapublicada pela Federação Latino-Ameri-cana de Faculdades de ComunicaçãoSocial - FELAFACS); RUBIM, Antônio AlbinoCanelas. Mídia e política no Brasil. JoãoPessoa, Editora da UFPb, 1999; VENTURI,Gustavo e MENDES, Antonio ManoelTeixeira. Eleição presidencial: o Plano Realna sucessão de Itamar Franco. In: OpiniãoPública, Campinas, II (2):39-48, dezembrode 1994.

21 COLLING, Leandro. Agendamento, en-quadramento e silêncio no Jornal Nacionalnas eleições presidenciais de 1998. Sal-vador, Programa de Pós-Graduação emComunicação e Cultura Contemporâneasda UFBA, 2000 (mestrado); KUCINSKI,Bernardo. A sagração de FHC: a mídia noprimeiro turno presidencial de 1998.In:___. A síndrome da antena parabólica.

São Paulo, Fundação Perseu Abramo,1998; LIMA, Venício e GUAZINA, Liziane.Política eleitoral na tv: um estudo compa-rado do Jornal Nacional e do Jornal daRecord em 1998. Trabalho apresentado noXXII Encontro Anual da ANPOCS. Ca-xambu, 27 - 31 de outubro de 1998, 21p.;MIGUEL, Luis Felipe. Mídia e manipulaçãopolítica no Brasil - a Rede Globo e as elei-ções presidenciais de 1989 a 1998. In: Co-municação & Política. Rio de Janeiro,VI(2/3):119-138, maio/ dezembro de1999; RUBIM, Antônio Albino Canelas(org.) Mídia e eleições de 1998. João Pes-soa/ Salvador, Editora da UFPB /EdiçõesFacom, 2000.

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Fazer Política Hoje

* Antonio Albino Canelas Rubim é pro-fessor e diretor da Faculdade de Comu-nicação da Universidade Federal da Ba-hia. Ex-diretor da Associação dos Profes-sores Universitários da Bahia - APUB e ex-presidente da Associação Nacional dosProgramas de Pós-Graduação em Comu-nicação - COMPÓS. Pesquisador do CNPq.

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Fazer Política Hoje

1 Introdução: o lugar da corrupção na sociedade brasileiraA corrupção está no cerne denossa estrutura política, na qualo Estado se coloca a serviço deinteresses privados e não públi-cos. Daí seu caráter fundador, acomeçar pela formulação dasleis, sempre restritivas e, princi-palmente, dos regulamentos. NoBrasil, as leis não são feitas pararegular relações entre cidadãosiguais em seus direitos e, sim,para regular a corrupção: são fei-tas para criar dificuldades, demodo que o poder possa venderfacilidades. Aos amigos, as facili-dades a um preço mutuamenteaceitável; aos inimigos, a lei..Nesse sistema, as comissões epropinas fazem a arbitragem daalocação dos favores do Estadoentre os diversos grupos privadosque disputam os mesmos recur-sos com base no favoritismo e nacorrupção.

A corrupção também é intrínse-ca às relações de dominação entrea nossa economia e os grandes ca-pitais internacionais; de início, ametrópole portuguesa, depois, ossucessivos impérios econômicos:Inglaterra e Estados Unidos. Nessasrelações, a burguesia nacional, co-nhecedora profunda dos caminhos

ao poder, funciona como “testa-de-ferro” dos grandes grupos interna-cionais , fazendo para eles a corre-tagem dos favores do Estado, emtroca de uma participação, em geralminoritária, nos grandes projetosempresariais. Antes, eram as con-cessões de mineração ou ferrovias.Hoje, são os lances pelas privatiza-ções ou concessões de serviços pú-blicos.2 Por isso, a corrupção perma-neceu como parte essencial de nos-sa forma de fazer as coisas; umtraço demarcador de nossa culturapolítica, atravessando as diversas fa-ses da história desta economia de-pendente.

A corrupção também está pre-sente na repressão fundada no ter-ror, necessária primeiro à manuten-ção da escravidão e do monopólioda terra pelas grandes famílias, de-pois à supressão das revoltas cam-ponesas e separatistas e, finalmen-te, à exclusão social aguda dos diasatuais, sucedânea da escravatura.Somente policiais embrutecidos ecorruptos podem exercer o terror.Por isso, são selecionados às aves-sas, entre os mais ignorantes e malpagos. As policias têm sido histori-camente os núcleos mais perma-nentes da corrupção cotidiana, mé-dia e pequena, as primeiras máqui-nas completas de extorsão de co-

merciantes, motoristas autônomose bandidos que deveriam prendermas preferem extorquir.

Finalmente, o clientelismo políti-co, associado ao populismo, formatipicamente latino-americana de fa-zer política, vive da corrupção. Opolítico favorece o eleitor em trocade seu voto, e financia sua campa-nha com dinheiro de construtoras efornecedoras, que, por sua vez, re-passam esse custo nos contratoscom o poder público. Assim se fe-cha o circuito da corrupção política,fazendo dela um sistema completoque atravessa todas as dimensõesda vida em sociedade. Essa é a cor-rupção que chamamos sistêmica,em contraste com episódios isola-dos de corrupção. Ela é estrutural,permanente e constitutiva de nossamatriz cultural.3

Dado o papel central e perma-nente da corrupção na vida políticabrasileira, não é de se admirar queo tema do combate à corrupçãotambém tenha se tornado recorren-te no nosso discurso político brasi-leiro. A União Democrática Nacional(UDN), partido político da oligar-quia conservadora e classes médiasurbanas, desenvolveu, nos anos 50,uma doutrina fundada principal-mente na moralidade política. JânioQuadros, eleito presidente da Re-

Bernardo Kucinski

“Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.” 1

Notas sobre política, jornalismo e corrupção

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Fazer Política Hoje

pública por uma coligação de cen-tro-direita liderada pela União De-mocrática Nacional (UDN), fez todasua carreira, de vereador a presi-dente da República, passando pelaprefeitura de São Paulo e governodo Estado, exclusivamente com ba-se na bandeira de combate à cor-rupção - que ele levantou hipocrita-mente, pois, ao final, foi um dosmais corruptos governantes do país.

O próprio golpe militar de 1964usou, como pretexto, combater “acorrupção e a subversão.” De fato,durante a ditadura militar, a corrup-ção deixou de ser fator preponde-rante da política e da administração,

principalmente porque foi institu-cionalizada e, portanto, neutralizadacomo fator de favoritismo. Uma di-tadura é, por definição, a corrupçãoinstitucionalizada. A ditadura militarinstituída em 1964 consagrou o pa-pel da burguesia nacional comotesta-de-ferro dos interesses estran-geiros, criando o modelo do “tripé”,que associava o Estado, como pro-vedor de infra- estrutura , às multi-nacionais como fornecedoras deknow- how e à burguesia nacional,como a corretora dos acordos.

Também as altas taxas de cresci-mento econômico do período, cha-mado de “milagre econômico”, tor-

navam menos necessário o favori-tismo, já que as oportunidades no-vas surgiam a todo momento, ha-vendo menos necessidade de com-petir pelas verbas públicas. Essaexpansão era financiada com gene-rosos empréstimos estrangeiros, to-dos envolvendo comissões polpu-das aos funcionários dos bancospúblicos e privados, que, no entan-to, eram aceitas como parte normaldo jogo. Durante a ditadura, deu-seuma espécie de normatização dacorrupção, embora em alguns mi-nistérios, como o dos Transportes eo de Minas e Energia, as taxas decorrupção fossem mais pesadas doque a norma geral.

2. Corrupção e advento da ética neoliberal

Se durante a ditadura a corrup-ção atingia todos os níveis do poderexecutivo, no período de democrati-zação que se seguiu, em que o le-gislativo e, principalmente, o judi-ciário recuperam seus espaços, acorrupção alastra-se significativa-mente, atingindo todos os três po-deres do Estado. Nos últimos anosda década de 90, já era possívelcomprar votos de juízes e desem-bargadores, e até decisões da cortesuprema e de agências reguladorascomo o CADE.4

A falência fraudulenta de gran-des bancos, entre os quais o Eco-nômico e o Nacional, e de grandesconstrutoras, entre as quais a Encol,sem que seus autores fossem puni-dos, mostrou a corrupção comométodo dos grandes grupos e nãoapenas de setores marginais. A cor-rupção ganhou em escala e ampli-tude. Sancionada pela impunidade,tornou-se diretriz de conduta quoti-diana, refletida na adesão das pes-soas comuns a uma nova escala devalores centrada na chamada “Lei

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Fazer Política Hoje

de Gérson”, segundo a qual “tirarvantagem” é o que importa.5

Foram muitos os mecanismosalimentadores da corrupção. Pri-meiro, o projeto de abertura “lenta,gradual e segura”, ou seja, semprecontrolado de cima, deflagrado apartir de 1975, valia-se da troca devotos por favores; a crise da dívidaexterna e a estagnação econômica,iniciadas em 1982, forçaram empre-sas a corromper mais para disputarrecursos públicos escassos, e peque-nos funcionários públicos a cobrarpropinas para poder sustentar suasfamílias. Nos últimos anos, o narco-tráfico corrompeu juízes, delegadosde polícia e deputados federais.

A Constituição de 1988, chama-da “constituição cidadã”, aplicougolpes severos contra a corrupção,definindo rigorosamente o concei-to da coisa pública,6 e ampliando osdireitos dos cidadãos em várias es-feras. Mas essa constituição foi frutode uma correlação efêmera, logosuplantada pelo projeto neoliberal,que se pôs a desmontar muitosdesses preceitos.

A abertura democrática no Brasil

coincidiu e foi mesmo instrumentalpara uma política de ampla deses-tatização, dando início ao ciclo doneoliberalismo em nosso país. Oprojeto neoliberal implantou-sedesmontando a constituição, com-prando votos no Congresso e ven-dendo grandes empresas públicas aconsórcios privados formados, namaioria das vezes, através de acor-dos corruptos, e consagrou a cor-rupção como padrão de negócios eda política. A própria ideologia neo-liberal, fundada no individualismoexacerbado, na sua versão latino-americana, alimentou a corrupção.Nesse contexto surgiu, naturalmen-te, a “Lei de Gérson”, versão brasilei-ra de uma ética neoliberal, obvia-mente fora do lugar numa socieda-de autoritária, como tantas outrasideologias e doutrinas importadaspelas elites brasileiras.

Na versão norte-americana, o li-beralismo se funda na idéia do “fair-play”, oportunidades iguais paratodos segundo regras conhecidas ecomuns. É uma ideologia justifica-dora das desigualdades, pois seuobjetivo é exatamente o de garantirque o mais forte vença e não que omais fraco seja amparado. Seu ob-jetivo é garantir a competição. Trata-se de uma ética para o individualis-mo, numa sociedade razoavelmen-te organizada em torno de valorescomunitários. Mas na versão mera-mente copiada pelo Brasil, usadaapenas para quebrar resistências aoavanço do capital norte-americanonas economias latino-americanas,essa ética reduziu-se tão somente aoabandono dos valores como solida-riedade e equidade. O neoliberalis-mo, na América Latina, tornou-se amãe das novas modalidades de cor-rupção desenvolvidas em torno doassalto dos capitais privados às valio-sas e estratégicas empresas estatais.

3- Corrupção no jornalismoO jornalismo brasileiro não po-

deria estar imune à cultura da cor-rupção, nem os jornalistas comomembros da elite intelectual nemas empresas jornalísticas como uni-dades econômicas numa economiamercantil marcada pelo favoritismo,pela propensão à monopolizaçãodos mercados e pelo desrespeitoaos direitos do consumidor. Mas de-vido ao processo de modernizaçãoque o transformou profundamentenesse mesmo período, o jornalismotornou-se menos corrupto, nos últi-mas três décadas, do que era nosanos pré-ditadura militar.

A cooptação de jornalistas porpolíticos, através de privilégios, che-gou a ser institucionalizada na Cons-tituição de 1946, que, em seu artigo206, isentou jornalistas de pagaremimposto de renda.7 Jornalistas tam-bém podiam comprar passagensaéreas pela metade do preço, entreoutros mecanismos de corrupção.Muitos eram nomeados para cargospúblicos por políticos amigos, eacumulavam esses cargos com otrabalho jornalístico.8 As empresaseram predominantemente familia-res, regidas pelo mandonismo e ofavoritismo nas redações. Jornalistasrecebiam regularmente gratifica-

A corrupção ganhou em

escala e amplitude.

Sancionada pela impunida-

de, tornou-se diretriz de

conduta quotidiana, refleti-

da na adesão das pessoas

comuns a uma nova escala

de valores centrada na

chamada “Lei de Gérson”,

segundo a qual “tirar van-

tagem” é o que importa.

O neoliberalismo, na

América Latina, tornou-se a

mãe das novas modalidades

de corrupção desenvolvidas

em torno do assalto dos

capitais privados às

valiosas e estratégicas

empresas estatais.

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Fazer Política Hoje

ções de grandes empresas multina-cionais, como a canadense Light &Power, que se orgulhava de seucontrole sobre a imprensa. Haviacríticos sérios e probos na impren-sa, mas até mesmo parte da críticaliterária e teatral era corrupta.9

A maior cadeia jornalística, deAssis Chateubriand, praticava o jor-nalismo marron, chantageando em-presários, políticos e governantes.10

Empresas jornalísticas podiam im-portar papel de imprensa com câm-bio favorecido, mas dependiamda benevolência do Estadopara conseguir os contra-tos de câmbio. ÚltimaHora, foi fundado porSamuel Wainer, em1951, com objetivodeliberado de apoi-ar o governo de Ge-túlio Vargas, obten-do financiamentosdo Banco do Brasil ede grupos privados,assim como contratosespeciais de forneci-mento de papel, estimula-dos por ordem do própriopresidente Vargas. Também ogovernador de Minas Gerais, Jus-celino Kubitschek, garantiu emprés-timos a Samuel Wainer.11

Já desde o final dos anos 50,com a fundação da cadeia ÚltimaHora, que aumentou substancial-mente os salários de jornalistas, e oprojeto de modernização do Jornaldo Brasil, o jornalismo se torna maisbem remunerado e eticamentemais demarcado.12 A partir dos anos60, dá-se o crescimento da EditoraAbril, portadora de um padrão mo-derno de jornalismo e, paralelamen-te, o declínio acelerado dos DiáriosAssociados.

Com a regulamentação da pro-fissão, em 1968, tornando obrigató-

rio o diploma de jornalismo para oexercício da profissão, o jornalismotornou-se ainda mais profissional,menos marcado pelo favoritismo e,portanto, pela corrupção. Surge ummercado profissional, mas sobrevi-veram práticas institucionalizadasde cooptação pelos políticos. Jorna-listas que cobrem o Congresso, porexemplo, podiam comprar aparta-

mentos em Brasília com financia-mentos altamente favorecidos.13

Restaram práticas isoladas de cor-rupção, em setores específicos, co-mo no rádio- jornalismo e no jorna-lismo regional, devido ao uso dasconcessões de freqüências de rádioe TV para barganhas políticas, noperíodo de transição da ditadurapara a democracia.14

Mas as empresas jornalísticas,com a crise econômica iniciada apartir da moratória de 1982, torna-ram-se ainda mais dependentes doEstado. Muitas empresas jornalísti-

cas estão na lista dos maiores deve-dores da Previdência Social, porexemplo. O Estado também exerceinfluência administrando cerca deUS$ 500 milhões em verbas publici-tárias, sem contar as verbas estadu-ais e municipais.

A partir dos anos 90, dois outrosprocessos passaram a afetar a éticajornalística. Por um lado, o jornalis-mo começou a perder a demarca-ção ética que havia conquistado nosanos 70, devido à criação de cente-nas de empresas de assessoria de

imprensa formadas por jornalis-tas e à contratação de jornalis-

tas pelo setor público, comoassessores de imprensa. Is-so se deu sem que fossemseparadas as duas profis-sões, criando-se uma pro-miscuidade de valores nointerior do jornalismo.Assim, abriu-se o cami-nho para uma nova mo-

dalidade de corrupçãomais ideológica e sutil. Em

segundo lugar, permaneceua prática de oferecer empre-

gos públicos a jornalistas, espe-cialmente em Brasília e em capitaisde Estado. No eixo Rio e São Paulo,jornalistas conseguiam um segundoemprego em grandes empresas ebancos15.

A própria democratização, du-rante e após a Constituinte de 1988,inaugurou um período de disputasintensas entre grupos de interessesno Congresso e junto à opinião pú-blica, em torno das novas regras eregulações, que se valeram de jor-nalistas como lobistas. Alguns sindi-catos de jornalistas também seaproximaram mais das grandes em-presas, buscando patrocínio paracertos projetos.16 Em São Paulo, ain-da é habito jornalistas sindicaliza-dos comprarem carros diretamente

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Fazer Política Hoje

de algumas montadoras com até 10por cento de desconto. O própriosindicato recebe presentes de em-presas, para distribuição a seus fun-cionários. E jornalistas importantesrecebem regularmente, no final doano, caixas de whisky e outros pre-sentes, chamados, na gíria profissio-nal, de “jabaculês.”

Também em alguns almoços ecoletivas, são distribuídos brindes,como lapiseiras e canetas. É umapequena sedução que contribui, noentanto, para o ofuscamento dospreceitos éticos.17 Essa é a funçãodos pequenos presentes: romper aresistência ética do jornalista atravésde um gesto aparentemente inócuo.Uma vez rompido, não há caminhode volta. Não por acaso, a palavra“corrupção” origina-se do latim “rom-pere”, romper ou quebrar18.

Ocorre ocasionalmente a com-pra de matérias e capas de revistaspor políticos, intermediada, às ve-zes, pelos próprios jornalistas. Essapratica se torna mais intensa emperíodos eleitorais, quando pesqui-sas de opinião também são vendi-das para quem pagar mais. Osuborno direto de jornalistas aindaé muito presente nas cidades dointerior, mas deixou de ser sistêmi-

co ou determinante nos grandesveículos de referência nacional.19

Mais grave do que a pratica siste-mática da corrupção em jornais dointerior ou de capitais de estado, éo silêncio sobre essa prática, porparte dos sindicatos de jornalistas.Esse silêncio equivale à aceitaçãotácita da corrupção.20

4. Corrupção como objeto dadenúncia jornalística

O jornalismo brasileiro tem umatradição de denúncia da corrupção.Carlos Lacerda, o mais famosos jor-nalista brasileiro dos nos 50, fez suafama denunciando corrupção. Suamais forte denúncia, contra a má-quina de corrupção comandada porGregório Fortunato, chefe da guardapessoal de Getúlio, levou ao suicí-dio do presidente, em agosto de1954. Em torno da pregação de La-cerda, criou-se a ideologia políticaconservadora que associava corrup-ção ao populismo. Essa ideologiamarcou o discurso do partido políti-co conservador União DemocráticaNacional e se constituiu na linhaeditorial do mais importante diáriodo país, o Estado de São Paulo.

A denúncia da corrupção é tam-bém uma forma de compensar edi-torialmente o intenso governismo ea adesão acrítica da mídia aos dita-mes do capital internacional. Háuma aliança estratégica da mídiacom os interesses estratégicos dogrande capital, em temas como de-sestatização, abertura econômica,pagamento da dívida externa. Emcompensação, dá-se uma exacerba-ção crítica no plano tático da denún-cia da corrupção. Assim, a denúnciada corrupção sempre esteve presen-te no jornalismo brasileiro e chegoua determinar a linha editorial dealguns jornais em alguns períodos.

Em O Estado de S. Paulo, a co-

brança de padrões éticos tornou-seum traço permanente e uma diretrizeditorial. O jornal construiu uma his-tória de combate à corrente políticacorrupta e clientelista que se estrati-ficou em São Paulo, primeiro sob aliderança do governador Adhemarde Barros, a quem se atribui a frase:“Rouba, mas faz.” Depois, essa cor-rente política ficou sob a liderança dePaulo Maluf.

Com o advento do governo Collorde Mello, extremamente corrupto,abriu-se um novo ciclo de jornalismoinvestigativo, na imprensa brasileira,que teve como objeto principal acorrupção. Em 1992, o presidente foideposto, em decorrência de acusa-ções de corrupção feitas pela im-prensa. O esquema de corrupção doassessor de Collor de Melo, P. C.Farias, foi exposto por um intensoesforço de reportagem de duas revis-tas semanais, VEJA e ISTO É. Esseexercício se repetiu depois com a CPIdo orçamento. O caso Collor de Mel-lo é exemplar porque foi conduzidopela imprensa, segundo o modeloWatergate de jornalismo investigativo.

Nos últimos anos da década de90, com o acirramento das disputaspolíticas entre oligarquias em declí-nio, com o surgimento de novas epesadas disputas pelo controle deempresas estatais privatizadas, egraças às facilidades das novas tec-nologias, surgiu, no Brasil, um tipode jornalismo de denúncia basea-do em escutas telefônicas, grava-ções de conversas e dossiês entre-gues por políticos e por agentes dapolícia e do ministério público. Foiassim que a Folha de S. Paulo des-cobriu a compra de votos para ga-rantir a aprovação da emenda cons-titucional que permitiu a reeleiçãodo presidente Fernando HenriqueCardoso, em 1998.

Nesse jornalismo ”denuncista”,

Mais grave do que a pratica

sistemática da corrupção em

jornais do interior ou de

capitais de estado, é o

silêncio sobre essa prática,

por parte dos sindicatos

de jornalistas. Esse silêncio

equivale à aceitação

tácita da corrupção

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Fazer Política Hoje

como passou a ser chamado, o jor-nalista alia-se a um político para ob-ter dossiês que incriminem outropolítico. Com isso torna-se partici-pante direto da luta política, em ge-ral não por dinheiro ou favores, maspor autopromoção. Cria-se a pro-miscuidade entre jornalistas e gru-pos econômicos, especialmente osnovos grupos surgidos da disputapor mercados e oportunidadesabertas pelas privatizações.21

Muitas denúncias são publicadassem a devida comprovação. Mesmocom esses defeitos de qualidade, ojornalismo “denuncista” tornou-sefator importante , ao aliar-se a pro-curadores do Estado engajados naluta anti-corrupção. Dessa aliançaentre jornalistas e alguns procura-dores da República, surgiu o des-vendamento de casos importantesde corrupção, no INSS e na constru-ção do TRT de São Paulo, assim co-mo a corrupção generalizada quegrassou nas bases de sustentaçãodo governo Fernando Henrique, es-pecialmente nas suas agências dedesenvolvimento regional, Sudam eSudene, que acabaram fechadaspor excesso de corrupção.

Notas1 Máxima consagrada por Getúlio, mas for-

mulada, pela primeira vez, pelo presiden-

te da Província de Minas Gerais, em 1930,

Antonio Carlos Ribeiro de Andrade.

2 É exemplar, nesse sentido, o papel de em-

presários jovens e ambiciosos, como Nel-

son Tanure (grupo Sade) e Paulo Dantas

(grupo Opportunity), na articulação dos

consórcios com empresas estrangeiras

que abocanharam as concessões da tele-

fonia brasileira, no final dos anos 90. Ver a

propósito: “Os bastidores de uma guer-

ra.”VEJA n. 1706, de 27/06/2001. pp 38-44.

3 Numa contagem em que zero significa

corrupção total e 10 a inexistência da cor-

rupção, o Brasil tirou nota 3,9 no inquérito

anual de corrupção no mundo, realizado

em 2000 pelo Instituto Transparência In-

ternacional. Os estudos do instituto mos-

tram que a corrupção em países como

Brasil vai muito além da ética política, afe-

tando negativamente os temas econômi-

cos e sociais. Mostram também que quem

paga a conta da corrupção é a população

mais pobre. In: teoria da corrupção. César

Maia, Folha de S. Paulo, 11/03/01, p. 3.4 Entrevista do autor com advogados da

praça de São Paulo.5 Oriunda de uma propaganda de cigarros

na qual o jogador Gérson mostra a grandevantagem de fumar aquela marca, do pon-to de vista do preço.

6 O artigo 175 da Constituição determinaque todo serviço público deve ser outor-gado através de licitação pública e regidopor contratos públicos. Posteriormente, fo-ram aprovadas pelo Congresso as leis queobrigam a licitação de todas as compraspúblicas acima de determinado valor.

7 E o artigo 27 das disposições transitórias tam-bém isentou jornalistas de pagaram impostode transmissão e imposto predial sobre seuimóvel residencial, durante 15 anos.

8 Inclusive jornalistas famosos, de grandeprestígio, como Carlos Castello Branco.

9 Conf. MOURA. Jorge. A crítica teatral de PauloFrancis no Diário Carioca (1957-1963). Dis-sertação de Mestrado, Eca/USP,1994.

10 Conf. Moraes, Fernando. Chatô - O rei doBrasil. São Paulo, Cia das Letras, 1994.

11 Para detalhes sobre o financiamento deVargas a Wainer ver: DULLES, John. W.F.Carlos Lacerda, Brazilian Crusader. Vol. 1.pp. 121-123. University of Texas Press.Austin,1991. Ver também. WAINER, Samu-el. Minha razão de viver. p. 131. Rio de Ja-neiro, Record.1987.

12 Mesmo Última Hora só foi fundado comfinanciamentos favorecidos do Banco doBrasil, por ordem direta de Getúlio Vargas.

13 Ver: “troquei um apartamento por umfuro”. In: BARDAWIll, José Carlos. O repórtere o poder., p. 81, Sâo paulo, Alegro, 1999.

14 Quase todas as 1.500 novas freqüênciasde rádio e TV autorizadas entre 1980 e1990 foram concedidas pelos presidentesFiqueiredo e Sarney a políticos e seus fami-liares e amigos, em troca de votos favorá-veis a seus projetos no Congresso nacional.

15 Estima-se que no ano 2000, 40% dosfiliados do Sindicato dos Jornalistas do Es-tado de São Paulo trabalhavam basica-mente como assessores de imprensa enão como jornalistas. Em Brasília, estima-va-se que um terço dos jornalistas traba-

lhavam para o serviço publico ou para po-líticos, acumulando ou não outra atividadejornalística strictu-senso.

16 Ver, entre outros, o Guia Brasileiro de Co-municação Empresarial, publicado peloSindicato dos Jornalistas do Estado de S.Paulo, ed. 1996. Esse guia é também umbom mapa das assessorias de imprensa.

17 A corrupção no sindicato dos jornalistasem São Paulo acabou sendo fartamentedocumentada na imprensa convencional ena sindical, em 1994, porque foi usada co-mo arma de uma disputa interna.

18 Conf. Veríssimo. Dossiê, escândalos, etc.In: O Estado de S. Paulo, 04/03/01.

19 Sobre a corrupção nos anos 90, ver CON-TI, Mário. Notícias do Planalto. São Paulo,Cia das Letras, 1999.

20 Uma das raras ocasiões em que um sindi-cato denunciou essa pratica, deu- se emLondrina., quando o sindicato local denun-ciou o comprometedor silêncio da impren-sa frente às denúncias de corrupção doprefeito Antonio Belinati. Ver. Jornal da ca-sa, Londrina, setembro 2000, pp.11-14.

21 Uma das mais emblemáticas denúnciasjornalísticas baseada numa escuta telefô-nica foi a matéria de VEJA, de 26 de junhode 2001, sobre o envolvimento do empre-sário Nelson Tanure na briga entre o grupoOpportunity e multinacional TIW, em tornodos controles da Telemig Celular e da Te-lenorte Celular. A reportagem de VEJA éuma peça exemplar do jornalismo de de-núncia. A começar pelo fato de ser ela pró-pria é fruto de uma fita entregue por umdos contendores. E denuncia que um jor-nalista de outro veículo, Ricardo Boechatde O Globo, escreveu matérias em conluiodireto com o outro contendor, Nelson Ta-nure, inclusive lendo para ele suas maté-rias para O Globo, antes de as publicar.

Bernardo Kucinski é professor dou-tor no Departamento de Jornalismoda Universidade de São Paulo.

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Assistência Social e conquista dos direitos sociais: elementos

para uma problematização.*

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Fazer Política Hoje

Este estudo1 sobre a questão da assistência social, consideran-do sua inscrição no campo dosdireitos sociais conquistadospela classe trabalhadora, partede inquietações frente ao redi-mensionamento dessa política,na atualidade na sociedade bra-sileira, que tende para um pseu-do superdimensionamento, namedida em que a assistênciaaparece, no discurso oficial,como política estratégica noenfrentamento da pobreza,como política de inclusão social.

Tal tendência traduz um paradoxoem relação ao sentido histórico daassistência social, na sociedade capi-talista, posto que a sua institucionali-zação integrada às estratégias decontrole social do capital sobre o tra-balho tem como fundamento a ne-cessidade inerente ao desenvolvi-mento capitalista de reprodução dasdesigualdades sociais e de controlesobre a pobreza. Ao mesmo tempo,apresenta sérios desdobramentosnas lutas sociais, pois concorre paramistificação da assistência como umdireito, colocada como via de garan-tia das condições de vida de vastossegmentos da classe trabalhadora,em detrimento do direito ao traba-lho2 - o trabalho que é a alternativaprimeira das condições de satisfaçãodas necessidades humanas.

Marina Maciel Abreu

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Fazer Política Hoje

Avançando nesta discussão, cabeconsiderar dois movimentos comomediações fundamentais da referidatendência. Um decorrente das lutassociais da classe trabalhadora quemarcaram os anos 80, culmina comas conquistas constitucionais de 1988,em que a assistência social passa acompor com as políticas de saúde ede previdência, o sistema de seguri-dade social, supondo a primazia doEstado na sua operacionalização3.Esta redefinição significa um avançono campo teórico-político e apresen-ta-se sob uma retórica que apregoa aassistência como um direito, respal-dado em princípios de universaliza-ção dos atendimentos e democrati-zação da gestão estatal na esfera daspolíticas sociais, sinalizando para ofortalecimento da participação da so-ciedade civil - com possibilidade deintervenção dos segmentos subalter-nizados da sociedade - no exercíciodo controle social sobre a utilizaçãodo fundo público. O outro movimen-to refere-se ao redimensionamentoprático das políticas sociais estatais eprivadas integrado às estratégias ca-pitalistas de enfrentamento da atualcrise do capital sob a orientação neo-liberal, que passa “invariavelmente,por estruturações de base produtiva,pela desvalorização da força de tra-balho e pelos mecanismos de regu-lação estatal” (MOTA,1995,p42),apontando para a penalização dostrabalhadores e redução dos gastospúblicos com os atendimento dassuas necessidades básicas, isto é, tra-duz a negação das conquistas acimamencionadas.

Frente a estas considerações, co-loca-se a necessidade de avanço eaprofundamento do debate sobre aassistência social na atualidade, comvistas à sua desmistificação e recons-trução, a partir de seus fundamentose sentido na dinâmica da sociedade,procurando ressituá-la em seu devi-do lugar histórico, face às lutas para

garantia de condições plenas de vidae trabalho da classe trabalhadora, nocontexto dos processos emancipató-rios e de superação da ordem capital.

Daí decorre a motivação deste es-tudo que privilegia um recorte consti-tuído por aspectos histórico-conceitu-ais da temática, com base na referên-cia histórica do Welfare State, orde-namento societário consolidado nopós segunda guerra mundial nos paí-ses avançados, que é, aqui, entendi-do como um marco da reconfigura-ção da assistência como parte dos di-reitos sociais, integrada aos sistemasde seguridade social nos citados paí-ses; aponta, ainda, indicações concer-nentes ao perfil diferenciado das ini-ciativas no campo da seguridade so-cial, com destaque para a área daassistência social, em países periféri-cos, em que a experiência brasileira éexemplar, bem como inflexões nessaárea a partir das medidas neoliberaisde enfrentamento da crise mundialdo capital na atualidade.

Um pressuposto básico deste es-tudo é que a assistência social rede-fine-se a partir do compromisso for-dista/keynesiano estabelecido entreo movimento operário e a burguesiaindustrial, no enfrentamento da crisedos anos 304, demarcando avançossubstanciais em relação a velhas for-mas de atendimento aos pobres5, namedida em que é inscrita no campodos direitos sociais6 conquistadospela classe trabalhadora, através dossistemas de seguridade social que seexpandem e se consolidam a partirde então, nos países centrais. Estessistemas passam a representar ga-rantia das condições de reproduçãoda classe trabalhadora a partir do es-tatuto do direito ao serviço públicoestatal, em contraposição a velhaspráticas fundadas no assistencialis-mo, isto é, na caridade e filantropia,embora, mantendo ainda essas con-dições deslocadas da relação salarial.

O compromisso fordista/Keyne-

siano constitui a base material e ide-ológica sobre a qual instaura-se oWelfare State nos países centrais dodesenvolvimento capitalista mundial.O Welfare State configura-se comoum amplo reordenamento econômi-co, político e social consolidado apartir de 1945, mantendo-se por trêsdécadas (a denominada “era doura-da”), até a primeira metade da déca-da de 70, quando entra em crise, emtermos mundiais, a capacidade des-se padrão econômico, político e so-cial de conter as contradições ineren-tes ao capitalismo e esgotam-se asbases materiais do compromisso for-dista/keynesiano.

Vale considerar que, neste perío-do, as lutas do operariado europeucontra a exploração econômica e aopressão política, na perspectiva deemancipação, constituem fator deci-sivo na formação do Welfare State7,através da conquista e expansão doschamados direitos democráticas nospaíses desenvolvidos. Esta influênciaé entendida a partir das tendênciasdo movimento operário social - de-mocrático no mundo capitalista de-senvolvido, ou seja, de suas varian-tes: a reformista e a revolucionária.Para PRZEWORSKI (1991), a social-democracia tem sido a forma predo-minante de organização dos traba-lhadores sob o chamado capitalismodemocrático.

Tais tendências emergem no pro-cesso de luta e enfrentamento de-senvolvido pela classe trabalhadoraface à intensificação da exploraçãoda força de trabalho e controle políti-co pela burguesia industrial em as-censão, constituindo, então, varian-tes das estratégias de um mesmoprojeto. A idéia central do movimen-to operário social-democrático era“emancipar-se do capitalismo de Es-tado, emancipando o Estado docapitalismo.” (BIHR,1998,p.20). Ape-sar de suas diferenciações internasem termos estratégicos e nacionais,

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72 Universidade e Sociedade

Fazer Política Hoje

esse projeto se baseava no pressu-posto “de que o proletariado podese libertar de sua exploração e desua dominação pelo capital (ou po-de, pelo menos, em um primeiro mo-mento, aliviar consideravelmenteseu peso) conquistando e exercendo(por representantes políticos inter-mediários) o poder do Estado, to-mando esse poder da burguesia ede seus aliados políticos. Ele apre-sentará sempre e por toda parte oEstado como a via obrigatória e ine-vitável da emancipação do proleta-riado. E a sociedade supostamenteresultante dessa revolução política(o socialismo) é então assimilada aum processo mais ou menos radica-lizado de estatização do capitalis-mo”. (BIHR,1998,p.20).

O referido movimento alcançaelevado grau de organização e com-batividade, no final século XIX e nasduas primeiras décadas do séculoXX, em que se sobressaem comoprincipais determinações desse pro-cesso: o avanço do capitalismoindustrial com o progresso tecnológi-co, implicando maior concentraçãoespacial da massa operária (nasfábricas e meio urbano); e, sobretu-do, o impulso dos movimentos revo-lucionários na perspectiva da con-quista do socialismo, em que a vitó-ria da revolução russa, em outubrode 1917, é a principal expressão.

A tendência reformista do referi-do movimento colocou-se como he-gemônica no estabelecimento dochamado compromisso fordista/key-nesiano, pacto que se estabelece en-tre classes, traduzindo-se no consen-so garantidor da socialização doscustos da produção, mantendo aapropriação privada da riqueza so-cial, eixo central do novo equilíbriode forças que consubstanciou oWelfare State. A variante reformistapropugna reformas estruturais, conci-liando interesses da burguesia e doproletariado, com vista ao estabeleci-

mento de um compromisso possívelentre classes. Entre tais reformas, en-contram-se a “organização da assis-tência social pelo Estado, nacionali-zações de monopólios industriaischaves, controle mais ou menos di-reto de grandes grupos financeiros,municipalização do solo; legislaçãodo trabalho visando regulamentaras condições de exploração capita-lista e contratualizar as relações en-tre capital e trabalho; redução dasdesigualdades sociais por meio dademocratização do sistema fiscal edo ensino etc.” (BIHR,1998,p.21)8.

A variante revolucionária do mo-vimento operário contrapõe-se aoideário e programáticas dessa pers-pectiva de luta, passando a rejeitar otermo social-democracia para suaidentificação. Assim, dela se desvin-cula para criar a Terceira Internacio-nal, em 1918. Suas estratégias e hori-zonte histórico referem-se, funda-mentalmente, à “expropriação daburguesia e de seus aliados (as ou-tras classes proprietárias) pela esta-tização do conjunto dos meios deprodução, destinada a lançar as ba-ses de um desenvolvimento autocen-trado, planificado pelo aparelho deEstado. Nestas condições, a conquis-ta do poder de Estado supõe umaruptura violenta com as formas insti-tucionais da democracia parlamen-tar e na maior parte das vezes, sópode ser efetuada pela via insurre-

cional, por meio de uma mobilizaçãoe de um enquadramento político-mi-litar das massas populares (princi-palmente o proletariado e o campe-sinato”. [...] “o leninismo - mais, exa-tamente o bolchevismo - constitui aforma mais acabada” (BIHR, 1998,p. 21-22).

Assim, a experiência do WelfareState passa a ser considerada comoconcretização da proposta social-de-mocrática9 (CLARKE,1991) de uma so-ciedade mediante combinação dodinamismo econômico do capitalismocom valores políticos do socialismo.

De fato, o compromisso fordis-ta/keynesiano implicou, por um la-do, o consentimento da classe traba-lhadora ao novo padrão de acumula-ção, subordinado, de acordo comMATOSO (1995), “aos incentivos demercado e ao princípio do lucro emtroca de um sistema de welfare, ele-vação salarial e políticas macroeco-nômicas orientadas ao pleno empre-go”; e, por outro lado, a aceitaçãopor parte do empresariado da “insti-tuição de políticas regulatórias emaior controle social do mercado edo Estado”. (MATOSO,1995, p.166-167). Assim, sob o ponto de vista daclasse trabalhadora, significou a ga-rantia de sua seguridade social, re-presentando o atendimento de ne-cessidades situadas no âmbito dasrelações de trabalho e da previdên-cia, bem como em relação à habita-ção, saúde, educação, formação pro-fissional, cultura, lazer etc. Para a bur-guesia, constituiu não só estratégiapara enfrentar a crise orgânica dosanos 30 como também para neutra-lizar o duplo perigo imposto pelo fas-cismo e bolchevismo.

Sob este ângulo, o envolvimentodo operariado no estabelecimentodo compromisso fordista/keynesianorevela-se como uma expressão daprevalência dos seus interesses ime-diatos em detrimento dos seus inte-resses históricos. Segundo BIHR,

O envolvimento do operariado no estabelecimento do compromisso fordista/keynesiano revela-se como uma expressão da prevalência dos seus interesses imediatos em detrimento dos seus interesses históricos

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(1998,p.37) “do ponto de vista doproletariado esse compromisso podeser comparado a uma espécie deimensa barganha, pela qual o prole-tariado renunciou à ‘aventura his-tórica’, em troca da garantia de sua‘seguridade social.” Todavia, o mes-mo autor chama a atenção para asambivalências do referido compro-misso, principalmente no que se re-fere à questão da seguridade social,tanto sob o ponto de vista da classetrabalhadora quanto das classes do-minantes. Assim, na luta pela seguri-dade social, o proletariado ocidentalperde sua negatividade ao afirmar-se “positivamente,” no limite dosseus interesses e direitos assumidosde forma particular. A negatividade,tal como assinalada por MARX(1968) em sua “Crítica da filosofia doEstado em Hegel”, refere-se ao cará-ter universal da perspectiva de lutadessa classe, porque, movida por se-us sofrimentos universais, não reivin-dica um direito particular. Portanto,tem a missão histórica de libertaçãode toda a humanidade ao se libertarde sua própria opressão. Ao afirmar-se na legalidade do compromisso for-dista, a referida classe renuncia a essamissão, permitindo ao capital, atravésda mediação estatal, apropriar-se dassuas lutas e integrá-lo à sua ordem,na exata medida do seu próprio con-trole; ao mesmo tempo em que legi-tima o deslocamento da satisfaçãodas suas necessidades essenciais desubsistência para a esfera da políticafora das relações de trabalho.

Por outro lado, a organização dotrabalhador e a conquista dos direi-tos sociais denunciam as relações deexploração e dominação do sistemacapitalista e implicam “que essa do-minação não seja absoluta, que elareconheça aos dominados, em certamedida, o direito de negociar ascondições de sua dominação.”(BIHR,1998,p.38-39). E, conseqüen-temente, o consentimento a essa do-

minação está na dependência diretada satisfação dos interesses imedia-tos dos dominados.

Para algumas análises, e concor-dando com as mesmas, os direitossociais instituídos nos termos dopacto fordista/keynesiano não repre-sentam mera concessão do capitalao trabalho organizado, mas, umaconquista da classe trabalhadora, tra-duzindo mudanças substanciais nascondições de reprodução dessa clas-se (LOSURDO, 1999)10, ainda quenos limites da ordem do capital. Ouainda, como considera LOPES (1999), oWelfare State, embora não tenhaalcançado a construção de suas ple-nas possibilidades, nem sido mun-dializado, referenciou a experiênciada social-democracia - a chamada ter-ceira via - a partir da qual ganhou es-paço e logrou constituir em relaçãoàs necessidades de reprodução daforça de trabalho “uma referênciaprogressista entre as alternativaspostas pela crítica ao filantropismo eao assistencialismo paternalista”(LOPES,1999,p.18), posto que signifi-cou o deslocamento do atendimentodessas necessidades para a esfera dodireito ao serviço público estatal.

Deste modo, a conquista da segu-ridade social, ao mesmo tempo emque se converte num dos principaismecanismos para a obtenção daadesão e do consentimento das clas-ses subalternas à ordem capitalista,constituindo componente indispen-sável para o equilíbrio de forças deacordo com os interesses do novopadrão de acumulação do capital,traduz-se, também, como possibili-dade de acesso a bens e serviços àsclasses subalternas, atendendo a in-

teresses imediatos. O direito à assis-tência coloca-se, pois, como um me-canismo de barganha desta classe,representando, antes, mais um ins-trumento de luta pelo atendimentode necessidades imediatas, desdeque integrado ao movimento maisamplo de luta da classe trabalhadorapor condições plenas de satisfaçãode suas necessidades básicas. A con-quista de tais condições coloca-se,obviamente, para além da esfera daassistência, supondo o avanço daluta por mudanças estruturais, numaperspectiva emancipatória. Tal indica-ção funda-se na noção de que nanecessidade histórica que determi-nou a constituição da seguridade so-cial no âmbito das estratégias decontrole social do capital, encon-tram-se as condições de contestaçãoe superação dessa mesma necessi-dade, isto é, a luta das classes subal-ternas na perspectiva da superaçãoda ordem do capital e da emancipa-ção humana.

Isto posto, importa ter presenteque a seguridade social revela-se co-mo um redimensionamento daquestão da assistência pública (emsentido amplo), na medida em que,reafirmando o anteriormente assina-lado, as possibilidades de subsistên-cia do trabalhador permanecem forada relação salarial, deslocando-separa a esfera dos direitos sociais, me-diatizados pelas políticas sociaisestatais. Trata-se da assistência públi-ca tal como foi colocada na críticamarxiana sobre o processo da institu-cionalização desta modalidade deenfrentamento da questão socialnum determinado momento da or-ganização da sociedade burguesa.

A assistência social é entendida na sociedade capitalista num campo contraditório de negação e afirmação de

direitos. Nesse contexto, o direito à assistência pública afirma-se na medida exata da negação do direito ao trabalho.

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Seguindo esta perspectiva, a as-sistência social é entendida na socie-dade capitalista num campo contra-ditório de negação e afirmação de di-reitos. Nesse contexto, o direito à as-sistência pública afirma-se na medi-da exata da negação do direito aotrabalho. Nos termos de MARX,(1989,p.p. 259-260) “o direito ao tra-balho, primeira fórmula acanhadaem que se resumem as reivindica-ções revolucionárias do proletariado”constante do primeiro projeto daconstituição republicana francesa é“metamorfoseado no direito à assis-tência pública”, no projeto final dareferida constituição. Com isso, é re-forçada uma das funções ideológicasdo Estado moderno (necessária à sualegitimação): o de alimentar, de ummodo ou de outro, os seus pobres,ao mesmo tempo em que impõe oanátema sobre o direito ao trabalho.Isto por que “o direito ao trabalho é,no sentido burguês, um contra senso,um desejo mísero, piedoso, mas portrás do direito ao trabalho está opoder sobre o capital, e por trás dopoder sobre o capital, a apropriaçãodos meios de produção, sua subordi-nação à classe operária, associada,portanto, à superação dialética dotrabalho assalariado, do capital e desuas correlações. Por trás do direitoao trabalho estava a insurreição dejunho” (MARX, 1989, p.260).11

Deste modo, é possível inferir dasassertivas marxianas supracitadasque a assistência pública na socieda-de capitalista, incorporada às lutas daclasse trabalhadora como um direito,embora constitua-se na contramãoda perspectiva de emancipação dasreferidas classes, na medida em queo seu fundamento ontológico estána contradição presente na necessi-dade de reprodução das condiçõesde desigualdade inerentes a essa or-ganização social e de neutralizar odesenvolvimento das condições decontestação e superação das citadas

desigualdades, a conquista deste di-reito representa também a imposi-ção de limites à exploração do capi-tal sobre a força de trabalho, poden-do, como já foi mencionado, avan-çar no quadro da correlação de forçacomo mais um espaço de luta daclasse trabalhadora face às suasnecessidades imediatas. Entretanto,com base na discussão desenvolvidaneste trabalho, fica reafirmado queeste não é o espaço mais importantenem estratégico em relação à con-quista das condições plenas de sub-sistência dessas classes, muito me-nos da perspectiva de superação dosistema de controle dominante.

Avançando nesta discussão sobreo fundamento histórico da assistênciano contexto dos sistemas de seguri-dade social, no bojo do Welfare State,é importante destacar que esses sis-temas consubstanciam-se no equilí-brio das forças que se instaura nesseordenamento entre trabalho organi-zado, grande capital e Estado-Nação,o qual se expressou, de forma parti-cular, no plano interno de cada país,traduzindo sempre um pacto entreclasses sob a égide do grande capital.Com o Welfare State, instaura-seuma nova regulamentação econômi-ca, política e social regida pelo capi-tal, combinando crescimento econô-mico e sistema de bem- estar, soloem que se estrutura um novo con-senso entre classes, considerando asdiferentes posturas encontradas nopadrão dos gastos públicos, na orga-nização dos sistemas de bem-estarsocial, no grau de envolvimento doEstado e no poder de barganha domovimento sindical e das pressõesdos demais movimentos e lutassociais da classe trabalhadora em seuconjunto, nos diversos domínios domundo capitalista12.

O movimento do proletariado,embora, expressando-se e legitiman-do-se no marco da institucionalidadedo Estado burguês, ofereceu, ao

mesmo tempo, os principais veículosde legitimação do Estado “benfeitor”,pois os seus órgãos representativosviabilizavam “retorno em forma deconsenso em troca de uma crescen-te influência sobre a destinação dosgastos públicos, sobre a redistribui-ção da renda em geral e sobre a uti-lização dos recursos nacionais”(VACCA, 1991, p.154).

O Estado reforça seu caráter clas-sista, ainda que tenha procuradoocultar a nova dominação social quese instaura através do padrão regula-cionista do Welfare State, forjando omito da “cidadania” e da “democra-cia” para todos. Não resta dúvidaquanto aos avanços sociais e políti-cos que se processam nas relaçõesentre as classes, decorrentes das for-mas e condições de participação dossujeitos sociais na utilização dos re-cursos públicos. Todavia, importarecolocar que essas não esgotam aperspectiva histórica de emancipa-ção da classe trabalhadora, masrepresentam conquistas significati-vas, ainda que nos limites impostospelos interesses do capital.

Além disso, as lutas das classessubalternas, suas conquistas sociaise políticas, nos limites do compro-misso fordista/keynesiano, constituí-ram a base da nova dominação docapital, mediante a qual a burguesiaprocura ocultar as diferenças entre ossujeitos na aparente submissão detodos às mesmas regras, numa ten-tativa de incorporar tudo e todos àlógica estatal. Assim, a experiênciado Welfare State teve seu efeito des-politizante e desmobilizador das lu-tas das classes subalternas, eviden-ciado no refluxo dos movimentossindical e popular para o campo daslutas corporativas em detrimento dasocialização da política. No entanto,vale ressaltar que é no espaço domercado - cuja racionalidade tam-bém é dada pela intervenção estatal- que a igualdade aparente se desfaz,

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denunciando as desigualdades entreos indivíduos pelas formas diferen-ciadas de acesso à riqueza, ao poder,ao saber, etc. Essa racionalidade éocultada no arcabouço político-insti-tucional do Welfare State, ao despiros homens de suas determinaçõeshistóricas, igualando-os sob o rótulode “cidadão”.

A seguridade social reflete, assim,em suas configurações, a correlaçãode força de um determinado mo-mento histórico. Significa dizer que adinâmica do processo de constitui-ção das políticas de seguridade socialcondensa características particularesdas relações entre classes, em decor-rência do “estágio de desenvolvi-mento das forças produtivas, dograu de socialização da política edas formas históricas assumidas pe-lo confronto entre as classes” (MO-TA,1995,p123). Trata-se, pois, da exis-tência de uma gama variada de siste-mas de seguridade, observando-seque, como assinala MOTA (1995),“enquanto na Europa Ocidental fo-ram criados amplos e universais sis-temas públicos de proteção social,como é o caso da Inglaterra, a tradi-ção norte americana privilegiou umsistema misto entre o setor público eprivado (GALPER, 1986,p.106) e ospaíses periféricos, de que é exemploo Brasil, estruturam a proteção socialmediante assistência aos pobres eprevidência para os assalariados (MÉ-DICE, 1989,p.17)”. (MOTA, 1995, p.128).

Na discussão sobre a questão daassistência social no Brasil, conside-rando os marcos históricos em que seestabelece o compromisso fordis-ta/keynesiano, é mister levar em con-

sideração que a referência do WelfareState, em relação aos países periféri-cos, particularmente, os lartino-ame-ricanos, de um modo geral, é media-tizada, por um lado, pelas relaçõesimperialista norte-americanas nocontinente, e, por outro lado, pelopróprio grau de desenvolvimento docapitalismo, da organização políticados trabalhadores e dos estados naci-onais, configurando uma situação emque é possível afirmar que a experi-ência do Welfare State sequer chegoua ser implementada nesses países.

No bojo da expansão do imperia-lismo econômico norte-americano naAmérica Latina, difunde-se e consoli-da-se um padrão de política assisten-cial que reflete os interesses da acu-mulação do capital de subsumir aoseu domínio o redirecionamento daeconomia no continente. Deste mo-do, no enfrentamento da questão so-cial prevalecem estratégias de domi-nação e controle social sobre a classetrabalhadora a partir de modalidadesinterventivas centradas no indivíduo,direcionadas para integração e refor-ma moral, em detrimento das con-quistas sociais dos trabalhadores tra-duzidas em direitos sociais.

Deste modo, nos países periféri-cos, onde as desigualdades sociaissão mais acentuadas e perversas doque nos países que lograram imple-mentar a experiência do chamadoWelfare State, as conquistas sociaisrestringiram-se a iniciativas de cunhopopulista, objetivadas a partir de po-líticas clientelistas, paternalistas e,por isso mesmo, pontuais, residuais,fragmentadas, configuradoras de umpadrão assistencial identificado por

OLIVEIRA (1998a), como filantropiaestatal. Com base nessa análise, épossível afirmar que, no Brasil, estepadrão ainda não foi superado, emque pesem os avanços políticos esociais das lutas sociais incorporadosà Constituição Federal de 1988 comodireitos posto que estas conquistassão usurpadas com a implementa-ção das políticas neoliberais a partirdo governo Collor/Itamar - políticasestas pautadas no Consenso deWashington que tem como principaisgestores o Fundo Monetário Inter-nacional (FMI) e o Banco Mundial.

Tal padrão como uma expressãodo modo como o capitalismo reali-zou-se na periferia do sistema, con-forme assinala OLIVEIRA (1998b),apresenta-se, assim, como mero si-mulacro de modelos de seguridadesocial, objetivados nos países cen-trais13, numa decorrência lógica doque acontece quando os processossócio-políticos de regulação social,implementados nesses centros, sedeslocam para a periferia. É o quebem traduz a expressão Estado demal-estar cunhada pelo citado autorpara retratar as deformações, que nospaíses periféricos, caracterizam asexperiências sob a hegemonia regu-lacionista mundial do Welfare State.Para o mesmo autor, tais experiên-cias, demonstram a maneira casuísti-ca como o fundo público, em suas di-versas formas, constitui-se pressupos-to do financiamento da economia.

No Brasil, segundo OLIVEIRA (1990),verifica-se a existência de uma regu-lação ad-hoc na utilização do fundopúblico para o financiamento da re-produção do capital, em detrimentoda reprodução da força de trabalho.Sob esta regulação, as políticas assis-tenciais, como as demais políticassociais, direcionadas para o atendi-mento, ainda que parcial e precário,das necessidades de subsistênciadas classes subalternas, estruturam-se ao sabor das conjunturas, verifi-

Fazer Política Hoje

No enfrentamento da questão social prevalecem estratégias dedominação e controle social sobre a classe trabalhadora a partir de modalidades interventivas centradas no indivíduo, direcionadaspara integração e reforma moral, em detrimento das conquistassociais dos trabalhadores traduzidas em direitos sociais.

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cando-se, em relação a estas, umtrânsito do assistencialismo caritativoà filantropia estatal, parametradaspela chamada sociabilidade do favor- moeda de troca das relações so-ciais, principalmente, entre dominan-tes e dominados (OLIVEIRA, 1998a).

Registra-se, nos anos 90, sob ahegemonia do pensamento e pro-gramáticas neoliberais, na conforma-ção da reorientação do padrão eco-nômico-político-social, o recrudesci-mento e atualização das práticas as-sistencialistas associadas à intensifi-cação das medidas de mercantiliza-ção das políticas sociais, sobretudoda saúde, previdência e educação.Tais tendências são repostas pela re-estruturação do capitalismo sob aideologia neoliberal em que a criseestatal é colocada como principalcausa da crise econômica, impondoa redução dos gastos públicos comatendimento das demandas sociais ea intensificação das medidas de con-trole sobre a força de trabalho.

Deste modo, o retrocesso à filan-tropia e ao assistencialismo significa,de acordo com o que analisa LOPES(1999), que estas práticas “ [na ver-dade, efetivamente, nunca desapare-ceram, nem podem desaparecer nocapitalismo]” na medida em que secolocam “entre as alternativas do ca-pitalismo no enfrentamento da po-breza, agora em expansão nos paí-ses ricos, segundo a perversa e velhaforma conhecida pelos países pobresde capitalismo dependente. E comohá muito esse tipo de pobreza haviasido varrido daqueles países que lo-graram viver a experiência do Wel-fare State, vários estudiosos, a partir

desses centros, vêm chamando de´nova pobreza’” (LOPES, 1999,p.19).

A pobreza aprofunda-se e expan-de-se em todo o mundo, tendo a po-lítica econômica destrutiva neoliberalcomo principal determinação, namedida em que essa política diminuiempregos e salários e reconcentrarenda; restringe os gastos públicosno atendimento das necessidadessociais da classe trabalhadora e des-loca para a sociedade (mercado ecomunidade) a responsabilidadedesses atendimentos. Todavia, gover-nos neoliberais, ao mesmo tempoque reduzem as políticas sociais, co-mo uma expressão do chamado “Es-tado mínimo”, paradoxalmente, apre-goam, como modalidades de erradi-cação da pobreza, medidas de políti-ca social, em que se inscreve a políti-ca de assistência social. Deste modo,a assistência social é reafirmada co-mo uma mediação importante nareprodução e controle da pobreza, apartir dos limites impostos pelos in-teresses da reestruturação do capitalem crise.

Trata-se, de acordo com o acimaassinalado, da assistência social as-sumida pelo Estado e pela sociedadevia solidariedade, como ação residu-al, focalizada nos segmentos maisvulnerabilizados por esse padrão dedesenvolvimento econômico, exata-mente aqueles impossibilitados ma-terialmente de adquirir no mercadoas condições mínimas para sua re-produção, num flagrante desrespeitoao estatuto do direito ao serviço pú-blico estatal de qualidade. Tem-se,então, uma política social pobre paraos pobres - assistência social pública

- e outra política para os trabalhado-res inseridos no mercado de trabalhoformal - a seguridade privada ofereci-da pelas empresas ou adquirida nomercado.

Frente a este quadro, na socieda-de brasileira, a assistência públicasob a responsabilidade do Estado re-coloca-se como um espaço de con-fronto e luta da classe trabalhadora;luta esta que se apresenta com limi-tações históricas, mas é significativa,na medida em que as políticas so-ciais como respostas à questão socialtraduzem espaços de confronto en-tre os distintos projetos sociais pre-sentes na dinâmica da sociedade.

Assim, o direito à assistência so-cial no país, contraditoriamente, vemconstituindo um espaço de luta assu-mida por vastos segmentos da classetrabalhadora e outros setores da so-ciedade civil, na relação com o Esta-do, face às necessidades de subsis-tência de grandes contigentes da po-pulação brasileira; luta esta assinala-da como “parte do movimento maisamplo de luta pela afirmação e ex-pansão dos direitos sociais” (RAI-CHELIS,1998,p.160).

Para a classe trabalhadora, emque pese a histórica precariedadedos serviços assistenciais prestadospelo Estado e sociedade, estes têmse revelado, cabe reafirmar, uma mo-dalidade de acesso a bens e serviçospara o atendimento de suas necessi-dades imediatas.

Portanto, vale assinalar a pertinên-cia da luta no campo da assistênciasocial e demais políticas de segurida-de social (saúde e previdência) frenteà usurpação dos direitos sociais con-quistados na Constituição Federal de1988, a partir das estratégias de flexi-bilização econômica e privatizaçãoneoliberais - embora, contraditoria-mente, tenham sido mantidos e im-plementados mecanismos e instru-mentos democratizantes das relaçõesEstado/Sociedade formulados para a

Fazer Política Hoje

A pobreza aprofunda-se e expande-se em todo o mundo,

tendo a política econômica destrutiva neoliberal como principal

determinação, na medida em que essa política diminui empregos

e salários e reconcentra renda.

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concretização dos mesmos. Tal luta impõe a resistência e o

enfrentamento das políticas econô-mico-sociais de cunho neoliberal e adesmistificação, seja da retórica do-minante que incorpora as conquistasconstitucionais para implementarmedidas contrárias à perspectiva his-tórica das lutas sociais das classessubalternas, seja do sentido históricoda própria assistência, no contextodessas lutas, reafirmando-a comopolítica complementar, necessária fa-ce o agravamento da pobreza nopaís, mas essencialmente transitóriae limitada em relação à conquista decondições ao atendimento das ne-cessidades imediatas de subsistênciada classe trabalhadora bem como deenfrentamento e superação das con-dições de dominação e exploraçãoexistentes.

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* Neste estudo, está sintetizada e reorgani-zada parte das idéias desenvolvidas sobre atemática na tese de doutorado intitulada “Ser-viço Social e a Organização da Cultura- um es-tudo sobre a função pedagógica do assistentesocial”, defendida pela autora junto ao Progra-ma de Estudos Pós-Graduados em ServiçoSocial, da Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo - PUC/SP.

* Assistente Social, doutora em Serviço So-cial, professora vinculada ao Departamento deServiço Social e ao Programa de Pós-Gradua-ção em Políticas Públicas, da Universidade Fe-deral do Maranhão - UFMA1 Este artigo é o primeiro de uma trilogia sobre

a questão da assistência social.2 O direito ao trabalho, segundo MARX (1989),

“primeira fórmula acanhada em que seresumem as reivindicações revolucionáriasdo proletáriado” (MARX,1989,p.259), mani-festa em 1848, na França, desde essa época,vem sendo metamorfoseado no direito à as-sistência pública, apesar dos avanços alcan-çados através das conquistas sociais no póssegunda guerra mundial com a instauraçãodo Estado de Bem-Estar (Welfare State) nospaíses centrais

3 ALOAS, em seu artigo 5º, Inciso III, contrariaesta proposição, na medida em que precei-tua como uma diretriz: “Primazia da respon-sabilidade do Estado na condução da Po-lítica de Assistência Social em cada esferado governo” (BRASIL...Presidência , 1993), oque não significa garantia da implementa-ção dessa política sob a responsabilidade doEstado. Seguindo a citada diretriz, o Estado

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conduz a política de assistência transferindopara a sociedade a responsabilidade pelaimplementação da mesma, assumindo fun-ção de comando e controle.

4 A crise dos anos 30, considerada por ALTIVA-TER (1987) a primeira grande crise do siste-ma capitalista no século XX, pode ser enten-dida como resultante das contradições dodesenvolvimento inicial do regime de acu-mulação intensiva do capital, com base naprimeira onda de taylorização e mecaniciza-ção fordista nas duas primeiras décadasdeste século (BIHR, 1998), em que este sis-tema “tende a desenvolver as forças produ-tivas da sociedade sem levar em conta asproporções a serem respeitadas entre os di-ferentes ramos da produção social, nemtampouco a capacidade total de consumoda sociedade: demanda solvente.”(BIHR,1998, p.41). A principal conseqüência é orisco de desembocar em uma crise de su-perprodução, considerando o desequilíbrioentre a elevação da produção e redução dascondições de consumo. Foi o que ocorreunos anos 20, como assegura BIHR (1998).Período em que se registra um extraordiná-rio crescimento da produtividade, numamédia de 6% ao ano em países capitalistasocidentais, onde esta média era de 2%, semuma equivalente elevação dos salários quese mantiveram com uma média de cresci-mento em 2%, conservando a tendência ini-ciada na segunda metade do século XIX.Ainda seguindo este raciocínio, essas condi-ções favoreceram à elevação dos lucros daordem de 30% a 35%, provocando “um‘boom’ especulativo sem precedentes entre1926 e 1929. Esses ‘anos loucos’ iriam de-sembocar, entretanto, inevitavelmente no ‘-crash’ de 1929-1930, expressão direta noplano financeiro da crescente distorção en-tre capacidades de produção acumuladas ea demanda solvente, que essa primeira ten-tativa de um regime com característica do-minante intensiva não soubera desenvolverproporcionalmente”(BIHR,1998,p.41).

5 Concordando com as referências de SHONS(1995), trata-se das formas de atendimentoaos pobres desde a Lei Elizabetiana de As-sistência de 1601, alterada em 1834 (PoorLaw Reform) com a denominação de Nova leidos Pobres. Pela Lei Elizabetiana (1601), aAssistência cabia às paroquias e almas gene-rosas; pela Nova Poor Law !834) embora pú-blica, continuava marginal, atendendo so-mente àqueles que renunciassem suas liber-dades individuais, pois passavam a ser confi-nados nas works houses, nos albergues e nosasilos. (SHONS,1995,p.6).

6 É importante lembrar, como bem assinalaPEREIRA (1998), que no final dos anos 40,através da “contribuição trifacetada de T.H.

MARSHAL”, os serviços sociais são incopora-dos na categoria de direitos sociais ao ladosdireitos civis e políticos, cabendo ao Estado aprimazia pela garantia dos mesmos, compon-do os sistemas de seguridade social. Antesporém, destaca-se como principal iniciativa nocampo da seguridade pública como direito docidadão e obrigação do Estado, “o ‘plano Be-veridge elaborado sob a coordenação de sirWilliam Beveridge em plena Segunda GuerraMundial (1942)”, na Inglaterra,, incluindo “nosistema de seguridade todos os cidadãos etodas as necessidades sociais importantes davida moderna”. (PEREIRA, 1998, p.61-62).

7 São destacadas, neste estudo, as ponderaçõesde KING (1988) e HABERMAS (1987) que si-tuam a importância do movimento da classetrabalhadora na instauração e crescimento doWelfare State. KING assinala o protagonismoda classe trabalhadora nesta direção nos qua-tro grupos principais de fatores causais maissistemáticos associados à expansão do Estadode Bem-Estar: “primeiro, aqueles que enfati-zam as conseqüências da industrialização,segundo às quais o desenvolvimento econô-mico ou industrialização tem certos resulta-dos lógicos, incluindo a necessidade de bem-estar social; segundo, a difusão de valores li-berais favoráveis a um estado de bem-estarcomplementa à industrialização em algunscasos, especialmente nos Estados Unidos; umterceiro conjunto de argumentos situa a cau-sa primária do crescimento do estado debem-estar no sucesso da mobilização da for-ça da classe trabalhadora para articular de-mandas por bem-estar; e, quarto, inovaçõesintroduzidas por funcionários públicos, oargumento mais recente” (KING,1988,p.58).Para HABERMAS, o Estado de Bem-Estarconstituiu expressão de um dos programasgestados pelo movimento dos trabalhadoreseuropeus, inspirado na utopia de uma socie-dade do trabalho. Trata-se de três programasbem diferenciados: “o comunismo soviéticona Rússia, o corporativismo autoritário na Itá-lia facista, na Alemanha nacional-socialista ena espanha falangista e o reformismo social-democrata nas democracias de massa doocidente”(HABERMAS,1987,p.18).

8 Por essa via, é possível entender que a con-quista do socialismo reduz-se progressiva-mente a uma simples democratização da so-ciedade capitalista, à democratização na so-ciedade civil, dos direitos e ideais de democra-cia política (liberdade, igualdade, fraternida-de). Daí decorrem as caraterísticas da práticapolítica circunscritas ao “legalismo, juridicida-de, parlamentarismo para o partido;” e, à“busca de contratos coletivos para os sindica-tos” (BIHR,1998,p.21), dando margem a trêstipos hierarquizados de organizações: parti-dos políticos, sindicatos e organizações mu-

tualistas e cooperativistas, como formas demobilização e organização da classe. Nesseslimites político-organizacionais, a luta das clas-ses subalternas transitaria entre os “seus inte-resses imediatos (econômicos ou políticos) esua luta por seus interesses históricos.”(BIHR,1998,p.23).

9 Esta mesma linha de interpretação parece seradotada por PZEMWORSKI (1991), na medidaem que considera essa experiência como aforma mais acabada do chamado capitalismodemocrático e, talvez, a expressão de que asocial-democracia, bem ou mal, representa aúnica força de esquerda capaz de enumerarum elenco de reformas em favor dos trabalha-dores, sendo também reveladora, para outrosestudiosos, da introdução do modo de produ-ção social-democrático no contexto da socie-dade capitalista (OLIVEIRA,1998). Portanto,como concretização da vertente reformista doprojeto social-democrático, nos países desen-volvidos, constituiu-se um ordenamento socie-tário sob o controle do capital, configurando oque se convencionou como a chamada tercei-ra via, frente ao fascismo e ao bolchevismo.

10 Anotações do Curso sobre “Gramsci, Marx eHegel: Classes Sociais, Hegemonia, Estado eRevolução”, ministrado pelo Professor DOME-NICO LOSURDO, doutor em Filosofia, Profes-sor da Universidade de Urbino na Itália, emSão Luís/MA, outubro de 1999.

11 Tal linha analítica é ampliada no debate aca-dêmico do Serviço Social com as contribui-ções de LOPES (1998), a partir das quais seconstitui, com base na perspectiva marxista,um caminho fecundo de problematização so-bre o direito à assistência.

12 É importante assinalar, de acordo com HAR-VEY (1994,p.130), que “governos nacionaisde tendências ideológicas bem distintas -gaulista na França, trabalhista, na Grã-Bre-tanha, democrata-cristão, na Alemanha Oci-dental etc. - criaram tanto um crescimentoeconômico estável como um aumento dospadrões materiais de vida através de umacombinação de estado de bem-estar social,administração econômica keynesiana e con-trole de relações de salário.”

13 Merece considerar nesta reflexão que nospaíses periféricos, além de se verificar os agra-vantes substantivos da questão social, consi-derando as relações exploração e dominaçãoa que estão submetidos, ainda se registra, co-mo sustenta MÉSZÁROS (1996), que a contí-nua super exploração das massas populares,nos referidos países, traduz também uma pré-condição das melhorias das condições de vidadas suas equivalentes nos países centrais, aomesmo tempo em que estas melhorias reve-lam-se, por sua vez, altamente seletivas econjunturais.

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Entrevista: Aziz Ab’Sáber

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Ano XI, Nº 25, dezembro de 2001 81

Entrevista: Aziz Ab’Sáber

Aziz Nacib Ab´Sáber

Universidade e Sociedade traz, para este

espaço, a fala do Professor Aziz Ab’Saber,

traduzida de uma conversa informal,

sem perguntas específicas, concedida aos

Diretores do ANDES-SN, professores

José Domingues de Godoi Filho (UFMAT)

e Antônio Luiz de Andrade (UNESP),

na qual o eminente geógrafo brasileiro

discorre sobre temas como fome, cidadania,

energia, estruturas arcaicas no país,

globalização, a base de Alcântara,

o Projeto Avança Brasil, Universidade e

pesquisa e SBPC.

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Se tivesse que, muito rapida-mente, escolher temas para falarabordaria a fome e a desnutrição nonosso país, pelo menos, desde osanos 40/50. Depois, falaria sobre aenergia, sobre as estruturas arcaicasdominantes nas relações políticas, aquestão do autoritarismo - o poderexcessivo de uns e zero de outros(os intelectuais estão na área do ze-ro). E aqui vem o problema da rela-ção entre o poder e o conhecimen-to. Esse é o assunto que mais tenhome dedicado nos últimos tempos.Por fim, abordaria a globalização,depois a conquista da cidadania.

Penso muito nos grandes proble-mas que incidem sobre a conquistada cidadania e a tremenda luta quea direita faz, através de suas lider-anças, para que não haja cidadania.Inclusive, uma dessas lideranças,Vanderlei Reis (de Minas Gerais), re-cebeu recentemente o Prêmio San-tista. Quero dizer com isso que es-sas pessoas se acoplam para depoislançarem uma espécie de alerta,uma atitude prévia da direita, de-sancando as pessoas do Partido So-cialista, fazendo uma campanhagrosseira mesmo, contra o Lula, in-clusive. É aquela velha história: seLula começa a subir nas pesquisaseleitorais, eles afirmam que isso éprejudicial para a governabilidade,vinculando tudo ao problema da ci-dadania.

Pergunto, está havendo govern-abilidade agora? As pessoas estãocom medo do futuro? É preciso terclareza. Nós estamos numa crise degovernabilidade em vários níveis.Assistimos à crise do Senado, à cor-rupção, ao sistema econômico ex-tremamente mal sucedido. Crise degovernabilidade é isso.

Fome

Mas, vamos voltar ao primeiroassunto, a fome. Penso que o quecoloca os países em uma posição de3º Mundo não é apenas a sua pro-dução científica, o número de seusmestres e doutores no exterior e/oua produção intelectual anual. Mas é,certamente, a existência dessa po-breza difícil de ser erradicada, commilhões de excluídos, que não têmchances de subir na escala da so-ciedade, na pirâmide social, sócio-econômica e cultural. O que faz comque os outros países - os chamadosde primeiro mundo - nos critiquemé a existência de 50 milhões de po-bres, e a base da classe média vi-vendo quase na pobreza. Esses mi-lhões têm dificuldade de alimenta-ção e a desinformação é total quan-do o assunto é nutrição, de tal ma-neira que mesmo os que comem,na verdade, biologicamente são es-fomeados. É preciso que os homensdo topo da sociedade e da alta bur-guesia, e mesmo da classe média,tivessem melhor noção do que sig-nifica ter compatriotas e patrícios,para usar termos antigos, ter sereshumanos iguais a nós numa po-breza quase absoluta, humilhadospela impossibilidade de se integrardentro do plano da chamada oci-dentalização. Tenho para mim queas pessoas não escolhem lugar paranascer, nem condição sócio-econô-mica, nem a família cultural. Elasnascem onde o acaso determina.

Sobre tudo isso, chamo a aten-ção para um artigo de Josué de Cas-tro, publicado no dia 11 de agostode 2001, no jornal Folha de SãoPaulo, com o título “Homens e Ca-ranguejos”. Gilberto Vasconcelos fazo seguinte comentário: “A verdade éque a história dos homens do Nor-deste, lendo muito mais pelos olhosque pelos ouvidos, o autor sublinhaque compreendeu a angústia dafome não na Sorbonne parisiense,mas nas margens e bairros inóspitosdo Recife. Pobres coitados, alimen-tados com caranguejo e farinha demandioca. Ali aparece a grande lou-cura da sociedade brasileira. Umaloucura que nos persegue ainda ho-je. Um povo faminto que não sabede onde vem a fome e quer ocultá-la ou senão disfarçá-la. E mais, osalimentos não entendem os fam-intos e vice-versa. E mais, o chamadopúblico letrado não aprecia os int-electuais e artistas que denunciam airracionalidade da fome popularbrasileira”.

No texto, Josué de Castro falamuito sobre o contato com a reali-dade da população pobre da sua ci-dade, da sua juventude e como sen-tiu o problema da fome, meditou efez uma crítica às elites brasileiras. Aminha crítica às elites brasileiras, emtermos de seu comportamento per-ante a pobreza e à fome dos povos,é muito grande. Eu acho que o Bra-sil possui as piores elites do mundo,em função dessas desigualdadesfantásticas que eles não sabem sen-tir e para a qual elas não sabem pro-por soluções. Às vezes, vejo grandespolíticos falando da pobreza “dema-gogicamente” e fico pensando queeles não sabem nada sobre a geo-grafia da fome, a mesma geografiaabordada por Josué de Castro. Ou-tras pessoas de outras partes domundo escreveram sobre a fome e,ao mesmo tempo, denegriram oBrasil de um modo estupefaciente.

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Penso que é possível receber o queeles dizem do nosso país como umabofetada cultural, em função do degeneralidades que eles conhecemsobre a fome. Na realidade, eles co-nhecem menos que deveriam con-hecer. O trabalho do Josué de Cas-tro, ainda hoje, é reeditado no Brasile no exterior. Foi o começo de tudo,mas com uma generosidade huma-na que falta aos outros. Nos meuscontatos sociais com as periferias deSão Paulo, venho sentido muito di-retamente a questão da fome e dadesnutrição, sobretudo. Um dia fize-mos um sopão e as criancinhas en-traram em fila, de cinco e seis anosaté 11 e 12, depois adolescentes edepois alguns adultos, muitos pou-cos. E as criancinhas vinham comum pratinho, recebiam a comida evoltavam para o início da fila repetiro prato. Depois de todo esse movi-mento, uma criancinha chegou per-to de mim e disse: “professor, hojenão vai ser preciso fazer comida láem casa, já comemos bem aqui”. Opior é que na casa dela não tem

nada para fazer. Penso que, ao lon-go do tempo, mudou muito a pais-agem, mas não mudou tanto a de-sigualdade. Continuamos tendofome nos arredores de uma cidadeagigantada, poderosa, consideradadiferenciada em relação a muitasoutras do mundo. Não a fome dotipo que muita gente pensa, comobuscar alimentos no lixo, mas de teruma comida insatisfatória comonutrição para o crescimento biológi-co e, no caso das crianças, para odesenvolvimento biológico e men-tal. As crianças brasileiras das áreaspobres talvez sejam das mais inte-ligentes do mundo, no meu modode ver, e, no entanto, vai crescendodentro de enormes dificuldades emmatéria de desnutrição. Isso é gra-víssimo e deveria ser pensado pelasautoridades e pelas elites. Essas queeu considero as piores elites do mundo.

Energia

A crise de energia atesta a faltade informação e a falta de conheci-

mento dos governantes, que ultima-mente têm estado no poder. Não éuma crise climática, é uma crise deignorância. E a pior coisa que acon-teceu foi a tentativa de justificaresse estado de coisas apenas peloclima. Claro que existem anos maissecos, anos mais chuvosos, mas nãose pode dizer no momento queserão adotadas medidas administra-tivas, governamentais, autoritárias,não se pode dizer que o clima foi oresponsável pela crise energética.Primeiro, porque nunca poderiamter privatizado as hidrelétricas, nun-ca. Foi o ato mais criminoso dahistória econômica, social e tecno-lógica do Brasil. O processo de cons-

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trução de uma hidrelétrica é tre-mendo. Há uma série de exigênciase de fatores que devem ser levadosem consideração, principalmente osrelacionados ao meio ambiente.Pois bem, quando a hidrelétrica jáestá pronta, alguém ou algum grupochega com o dinheiro, compra egarante sua renda. Só que utiliza aágua acima do normal porque nãoprecisa gerenciar o nível, já que sa-be que o governo não tem ninguémpara fazer a fiscalização. Depois deprivatizar, fica praticamente impos-sível exigir certos comportamentosdos novos donos.

Voltando à questão da estiagem,é absolutamente certo falar que aspróximas chuvas serão insuficientespara repor aquilo que se gastou de-mais, mas dizer que seriam seis me-ses secos foi um erro de conheci-mento sem precedentes.

Eu dizia que o rol de coisas críti-cas sobre o país, dentro de uma vi-são política social e não partidária,é tão grande, que temos de tratarda fome, da energia, dos arcaís-mos, da estrutura, que não são pre-ocupação de ninguém e quandotentam melhorar as estruturas ar-caicas, melhoram pontualmente al-guma coisa. É preciso entender queestá havendo uma guerra contra aconquista da cidadania, com “au-toridades” dizendo as coisas maisabsurdas possíveis. E na medidaque a pessoa comum ampliar o seuconhecimento e tiver forças paraexigir coisas como cidadão, o Brasilse tornará “ingovernável” - na óticagovernamental.

Uns dizem que a governabilida-de existe agora, que está nas mãosda direita. Acho que não existe gov-ernabilidade nenhuma. Não atingi-mos a base da pirâmide social, aeconomia, entre outras coisas.

Penso que esse problema daconquista da cidadania tem ficadocom a direita como se fosse um pe-

rigo, significando conservar os po-bres da classe média dentro de umpadrão absurdo. Como dizia MiltonSantos, “não querem que pobre te-nha cidadania, bloqueiam tudo, en-tão só lideranças pequeninas ten-dem a ter cidadania”, lideranças debairro e outras coisas mais. E a clas-se média? A classe média não dis-cute os problemas nacionais, nemtem opinião firme sobre o que estácerto ou errado no governo. Temmedo de criticar o governo e, so-bretudo, ainda nos dizeres de MiltonSantos, “a classe média só quer priv-ilégios”. Quem quer privilégios nãolutou pela cidadania social. Isso éum ponto importante.

Vemos agora a campanha da di-reita sobre a possibilidade da es-querda conquistar o poder. Masquais são as pessoas que estão lid-erando isso? Infelizmente, até al-guns pensadores estão com a direi-ta, formando a defesa do atual go-verno. Uns dizem, para perolar, quepolítica não tem moral nenhuma,que ela é amoral. Eu nunca vi um fi-lósofo falar uma bobagem tão gran-de. Não posso aceitar idéias comoessas. Nós temos que defender umapolítica ética.

(São as três classes que podemfazer alguma coisa pelo Brasil. Pri-meiro os órgãos acadêmicos, depoisos promotores públicos, que têmmostrado muita força e vontade, epor fim, os intelectuais, os profes-sores mais esclarecidos)

Estruturas arcaicas

O principal arcaísmo no país éque o poder continua, desde oBrasil colonial, desde os latifúndiose das tradições das casas grandes eda vida social que assimilou o escra-vismo, tendo um caráter de podermonolítico. É um poder que nãoprecisa ouvir o conhecimento. Essadicotomia entre poder e conheci-mento é a coisa mais séria da estru-tura arcaica do Brasil. Alguém po-derá dizer que nos outros paísestambém é assim. Não é verdade. AAlemanha não teria saído da Se-gunda Grande Guerra e rapida-mente ter reconquistado um lugarno mundo se o poder e o conheci-mento não tivessem troca de infor-mações e debates. No Brasil, contin-uamos, de um lado, com o podertotalitário, absoluto, e, do outro la-do, com o conhecimento, muitofragmentado e sem capacidade dese colocar como ajuda ao poder. Emparte, porque o poder não quer, emparte porque o elitismo dos queaparentemente detêm o poder é tãogrande que não provoca o trânsitopara o poder geral político. Surgeentão um problema de ética. O po-der, no Brasil, é o mais antiético domundo. Não é a questão de seramoral, como diz Genod, é antiéticomesmo. E os tempos do conheci-mento estão ficando com uma certafalta de ética social, o que é gravís-simo. Então, não se auxilia o poderpara rearranjar certas posturas, cer-

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Entrevista: Aziz Ab’Sáber

A classe média não discute

os problemas nacionais, nem tem opinião

firme sobre o que está certo

ou errado no governo.

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tos projetos e, ao mesmo tempo,não se trabalha para a base pobreagigantada do país. É “feio” para umcientista se preocupar com a basepobre. Sou testemunha disso, por-que trabalho no topo e na base e,quando estou trabalhando na base,querem esquecer que trabalho notopo e aí me criticam porque o pro-fessor Aziz está fazendo incursões àsperiferias para entendê-las melhor.Como se isso não fosse social, comose isso não fosse um dever ético detodo cidadão. Esse assunto do arca-ísmo é muito sério. Existe a neces-sidade de Reforma Agrária, existe anecessidade de não se abandonarcertas infra-estruturas, mas melho-rá-las, se possível, e continuamente.Até hoje, o idealismo foi deixado delado, a Reforma Agrária inexiste. Oque vemos são assentamentos ru-rais mal feitos e mal respaldadostecnicamente, apesar de a Univer-sidade ter feito o Projeto FLORAN,que é exatamente uma concepçãode socioflora, de florestas sociais,acoplada com a continuidade da vi-da agrária.

Outro problema, além do ferrovi-alismo esquecido, descartado, é oda circulação nas grandes cidades. Éincrível que não haja, por parte dosgovernantes, nenhuma atenção poralguma coisa que eles deixaramacontecer. Veja o caos nas grandescidades. E não é uma tarefa do Mu-nicípio, nem do Estado apenas. Éum trabalho do Estado Federal. Essasituação é geral. Comparando a Ba-hia com o conjunto dos sertões, dosagrestes e outras matas, a cidade deSalvador é um grande núcleo ur-bano de dimensões metropolitanas,apesar de não ter o mesmo sentidode metrópole comunitária, espacial-mente falando, como Recife, For-taleza ou São Paulo. Então esse pro-blema de circulação interna exigeque o Governo Federal, Estadual e oMunicípio se integrem na formula-

ção de um planejamento para aten-der à circulação, minimizar o uso doveículo e evitar que a circulação ex-terna passe por dentro das grandesáreas urbanas, metropolitanas. Enão há nenhum anúncio de que sevá fazer isso. Resultado: a própriacidade de São Paulo, depois de umtempo imenso, começou a pensarem metrô e instalou algumas linhas.Na época da instalação, o que seprevia e o que se pensava é que de-via evitar sobrepor o projeto do me-trô ao projeto dos corredores viáriospré-existentes, ou seja, o metrô nãodeveria consolidar o caráter centra-lizador dos corredores. Os corredo-res já existiam, na direção da zonaleste, do oeste, do norte, sudoeste,sul, e a rede de metrô deveria criarcondições para que o usuário ten-tasse uma estação, fizesse o trans-bordo noutra, chegasse lá ou fizesseum transbordo periférico, terminalintermediário, para depois pegar acirculação na parte dos corredoresextensivos. Surge aí um problemade conhecimento. Falta ao governoa idéia de que uma metrópole pre-cisa ser estudada na sua estrutura,na sua composição social e urbanís-tica, na sua funcionalidade de circu-lação e de emprego. Duas funcio-nalidades sem as quais a populaçãomorre.

Quanto à estrutura, por exemplo,se observarmos as palavras dos can-didatos a governantes da cidade oudo estado, nunca eles sabem nadasobre a estrutura de São Paulo. Ela éuma estrutura radial, complexa, de-rivada de fragmentações das pro-postas mais antigas e de extensõesdesmesuradas dos corredores. Derepente os corredores se projetamem rodovias: Raposo Tavares, Imi-grantes, Anchieta, Dutra, Bandeiran-tes e Castelo Branco. E na medidaque uma estrutura radial concêntri-ca se agiganta entre os vãos doscorredores, formam-se loteamentosde todos os tipos, cada um semconcatenação, sem integração, semharmonia com o outro. Esses lotea-mentos são, em geral, especulati-vos, alguns até clandestinos e out-ros, agora mais recentemente, deri-vados de um construtivismo exage-rado na base de uma-mão-de-obramuito pobre. Repetimos hoje o queaconteceu no ciclo do café, mão-de-obra pobre, desempregada, ganhan-do pouco e pensando no empregocomo solução. Isso fala muito bemdo brasileiro pobre. Ele sempre quertrabalhar, não quer esmola. Pensoque estamos retornando a isso evou dar alguns exemplos: houveuma tendência especulativa paraconstrução civil se tornar dona doprocesso. Mas a construção civilquer ser livre, neoliberalmente livre.Ela quer vencer a neoliberalidadecom plena possibilidade de fazer oque quer. O resultado: começaram aquerer fazer edificações de 12, 15andares, nas mais diversas áreas debairros tradicionais de São Paulo, nocorpo urbano da chamada metró-pole central expandida. E de re-pente, se deram conta de que os ci-dadãos de alguns desses bairros declasse média associada com a pe-quena burguesia iriam reagir. Houvereação no Pacaembu, no Alto da La-pa, no sudeste da cidade, em vários

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Entrevista: Aziz Ab’Sáber

Repetimos hoje o que

aconteceu no ciclo do

café, mão-de-obra

pobre, desempregada,

ganhando pouco e

pensando no emprego

como solução. Isso fala

muito bem do brasileiro

pobre.

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pontos. O que foi feito para ultra-passar essas reações cidadãs dos queestavam lá nos seus bairros, com suasfamílias, com suas crianças, com rela-tivo conforto ambiental? Resolveramcomprar espaços cada vez menoresna margem da metrópole central ex-pandida, e até mesmo entre núcleosdo município principal com os mu-nicípios que têm um pouquinho maisde progresso em função do industri-alismo e começaram a levantar edifí-cios de 35 a 40 andares. Espaço pe-queno, comprado por preço baixo,usado até onde for possível. Falou-seaté na construção de uma torre decento e poucos andares no Pari, oque mostra que o especialista, sejaele em engenharia ou arquitetura,não tem conhecimento de ciênciassociais, não pensa no futuro, nãosabe fazer previsão de impacto e nãopassa de um grande mentecapto. Éperigoso e criminoso para o futuro epara o social. Agora imagine, com acrise de energia, morar no 33º andarde um prédio, sendo que alguns dosmoradores, com certeza, são idosos eoutros são crianças. O prédio será umespaço tão opressor quanto o espaçoopressor mais simples, que estejanum bairro carente, sem conotaçãode falar no espaço opressor principalque é a favela. No fundo, é uma tra-gédia. Um país que deixa isso aconte-cer sem tomar providências é um paíssem sensibilidade humana. Mas oproblema e a desinformação não sãosó do governo. Vemos várias ONGsque estão desatualizadas, precisandoestudar mais. Eu as admiro, mas la-mento que sejam colocadas pelogoverno no lugar da Universidade,demagogicamente para ter votos esimpatia. Nós, os professores, não so-mos chamados a dizer nada, pelomenos no governo FHC. Isso porquehá o peso de que é partidário. O go-verno não sabe separar o conheci-mento verdadeiro do partidarismo.

Globalização

A cultura ocidental tendeu a fa-zer uma globalização. Entraram pro-cessos, conhecimentos de todas aspartes do mundo, no sistema edu-cacional das mais diversas áreas.Alguns países tiveram que adotaraté ideários políticos de outros parapoderem sobreviver. Portanto, é ho-je um esforço de globalização. Nopassado, a globalização imposta de-pendeu do colonialismo, desde ahistória da Grécia antiga, de Roma,o mundo da época. Mas hoje omundo inteiro está sujeito a obterdados que não dependem de fron-teiras. Mas daí a dizer que os paísesnão precisam mais cuidar de seuEstado Nacional e tenham que en-trar num processo, num sistemaeconômico neoliberal total, é umabismo, porque os grandes paísesque dirigem o mundo, em termosda economia, em termos de pro-dução de tecnologias, continuamsendo absolutamente coerentescom seu Estado Nacional. Isso émuito grave. Na realidade, queremenquadrar o país em todas as suasesferas sociais e administrativas pa-ra ter o domínio do espaço, o do-mínio da economia, o domínio dacultura, impondo o novo nível cul-tural, quebrando fronteiras em re-lação ao tradicional da região. Casoclássico foi a Índia. Superpovoada,com uma tradição cultural milenar,e de repente enquadrada bélica eburocraticamente. Não foi preciso

transportar grande número de ingle-ses para lá, porque o enquadra-mento bélico num país que tinhatecnologia muito simples, muito fra-ca, foi suficiente para dominar umapopulação imensa. E a burocraciafazia estratégias de dominaçõescomplementares. Mas o exemplo deGandhi, reagindo a isso pessoal-mente e incitando uma populaçãointeira a reagir contra essa domi-nação burocrática e bélica, é umexemplo que mostra que, às vezes,de onde menos se espera a força émaior.

O que está acontecendo agoracom a pressão globalizadora doprimeiro mundo sobre o terceiro é amesma coisa. Enquadramento. Oministro Malan é o líder do enqua-dramento, da recepção do processode enquadramento, sem tomarconsciência disso. E o presidenteFHC se exime de discutir esse prob-lema que o país vem sofrendo nosúltimos dez anos. O interessante éque, nos dias de hoje, o enquadra-mento não é mais bélico e nem bu-rocrático. É exclusivamente financei-ro e privatizante. Duas coisas queeliminam fronteiras e que possibili-tam o enquadramento de um país.No Brasil, venderam Carajás, ven-deram a Vale do Rio Doce - uma dascoisas mais criminosas nesses últi-mos tempos. Depois disso, podemvender o que quiser. Segue-se entãoo roteiro: hidrelétricas, talvez privati-zação das penitenciárias, olha que apenitenciária já é um inferno. O diaque for privatizada, ficará à mercêdo capitalismo e dos prepostos queo capitalismo colocar lá. É uma de-sumanidade maior que o crime queaquelas pessoas cometeram. Agora,pare e pense: o Brasil tem em seus8.500.000 Km2, no mínimo,7.900.000 Km2 de áreas úmidas,chuvosas, rios perenes. O restante,mais ou menos 600.000 Km2, que éo domínio das caatingas, possui rios

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Entrevista: Aziz Ab’Sáber

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intermitentes sazonais e uma por-ção mais perene. Chuvosa, perene esão recursos fundamentais para ofuturo. Inclusive, o caso da Amazô-nia me deixa muito preocupadoporque tem água...

O problema econômico passa,então, a ser o próximo por aqui.Pensar que as privatizações resolve-riam o problema econômico doBrasil, ou da Argentina, ou de qual-quer parte foi trágico. Isso porquenão conseguiram resolver nada. Nãoseria melhor aproveitar (sem ven-der) essas riquezas e infra-estrutu-ras e, com isso, ter um cartão de vi-sitas? A pressão existe sempre, maso “cartão de visitas” ergue essas coi-sas, esses fatos. Nesse ponto, nãoconsigo explicar como o governotomou o rumo das privatizações, dácontinuidade a esse projeto e faztudo cada vez que se descobre umacoisa que possa ser privatizada e dêum pouquinho de dinheiro. E aí ficaem aberto também o problema deque, numa crise qualquer, até emfunção da energia, o governo vai re-correr a níveis de empréstimos mui-tas vezes maiores do que eles ga-nharam com privatizações. É o queestá acontecendo agora. E continu-amos na roda viva dos empréstimose cada vez pagando juros maiores epodendo investir menos em outrasinfra-estruturas, o que me desagra-da consideravelmente. A políticaeconômica do governo é deplorávele o ministro Malan disse recente-mente que qualquer pessoa que as-suma o governo do Brasil terá quese enquadrar ao sistema econômicoque está implantado.

Isso tudo já é uma crítica indire-ta à possibilidade de Luís Inácio Lulada Silva ser presidente, não tenhamdúvida. O grande problema é a des-confiança popular que foi engen-drada em função dos erros do go-verno atual. FHC e seus comanda-dos dizem que não haverá govern-

abilidade caso não permaneçam nopoder. O pior é que eles não falamnada do social, pois na sua visão osocial não é para ser melhorado.

Base de Alcântara

O Exército brasileiro foi o únicoda América do Sul que não sedeixou infiltrar de um modo maisvisível por militares estrangeiros,mantendo, de um modo geral daAmazônia até o Sul, as Forças Arma-das na segurança do Estado. Issodeveria ser sempre destacado pelogoverno com uma cultividade cultu-ral. Não basta colocar os destaca-mentos militares em São Gabriel daCachoeira e dizer que eles estavamdefendendo parte da Amazônia. Pe-lo contrário, se houvesse um sensocultural nessa presença com dis-funções sobre planejamento, sobreeconomia ecologicamente auto-sus-tentada, o Brasil estaria numa situ-

ação muito boa. Na realidade, é sómilitar a chegada e a permanênciadesses grupos que estão em posi-ções muito distantes. Isso me pre-ocupa profundamente, porque senão houver dentro das Forças Arma-das um movimento cultural maisamplo em função das conjunturascomplexas deste fim de século e docomeço do novo milênio, nós nãovamos ter força para podermos opora queda de soberania que queremnos impor. No caso do processo mi-litar, era preciso que as chefias sen-tissem a necessidade de debatercom a Universidade, mas são duascoisas aparentemente incompatí-veis. A Universidade fica de um lado,as Forças Armadas, do outro.

No caso de Alcântara, por exem-plo, o Brasil tentou fazer uma miniNASA na Barreira do Inferno, nasproximidades da cidade. O governoprojetou planos de uns 6 ou 7 anose interrompeu o fornecimento derecursos lá. Por outro lado, a miniNASA tentou fazer lançamento desatélite e não foi feliz. Então, a saídaera fazer parcerias com países queestavam mais adiantados no proces-so. Foi quando os Estados Unidos fi-caram “chateados” e a brilhante so-lução surgiu: vamos doar para osamericanos a base iniciada. O pro-blema é que nada garante que elesvão usar todos esses recursos emparceria com os brasileiros. Sem fa-lar em todo investimento que foi fei-to por brasileiros para lançar um sa-télite além da troposfera, na es-tratosfera, corremos o risco de per-der a soberania nesse lugar. Emuma tacada só, resolvem entregartudo. Eu preferia que aquelas insta-lações fossem transformadas emum centro de climatologia dinâmicaa favor da Amazônia e da transiçãoAmazônica com o Maranhão e oNordeste.

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Entrevista: Aziz Ab’Sáber

Estados Unidos ficaram

“chateados” e a brilhante

solução surgiu: vamos

doar para os americanos

a base iniciada.

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Projeto Avança Brasil

Vamos considerar o projeto Avan-ça Brasil, que transforma a geografiado país em nove eixos de ocupaçãoe reprodução do capital, como elesdizem. Como geógrafo, isso me pre-ocupou profundamente, porqueforam eixos escolhidos por pessoasque não conheciam o espaço, aquiloque era essencial. Então, o conceitofundamental de hoje, em termos davisão de um país num certo mo-mento, é o conhecimento de frag-mentos de seu espaço total, en-tendendo-se por espaço total o mo-saico de fatos, de ecossistemas natu-rais remanescentes, primários ousemiprimários, ou semidegradados.Depois é usado o ecossistema queforma o pano de fundo de muitas re-giões e também o sistema urbano,em rede ou em bacia, e que pontilhao espaço dos usados ecossistemas.Só que o Brasil, além desse esquemade ecossistemas naturais pequenos,tem a Floresta Amazônica.

Isso significa dizer que o proble-ma de fazer um Avança Brasil nãopodia ser demagógico. Não podiamescolher eixos lineares, mas, sim,conhecer os diferentes modelos deespaço total dentro do território ma-cro total. Não chegando a esses de-talhes, não se resolve nada. São ei-xos lineares inventados, aleatórios,sem estudo das realidades regionaisespaciais que estão dentro do espa-ço, o espaço social e a comunidade.O projeto deveria chamar-se Perma-nece Brasil e não Avança Brasil.

Universidade e pesquisa

Não existe na universidade bra-sileira, de um modo mais geral, aschamadas pesquisas holísticas, osentendimentos holísticos. E isso fazcom que cada um fique no seucompartimento e pensando apenasno seu universo, na sua condiçãopessoal perante as comunidades eas vantagens da burocracia. Forçar odebate é a base da democracia e nocaso do conhecimento, conheci-mento científico especializado sozi-nho não basta, não soluciona. Umexemplo? Biologia é fundamental.Mas acontece que o homem tam-bém é Biologia, temos gênero, exis-te a mulher, existe o homem, os gê-neros geram outros homens, queprecisam entender o mundo. Então,as Ciências Humanas não fogem doproblema da Biologia, porque ohomem tem uma mente capaz deter reagibilidades. E é graças à Uni-versidade gratuita que um meninofilho de imigrantes libaneses po-bres, que andou muito na carroce-ria, no lombo do burro para poderestudar, hoje em dia pode falar comautoridades com poder, que nuncativeram problemas para estudar. Fa-lar em engajamento também é difí-cil, porque os engajados são perse-guidos.

SBPC

Há também o elitismo da Uni-versidade. Vemos o caso da cisão daCiência Hoje e de todos os órgãosvinculados a ela, como a SBPC. Ago-ra, vão criar o Instituto da CiênciaHoje. Só que, ao fazer isso, fizeramum Conselho de doze pessoas, dasquais oito seriam da SBPC, nomea-dos pela própria entidade, e, outrosquatro, por eles. Isso aconteceu por-que têm medo de que, de repente,fiquem isolados até na relação coma SBPC, que foi básica para teremprestígio. Acontece que, na hora davotação, o Conselho votou oitomembros da SBPC, dos quais seissão da própria Ciência Hoje. Por-tanto, todos da mesma origem. Elesvão ao Conselho emitir opiniões so-bre eles próprios, como se fosse umconselho autônomo. Esses aconte-cimentos são de uma gravidade co-mo eu nunca vi na história da So-ciedade Brasileira para o Progressoda Ciência.

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Entrevista: Aziz Ab’Sáber

Texto transcrito e editado por LuizAndré Barreto, jornalista do ANDES-SN, com revisão e apresentação doDiretor do ANDES-SN, ProfessorAntônio Ponciano Bezerra (UFS)

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Universidade, Educação e Trabalho

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O embate de projetos hegemôni-cos, mais do que nunca, estácolocado na ordem do dia. Paraos dominantes, a mistificação éuma necessidade real para a suaexistência e das relações sociaisque os sustentam, é, portanto,uma virtude. Para os antagonis-tas do Capital, a construção doseu projeto classista requer,necessariamente, o combate àmistificação e coloca-se comouma virtude, no sentido definidopor Maquiavel. É uma necessida-de.

Sobre o uso político da noçãode corrupção

Esta é uma das noções maisambíguas do momento político e,por isso mesmo, tem sido uma daschaves na prática e na linguagematual. Da violação do painel doSenado aos grandes escândalos dosórgãos governamentais, passandopelas chamadas políticas públicas(verdadeiro paraíso do saque ao erá-rio nacional pelos grupos privados),tudo tem sido alvo da corrupção.Chega-se mesmo a falar na necessi-dade de votar um “pacote ético”para que o Congresso, minimamen-te, se liberte da monótona repetiçãodos escândalos. Um sociólogo, even-tualmente presidente e grande pro-motor da liquidação do patrimônionacional, frauda até mesmo a inteli-

gência nacional, ao afirmar que oresponsável pela crise energética éSão Pedro!

A corrupção é um elemento fun-dante da política brasileira aindaque aparentemente isso possa pa-recer paradoxal, pois corrupção équase sempre vista como desvio denormas éticas. Quando de desviopassa a ser padrão, normalidade, is-so indica que a corrupção é decisivana construção do capitalismo noBrasil, definidor de práticas usuaisna política e na sociedade.

Uma ampla gama de posiçõesreivindicam a ética como modo defazer política hoje. Normalmentepara negar a corrupção abstrata-mente. Falamos em negação abstra-ta porque não se constroem, con-cretamente, formas de superaçãodessa prática. A corrupção e suanegação discursivas, colocadas nocentro do debate, permitem reduzira política à ética na política. Isso émuito significativo. Desliza-se, passoa passo, do campo da luta social, doconflito, para o das almas boas e dabusca do diálogo, do consenso. Oproblema, dizem, não é a forma so-cial dominante, o modo de produ-ção capitalista, mas a forma peloqual esse modo é implementado.

Esse deslocamento de camporequer um outro. A cidadania -entendida como manifestação da

virtude política, e negação, por defi-nição da corrupção - passa a ser, au-tomaticamente, o elemento centralde intervenção. Vários exemplosdemonstram os alcances e os limi-tes dessa formulação. O mais gri-tante foi, sem dúvida alguma, o doimpeachment de Collor. Todo ocampo político nacional viveu inten-samente essa questão. Da maioriados partidos de esquerda, passandopelas centrais sindicais, igrejas, ONGs,sociedades científicas até os éticosde resultados (malufistas e pefelis-tas, entre outros), quase todos com-bateram a corrupção deixando into-cado o modelo econômico que leva-va o país a uma das suas mais espe-taculares crises. Para os capitalistas, asolução de sua crise exigia que asociedade fosse inteiramente rees-truturada. De cima a baixo. Para talera, e é, necessário tornar clandesti-nos os direitos sociais, como afirmouNegri, em relação ao trabalho, retirá-los do campo do Direito e não ape-nas desconstitucionalizá-los.

Os partidos e as organizações daclasse dominante buscaram reduzira corrupção à sua forma liberal,como desonestidade pessoal. Oproblema não radicava, pensavam,insisto, no padrão capitalista deacumulação e nas relações sociaisdaí decorrentes. Os responsáveiseram os corruptos. Logo, bastaria

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Universidade, Educação e Trabalho

Edmundo Fernandes Dias

A mistificação como “virtude”,a virtude como necessidade

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eliminar o gerente corrupto paraque se pudesse reconstituir o reinoda ética, do mercado, etc. A formu-lação de FHC, no seu discurso deposse, foi exemplar: o problemanão estava no modelo mas nos in-sensatos que malbarataram umaboa proposta. Com ele e com suatrupe - ética por definição - estariamsalvos o país e o capitalismo. Redu-ziu-se tudo e todos ao fetichismo daestabilidade econômica. A estabili-dade do real (a moeda) encobriu aprofunda desigualdade do real (davida social). A crise, artificialmentecongelada, rapidamente recuperariaseus direitos destrutivos quando oreal mostrou que era um mero feti-che que não garantia nada. E nem opoderia. Embora muitos acreditas-sem, e ainda “acreditem”, na sua efi-cácia.

O problema estava na corrupçãoou na forma capitalista de tentarescapar aos efeitos das leis tenden-ciais que regem nossa sociedade?De acordo com a resposta que ofe-recermos a essa pergunta, projetospolíticos ganharão força ou serãoreprimidos. Pode o Capitalismo vi-ver e sobreviver sem corrupção? Es-ta é, para nós, uma proposição ab-solutamente incapaz de comprova-ção! Os que, transformisticamente,passaram da denúncia da ditaduraa salvadores da pátria, têm necessa-riamente que concordar com a afir-mação. Uma afirmação, tão clara econtundente, sobre a relação umbi-lical entre capitalismo e corrupçãocomo a que apresentamos podeparecer à manifestação do mais pu-ro sectarismo ideológico. Será? Noplano das ideologias liberais, tudo épossível, veja-se, por exemplo, a te-se de Friedmam segundo a qual osindicato é o maior inimigo do tra-balhador! E da sociedade. O preçodesse reducionismo é o da naturali-

zação da política e da supressãodos antagonismos. A corrupção,forma clássica da apropriação dosrecursos públicos, expressa a corre-lação de forças dominantes.

O capitalismo como materialização ideológicaO pressuposto do capitalismo é

de que as relações mercantis - omercado, entendido como regula-dor perfeito e acabado das diferen-ças - são eternas e auto-suficientesna regulação da vida das socieda-des2. Esse pressuposto é inteira-mente inverídico. As relações mer-

cantis não são “naturais” como pre-tendem os intelectuais orgânicos docapital, de Adam Smith a MiltonFriedmam. Elas tiveram um começoe poderão ter um fim, visto que asrelações sociais são historicamentedatadas e requerem sempre umaideologia que lhes dê a aparênciada neutralidade3 e, portanto, garan-te sua legitimidade.

O segundo ponto essencial des-ta formulação ideológica, do pontode vista das classes subalternas, es-tá no fato de que o capitalismo éproduto de uma violência históricaque expropriou, e continua expro-priando, os trabalhadores e que foiimposto ideológica e politicamenteao conjunto das sociedades. Naideologia burguesa, o Estado deveser pensado como guardião doscontratos, pura e simplesmente. Es-se é o discurso, não a prática. Aocolocar-se como estado nacional-popular, como igual para todos pe-lo menos jurídica e politicamente -a violência desaparece na totalida-de discursiva, embora esteja viva eforte no conjunto da prática social.O capitalismo, sob a forma neolibe-ral, longe de poder considerar oEstado desnecessário requer mais e

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Universidade, Educação e Trabalho

O capitalismo é produto

de uma violência histórica

que expropriou, e continua

expropriando, os

trabalhadores e que foi

imposto ideológica e

politicamente ao conjunto

das sociedades.

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mais a sua presença. A desigualda-de é reafirmada não como elemen-to do processo mas por capacidadeou não de os indivíduos de coloca-rem-se na rede social.4 Mesmo noseu momento original, a separaçãoentre Estado e Sociedade era ape-nas um elemento discursivo impos-to à totalidade social. Invariavel-mente ele atuou como garantidorda capacidade de acumulação e deformação dos capitais privados emediou as contradições entre os ca-pitalistas e subordinou o conjuntoda sociedade àqueles.

O terceiro argumento se expres-sa no fato de que a postulada igual-dade de todos nada mais é do queuma ideologia, no sentido mais vul-gar do termo. Mas uma ideologiamuito particular porque constituido-ra do real. Insistimos: para que pos-sa haver a acumulação capitalista énecessária a expropriação da capa-cidade de trabalho, forma combina-da de exploração e opressão. A for-ma contratual do trabalho foi pro-duto da luta de classes, embora oCapital tenha visto sempre qualquerregulamentação como uma violên-cia contra os sagrados direitos dapropriedade.5 A igualdade formalbusca tornar invisível a opressão e aexploração. O cotidiano aparececomo uma legalidade industrial emque parceiros realizam uma obraem comum.

A luta entre as forças do Traba-lho e do Capital determinou sempreos limites da intervenção estatal.Forças desiguais na capacidade deinterferir na formatação econômica,política e jurídica, movimentos con-tratendenciais onde os trabalhado-res buscavam de forma a maisvariada possível exercer seu antago-nismo e impor limites ao Capital. DaRevolução russa à ocupação dasfábricas italianas, esse antagonismo

criou a chamada reestruturaçãoprodutiva permanente, ou seja, dasubsunção real do trabalho ao capi-tal. Como em um jogo de xadrez, omovimento dos antagonistas força-va o dos outros.

A cidadania passou a ser um ter-ritório privilegiado de luta onde ostrabalhadores buscaram sedimentarseus avanços e os capitalistas pro-curavam envolver aqueles, compro-metendo-os com a ordem burgue-sa, ao mesmo tempo em que trata-vam de reduzir-lhe o avanço6. O queestá (estava) em jogo era a próprianatureza de classe do Estado que aOrdem do Capital ao construir a no-ção e a prática do Estado nacional-popular, busca ocultar.

Ao centralizar sua ação no con-ceito - e na prática - da cidadania,os trabalhadores não conquistaramo adversário mas foram conquista-dos por aqueles. A história pareceudar razão a Weber. No início do sé-culo XX, quando o avanço dos so-cialistas parecia ser contínuo e ine-xorável, muitos afirmavam que elesdominariam a administração esta-tal. Weber, com muita clareza, afir-mava o contrário: a administraçãoincorporaria os socialistas. O Wel-fare state atualizou a lição weberia-na. Claus Offe mostrou, em um arti-go brilhante, como a social demo-cracia alemã administrou o estadovivendo todas as suas contradições:“Não há projeto sócio-político (...)sequer definível programaticamente(...). Em vez disso existem metasformais: a estratégia eleitoral-políti-ca de apelar a todos os grupos, es-tratos e forças sociais; a premissametodológica de promover diversi-dade, mobilidade e inovação; e oprincípio de opções não ‘limitantes’e de ‘mantê-las abertas’”7. Os anti-gos revolucionários eram agora ad-ministradores do Capital.8

As promessas do bem estar so-cial, a partir da regulação pelo mer-cado sequer passaram de uma hi-pótese de massa. Restrita aos limi-tes dos países chamados avança-dos9, ela se revelou uma condiçãonecessária para garantir aquilo queos ideólogos capitalistas chamamde “Anos de Ouro”, “os gloriosostrinta anos”10, etc. É um postuladoque dispensa qualquer comprova-ção e que tem o valor de credo. Edisso se trata. Mais de duzentosanos, pelo menos, já se passaram eessa “hipótese” não se confirma. Enem poderia confirmar-se. As tenta-tivas de explicação da naturalidadedo capitalismo e da sua ação bené-fica e de liberdade para todos nun-ca se prenderam a análises empíri-cas mas à afirmação de dogmas fi-losóficos. A mão invisível de AdamSmith decorre da sua teoria dossentimentos morais. A legitimaçãopelo trabalho que Locke desenvolvese baseia, como já mencionamos,nas Sagradas Escrituras.

A contradição é insanável, doponto de vista capitalista, pois asimples generalização dos direitossociais implica a diminuição da ca-pacidade da acumulação. Na pala-vra dos intelectuais das escolas aus-tríaca e de Chicago, a regulação dotrabalho, por mecanismos políticos,engessa o Capital. Quebrar todas asformas de organização político-sin-dical dos trabalhadores é, para eles,condição de construção da liberda-de. De uma liberdade centrada namonopolização das forças produti-vas. O velho mito do átomo social émais oportuno e necessário do quenunca. Reabilita-se a Lei Le Chape-lier, da época da Revolução France-sa: toda e qualquer coalizão quelimite o mercado é não apenas sub-versiva mas antinatural.

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Capitalismo e “natureza humana”O lance é exatamente este. A for-

mulação clássica é a dos Direitos doHomem e do Cidadão, da Revolu-ção Francesa: Egalité, Liberté, Pro-prieté. O chamado contrato socialoriginal nos coloca diante do fatode que, sem a igualdade, dos ho-mens livres e proprietários, não po-deriam existir nem o capitalismonem a moderna sociedade burgue-sa. Capitalismo, liberdade, felicida-de, natureza humana são formasque se referem e se comprovamuma a outra, sem qualquer necessi-dade de verificação. Com a vanta-gem extra de colocar fora do campoda legitimidade social todos os seusantagonistas. O mercado é o locus ea condição máxima da liberdade, oEstado, guardião dos contratos, oseu instrumento. Mercado e Estadosão pensados e praticados comoabstrações indeterminadas, postoque esvaziados da historicidade dosantagonismos.11

Mas o que é mercado? Nada ma-is, nada menos que o conjunto dasrelações sociais capitalistas, enten-didas aí as leis de tendência, a cons-tituição das classes, as formas deexercício da dominação que, comoMarx clarifica exemplarmente, têmseu segredo na forma da extraçãodo mais-valor. Mercado e capitalis-mo são sinônimos? Não, de formaalguma. Na realidade o mercado ca-pitalista é apenas uma forma histó-rica. Tal como na idéia de uma ida-de de ouro anterior à história, ocapitalismo se metamorfoseia emproduto único da história porque éapresentado como natural. De hipó-tese de trabalho na constituição deum modo de produção, ele se trans-formou em natureza.

Toda e qualquer forma diferen-ciada de mercado, toda e qualquer

possibilidade de nova sociabilidade,tem que ser negada como contráriaà história, à “natureza humana”. Setudo o que foi dito e teorizado so-bre capitalismo e natureza humanapelos intelectuais orgânicos do capi-tal fosse verdadeiro, o socialismo,além de impensável seria, inexora-velmente, a pura barbárie. Aliás, es-sa é a posição dos chamados neoli-berais12.

A cidadania e a democracia sãoprivilégios de poucos. Na prática, acidadania é a tradução laica e con-temporânea da idéia de naturezahumana. Exemplar nesse sentido é aprópria vida política norte-america-na que se, por um lado, garantia aosproprietários, inicialmente, o direitode revolução (ver a Declaração deIndependência), por outro, reduzianegros, indígenas e pobres em geral(identificados com as crianças e,portanto, incapazes do discernimen-to político necessário à vida cidadã)à condição de povos sem cultura. Otão decantado Schumpeter compar-tilhava plenamente dessa ideologiasegregacionista. Mesmo os liberaiscomo Locke recusavam a cidadaniacomo direito universal. Para os po-bres, a lei, o castigo, a disciplina. Era(e é, até hoje) necessária essa hie-rarquização para que se pudessecriar a força de trabalho disciplinadapara o Capital.

O homem capitalista como verdade superiorA felicidade decorre da relação

com a naturalidade capitalista naqual e pela qual todos os homenssão identificados com o homem ca-pitalista. Fora daí só existe a desor-dem, o caos, a subversão. O própriodessa identidade maniqueísta é oreforço do individualismo, que qua-se nunca coincide com individuali-dade. Esta deve ser proclamadamas quase nunca levada a sério. Daprodução material à simbólica, tudoganha caráter de massa. Pelo me-nos quando se dirige ao contingen-te da sociedade. Já para os domi-nantes acentua-se sempre a neces-sidade do “original”, do “específico”.Para a massa, a quantidade, para osdominantes, a qualidade. Lembre-mos que essa é a pedra de toquedo moderno mito do toyotismo:contra a produção em massa seoferece o produto que o clientedeseja. Chega-se mesmo a afirmar,contrariamente à análise científicado capitalismo, que é o consumoque determina a produção. Ao invésde determinação do consumo pelaprodução (lei tendencial), temos aafirmação, pura e simples, do cida-dão consumidor, forma única dacidadania possível à imensa maioriada população. Direito a ter direitos?Isso é coisa jurássica. Direito a recla-mar da qualidade do produto pare-ce ser o limite máximo permitido aesse tipo de cidadania festejadapela mídia. O PROCOM é o instru-mento dessa “cidadania”.

Essa formulação, por si só, já in-dica o caráter de privilégio de umapequena parte da sociedade. Paraos demais resta uma perversidadeextra: participar simbolicamente doconsumo sem de fato vivê-lo. OsSem-Terra, Sem-Teto, Sem-Empre-go, pelo efeito mágico da mídia te-

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O próprio dessa identidade

maniqueísta é o reforço do

individualismo, que quase

nunca coincide com

individualidade. Esta deve

ser proclamada mas quase

nunca levada a sério.

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levisiva, têm sua exclusão reforçada:o maravilhoso mundo das comprasnão é para o seu bico. No plano dasrepresentações, contudo, o contrá-rio ganha foros de realidade. Os su-balternos participam da históriacomo claques de programas televi-sivos. Tal é o projeto dos dominan-tes. Até porque esse indivíduo-mas-sa continua a sonhar com os produ-tos anunciados. E devem continuara fazê-lo. Na dialética desejo-neces-sidade, afirma-se o primeiro termo,recalca-se o segundo. Este projeto,contudo, tem limitações e freqüen-temente esses pseudopassivos serevoltam.

Mas existem outros mecanismosde “inclusão” para essa massa po-tencialmente perigosa ao sistema. Éfundamental proclamar a universali-dade de uma cidadania que de fatonão existe. Se eles acreditarem quesão iguais aos dominantes, umaboa parte dos problemas estará re-solvida. Mas quem, em sã consciên-cia, pode acreditar que um ultrami-lionário e um favelado tenham osmesmos direitos? Quem pode acre-ditar nesse conto da carochinhaquando a chamada equipe econô-mica “adverte” a sociedade contra operigo da oposição de ganhar aseleições? A cidadania passa a ser afonte mágica da obtenção do pactosocial, de um “consenso” pré-fabri-cado. Tudo e todos somos reduzi-dos a essa cidadania. Para os libe-rais mais lúcidos está claro que essanoção permite reduzir as diferençase integrar os diferentes. Se a demo-cracia é procedimental, se a obe-diência às regras do jogo e a consti-tuição do consenso fazem-se pelaaceitação do atual, do vigente, tudoaquilo que se opõe a isso passa aocampo do não democrático. Cida-dania é, portanto, a forma da legali-dade de uma dada correlação de

forças em uma dada formaçãosocial. Legalidade que se quer, a umsó tempo, legitimidade. Com a van-tagem extra de ser, como o capita-lismo, supra-histórica: de mito fun-dador de uma sociabilidade, elapassa à categoria de único horizon-te possível. É a concreção do possí-vel, de um possível que é único e sebasta. Os dominados estão, destemodo, subsumidos à ordem. Aceitaras regras da cidadania é, para asclasses subalternas, abrir mão dasua possibilidade de identidade his-tórica, da construção de uma novaforma social.

Reconstruir a política capitalistaA crise do capital requer a chama-

da reestruturação produtiva perma-nente. Trocado em miúdos: era (e é),do ponto de vista capitalista, neces-sário alterar as formas que o antago-nismo dos trabalhadores tinha im-posto. Para impedir que os trabalha-dores pudessem continuar a operara limitação da ordem capitalista, eranecessário desequilibrar a balançadas forças e que uma série de refor-mas fossem implementadas: dos

direitos sociais aos trabalhistas, pas-sando pela chamada Reforma do Es-tado. Esse processo modifica a com-posição orgânica do capital, criandoe recriando as classes sociais e nãoapenas alterando as forças e formasprodutivas. Essa recriação que liberao capital dos constrangimentos im-postos pelos seus antagonistas re-quer uma adequação entre governodas massas (forma política da domi-nação) e governo da economia. Pro-cesso que ocorre(u) em todo o mun-do capitalista.

Os dominantes buscam criar ascondições de maior interpenetrabi-

lidade entre Estado e Mercado, ob-ter as condições de homogeneida-de necessárias para alavancar a efi-cácia do capitalismo. Se o compre-endermos não como modo de pro-dução, na sua forma redutiva (o“econômico”), mas o perceberemoscomo modo de vida fica claro queestamos assistindo ao predomíniodas forças privatistas sobre a dinâ-mica do interesse coletivo. Ao colo-car-se o Mercado como único hori-zonte possível, estamos identifican-do sociedade e capitalismo. O velho

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projeto liberal de controlar o Estadoe pô-lo a seu serviço se atualiza. Asreformas constitucionais e institu-cionais visam, acima de tudo, criaras formas de legitimação do podero mais arbitrário e, para tal, atuamno sentido da obtenção da lealdadedas massas. O pensamento único,decisivo nesse processo, é uma dasparteiras da financeirização do capi-tal e não sua conseqüência.

Reconstruir uma normalidadeque a política e a luta das classes,dos segmentos, dos interesses anta-gonistas, tinham rompido e liberar aacumulação capitalista são as res-postas a necessidades burguesas re-ais e concretas que os governos ti-nham de obter. Para os intelectuaisdo capital, o Estado de Bem-EstarSocial criara formas de corrupção eimpusera “privilégios”. Em outras pa-lavras: limitara a liberdade do Ca-pital. Romper esses “grilhões” seriapermitir que a liberdade do merca-do, a famosa mão invisível de AdamSmith, possa seguir o seu curso. Ocidadão deve ser adequado aos no-vos tempos. Mais importante queseus direitos, está o resgate da auto-nomia financeira do Estado. Os di-reitos sociais perdem qualquer pos-sibilidade de universalismo e, ao

contrário, são impostas políticas fo-calizadas, fragmentárias que permi-tam recriar as classes, ao redefinir oterritório do Capital. Embora aindase fale em sociedade civil ela é trata-da como rede de organizações so-ciais e ONGs. O próprio movimentosindical acaba por assumir tarefasantes desempenháveis pelo Estado.Planos de saúde, de pensões, vãono sentido da desoneração do Esta-do. O mesmo ocorre com a questãoda “qualificação”. As políticas univer-salistas são desestabilizadas exata-mente por aqueles que deveriamlutar por elas. O famoso terceiro se-tor passa(rá) a realizar tarefas antesdesempenhadas pelo Estado, vistoagora como administrador ineficien-te.13 Na prática, o movimento sindi-cal corre o risco de mudar sua natu-reza e passar a atuar como ONG.

Ilustrativo desse redesenho polí-tico, dessa recriação do espaço parao capital, encontra-se explicitadonas palavras do próprio governobrasileiro. O documento é o PlanoPlurianual/PPA 2000-2003 - AvançaBrasil. Aí se afirma com todas as le-tras que as políticas econômicas re-solvem o problema. Elas devem “es-tar cada vez mais ligadas à consoli-dação do novo padrão de cresci-mento, com ênfase no aumento daprodutividade, das exportações e doinvestimento. Com as reformas deordem econômica, o Governo abriuespaço para o capital privado namodernização da infra-estrutura bá-sica do País. São essenciais, nessanova etapa, as ações de regulação efiscalização da participação privada,de modo a garantir o atendimentodas demandas do consumidor e as-segurar as condições de competiti-vidade do setor produtivo.”

Mais precisamente: o Governobusca “simplificar o sistema tributá-rio e desonerar a produção, o inves-

timento e a exportação; criar condi-ções para que o sistema de créditose oriente para operações de longoprazo com vistas à reestruturaçãoprodutiva, crescimento das exporta-ções e do investimento; reforçar aregulação e fiscalização da atuaçãoprivada e dar continuidade ao pro-grama de privatização” (D.O.U. de24.07.2000/Suplementos).

A educação também terá queser alterada. “A educação e a quali-ficação profissional tornaram-sefundamentais para a redução dasdesigualdades sociais e o aumentoda competitividade da economianacional. Face à expansão crescentedo conhecimento e da inovaçãopresentes na produção de bens eserviços, cada vez mais se tornamimprescindível profissionais de mai-or nível educacional, capacitados deforma permanente para atender àstransformações e exigências domercado de trabalho.” Essa é a novaforma de integração ativa à ordem.

Será mesmo sectária a afirmaçãode Marx e Engels, no Manifesto doPartido Comunista de 1848, segun-do a qual o governo do estado mo-derno é o gerente da propriedadecapitalista? Intelectual orgânico docoletivo capitalista, diríamos hoje.

Racionalidade de classe, negação da historicidade dos subalternosO Estado foi enxugado ou per-

manece intocado? É verdade queele deixou de atender às necessida-des elementares da população etentou, ao máximo, jogar na lata dolixo da história os direitos sociais, osdireitos dos “outros”, dos pobres.Faz (ou pretende fazer) reformas va-riadas: da administrativa à da segu-ridade, da legislação trabalhista à daeducação. De reforma em reforma,o estado capitalista brasileiro vai

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Os direitos sociais perdem

qualquer possibilidade de

universalismo e, ao

contrário, são impostas

políticas focalizadas,

fragmentárias que permitam

recriar as classes, ao

redefinir o território do

Capital.

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buscando libertar-se das amarrasque o movimento social obteve aolongo de décadas de luta. Eliminardireitos é a forma superior da que-bra da identidade classista dos “ou-tros”. Esse estado nos “ensinou” afi-nal que não existe desemprego. Ostrabalhadores é que são inempregá-veis. Fala em qualificação e reduz osrecursos para a educação e, ao mes-mo tempo, pune os trabalhadoresda educação que lutam para sobre-viver. Essa “qualificação” nada maisé do que a criação de uma “nova”classe trabalhadora da qual se tentaeliminar a tendência antagonistapara reduzi-la a peça da engrena-gem capitalista. O dinheiro do FAT,legalmente destinada à proteçãodos desempregados, é deslocadopara a privatização das estatais, parauma formação profissional ades-trante mas, fundamentalmente, pa-ra a subordinação do movimentosindical. Os recursos do FAT repre-sentam um aggiornamento do ve-lho imposto sindical.

Como as relações sociais capita-listas produzem e reproduzem asclasses sociais, elas dão origem auma “nova” classe trabalhadoramas também a uma burguesia maise mais internacionalizada que re-quer e necessita do Estado comoum dos seus parteiros e garantido-res. Esse governo, ao mesmo tempoem que fala na liquidação dos re-cursos para a saúde, caminha, ladoa lado com a imposição do CPMF,teoricamente para enfrentar a ques-tão da saúde, mas que é usada parapagar os juros da dívida externa. Alegislação trabalhista de Dornelespropõe “acordos” entre patrões eempregados (em uma época de re-cessão e desemprego) acima da lei.Trata-se da enésima edição de umdebate franco e aberto entre a gui-lhotina do patronato e o pescoço

dos trabalhadores.Os recursos das estatais, a capa-

cidade de elaboração de estratégiassociais, tudo isso é eliminado comum sentimento classista de alegriasado-masoquista. Como falar emprojetos nacionais se os dominan-tes locais se associaram com os“globalizadores”, com os neocolo-nialistas de último tipo. As privatiza-ções garantem gordas receitas, osbancos registram lucros para alémdo aceitável em qualquer país ditoavançado. Uma das formas maisavançadas desse processo, no pla-no internacional, é a transformaçãoda carcomida burocracia-nomencla-tura, nos territórios ditos socialistas,em uma nova burguesia. O merca-do seguramente não tem mãos invi-síveis mas armas e poderes ostensi-vamente visíveis.

Somos hoje um território colo-nial. Os governos dos nossos paísesabriram mão de tudo. Ainda hojeFHC, ao falar da legitimidade de suareeleição cita as de Menem e Fu-jimori. Os governos latino-america-nos que vinham de uma oposição,como De la Rua, implementam osprogramas dos seus ex-adversários.Oscar Wilde dizia que os EstadosUnidos passaram da barbárie à de-cadência sem passarem pela civili-zação. Palavras proféticas que retra-tam nosso país dirigido por umPríncipe da Sociologia (?) agora pro-movido a Imperador das Trevas. Co-mo não admitir que esse capitalis-mo é uma pura corrupção? Não fa-lamos dos ACM, dos Jader, etc. etc.A escuridão da modernidade cardo-siana é seguramente a negação ra-dical do Iluminismo. Os burguesesda Revolução Francesa estavam in-ventando a Modernidade que impli-cava, em boa medida, uma rupturacom o passado. FHC fala de moder-nização, ou seja, atualização do pro-

jeto de corrupção tetra-secular vivi-do neste território. O apagão não éuma questão técnica. É apenas umcapítulo a mais da corrupção impu-ne. Mas será que isso não decorrede estarmos falando do Brasil? Se-guramente há um tempero tucano-pefelista tupiniquim. Mas a mistifi-cação política é internacional.

A mistificação e a virtudeLampedusa, no imortal Il Gato-

pardo, transcreve um debate doPríncipe de Salinas com Tancredi,seu sobrinho. O Príncipe questionao republicanismo de Tancredi semsaber que esse era um republicanis-mo de fachada. O sobrinho lhe res-ponde “sabiamente”, reafirmando acrença na monarquia: “para que tu-do permaneça é preciso que tudomude”. O gatopardismo lampedu-siano, típico da política capitalista,apesar de parecer mera formulaçãoitaliana, demonstra que, para man-ter a dominação, é preciso exorcizaro fantasma da liberdade. Pronunciara palavra cidadania para obter oconsenso, falar em ética para pre-servar a corrupção.

Contrariamente à crença popu-lar, é necessário que a violênciaapareça como coisa dos “outros”,dos proletários, dos sem terra, dossem-emprego. A violência é um es-petáculo levada à cena na televisão.As obras públicas inacabadas, a fo-me, o desemprego aparecem como“fenômenos naturais” que serão re-solvidos com uma boa eleição, dehomens honestos.

A corrupção não é violência,nesse discurso, é apenas um desvioda justa conduta. E pode ser conser-tada. Nada tem a ver com as condi-ções de vida e de trabalho, muitomenos com o capitalismo. Bastaapenas que deixemos a caravanapassar sem incomodá-la com as re-

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gulamentações, os direitos. Em tu-do isso se nota uma nostalgia deuma idade do ouro onde existia pú-blico e não massa, onde eleitores eelegíveis permanecessem no restri-to círculo dos proprietários. A cha-mada cidadania inflama o imaginá-rio popular, faz crer à massa que elatem direitos e não apenas deveres.Com as devidas diferenças e especi-ficidades, o desejo dos intelectuaisorgânicos da reestruturação produ-tiva permanente é de conter asmassas na esfera da legalidade e,ao mesmo tempo, libertar a burgue-sia internacionalizada dos grilhõesdas limitações estatais. O Estadodeve voltar a ser o criador das con-dições da acumulação e o gendar-me contra as hordas trabalhadoras.Esse sonho mítico de uma idade deouro, uma espécie de quarto reich,dependerá dos antagonismos exis-tentes e da capacidade das classestrabalhadoras de decifrar a mistifi-cação dos dominantes e colocar asua virtude como projeto atual. Re-construir hoje a idéia de sujeito re-volucionário implica a articulaçãodas diversidades entre os trabalha-dores (dos manuais aos intelectu-ais) e da construção de um projetode sociedade socialista real e con-creta, liberada dos mitos de um he-rói civilizador (ainda que coletivo)fora da história e acima das lutasreais.

1 Para Maquiavel, em Il Principe, as açõeshumanas movem-se no círculo da fortunae da virtù. Fortuna compreendida comocampo do imponderável, mas de um im-ponderável que pode ser transformadopela virtù, pela capacidade humana deequacionar o real e transformá-lo pelaação racional que articula o que chama-mos hoje de estratégia e tática.

2 Marx afirmara, contra Proudhom, em A Mi-séria da Filosofia, que os economistas ca-pitalistas pensam sempre a economia co-mo sendo ou natural ou artificial. O capita-

lismo estaria na primeira dessas classifica-ções e todas as demais formas na outra.

3 Estaremos trabalhando a ideologia naperspectiva gramsciana. Aqui ideologia ésempre, salvo as chamadas ideologias ar-bitrárias muito comum entre intelectuaisuniversitários, “desenraizados”, uma formade intervenção classista. Sobre essa pers-pectiva trabalhamos em “Hegemonia:Racionalidade que se faz história”, publica-da em O Outro Gramsci, Xamã Editores,São Paulo, 1996.

4 Como veremos mais adiante com a ideo-logia da inempregabilidade. Esta posturapode ser encontrada no Segundo Tratadosobre o Governo de Locke onde ele locali-za a origem da desigualdade social naobediência ou não da lei de Deus.

5 Na Itália, ainda no início do século passa-do, ocorreram serrate, isto é, movimentospatronais de fechamento das fábricas paraprotestar contra aumento de impostos.

6 No Brasil, essa perspectiva de intervençãoacentuou-se a partir da luta contra a dita-dura e, em especial, da elaboração daConstituição. Anteriormente FranciscoWeffort, Porque Democracia?, já acentuaraesse movimento, ao citar a pergunta deum diplomata americano que perguntaraporque a esquerda brasileira falava dedemocracia e não mais de revolução.

7 Clauss Offe, “Cultura política y administra-ción socialdemocrata”, in Contradiccionesen el Estado del bienestar, Alianza Edi-torial, México, p. 218,

8 Essa política foi exposta por Karl Kautskyque formulou a tese segundo a qual oEstado Moderno já criara as condições dapassagem ao socialismo. Não se tratava dedestruir o Estado mas de ter maioria noParlamento e, assim, comandar a nação.Uma boa análise dessa tese pode ser vistaem Lucio Colletti - ainda marxista - “‘O Es-tado e a Revolução’de Lênin”, in Ideologiae società, Laterza, 1975.

9 No Brasil, como na maioria dos paísescapitalistas subalternos, nunca houve oEstado de Bem Estar Social mas, sim, o deMal Estar. Mesmo nos países ditos cen-trais, o famoso Welfare state implicou umaprofundamento das desigualdades. Aburocracia estatal e uma parte dos chama-dos operários “qualificados” foram real-mente beneficiados por essa forma degestão dos fundos públicos. Isto não valeuda mesma forma para a maioria das clas-ses trabalhadoras. O mesmo vale para o

chamado toyotismo que também vê essacisão/fragmentação das classes trabalha-doras. O benefício real foi do Capital queviu sua necessidade de construir as condi-ções de reprodução dos trabalhadores ser-em realizadas pelo Estado. Não foi, por-tanto, nenhuma benemerência.

10 A linguagem exerce aqui sua função neu-tralizadora. Aos afirmarmos a idéia dos“anos gloriosos” - e isso é feito por boaparte da chamada “esquerda” - afirma-mos, com um grau de maior ou menorconsciência, a idéia de virtuosidade docapitalismo.

11 Isto remete para um campo de reflexõesque não cabe no contexto deste ensaio,entre ciência e relações de classe.

12 Esquecendo Hitler, Mussolini, os impérioscoloniais, os teóricos do Capital, eles con-denam o socialismo, ao identificá-lo com abarbárie estalinista. Obviamente não setrata de aceitar esta última. O problema re-side em que, dentro dessa leitura ideológi-ca, barbárie é tudo aquilo que se opõe aodominante. Lembremos que, na segundaguerra mundial os países capitalistas alia-ram-se a Stalin contra a barbárie nazista.Vencida a guerra os antigos inimigos foramreconstruídos para fazer frente à barbárierussa (ex-aliada). A barbárie e a civilizaçãosão noções construídas, evolucionistica-mente, a partir da correlação de forças en-tre os países capitalistas dominantes e osdemais.

13 A burguesia estrategicamente recusa oarcabouço de instituições e redes que ga-rantiram três décadas de relativo controlesobre as ações dos trabalhadoras. Estatizarou privatizar não é, do ponto de vista bur-guês, mais do que meras formulações táti-cas para implementar seu projeto estraté-gico. Não são contraditórias e pode-sepassar de uma a outra facilmente. Quemdetermina isso é a correlação de força nointerior da totalidade social.

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Construção do Império na América Latina: a estratégia militar dos EUA.

IntroduçãoA construção de um império,em particular um império capitalista em princípios doséculo XXI, requer umaelaborada arquitetura militarpara poder expandir, protegere consolidar os grandesinteresses econômicos,essenciais para os impériosmodernos.

Enquanto que os “teóricos glo-balistas” escrevem sobre as “classesdominantes mundiais” e “o fim doestado-nação”, o aparato militar doestado imperial, e em concreto odos EE. UU, cresceu enormementedurante a última década, e temuma importância fundamental empromover e proteger as corpora-ções, bancos e empresas de impor-tação-exportação baseadas nosEUA. O objetivo deste trabalho édescrever e analisar o alcance, aprofundidade e a estratégia do apa-rato militar dos Estados Unidos naAmérica Latina - destacar seus múl-tiplos enlaces e controles sobre osmilitares e como esses controles sedestinam a aumentar o poder doestado imperial norte-americano.As vastas operações militares dos

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James Petras - Especial para Rebelión

(tradução para o português da versão em castelhano: Aluizio Lins Leal*)

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EUA e o êxito alcançado em forjarinstituições militares dependentesmediante uma complexa rede deprogramas e atividades conjuntasrefutam a retórica sem sentido so-bre o “governo das corporações glo-bais” Para demonstrar a importân-cia do militar, este informe se con-centrará no Império Norte-america-no na América Latina.

A primeira parte deste trabalhotratará sobre os interesses econômi-cos estratégicos dos EUA e a justifi-cativa ideológica da expansão militarnorte-americana na América Latina.Na segunda parte, o informe se cen-trará na arquitetura do império mili-tar, especialmente no estabeleci-mento de relações de dependênciaou mercenárias. A terceira parte tra-tará sobre os objetivos operativos ea propaganda projetada para legiti-mar a militarização da política latino-americana sob a tutela dos EUA. Naconclusão se discutirá o fenômenodual da expansão do controle militardos Estados Unidos e o fortaleci-mento do papel dos militares nasdecisões sobre as prioridades da po-lítica latino-americana;o impacto so-bre a substância e as estruturas dosistema político e o papel do impé-rio norte-americano em delinear apolítica inter-americana.

As instituições militares estraté-gicas, assim como as políticas dirigi-das à América Latina, foram deta-lhadas sucintamente pelo GeneralPeter Pace, da Infantaria de Marinhados Estados Unidos, Comandante-em-Chefe do Comando Sul dos EUA(Comando SUL). A área de respon-

sabilidade do Comando SUL abarcatoda a América Central e Américado Sul, o Caribe e as águas que a ro-deiam, totalizando mais de 15, 6milhões de milhas quadradas e maisde 404 milhões de pessoas. Esteinforme se baseia no testemunhodo General Pace perante o Comitêdos Serviços das Forças Armadas doSenado dos EUA, de 27 de marçode 2001.

Bases econômicas do império militarOs arquitetos da estratégia mili-

tar norte-americana na América La-tina estão perfeitamente conscien-tes da importância central que têmos interesses empresariais dos EUAna hora de formular políticas. A ela-boração da estratégia militar e osprogramas estruturados para incre-mentar o poder militar dos EstadosUnidos dentro dos exércitos latino-americanos estão legitimados pelosinteresses econômicos norte-ameri-canos: lucros, mercados e acesso amatérias primas estratégicas, emparticular a fontes energéticas. Ogeneral Pace, na sua introdução aoSenado, enuncia claramente as ba-ses econômicas em seu discursosobre a estratégia militar norte-americana:”Mais de 39 por centodo nosso comércio se realiza dentrodo hemisfério ocidental. Ademais,49 centavos de cada dólar gasto naAmérica Latina se usam em bens eserviços importados dos EUA. Amé-rica Latina e Caribe suprem aos Es-tados Unidos mais petróleo que to-dos os países do Oriente Médio” (o

General Pace é bastante engenhosono tratamento dos dados. O “He-misfério Ocidental” a que se refereaqui inclui o Canadá, que, obvia-mente, não faz parte da América La-tina e é o principal sócio comercialdos EUA, no Hemisfério. Em segun-do lugar, quando diz que 49 centa-vos de cada dólar se gastam naimportação de bens e serviços é du-vidoso, já que a maioria da Américado Sul, Argentina, Brasil e Chile têmimportantes relações comerciaiscom a Europa e com a Ásia. Podeser que as suas cifras se tenham in-flado ao incluir o”serviço da dívida”como “serviços norte-americanos”.Devido ao aumento dos movimen-tos anti-imperialistas e anticoloniaisem todo o mundo, os poderes im-periais contemporâneos, aindaque contidos nas formas mais fla-grantes e evidentes de dominação,envolvem suas políticas e institui-ções imperiais em uma retóricademocrática.

As “ameaças” ao poder imperialse expressam em termos moralis-tas. O expansionismo militar impe-rial se justifica em termos da lutaconjunta contra a atividade crimino-sa internacional, que afeta adversa-mente tanto o centro imperial comoaos países latino-americanos envol-vidos. Na prática, a ameaça real sãoas forças militares nacionalistas e ossistemas democráticos participati-vos que desafiam a dominação dosEUA. Os problemas de princípio,como são definidos pelos estrate-gistas militares norte-americanos,têm a ver com o controle das con-seqüências sociais derivadas daspolíticas neoliberais e da exploraçãoeconômica da América Latina. A ex-pansão militar dos Estados Unidos eo fortalecimento dos exércitos lati-no-americanos são a principal ame-aça para o surgimento da democra-

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O expansionismo militar imperial se justifica em termos da luta conjunta contra a atividade criminosa internacional,que afeta adversamente tanto o centro imperial como os países latino-americanos envolvidos

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cia e a estabilidade regional. Osmilitares, contudo, vêem as conse-qüências - a oposição popular- pro-duzidas pelo domínio e a explora-ção norte-americana como “aameaça” para a América Latina.

Por conseguinte, o General Paceargumenta que “a maior ameaçapara a democracia (sic), a estabili-dade e a prosperidade regional (?)da América Latina são a imigraçãoilegal, o tráfico de armas, o crime, acorrupção e o tráfico de drogas ile-gais“ (os comentários em parênte-ses são do Autor), A imigração ilegalestá diretamente relacionada com amilitarização norte-americana daColômbia, e o empobrecimento doPeru, América Central e México sedevem à aplicação de políticas neo-liberais. O que o Chefe do Coman-do SUL descreve como “ameaças”na realidade são as práticas dos se-us aliados militares. Os Contras res-paldados pelos EUA na AméricaCentral; Montesinos, um recurso daCIA no Peru; Noriega, o ex-homemforte do Panamá(velho empregadoda CIA) e muitos outros militarestêm estado envolvidos no tráfico dearmas, com o conhecimento e apo-io do Comando SUL. O incrementoda imigração ilegal, um antigo pro-blema no México, está diretamenterelacionado com as enormes trans-ferências de lucros, juros e paga-mentos de royalties desde o Méxicoa bancos e corporações norte-ame-ricanas. O crescente problema daimigração ilegal desde a Colômbiaaos países vizinhos é o resultado daestratégia, ajuda militar e assessora-mento do Comando SUL. O equipa-mento e treinamento dos esqua-drões da morte colombianos (aschamadas “unidades paramilita-res”) é parte de uma estratégia ge-ral para militarizar a Colômbia eabsolver os militares colombianos

dos massacres generalizados dedirigentes civís e dos movimentossociais. A verdadeira preocupaçãodo Comando SUL é que países vizi-nhos da Colômbia (Equador, Vene-zuela, Panamá, Brasil), que estãosofrendo os mesmos efeitos adver-sos das políticas neoliberais, semobilizem politicamente contra adominação militar e os interesseseconômicos dos EUA. Como indicao General Pace, “Muitos dos paísesque compartem fronteiras permeá-veis com a Colômbia continuarãosendo vulneráveis à imigração ilegal

e às incursões de insurgentes arma-dos”. A militarização da Colômbiapor parte dos EUA e os seus efeitosde desbordamento aos países vizi-nhos significa que o Comando SULestá se mobilizando para militarizartoda a região, incrementando osenvios de armamento e o controledas forças armadas de toda essazona. A militarização regional se de-nomina agora como “Iniciativa An-dina”.

Tráfico de armasO maior traficante de armas da

região é o Comando SUL e não oscartéis da droga. Os segundos maio-

res traficantes são os aliados milita-res de Washington, com o equipa-mento em particular dos gruposparamilitares. Os terceiros maiorestraficantes são cartéis da droga quetrabalham com o exército e a polícia.As guerrilhas na Colômbia carecemdo armamento pesado que têm asforças armadas, não têm sequer sis-temas portáteis de armas para defe-sa aérea. O tráfico de armas que rea-lizam os insurgentes é uma ativida-de mínima, em comparação com aque realizam o Comando SUL e osseus aliados militares. Ademais, os

fins e a utilização da compra dearmas são radicalmente distintas:osEUA e o exército traficam com armaspara proteger a ordem socioeconô-mica existente e aterrorizar a popu-lação, enquanto que os insurgentes,suas armas leves e seus mís-seis”caseiros” estão projetados paraderrubar essa ordem e defender ocampesinato.

O delito e a corrupção sãooutros dos “perigos”, segundo o Ge-neral Pace, para a democracia e aprosperidade. A corrupção da políti-ca e dos políticos é predominanteentre os que têm o poder governa-mental e os altos cargos do exército

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com os quais o Comando SUL cola-bora ativamente, aos que assessorae dirige. Cada grande escândalo decorrupção que teve lugar na Amé-rica Latina na década passada en-volveu políticos e oficiais que leva-vam adiante os delineamentos nor-te-americanos de política econômi-ca neoliberal e a “defesa do hemis-fério” (leia-se a hegemonia dos Es-tados Unidos). Enquanto os guerri-lheiros seqüestram milionários parafinanciar suas atividades, os maio-res bancos norte-americanos, incluí-dos o Citibank, o Banco de Américae os principais bancos de Miami eoutras cidades, alvejam entre U$250e 500 bilhões ao ano, segundo asaudiências no Senado norte-ameri-cano. E quanto ao tráfico de drogas,a maioria dos lucros é branqueadanos bancos norte-americanos. Ocamponês recebe uma fração dopreço final. A erradicação da coca,que coaduna a penetração profun-da dos EUA em todos os níveis dapolícia, forças armadas e o sistemapolítico latino-americano é um pre-texto para o controle a longo prazoe em grande escala pelo ComandoSUL de todo o Aparelho de Estadolatino-americano.

A arquitetura da esfera militarO Comando SUL se localiza em

Miami, com uma subsede em PortoRico. É responsável pela planifica-ção, coordenação e condução daatividade militar dos EUA em toda aAmérica Latina e no Caribe. Instaloubases militares com aeroportos emAruba-Curaçao, nas Antilhas Holan-desas; em Manta, no Equador, e emComalapasa, El Salvador. Estas ba-ses permitem aos EUA introduzir-sena maior parte dos países da Amé-rica Latina, tanto no espaço aéreoquanto por mar e por terra. Ade-

mais, os Estados Unidos têm umabase operacional militar em SotoCono, Honduras, que dá apoio a he-licópteros nas missões intervencio-nistas norte-americanas na AméricaLatina e no Caribe. A facilidade comque os militares norte-americanospuderam construir essa rêde de ba-ses a serviço do império se deveuprincipalmente ao apoio e treina-mento a longo prazo de oficiais mi-litares dependentes realizados peloComando SUL na América Latina.Assim o manifesta o General Pace:”As excelentes relações entre os Estados Unidos e El Salvador, fortaleci-das durante anos de sólido contac-to entre os militares de ambos osexércitos, ajudou a alcançar nego-ciações favoráveis sobre o acordoFOL”(Locação Operativa de Avan-ço, em inglês Forward OperatingLocations, base aérea). Os anos desólida colaboração entre os exérci-tos incluem a década de 1980, emque 75.000 salvadorenhos foramassassinados pelos militares, A vitó-ria militar sobre as guerrilhas foi se-guida pela consolidação do poderdos EUA sobre os seus lacaios salva-dorenhos e a utilização das instala-ções salvadorenhas como base deavanço para a expansão militar nor-te-americana em toda a região. EmEl Salvador a década de colabora-ção com os militares e os esqua-drões da morte valeu a pena: El Sa-lvador é agora um lugar-chave paraexpansão do controle do ComandoSUL na zona. Atualmente, ele em-barcou em um projeto similar como exército colombiano e seus subor-dinados, os esquadrões da morte,as chamadas forças “paramilitares”.

Da mesma forma, a intervençãopolítica norte-americana no Equa-dor para derrubar a junta popularem janeiro de 2000 e a consolida-ção do regime de Noboa facilitou

grandemente a que o ComandoSUL pudesse assegurar a base mili-tar de Manta.

A intervenção militar norte-ame-ricana, ao impor seus clientes emum país proporciona um trampolimpara um controle regional maisgeral; dispara uma espécie de efeitoimperial multiplicador. A construçãode forças militares dependentesrequer uma multiplicidade de ativi-dades. Assim o descreve o GeneralPace:”Nosso enfoque se centra emoperações combinadas, exercícios,treinamento e educação, ajuda emtêrmos de segurança e programasde assistência humanitária”.

Tanto na forma como na organi-zação e conteúdos, os oficiais lati-no-americanos são treinados direta-mente para servir aos interessesestratégicos, econômicos e militaresdo império. Com estes programas,os EUA exigem o fortalecimento dosmilitares e o aumento de sua capa-cidade para reprimir os adversários -segundo estes sejam definidos poreles, EUA. Em cada região: Caribe,América Central e no resto da Amé-rica Latina, o Comando SUL estevearmando, treinando e doutrinandoos exércitos nacionais para serviraos interesses dos Estados Unidos,sob sua liderança. A finalidade é evi-tar a utilização de tropas norte-ame-ricanas, e desta forma reduzir aoposição política nos Estados Uni-dos. O modelo consiste em queWashington dirige e treina os exérci-tos latino-americanos mediante“programas conjuntos” extensivos eintensivos, e subcontrata compa-nhias privadas de mercenários quefornecem militares especializados,todos eles oficiais “retirados” doexército norte-americano. A cons-trução desta rede imperial é descri-ta com o sardônico linguajar eufe-místico comum a todas as sangren-

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tas tentativas militares contemporâ-neas. Por exemplo, o General Pacedescreve a construção de Estados-clientes no Caribe como “assistir aNação Associada no treinamento desuas forças de segurança com novoequipamento defensivo”, Conse-qüentemente, os lacaios caribenhos“acolheram o TRADE WINDS 2000,um exercício multinacional que pro-move a cooperação de forças demar e terra em resposta às crises re-gionais...”. O alcance da participaçãomilitar dos EUA no Caribe aumen-tou enormemente nos últimos doisanos. A Guarda Costeira norte-ame-ricana dirige operações e treina-mento, e aumenta o fluxo de armasaos militares caribenhos. Nestasoperações, grande quantidade deagências norte-americanas partici-pam por terra, mar e ar nos paísesdo Caribe. Segundo o ComandoSUL, essas agências incluem: DEA(Agência Antidrogas, em inglêsDrug Enforcement Agency), oDepartamento de Defesa, o Serviçode Aduanas dos EUA, a GuardaCosteira dos EUA e várias outrasagências.

Na América Central, o ComandoSUL pretende aumentar o tamanhoe a eficiência dos exércitos para quesirvam aos interesses estratégicosdos Estados Unidos.

Sob a retórica eufemística de“manter a paz”, o Comando SUL or-ganiza seminários e operações parapromover a subordinação aos mili-tares norte-americanos e seus obje-tivos estratégicos. Neste contexto,“manter a paz”se refere à organiza-ção de exércitos com militares devá-rios Estados dependentes sob adireção do Comando SUL para as-segurar as zonas conflitivas e man-ter ou reinstaurar regimes favorá-veis aos Estados Unidos. Os exercí-cios conjuntos são considerados por

ele como uma excelente oportuni-dade para “treinar pessoal multina-cional das nações do Caribe e Amé-rica Central para operações de ma-nutenção da paz”. O Comando SULtambém treina e doutrina tropas deterra e do ar da América Central emum programa chamado “Céus Cen-trais”. Aparentemente para campa-nhas antidrogas, são exercícios comfinalidades múltiplas, projetados pa-ra consolidar o controle dos EUA, in-crementar a vigilância aérea contrapotenciais rebeldias antiimperialis-tas, assim como campanhas anti-drogas seletivas.

A terceira região sobre a qual oimpério militar estendeu seu alcan-ce é o”Cone Sul”, que inclui o Chile,Argentina, Brasil, Uruguay e Para-guay. Os últimos anos foram teste-munhas de programas intensivosde doutrinamento (“diálogo”), ma-ior colaboração militar sob a tutelado Comando SUL (“cooperação emdefesa”) e “exercícios multilateraisde treinamento”sob direção norte-americana. Com um forte respaldode Washington, os regimes chilenoe brasileiro estão modernizando se-us exércitos mediante um aumentodos gastos militares, especialmentecompras a fabricantes de armasnorte-americanos (o Chile está ne-gociando com a Lockeed Martin acompra de aviões F-16). Dada a

grande queda do nível de vida e osfortes cortes orçamentários parafinanciar as dívidas externas com osbancos norte-americanos, o restodos países latino-americanos temlimitações nos fundos disponíveispara comprar armas dos EUA paradefender o Império.

O Comando SUL dirigiu exercí-cios militares”conjuntos”com os paí-ses do Cone Sul, chamados CABA-NAS, que se realizaram em 2000, naArgentina, ao arrepio da Constituiçãodo país, sem conhecimento da opi-nião pública em geral, e sem aprova-ção legislativa. Uma vez mais, essesexercícios foram organizados paracombater os inimigos internos, nãoos invasores estrangeiros. Foram ar-quitetados para integrar os exércitoslatino-americanos sob o comandodos EUA na repressão às rebeldiasinternas, caso alguns dos regimesneoliberais envolvidos na crise eco-nômica venham a desabar. A contra-partida marítima dos exercícios CA-BANAS são os exercícios UNITAS, omaior exercício naval multinacionaldirigido pelos Estados Unidos no he-misfério ocidental. O Comando SULprojetou esses exercícios para orga-nizar a estrutura de mando, aprofun-dar sua influência sobre o pessoaldos exércitos latino-americanos, eformar os oficiais em procedimentose táticas do exército norte-america-no para colocar em prática de formamais eficiente as prioridades políti-cas do Comando SUL.

A quarta região listada por ele éo “Sistema Andino”, que inclui aVenezuela, Colômbia, Equador,Peru e Bolívia. Em meio às revoltaspopulares do Equador em janeiro,de 2000, os militares norte-ameri-canos, junto com o embaixador dosEUA, desempenharam um papelrelevante instigando os quadros su-periores do exército a derrotar a

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Aparentemente para campanhas

antidrogas, são exercícios com

finalidades múltiplas, projetados

para consolidar o controle dos EUA,

incrementar a vigilância aérea

contra potenciais rebeldias

antiimperialistas, assim como

campanhas antidrogas seletivas.

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junta popular e apoiar o novo presi-dente (Noboa). Assim descreve oGeneral Pace o papel dos EUA: “noEquador, o Comando SUL trabalhouem estreita colaboração com o em-baixador norte-americano e o go-verno do Presidente Noboa, propor-cionando ajuda ao exército equato-riano, especialmente na gestão dacrise nacional”. Ao apoiar o regimede Noboa, o Comando SUL pôdeassegurar a Base Aérea de Manta nacosta noroeste, uma plataforma delançamento chave para estender avigilância aérea norte-americanapor toda região andina e, mais es-pecificamente, para proporcionarespionagem aérea para o exércitocolombiano (e aos esquadrões damorte), treinados e dirigidos pelosEUA, envolvidos em atividades derepressão aos rebeldes. Desde Man-ta, o império militar norte-america-no estendeu seu controle aéreo so-bre toda a América do Sul. Comoindica o General Pace, “Manta... é achave para reajustar nossa zona deresponsabilidade (AOR), nossa ar-quitetura(o aparato militar) e paraestender o alcance de nossa cober-tura aérea de DM&T (Deteção, Con-trole e Seguimento, em inglês De-tection, Monitoring and Tra-cking) nas Zonas-Fontes (zonas deprodução de droga)”.

O novo império militar se esten-deu controlando não só terra, mar ear, mas também os rios da Colôm-bia e do Peru. O Comando SUL trei-nou e equipou militares com basenos rios de ambos os países. EmIquitos, no Peru, as forças especiaisda marinha norte-americana, SEALS,são uma grande força operacionalque o General Pace descreve como“a melhor instalação deste tipo naAOR(Zona de Nossa Responsabili-dade, em inglês Area of Our Res-ponsaibility)”. Na Colômbia, com

U$ 1, 3 bilhões de ajuda militar nor-te-americana destinadas ao PlanoColômbia, o USSOUTHCOM estáenvolvido em todos os níveis dasoperações militares colombianas.Treinou três “batalhões antidrogas”de elite para operações de combateà guerrilha. Está formando as tripu-lações dos helicópteros equipadoscom mísseis e metralhadoras quetrabalham com os mercenários nor-te-americanos subcontratados peloPentágono. Os quadros superiorese as Forças Especiais do ComandoSUL participam ativamente noscampos de batalha, dirigindo opera-ções de combate e coordenando acolaboração militar com os esqua-drões da morte, tal qual se viu em ElSalvador, Guatemala e anteriormen-te no Vietnam. Na Bolívia, as ForçasEspeciais e a DEA (Drug Enforce-ment Agency) atuam no Chapare,treinando pessoal e construindonovas bases militares.

As atividades do Comando SULestão inter-relacionadas. Os exercí-cios militares multilaterais são oprelúdio dos programas de forma-ção doutrinária. O General Pace de-clara: “O programa de exercícios doComando SUL é o motor do nossoPlano de Campo de Batalha”. Osprogramas de treinamento doutri-nário se dirigem particularmenteàqueles militares latino-americanosque demonstrem maior disposiçãoem servir na rede militar imperial.Os oficiais latino-americanos quecompletam os programas de doutri-namento são elementos valiosospara o império militar, já que muitoscontinuam na carreira até atingirempostos superiores.

O General Pace identifica clara-mente o papel dos programas detreinamento dos EUA e dos benefí-cios que proporciona ao Império: “Aformação e o treinamento militar in-

ternacional (INMET, em inglês In-ternational Military EducationAnd Training) e o seu complemen-to, o INMET Expandido, proporcio-nam oportunidades de formaçãoprofissional para militares e candi-datos civís selecionados cuidadosa-mente. Esses programas são a colu-na vertebral da nossa combinaçãode formação e profissionalizaçãomilitar. Garantem bolsas aos milita-res e ao pessoal civil de nossasNações Associadas para assistir aoscursos de desenvolvimento profis-sional nas instituições militares dosEstados Unidos. A um custo modes-to, esses programas são investimen-tos valiosos, já que muitos dos estu-dantes continuam as carreiras atéchegarem a ser altos quadros diri-gentes em suas respectivas institui-ções militares e governamentais”.

No exercício 2000, o ComandoSUL recebeu U$ 9, 8 milhões para oINMET e treinou 2. 684 estudantes,aí incluídos 474 civís. O processo deconstrução de um império militar é,portanto, um processo integrado einter-relacionado que começa porexercícios militares com os Estados-clientes (as “Nações Associadas”),nos quais se selecionam e treinamos militares promissores. Esses ofi-ciais alcançam, depois, os postosmais altos e se convertem em qua-dros valiosos para o Império, forne-cendo as bases militares para queas Forças Armadas norte-america-nas ocupem o espaço aéreo, terres-tre, marítimo e fluvial do país. A ex-pansão do Estado imperial dosEstados Unidos e a integração dosmilitares lacaios nas suas redes des-tacam a importância do Estado nomundo contemporâneo.

A expansão do império militarproporcionada pelo Comando SULtambém inclui o fortaleci mento dainfra-estrutura de comando, contro-

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le, comunicações e inteligência paraoperações fixas e móveis em toda aAmérica Latina. Ao construir essa in-fra-estrutura, o Estado dependentelatino-americano supre o ComandoSUL, nas palavras do General Pace,de “comunicações via satélite [que]são de vital importância para nossasforças deslocadas em tempos decrise”. O Comando SUL começou vá-rios programas para aumentar a efe-tividade do Império no controle dorebelde povo latino-americano. Se-gundo o General Pae, o controle eas operações que ele realiza com osaparelhos de inteligência, vigilânciae reconhecimento (ISR) nos Estadosdependentes são “prioritárias” paradominar a América Latina. Os ISRproporcionam aos militares norte-americanos e aos oficiais latino-americanos de todos os níveis indi-cações e advertências, conhecimen-to situacional e avaliação dos danosproduzidos nas batalhas. Esses so-fisticados sistemas de reconheci-mento são necessários para prote-ger os militares norte-americanosque dirigem em combate as forçasarmadas dependentes. Em termosmais eufemísticos, o General Pacedeclara:”Os sistemas de reconheci-mento sofisticados são necessáriospara melhorar a proteção da nossalimitada quantidade de pessoal des-locado em zonas de alto risco”. OGeneral Pace admite que as forçasmilitares norte-americanas partici-pam de situações de combate real,dirigindo as forças militares contra ainsurgência popular na América La-tina. O alcance e profundidade daparticipação do Comando SUL de-monstra, por um lado, a recoloniza-ção dos aparelhos militares dos Es-tados-clientes mediante sua absor-ção, e, por outro, a presença militardireta e o controle das rotas aéreas,terrestres, marítimas e fluviais.

ConclusãoO império militar norte-america-

no, dirigido pelo Comando SUL,construiu e estendeu múltiplas or-ganizações regionais, coordenadaspelo comando dos EUA de Miami ePorto Rico. O Império tem controlee influência sobre o espaço aéreo,as águas costeiras, as rotas fluviais eterrestres através dos aeroportos,instalações navais e bases militares.O império está construído e susten-tado pelo suprimento de equipa-mento militar, treinamento e serviçoaos clientes latino-americanos e ca-ribenhos. O Comando SUL executaum grande número de programas(178, em 2000), combinando ope-rações e exercícios de treinamento,cursos de formação, equipamentomóvel de treinamento, intercâmbiode unidades e financiamento e ven-das militares. Sobretudo usou cons-ciente e sistematicamente o treina-mento e operações “antidroga” pararecrutar oficiais latino-americanos eintegrá-los ao Império. Na atualida-de, o império militar norte-america-no nos faz recordar os impérios co-loniais:comandantes brancos doComando SUL e oficiais mestiçosque dirigem os soldados de pele es-cura das tropas de primeira linha decombate. Isto inclui as Forças Espe-ciais e os mercenários subcontrata-dos, esquadrões da morte e cons-critos, detecção eletrônica aérea eforças paramilitares que empunhamterçados sobre o terreno. O Impériose estende na direção do Sul desdeMiami através do Caribe, AméricaCentral, países andinos, até o ConeSul. É um império difícil de dirigir,aberto a desafios e mesmo “deser-ções”, como demonstram os levan-tes militares nacionalistas da Vene-zuela e Equador. Enquanto os EUAinvestem bilhões em armas e envi-am milhares de assessores para re-

crutar e doutrinar os militares latino-americanos, os oficiais subalternos esoldados rasos estão pressionadospelas lutas sociais massivas e os ca-da vez mais deteriorados níveis devida de seus países. Têm aparecidofissuras, ainda que o Império tenhapreparado forças multinacionais. Opapel do Comando SUL é intervirconstantemente para prevenir de-serções maiores e maximizar a par-ticipação militar latino-americana. Oapoio aéreo e operativo está proje-tado para minimizar a utilização dasforças terrestres norte-americanasem combate.

A pergunta é se tudo isso serásuficiente. Se as crises atuais induzi-das pela pilhagem econômica le-vam a levantes populares em gran-de escala, que solidez têm os milita-res latino-americanos dependentes?Poderão se contrapor às forças danação dirigidas contra o Império? Alição do Irã de 1979 é clara: umgrande exército moderno, fortemen-te equipado e treinado pelos Esta-dos Unidos e seus assessores milita-res pode ser vencido. O que está ab-solutamente claro é que o Estado -o Estado imperial - mediante seuaparato militar, é essencial para as-segurar os mercados e os investi-mentos das corporações multinacio-nais baseadas nos EUA. A total au-sência de qualquer referência a estecrescente papel do império militarnorte-americano nos compêndiosdas “teorias da globalização” é outroexemplo do vazio e da irrelevânciados seus argumentos.

James Petras - Especial para Rebe-lión - A Página de Petras - 5 de maiode 2001

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O fordismo como padrão deprodução em massa, através dautilização de tecnologia rígidade linha de montagem, tem ins-piração nos princípios tayloris-tas, ao incorporar os traçosessenciais da lógica da gerênciacientífica, desenvolvendo eaprofundando o controle docapital sobre o trabalho operá-rio. Emerge e consolida-se nosEstados Unidos, entre 1914 e1945, pelas vantagens histórico-culturais encontradas pelo capi-tal em se dinamizar num meiopropício à acumulação, estimu-lado pela ausência de combati-vidade das massas. SegundoDias (1997), a experiência ameri-cana taylorista - fordista, no iní-cio do século XX, tenta a extin-ção, no território americano, dossindicatos de ofício que aindacontrolavam o processo produti-vo. Diferentemente da Europa,onde as lutas de classe játinham “integrado” os trabalha-dores, na América, as massasencontravam-se em estadobruto, eram virgens em relaçãoàquelas lutas. “A racionalização

da produção passava, portanto,pela luta contra a “propriedadedo ofício”, pelo que a ideologiacapitalista chamou de liberdadeindustrial” (Dias, 1997:88).

O fordismo incorpora a forma deorganização científica do trabalhoidealizada por Frederick Taylor, nofinal do século XIX, nos EstadosUnidos, justificada pela necessidadedo capitalismo, já em sua fase mo-nopolista, de iniciar um novo padrãode acumulação que potencializassea intensificação do trabalho paraelevar a reprodução do capital. Aadministração científica, de acordocom aformulação de Taylor, “em suaessência consiste em certa filosofiaque resulta (...) em quatro grandesprincípios fundamentais da adminis-tração: primeiro - desenvolvimentode uma verdadeira ciência; segundo- seleção científica do trabalhador;terceiro - sua instrução e treinamen-to científico” ( Taylor, 1958: 118).Taylor acreditava e queria demons-trar em seu estudo, que os princí-pios e leis da administração científi-ca eram aplicáveis a todas as ativi-dades humanas e que da sua corre-ta utilização, dependiam resultados

surpreendentes. Neste sentido, oobjetivo principal dos sistemas deadministração é colocado por Tay-lor como “o de assegurar o máximode prosperidade ao patrão e, aomesmo tempo, o máximo de pros-peridade ao empregado” (Taylor,1985: 29). O que significa, do pontode vista taylorista, máxima produtivi-dade com grandes dividendos paraos empregados, com baixo custo deprodução ao empregador. A admi-nistração científica taylorista tem porfundamentos a certeza “de que aprosperidade do empregador nãopode existir, por muitos anos, se nãofor acompanhada da prosperidadedo empregado, e vice-versa, e deque é preciso dar ao trabalhador oque ele mais deseja - altos salários,e ao empregador também o que elemais almeja baixos custos de produ-ção” (Taylor, 1985: 30). A partir des-ses fundamentos, tem-se o máximode exploração da força de trabalho,no limite estabelecido pelo processode acumulação do capital, em trocada garantia de algumas condições àsubsistência do trabalhador.

Os princípios tayloristas supõema aceitação do aumento de tempo e

Desenvolvimento e crises dopadrão fordista-taylorista e osdesafios comtemporâneos

Franci Gomes Cardoso*

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de ritmo de trabalho, por parte dotrabalhador, como única via possívelpara a melhoria de suas condiçõesde vida, pois, de acordo com Taylor,“como certos indivíduos nascempreguiçosos e ineficientes e outrosambiciosos e grosseiros, como hávícios e crimes, também sempre ha-verá pobreza, miséria e infelicidade.Nenhum sistema de administração,nenhum expediente sob controlede um homem ou grupo de ho-mens pode assegurar prosperidadepermanente a trabalhadores e pa-trões. (...) Sustentamos, entretanto,que sob administração científica,fases intermediárias serão muitomais próspera, felizes e livres dediscórdias ou dissensões (Taylor,1985:43-44).

Mais do que um conjunto derotinas padronizadas de trabalho, otaylorismo constitui-se numa filoso-fia que interfere no modo de pensare de agir do trabalhador, no sentido

de obter sua adesão a um determi-nado tipo de racionalidade produti-va. Ao mesmo tempo, expropria osconhecimentos acumulados pelotrabalhador que, como operário“métier”, detinha o controle relativosobre as técnicas de produção econdições de trabalho e, com a in-trodução dessa nova modalidadede organização do trabalho e ges-tão fabril, teve subtraída essa capa-cidade, então incorporada ao pro-cesso de produção.

O taylorismo, como um instru-mento de racionalidade e difusãode métodos de estudo e treinamen-to no controle de tempos e movi-mentos do operário, para obtermaior produtividade do trabalho,operou grandes modificações noprocesso de trabalho, que se ex-pressaram no maior controle dotrabalho pelo capital. A supervisãoreveste-se de grande importâncianesse controle, realizando o nexo

entre a esfera do planejamento eexecução das tarefas, sustentada nopressuposto de que a racionaliza-ção científica do processo de traba-lho requer uma divisão de respon-sabilidades entre direção e o traba-lhador e, ao mesmo tempo, umacooperação entre os mesmos. A se-paração entre o trabalho intelectualde elaboração e do trabalho ma-nual de execução justifica-se comobase desse novo sistema organiza-cional das relações de trabalho, pe-la tese taylorista de que qualquertrabalhador, mesmo o mais habilita-do, é incapaz de entender toda acomplexidade da ciência que rege oprocesso de trabalho.

A apropriação dos conhecimen-tos de base técnica pela administra-ção taylorista, consubstanciada nanoção de tarefa, impunha ao traba-lhador o que deveria ser realizado,o modo de realizar e o tempo a sergasto em sua realização. Isto signifi-

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cou uma profunda redução da auto-nomia do operário no espaço dasunidades produtivas, uma vez que aele coube somente a execução deum trabalho parcializado, repetitivoe monótono, definido antecipada-mente pela gerência. Em conse-qüência há uma desqualificaçãodos coletivos operários de ofício,ocorrendo uma considerável mu-dança na composição da classeoperária, tanto do ponto de vista daqualificação quanto da organização.Segundo Bihr (1998), “para o capi-tal,(..) trata-se de se apropriar doaspecto intelectual do trabalho ope-rário, do saber e da habilidade atéentão requeridas pela manipulaçãoda ferramenta ou mesmo da má-quina, que o operário de ofício pos-suía e assumia com orgulho e nosquais ele se apoiava para contestaro comando capitalista sobre o pro-cesso de trabalho” (Bihr Alain,1998: 39). Era importante, do pontode vista do capital, destruir a produ-ção baseada no trabalhador de ofí-cio, não só por concentrar o saberoperário, mas pela sua forma deorganização em sindicatos, os quaisdetinham controle do recrutamentoe da formação de novos operários.Portanto, essa forma de organizar otrabalho se constituía um entravepara a produção em série e para aexpansão do capitalismo. No pa-drão de produção fordista - tayloris-ta, o saber e a habilidade operáriostendem a ser monopolizados pelasgerências ou até mesmo incorpora-das à objetividade do capital, “pro-vocando a expropriação dos operá-rios em relação ao domínio do pro-cesso de trabalho e uma maiordependência em relação à organi-zação capitalista do trabalho” (Bihr,Alain: 40).

A consolidação da dominaçãodo capital sobre o processo de tra-

balho vai permitir a intensificaçãoda exploração da força de trabalhooperária, pois, diferentemente dotaylorismo que se assentava, funda-mentalmente, na extração da maisvalia absoluta - extração do trabalhoexcedente, pelo prolongamento dajornada de trabalho, além do tempode trabalho necessário e peloaumento de sua intensidade, o for-dismo possibilitou o desenvolvi-mento do regime de acumulaçãointensiva, pelo expressivo cresci-mento da produtividade, portanto,na extração da mais valia relativa -aumento do trabalho excedentepela diminuição do tempo de traba-lho necessário e aumento contínuoda produtividade média do trabalhosocial. Embora o fordismo não te-nha introduzido grandes inovaçõestecnológicas, introduziu um padrãode produção em massa através delinha de montagem e implantouuma nova política de gestão da for-ça de trabalho.

A linha de montagem propicioumaior integração do processo pro-dutivo, ao limitar o deslocamentodo operário, no interior da empresa,fixando os mesmos em espaços detrabalho rigidamente definidos, deacordo com o sistema de disposi-ção das máquinas. A medida que ostempos de trabalho passaram a serditados pelo ritmo de funcionamen-to das esteiras mecânicas, houveum aperfeiçoamento do controledo tempo de trabalho pelo capital,pois o tempo de execução de cadaoperação, antes determinado pelagerência taylorista, passou a serregulado pelo movimento das má-quinas que ditava a operação exigi-da para a obtenção incessante demaior produtividade.

Esse regime de acumulaçãoorientado, prioritariamente, para aformação da mais valia relativa logo

se depara com alguns obstáculos:1) tendências de “conversão deuma massa crescente de mais valiaem capital constante (...) adicional,único meio para aumentar a produ-tividade do trabalho; 2) tendênciasda limitação da “demanda de meiosde consumo (especialmente meiosde consumo essenciais) em relaçãoà capacidade de produção que seacumula nesse setor” (Bihr Alain,1998:41).

Tais tendências se concretizamnos anos 20: com base no padrãofordista - taylorista, a produtividadecresce, extraordinariamente,( emmédia de 6% ) nos países capitalis-tas ocidentais, sobretudo nos Es-tados Unidos, enquanto saláriosoperários crescem, em média, ape-nas 2%. Essas condições de acumu-lação vão desembocar na crise de1929 -1930, expressando distorçõesentre as capacidades de produçãoacumuladas e a capacidade de con-sumo da sociedade.

A crise dos anos 30 marca, por-tanto, os limites do modo de acumu-lação intensiva dos anos 20, a qual,segundo Bihr (1998), foi “bloqueadapela taxa de exploração demasiada-mente elevada que a tornara possí-vel: por um crescimento dos saláriosreais insuficientes para equilibrar aacumulação do capital possibilitadapelo crescimento abusivo dos lu-cros” (Bihr Alain, 1998: 42).

Essa crise, que vai se estenderaté logo após a segunda guerramundial, explicitava claramente queera impossível garantir um regimede acumulação, com aquelas carac-terísticas, sem que os lucros obtidospelo aumento da produtividade fos-sem acompanhados por crescimen-to dos salários reais. “Crise orgânicado capital, ela viabilizou, tornounecessário um conjunto de medi-das de contratendência que tratou

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de conduzir/reconduzir as classestrabalhadoras ao leito econômico-corporativo. Para fazer face a essacrise, o capitalismo (seus intelectu-ais orgânicos, seus práticos) cons-truíram uma experiência combina-da de Keynesianismo e WelfareState, “único ordenamento sócio-político que, na ordem do capital,visou expressamente compatibilizara dinâmica da acumulação e dacolonização capitalista, com direitospolíticos e sociais mínimos. Gesta-ram-se formas combinadas de libe-ralismo e de social-democracia”(Dias, 1996:30). Essas formas com-binadas de direção do Estado ti-nham como horizontes a recons-trução do capitalismo, incorporandoà sua lógica o conjunto das classessubalternas.

Essa tarefa não foi difícil, consi-derando que a maioria dos traba-lhadores vivia, naquele momento,um sindicalismo de resultados, mo-vimento típico da ordem do capital.Assim, os imperativos econômicose sociais da reconstrução do perío-do pós-guerra, acompanhada delutas operários, se constituíram,dentre outros fatores, em elemen-tos de pressão sobre a classe domi-nante, no sentido de implementarmedidas institucionais que garan-tissem a divisão dos ganhos de pro-dutividade entre salários e lucros,bem como transformação das con-dições econômicas, sociais, políti-cas e jurídicas das relações no pro-cesso de trabalho e da reproduçãoda força de trabalho, fora desseprocesso.

Para sancionar determinado es-tado de relação de forças entre asduas classes, em seus processos deenfrentamento, emergiu o compro-misso fordista, pacto social emescala internacional, o qual se efeti-vou através das organizações sindi-

cais e políticas do movimento ope-rário, de um lado, organizações dopatronato, de outro, e o Estado. Aeste coube a responsabilidade degarantir o cumprimento do pacto,visando ao “interesse geral” do ca-pital, por meio das organizações re-presentantes de cada uma das clas-ses - a burguesia e a subalterna “Aresposta social-democrática conso-lidada pelo Welfare State, acaboupor fortalecer as lutas corporativasem detrimento da socialização dapolítica, criando assim um pactodespolitizante” (Dias, 1996:32).

Com esse pacto, os trabalhado-res querem garantir seus empregos,melhores salários e condições devida, acabando por “aceitar” os lu-cros do capital.

Bihr (1998) entende que referi-do “compromisso” pode ser compa-rado a uma espécie de imensa bar-ganha, pela qual o proletariado re-nunciou à “aventura histórica”, emtroca da garantia de sua seguridadesocial”(Bihr, 1998:37). Tal renúnciasignifica, para este autor, abandonara luta pela transformação comunis-ta da sociedade e aceitar, ao mes-mo tempo, novas formas de domi-

nação que se desenvolvem no pós-guerra, através das transformaçõesdas condições de trabalho e deexistência que o capitalismo impõeao proletariado, nesse período. Emcontrapartida, o proletariado obti-nha a garantia de sua seguridadesocial, a qual não se limitava à assis-tência social, mas abrangia a satisfa-ção de seus interesses imediatos emais vitais: relativa estabilidade deemprego, redução de tempo de tra-balho e satisfação de algumasnecessidades fundamentais (habi-tação, saúde, educação, lazer etc.).A satisfação dessas necessidadesfundamentais do proletariado, apartir do compromisso fordista,torna-se fonte de legitimidade daburguesia e, ao mesmo tempo, opróprio motor do regime de acu-mulação do capital que transfor-mou profundamente a condiçãoproletária, criando o operário mas-sa, “nova figura hegemônica, noseio do proletariado ocidental”(Bihr, 1998: 56).

As transformações da condiçãooperária provocadas pelo compro-misso fordista evidenciam-se em di-ferentes aspectos: no que se refereà parcelização e à mecanização doprocesso de trabalho, houve umamudança na composição sócio-pro-fissional do proletariado ocidental,na medida em que “a antiga duplaformada pelo contramestre e seuoperário não especializado é substi-tuída por uma nova, formada peloengenheiro ou técnico (...) e pelooperário especializado, operáriodesqualificado, cuja competência foireduzida pela taylorização, ao domí-nio de alguns gestos elementaresque definiam um “posto de traba-lho” (Bihr, 1998: 52).

Essa nova forma de composiçãotem um impacto sobre o operáriocom qualificação técnica reduzida, o

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qual não subsiste, a não ser que semantenha nas indústrias fordistas,para manutenção ou reparo do sis-tema de máquinas, ou em setoresque produzem esses sistemas demáquinas absorvidas por essas in-dústrias, ou em outros setores ondeos métodos fordistas não foram in-troduzidos.

Mais do que as implicações refe-rentes à forma de composiçãosócio-profissional, o período fordistaprovocou uma divisão no interior daantiga classe operária: “de um ladoos operários qualificados, herdeirosdos operários de ofício, constituindouma “aristocracia operária” por ser oprincipal benefício do compromissofordista; (...) de outro, o contingentecrescente dos operários desqualifi-cados, que suportam toda a cargado fordismo na fábrica, beneficiam-se muito pouco de suas vantagensfora da fábrica” (Bihr,1998:52).

Além dessas implicações, o for-dismo extrapola a classe operária,estendendo as fronteiras destaalém dos seus limites tradicionais:incorpora à mesma empregado decomércio e de escritório, proletari-zados pela submissão de uma partedo setor de serviços, ao domínio docapital ou pela introdução de méto-dos capitalistas de trabalho (parceli-zação e mecanização) nesse setor.

Todo esse processo tendia a dis-solver elos de socialização e de soli-dariedade de classe que se consti-tuíam suporte da organização ecombatividade do conjunto da clas-se trabalhadora, em sua fase ante-rior. Fase em que a identidade ideo-lógica se constituía em torno daética do trabalho e do amor ao ofí-cio e que o trabalho poderia consti-tuir-se a maior referência e o maiorvalor, em torno dos quais o operárioconstruía sua própria individualida-de, resultante de suas relações com

os outros e com o mundo social.Como operário especializado, “o tra-balho era simplesmente um “ganhapão”, “um inferno”, de onde o me-lhor era mesmo fugir na primeiraoportunidade” (Bihr, 1998:53).

Para Gramsci (1976), “os ameri-canos industriais tipo Ford (...) nãose preocupam com a “humanidade”e a espiritualidade do trabalhador,que são imediatamente esmaga-dos. Esta “humanidade e espirituali-dade” só podem existir no mundoda produção e do trabalho, na cria-ção produtiva; (...) quando a perso-nalidade do trabalhador refletia-seno objeto criado, quando era aindaforte o laço entre a arte e trabalho.Mas é contra este “humanismo”que luta o novo industrialismo”(Gramsci, 1976:397).

Portanto, esse novo homem for-diano não é o homem que podecontrolar seus atos, que pode criar asua própria vida. É um homem mol-dado pelo tecnicismo e não maispelo primado da natureza humana;é um tipo psicofisicamente ajustadoà produção fordista, membro de umcorpo de um “trabalhador coletivo”melhor adaptado à lógica de umasubordinação real do trabalho aocapital.

Mas as transformações que vãoconstituindo o perfil do operário

massa, afetam também, além doprocesso de trabalho, o processo deconsumo, modificando a condiçãoproletária no período fordista, pelaintegração do processo de consu-mo do proletariado à relação sala-rial. Essa integração determinouinúmeras conseqüências, destacan-do-se, dentre elas, o desapareci-mento da produção doméstica,transformando a família de unidadeprodutiva para unidade de consu-mo; imposição média de consumoem torno de mercadorias, tambémimpostas (automóvel e eletrodo-méstico), subordinando o consumodo proletariado às relações mercan-tis; acesso a crédito para consumode massa, implicando a interferên-cia na própria forma de existênciado trabalhador e a sua integraçãoideológica; a socialização do saláriocom o desenvolvimento do salárioindireto, elemento essencial dopacto fordista, permitindo ao prole-tariado escapar à instabilidade pró-pria de sua condição.

A respeito dessas transformaçõesque atingem o modo de vida e asubjetividade do operário, diz Gra-msci: “os novos métodos de traba-lho estão indissoluvelmente ligadosa um determinado modo de viver,de pensar e de sentir a vida; não épossível obter êxito num campo,sem obter resultados tangíveis nooutro”(Gramsci,1976:396).

A relativa privatização do modode vida do proletariado, decorrentedessas transformações, parece terexercido, de acordo com Bihr (1998),influência profundamente negativaem sua luta e em sua consciência declasse, além de ter servido de condi-ção e suporte à sua moralização.

Sobre esta questão, a análise deGramsci vincula-se ao seu ponto devista quanto à relação orgânicaentre os métodos de trabalho e o

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Esse novo homem fordiano

não é o homem que pode

controlar seus atos, que

pode criar a sua própria

vida. É um homem moldado

pelo tecnicismo e não mais

pelo primado da natureza

humana.

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modo de vida. Assim, reafirma aligação entre racionalização do tra-balho e o proibicionismo, existentena América, onde “os inquéritos dosindustriais sobre a vida íntima dosoperários, os serviços de inspeçãocriados por algumas empresas paracontrolar a moralidade dos operá-rios são necessidades do novométodo de trabalho” (Gramsci,1976:396). Ainda na análise grams-ciana sobre a moralidade, é desta-cada como uma das questões “éti-co-civis” mais importantes a ques-tão sexual, a qual está ligada aoálcool. Nesse quadro de puritanis-mo e proibicionismo, o abuso dasfunções sexuais, após o alcoolismo,constitui-se o grande inimigo dasenergias nervosas. Neste sentido,Gramsci (1976) destaca, em suaanálise, a preocupação do industrialamericano com manter a eficiênciafísica do trabalhador e a sua eficiên-cia muscular nervosa; é importantepara a empresa ter um quadro detrabalhadores estável, já que o com-plexo humano é considerado, pelaempresa, como uma máquina quenão deve ser desmontada com fre-quência. Daí, o chamado alto salárioser um elemento fundamental noprocesso de seleção dos trabalha-dores aptos para o sistema de pro-dução e para manter a sua estabili-dade, embora seja uma arma dedois gumes: a integração entre oprocesso de consumo e a relaçãosalarial impõe a necessidade deque o trabalhador gaste a maiorquantidade de dinheiro, de formaracional, para manter, renovar oumesmo aumentar a sua eficiênciamuscular nervosa, lutando contra oálcool, considerado o agente maisperigoso de destruição das forçasde trabalho. Essa luta contra o ál-cool se torna função do Estado, domesmo modo que outras lutas puri-

tanas podem se tornar, à medidaque a iniciativa privada dos indus-triais pareça insuficiente ou queseja desencadeada uma crise pro-funda de moralidade entre as mas-sas trabalhadoras, em decorrênciade uma ampla crise de desempre-go.

Esse conjunto de mecanismospara controlar a “moralidade” dosoperários , como necessidade donovo método de trabalho, no qua-dro do fordismo americano, é por-tador de um significado históricoparticular, que é o de constituir-seno “maior esforço coletivo realizadoaté então para criar, com rapidezincrível e com uma consciência dofim jamais vista na história, um tiponovo de trabalhador e de homem”(Gramsci,1976:396).Gramsci cha-mava a atenção para a expressão“consciência do fim” que, segundoo teórico militante, pode parecerespirituosa para os que recordam afrase de Taylor sobre o “goriladomesticado”. “Taylor exprime comcinismo brutal o objetivo da socie-dade americana: desenvolver, aomáximo, no trabalhador, as atitudesmaquinais e automáticas, romper ovelho nexo psicofísico do trabalhoprofissional qualificado, que exigiauma determinada participação ativada inteligência, da fantasia, da ini-ciativa do trabalhador e reduzia asoperações produtivas apenas aoaspecto físico maquinal. Mas, narealidade não se trata de novidadesoriginais, trata-se somente da fasemais recente de um longo processoque começou com o próprio nasci-mento do industrialismo, fase queapenas é mais intensa do que asprecedentes e manifesta-se sob for-mas mais brutais, mas que tambémserá superada com a criação de umnovo nexo psicofísico de um tipodiferente dos precedentes e indubi-

tavelmente superior. Verificar-se-á,inevitavelmente, uma seleção força-da, um parte da classe trabalhadoraserá impiedosamente eliminada domundo do trabalho e talvez domundo tout court” (Gramsci, 1976:397).

A tematização de Gramsci sobreo fordismo ultrapassa a importânciado momento técnico da racionaliza-ção do trabalho alcançando ele-mentos mais permanentes que ten-dem a impregnar todo o sistema in-ternacional e realizar uma novaetapa do movimento histórico glo-bal, uma nova civiltá. Desse modo,o sentido do americanismo/fordis-mo, para Gramsci, não está centra-do nas transformações das condi-ções de produção stricto sensu, massignifica um momento do processocivilizatório mais geral, envolvendoa constituição de um novo tipo detrabalhador - o trabalhador coletivo- criado no espaço da fábrica . Nestecaso, a FORD, considerada não ape-nas unidade produtiva mas materia-lização de um padrão cultural (oamericanismo), o qual não se res-tringe à experiência americana, queé um momento processual, “maspotencializa e desenvolve progressi-vamente o próprio sistema capita-lista mundializado, conformando-oem novos patamares de sociabilida-de (normatividade/institucionalida-de), de racionalidade; é reelabora-ção cultural da ordem societária docapital, de subsunção real do traba-lho, de redefinição da subjetividadehumana, que se desenvolve numavelocidade e dinamismo cada vezmais frenéticos e de incidência alar-gada sobre o mundo” (Mello. A. F,1996:99).

O operário massa criado labora-torialmente no contexto de umafábrica, figura hegemônica corres-pondente ao período fordista, acu-

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mula um conjunto de tradições doqual, de acordo com Bihr (1998, p.56), podemos destacar: a concen-tração no espaço social tira o prole-tariado de sua dispersão geográfica,cultural e social, anterior, provocan-do efeitos de desenraizamento eperda de identidade; ao mesmotempo, cria condições favoráveis aoseu agrupamento, à sua organiza-ção e à sua luta de classe. Com ahomogeneização do proletariado,ao ser designado para as tarefasrepetitivas da produção em massafordista e reduzido à força de traba-lho simples, há uma negação dequalquer identidade profissionalprópria; ao mesmo tempo, constituia massa dos consumidores anôni-mos, composta de indivíduos isola-dos pelo universo das relações mer-cantis. O proletariado é homoge-neizado pela perda de antigas iden-tidades individuais e coletivas ba-seadas nas particularidades quecaracterizavam os operários de ofí-cio e garantiam sua solidariedade esua força coletiva; mas é, também,o proletariado que pode ampliarlaços de solidariedade de classe. Ooperário pré-fordista possuía aindauma grande autonomia em relaçãoao capital, seja no trabalho ou foradele; o operário massa tornou-seuma simples engrenagem, não pas-sando de um apêndice do sistemade produção; no processo de repro-dução de sua força de trabalho, éinteiramente dependente de seusalário e do mercado capitalista, oque é agravado pelo desenvolvi-

mento do crédito ao consumo e dosalário indireto. Através do acessoao consumo e à seguridade social,o operário vai reivindicando e con-quistando uma autonomia e cons-ciência enquanto indivíduo privado,o que pode se tornar contraditório àmassificação pelo trabalho taylori-zado e pelo consumo mercantil.

Em síntese, esse conjunto decontradições materializado peloconfronto entre os dois universosdo operário - sua cultura anterior ea cultura fordista - só poderia levá-lo, com o tempo, a explodir. Assim,ao adquirir compreensão críticadesses dois universos, o operárioreage sob a forma de uma onda delutas proletárias, que se realiza nofinal da década de 60 e no início dedos anos 70, em formações capita-listas desenvolvidas. Essas lutascontra os métodos tayloristas e for-distas de produção “anunciavam oslimites históricos do compromissofordista” (Bihr, 1998:59).

A reação do operário - massa, crise e desafios contemporâneosNa verdade, o operário massa

não mais suportava a perda do do-mínio do processo de trabalho, doqual continuava a ser o agente dire-to, mas participava, apenas, por me-io de gestos repetidos e destituídosde sentido. A organização do pro-cesso de trabalho era concebidapela direção e pelo staff administra-tivo, aos quais o produtor direto de-via submeter-se.

Com base no estudo de Bihr(1998), pode-se afirmar que as con-tradições existentes no universo daprodução fordista, não apenasaquelas entre heteronomia e auto-nomia interna no processo de tra-balho, poderiam ser suportáveis pa-ra a primeira geração do operário-massa, para a qual as vantagens dofordismo compensavam. Entretan-to, a segunda geração, formada noquadro do fordismo, “não estavamais disposta a “perder sua vida pa-ra ganhá-la”: a trocar um trabalho euma existência desprovidos de sen-tido pelo simples crescimento deseu “poder de compra”, a privaçãode ser por um excedente em ter”(Bihr, 1998:60).

A insatisfação do operário mas-sa, expressa em sua revolta contra opadrão de produção fordista-taylo-rista, provocou a denominada “cri-se do trabalho”, alterando tanto anatureza do trabalho fordizadoquanto o lugar do trabalho na exis-tência do operário.

Para o operário-massa, as alter-nativas de luta que então se colo-cam são as seguintes: lutas funda-mentalmente defensivas e individu-ais, no sentido de “exacerbar a “ló-gica” de sua expropriação no pro-cesso de trabalho” (Bihr, 1998:60)ou lutas coletivas no sentido da “re-conquista de um poder sobre o pro-cesso de trabalho e, conseqüente-mente, pela transformação desseprocesso” (Bihr, 1998:61).

No primeiro caso, essas lutas semanifestam pela fuga do trabalho ede produção, através do absenteís-mo, busca de “pequenos trabalhos”ocasionais, ou mesmo ruptura coma condição de assalariamento eretorno às formas pré-capitalistasde produção.

Na segunda forma, as manifesta-ções da luta operária se dão via gre-

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O operário massa não mais suportava a perda do

domínio do processo de trabalho, do qual continuava a

ser o agente direto, mas participava, apenas, por meio

de gestos repetidos e destituídos de sentido.

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ves parciais, operação-tartaruga,ataques ao staff administrativo, for-mação de conselhos de oficina e defábrica, difusão de palavras de or-dem de autogestão, de controle eaté mesmo de poder o operário.

Em contraposição à ofensivaoperária, os capitalistas procedem àreorganização dos métodos taylo-ristas, diversificando as tarefas epropondo-se delegar a responsabili-dade de um segmento do processode trabalho a pequenos grupos deoperários. A introdução dessas mu-danças, pelos capitalistas, não pas-sou de um estágio experimental,pois, se essas mudanças restabele-ciam a produtividade, ao mesmotempo, constituíam-se em ameaçasà estrutura hierárquica da empresa.A responsabilidade delegada aoproletariado, por mínima que fosse,o incitava a reivindicar um controlemaior no processo decisório da em-presa. Um outro problema com oqual o capital se chocava, na reorga-nização das formas tayloristas doprocesso de trabalho, era “o au-mento de sua composição (técnicae orgânica) ligado ao tipo de tecno-logia utilizada pelo fordismo, ou se-ja: uma reorganização do processode trabalho não podia se dar semredefinição da base tecnológica docapital” (Bihr, 1998:61).

Mas a revolta do operário-mas-sa, expressão das aspirações de au-tonomia individual e coletiva nasci-das na dinâmica contraditória dodesenvolvimento do fordismo, nãose restringia às formas de organiza-ção do processo de trabalho. Reco-locava também em questão a pos-tura social-democrata do movimen-to operário, incompatível comaquelas aspirações. As organizaçõessindicais e políticas constitutivas domodelo social democrata eram in-capazes de dirigir algum movimen-

to proveniente da base, pois limita-vam-se ao compromisso fordista,além de se comportarem como per-feitas guardiães do capital.

Desse modo, segundo Bihr (1998),foi “basicamente sem e até mesmocontra as organizações sindicais epolíticas constitutivas desse modelosocial-democrata do movimento ope-rário que as lutas proletárias da épocase desenvolveram” (Bihr, 1998:62).

Essas lutas eram frontalmentecontra a perspectiva estalinista e le-galista da estratégia social-demo-crata de subordinação da ação au-tônoma da classe às organizaçõespolíticas. Colocavam a auto-organi-zação do conjunto dos trabalhado-res contra o poder no interior daempresa, desenvolvendo uma orga-nização contra o processo de traba-lho, multiplicando ações de ocupa-ção da empresa, opondo-se às de-missões coletivas com tentativa deretomada de empresa com auto-gestão.

Em síntese, a revolta do operáriomassa evidenciava que a questão emjogo para o proletariado ocidentalnas décadas ulteriores seria criar no-vas estratégias de luta para suaemancipação, pois, embora no finalda década de 60 e início de 70 suaslutas apresentassem característicasde racionalidade, tiveram curta dura-ção. Uma das razões do processodessas lutas foi o papel contra-revo-lucionário desempenhado pelas or-ganizações com perspectiva social-democrata do movimento operário.

É importante ressaltar, ainda,que durante esse ciclo de lutas aconflitualidade proletária ultrapas-sou, raramente, os limites da em-presa, não sendo estendida a con-testação do poder do capital sobreo trabalho ao seu poder sobre todaa vida social.

O isolamento das lutas do prole-

tariado das que se desenvolveram,na mesma época, fora do trabalho,por iniciativa dos “novos movimen-tos sociais”, demonstra a impregna-ção do quadro ideológico do com-promisso fordista no seio do prole-tariado, ainda que este se encon-trasse em ruptura com esse quadro.

As diferentes práticas de auto-organização conquistadas em rela-ção ao período fordista permanece-ram, na maioria das vezes, limitadasa uma oficina, a uma empresa, a umbairro, e as nascidas de lutas comconteúdos e objetivos específicos,raramente, sobreviviam.

A não superação do seu isola-mento e do seu limite quanto à ca-pacidade de criar e manter formasde organização permanentes e alter-nativas aos sindicatos e partidos polí-ticos, levava o movimento, segundoa análise de Bihr, “a se enfraquecer ea refluir, apesar de sua radicalidade.Na verdade, esse refluxo teve inícioantes mesmo que a presente crisedo capitalismo ocidental se abrisseoficialmente” (Bihr, 1998:65).

No quadro da crise da contempo-raneidade, observavam-se nos paí-ses de capitalismo avançado, ao lon-go das últimas décadas deste século,profundas transformações no mun-do do trabalho, tanto no que tangeàs formas de organização da produ-ção, quanto nas formas de organiza-ção política e sindical. A intensidadedessas transformações atingiu a ma-terialidade e subjetividade da classetrabalhadora que vive na mais agudacrise deste século.

Atribui-se à tecnologia as trans-formações em curso e anuncia-se aperda de significado do trabalho noseu sentido clássico. A este respeito,Dias (1997, p. 8) questiona se, defato, “é a sociedade do trabalho queperece ou se trata de quebrar o tra-balhador coletivo e/ou coletivos de

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trabalho e, com eles, as suas sociabi-lidades?” (Dias, 1997:9). Contradito-riamente, ao mesmo tempo em quese anuncia a morte do trabalho, éexaltada a possibilidade de um tra-balho criador, que não requer mais aconcentração fabril, ou seja, o traba-lhador fabril estaria em extinção e aparceria passa a constituir a nova re-lação capital/trabalho. O mito é adesconstrução do operário desquali-ficado e a construção do trabalhadorpolivalente. Este seria autônomo ecriativo e aboliria o mero repetidorde gestos sem sentido.

Entende-se inaceitável a atribui-ção de um caráter de determinaçãohistórica ao progresso técnico-de-terminismo tecnológico - por aque-les que concebem o conjunto detransformações da sociedade capi-talista como decorrência de uma re-volução técnico-científica. Isto severifica no interior da problematiza-ção de uma suposta “revolução” damicroeletrônica, cibernética, infor-mática.

Na verdade, “a chamada III Re-volução Industrial nada mais é doque a subsunção atual do trabalhoao capital” (Dias, 1997:12). Assim, asuperação desse modo determinis-ta de pensar, passa pelo “entendi-mento de que o progresso técnicotestemunha e subordina-se ao cará-ter antagônico das contradições so-ciais classistas” (Braga, 1996:7). Es-se antagonismo se expressa peloconfronto entre racionalidades quedevem definir a direção da interven-ção política na realidade.

No mundo contemporâneo daprodução, não há como negar asnovas formas de gestão que co-mandam os processos produtivos,bem como a potencialidade decrescimento desses processos: opadrão fordista-taylorista não émais o único, mas mescla-se comoutros processos produtivos - oneofordismo, neotaylorismo, pós-modernismo. Em algumas realida-des, como é o caso do Japão, estásendo substituído pelo taylorismo.

Desse modo, novos processos detrabalho estão emergindo, “onde ocronômetro e a produção em série ede massa são “substituídos” pela fle-xibilização da produção, pela “espe-cialização flexível”, por novos pa-drões de busca de produtividade,por novas formas de adequação daprodução à lógica do mercado”(Antunes, 1995:16). No que tange àsnovas formas de gestão da força detrabalho, destacam-se, não apenasno Japão, mas em vários países decapitalismo avançado e do terceiromundo: os currículos de controle equalidade (CCQ), a “gestão participa-tiva” e a “busca de qualidade total”.

As formas mescladas de padrãode produção, de caráter transitório,têm seus desdobramentos, tam-bém, no que se refere aos direitosdos trabalhadores. Há uma desre-gulamentação e flexibilização nosentido de prover o capital de con-dições necessárias para adequar-sea cada nova fase, além de perdas deconquistas históricas. O despotismotaylorista é um elemento ainda pre-

sente neste momento histórico, oradiminuto ora intenso, no sentido deobter a participação dentro da or-dem e do universo da empresa.

Esse processo de transformaçãoem curso, no capitalismo contempo-râneo, tem sido objeto de reflexãode inúmeros pesquisadores e mili-tantes políticos que assumem dife-rentes perspectivas de classe. As-sumindo a perspectiva das classessubalternas, Dias (1997) entendeque “os que falam em fim da socie-dade do trabalho vêem na ciência ena tecnologia uma possibilidadesuperior de resolução das contradi-ções sociais; como uma correlaçãoascensional, progressiva, da raciona-lidade independente do confrontoentre classes, projetos e concepçõesde mundo” (Dias, 1997:11-12).

Essa concepção exalta a neutrali-dade da técnica, além de encobrir oureforçar, proposital ou ingenuamen-te, que ao capitalismo é de funda-mental importância, limitar a possibi-lidade histórica dos seus antagonis-tas. Isto se dá, pela repressão aberta,em especial, sobre os países maisperiféricos e pobres. “Para liberar omáximo de sua capacidade produti-va, o capitalismo tem que negar odireito de existência autônoma aqualquer forma antagônica. (...) Oneoliberalismo - momento atual docapitalismo - é, assim, a combinaçãoda contra-revolução com a reformada gestão e da produção, maximiza-das, uma e outra, pela aparentedesaparição temporária - é necessá-rio reafirmá-lo - do antagonismo”(Dias,1997:13).

Para Mandel (1986), o discursosobre o fim da sociedade do traba-lho é mais uma arma ideológicados capitalistas em sua luta contra aclasse trabalhadora para garantir acrescente exploração do trabalho ea ampliação da acumulação do ca-

O mito é a desconstrução do operário

desqualificado e a construção do trabalhador polivalente.

Este seria autônomo e criativo e aboliria o

mero repetidor de gestos sem sentido.

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pital. Do ponto de vista do autor,com o qual concordamos, numa so-ciedade que se nutre da exploraçãodo trabalho, o “adeus ao proletaria-do” significa tanto o adeus a todoprojeto de emancipação humanaquanto o adeus à economia demercado e ao próprio capital. Dessemodo, a substituição do trabalhovivo pelo trabalho morto ameaçanão apenas o futuro do trabalhadore do socialismo, como também asobrevivência da economia capita-lista de mercado, que se torna cadavez mais impossível.

No que se refere à aparente desa-propriação do antagonismo, aponta-da por Dias (1997, p. 13), é sustenta-do por Mezzáros (1999) o irreconci-liável antagonismo entre capital etrabalho na base da crise estruturaldo capitalismo atual, na medida emque essa crise, ao mesmo tempo emque está articulada à tendênciamodernizadora, que submete o tra-balho e a tecnologia aos estreitos li-mites do capitalismo, também acir-ra a confrontação da força de traba-lho com o capital, trazendo profun-das conseqüências à materialidade esubjetividade da classe trabalhadora.

Dentre as teses defendidas porAntunes (1995, p. 75) quanto à cri-se da sociedade do trabalho, o au-tor entende que, ao tematizá-la, éindispensável recuperar a distinção,feita por Marx, entre trabalho con-creto e trabalho abstrato: “todo tra-balho humano é, de um lado, dis-pêndio de força humana de traba-lho, no sentido fisiológico, e, nessaqualidade de trabalho humanoigual ou abstrato, cria o valor dasmercadorias. Todo trabalho, por ou-tro lado, é dispêndio de força hu-mana de trabalho, sob forma espe-cial para um determinado fim, e,nessa qualidade de trabalho útil econcreto, produz valores de uso”

(Antunes, Apud Marx, 1971:54).Tem-se, portanto, o trabalho concre-to como dimensão qualitativa do tra-balho, pelo seu caráter de utilidade econdição para produzir coisas social-mente necessárias; e o trabalho abs-trato, enquanto dispêndio de forçahumana produtiva, necessária à pro-dução de valores de uso, dos quais,abstraindo-se o seu caráter de utili-dade, resta apenas o resíduo dosprodutos do trabalho, que vai confi-guram-se em valores de troca.

Feita essa distinção, não há co-mo desconsiderar, segundo An-tunes (1995), a dupla dimensão dotrabalho na sociedade capitalista,sob pena de cometer o equivoco noentendimento da crise da socieda-de do trabalho abstrato, como acrise da sociedade do trabalho con-creto.

A vertente analítica que vê a cri-se da sociedade do trabalho, tam-bém, em sua dimensão concreta,tem como tese central o fim da so-ciedade do trabalho.

É possível admitir, a partir dastransformações do processo de tra-balho, o fim da sociedade do traba-lho? Quais os fundamentos dessaconcepção?

A discussão e os questionamen-tos sobre a existência ou não dasociedade do trabalho surgem naAlemanha, nos anos 70, no bojo dacrise da social-democracia e dosimpasses do Estado de Bem-Estar-Social, cujos limites se evidenciamatravés do não cumprimento dameta do pleno emprego e nãoatendimento das crescentes de-mandas resultantes do desempregoe subemprego.

Mais recentemente, duas cor-rentes se colocam no pensamentoalemão, com relação à importânciada categoria trabalho, na determi-nação da estrutura e do desenvolvi-

mento sociais: uma representadapor Claus Offe e Jürgen Habermans,que formula a concepção do fim dasociedade do trabalho e outra cons-tituída por autores como Baethge,Walter Heinz e outros, que apontampara a crise e não para o fim dessasociedade.

Claus Offe nega o espaço da fá-brica com locus privilegiado do con-flito de classes, como o argumentode que existem outros parâmetrosnorteadores da vida social, queescapam ao mundo do trabalho.Diz ele: “as suposições de que afábrica não é o centro de relaçõesde dominação nem o lugar dosmais importantes conflitos sociais,de que os parâmetros-metas sociais(por exemplo, econômico) do de-senvolvimento social foram substi-tuídos por uma autoprogramaçãoda sociedade e de que, pelo menospara as sociedades ocidentais, tor-nou-se altamente ilusório equipar odesenvolvimento das forças produ-tivas à emancipação humana, todasessas hipóteses e convicções (...)penetram tão profundamente emnosso pensamento que a ortodoxiamarxista não tem mais muita res-peitabilidade científico-social” (Offe,1989:195).

Em apoio a essas suposiçõesque descentralizam o trabalho co-mo fator social estruturador da so-ciedade, Claus Offe utiliza uma sériede argumentos oriundos de recen-tes pesquisas sociológicas, sobre aquestão do processo de trabalho.Um primeiro argumento refere-seàs subdivisões ocorridas na esferado trabalho, como a expansão dosetor serviços, cuja lógica, segundoele, é bastante diferente daquelaque prevalece no setor produtivo.Para ele, o setor serviços aparececomo corpo estranho dentro do tra-balho e expõe as razões desse

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entendimento: “primeiro devido àheterogeneidade dos casos proces-sados nos serviços e altos níveis deincerteza a respeito de onde equando eles ocorrem (...). Segun-do, o trabalho em serviço diferen-cia-se do trabalho produtivo pelafalta de um critério de eficiênciaeconômica claro e indiscutível, doqual se poderia deduzir estrategica-mente o tipo, a qualidade, o lugar eo tempo do trabalho conveniente”(Offe, 1991:119).

Em síntese, as atividades de ser-viços escapam ao controle do capi-tal, ou seja, para Claus Offe, o capi-tal não conseguiria impor sua von-tade nesses setores.

Um outro argumento usado porOffe para fortalecer as suas suposi-ções é o declínio do que ele chamaética do trabalho. Segundo ele, “aforça obrigatória da ética do traba-lho pode ter sido enfraquecida tam-bém pelo fato de que ela geralmen-te só pode funcionar em condiçõesque (...) permitam aos trabalhado-res participarem de seu trabalho co-mo pessoas reconhecidas queatuam moralmente” (Offe, 1991:198).A esse discurso se contrapõe o fatode que, no capitalismo, o único mo-tivo de o trabalhador poder traba-lhar é o interesse material, ou seja,se o trabalhador não vender a suaforça de trabalho não terá acessoaos meios de consumo. Para o tra-balhador, o trabalho é unicamenteum meio de sobrevivência, uma vezque uma característica básica docapitalismo é justamente o traba-lhador não ter direito ao produto doseu trabalho.

Partindo das pesquisas de Offe,Habermas conclui que “a utopia deuma sociedade do trabalho perdeua sua força persuasiva e isso nãoapenas porque as forças produtivasperderam sua inocência ou porque

a abolição da propriedade privadados meios de produção, manifesta-mente, não resulta por si só no go-verno autônomo dos trabalhadores.Acima de tudo, a utopia perdeu seuponto de referência na realidade: aforça estruturadora e socializadorado trabalho abstrato. Claus Offecompilou convincentes indicadoresda força objetivamente decrescentede fatores como o trabalho, produ-ção e lucro na determinação daconstituição e do desenvolvimentoda sociedade em geral” (Habermas,1987:107).

Essa postura do fim da sociedadedo trabalho resulta em espaços paraconcepções que se contrapõem àpossibilidade de uma compreensãoda sociedade em sua totalidade, poisrejeitam a possibilidade de uma teo-ria capaz de pensar as inter-relaçõesentre diferentes fenômenos, com oargumento de que a sociedade se di-ferenciou internamente e essas dife-renças não podem ser pensadas emsua unidade.

Para esses teóricos do fim da so-ciedade do trabalho, não é maispossível se pensar numa transfor-

mação radical da sociedade, comona época em que prevalecia umaforça de trabalho homogênea. Hoje,segundo eles, o trabalhador demassas cedeu lugar a uma força detrabalho com identidades, articula-das em novos estilos de vida e no-vos padrões culturais. Essa posturaexpressa uma visão de realidadecom multiplicidade de fenômenosfragmentados, sem nenhuma arti-culação interna.

Essa crise da razão moderna, ex-pressa numa veemente crítica aospadrões de racionalidade ate entãovigentes, tem repercussões diretasna ciência e na tecnologia e, de mo-do especial, nas ciências sociais,como crise de explicitação da socie-dade.

É questionada, hoje, a pertinên-cia das grandes teorias sociais unifi-cadoras e globalizantes e, dentre asmatrizes em questão, a mais ataca-da por uma parcela significativa deanalistas é o marxismo, dado o seupeso na contemporâneidade, como agravamento do chamado socia-lismo real.

É verdade que há uma crise deuma vertente marxista, mas não háuma crise histórico-terminal da tra-dição marxista. Daí, as críticas for-muladas e até mesmo a suposiçãoda falência do socialismo, não po-dem ser imputadas ao marxismoem geral. “O socialismo real viveuma profunda crise, mas não suge-re que o método marxista de análi-se da sociedade e a teoria social deMarx estejam superados e não pos-sam continuar sendo instrumentosválidos para compreensão de taisfenômenos que se dão em socieda-des humanas” (Netto, 1989).

A teoria social de Marx não ésuficiente para explicar tudo o queestá ocorrendo, porque o que Marxpensou, há 100 anos, não é o que

Essa crise da razão

moderna expressa numa

veemente crítica aos

padrões de racionalidade

ate então vigentes, tem

repercussões diretas na

ciência e na tecnologia e,

de modo especial,

nas ciências sociais,

como crise de explicitação

da sociedade.

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se passa hoje. Entretanto, o seu re-ferencial continua sendo o que nospermite dar conta dos processosestruturais da ordem burguesa.

Esse contexto de crise tem sériasimplicações na vida organizativados trabalhadores, pois, ao se rom-per, no plano de análise, com osparadigmas unificadores e globali-zantes, esse rompimento, obvia-mente, é com os referenciais depráticas políticas. Neste sentido, “osestudiosos do movimento dos tra-balhadores em diversos países,especialmente no primeiro mundo,têm alertado para a diminuição doespírito de militância, para dificulda-des de mobilização dos trabalhado-res e dearticulação da solidariedadede classes” (ADUFC,1992:6).

Essa visão pode-se estender,também, ao Terceiro Mundo, consi-derando que a crise do socialismoreal e suas implicações teóricas epolíticas repercutiram, fortemente,no contexto mundial, constituindo-se em mais um agravante para ofortalecimento ou para a emergên-cia de diferentes correntes de pen-samento e referências de práticassociais que se revelam inconsisten-tes em relação à perspectiva teóri-co-metodológica marxiana.

Contrapondo-se à corrente quenão considera mais a categoria tra-balho com fundamental para expli-car a estrutura da sociedade e asrelações sociais, um conjunto de in-telectuais alemães, já mencionadosanteriormente, argumentam contra-riamente a essa posição e indicamnovas possibilidades de atuação dotrabalhador no espaço do trabalho,de forma criativa e participativa.

Baethge entende que, apesar doaumento do tempo livre, a posiçãosocial do indivíduo permanece,ainda essencialmente determinadapor sua posição no sistema produti-

vo. Entretanto, reconhece que essesistema produtivo já dá sinais detransformar sua estrutura e suadinâmica organizacionais.

As transformações que se deli-neiam na organização do trabalhode formas tayloristas de racionaliza-ção a formas de trabalho mais inte-gradas e totais - é hoje uma tendên-cia, sobretudo nas grandes e mé-dias empresas industriais e de pres-tação de serviços. Mas essa tendên-cia não está completamente im-plantada, pois subsistem, ainda, uti-lização de técnicas orientadas pelaorganização taylorista. Mesmo as-sim, observa o autor, “há uma sériede indícios de que o novo esquemade racionalização se voltará para asqualidades específicas do trabalhohumano e para a qualificação e es-pecificação como importantes for-ças produtivas” (Baethge, 1989:13).

Partindo dessa premissa, o perfildo trabalhador se transformará, gra-dativamente, para um novo tipo detrabalho: planejamento, controle,direção e acompanhamento, para oque será exigida competência a ní-vel do conhecimento sobre o pro-duto e o processo de trabalho, alémde um saber empírico proveniente

de sua experiência direta com a má-quina.

No setor terciário, segundo Bae-thge (1989:15), “as qualificaçõesprincipais abrangem a capacidadepara seleção de dados , para o tratoestratégico com investigações quese baseiam em capacidades analíti-cas bem definidas para interpretarinformações, alta flexibilidade inte-lectual para dominar situações vari-áveis bem como competência paracomunicação social”.

Outro intelectual alemão, WalterHeinz, citado por Neise Deluiz e Eu-nice S. Trein, discute as várias con-cepções sobre o fim da sociedadedo trabalho e contrapõe-se, princi-palmente, às teses de Claus Offe.Para Heinz, o fim da sociedade dotrabalho seria um mito. Os jovensmudaram sua maneira de encarar omundo do trabalho: não mais vi-vem para trabalho, mas querem tra-balhar para viver. Principalmente osjovens das classes subalternas quepermanecem tendo, no trabalho,um valor fundamental.

Heinz ressalta, ainda, que a inse-gurança nos postos de trabalho, adiscriminação, a seleção e a concor-rência levam os jovens a terem umarelação dúbia com o mundo do tra-balho. Se, por um lado, ele é impor-tante para a auto-realização, inde-pendência da família e subsistência,por outro, o trabalho é ameaçador.

O nosso ponto de vista aproxi-ma-se da corrente que reconheceapenas a crise e não o fim da socie-dade do trabalho. Considera que éainda a posição do indivíduo nomundo da produção material quedetermina a sua situação social; re-afirma a existência das classes tra-balhadoras subalternas com todosos problemas inerentes ao capitalis-mo tardio, como: o individualismo,a necessidade de status via qualifi-

O perfil do trabalhador se

transformará, gradativamente,

para um novo tipo de

trabalho: planejamento,

controle, direção e

acompanhamento, para o

que será exigida

competência a nível do

conhecimento sobre o

produto e o processo

de trabalho.

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cação e a competição por um postono mercado de trabalho, mas compossibilidade de superação dessesproblemas, através do espaço daprópria fábrica ou no setor de ser-viços e outras atividades.

Reafirmamos, portanto, o papelhistórico do trabalho humano nasuperação do sistema produtor demercadorias e construção de umanova sociabilidade.

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*Professora do Departamento de Ser-viço Social e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas daUniversidade Federal do Maranhão.Doutora em Serviço Social: PolíticasSociais e Movimentos Sociais pelaPUC - São Paulo. Pesquisadora doCNPQ. 1º Vice-Presidente RegionalNordeste I do ANDES/SN - Gestão2000/2002.

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1. Este trabalho, originalmentepublicado em TEXTOS APUBnº. 7, de novembro de 2000, foi,para fins desta publicação, atualizado em razão das subseqüentes versões do anteprojeto de lei do Emprego Público das Instituições Federais de Ensino, promovidaspelo Ministério da Educação (MEC).

2. A discussão, ora proposta, éprovocada pela lei 9.962/2000, de22/02/2000, que regulamenta mo-dificação efetivada pela EmendaConstitucional nº 19, da Reforma Ad-ministrativa, autorizando a União acontratar pessoal, também, na for-ma do emprego público, regido pe-la CLT. Tal legislação estabelece pa-râmetros gerais e “disciplina o regi-me de emprego público do pessoalda administração federal direta,autarquia e fundacional”. Mais re-centemente , em 19/04/2001, o Mi-nistério da Educação divulgou maisuma versão do anteprojeto que, co-mo desdobramento da lei 9962/2000 - semelhante às outras ver-

sões de20/07/2000,1 6 / 0 9 / 2 0 0 0 ,22/01/2001 e 10/04/2001-, cria e especifica o emprego públi-co, regido pela CLT, nas InstituiçõesFederais de Ensino vinculadas aopróprio Ministério. A atual versão,como as demais, estabelece diretri-zes para os respectivos Quadros dePessoal, para as Carreiras de Pes-soal Docente e para os Planos deEmpregos de Pessoal Técnico-Ad-ministrativo, além de determinaroutras providências.

O anteprojeto, nas diferentesversões, altera profundamente as

relações detrabalho.

As versões do an-teprojeto de emprego público

que se sucedem, apresentam sem-pre alguma modificação em relaçãoàs anteriores, porém mantêm inal-terados os elementos centrais.

Na Universidade, haverá, peloanteprojeto de emprego público,duas categorias de professores: oacadêmico com direito ao regimede dedicação exclusiva, progressãona carreira e atividades de ensino,pesquisa e extensão; e aquele ou-tro professor, secundarizado e pre-carizado em seu trabalho, com di-

Universidade, Educação e Trabalho

Luiz Umberto Ferraz Pinheiro(*)

Projeto de emprego público e areforma neoliberal das instituiçõesfederais de ensino superiorO começo acelerado do fim

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reito a exercer apenas atividade deensino, possivelmente rotineira eprofissionalizante, com carreira es-pecífica e limitada, carga horária re-duzida a doze horas e com cincoclasses - como é o caso do profes-sor associado.

A nova versão do anteprojeto, de19/04/2001, como as anteriores,intensifica a fragmentação da carrei-ra docente, ao propor quatro diferen-tes carreiras, independentes entre si,agora, com as seguintes denomina-ções: Docente de Educação Superior,Docente de Ensino Fundamental eMédio, Docente de Educação Profis-sional e Professor Associado.

A carreira de Docente de Educa-ção Superior compreenderá as clas-ses de Assistente de Ensino (em ca-ráter excepcional) com um único ní-vel e exigência do diploma de mes-tre; a classe de Professor Adjuntocom oito níveis; e a classe de Pro-fessor Titular com três níveis. Paraestas duas últimas classes, será exi-gido o diploma de doutor ou o reco-nhecimento de notório saber e acarga horária de quarenta horascom dedicação exclusiva e excepcio-nalmente o regime de apenas qua-renta horas.

Tais classes e níveis são bastan-te diferentes da carreira de Profes-sor Associado e da atual carreiradocente regida pelo Regime Jurí-dico Único. A atual carreira, pelopropósito do MEC e pela lógica pre-valecente, será provavelmente con-gelada e colocada em extinção.Permanece, ainda, na carreira Do-cente de Educação Superior, regidapela CLT, a possibilidade de contra-tar Professores Substitutos e Pro-fessores Visitantes.

3. Tal processo, em curso noplano jurídico - formal, contém sig-nificados e propósitos que, se ma-

terializados, repercutirão destrutivae violentamente, não apenas nasrelações de trabalho, mas tambémna própria substância, sentido eorganização institucional do ensinosuperior no país.

Este processo é muito grave eincita, com urgência, a reflexão, dis-cussão e organização da luta dosque trabalham e estudam nasInstituições Públicas de Ensino Su-perior, para o devido enfrentamen-to. Não há mais como adiar o firmeposicionamento dos professores,estudantes e servidores técnico-ad-ministrativos, nem de se fazer “vis-tas grossas”, achando que este pro-cesso não atinge todos. Ele impul-siona a desestruturação das Insti-tuições Federais de Ensino Superior(IFES), aponta para destruição daesfera pública no ensino superior edesfaz direitos historicamente con-quistados, ao substituir servidorespor empregados.

Inicialmente, duas questões secolocam de forma central:

a) a nova relação de trabalhoproposta pelo governo Fernan-do Henrique Cardoso é parte,desdobramento, e, ao mesmotempo, objetiva impulsionar areforma neoliberal do Estado edas Instituições Federais deEnsino Superior (IFES) e, parti-

cularmente, das UniversidadesPúblicas.b) a proposta de empregopúblico do governo, especial-mente a especificação elabo-rada pelo MEC, atinge violen-tamente todos os docentes eas instituições federais de en-sino. Limita ou destrói direitosou possibilidades de trabalhoacadêmico e propicia a im-plantação das últimas fases dareforma neoliberal, que des-truirão o caráter público e gra-tuito, a autonomia e a unidadedas Instituições Federais deEnsino Superior.Portanto, a gravidade do proble-

ma não se localiza nos que vão in-gressar futuramente nas InstituiçõesFederais de Ensino - atinge todos osque já trabalham e estudam em taisinstituições. E mais, de acordo coma tendência observada, as reformase iniciativas de caráter estratégico doprojeto dominante implantado nopaís, operado pelo governo federal,são reproduzidas por governos esta-duais dirigidos por políticos de parti-dos da aliança conservadora, que dásustentação ao governo FernandoHenrique. Assim, é de se esperar airradiação das novas relações de tra-balho para as instituições de ensinoda esfera estadual.

As duas questões centrais, ante-riormente colocadas, propiciam acompreensão do impacto do proje-to governamental, mas, principal-mente, tentam contribuir para a de-finição das lutas e encaminhamen-tos dos docentes no sentido doenfrentamento, profundo e deter-minado, tal como se faz necessário,diante dos ataques contidos noprojeto e, mais diretamente, docurso da reforma neoliberal ouconservadora das Instituições Fe-derais de Ensino Superior, que o

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poder pretende acelerar.O projeto de emprego público,

ao instituir nova relação de traba-lho, tem como alvos centrais e ime-diatos:

a) reduzir os custos com osaposentados e pensionistas,acabando com a aposentado-ria integral ou a paridade devencimentos entre ativos einativos para os contratados nosnovos empregos públicos sob oregime da CLT, pois serão filiadosà Previdência Social comum aostrabalhadores da iniciativa priva-da, cujo teto é de dez saláriosreferência (hoje, R$ 1.250,00).Entretanto, diante da obstinadadisposição do governo Fernan-do Henrique Cardoso de insti-tuir contribuição previdenciáriapara aposentados e pensionis-tas, além de quebrar a paridadede vencimentos entre ativos einativos para reduzir custos, épossível que o mesmo governotente congelar os vencimentosdos atuais professores e servi-dores da atual carreira de efeti-vos, então definida como emextinção pelo novo projeto, cri-ando incentivos para opção pelonovo regime da CLT. Com isto,deixaria os atuais aposentados epensionistas com vencimentoscongelados. Vale lembrar, tam-bém, que a paridade entre ati-vos e inativos já vem sendo que-brada com a instituição de grati-ficações, bolsas, pró-labores eganhos monetários extras àbase da produtividade e do pro-cesso de privatização interna co-mo estratégias para a subordi-nação das IFES à lógica de mer-cado e da intensificação da dife-renciação entre os servidores.b) destruir definitivamente aestabilidade no trabalho - tão

necessária para a liberdadeintelectual e o exercício dacrítica nas universidades -, aparidade e a isonomia sala-rial nas IFES, não apenas doponto de vista legal e prático,mas também na perspectivasimbólica e cultural. A estabili-dade, paridade e isonomia sãonoções enraizadas no movimen-to sindical docente e vinculadasàs noções de direitos iguais,igualdade e segurança no exer-cício do trabalho público. Alémdo mais, tal perspectiva destruti-va facilitará a redução do qua-dro de pessoal via demissão emmassa e criará diferentes formasde contratação com salários di-versificados. Resultado: segmen-tação, diferenciação, fragmenta-ção e insegurança entre os do-centes e servidores em geral;c) anular parâmetros objeti-vos e subjetivos da indisso-ciabilidade do ensino, pes-quisa e extensão e fragilizarvínculos dos docentes com ainstituição pública; d) ampliar, à exaustão, as divi-sões, fragmentações, diferen-ciações, segmentações entreos docentes da Universidadecom a dualidade de regulamen-tação do trabalho (CLT e RJU),coexistência de três carreiras (aatual, a nova denominada Do-cente de Ensino Superior e a deProfessor Associado) e diferentesmodalidades de contratação (As-sistente de Ensino, Professor Ad-junto, Professor Titular, Professorvisitante, Professor substituto eos diferentes níveis, além dosatuais ocupantes dos cargos deProfessor auxiliar, Professor As-sistente, Professor Adjunto e Pro-fessor Titular, com diferentesníveis);

Merece registro em separado acarreira de Professor Associadopara realizar atividades somentede ensino, com regime de traba-lho de 12 horas, exigido diplo-ma de graduação e experiênciaprofissional.Abrem-se, então, as possibilida-des de preenchimento do empre-go público nas Instituições Fede-rais de Ensino Superior por profis-sionais exclusivamente com ativi-dades de ensino, sem exigênciade qualificação docente, com car-reira específica e diferente da car-reira de Docente de Educação Su-perior. Tal diferenciação e preca-rização, indiscutivelmente, paraalém da quebra de indissociabili-dade do ensino, pesquisa e ex-tensão, tem outro sentido ou ob-jetivo. Vale lembrar o propósitodo governo em dividir as Insti-tuições Federais de Ensino Supe-rior em, de um lado, alguns pou-cos “Centros de Excelência”, pre-servando a indissociabilidade en-sino/pesquisa/extensão e a pós-graduação, e, de outro lado, osmuitos “escolões do 3º grau”,apenas profissionalizantes e me-ros espaços de treinamento parao mercado de trabalho;e) aprofundar e disseminar aprecarização e flexibilizaçãodas relações de trabalho. As-sim, promove a insegurança,o descompromisso e, tam-bém, a insatisfação. Desqua-lifica práticas acadêmicas edestrói direitos conquistados.Eis, depois da asfixia finan-ceira, outro caminho estraté-gico fundamental para a de-sestruturação das IFES, a fra-gilização das Instituições Uni-versitárias públicas e o estí-mulo aos processos privati-zantes;

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f) expandir a individualizaçãodos vencimentos que, de al-gum modo, já ocorre pela dife-rença existente quando se com-binam Gratificação de Estímuloà Docência, bolsas, pró-labore,consultorias, ganhos monetáriosextras na venda de serviços edemais procedimentos da priva-tização interna;g) quebrar, mais profunda-mente, a resistência dos pro-fessores e servidores, fragili-zar o movimento sindical naUniversidade através da inse-gurança no trabalho, precari-zação e flexibilização nas re-lações de trabalho, individua-lização dos vencimentos, ma-ior diferenciação e fragmen-tação entre os docentes.

4. Em síntese, trata-se de umprojeto autoritário, nefasto àvida acadêmica pública e violen-to quanto aos direitos dos pro-fessores. É autoritário no processode elaboração e tramitação, noconteúdo e na perspectiva prática.Centraliza as decisões sobre criaçãodo emprego no MEC, impõe altera-ções profundas nas relações de tra-balho, intensificando a precariza-ção, insegurança e desqualificação.Desconhece totalmente as reivindi-cações históricas e o projeto de car-reira única do movimento socialdos docentes. Destrói conquistasefetivadas por lutas dos universitá-rios. Objetiva desfazer estruturascoletivas, principalmente quebraro movimento sindical dos profes-sores.

Para ilustrar, destaco a seguinte“pérola” de idiotice autoritária, con-tida em versões anteriores do ante-projeto:

“Art.4 - Sem prejuízo do disposto na legislação traba-

lhista, ao servidor é proibido”:

V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição; “

Insisto, tal projeto de empre-go público é totalmente nefastoàs Instituições Federais de EnsinoSuperior, particularmente à Uni-versidade enquanto InstituiçãoSocial e aos universitários en-quanto trabalhadores intelectu-ais. Pois, além de tudo, impulsio-na a reforma neoliberal da uni-versidade nas suas dimensõesprivatista, produtivista e elitista,propicia a implantação das últi-mas etapas desta reforma, asmais perversas e destrutivas: en-sino pago, divisão das IFES, con-trato de gestão ou organizaçãosocial.

Desta forma, o projeto se con-trapõe às perspectivas de autono-mia universitária, ao caráter públicoe à unidade das IFES. Com a preca-rização e flexibilização das relaçõesde trabalho, a quebra da estabilida-de, a destruição da paridade entreativos e inativos, a corrosão da iso-nomia entre os próprios professo-res e servidores, o projeto fornececondições e possibilidades para aimplantação do contrato de gestãoe do que tem sido cinicamentechamado de organização social, decaráter privatizante. Assim, ele im-pulsiona maior subordinação dasIFES às leis e forças econômicas domercado. Além do mais, amplia adiscriminação e exclusão dos do-centes do 1º e 2º graus e apontapara a desqualificação e desestru-turação do CEFET.

O projeto opera claramente atransmutação da noção de servidorpúblico para empregado público, eainda mais, de forma camuflada,

desfigura a noção do público, con-fundindo-a com a do privado.

Tal ação do governo FernandoHenrique, particularmente do Mi-nistro da Educação, Paulo Renato,incita-nos, também, outro tipo dereflexão. É necessário perceber oprocesso que configura o empregopúblico com muita agudeza e res-ponsabilidade política, para que se-jamos capazes de enfrentá-lo comdeterminação.

Pensemos. Nada disto é estra-nho ou inesperado. O projeto deemprego público é desdobramentoe parte inseparável da reforma neo-liberal da universidade e demaisInstituições Federais de Ensino Su-perior, já em curso lento e gradual,etapa por etapa, em andamentomais definido e estruturado na dé-cada de 90, especialmente com ogoverno Fernando Henrique Cardo-so. O pior é que, como vimos ante-riormente, tal projeto de reestrutura-ção das relações de trabalho viabili-za propósitos já anunciados pelopoder conservador e possibilita aogoverno impulsionar a própria refor-ma neoliberal do Estado e das IFESpara seus momentos de finalizaçãoou conclusão.

Exatamente com o projeto deemprego público, o governo preten-de facilitar, e mesmo possibilitar, aimplementação das últimas etapasda reforma das IFES, que foram dei-xadas para o final, não apenas porrequererem mudanças prévias, maspor se constituírem em mecanismosmais profundos da desestruturaçãoda Universidade Pública e do Siste-ma das Instituições Federais deEnsino Superior e que, por isso mes-mo, despertam maior resistênciados três segmentos (estudantes,professores e servidores técnico-administrativos) da Universidade, doCEFET e demais Instituições, além

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de amplos segmentos da opiniãopública.

Refiro-me, principalmente, coma necessária ênfase e repetição: adivisão das IFES em poucos “Cen-tros de Excelência”, situados, prefe-rencialmente, no Centro-Sul doPaís, mantendo a indissociabilidadeentre ensino, pesquisa e extensão,concentrando os programas depós-graduação, aperfeiçoamentode pessoal e financiamento, e oschamados “escolões de 3º grau”em número bem maior, massifica-dos, meramente para treinamentode profissionais para a imediata ne-cessidade ou interesse do mercadotal como se apresenta; à instituiçãodo ensino pago e dos contratos degestão ou organizações sociais,propiciando, também, maior subor-dinação às forças econômicas domercado, captação de recursos ex-ternos, intensificação da privatiza-ção interna com a venda de servi-ços e mercantilização das práticasacadêmicas, então facilitados pelaprecarização e flexibilização das re-lações de trabalho, atingindo-se,assim, o limite extremo da desres-ponsabilização do Estado com o fi-nanciamento das IFES.

Nesta linha de discussão, deve-mos, também, destacar que a rees-truturação das relações de traba-lho proposta pelo governo facili-ta a concretização do projeto deautonomia pretendido pelo po-der conservador que proposital-mente confunde autonomia, con-ceito político contra o poder deEstado, com livre iniciativa, con-ceito econômico-capitalista nosentido do livre-mercado, da “li-berdade” para captação de recur-sos no mercado, “liberdade” pa-ra venda de serviços, “liberdade”para mercantilização das práti-cas acadêmicas (então transfor-

madas em mercadorias).A noção de autonomia do

governo significa, na prática,descompromisso do Estadoquanto ao financiamentodas IFES, controle exces-sivamente centralizadono MEC e subordinaçãodas Instituições Federaisde Ensino Superior àsleis e forças econômicasdo mercado. Em resumo, a“autonomia” proposta pelopoder conservador é o opostoda autonomia universitáriapretendida pelos universitá-rios, pois cria maior depen-dência, subordinação e controleexterno por forças econômicas epolíticas. Ao economizar a vidauniversitária, cerceia a liberdadeintelectual, a capacidade deauto-gerir-se da instituição e res-tringe a democracia interna.

5. Para a devida apreensão dadimensão do projeto de empregopúblico do governo Fernando Hen-rique e o anteprojeto do MEC, quecria e especifica o emprego públiconas Instituições Federais de Ensino,como também da necessária defini-ção dos caminhos pelos sujeitossociais que trabalham nas IFES, parao enfrentamento e construção daslutas, visando à reversão da proble-mática e superação das contradi-ções, é fundamental compreender alógica e os desdobramentos da re-forma neoliberal ou conservadorada Universidade brasileira e do con-junto das Instituições Federais deEnsino Superior. Pois, além de tudoo mais, repito, o projeto de empregopúblico é parte e, ao mesmo tempo,impulsionador da referida reforma.Ou seja, a luta fica fragilizada e limi-tada se for circunscrita apenas à lei9962/2000 e ao anteprojeto do

MEC sobre emprego público.Para o necessário enfrentamen-

to às novas relações de trabalhoque o governo Fernando Henriquequer impor às IFES, torna-se funda-mental que os movimentos sociaisnão dissociem tais relações de tra-balho da reforma neoliberal em cur-so na universidade e demais Insti-tuições Federais de Ensino.

De forma resumida, apresento,em seguida, o que entendo por re-forma neoliberal, centrando a aná-lise no processo em curso, princi-palmente na Universidade PúblicaBrasileira.

Na minha opinião, a reformaconservadora da universidadetem três componentes básicos:privatista, produtivista e elitis-ta(1), e assenta-se em duas baseshistóricas estruturadas desde o re-gime militar. A primeira é constituí-da pelo longo, permanente e cres-cente processo de desresponsabili-zação do Estado com o financia-mento das IFES e, particularmente,da universidade pública. Tal proces-so vem propiciando verdadeira asfi-xia financeira, que provoca o de-senvolvimento da privatização in-terna (ou por dentro) da institui-

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ção, a subordinação às leis e forçaseconômicas do mercado e a mer-cantilização das práticas acadêmi-cas. A segunda base, conseqüênciada primeira, foi estruturada peloprivilegiamento e incentivos à ex-pansão das universidades privadase pela “moratória universitária”,quando as elites brasileiras coloca-ram a Instituição Pública de EnsinoSuperior entre parênteses, aban-donada à própria sorte na inaniçãofinanceira, enquanto construíam,pelo alto, o consenso para imple-mentar a reforma do Estado brasi-leiro e, conseqüentemente, definiro projeto de reforma da universi-dade brasileira.

A universidade pública foipropositalmente esvaziada mate-rial e culturalmente, fragilizada,preparada para a reestruturaçãoimposta de cima para baixo.

O projeto conservador de refor-ma universitária em curso é parte edesdobramento da reforma neoli-beral do Estado e dos ajustes eco-nômicos. A reforma do Estado, noseu sentido neoliberal, inicia-se, ti-midamente, com José Sarney, apre-senta-se de forma mais determinadacom Fernando Collor. Entretanto, ga-nha corpo, estrutura-se e viabiliza-se

no governo Fernando Henrique Car-doso.

Deste modo, a política go-vernamental para as IFES, es-

pecialmente a UniversidadePública Brasileira, privile-giou, no primeiro mo-mento, a asfixia financei-ra com esvaziamento ma-terial e cultural das insti-tuições de ensino, fragili-

zando-as.Na inanição financeira im-

posta, estimulou o processo deprivatização interna da instituição

universitária. Aí, solapou a culturapública e gratuita. Concentrou poderacadêmico e econômico nas mãosde uma minoria universitária, fre-qüentemente, através de múltiplos epequenos feudos. Disseminou mi-cro-poderes dentro da instituiçãocomo agentes viabilizadores e exe-cutores, no interior da universidade,dos mecanismos da reforma neoli-beral, com os seus três componen-tes: privatista, produtivista e elitista.Ao lado destes pequenos feudos dis-seminados, foram concentradospoderes em fundações internascomo estruturas organizadoras e cen-tralizadoras de práticas privatistas.

Promovidos pela privatização in-terna, tais poderes, ora concentra-dos, ora disseminados, têm tidotambém papel no disciplinamentoe domesticação de universitários enas mudanças culturais necessáriaspara cimentar a reforma neoliberalna universidade.

A reforma neoliberal desenvol-veu, dentro da instituição, a culturado “salve-se quem puder” e do in-dividualismo. Fragilizou os laços desolidariedade entre os universitá-rios e destes com o povo brasileiro:processo elitista e egoísta da uni-versidade reformada. Obstaculari-zou a constituição de compromis-

sos sociais e éticos dos universitá-rios, inerentes à condição pública dauniversidade, com a maioria dos bra-sileiros brutalmente penalizados pe-la miséria, pobreza e exclusão emuma sociedade, como a nossa, cam-peã mundial de injustiças e desi-gualdades sociais. Desmontou es-truturas coletivas e esforços coleti-vos de cooperação acadêmica nauniversidade e entre universitários.Propiciou e estimulou a apropriaçãoprivada, por uma minoria, de meiosou instrumentos públicos de traba-lho universitário (laboratórios, bibli-otecas especializadas, equipamen-tos etc), de financiamentos e debens materiais e imateriais públicossocialmente construídos, elaboradosou financiados.

Via reforma, o poder conservadorno Brasil empurrou as IFES, princi-palmente as universidades, para adependência e subordinação à lógi-ca e às forças econômicas do merca-do. Foram incorporados, nas univer-sidades, noções e conceitos originá-rios das transações econômicas dasempresas privadas e do mercadocomo um todo, a exemplo de pro-dutividade, eficiência, competitivida-de, competência. As atividades uni-versitárias tornam-se produtos, mer-cadorias. A reforma estimula a mer-cantilização das práticas acadêmi-cas. Na base deste processo, o fatode a ciência ter se tornado fator deprodução.

Em síntese, foi, principalmente,via reforma neoliberal no impériodo mercado, estruturada a econo-mização da vida universitária.2

As políticas governamentais nosúltimos anos, principalmente dogoverno Fernando Henrique Cardo-so, incluindo as políticas para o en-sino superior, têm sido subordina-das às determinações do BancoMundial e do Fundo Monetário In-

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ternacional. O governo vendeu a so-berania nacional e tenta destruir porcompleto a autonomia universitária,a liberdade intelectual e a massa crí-tica acadêmica.

A reforma neoliberal pretenderealizar a transmutação da uni-versidade, enquanto instituiçãosocial, para organização comsentido operacional, centrada naadequação tecnológica.

A universidade, tornada orga-nização operacional, destitui-sede seus desafios universalizan-tes e dos compromissos éticos,sociais e culturais com o povobrasileiro. É reduzida aos inte-resses imediatos do mercado.Abre, cada vez mais, suas portaspara o processo de privatizaçãointerna, de precarização e flexibiliza-ção das relações de trabalho, dedestruição da ética e das possibilida-des de responder às exigências pró-prias da esfera de elaboração e difu-são do conhecimento. Tais mecanis-mos corroem, como câncer, a insti-tuição, quebram a resistência sindi-cal e dos universitários, criam redesclientelistas e mercadológicas.

Eis a universidade - empresa, uni-versidade de serviços, universidadeda ordem.

A reforma neoliberal da univer-sidade tem promovido, também,profundas alterações das práticasacadêmicas e do trabalho universi-tário.(3) Muitos dos desdobramen-tos (negativos) previstos quandoda aplicação prática da legislaçãosobre emprego público, já estão,de alguma forma, em curso, nestesúltimos anos, com a reforma dauniversidade.

A universidade, reformada naperspectiva neoliberal e subordina-da ao império do mercado, encon-tra-se amordaçada culturalmente enas suas possibilidades críticas.

Neste espaço, aquele professor tra-vestido de gerente ou executivoempresarial, ou, ainda, de bajula-dor do poder conservador, ao prati-car o bom mocismo intelectual,tem maior reconhecimento, valor epoder “acadêmico” que os profes-sores que resistem, dignamente,contribuindo para a autonomia uni-versitária, a razão pública, gratuita edemocrática das IFES, a liberdadeintelectual e a reflexão crítica.

6. O projeto de emprego públi-co do governo Fernando Henriquecoloca, presentemente, na agen-da dos debates dos movimentosuniversitários, a problemática dadiferenciação, fragmentação, di-visão, individualização dos venci-mentos entre os que trabalhamna universidade e nas diferentesinstituições federais de ensinosuperior; a destruição da parida-de entre ativos e inativos, da iso-nomia salarial e da estabilidadenas instituições de ensino; a pre-carização e flexibilização das re-lações de trabalho.

Entretanto, não esqueçamos quetais problemáticas já vinham sedesenvolvendo lenta, insidiosa ecrescentemente nesta última déca-da, a partir da reforma neoliberal dauniversidade e do conjunto dasIFES. Com a nova legislação, ogoverno pretende aprofundar, inten-sificar e disseminar estas problemá-ticas, agora revestidas de estatutolegal. Portanto, não há como disso-ciar o projeto de emprego público, eseus nefastos desdobramentos, dareforma neoliberal das InstituiçõesFederais de Ensino Superior. É muitopouco, além de ineficaz, combater oprojeto de emprego público isolada-mente, deixando livre o processoem curso de reforma neoliberal doensino superior.

O pior é que, até então, fizemos,

enquanto movimento social, porexpressão da maioria dos docen-tes, “vistas grossas” aos processosinsidiosos, anteriormente citados,que, de forma crescente, materiali-zam-se nas IFES. Principalmente,fizemos “vistas grossas” ao “câncer”da privatização interna, que corrói,por dentro, a Universidade PúblicaBrasileira. Todos, com as devidasexceções, tornaram-se telespecta-dores individualizados defronte dovídeo da TV ou do computador,cúmplices ativos e passivos ou ain-da impotentes para reagir ou mes-mo convencer seus pares.

Hoje, todos sabem e conhecemo processo de privatização interna:está no mesmo prédio, ao lado dasala de trabalho, ostensivamente seprojetando. Todos também perce-bem as diferenciações, fragmenta-ções, individualização de venci-mentos, precarização, quebra daparidade e isonomia, pois estasbatem diretamente em seus cor-pos. A reforma neoliberal das IFESestá em curso crescente há mais oumenos dez anos, mais estruturadae definida no governo FernandoHenrique, nos últimos seis anos.Seus componentes e mecanismossão claros e evidentes. Os ataquesdo governo contra a universidadepública e os universitários têm sidofreqüentes.

Entretanto, a cultura e ideolo-gia neoliberais, movidas pelopoder, temporariamente, revigo-rado do capital, também, invadi-ram nosso lado. Solaparam nossaresistência. Fragilizaram os movi-mentos sociais. Estimularam avergonhosa debandada de inte-lectuais, muitos dos quais lide-ranças acadêmicas, ex-esquerdis-tas, ex-socialistas e ex-revolucio-nários, hoje, também, ex-militan-tes do movimento docente, arre-

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pendidos do passado, para a ade-são e colaboração com os propó-sitos do poder conservador nasIFES; sobretudo para justificar,cimentar, reproduzir significadose sentidos para as práticas dareforma neoliberal das Insti-tuições Federais de Ensino Supe-rior.

A implementação dos mecanis-mos e componentes da reformaneoliberal das IFES exigia, também,para sua ampla efetivação, a partici-pação de agentes universitários, pa-ra além de lideranças acadêmicas, ea quebra da resistência dos movi-mentos sociais nas Instituições.

Para viabilizar a reforma conser-vadora das IFES, o governo adotou,além da simples cooptação, umaestratégia mais ampla e eficaz. Prin-cipalmente nas Universidades Pú-blicas, o poder conservador estabe-leceu o acordo ou compromissoreformista neoliberal entre gover-no (suas políticas educacionais) esegmentos universitários.(4) Nas pe-quenas concessões diferenciadas eprivilegiadas, em plena inanição fi-nanceira das Universidades, eramembutidos os próprios componen-tes da reforma.

No sucateamento da Universida-de, na cultura do “salve-se quem pu-der”, na incorporação da lógica dacompetitividade e produtividade pró-pria do mercado, desenvolveu-se nasinstituições de ensino superior, tota-litária e absurdamente, a idéia deque o trabalho acadêmico só se via-bilizaria pela adesão à ordem neoli-beral da universidade, especialmen-te na adoção dos mecanismos deprivatização interna.

Por via ideológica, cultural ou dasrelações econômicas e sociais, o po-der estruturou, nas IFES, o compro-misso ou acordo reformista, de fun-do eminentemente conservador e

de caráter destrutivo. Com a GED, ogoverno conseguiu expandir e con-solidar a incorporação da produtivi-dade como elemento balizador dotrabalho acadêmico . Com o estímu-lo à captação de recursos externos eaos ganhos extras de professorescom pró-labore ou complementa-ções salariais obtidos nas vendas deserviços, consultorias, pesquisas en-comendadas, indústria de cursos pa-gos, o poder conservador desenvol-veu, nas IFES, o processo de privati-zação interna e subordinação aomercado.

Na promovida apropriação priva-da de financiamentos externos, demeios ou instrumentos públicos detrabalho acadêmico e de bens mate-riais e imateriais públicos, desenvol-veram-se: a concentração de poderinterno em minoria de professores,isoladamente ou em pequenos gru-pos ou feudos, e as diferenciações,divisões, desigualdades e exclusões.A onda de criação de fundações in-ternas ou de apoio, na ilusão de, porsi só, captar abundantes recursos nomercado, propiciou, de maneira ins-titucional, a organização, concentra-ção e impulso às práticas de privati-zação interna, até então dispersas elimitadas. As fundações internas fa-cilitaram a expropriação, movida porinteresses privados, de bens mate-riais e imateriais públicos socialmen-te constituídos ao longo do tempo.

Juntas, as diferentes formas deganhos extras complementares aosalário - bolsas, GED, consultoriasremuneradas, pró-labores nos pro-cedimentos de venda de serviçosna privatização interna e pesquisasencomendadas por empresas ouagências internacionais - promove-ram a individualização dos venci-mentos. Difícil, hoje, é encontrar,nas universidades, vencimentosiguais entre grupos de docentes.

Todo este processo tem minadoa resistência dos professores e fra-gilizado a luta sindical. E o pior, só“beneficia” uma minoria, assimmesmo, às custas da perda da dig-nidade no trabalho e dos compro-missos éticos e sociais, da “vendada alma”, da destruição de valoresou significados da melhor tradiçãouniversitária e da própria sociabili-dade acadêmica, além de negar asexigências intrínsecas da formula-ção e da difusão do conhecimento.

A ofensiva neoliberal, com suaonda conservadora, retoma ou res-taura o velho, o superado, o retró-grado - portanto, reacionária - eopera, por diferentes mecanismos,a busca da hegemonia e domina-ção. Destacamos, para os objetivosdeste texto, as seguintes questões:

a) individualização dosprocessos com a conseqüenteresponsabilização pessoal.

É, ideologicamente, desloca-do para o plano individual o queé estrutural, comum a todos.Promove o retorno ao individua-lismo e tenta desfigurar a res-ponsabilidade coletiva intransfe-rível, enquanto ação social im-prescindível, como conquista dopensamento e da prática social.Daí, nas IFES, a individualização

dos vencimentos, de projetos aca-dêmicos, de avaliações, de exclu-sões baseadas na ordem dos “ven-cedores” e “perdedores” individu-ais. Por isso, também, o reforçoexagerado do discurso que absolu-tiza o mérito e a competência indi-viduais ou pessoais, além da efeti-vação prática da produtividade, efi-ciência e competitividade.

b) processo amplo de destrui-ção das estruturas coletivas, in-cluindo a organização sindical,identidade coletiva, projetos co-

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letivos (socializados e democráti-cos), solidariedade, cooperação ecoesão entre os que vivem dotrabalho e promoção do descré-dito na ação coletiva;

c) precarização, flexibilizaçãoe terceirização, com diferentesmodalidades de relações de tra-balho e contratação de pessoal.

Por exemplo, na universidade pú-blica, tais procedimentos já vinhamocorrendo, mesmo antes do projetode emprego público, principalmente,nos espaços dos mecanismos priva-tizantes, nas fundações internas e deapoio. O projeto de emprego públicolegaliza e organiza tais relações detrabalho, além de dar novo e defini-tivo impulso à destruição da isono-mia salarial entre servidores, a pari-dade entre ativos e inativos, a estabi-lidade etc.;

d) economização da vida so-cial, e especificamente da vidauniversitária, impulsionando osprocessos de privatização, enalte-cimento do mercado, competitivi-dade e o “salve-se quem puder”.

É a supremacia do econômico,do interesse econômico, sobre to-dos os seres e todas as coisas, des-truindo valores e inibindo a política.

A ofensiva neoliberal, conec-tada aos desdobramentos dareestruturação produtiva, inva-de todos os espaços da vidasocial e individual, na sociedadecomo nas IFES, atingindo a ma-terialidade e subjetividade dosque vivem do trabalho. Enfim,alarga o espaço privado, reduz oespaço público, despolitiza.

Também, a política neoliberal e areestruturação do mundo do traba-lho, incluindo a redução do Estado edos programas sociais, a desregula-mentação da economia e do merca-do de trabalho, o desemprego emmassa, a soberania ou império do

mercado, a precarização, flexibiliza-ção e fragmentação das relações detrabalho, provocam insegurança,desmobilização e abatimento entreos trabalhadores.

Nas IFES, a insegurança e o aba-timento podem crescer com aintrodução das novas relações detrabalho contidas no projeto doemprego público, pois elas tendema aumentar a diferenciação entre asinstituições e no interior de cadainstituição, aprofundam e ampliama precarização e flexibilização, in-tensificam a fragmentação e divi-são, criam novas desigualdades.

7. O projeto governamentaldo emprego público contém, emsua lógica e objetivo na perspec-tiva político-social, o sentido depromover recuo ao movimentodos que trabalham nas IFES,quebrar a unidade da reivindica-ção salarial (principal móvel dasmobilizações e greves), dividir oconjunto social, ampliar, via con-cessões diferenciadas, o compro-misso ou acordo reformista neo-liberal de professores e servido-res com as políticas governamen-tais.

Tal projeto, insisto, cria condi-ções para a futura efetivação da di-visão das IFES entre poucos “Cen-

tros de Excelência” e os muitos “es-colões de 3º graus”, dos contratosde gestão ou organizações sociais(etapa superior da privatização nasIFES), do ensino pago e do projetode autonomia do governo FernandoHenrique. Vale lembrar a possibili-dade de o governo conceder algunsincentivos, incluindo ganhos mone-tários, para os que aderirem ao regi-me celetista do emprego público e,ao mesmo tempo, congelar os ven-cimentos e benefícios dos professo-res e servidores do quadro atual decarreira - em extinção, de acordo comos propósitos do próprio governo.Assim, poderia ser estimulada atransferência de uma carreira paraoutra, reforçando o compromisso re-formista e quebrando focos de resis-tência.

Todos sabem, os de baixo - ser-vidores -, e os de cima - governoFernando Henrique e sua aliançaconservadora -, que, entre os pro-pósitos finais da reforma neoliberaldas IFES, particularmente da Uni-versidade Pública Brasileira, inclui-se a quebra, mais profunda, dareserva de resistência dos que estu-dam e trabalham nestas Institui-ções. O ensino de graduação pago,a divisão do sistema das Institui-ções Federais de Ensino Superior,as organizações sociais, a autono-mia financeira pretendida pelo go-verno, são os componentes da re-forma mais difíceis de aceitação eque tendem a despertar maioresreações e revoltas dos movimentossociais no interior das IFES e deparcelas da sociedade.

Assim, o projeto de empregopúblico desempenha, ao mesmotempo, duplo papel, ambos defundamental importância para osobjetivos e propósitos do poderconservador no Brasil e do BancoMundial: propiciar o avanço final

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da reforma neoliberal das IFES,etapa das mais difíceis, e fragili-zar a resistência dos servidorespúblicos, particularmente do mo-vimento social docente vinculadoao Sindicato ANDES.

A organização sindical dos pro-fessores pode ser enfraquecida pe-la intensificação da insegurança en-tre os docentes, quebra da estabili-dade, ameaça de demissão, rotati-vidade de docentes no emprego,precarização, fragmentação e indi-vidualização de vencimentos, quese aprofundam.

Insisto mais uma vez, o proces-so neoliberal nas IFES, principal-mente agora com o projeto de em-prego público, persiste no desmon-te das estruturas coletivas, de mo-do mais determinado. Não deve-mos subestimar os efeitos da indi-vidualização e diferenciação exces-siva da relação salarial, em períodoprolongado de arrocho dos venci-mentos, ao lado da precarização,fragmentação, diferenciação e in-tensificação da insegurança, nageração de um novo modo de de-pendência, dominação, submissãoe aceitação da própria exploraçãoou do próprio esfacelamento. Nocaso da Universidade Pública Brasi-leira, sucateada e submetida a asfi-xia financeira, tal processo induzdeterminadas parcelas de docentesà busca do compromisso reformis-ta neoliberal como ilusória tábuade salvação diante da insegurançae precarização.

“A precariedade afeta profun-damente qualquer homem oumulher exposto a seus efeitos;tornando o futuro incerto, elaimpede qualquer antecipaçãoracional e, especialmente, essemínimo de crença e de esperan-ça no futuro que é preciso terpara se revoltar, sobretudo cole-

tivamente, contra o presente,mesmo o mais intolerável”.(5)

O projeto de emprego público,ao quebrar a estabilidade, aprofun-dar a precariedade e flexibilizaçãonas relações de trabalho, criar dife-rentes modalidades para o ingressonas IFES e múltiplas formas de con-tratação, pode dar, aos que traba-lham, diante do enorme “exército dereserva”, a impressão que não é in-substituível, que o próprio empregoé, de certa forma, um privilégio, umganho para não perder, porém cadavez mais ameaçado e inseguro. A in-segurança objetiva funda uma inse-gurança subjetiva generalizada, quecontribui para a desmobilização.(6)

Alimentam-se, neste caminho,as incertezas que podem desaguarna submissão ou adequação à or-dem e no compromisso reformistaneoliberal nas IFES.

8. Para não se desmoronarjunto com as Instituições Fede-rais de Ensino Superior, resta aosprofessores, mais de que emqualquer outro momento ante-rior, fortalecer as estruturas cole-tivas no trabalho, no movimentosindical e os espaços públicosnas unidades de ensino e na so-ciedade, para o necessário en-frentamento à lógica e mecanis-mos da reforma neoliberal na es-fera da educação superior, com-ponente da reforma do Estadobrasileiro.

O desafio colocado no momen-to, como exigência oposta à capitu-lação, é frear imediatamente o cur-so da reforma destrutiva das IFES,barrando, ao mesmo tempo, qual-quer possibilidade de efetivação doprojeto de emprego público pre-tendido pelo governo FernandoHenrique Cardoso.

Tal ação é inseparável, do ponto

de vista da própria substância e daperspectiva estratégica, da necessi-dade de se iniciar a reversão doscomponentes e procedimentos, jáem curso, da reforma conservado-ra. Pois, como vimos anteriormen-te, uma coisa depende da outra.

A questão é eminentementepolítica. Não há para onde fugir.A Universidade respira política. Otrabalho acadêmico, mais do queantes, tende a contrair aliançasem razão do papel do conheci-mento no mundo moderno, de aciência ter se tornado fator deprodução e, no nosso caso espe-cífico, da intervenção direta docentro de poder do Estado nasIFES. Cabe aos professores, den-tro de determinados limites, aescolha de suas alianças, na re-sistência ou capitulação. Mesmona despolitização de segmentosuniversitários, a Universidaderespira política que entra, naInstituição, pela porta da frente edos fundos, por todas as janelase frestas.

Principalmente agora, devemoslembrar que a insatisfação, indigna-ção e inquietação de muitos pro-fessores não são movidas apenaspela problemática salarial, emborao salário esteja tão intensamenteaviltado e seja o sinal do valor queo governo e as elites brasileiras atri-buem ao trabalho e aos que traba-lham nas Instituições Federais deEnsino Superior.

Por tudo que se processa noBrasil, no conjunto das IFES,particularmente na Universida-de Pública, vivemos tempos dedefinições profundas, de esco-lhas radicais, como se estivésse-mos numa encruzilhada, de ca-minhos opostos, configuradoresdo futuro próximo. Não há meiotermo. Na sociedade brasileira e

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nas IFES, dois projetos, em cons-trução, confrontam-se. Um peladireita, outro pela esquerda. Naatual dinâmica da educação su-perior, não há possibilidade vito-riosa significativa de lutas par-ciais. A problemática é estrutural,atingiu o centro da vida acadêmi-ca, necessita de reversão profun-da e imediata, ao nível dos pró-prios fundamentos e estruturas,antes do desmoronamento final.

Durante muitos anos, de bata-lhas em batalhas parciais, de lutasem lutas esporádicas centradas emquestões localizadas da vida do-cente, não tivemos condições dereverter as políticas governa-mentais, seja em relação aosalário e o trabalho univer-sitário, seja em relação àreforma neoliberal dasInstituições de Ensino.

O governo FernandoHenrique e as elites bra-sileiras, submissas às de-terminações do BancoMundial e do FMI, estão,nos últimos anos, promo-vendo o avanço da reformaneoliberal das IFES e, ao mes-mo tempo, solapando, minando abase social da resistência e do mo-vimento sindical nestas Ins-tituições, apesar das muitas lutasorganizadas, esporádicas e periódi-cas e, também, da persistente resis-tência cotidiana, individualizada edespolitizada, no microespaço dotrabalho docente.

As condições gerais na socieda-de (e, em particular, nas IFES), atébem pouco tempo, eram extrema-mente desfavoráveis para o conjun-to dos trabalhadores (incluindo osprofessores), então em recuo de-fensivo, fragilizados diante do po-der temporariamente revigoradodo capital, da ofensiva político-

ideológica neoliberal que, comoonda, varreu o mundo, invadindotodos os espaços, do processo dereestruturação produtiva do capita-lismo, das mudanças profundas nomundo do trabalho e do desem-prego estrutural. Tais questões aba-laram, em todo o mundo, o movi-mento sindical dos trabalhadores,alteraram a correlação de forçasdesfavoravelmente para o proleta-riado e impuseram, aos que vivemdo trabalho, a perda de direitos so-

ciais, fragmentação, insegurança,desconstrução de identidade coleti-va, o individualismo e competitivi-dade, enfim, a desmobilização.

Entretanto, nos últimos anos,a realidade política e social noBrasil, e, anteriormente, em vá-rios países do mundo, vem pro-gressivamente mudando. Os mo-vimentos populares e dos traba-lhadores estão em processo dereativação, reconstruindo suaslutas, suas identidades coletivase de classe, a solidariedade eestruturas coletivas.

O projeto neoliberal e da glo-balização financeira e de merca-dos, até então inteiramente he-gemônico, vem apresentando, noBrasil e em todo o mundo, con-tradições insuperáveis ao inte-rior do próprio modelo. A insegu-rança e oscilações econômicas, aterrível crise social, o aumento dodesemprego, da miséria e da pobre-za, a intensificação das desigualda-des e exclusões sociais, têm, no Brasile em vários países, produzido massascrescentes de opositores. Em muitospaíses do primeiro mundo, as forçaspolíticas conservadoras relacionadasao projeto neoliberal sofreram gran-

des derrotas eleitorais.No Brasil, o projeto então

hegemônico evidencia si-nais de esgotamento. Oque necessariamente nãoquer dizer que vá se des-moronar imediatamente,pois as forças dominantestêm ainda espaços parareciclagens e manobras.

Entretanto, a crise socialchega a limites insuportá-

veis para a maioria do povobrasileiro.A política econômica do gover-

no Fernando Henrique e das elitesbrasileiras, centrada no monetaris-mo, teve, por algum tempo, suaforça e sustentação social na esta-bilidade da moeda, o Real, verda-deiro caldo de cultura para a hege-monia política e as vitórias eleito-rais. Porém, as crises sociais e eco-nômicas, os sinais de fragilidadesda política adotada, as oscilaçõesinflacionárias, os problemas nãoresolvidos, a dívida pública (internae externa) que se avoluma, a de-pendência extrema ao capital fi-nanceiro externo, especulativo evolátil, os juros elevados para atraircapitais, o baixo crescimento da

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economia, entre tantas outras con-tradições, evidenciam os limites domodelo. As elites brasileiras, ao op-tarem por tal modelo, tornaram opaís submisso e dependente dasgrandes corporações financeirastransnacionais, a exemplo do FMI eBanco Mundial, e dos interessesdo grande capital e dos países lí-deres do primeiro mundo.

As elites, ao destruírem a sobe-rania nacional, estreitaram as pró-prias possibilidades de superaçãodos problemas. Elas não têm en-contrado saídas consistentes.

Tais questões têm promovido cri-ses políticas e conflitos diversos, in-clusive na própria base de sustenta-ção do governo, e algumas fissurasna unidade da classe dominante.

Crescem os opositores e a cons-ciência da necessidade de outromodelo de desenvolvimento eco-nômico e social para o país. A insa-tisfação popular com o governoFernando Henrique cresceu muitonestes últimos anos. A queda depopularidade e credibilidade socialdo governo é espantosa e eviden-cia sinais claros da reação do povobrasileiro.

No início de 2000, com os pe-quenos e ainda superficiais sinais decrescimento da economia e umacerta calmaria no caminho recentede turbulência e intranqüilidadequanto aos próprios rumos da eco-nomia, o governo Fernando Henri-que tentou, com o apoio da mídia“chapa branca”, criar um clima deotimismo e recuperar parte do apo-io social que teve no passado e con-ter os conflitos na sua base de sus-tentação. Tal clima otimista, artificial-mente produzido, por sua fragilida-de, não conseguiu esconder os gra-ves problemas e, muito menos, fa-vorecer a superação das contradiçõ-es fundamentais.

Recentemente, a crise econômi-ca na Argentina e o baixo cresci-mento da economia dos EstadosUnidos intensificam a insegurançae evidenciam as fragilidades da po-lítica econômica no Brasil. As de-núncias de corrupção envolvendo abase política governista e o própriogoverno, a fraude do painel eletrô-nico do Senado e o envolvimentodireto do presidente FernandoHenrique e seus ministros na trocade favores para impedir a criaçãoda CPI da corrupção no CongressoNacional aprofundaram a crise polí-tica e moral nas hostes governistase ampliaram a insatisfação popular.A crise do setor energético é maisum grave sinal da maléfica políticaeconômica do governo, que temprivilegiado o pagamento dos jurosao grande capital financeiro inter-nacional, secundarizando os inves-timentos em infraestrutura.

Diante do persistente cresci-mento dos movimentos sociais, ogoverno Fernando Henrique inten-sificou o autoritarismo, impondoforte repressão para tentar conter onovo ciclo de ascensão das lutassociais e políticas das classes traba-lhadoras. Entre os muitos exem-

plos, destacamos alguns ocorridosno ano 2000: a violenta repressão

aos movimentos dos índios e ne-gros em Porto Seguro, nas

comemorações dos 500anos do chamado descobri-mento; a utilização doexército para reprimir eamedrontar o Movimentodos Sem-Terra; a intensifica-ção de ameaças e de inicia-

tivas judiciais para punir aslideranças dos movimentos

sociais; o descaso, a insensibili-dade e a falta total de diálogo com

o movimento grevista dos servidorespúblicos federais; e, recentemente, amais hipócrita ofensiva midiática,administrativa e judicial contra lide-ranças do MST, então proposital-mente confundidas com quadrilhas.

Mas o tiro - da intensificação doautoritarismo - saiu pela culatra. O MSTevidenciou sua determinação. A opi-nião pública nacional e internacionalreagiu, condenando as violênciasem Porto Seguro. Os servidores pú-blicos, especialmente das IFES, ad-quiriram consciência da necessidadede maior organização, combativida-de e coesão em suas lutas.

As eleições municipais de 1º deoutubro de 2000 sinalizaram clara-mente o crescimento das oposições,especialmente do Partido dos Tra-balhadores e demais partidos docampo da esquerda. A expansãoeleitoral da frente democrático-po-pular liderada pelo PT, especialmen-te nas cidades de grande e médioportes, é mais um sinal de busca po-pular por um novo projeto político,social e econômico para o país,oposto ao que aí está instituído. Talquestão nos lança enormes desafiose nos cobra a reconstrução socialdas responsabilidades coletivas narenovação da vida em sociedade, davida no trabalho, da vida nas Ins-

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tituições Federais de Ensino Supe-rior, da vida em nossas próprias es-truturas coletivas, a exemplo do sin-dicato e do movimento social.

Atravessamos, no Brasil, um pe-ríodo histórico de duração indeter-minada, em que dois projetos políti-cos em construção se insinuam parao confronto; um de direita, outro deesquerda. O rumo, como sempre,será dado pela dinâmica social,sempre imprevisível, no contextodas lutas de classe. A atual conjuntu-ra sinaliza favoravelmente às forçaspopulares. Processam-se mudançasna correlação de forças, antes, intei-ramente, favorável às classes domi-nantes, ao capital.

9. Seja no Estado brasileiro,seja nas Instituições Federais deEnsino Superior, a reforma é, ho-je, atributo conservador.

No caso específico da Univer-sidade Pública Brasileira, não hápossibilidade consistente da re-forma da reforma já instituída. Adestruição produzida por políti-cas governamentais na estrutu-ração pública, gratuita, democrá-tica e autônoma da Universidade- pelo crescimento interno dosmecanismos privatistas e mer-cantilização das práticas acadê-micas, por alterações do trabalhouniversitário, pela fragilizaçãodos compromissos sociais e éti-cos da Instituição, pelo sucatea-mento da infra-estrutura, pelatransmutação da Universidadede Instituição social em organi-zação operacional voltada paraos interesses imediatos do mer-cado - transformou a crônica eprolongada crise da Universidadeem tragédia.

Para superar os graves pro-blemas e as contradições nasIFES, torna-se necessário percor-rer um caminho oposto e antagô-

nico ao que está instituído: é pre-ciso um processo de reconstru-ção. Isto significa rupturas, revi-ravolta. A reconstrução daUniversidade Pública e do con-junto das IFES exige o desafio dese ir fundo, às raízes, revolucio-nar as estruturas da problemáti-ca: desafio da radicalidade comoelaboração do pensamento e daprática sociais.

Não há como reconstruir a Uni-versidade Pública, gratuita, autôno-ma e democrática, com qualidadesocialmente referenciada, apenasprocedendo algumas emendas, con-troles e correções no processo deprivatização interna que permanece-rá corroendo, por dentro, a Institui-ção e promovendo desigualdades,exclusões, injustiças e subordinaçãoaos interesses do mercado. Para osobjetivos de reconstrução, torna-senecessário extirpar o processo deprivatização interna, definir social-mente novos mecanismos de finan-ciamento público, que garantam aautonomia, a razão democrática egratuita e o próprio caráter públicode Instituição social.

O mesmo acontece com o proje-to do emprego público. Aí, também,conciliar significa abandonar os pro-pósitos da reconstrução das IFES.

Permaneço insistindo, o projetode emprego público é, ao mesmotempo, parte, desdobramento dareforma neoliberal das IFES e ele-mento viabilizador fundamentaldas últimas etapas da reforma con-servadora pretendida pelo governoFernando Henrique e o BancoMundial. Ceder no emprego públi-co significa facilitar a implemen-tação das últimas e piores etapasda reforma neoliberal. Porém, aesta altura, combater apenas eisoladamente o projeto de em-prego público significa conciliar

com a reforma conservadora, quecontinuará avançando, corroen-do a Instituição e o conjuntosocial dos professores e, inevita-velmente, requererá outros pro-jetos de emprego público. É comoapenas cuidar da dor de cabeçaproduzida pelo câncer, que corróio organismo humano, e voltará,adiante, a produzir dores de ca-beça ainda piores.

Por isso, considero também ne-cessário, para combater o projeto deemprego público, refazer os cami-nhos que dividiram, fragmentaram,diferenciaram e acuaram os univer-sitários, geraram insegurança, indivi-dualismo, fragilização da solidarie-dade, cultura do “salve-se quem pu-der”, submissão e desmobilização en-tre os que trabalham e estudam nasIFES. Caminhos que também cor-roeram referências éticas, públicas edemocráticas, compromissos sociaise culturais e os desafios universali-zantes. Caminhos que destroem aspossibilidades de liberdade intelec-tual, de autonomia, de realizaçãohumana com gratificação individuale promovem desigualdades, injusti-ças e exclusões.

Nosso desafio atual, especial-mente diante deste novo ataque dogoverno (projeto de emprego públi-co) é, imediatamente, reconstruir ereforçar nossas estruturas coletivas, etermos coragem de “botar a boca nomundo”, tirarmos as mordaças im-postas e consentidas. Com determi-nação e sabedoria reconstruirmos,desde já, os caminhos da reversãodo instituído e da construção do no-vo. Para revolver o lixo instituído ecriar novos caminhos, é necessário irfundo no enfrentamento.

É - no espaço do conhecimento,da cultura, da criação e da crítica -tempo de rupturas, de agitação cul-tural. Tempo de recusa ao compro-

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misso ou acordo reformista neolibe-ral nas IFES com seus componentesprivatistas, produtivistas e elitistas. Étempo de lutas centrais, lutas glo-bais. Tempo que exige urgência econtém grandes desafios.

10. Resistimos e resistimos mui-to. Lutamos e lutamos muito. Po-rém a reforma neoliberal prosse-guiu, por dentro das IFES, lenta egradual. Atingiu prédios, espaçosfísicos, laboratórios, salas de aula,local de trabalho e, também, cora-ções, mentes e consciências. Torna-mo-nos fracos. Sentimo-nos acua-dos e inseguros. Reconheçamosnossa impotência. Perdemos dife-rentes batalhas. Estamos prestes aperder a guerra. Eis porque tirar-mos a força da nossa própria fra-queza e revirar as Instituições Fe-derais de Ensino Superior de cabe-ça para baixo, sacudi-las, agitá-lascultural e socialmente.

Temos um trunfo e um pontode partida maravilhosos: os longosanos de resistência e lutas dos mo-vimentos sociais dentro das Ins-tituições. É um patrimônio nosso emuito valioso. Erramos, mas apren-demos muito. Perdemos, mas tam-

bém ganhamos. Sabemos que hámarasmo, apatia e desmobiliza-

ção. Mas há grande e crescen-te insatisfação. Há também

importantes ilhas de resis-tência organizada, politi-zada e consciente da ne-cessidade da luta de en-frentamento. E mais, há,além disto, ampla e difu-sa resistência da maioria

dos universitários (profes-sores, estudantes e servido-

res técnico-administrativos),dispersa no microespaço do tra-

balho, ainda que individualizada,desorganizada e despolitizada. Estaé a resistência da dignidade, docompromisso ético com a universi-dade pública, gratuita, democráticae autônoma.

Fundamental para o salto quali-tativo do movimento social na uni-versidade e em todas as Institui-ções Federais de Ensino Superior, odiálogo e interação das duas resis-tências: a organizada no movimen-to social e a dispersa e individuali-zada no microespaço do trabalho,na sala de aula, no espaço da pes-quisa e da extensão.

Apenas uma minoria incluídano processo privatista, produtivistae elitista sente-se “satisfeita”, po-rém alienada, desumanizada, “ven-dendo a própria alma”.

O movimento social dos profes-sores apontou, nas últimas eleiçõessindicais da ANDES, no ano de2000, o caminho da politização or-ganizada por local de trabalho e doenfrentamento às políticas do go-verno Fernando Henrique para opaís e para as IFES.

A partir do interior das institui-ções de ensino, torna-se prioritáriaa construção, tão almejada por to-dos, da unidade de ação de profes-sores, estudantes e servidores téc-

nico-administrativos, para balançaras arcaicas estruturas das IFES econstruir novas. Entretanto, semperder - por necessidade objetivade enfrentamento antagônico à re-forma do Estado e às políticas neo-liberais - o horizonte de construçãoda unidade com os demais servido-res públicos e o conjunto da classetrabalhadora e movimentos popu-lares.

Enfrentar as políticas governa-mentais torna mais complexa edifícil a luta. Entretanto, não esque-çamos que a destruição das IFES éparte e desdobramento da reformado Estado e das políticas de ajusteseconômicos. A tarefa é grandiosa.Os desafios são enormes. Porémnão perdemos nossa reserva de re-sistência e a capacidade de indig-nação, revolta e luta.

Por tudo isto, considero necessá-rio, desde já, estabelecer um proces-so de diálogo crítico com a CentralÚnica dos Trabalhadores e partidospolíticos de oposição, especialmen-te do campo da esquerda. Pois épreciso chamar às responsabilida-des, com os movimentos sociais daesfera pública, os partidos de es-querda e a CUT. Na greve do primei-ro semestre de 2000, construídapelo conjunto dos servidores públi-cos federais, quando estava em jogonão apenas a luta em torno de inte-resses corporativos salariais dos ser-vidores - o que é legitimo -, mas,também, a defesa dos serviçospúblicos de interesse da nação bra-sileira, principalmente da maioria doseu povo, a CUT e os partidos políti-cos de esquerda não participaramcom a devida efetividade, salvo es-forço individual de algumas lideran-ças e parlamentares.

Agora, a perda de mais estabatalha pode significar o começoacelerado do fim. Não se trata de

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mais uma batalha, entre as mui-tas que travamos nos últimos 10a 15 anos. Trata-se da própriaguerra. Daí, a centralidade destaluta, que não pode ser pensada eespecificada apenas contra oprojeto de emprego público. Nãohá para onde fugir. O projeto deemprego público do governo Fer-nando Henrique é parte funda-mental do processo de finaliza-ção do desmonte do público, gra-tuito, autônomo, democrático,nas IFES. Ele nasce como exigên-cia da própria reforma neoliberalno sentido da sua conclusão: en-sino pago, divisão e diferencia-ção das Instituições Federais deEnsino Superior, autonomia fi-nanceira e contratos de gestão ouorganizações sociais.

É mera ingenuidade ou capitula-ção adaptativa à ordem, a simplesnegociação interna com o MEC, pen-sando em apenas melhorar partes doprojeto de emprego público. A conci-liação aí, por tudo o que foi discutido,significa suicídio. Impossível não seconfrontar - no sentido da defesa docaráter público, gratuito, autônomo,democrático e do compromisso éticodas IFES - com o projeto de empregopúblico e a própria reforma conserva-dora destas Instituições. O caminhose constitui na mobilização das forçassociais e políticas para a reversão daspráticas e dos propósitos governa-mentais.

Deixo para reflexão e os debatesdo movimento social as seguintesquestões:

É possível, no presente, barrar afinalização da reforma neoliberaldas IFES?

Existem condições objetivas esubjetivas para se organizar e cons-truir a reviravolta?

Há, de fato, desejo, vontade e

determinação dos sujeitos universi-tários de incorporar, nas lutas dopresente, incluindo esta contra oprojeto de emprego público do go-verno, os desafios discutidos nestetexto?

Parece claro, para todos, que vi-vemos tempos adversos. Mas nãotão claro, para muitos, que tambémsão tempos de incontidos desafios.Pois trata-se de tempos, também,de reativação das lutas do proleta-riado e dos movimentos sociais.

O movimento social, não esque-çamos, é, sempre, imprevisível. Fa-çamos, desde já, nossa parte.

Concluo, recorrendo à síntesedos poetas e ao conceito do filóso-fo para superar esta minha compul-são de escrever e escrever.

Diz o poeta Caetano Veloso:“É incrível a força que as coisas

parecem ter quando elas precisamacontecer”.

Ensina a todos nós o filósofo Je-an Paul Sartre:

“O papel do intelectual é o de vi-ver as próprias contradições e o desuperá-las através do radicalismo”.

E, finalmente, pela minha condi-ção atual de inserção social nas IFEScomo professor aposentado daUniversidade, em processo de des-pedida, diria para os universitários,como Carlos Drummond de An-drade:

“...Lutar com palavras parece sem fruto.Não tem carne e sangueEntretanto eu luto...”

Envelheço, mas contenho, den-tro de mim, a busca que parecenão ter final. Assim é o texto. É pre-ciso, em todos os espaços, recriarnossas responsabilidades coletivas

e sociais intransferíveis.Continuo homenageando, e com-

partilhando, em todos os espaços so-ciais dos que vivem do trabalho, osque, no império do mercado, nãovenderam a alma.

Bahia, 16 de maio de 2001(7).

Notas:(1) Tal discussão encontra-se desenvolvida

no livro de minha autoria que deve serlançado no segundo semestre de 2001. OTítulo ainda provisório é: A reforma neoli-beral da universidade: crise ou tragédia.

(2) Ver a discussão sobre economização davida universitária e privatização internaem LUIZ UMBERTO PINHEIRO: Alteraçõesdas práticas acadêmicas e do trabalho nauniversidade pública brasileira - RevistaUniversidade e Sociedade. Ano VII, Nº 13- junho 1997, pg. 13-22.

(3) Ver LUIZ UMBERTO PINHEIRO: Altera-ções das práticas acadêmicas e do traba-lho na universidade pública brasileira, op.cit.

(4) A discussão sobre o compromisso refor-mista na Universidade está mais aprofun-dada no livro A reforma neoliberal da Uni-versidade: crise ou tragédia? (título provi-sório), em fase de finalização.

(5) Pierre Bourdieu - A precariedade estáhoje em toda parte, em Contrafogos - táti-cas para enfrentar a invasão neoliberal -Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1998,pág. 120.

(6) Pierre Bourdieu, op. cit.(7) No dia da conclusão da atualização

deste texto, o campus da Universidade Fe-deral da Bahia foi invadido pela tropa dechoque da polícia militar, obedecendo or-dens do governador do Estado, totalmen-te subjugado ao senador Antônio CarlosMagalhães. Os estudantes, em passeata,exigindo a cassação dos senadores Anto-nio Carlos Magalhães e José Roberto Ar-ruda, foram violentamente agredidos pelapolícia estadual e perseguidos até dentrodas unidades da UFBA. Os universitáriosbaianos reagiram com altivez e muita fir-meza. A mobilização estudantil ganhounova dimensão, conquistando as ruas deSalvador.

*Luiz Umberto Ferraz Pinheiro éProfessor aposentado da Faculdadede Medicina da Universidade Fede-ral da Bahia.

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No Título VI - “DOS PROFISSIO-NAIS DA EDUCAÇÃO” - a LDB(Lei nº 9.394/96) define os fundamentos, delimita os níveise o locus da formação docente e apresenta os requisitos para a valorização do magistério(Arts. 61 ao 67).

O Art. 61 da LDB menciona a“formação de profissionais da edu-cação”, sugerindo uma preocupa-ção com a formação de todos osprofissionais que trabalham na áreaeducacional - referimo-nos especifi-camente aos porteiros, faxineiras,merendeiras, funcionários técnico-administrativos, entre outros, alémdos próprios professores, claro - oque seria bastante oportuno, masnão é o que acontece. Seria quererdemais? De fato, a preocupação ficarestrita à formação de professores edos profissionais ligados às ativida-des de administração, planejamen-to, inspeção, supervisão e orienta-ção educacional. Assim, declara-se

que tal formação deve “(...) atenderaos objetivos dos diferentes níveis emodalidades de ensino e às carac-terísticas de cada fase do desenvol-vimento do educando (...)”, tendocomo fundamentos: “a associaçãoentre teorias e práticas, inclusivemediante a capacitação em servi-ço;” (inciso I, grifo nosso) e “apro-veitamento da formação e expe-riências anteriores em instituiçõesde ensino e outras atividades.” (inci-so II). Afora a restrição mencionada,vemos aí alguns aspectos positivos,outros nem tanto. É desejável quese reconheça a importância da as-sociação teoria-prática, da capacita-ção em serviço e do aproveitamen-to de experiências anteriores, masnão é lícito desconhecer que estesquesitos são, sobretudo, desejáveisna formação inicial, que, curiosa-mente, não é mencionada, emboraa palavra inclusive possa já dar con-ta de incluir tal formação; mesmoassim, a ênfase do legislador pare-

ce recair sobre a capacitação emserviço.

O Art. 62 da LDB determina quea formação de docentes para a edu-cação básica se dê no nível superior,por meio de licenciatura plena, emuniversidades ou institutos superio-res de educação, mas admite que“(...) o exercício do magistério na e-ducação infantil e nas quatro primei-ras séries do ensino fundamental(...)” seja precedido da formação mí-nima de nível médio, na modalida-de Normal. Se o caráter dessa deter-minação fosse o da transitoriedade,por considerar as disparidades só-cio-econômico-culturais constatadasnas diferentes regiões do país, a ri-gor, tal dispositivo deveria constardo Título IX - DAS DISPOSIÇÕESTRANSITÓRIAS.

No Brasil tem sido recorrente aprática política de transformar o pro-visório e emergencial em definitivo;há décadas, educadores têm defen-dido a formação superior para todos

César Augusto Minto*Maria Aparecida Segatto Muranaka**

Universidade, Educação e Trabalho

A formação de profissionais em educação na LDB e na legislação correlata

Políticas públicas atuais para a formação de profissionais em educação no Brasil

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os docentes, independente do nívelde ensino em que desenvolvam seutrabalho. Também não faltou essareferência em documentos oficiaiscomo, por exemplo, no início da dé-cada de 60, quando no Parecer nº251/62, do Conselho Federal de E-ducação (CFE) - que normatizou oCurso de Pedagogia - o relator previaque, antes de 1970, nas regiões maisdesenvolvidas, o professor primáriodeveria ser formado em nível supe-rior.1 Observe-se, ainda, que é nesteartigo que a LDB faz sua primeira re-ferência aos Institutos Superiores deEducação (ISEs), o novo locus previs-to para a formação de profissionaisem educação.

Ora, para além da velha discus-são sobre a conveniência ou não dea educação inicial ocorrer sob a res-ponsabilidade de profissionais nãoformados em nível superior (sempressupor que o nível médio propi-cie, necessariamente, uma má-for-mação), o que importa é garantiruma formação de boa qualidadeem todos os níveis e modalidadesde ensino. Nossa preocupação vol-ta-se, sobretudo, para o fato de que,num país continental como o Brasil,assegure-se a melhor formaçãopossível, o que pressupõe a adoçãode políticas afinadas com este obje-tivo - e isto não tem acontecido,apesar de a educação sempre ter

sido utilizada como moeda eleitoral.O Art. 63 da LDB, sem defini-los,

vai referir-se aos “institutos superio-res de educação”, figura “nova” nonosso cenário educacional, preven-do que tais institutos mantenham“cursos formadores de profissionaispara a educação básica, inclusive ocurso normal superior, destinado àformação de docentes para a edu-cação infantil e para as primeiras sé-ries do ensino fundamental; progra-mas de formação pedagógica paraportadores de diplomas de educa-ção superior que queiram se dedi-car à educação básica; programasde educação continuada para osprofissionais de educação dos diver-

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sos níveis” (incisos I a III, respectiva-mente).

Este artigo preocupa-nos por vá-rias razões. A primeira diz respeitoao fato de não vermos necessidadede existirem outras instituições, oumodalidades (exemplo: curso nor-mal superior) para propiciar a forma-ção educacional desejada, esta podeocorrer nas instituições superiores jáexistentes, universidades ou não, oproblema é garantir a boa qualidadedessa formação. A segunda refere-seà qualidade dos programas para e-gressos de cursos que não as licencia-turas plenas: ora, é no mínimo desfa-çatez imaginar a criação de programasmais condizentes, em termos de ade-quação pedagógica, quando isto nãoé propiciado nem mesmo às licencia-turas existentes; ademais, cabe lem-brar o péssimo tratamento dispensa-do aos profissionais já formados, sejaquanto às condições de remuneração,seja quanto às condições de trabalho.A terceira preocupação tem a ver como fato de sequer garantir-se a pesqui-sa nas universidades, função esta que,ao criar novos saberes, aumenta aprobabilidade de propiciar uma for-mação crítica e atualizada para os pro-fissionais das várias áreas de conheci-mento.

Ao introduzir os ISEs a LDB man-teve-se coerente com as orienta-ções do Banco Mundial que, entreoutras três, recomenda uma refor-ma do ensino superior que deve“fomentar a maior diferenciação dasinstituições, incluindo o desenvolvi-

mento das instituições privadas”,pois o incremento de instituiçõesnão-universitárias são mais eficazespara os países em desenvolvimento,e o fomento dos estabelecimentosprivados contribui para satisfazer ademanda social, por serem institui-ções menos onerosas, portantomais atrativas para os estudantes emais fáceis de serem criadas, alémde contribuírem para a melhor ade-quação dos sistemas de ensino aomercado de trabalho (cf. BancoMundial, 1995: 4). Por sua vez, a es-sa orientação-chave do Banco Mun-dial o MEC fez corresponder três li-nhas de atuação:

1. transformar as relações dopoder público com as instituiçõesde ensino (...);2. expandir o sistema de ensinosuperior público através da otimi-zação dos recursos disponíveis eda diversificação do atendimen-to, valorizando alternativas insti-tucionais aos modelos existentes;3. reconhecer a diversidade e he-terogeneidade do sistema, formu-lando políticas diversificadas queatendam às peculiaridades dosdiferentes setores do ensino públi-co e privado (MEC. PlanejamentoPolítico Estratégico:1995/1998,1995: 26).

Nesse mesmo documento, oMEC explicita que atuará no sentidode “substituir controles meramenteburocráticos por processos de ava-liação da qualidade dos serviços

prestados e da relação custo-benefí-cio” e, ao delinear a política para osetor privado, inclui: “simplificar asexigências burocráticas para o reco-nhecimento de cursos e credencia-mento de instituições e reorganizaro sistema de recredenciamentocom base em avaliação da qualida-de” (MEC, 1995:26 e 31). Ao esta-belecer as “Políticas para o sistemacomo um todo”, esse documentoaponta, entre outras, para a “valori-zação dos modelos institucionais al-ternativos de formação para o mer-cado de trabalho, especialmente aformação de professores para oensino básico” e, ainda, para “pro-mover a consolidação dos centrosde excelência em pesquisa e pós-graduação” (MEC, 1995:27, grifonosso). Também o Plano Nacionalde Educação do governo manteve acoerência com essas metas, ao con-siderar que as universidades públi-cas são muito onerosas, não deven-do constituir-se no modelo únicopara todo o sistema. Estabelece, en-tão, como objetivo:

diversificar o sistema superior deensino, favorecendo e valorizandoestabelecimentos não-universitá-rios que ofereçam ensino de qua-lidade e que atendam clientelascom demandas específicas de for-mação: tecnológica, profissionalliberal, em novas profissões, para oexercício do magistério ou de for-mação geral (MEC/INEP. PlanoNacional de Educação: Propostado Executivo ao CongressoNacional. Brasília/DF, 1998, p 53).

Observe-se que os modelos ins-titucionais alternativos, principal-mente no que tange à formação deprofessores, estão sendo implemen-tados pelos programas da UniRede(Universidade Virtual), e disciplina-dos por instrumentos legais que, ao

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No Brasil tem sido recorrente a prática política de transformar o provisório e emergencial em definitivo; há décadas, educadores têm defendido a formação superior para todos os docentes, independente do nível de ensino em que desenvolvam seu trabalho.

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normatizarem a LDB, recuperamdispositivos que constavam do pro-jeto “A Lei da Educação” apresenta-do ao Senado por Darcy Ribeiro, em1992, mas que não foram nela in-corporados. Não é sem razão que oProjeto de LDB oriundo da Câmarados Deputados não contemplavaesse novo locus de formaçãodocente (o ISE), isto só veio a ocor-rer quando da apresentação do pro-jeto “A Lei da Educação”. Ao tratarda organização das instituições deensino superior, este projeto previaas seguintes formas: universidades,centros de ensino superior e outrasformas de organização (Art. 44, inci-sos I, II e III, respectivamente). Se,por um lado, nesse dispositivo aindaficavam indefinidas as “outras formasde organização”, por outro, ao tratarda formação docente, aparece explici-tamente a nova entidade - osInstitutos Superiores de Educação.

O projeto “A Lei da Educação”assim determinava:

Art. 68. A formação de docentespara atuar no ensino fundamen-tal e médio se faz preferente-mente em Institutos Superioresde Educação, em regime detempo integral. (grifo nosso).Parágrafo único. Os institutos su-periores de educação são insti-tuições de nível superior, inte-grados ou não a universidades efederações de escolas superio-res, e mantêm:a) curso normal superior paraformação de docentes para aeducação infantil, o ensino fun-damental e médio (grifo nosso);b) programas de formação emserviço para educadores, sobre-tudo recém-formados;c) programas de educação conti-nuada para os docentes dosdiversos níveis;d) centros de demonstração,

com cursos regulares, experi-mentais ou não, de todos os ní-veis de ensino, para assegurarpesquisa e formação em serviçoaos seus alunos nas práticas daarte de educar.

Por meio desse artigo, o legisla-dor tenta caracterizar e definir asfunções dos ISEs. Assim, é lícito su-por que tais instituições integrariamas “outras formas de organização”mencionadas no inciso III, do artigo44, de “A Lei da Educação”, tantoque nas diferentes versões de Sub-stitutivos ao Projeto de LDB da Câ-mara apresentadas por Darcy Ribeiroos “institutos” passaram a ser men-cionados juntamente com universi-dades, centros de ensino superior eoutras formas de organização (cf.Parecer n° 691, de 1995, Art. 40).

Quanto à formação docente, co-tejando “A Lei da Educação” (princi-palmente o art. 68, mencionado an-teriormente), com as versões dosSubstitutivos Darcy Ribeiro, algumasmodificações foram introduzidas, asaber: não consta mais a determi-nação de que a formação docentepara a educação básica deveriaocorrer em regime de tempo inte-gral e, preferentemente, nos institu-tos superiores de educação - semdeixar de citá-los, o dispositivo colo-ca-os como alternativa à formaçãonas universidades; na caracteriza-ção dos ISEs, a expressão “federa-ções de escolas superiores” foi subs-tituída por “centros de ensino supe-rior”; os dispositivos que fazem alu-são aos cursos e programas a seremmantidos pelos ISEs apresentam-se,agora, mais “enxutos”, omite-se aalínea “d” e nova redação é dada àalínea “b” - “programas de adapta-ção e de formação em serviço paraportadores de diplomas de ensinosuperior que queiram se dedicar à

educação básica” -, as alíneas “a” e“c” não sofrem alterações, manten-do também a formação do professorde ensino médio no curso normalsuperior.

Já o Substitutivo ao Projeto deLDB aprovado pelo Senado Federal -Parecer n° 30/962 - substitui a ex-pressão “outras formas de organiza-ção” por faculdades e escolas supe-riores (Art. 43, incisos IV e V, respec-tivamente). Quanto às exigências deformação docente, mantém-se apossibilidade de ela ocorrer em uni-versidades ou institutos superioresde educação, embora haja uma mu-dança significativa, uma vez que ocurso normal superior destina-se àformação de docentes para a educa-ção infantil e para as primeiras sériesdo ensino fundamental, retirando-lhe a possibilidade de oferecer cur-sos de formação docente para ensi-no médio (cf. Art. 62, Parágrafo úni-co, inciso I, do Parecer n° 30/96).

Essa breve incursão no processode tramitação da LDB permitiu-nosverificar o momento em que surge aproposta dos ISEs e as alterações naformação docente impostas pelasdiferentes versões do projeto deLDB. Verificamos, ainda, que a leiaprovada manteve para os ISEs oscursos e programas constantes naformulação aprovada no Senado (cf.Art. 63, inciso I da Lei n° 9.394/96).

Interessante atentar para o fatode que a LDB não incorporou, doSubstitutivo aprovado no Senado, oartigo que determinava a organiza-ção das instituições de ensino supe-rior. De forma bastante genérica, aLDB determinou que “a educaçãosuperior será ministrada em institui-ções de ensino superior, públicas ouprivadas, com variados graus de a-brangência ou especialização” (Art.45). Entretanto, o Decreto n° 2.306(19/08/1997) resgata aquela con-

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cepção, ao classificar as instituiçõesde ensino superior do sistema fede-ral de ensino em: universidades,centros universitários, faculdades in-tegradas, faculdades e institutos su-periores de educação ou escolas su-periores (Art. 8°). Curiosamente, talDecreto reitera o preceito constitu-cional da indissociabilidade entreensino, pesquisa e extensão nas uni-versidades (Art. 9°), além disso, defi-ne os centros universitários como“instituições de ensino superior plu-ricurriculares, abrangendo uma oumais áreas do conhecimento, que secaracterizam pela excelência doensino oferecido, comprovada pelaqualificação do seu corpo docente epelas condições de trabalho acadê-mico oferecidas à comunidade esco-lar (...)” (Art. 12). As demais formasde organização acadêmica não sãodefinidas.

Os Institutos Superiores de Edu-cação foram posteriormente normati-zados pelo CNE - Resolução n° 1 doConselho Pleno (CP, 30/09/1999),anexa ao Parecer CNE/CP n° 115/99,aprovado pelo CP em 10/08/99.Segundo este Parecer, “os InstitutosSuperiores de Educação deverão sercentros formadores, disseminadores,sistematizadores e produtores doconhecimento referente ao processode ensino e de aprendizagem e àeducação escolar como um todo,destinados a promover a educaçãogeral do futuro professor da educa-ção básica” (grifo nosso) Se a pesqui-sa não integra o cotidiano desses ins-titutos, cabe questionar como cumpri-rão os quesitos que os definem, parti-cularmente no que diz respeito à pro-dução de conhecimento? como arti-cular a formação docente com esseprocesso de produção de conheci-mento, ou seja, como formar profis-sionais capazes de investigar sua pró-pria ação docente.

Ainda de acordo com a Reso-lução acima citada, os ISEs podemincluir os seguintes cursos e progra-mas: 1. Curso Normal Superior, paralicenciatura de profissionais em edu-cação infantil e nos anos iniciais doensino fundamental; 2. Cursos delicenciatura, destinados à formaçãode docentes dos anos finais do ensi-no fundamental e do ensino médio;3. Programa de formação continua-da, para a atualização de profissio-nais da educação básica; 4. Progra-mas especiais de formação pedagó-gica, nos termos da ResoluçãoCNE/CP n° 2/97 (Art. 1°). Constitu-em-se as seguintes exigências parao corpo docente dos ISEs: 10% comtitulação de mestre ou doutor; 1/3em regime de tempo integral; meta-de com comprovada experiência naeducação básica; professores con-tratados pelo instituto ou nele lota-dos (Art. 4°). A duração do cursonormal superior é de 3.200 horas,sendo que os concluintes do cursonormal de nível médio, com pelomenos 3.200 horas, terão assegura-do o aproveitamento de estudos atéo limite de 800 horas (Art. 6°, § 5°)e os alunos que exerçam atividadedocente regular na educação básicapoderão incorporar, nas 800 horasexigidas da parte prática de forma-ção, as horas comprovadamente aela dedicadas (Art. 9°).

Salientamos o caráter discrimina-tório dessa regulamentação, compa-rada à dos demais cursos de gradua-ção. Além de ser uma instituiçãoonde a pesquisa não tem presençanecessária, as exigências em relaçãoao corpo docente dos ISEs contras-tam com aquelas feitas às universi-dades. Ademais, fica patente o ali-geiramento na formação de profes-sores, uma vez que, a depender daformação (concluintes do ensinonormal de nível médio) e da expe-

riência profissional (alunos-docentesna educação básica) anteriores, ocurso reduz-se a 1.600 horas. Des-tarte, o curso normal superior nãoviria a substituir as antigas “licencia-turas curtas”?

Também o inciso II, do artigo 63,da LDB, foi objeto de regulamenta-ção. Segundo a Resolução CNE/CPn° 2/97, os programas especiais deformação pedagógica de docentesdestinam-se a portadores de diplo-ma de nível superior, em cursos re-lacionados à habilitação pretendida,ficando a cargo da instituição queoferece o programa verificar a com-patibilidade entre a formação docandidato e a disciplina na qualbusca habilitação (Art. 2°). É previs-ta uma duração de, pelo menos,540 horas, incluindo as 300 horasmínimas de prática de ensino, comênfase na metodologia de ensinoespecífica da habilitação pretendida(Art. 4°). Nessas trezentas horas deprática de ensino, os participantesdo programa que estejam ministran-do aulas da disciplina para a qualpretendem habilitar-se, poderão in-corporar o trabalho em realizaçãocomo capacitação em serviço, desdeque esta prática se integre ao planocurricular do programa e a supervi-são seja de responsabilidade da ins-tituição que ministra a habilitação(Art. 5° e 6°). A parte teórica do pro-grama poderá ser semipresencial, namodalidade de ensino a distância(Art. 8°). O concluinte receberá certi-ficado e registro profissional equiva-lentes à licenciatura plena (Art. 10).Saliente-se, ainda, que tais progra-mas podem ser feitos nos ISEs.

Diante dessa norma legal, perce-be-se que imperou a lógica da impro-visação, salutar em algumas ativida-des, mas não quando se trata de for-mar educadores. O inconcebível emoutras áreas ganha status de legalida-

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de nessa “formação docente”, poispermite-se que bacharéis egressos dediversas áreas de formação, em exer-cício no magistério, possam transfor-mar-se em educadores num curso se-mipresencial, na modalidade de ensi-no à distância, de 240 horas!

O Art. 64, da LDB trata da “(...)formação de profissionais de educa-ção para a administração, planeja-mento, inspeção, supervisão e ori-entação educacional para a educa-ção básica (...)”, prevendo que estaseja realizada nos cursos de Pe-dagogia ou de Pós-graduação, “(...)a critério da instituição de ensino(...)”, desde que garantida a basecomum nacional. O que chama aatenção neste artigo é sua tônicanão-inovadora, aqui expressa, so-bretudo, na manutenção do inspe-tor da escola ou do ensino, peloseu caráter anacrônico. Ressalte-seainda a brecha introduzida pelaexpressão a critério da instituiçãode ensino, em especial devido àpostura empresarial que grandeparte das instituições educacionaisassume, inclusive com a conivên-cia do Poder Público (Estado). Aforaessas questões, cabe lembrar, nova-mente, a indefinição do que seja a“Base Comum Nacional” que se pre-tende preservar. A interpretação desteartigo será, posteriormente, motivo degrandes polêmicas, que ainda sedesenrolam, quanto à função dosatuais cursos de Pedagogia (tratadasno próximo segmento deste texto).

O Art. 65, da LDB impõe que aformação docente, “exceto para aeducação superior”, inclua a “(...)prática de ensino, de no mínimo,trezentas horas.” Embora possamosargumentar que a intenção do legis-lador talvez traduza uma preocupa-ção de que a formação de caráterteórico fosse acompanhada da devi-da ênfase prática, não é oportuno

esquecer que tal prática de ensinonão está expressamente definida naLDB. E por que ela não é previstatambém para a formação de docen-tes para a educação superior? Ade-mais, isto não possibilitaria, por exem-plo, a utilização de mão-de-obra bara-ta nas atividades docentes no nívelsuperior (alunos ainda em formaçãosubstituindo professores)? Por certo,tudo isto sem esquecer que o magis-tério não se resume à sala de aula,conforme interpretação contumaz demuitos governantes, não é?

O Art. 66, da LDB define que apreparação para o magistério supe-

rior aconteça no nível de pós-gra-duação, “(...) prioritariamente emprogramas de mestrado e doutora-do.” Uma leitura menos atenta des-te artigo pode levar o leitor a con-cluir pela sua adequação, entretan-to, cabe lembrar que ele favorece(repare na palavra prioritariamente)a exigência, apenas e tão somente,da especialização para o magistériode nível superior. Como se isto nãobastasse, é oportuno lembrar quetal redação se deve à interferênciadireta de representantes dos seto-res sociais mais conservadores dopaís, defensores do ensino privado,no final da tramitação da LDB noCongresso Nacional, entre eles, oSenador Antônio Carlos Magalhães(PFL/BA) e o proprietário dos Cur-

sos “Objetivo”, João Carlos Di Gênio.Seria difícil imaginar suas reais in-tenções?

Ainda no Art. 66, Parágrafo úni-co, a LDB expõe um segmento deviés deveras particular: “o notório sa-ber, reconhecido por universidadecom curso de doutorado em áreaafim, poderá suprir a exigência de tí-tulo acadêmico”, para exercer o ma-gistério superior. Por certo não é ocaso de questionar a eventual neces-sidade de atribuir títulos para con-templar a notoriedade de quemquer que seja, embora não seja lícitodesconhecer que tal expediente tem

servido a bajulações de todaespécie, o que se questiona aquié sua expressão numa LDB deapregoada consistência “enxuta eobjetiva”. Não seria esta uma evi-dência clara de utilização de dife-rentes pesos e medidas?

O Art. 67, da LDB prevê queos sistemas de ensino valorizemos profissionais da educação, as-segurando-lhes estatutos e pla-nos de carreira: “ingresso exclusi-vamente por concurso público

de provas e títulos; aperfeiçoamentoprofissional continuado, inclusivecom licenciamento periódico remu-nerado para esse fim; piso salarialprofissional; progressão funcionalbaseada na titulação ou habilitação,e na avaliação do desempenho;período reservado a estudos, plane-jamento e avaliação, incluído na car-ga de trabalho; condições adequa-das de trabalho” (incisos I a VI, res-pectivamente). Seu Parágrafo únicoestipula que a experiência docente épré-requisito para o exercício profis-sional das funções de magistério,“(...) nos termos das normas de cadasistema de ensino.” É inegável queaqui se contemplam reivindicaçõeshistóricas dos profissionais da educa-ção, mas não podemos esquecer que

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elas se restringem ao magistério pú-blico. Ademais, este artigo apenasrepete a CF/88.

O Art. 87 (Título IX - DAS DISPO-SIÇÕES TRANSITÓRIAS) da LDB ins-titui a “Década da Educação” (1997-2006), e diz que até o fim dela “(...)somente serão admitidos professo-res habilitados em nível superior ouformados por treinamento em servi-ço”. Assim, tal artigo suscita duasdúvidas. A primeira diz respeito auma possível contradição com o Art.62 (do corpo da lei): para o exercí-cio do magistério na educação in-fantil e nas quatro primeiras sériesdo ensino fundamental, admite-se,como formação mínima, a oferecidaem nível médio, na modalidadeNormal, mas será que, ao mesmotempo, não se admitirá mais, porexemplo, que tais profissionaisprestem concursos públicos? A se-gunda dúvida na verdade constitui-se num questionamento: Treino for-ma? Por certo ele pode adestrar,mas formar é outra coisa, não é?

A formação de professores, o Decreto nº 3.276/99 e outros dispositivos legaisDesde a década de 80, o curso

de Pedagogia tem sido o único res-ponsável pela formação, em nívelsuperior, do docente da educaçãoinfantil e das séries iniciais do ensi-

no fundamental. Muitasdas instituições elegeram adocência como base deformação sobre a qual seassentam outras possíveishabilitações, que objeti-vam formar os profissio-nais ligados às tarefas desuporte pedagógico: admi-nistração, planejamento,inspeção, supervisão e ori-entação.

Porém, a depender dasnovas determinações, retrocederemosao modelo anterior (quando os cha-mados “especialistas” eram formadossem ter a docência como referencial),com um agravante: altera-se o locusde formação de professores para aeducação infantil e para as séries ini-ciais do ensino fundamental. Ao possi-bilitar que o ISE inclua o Curso NormalSuperior, visando à licenciatura de pro-fissionais em educação infantil e deprofessores para os anos iniciais doensino fundamental, a ResoluçãoCNE/CP n° 1/99 abriu espaço paraque a formação desses docentes fossedeslocada dos cursos de Pedagogiapara essa “nova” instituição.

Nesse sentido, o Parecer CNE/CESn° 970/99, relatado pelos conselhei-ros Eunice Ribeiro Durham, YugoOkida e Abílio Afonso Baeta Neves,considera que o Curso Normal Supe-rior é o único que pode oferecer ashabilitações para magistério na edu-cação infantil (EI) e nas séries iniciaisdo ensino fundamental (SIEF). Aocurso de Pedagogia restaria a forma-ção dos profissionais incumbidos dosuporte pedagógico, configurando-secomo um bacharelado, ou melhor, arigor como formação profissional.

Contra o teor desse Parecer ma-nifestaram-se, antes e depois desua aprovação, entidades, associa-ções, conselhos de cursos e educa-dores em geral. Também os mem-

bros da “Comissão de Especialistasde Ensino de Pedagogia”2 foram sig-natários de um documento enviadoà Câmara do Ensino Superior (CES)conclamando o Conselho Pleno arever, a reformular e a refletir sobreo curso de Pedagogia. A referidacomissão, desde maio de 1999, ha-via entregue à Secretaria de EnsinoSuperior (SESu/MEC) o texto de“Diretrizes Curriculares para o Cursode Pedagogia”. As diretrizes contidasno texto referido confrontam-se comaquelas do Parecer nº 970/99, dadoque considera o pedagogo como“profissional habilitado a atuar noensino, na organização e gestão desistemas, unidades e projetos educa-cionais e na produção e difusão doconhecimento, em diversas áreas daeducação, tendo a docência comobase obrigatória de sua formação eidentidade profissionais” (Comissãode Especialistas de Ensino de Peda-gogia, 1999:1). Ao aprovar o Parecernº 970/99, a CES do CNE desrespei-tou não só a Comissão de Especia-listas, nomeada pelo próprio MEC,como o processo histórico de cons-trução coletiva, pautado em pesqui-sas e experiências, no campo da for-mação docente.

A Câmara de Educação Básica(CEB), ao discordar das orientaçõescontidas no Parecer nº 970/99, re-quereu sua discussão no ConselhoPleno. A questão mais polêmica eraa exclusividade atribuída aos CursosNormais Superiores na preparaçãodos docentes da EI e das SIEF. A dis-cussão constava da pauta da reu-nião do Conselho Pleno, que seriarealizada no dia 7 de dezembro de1999, contando com a presença devárias entidades representativas daárea de educação, a convite da Co-missão de Educação da Câmara dosDeputados, para uma audiênciapública. Porém, na noite do dia 6 de

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dezembro, o governo intervém deforma açodada e intempestiva, pormeio do Decreto Presidencial n°3.276/99, que traz as mesmasorientações do Parecer CNE/CES n°970/99. Contra o teor do Decreto e aforma autoritária de interromper odiálogo, desencadeou-se um amplomovimento nacional no âmbito dasinstituições de ensino e associaçõesrepresentativas dos educadores, quepressionou pela sua revogação. Tam-bém se manifestaram, contra seuconteúdo e sua forma, alguns mem-bros do CNE5 surpreendidos que fo-ram com a notícia do Decreto n°3.276/99. Assinale-se, ainda, a apre-sentação do Projeto de Decreto Lein° 385, de autoria dos deputadosPedro Wilson, Djalma Paes e outros,que “susta a aplicação do dispostono Decreto n° 3.276/99”, até hojenão discutido na Câmara Federal.

O governo fez ouvidos de merca-dor, mesmo diante de tantas mani-festações contrárias, e o Decreto nãofoi revogado, apenas teve alteradoem seu § 2°, artigo 3°, por meio deum outro Decreto - o de n° 3.554(07/08/2000) - que substituiu a ex-pressão “exclusivamente” por “pre-ferencialmente”6 Ressalte-se queesta alteração havia sido sugeridapelo Conselho Pleno do CNE, umavez que fora decidido, em seu âmbi-to, constituir uma comissão bicame-ral para examinar e oferecer suges-tões ao Decreto n° 3.276/99 (Pa-recer CNE/CP n° 10/2000, aprovadoem 09/05/2000). Observa-se que,entre outros, a conselheira EuniceRibeiro Durham votou contra essaalteração. Sem a luta política dasdiversas instâncias representativasdos educadores, nem mesmo essaalteração teria ocorrido. Entretanto,ao assim estabelecer, a legislaçãoacaba por determinar o Curso Nor-mal Superior como locus privilegia-

do da formação dos professores daEducação Infantil e dos anos iniciaisdo Ensino Fundamental. Destarte,transfere-se a formação dessesdocentes, “preferencialmente”, parauma “nova” instituição (o ISE), naestrutura organizacional do ensinobrasileiro, criando-se um sistemadual de formação e desconsideran-do que os cursos de Pedagogia jácumprem tal tarefa.

No que tange à formação docen-te, a leitura da LDB não enseja ainterpretação que é dada tanto peloDecreto n° 3.276/99, quanto peloDecreto n° 3.554/00. Sequer, na ú-nica vez que a LDB refere-se ao cur-so de Pedagogia (Art. 64), tal restri-ção lhe é imposta. Portanto, comobem analisa o Conselheiro JacquesVelloso, do CNE, “(...) o Art. 64 nãodetermina que os cursos de Peda-gogia formem somente profissio-nais para a Administração, o Plane-jamento, a Inspeção, a Supervisão,a Orientação Educacional voltadospara a educação básica. Logo, a for-mação desses profissionais é uma,e apenas uma das tarefas dos cur-sos de Pedagogia ministrados emuniversidade.”(VELLOSO, Declaraçãode voto ao Parecer CNE/CES n°970/99).

Cabe observar, como já aponta-mos, que é em “A Lei da Educação”,de 1992 (Art. 68, caput, Parágrafoúnico e alínea “a”), que encontra-mos a origem do Parecer CNE/CESn° 970/99 e de seus irmãos univite-linos: os Decretos n° 3.276/99 e n°3.554/00. Vale lembrar que “A Leida Educação” teve como colabora-dora a Profª Eunice Ribeiro Durham,para a qual Darcy Ribeiro faz agra-decimento explícito em sua “Expo-sição de Motivos”, exatamente umadas autoras do Parecer nº 970/99.

Afora os argumentos já mencio-nados, cabe acrescentar que o De-

creto nº 3.276/99: Insinua que a formação de pro-fessores para a educação básicatenha como referencial as dire-trizes curriculares nacionais (Art.5º, § 1º), sem considerar as es-pecificidades das áreas de co-nhecimento e a diversidade(plu-ralidade essenciais a essa forma-ção. (...) Não deixa claro o queocorrerá com os professoressem formação de nível superiorque atuam na educação infantile nos quatro anos iniciais doensino fundamental (cuja forma-ção mínima realizada no ensinomédio, modalidade Normal, égarantida pela LDB, em seu Art.62) (...) Sequer menciona otempo de duração do curso nor-mal superior ( um ano? dois?três? quatro? (Art. 3º, §§ 2º e 3º),(...) Ao não mencionar o caráterdos cursos de licenciatura ( curtaou plena (Art. 3º, § 4º), abre apossibilidade de reforçar a ina-dequada ‘licenciatura curta’, am-plamente rejeitada desde o iní-cio de sua instituição e implanta-ção. (...) Ao caracterizar o institu-to superior de educação comounidade acadêmica específicapara a formação de professores(Art. 4º, I), não deixa claro comoficariam as atuais licenciaturas(nas universidades) que garan-tem uma formação básica ( es-pecífica e pedagógica (realizadaem conjunto por institutos, fa-culdades ou departamentos. (...)Abre um flanco ainda maior parasegmentos do ensino superiorprivado que exploram os servi-ços educacionais enquanto prer-rogativa mercadológica” (Dezargumentos contra o Decreto nº3.276/99, assinado por Fernan-do Henrique Cardoso e PauloRenato Souza, FEUSP-EDA, 09

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de dezembro de 1999, mimeo).

Até o presente momento (no-vembro de 2000), os setores orga-nizados da sociedade civil, em espe-cial a comunidade acadêmica, lu-tam para que o teor dos Decretos n°3.276/99 e n° 3.554/00 seja execra-do, na verdade esta é uma luta quefaz parte da tentativa de barrar umprocesso mais amplo que tem a vercom a concepção de educação e,portanto, de formação de professo-res, que tem sido contemplada nalegislação e nas políticas de gover-no para a educação.

Considerações FinaisMesmo breve, a análise aqui em-

preendida permite-nos afirmar que,ao possibilitar a implantação dosInstitutos Superiores de Educação(ISEs), a LDB e a legislação dela de-corrente mantiveram fidelidade ecoerência com as orientações doBanco Mundial e com os princípiosque norteiam a educação superior,postos claramente nos documentosoficiais elaborados pelo MEC, quediversificam as instituições de ensi-no, “favorecendo e valorizando esta-belecimentos não-universitários, es-pecialmente a formação de profes-sores para o ensino básico.”

A política do MEC reforça o ali-geiramento da formação de profes-sores quando, por exemplo, valori-za modelos institucionais alternati-vos de formação de professores pa-ra a educação básica; possibilita acriação dos institutos superiores deeducação; regulamenta a formaçãode docentes para a educação bási-ca num corpo de complementação;estabelece consórcios com institui-ções de ensino para certificar docen-tes por meio da universidade virtual.

Nessa perspectiva, o MEC men-ciona, em documento, que institui-

ções de ensino superior enviaramprojetos para ministrarem cursos deformação de professores a distânciaao CNE, incluindo algumas universi-dades federais que já foram creden-ciadas para ministrar, nessa modali-dade, Matemática, Ciências Bioló-gicas, Química e Física. Segundo omesmo documento, a UniRede, pro-jeto de universidade virtual, já contacom a adesão de quarenta e cinco(45) instituições que se propõem aoferecer em 2001 cerca de cem milvagas para professores da educaçãobásica, e acrescenta que “o grandedesafio é formar, em sete anos, cer-ca de 600 mil docentes” (MEC,2000), ou seja, para dar conta de cum-prir o dispositivo do Art. 87 da LDB etambém para “melhorar” outros indi-cadores educacionais, o MEC vem tra-balhando por meio de políticas de cer-tificação em massa (e a formação do-cente não fugiria a esta regra.

Convém lembrar que, para o Ban-co Mundial, a formação inicial, alémde mais dispendiosa, não se constituiem condição necessária para o me-lhor desempenho dos alunos, sendoa capacitação em serviço mais deter-minante nesse aspecto. Daí a reco-mendação de que as políticas educa-cionais dos países em desenvolvi-mento priorizem a capacitação emserviço, e que tanto nesta como naformação inicial sejam enfatizadas amodalidade da educação a distância,menos onerosa que a presencial,mais eficaz para aumentar o acessodos grupos desfavorecidos, para pro-mover a educação permanente epara melhorar os conhecimentos,como por exemplo, na formação dosprofessores em serviço (cf. TORRES,1996: 125-193).

Não é lícito ignorar a existência decursos de Pedagogia que apresentamqualidade questionável, mas deslocara formação docente para o curso nor-

mal superior não garante a soluçãodos problemas. E será que teria sidoessa a intenção: melhorar a formaçãode docentes para a educação infantile as séries iniciais do ensino funda-mental em cursos especialmente pla-nejados para tal? Não podemos des-conhecer o interesse do setor privadoem instituições de ensino menosonerosas, porque mais “flexíveis”, tan-to em termos de formação de seusdocentes como de exigências legaisquanto ao contrato de trabalho deseus professores.

Tampouco podemos ignorar a co-laboração e o empenho do governopara que fosse aprovado o projeto deLDB urdido no Senado, por melhoradequar-se à política educacional queinteressa aos setores dominantes, eque, aos poucos, vai sendo oficial-mente implementada. Assim, “o pro-cesso de ‘conciliação aberta’ que per-mitiu a construção de um projetocomprometido com a defesa da esco-la pública foi, aos poucos, sendo sola-pado pelos que a ele se opunham,que não pouparam esforços para fa-zer prevalecer os seus fins. Em resu-mo, os setores hegemônicos repre-sentados no/pelo governo tentaram‘matar dois coelhos de uma só vez’:aniquilar a metodologia democráticade elaboração da LDB e, ao mesmotempo, impor-lhe um conteúdo lacu-nar e socialmente excludente” (MU-RANAKA e MINTO, 1998: 74).

A formação aligeirada de docentes,especialmente da educação infantil edos anos iniciais do ensino fundamen-tal, pairava há muito tempo no hori-zonte do governo. O famigeradoDecreto n° 3.276/99 (e seu irmão uni-vitelino, o Decreto nº 3.554/00) fazparte de uma seqüência de docu-mentos legais que normatizam a LDBe, com eles, ajuda a compor um todocoerente e harmonioso em relação àpolítica pública para o setor educa-

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cional. Assim, aprovações pontuaisde legislações complementares con-formam um modelo de educação ede formação docente que abrangetodos os níveis e modalidades deensino, fazendo parte de um articula-do plano governo.

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Notas1 Pareceres ou congêneres são documentos

de distribuição da justiça mediante aplica-ção da eqüidade, tentando garantir a ado-ção de medidas apropriadas às diversasrealidades.

2 Segundo o Art. 43 do Substitutivo, as ins-tituições de ensino superior podem se or-ganizar na forma de: universidades, cen-tros de educação superior, institutos, fa-culdades ou escolas superiores.

3 Produção de conhecimento é muito maisamplo do que pesquisa, uma vez que estaé apenas um dos instrumentos daquela.Quanto à articulação entre formação do-cente e produção de conhecimento, tal for-mação deve permitir que o docente exerçaaquele que é seu direito inalienável (a au-tonomia de pensamento e ação, ou seja,autonomia em seu sentido mais próprio:ético-antropológico, e não apenas jurídico.

4 A Comissão, nomeada pela PortariaSESu/MEC 146/03/1998, era composta pe-los seguintes professores: Leda Scheibe (pre-sidente), Celestino Alves da Silva Junior, Már-cia Angela Aguiar, Tizuko Morchida Kishimotoe Zélia Milléo Pavão. O documento desta Co-missão encontra-se no seguinte endereço:(http://mec.gov.br./sesu/ftp/pedagog.dc.rtf).

5 Referimo-nos ao documento “Às universi-dades, sociedades científicas e entidadesprofissionais relacionadas à Educação”,datado de 8 de dezembro de 1999, ondeos signatários (Carlos Roberto Jamil Cury,Edla Soares, Hésio Albuquerque Cordeiro,Jacques Velloso, João Monlevade, KunoPaulo Rohden, Regina de Assis e Silke We-ber) consideram “inoportuna a publicaçãodo Ato de Executivo, que interrompe, as-sim, uma discussão em curso e corre orisco de inibir o desenvolvimento e a con-solidação de experiências exitosas de for-mação em inúmeras universidades”. (Essedocumento encontra-se publicado na Re-vista Educação e Sociedade, n°68, dez/99,p.342/3).

6 Segundo o Decreto n° 3.276/99 o citado dis-positivo assim determinava: “a formaçãoem nível superior de professores para a atu-ação multidisciplinar, destinada ao magisté-rio na educação infantil e nos anos iniciaisdo ensino fundamental, far-se-á exclusiva-mente em cursos normais superiores.”(grifo nosso). O Decreto n° 3.554/00 ape-nas substituiu a expressão exclusivamentepor preferencialmente.

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* César Augusto Minto é professor naFaculdade de Educação da Universi-dade de São Paulo.

** Maria Aparecida Segatto Murana-ka é professora no Departamento deEducação da Universidade EstadualPaulista - UNESP - Campus de RioClaro-SP.

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I. Os ajustes estruturais e a formação humanaUm dos pontos centrais da atualconjuntura internacional, demar-cada pelo acirramento da tendên-cia à destruição das forças produ-tivas - trabalho, trabalhador,meios de produção -, é a determi-nação das grandes potências eco-nômicas e militares de continua-rem a implementação de políticasde ajustes estruturais e a reformado Estado, que são estratégias doprocesso de reestruturação,impostas aos demais países, deinteresse único do grande capitalfinanceiro, principalmente oespeculativo.

Os fatos comprovam a amplia-ção da pobreza e a difusão de con-frontos bélicos. Os acontecimentosdo dia 11 de setembro de 2001,ocorridos nos Estados Unidos sãoum exemplo do fracasso do atualModelo Econômico que vem sendoregido por políticas de perfil liberal eneoliberal3 e, agora, recorre a milita-rização das relações sociais para re-compor sua hegemonia.

Profª Drª Celi Nelza Zulke Taffarel1

Formação profissional e diretrizes curriculares:do arranhão à gangrena2

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Segundo PAULA (2001, p. 15),vive-se hoje a mais extensa e pro-funda experiência de dominaçãoimperialista do mundo moderno.Nunca um império foi tão amploseja no campo político, militar,ideológico, econômico, como os Es-tados Unidos. As característicasmarcantes do império são:

* hegemonia do Consenso deWashington4 - abertura comercial,desregulamentação, privatização eprecarização do trabalho;

* novas tecnologias; * pós-fordismo, transformação

do modo de regulação das relaçõesde trabalho, política salarial, treina-mento, qualificação do trabalho;

* formação de blocos econômi-cos.

O Fundo Monetário Internacio-nal (FMI) e o Banco Mundial são osprincipais agentes destes interes-ses. Os Estados Unidos são a princi-pal nação imperialista interessadanos ajustes, juntamente com os de-mais componentes do “G7 + 1” 5.

O “Panorama Social da AméricaLatina 2000-2001”, estudo da Co-missão Econômica para a AméricaLatina e o Caribe (Cepal), situa oBrasil como o país de pior e, por-tanto, o mais perverso e anti-socialdistribuidor de renda nas Américas,batendo a Bolívia, em segundo, aNicarágua em terceiro e a Guate-mala em quarto. Crimes de Fer-nando Henrique e Pedro Malanque, por outro lado, proporcionamaos bancos instalados no Brasil omaior percentual de lucro anual nomundo.

Segundo José Paulo Neto (2000,p.19) a política de ajustes no Brasilconsiste de três intervenções:

* Estabilidade monetária, deno-minada de plano real, meio deequalizar o conjunto das relaçõessociais de forma a permitir a gover-

nabilidade das classes dominantes;* a desregulamentação - abertu-

ra irresponsável e descontrolada domercado internacional que destruiuo parque industrial brasileiro, aber-to ao fluxo dos capitais financeirosinternacionais especulativos;

* O programa nacional de priva-tização, um dos mais perversos domundo.

Tais políticas impõem a Go-vernos e Governantes a adoção demedidas privatistas, a retirada de di-reitos e conquistas históricas daclasse trabalhadora e impõe agora,de maneira avassaladora a guerraentre nações e blocos de nações.

No Brasil, tais políticas podemser reconhecidas no Programa Na-cional de Desestatização (PND-Lei9.491/09/97)6, nas propostas dereformas (administrativa, da previ-dência, fiscal), nas leis complemen-tares, emendas à constituição, me-didas provisórias e, na política dogoverno para a Educação, especifi-camente para o Ensino Superior. Asconseqüências são a destruição dopatrimônio público, dos serviçospúblicos e a desresponsabilizaçãodo Estado para com as políticassociais.

A lógica que orienta esse pro-cesso é a hipoteca do orçamentopúblico, a divida interna e externa,responsáveis pela absoluta falta dosrecursos para as políticas sociais.

São brutais e perversos os efeitossociais provocados pelas reformasimpostas pelos agentes financeirosinternacionais. Escrevem-se consti-tuições fascistas ( os Acordos e Tra-tados Multilaterais de Investimento(, para proteger interesses econômi-cos7. Enormes contingentes popula-cionais são eliminados e perdem di-reitos a benefícios sociais essenciaiscomo Educação e Saúde8.

Os cientistas Michel Spance, Ge-orge Akerlof e Joseph Stiglitz, pro-fessores das Universidades de Stan-ford, Califórnia e Columbia, ganha-dores do Prêmio Nobel de Litera-tura 2001, desenvolveram a TeoriaGeral dos Mercados onde compro-vam que os mercados são imperfei-tos. Orientar políticas sociais na ló-gica de mercados imperfeitos temgerado conseqüências nefastas.

Segundo DIAS (1996, p.10) “oEstado mínimo é o adequado aomercado. Tudo, absolutamente tu-do, deve ser submetido à mercanti-lização.” Neste contexto histórico,uma das faces nefastas dos ajustes,reformas e desregulamentações,segundo Soares (1996), é o “assal-to às consciências”. A ordem deseja-da pelo capital, a recomposição dahegemonia, a produção de consen-sos em torno das reformas em cur-so só podem ser feitas à custa deum violento processo de amolda-mento subjetivo: perdem-se direi-tos sociais à cidadania, fomentam-se guerras, dilapida-se o patrimô-nio público e tentam nos conven-cer de que se produzirá um mun-do tecnologicamente mais desen-volvido. Arrancam-se as vozes dossujeitos e criminalizam-se os movi-mentos sociais para manter a or-dem do capital.

Vivemos hoje, portanto, sob osauspícios de um imbricado movi-mento político de Ajuste Estruturale de Reforma do Estado que se dáno confronto e nos conflitos da lutade classes.

II. A ordem do capital para aeducação: o assalto e o amolda-mento

A lógica gerencial da reforma doestado brasileiro e o projeto de LDBsegundo José Paulo Netto, tem doisobjetivos funcionais e potencializa-

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dores da política de ajustes: um denatureza ideológica que consisteem transformar o conjunto de insti-tuições nacionais em organizaçõesque obedeçam ao cálculo racionaleconômico; outro para transferir oscentros intermediários de decisãopara a área de influência do capital,com a liquidação do público em umpais em que o público sempre este-ve vinculado ao protagonismo deEstado.

Isto se expressa na miserável,mal fadada, minimalista, permeadade todos os lobbys privatistas e con-fecionais possíveis - LDB 9.394/96 -cujos extratos centrais são: a) auto-nomia universitária; b) cursos se-qüenciais; c) mestrados profissiona-lizantes; d) educação à distância; e)processo de avaliação.

Cinco traços, ainda segundo JoséPaulo Netto, desta realidade da po-lítica de ensino superior brasileiropodem ser identificados: a) expan-são do privatismo; b) liquidação darelação ensino-pesquisa-extensão;c) superação do caráter universalis-ta da universidade; d) subordinaçãoas demandas do mercado; e) redu-ção do grau de autonomia da uni-versidade.

Confirmando o avanço de taispretenções encontramos indicado-res do “assalto às consciências e doamoldamento subjetivo” na políticapara a Educação na América Latina,definida no “Consenso de Santia-go9”, em abril de 1998, onde a Edu-cação é colocada como central nosacordos internacionais que visamcobrir a dívida social produzida pelaPrimeira Geração de reformas ema-nadas desde o “Consenso de Wa-shington”.

A parceria educacional entreBrasil(EUA preparou o terreno parafazer da Educação um dos temascentrais da agenda hemisférica em

Santiago10. Esse acordo de parceriaregeu a abordagem bilateral daeducação em cinco áreas temáticas,incluindo: padrões de avaliaçõeseducacionais; tecnologia educacio-nal; desenvolvimento profissional;parceria entre comunidades e em-presas e; intercâmbio. A parceria éfundamental para a iniciativa educa-cional entre EUA e Brasil. A agendacomum para as Américas centra es-forços na construção de consensos,unidade e ênfase na educação pau-tada nos acordos internacionais.Tais acordos deverão assegurar oacesso aos instrumentos para a“prosperidade econômica do séculoXXI”, principalmente para os deten-tores do poder econômico e militar,vez que, vivemos em uma socieda-de nitidamente dividida em classessociais.

Outros indicadores precisos do“assalto às consciências e do amol-

damento subjetivo” da política paraa Educação Superior no Brasil11,podem ser encontrados nas Estraté-gias para construir consensos doMEC.

O Ministro da Educação PauloRenato, em Seminário sobre EnsinoSuperior realizado em Brasília, em16 de dezembro de 1996, pronun-ciou-se sobre os eixos centrais daPolítica do Governo para o EnsinoSuperior, que traz em si as reco-

mendações do Banco Mundial, re-conhecidas no documento “El de-sarrollo en La Practica: La Enseñan-za superior(las lecciones derivadasde la experiencia”.12

Os três pilares da política do Go-verno FHC em relação ao Ensino Su-perior são: 1) Avaliação (Lei 9.131/no-vembro de 199513 (Avaliação Insti-tucional e Exame Nacional de Cursos(“Provão”); 2) Autonomia Universitá-ria Plena (PEC 370A14); 3) Melhoriado Ensino (PNG Edital Nº04/97SESu/MEC; PID (Artigo 6º da MP1657-18, Programa de Estímulo à Gra-duação ( PEG (, o atual Programa deGratificação e Estímulo à Docência(GED e a GID - Gratificação de Incen-tivo a Decência)15.

Ao defender tais pilares peranteos reitores16, o governo redefine aessência da relação entre o Estado eas Instituições de Ensino Superior,pela redefinição da institucionalida-de das Universidades. A questão daEducação Superior passa também,como a escolarização de todos, peloprojeto político de sociedade, pelaforma como o Estado define o tipoe a forma do investimento - Projetode Autonomia.17

Após assinar protocolo com osReitores das universidades, objeti-vando cumprir metas estabelecidaspelo Plano Nacional de Educaçãodo Governo FHC, o mesmo é ques-tionado em 2001, pelos própriosreitores que, em Manifesto Público,apresentado na Reunião Anual daSBPC em Salvador, reclamam pelasverbas prometidas, denunciam oGoverno por não cumprir sua parteno acordo e anunciam a impossibi-lidade de iniciarem o próximo se-mestre letivo, explicitando-se assima profunda crise institucional insta-lada nas Universidades. SegundoRUIZ, 2001, p. 75, o orçamento dasIFES tem diminuído continuamente

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desde 1995 pressionando as Ins-tituições a captar recursos, por ini-ciativa própria. Soma-se a isto a fal-ta de concurso publico e a contrata-ção de pessoal precarizado, tempo-rários como os professores substitu-tos e terceirizados, como é comumnos Hospitais universitários. Está si-tuação que é divulgada pelo Mi-nistro da Educação Paulo Renatocomo promissora e de grandesavanços, vem sendo enfrentada pe-lo Movimento Docente nas últimasdécadas com 13 Greves, sendo ade 2001 a mais intensa e de maioradesão. 100% das Seções Sindicaisdas IFES paralisaram. Os movimen-tos grevistas barraram em termos, atotal destruição da UniversidadePública, Gratuita, Socialmente Re-ferenciada.

Para implementar a sua concep-ção privatista de autonomia univer-sitária, o MEC enviou ao Congresso,em 1996, uma proposta de emen-da constitucional (PEC 370-A)18 queconsagra o processo de privatizaçãointerna das Instituições Federais deEnsino Superior (IFES), descompro-metendo gradualmente o Estadocom o seu financiamento, indican-do claramente o caminho para a in-serção das Universidades e CEFETEsna lógica capitalista de mercado,com a venda de serviços na área depesquisa e extensão comunitária,com a cobrança de anuidades oumensalidades aos alunos. As mani-festações e reações contra tal políti-ca inibiram, temporariamente asintenções do governo. SegundoRUIZ (2001, p. 69) durante quatroanos o governo preparou-se paraapresentar anteprojeto de Lei aoCongresso Nacional sobre Autono-mia. Em agosto de 1999 saiu doMEC para o Congresso via casaCivil. A reação da comunidade uni-versitária e da própria base gover-

nista foi extremamente negativa,quanto ao mérito do projeto que omesmo não seguiu tramitando. Oprojeto parecia mais um ajuste fis-cal do que um projeto de autono-mia.

Analisando os Programas que oGoverno vem propondo às Univer-sidades reconhecemos os indicado-res da estratégia do governo de reti-rar direitos e garantias conquistadasnas lutas. São exemplos o Progra-ma de Apoio a Núcleos de Exce-lência (PRONEX)19, Programa deIncentivo à Docência (PID), Artigo6º, da MP 1657, 18, rejeitado peloCongresso em 12/05/98, por forçado movimento grevista nas IFES, aproposta de Emprego Público queobjetiva reconfigurar o ordenamen-to jurídico das relações de trabalhoatravés da desconstitucionalizaçãode direitos a partir da EmendaConstitucional 19, quebra da estabi-lidade, possibilidade de demissãode servidores, medidas de ajusta-mento de contas públicas, avaliaçãodo desempenho, supressão do Re-gime Jurídico Único, fim da isono-mia, fim da previdência pública, se-guridade social e o Programa Na-cional da Graduação, Edital nº04/97, SESu/MEC, em implementa-ção nas IFES (PNG).

As propostas do governo estabe-lecem e acentuam a dissociaçãoentre ensino, pesquisa e extensão,a separação entre as próprias Uni-versidades com ênfase no ensinoou na pesquisa, ou na assistência.As grandes com produtividade deexcelência, as medianas em todosos parâmetros de avaliação e asespecializadas, conforme discursorecente da SESu. A pesquisa seriaconcentrada em centros de exce-lência, com alta performance dequalidade, produtividade e, gestãoflexível de recursos humanos vincu-

lados a projetos específicos, desins-titucionalizando recursos e pesqui-sadores, abrindo o caminho acele-rado à privatização, “sintonizando aUniversidade com a Nova OrdemMundial”, a saber, a lógica do mer-cado e a militarização das relaçõessociais internacionais.

O investimento em “nichos tec-nológicos”, em detrimento dos in-vestimentos em uma ampla basede competência educacional, cien-tífica e tecnológica nacional, podeser a diferença entre a vida e amorte num mundo onde o cresci-mento depende dessa competên-cia.20

Verifica-se aí a submissão do tra-balho docente e da pesquisa a pa-drões e finalidades externas, deter-minadas pelas exigências do mer-cado e pelas relações internacionaisde trabalho. Decreta-se com isto ofim da Universidade pública comoinstituição histórica, democrática,de garantia de direitos21. Institui-sesegundo Chauí (1999), a “universi-dade operacional” a, “Universidadede resultados e serviços”.

Tais medidas são expressões daproposta do Banco Mundial, en-quanto estratégia de reforma, queestá sistematizada no documento“La enseñanza superior: las lec-ciones derivadas de la experien-cia”, em quatro pontos:

* maior diversificação dos tiposde instituição propondo institui-ções não universitárias paraatender demanda de mercado ediminuir custos (p. 31);* diversificação das fontes de fi-nanciamento das instituições pú-blicas de ensino superior atravésde três iniciativas: a) ensino pago;b) doações; c) atividades universi-tárias que gerem renda (p. 44);* redefinição da função do Es-

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tado no que concerne ao EnsinoSuperior cujo ponto central é au-tonomia financeira (p. 61);* adoção de políticas de qualida-de e equidade, com nenhum oupouco aumento dos gastos pú-blicos (p. 74).

O “Programa Nacional para aGraduação (PNG)”, por exemplo, estávinculado ao quarto ponto das reco-mendações do Banco Mundial22.

III. As recomendações para asdiretrizes da graduação

O Programa Nacional da Gra-duação é “uma ação da política deEnsino Superior do MEC, conjuntacom a SESu e o Fórum de Pró-Rei-tores de Graduação que objetiva or-ganizar novas diretrizes gerais doscurrículos dos cursos de graduação”.23

Tal programa vem sendo siste-maticamente criticado pelo Movi-mento Docente que deliberou emseu 41º CONAD, ocorrido em Pelo-tas/RS, no período de 03 a 06 denovembro, o seguinte: realizar deba-tes amplos e participativos, elaborare divulgar documentos críticos, de-nunciar formulações governamen-tais, implementar mecanismos deresistência às propostas orientadaspela ideologia do Governo Paulo Re-nato/FHC/FMI Banco Mundial.

O programa desdobra-se emduas linhas básicas: uma reconheci-da como “Programa de Moderniza-ção e Qualificação do Ensino Supe-rior24” e, outra como “Programa de-nominado inicialmente de Incentivoà Docência” (PID) e posteriormentedesdobrados e denominados de“Gratificação de Estimulo à Docên-cia” (GED Lei 9.678 de 3 de julho de1998) e Gratificação de Incentivo aDocência (GID MP 2.020-1 de25/04/2000, Art. 1º, do §2º, em fasede regulamentação)25.

A GED é uma gratificação porprodutividade fortemente rechaçadapelo Movimento Docente, concedi-da a partir da avaliação do desem-penho docente. Tal mecanismo in-tensificou a excessiva ampliação dacarga horária dos professores para oensino exclusivamente, contrariandoo principio da indissociabilidade en-tre ensino-pesquisa e extensão. En-quanto gratificação, a GED pode serdiminuída, substituída ou até elimi-nada, de acordo com a Lei de Res-ponsabilidade Fiscal (LRF), a conjun-tura e as crises econômicas que vi-vem os países da América do Sul. Ocaso da Argentina é típico.26

Dentro deste contexto as Dire-trizes Curriculares Gerais para a Gra-duação correspondem ao que sãoos Parâmetros Curriculares Nacio-nais para a Educação Básica.27 Sãoorientações do governo, emanadasdo Ministério da Educação, visandodirecionar o processo de formaçãohumana do Projeto de Escola-rização do Sistema Nacional de Edu-cação, ou seja, representam a dire-ção e a centralização da orienta-ção curricular sob os auspícios doEstado.

O documento Convite Público -chamada de propostas, emitidapelo Ministério da Educação e Des-porto, em 10 de novembro de 1997,estabelecia o prazo de 02 de marçode 1998 para o envio de propostas,ou seja, quatro meses.

A definição de diretrizes está vin-culada ao processo de renovaçãodas autorizações e de reconheci-mento dos cursos assim como àavaliação institucional, notadamenteno âmbito do PAIUB - Programa deAvaliação Institucional das Universi-dades Brasileiras. A Portaria Ministe-rial nº 1.985, de 10 de setembro de2001, estabelece critérios e procedi-mentos para suspensão do reconhe-

cimento e a desativação de cursosde graduação e dispõe sobre a sus-pensão temporária de prerrogativasde autonomia de universidades ecentros universitários do sistema fe-deral de ensino. A suspensão e de-sativação estão baseadas nas siste-máticas de avaliação implementa-das pelo MEC. Ou seja, o preceitoconstitucional do Artigo 207, daConstituição Brasileira, pode ser sus-penso a partir da avaliação dos orga-nismos do MEC.

O documento do MEC que orien-ta as Diretrizes para a Graduação,sob o título de Informações básicasespecifica e esclarece tópicos, refe-rentes: 1) ao perfil desejado doformando (visando garantir flexibili-dade; 2) às competências e habili-dades desejadas (visando adaptare integrar o perfil profissional às exi-gências da sociedade, nitidamentedividida em classes sociais antagoni-cas; 3) aos conteúdos obrigatórios(definindo 50% de conteúdos co-muns obrigatórios; 4) à duraçãodos cursos ( tendendo à redução dotempo de formação.

As exigências de definição e apli-cação de Diretrizes Gerais nos Cur-rículos de Graduação (que significarever/reformar projetos acadêmicos(decorrem segundo o MEC:

a) Do Novo Ordenamento Legalestabelecido pela LDB28 (Lei 9.394/96Artigo 53, Inciso II, que se coadunacom o disposto na Lei nº 9.131, de15/11/95, com o disposto no De-creto 2.026, de 10/10/96 e o Artigo14, do Decreto 2.306 de 19/08/97).

b) Da necessidade de sintonizara Universidade com uma Nova Or-dem Mundial, de modo a adaptardiferentes perfis profissionais àscontínuas transformações do merca-do de trabalho, que se transformarámais rapidamente no próximo milê-

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nio, visando à adaptação dos profis-sionais graduados aos novos para-digmas da sociedade moderna29 ( oParadigma Científico-Tecnológicopara enfrentar o desafio do cenáriomundial, que se caracteriza pelo usode novas tecnologias, pelo processode globalização, de transformaçãoda geopolítica mundial com o surgi-mento dos grandes blocos regionaise a falência do comunismo. Urgeadequar os cursos a esta situação.30

Ao analisarmos as Políticas Edu-cacionais implementadas no Brasilna década de 80 e 90 reconhece-mos como determinações:

a) os ajustes estruturais ( reestru-turação tecnológica e produtiva, es-tratégias do processo de reestrutura-ção neoliberal) impostos aos de-mais países, que reduzem a lógicados direitos sociais à racionalidade eà cultura do universo econômico, àlógica do mercado, (pela manuten-ção de taxas de lucro e da proprie-dade privada;

b) as exigências estabelecidaspelas agências financiadoras como oBanco Mundial, na definição de polí-ticas educacionais no Brasil. (El de-sarrollo en la practica: la enseñan-za superior de las lecciones deri-vadas de la experiencia);

c) a submissão das políticas dogoverno brasileiro a lógica, aos dita-mes e acordos com as agências fi-nanciadoras internacionais. Alémdas orientações dos acordos são ne-cessários os formuladores nas diver-sas instancias do governo e os im-plementadores das formulações,por dentro do sistema educacional.

Segundo Torres (1996), o BancoMundial não apresenta idéias isola-das, mas uma proposta articulada,uma ideologia e um pacote de me-

didas e reformas, propostas aos paí-ses em desenvolvimento que abran-ge um amplo conjunto de aspectosvinculados à educação, das macro-políticas até a sala de aula.

Para Tommasi, Warde e Haddad(1996), estas políticas declaram oobjetivo de elevação da qualidadedo ensino, enquanto implementama redução dos gastos públicos para aeducação e mantêm-se indiferente àcarreira e ao salário do magistério.

Os parâmetros desse assalto serevelam quando comparamos osprocessos em andamento. De umlado, a proposta neoliberal do go-verno (Edital 04/97, Of. Circular019/98, GAB/SESu/MEC, de quatrode março de 1998), de outro, osprocessos anteriores de luta da so-ciedade brasileira pela Universidadepública, gratuita e de qualidade, so-cialmente referenciada preservadosna memória das entidades sociaiscomo o ANDES-SN, ANPEd, ANFOP,CBCE, ABESS31 e outras.32

Levantando dados junto a Asso-ciações envolvidas na elaboração dePropostas Básicas para Projetos deFormação Profissional, constatamosa necessidade de um tempo peda-gógico e político em torno de três adez anos. Por exemplo: a AssociaçãoBrasileira de Ensino em Serviço So-cial (ABESS) elaborou uma Propos-ta Básica para o Projeto de For-mação Profissional, submetida àComissão de Especialistas em Ser-viço Social da SESu/MEC. Tal pro-posta decorreu de grande mobiliza-ção, envolvendo setenta e duas Uni-dades de Ensino de Serviço Socialexaustivos debates em uma série deeventos (duzentas oficinas locais,vinte e cinco oficinas regionais e du-as nacionais), criando condições pa-ra a participação das unidades deensino na elaboração das novas di-retrizes, aprovadas em assembléia

com a participação de 80% das uni-dades de ensino. Isto ocorreu no pe-ríodo de 1994 a 1996, ou seja, trêsanos e não quatro meses como pre-tendia a SESu/MEC.33

Para chegar a formulação da Re-solução 003/87( CFE, que reorde-nou a formação do profissional deEducação Física, por exemplo, cons-tatamos aproximadamente dez anosde debates dos profissionais da área(1979 a 1987). Mesmo assim, seto-res foram excluídos de participar eprevaleceram, hegemonicamente,as concepções sustentadas pelasUniversidades do Sudeste e Sul doBrasil, notadamente da USP e da As-sociação de Diretores das Faculda-des de Educação Física de São Pau-lo34. Atualmente discutem -se nova-mente as Diretrizes para a forma-ção, agora sob os auspícios do CNE- Comissão de Especialistas do MECe o CONFEF - Conselho Nacional deEducação Física35, que organiza asposições nas regionais, envolvendodiretores de escolas, para assegurarinteresses corporativistas. Tais arti-culações e posições estão sendoquestionadas pelo Movimento Na-cional Contra a regulamentação daProfissão.

Tendo como referência, portanto,o que pode ser detectado em docu-mentos já elaborados, destacamos21 tópicos para aprofundar análisescomparativas e reconhecermos asprofundas e radicais diferenças en-tre as propostas do governo e seusaliados/formuladores e, as propos-tas da sociedade brasileira organiza-da em torno dos interesses da clas-se trabalhadora.

Apresentamos, a seguir, os tópi-cos abstraídos de documentos, quepermitem reconhecer o embate deprojetos antagônicos, pela conside-ração dos conteúdos confrontacio-nais que se tencionam e imprime

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direções a formação humana. Vamostratar dos antagonismos para identi-ficar as contradições e assim visuali-zarmos elementos superadores.

1) Fundamentação filosófica:na proposta do Governo o enfoqueé no perfil, na competência, nas ha-bilidades, no individualismo, naadaptação ao mercado de trabalhoversus “objetivos-avaliação da for-mação humana, profissional, combase nas necessidades da sociedadede transformações sociais, no mun-do do trabalho”.36

2) Referências éticas (móvel daconduta humana e profissional): ocapital, o mercado mundializado, aglobalização da economia versus “aluta histórica da classe trabalhadora,pela emancipação econômica, sociale cultural de classes”;

3) Primado: da técnica, propos-tas neotecnisistas carcaterizadas pe-la sofisticação tecnológica, da utiliza-ção dos materiais instrucionais, dospacotes instrucionais, dos kits versusdo conhecimento e saber socialmen-te produzidos e socializados, em pro-cessos interativos, produtivos, dialó-gicos, considerando em primeiro lu-gar o ser humano;

4) Justificativa: sintonizar a Uni-versidade com uma Nova OrdemMundial, sintonia com paradigmasdo mundo moderno, científico-tec-nológico versus sintonia com as rei-vindicações e aspirações das amplasmassas, pelas transformações soci-ais do modo de produção capitalistana perspectiva da construção do so-cialismo;

5) Idéia de currículo: centraliza-do pelos parâmetros e diretrizes,sustentando modalidades de avalia-ção (Provão, SAEB, ENEN) e, propo-sições para substituir grades e currí-culo mínimo versus “currículo espi-ralado com base no padrão unitário

de qualidade que assegure umaprodução cultural e científica verda-deiramente criadora e conforme asreivindicações e aspirações da maio-ria da sociedade brasileira”;

6) Organização do conheci-mento: a organização do conheci-mento em disciplinas, com ênfasena transmissão, com o uso de tecno-logias informacionais versus “produ-ção e organização do conhecimentode forma espiralada, em ciclos, comcritérios relacionados à relevânciasocial”;

7) Meios de ensinar e materiaisdidáticos: colocados como substitu-to do trabalho docente e baratea-mento do ensino versus processosinterativos e produtivos onde os me-ios de produção do ensino e mate-riais didáticos são dominados portodos os participantes;

8) Concepção de formação: aformação propedêutica/etapista, emcursos seqüenciais, o aligeiramentona formação versus “a formação in-tegralizadora, inicial e continuada,totalizante, de conjunto e com apro-fundamento, como uma consistentebase teórica”.

9) Participação docente: os in-centivos à docência através de bol-sas e produtividade atrelada a lógicadas tarefas e da terceirização do tra-balho docente, com retirada de di-reitos e conquistas trabalhistas ver-

sus “gestão democrática, valorizadapor reajustes salariais dignos, Planosde Carreira e Política de CapacitaçãoDocente, condições objetivas de tra-balho adequadas”;

10) Concepção de aprendiza-gem: a idéia do aluno como atorprincipal, construtor e as novas tec-nologias como elemento revolucio-nário do processo versus “o aluno eo professor como produtores consu-midores e socializadores do conhe-cimento científico de relevância so-cial para todos, dominando meiosde produção e circulação democráti-ca do saber”;

11) Compreensão da indisso-ciabilidade ensino-pesquisa-ex-tensão: impossível para a universi-dade, mas possível no aluno versus“indissociabilidade enquanto princí-pio da organização do trabalho pe-dagógico e de modelo de universi-dade”;

12) Concepção de currículo:por disciplinas, extensivo versus“currículo problematizado, intensivo,com base em projetos, pesquisasmatriciais, com abordagens qualita-tivas, pesquisa-ação, pesquisa-parti-cipante”;

13) Concepção de reforma cur-ricular: revisão da estrutura e da na-tureza do currículo versus “altera-ções significativas na organização doprocesso de trabalho pedagógico enas relações de poder e comunica-ção”;

14) Visão de formação: divisãoentre formação acadêmica e forma-ção profissional, entre bacharéis e li-cenciandos, entre pesquisadores eaplicadores, com universidades deensino, de pesquisa e de exten-são/serviços versus formação inte-gral, sólida base teórica, forjada nasatividades de ensino-pesquisa e ex-tensão, para intervenções nos cam-pos de trabalho a serem expandi-

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dos, pela ampliação do poder aqui-sitivo, distribuição de renda e, pordireitos assegurados;

15) Formação de professores:formação pedagógica imediatista,treinar habilidades desejáveis emcurto prazo, em Centros fora das Uni-versidades versus formação na uni-versidade, com tempo pedagógicoadequado, em condições de traba-lho apropriadas para uma sólida for-mação incial.

16) Concepção de perfil profis-sional: formação por perfil deseja-do, acadêmico e profissional, dicoto-mizado, com base em competênciase habilidades ligadas ao mercado detrabalho versus “formação por obje-tivos-avaliação relacionados a ne-cessidades históricas, à relevânciasocial, ao mundo do trabalho capita-lista e à perspectiva de sua supera-ção, de acordo com interesses hu-manizantes da sociedade brasileira”;

17) Núcleo obrigatório: ( defini-ção de percentual máximo comumobrigatório de 50% versus “referên-cia no padrão nacional de qualidadee relevância social”;

18) Tempo de integralizaçãocurricular: redução do tempo deformação versus “ampliação daoferta para integralização da forma-ção inicial e continuada, com quali-dade social e com recursos/investi-mentos adequados”;

19) Compreensão de formaçãocrítica: compreensão de espírito crí-tico restrito a dar e receber crítica(consciência intransitiva versus “crí-tica) como práxis social transforma-dora, implicando consciência transi-tiva crítica”;

20) Concepção de inovação:proposta inovadora/reforma37 ver-sus “proposta reconceptualizado-ra/alteração no processo de traba-lho pedagógico” ·;

21) Processo de reformas: pro-

cesso orientado por comissõesSESu/MEC (Especialistas) e dentrodas IES (direções/burocracia), moni-toradas por agencias financeiras in-ternacionais versus “ampla partici-pação, no tempo pedagógico e polí-tico necessário para democratizar ex-periências e envolver amplas parce-las de interessados nas reconcep-tualizações curriculares”;

22) Novo ordenamento legal:aceitação, sem críticas, da nova LDBe do Plano Nacional de Educação,bem como de todas as medidas de-correntes da legislação versus “críti-cas/revogação da nova LDB e defe-sa de Planos da Sociedade Civil” ·;

23) Custos: estão sendo previs-tos recursos para comissões realiza-rem o trabalho de elaboração de di-retrizes para responder a prazos fixa-dos por agências financiadoras inter-nacionais versus “processo cientificopermanente instituído nas IES, pelavia da avaliação curricular qualitativae baseada na valorização do magis-tério superior”;

24) Modelos e padrões de re-ferência para o trabalho docente:modernização,super exploração, uni-versidade de serviço, docência epesquisa de resultados, privatizantee terceirizado versus “trabalho autô-nomo e autonomia criadora, dimen-são pública da pesquisa, tanto nasua realização quanto na destinaçãode resultados·”.

25) Avaliação: centralizada, uni-ficada (Provão, SAEB, ENEM)

26) Atuação do Estado: maximi-zado no controle pedagógico e degestão através de contratos de de-senvolvimento institucional (organi-zações sociais), minimizado no fi-nanciamento. Perspectiva de contro-le, pelas diretrizes e parâmetros,apropriação simplista de tecnologiase expropriação do trabalho docente,minimizado na intervenção social e

substituído por parcerias e organiza-ções sociais versus Estado compre-endido e situado históricamente e,portanto, ordenador do poder eco-nômico, político, militar, ideológicoe cultural.

Este paralelo inicial indica umacontradição para a classe trabalha-dora. Sua formação está sob os aus-pícios de Diretrizes, centralizadorase orientadas ideologicamente peloEstado Capitalista que desqualificama formação emacipatória, desaliena-dora. Indica também que existemproposições que foram construídasem coletivos de pesquisadores e en-tidades da sociedade civil que apre-sentam elementos para a reconcep-tualização curricular enquanto alter-nativas estratégicas.

Tais possibilidades estratégicasvão além de meras inovações curri-culares, pela via de diretrizes orien-tadas pelo Estado burguês que, naessência, não alteram os pilares docurrículo, a saber: o processo de tra-balho pedagógico e as relações depoder. Não cabe ao Governo orde-nar a formação do povo sob os aus-pícios da lógica do Estado burguês,capitalista.

Impõe-se, portanto, como impe-rativo da consciência histórica daclasse trabalhadora, lutar contra aingerência do Governo na constru-ção de diretrizes. Cabe sim ao Esta-do, garantir o financiamento paraque, com autonomia científica e pe-dagógica, com base em processoscoletivos internos, democráticos,com ampla participação e represen-tação, construam-se eixos comunsnacionais, norteadores da formaçãoacadêmica, inicial e continuada, cujoreferencial é o padrão unitário dequalidade. Referencial construído aolongo de décadas pelas entidadesque se articulam em defesa da edu-

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cação pública no Brasil.O Processo de definição de dire-

trizes curriculares, sob os auspíciosda política do MEC38, apresenta-secom características de “assalto àsconsciências e amoldamento subje-tivo”. É um arranhão que levará agranguena.

É imperativo da luta de classesconstruir outra proposta veiculadaaos interesses e necessidades hu-manas e de humanização, relaciona-dos à classe trabalhadora.

IV. A reconceptualização docorrículo

A filosofia da práxis (Vázques,1977) ou filosofia marxista informa,do ponto de vista filosófico, episte-mológico e de projeto de sociedade,a direção a ser assumida na forma-ção humana, cujos indicadores me-todológicos centrais são a unidadeentre teoria-prática, a criatividade, areflexão crítica superadora e o traba-lho como principio educativo.

Urge, portanto, reconhecermos oque são as reivindicações e as possi-bilidades de definição de diretrizespara a graduação e de reconceptua-lização do currículo na perspectivada filosofia da práxis. Neste sentido,reconhecemos indicadores prelimi-nares e básicos para a formação quesão:

a) sólidas e consistentes condi-ções objetivas para o trabalho peda-gógico, implicando isto em valoriza-ção da carreira, e com salários dig-nos;

b) reconceptualização do currícu-lo pela reconceptulização da Práticado processo de trabalho pedagógi-co, que implica na formação conti-nuada de professores das IES naperspectiva de novas relações detrabalho pedagógico na produçãodo conhecimento para a formação

acadêmica consistente e socialmen-te relevante e na consideração doPlano de Carreira e Política de Capa-citação Docente39;

c) valorização do trabalho peda-gógico como essencial. A valorizaçãoda profissionalização, do exercíciodo magistério superior, reconhecen-do-se como essência, historicamen-te construída, da intervenção profis-sional, o ato pedagógico no tratocom conhecimentos científicos quedão direção ao processo de forma-ção humana;

d) sólida formação teórica combase no trabalho de pesquisa;

e) construção teórica das áreascomo e com categorias da práxis so-cial;

f) pesquisa como forma de co-nhecimento e intervenção na reali-dade contraditória e complexa;

g) trabalho partilhado/coletivona construção do conhecimento in-terveniente;

h) trabalho interdisciplinar, cons-truído na base de novas relações deprodução;

i) formas de relação/unidadeteoria-prática, na base do trato como conhecimento, na produção doconhecimento;

j) relações entre professores/alunos de responsabilidades mútuasentre os produtores/construtores de

conhecimentos e da realidade;k) trabalho como princípio na

concepção de formação inicial econtinuada;

l) superação da divisão e frag-mentação nas habilitações, entreformação acadêmica e profissional;

m) auto-organização do coletivo,para a autonomia, criatividade, res-ponsabilidade social.

n) perspectiva de horizonte his-tórico a sociedade socialista.

Os indicadores aqui levantadosestão referenciados nas deman-das/necessidades40 sociais tradicio-nais, emergentes, imediatas, media-tas e históricas para as intervençõesprofissionais, a luz do projeto histó-rico anticapitalista.

Considerando que “a ciência nãoé apenas um produto da razão, masum produto da sociedade, que nas-ce das necessidades da produçãomaterial” (Tsygankov 1987:8), noscabe agora resistir, lutar, produzir,com posição ideológica clara, o quese expressa em uma vontade coleti-va, por uma orientação histórica pre-sente na classe trabalhadora. Quan-to menos resistências, mais avan-çam as políticas neoliberais. A resis-tência é legítima, pois, expressa avontade coletiva, construída histori-camente pela classe trabalhadora.

V. A resistência ativaA América Latina vem, tradicio-

nalmente, sustentando lutas. Segun-do Perry Anderson são valores, idéi-as e exemplos que inspiram alterna-tivas à dominação imperialista. É fac-tível e frutífera a consciência ativados repertórios regionais do qual fa-zem parte Tiradentes, Tupac Amaru,Zumbi, Marti, Mariátegui, Zapata,Chico Mendes, o MST e o EZLN, en-tre outros.

A grande referência histórica pa-

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ra orientar a prática pedagógica, aprodução do conhecimento, a for-mação humana e a intervençãoem políticas públicas são as reivin-dicações e necessidades históricasdo povo brasileiro, por condiçõesobjetivas de existência humana dig-nas, por liberdade, democracia, cida-dania, eqüidade e justiça social.41

Os dados da realidade atualizamos conteúdos históricos da luta declasses.42 A tarefa estratégica é en-trar nas lutas cotidianas, para en-contrar pontos de apoio entre umsistema de reivindicações que partadas atuais condições objetivas econduza a conquista no plano daformação humana, o que significapoder definir a direção das políticaspúblicas, do projeto de escolariza-ção, do projeto político-pedagógicoda instituição e da orientação clara eprecisa da prática pedagógica.

A tarefa não é reformar ou hu-manizar o capitalismo, modernizá-loou adaptar a formação aos novosparadigmas científico-tecnológicos.Isto a histórica luta de classes já pro-vou ser impossível.

O que se exige é a atenção à táti-ca, mesmo as pequenas e parciais.O movimento revolucionário defen-de incansavelmente os direitos de-mocráticos dos trabalhadores e suasconquistas sociais.

Não podemos esquecer as liçõeshistóricas da luta dos trabalhadorespelas suas reivindicações. “Educa-ção do povo a cargo do Estado éabsolutamente inaceitável. Umacoisa é determinar, por meio deuma lei geral, os recursos... e outra,completamente diferente, é nomearo Estado o educador do povo. Con-trariamente, o que se há de fazer ésubtrair a educação a toda e qual-quer influência por parte do governo(...) É o Estado que necessita receberdo povo uma Educação severa”

(Marx, 1975:55).A defesa do Projeto ético-político

ante a crise de decomposição domodo capitalista de organizar a vidaexige dominar a política, estabelecerrelações de confronto com o poderconstituído, antecipação de formula-ção e respostas às propostas instituí-das.

Docentes, estudantes e técnico-administrativos brasileiros estão re-sistindo à “ofensiva neoliberal”43,através de ações acadêmicas, cientí-ficas e políticas. Urge lutar contra o“assalto às consciências e o amolda-mento subjetivo” pela via de Dire-trizes Curriculares para os Cursos deGraduação, sob os auspícios da Po-lítica do Governo para a EducaçãoSuperior. Esta Política que compro-mete o futuro do Brasil como naçãosoberana deve ser contida. Urge re-colocar a discussão da viabilidadedo projeto socialista como horizontehistórico para a formação humanadas novas gerações.

As Diretrizes sob os auspícios daideologia do MEC são mais um arra-nhão que pode levar a gangrena. Asociedade civil organizada em tornoda defesa da educação pública, lai-ca, de qualidade socialmente refe-renciada no Brasil tem alternativasde diretrizes construídas sob os aus-pícios dos interesses da classe traba-lhadora.

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1 Professora Drª Titular Departamento III FA-CED/UFBA. E-mail [email protected] Fone Tra-balho (071) 247 18 22 FAX (071) 235 22 28

2 Texto elaborado a partir da pesquisa “Prá-tica Pedagógica, Produção do conhecimen-to e Formação Acadêmica”. Programa dePós-Graduação em Educação FACED/UFBVA.

3 O neoliberalismo, segundo TEIXEIRA, 1996,p. 42, é uma reposição dos princípios filo-sóficos do liberalismo.

4 O Bloco capitalista, controlado pelos Esta-dos Unidos, seguindo os ditames da Con-ferência de Bretton Woods (ocorrida em1944 com a presença de 44 países), cons-truiu um novo sistema de instituições inter-nacionais, estabelecendo regras de compe-titividade econômica, liberalizando e inten-sificando o comércio internacional. Nestesistema, o Banco Mundial tem a função dereconstruir economias capitalistas, o FundoMonetário Internacional (FMI), para moni-torar desequilíbrios cambiais e monetáriosdos Estados capitalistas e o General Agre-ement on Tariffs and Trade (GATT), para ad-ministrar o Acordo Geral sobre Tarifas Adu-aneiras e Comércio (ver mais In: Soares,1997). O Consenso de Washington (1989)diz respeito à submissão do conjunto daseconomias à batuta de Washington/EUA(significa a política do Big Stick (a Américapara os Americanos). São políticas que seinscrevem num modelo de integração eco-nômica baseado numa estratégia de políti-ca multinacional, segundo a qual o “livrecomércio” equivale à liberdade de explora-ção máxima, pela via da desregulamenta-ção e da flexibilização. Significa ainda adestruição da política do Welfare State quepossibilitou crescimento econômico atrela-do à relativa eficácia na concretização dedireitos sociais.

5 G7 + 1 é a denominação corrente utilizadapara designar as sete grandes potências in-dustrializadas, das quais constam EstadosUnidos, Inglaterra, França, Alemanha, Ja-pão, Itália, Canadá e, recentemente a Rús-sia, reconhecida pelas possibilidades ex-pansionistas do mercado capitalista.

6 Encontra-se tramitando no Congresso umProjeto de Lei nº 4.177-98, pela Revogaçãodo Programa Nacional de Desestatização(PND-Lei 9.491/97), de autoria do Depu-tado Federal (PT/SP) Luiz Eduardo Gree-nhalgh.

7 Os acordos internacionais vem sendo com-batidos pela classe trabalhadora. Sãoexemplos a Conferência Hemisférica con-tra os Tratados de Livre Comércio e as Pri-vatizações, ocorrida em São Francisco, Ca-lifórnia, 14 a 16 de novembro de 1997 e aReunião Internacional Contra o Mercosul e

a Alca. Porto Alegre, 20 e 21 de setembrode 1997.

8 9 Nos dias 18 e 19 de abril/98 aconteceu em

Santiago do Chile, a 2º Reunião de Cúpuladas Américas, com a presença de 34 che-fes de Estado do continente, para dar con-tinuidade ao processo de discussão daconstituição da ALCA ( Associação de LivreComércio das Américas. Segundo JúlioMiragaya ( Analista Econômico da CEDE-PLAN e Presidente do Sindicato dos econo-mistas do DF (, trata-se de uma articulaçãoenvolvendo os distintos interesses econô-micos nacionais e que resultará em expres-siva repercussão nas respectivas econo-mias, assim como nas condições de vidados povos das Américas. A ALCA é a res-posta Americana à ofensiva dos alemãesna Europa (Tratado de Maastrich ( UniãoEuropéia) e japoneses na Ásia (Coopera-ção Econômica Ásia-Pacífico ( APEC), As-sociação de 13 países Asiáticos e ainda,México, Canadá, Chile e EUA. Seu objetivoe estender o mercado criado inicialmentepelo North American Free Trade Associa-tion· (NAFTA) que engloba EUA, México eCanadá, até a Patagônia. Isto significa so-mente na América Latina um PIB global de2,73 trilhões de dólares, equivalente ao PIBda China ou 2,5 vezes superior ao PIB dosTigres Asiáticos (Coréia do Sul, Taiwan,Hong Kong e Cingapura). A América Latinaconta com uma população aproximada de500 milhões de pessoas. Nestes acordosnão são discutidas as Cartas Sociais, queestabelecem a manutenção e avanços nosdireitos sociais dos trabalhadores.

10 Tais declarações foram prestadas pelo Em-baixador dos Estados Unidos no Brasil àépoca - Melvin Levitsky. Para o Embaixadoro intercâmbio deverá assegurar o acessoaos instrumentos para a prosperidade eco-nômica do século XXI. O recente caso dacompra de equipamentos da área da infor-mática, de uma empresa Americana, paraserem instalados em escolas Brasileirasdeixa isto evidente.

11 Segundo Coggiolla (1998), a política deprivatização equivale, para nós, à destrui-ção de toda e qualquer pesquisa... Estamosdiante de uma ofensiva de destruição doensino superior.

12 BANCO INTERNACIONAL DE RECONS-TRUCCIÓN Y FOMENTO/BANCO MUNDIAL.EL DESAROLLO EN LA PRACTICA. La ense-ñanza superior: las lecciones derivadas de laexperiencia. Spanish, 1994, ISBN 0-8213-2773-9.

13 O Programa de Avaliação Institucional dasUniversidades Brasileiras ( PAIUB ( foi cria-do pela Secretaria de Educação Superior

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do Ministério da Educação e do Desporto.Em Dezembro de 1993, a SESu/MEC lan-çou o edital convidando as Universidadesinteressadas a apresentar projetos para operíodo de 94/95. Ao todo foram aproxi-madamente sessenta universidades comprojetos. Sua promulgação na forma deDecreto Lei nº 2.026 de 10 de outubro de1996 que “Estabelece procedimentos parao processo de avaliação dos cursos e insti-tuições de ensino superior”. O Decreto assi-nado pelo Presidente Fernando HenriqueCardoso e subscrito pelo Ministro da Edu-cação Paulo Renato Sousa prevê procedi-mentos para análise do desempenho glo-bal do Sistema Nacional e desempenho In-dividual das instituições, compreendendotodas as modalidades de ensino, pesquisa,extensão. Os indicadores de desempenhoserão levantados pela Secretaria de Ava-liação e Informação Educacional (SEDIAE).O decreto prevê que a avaliação individualdas instituições será conduzida por comis-são externa à instituição e será designadapela Secretaria de Ensino Superior (SESu) edeverá considerar os seguintes aspectos: a)administração geral; b) administração aca-dêmica; c) integração social; d) produçãocientífica, avaliação da produtividade emrelação à disponibilidade e qualificação do-cente. A Comissão externa levará em conta,entre outros indicadores, a auto-avaliaçãoda instituição/curso e os resultados dosexames nacionais.

14 A respeito da PEC 370(A/96 a direçãonacional do ANDES/SN apresentou, emmarço de 1997, um texto com detalhes dasConseqüências da PEC 370(A/96 sobre aAutonomia Universitária.

15 O movimento grevista nas IFES/98 (do-centes, estudantes e técnico-administrati-vo), com amplo apoio popular e parlamen-tar, veio rejeitando as políticas do governoe suas iniciativas, mas foi surpreendido pornegociações espúrias realizadas pela dire-ção do ANDES-SN Gestão 1998-2000, jun-to aos setores do governo (ACM), quebran-do a democracia interna, a autonomia evontade política das bases do Movimento,ao aceitar a famigerada GED (Gratificaçãode Estimulo a Docência) que excluiu apo-sentados, professores de 1º e 2º graus,além de introduzir violento mecanismo deexploração, competitividade e produtivida-de no ensino superior.16 O que mencionamos encontra-se nodocumento “Por uma nova universidade”.Brasília, MEC ( 16/12/96.

17 Podemos ver mais sobre NecessidadesEducacionais In: SOUZA, J. F. Os desafiosEducacionais no Nordeste e a responsabili-dade dos Centros de Educação e suas

Universidades Públicas. Cadernos do Cen-tro de Educação. Ano 1, março, 1997.

18 Segundo o Parecer da Comissão Especialdestinada a apreciar a Proposta deEmenda à Constituição nº 370/96, essa re-presenta um desdobramento da Propostade Emenda Constitucional nº 233-A de1995, que “modifica o artigo 34 e o capitu-lo III Seção I da Constituição Federal e oartigo 60 do Ato das Disposições Consti-tucionais Transitórias”. A PEC 233-A remetiaà Lei Ordinária a regulamentação da auto-nomia universitária, pela adição da expres-são “na forma da lei” ao Caput do Artigo207 do Texto Constitucional. A PEC 233-Aabordava dois aspectos: um relativo à au-tonomia universitária e outro relativo àabertura de nova fonte de receita para asuniversidades públicas, permitindo a co-brança de mensalidades. Por necessidadede aprofundamento recomendou-se a tra-mitação independente do item AutonomiaUniversitária. Com nova proposição trami-tou como nº 370/96 tendo sido criadauma Comissão Especial sob a presidênciada deputada Marisa Serrano. Por necessi-dade de aprofundamento foi apresentadoum substitutivo à proposta de Emenda àConstituição nº 370/96 que passou a tra-mitar com o nº 360-A/96. A questão daautonomia traz a baila questões como mo-delo de educação superior, expansão dosistema, financiamento, controle de quali-dade, avaliação institucional, credencia-mento, gestão, indissociabilidade entre en-sino-pesquisa-extensão, entre outros. Onovo texto, a PEC 370-96, foi no sentido desuprimir a expressão “na forma da lei” poisque, uma vez disciplinada por lei ordinária,a autonomia pode ser modificada porqualquer lei ordinária, perdendo a prote-ção do texto Constitucional (“desconstitu-cionalização” da autonomia).

19 Das 451 propostas candidatas no primei-ro edital lançado, apenas 77 foram con-templadas, o que corresponde a 17,1% deaprovação. 374 ficaram fora. Das contem-pladas 80,5% concentram-se na região Su-deste (São Paulo, Minas Gerais, Rio deJaneiro, Espírito Santo) e 16,9 % na regiãoSul (Paraná três projetos, Santa Catarina,dois projetos, Rio Grande do Sul, treze Pro-jetos). As regiões Norte e Centro-Oestenão tiveram nenhum projeto aprovado, oNordeste somente dois. Ver mais In: JornalAdunicamp. Publicação da Associação dosDocentes da Unicamp. São Paulo: Aduni-camp, ano XV, setembro, 1997.

20 Ver mais a respeito de base de competên-cia In: Schartz (1998). Gilson. Tecnologiaainda pode salvar os japoneses. Folha deSão Paulo. Tendências Internacionais, 2-Di-

nehiro, Domingo, 5 de abril de 1998.21 Em entrevista concedida a Folha de São

Paulo, em 21/10/01, o Ministro de Estadoda Educação do Brasil, Sr. Paulo Renato,mais uma vez, decreta a morte das Institui-ções federais de Ensino.

22 O Movimento Docente vem formulandocriticas ao projeto Interveniente do BancoMundial. Ver mais In: FIGUEIRAS, L. & DRU-CK, Graça. O Projeto do banco Mundial, OGoverno de FHC e a privatização das uni-versidades federais. Plural. Revista da As-sociação dos Docentes da UFSC-Ssind., V.6, nº 9, p. 15-27, jan/jun, 1997.

23 Oficio Circular nº 019/98-GAB/SESu/MECde 04 de março de 1998, informando so-bre dotação de bolsas de incentivo associa-das à dedicação e à avaliação da contribui-ção dos docentes para a melhoria do ensi-no da graduação.

24 Verificar a crítica sobre modernização teci-da por CHAUÍ, M. Em torno da universida-de de resultados e de serviço. Revista daUSP, São Paulo, (25):54-61, março/maio,1995.

25 Existem na Base do ANDES-S/N e da SI-NASEFE 82 Instituições Federais que aten-dem à Educação Básica - Colégios de Apli-cação (16), CEFET (16), Colégio Pedro II,Escolas Técnicas (06) e Agrotécnicas (48)que cumprem importante papel no siste-ma educacional brasileiro.

26 O Movimento Docente reivindica sua in-corporação ao salário básico, pelo máxi-mo da pontuação, de forma linear, semdiscriminação entre ativos e aposentados( principio da paridade) e os professoresde 1º, 2º e 3º graus (principio da isono-mia).

27 Os PCNs são uma linha de ação estratégi-ca do MEC. Decorrem do âmbito de convê-nios internacionais assinados pelo Brasil,Conferência Mundial de Educação para To-dos, Plano Decenal de Educação para To-dos, estabelecido entre os nove paísesmais populosos do mundo e com menoresíndices de produtividade em suas estrutu-ras educacionais. Tais convênios desdo-bram-se no Brasil no Acordo Nacional deEducação para Todos e nos Planos Dece-nais de Educação, dos Estados, que intro-duz o MEC como formulador de diretrizescurriculares básicas/mínimas e, por outro,do preceito constitucional (Artigo 210 daConstituição Federal/1988) e, ainda, dasformulações que culminaram na Nova Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional(Lei 9.394/96).

28 Do Novo Ordenamento Legal além da LDB9.394/96 que, vale ressaltar, desrespeita edescumpre preceitos constitucionais, emrelação à autonomia da universidade,

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consta ainda o Plano Nacional de Educa-ção (PNE). Tramitaram duas propostas noCongresso, uma do poder executivo eoutra da Sociedade Brasileira. Prevaleceu aproposta do Governo que recebeu novevetos do próprio presidente da republicados quais, quatro referentes a financiamen-to. Mais informações podem ser encontra-das em Saviani (1997) e, Saviani (1998).

29 Desconsidera-se em tais documentos o“Holocausto Universal” determinado pelaeconomia modernizadora que expurgarámilhões de explorados e excluídos, consi-derados supérfluos no mundo atual. Mais arespeito em Forrester (1997), e ainda, emNunes (1997). Desconsidera-se tambémuma analise mais profunda sobre “a novaordem mundial reconhecida após 11 desetembro de 2001 - a militarização das re-lações sociais.

30 UFPE/PROACAD. Plano Acadêmico atravésdas Diretrizes Curriculares. Proposta emConstrução. Recife, (1997). Tal orientaçãopode ser encontrada ainda: 1) UFPE/PRO-ACAD. Diretrizes Curriculares Gerais: umaquestão acadêmica para os Cursos de Gra-duação. Série Legislação Acadêmica nº 5,Recife, 1998; 2) UFPE/PROACAD. Propostade um Projeto Acadêmico através das Dire-trizes Curriculares. Recife, 1997; 3) UFPE/PROACAD. Fórum Permanente de Desen-volvimento Acadêmico-Diretrizes Curricu-lares Rumo ao Novo Milênio. Relatório, Re-cife, abril, 1998; 4) UFPE/PROACAD. Au-tonomia didático-científica e suas conse-qüências no Sistema de Ensino Superior naótica da nova Lei de Diretrizes e Bases daEducação Brasileira. Recife, 1998; 5) UFPE/PROACAD. Rumo ao Novo Milênio. Pro-grama de Modernização do Sistema de En-sino da Graduação da UFPE. Recife, 1997;6) UFPE/PROACAD. Uma visão geral sobrea Nova LDB e a Nova Reforma Universitária.Série Legislação Acadêmica nº 2 Recife,1997; 7) UFPE/PROACAD. Plano Acadêmi-co através das Diretrizes Curriculares. Pro-posta em construção. Recife, 1997; 8)UFPE/PROACAD. Demanda e acesso parao Ensino Superior e seus desafios. Recife,1998; 9) UFPE/PROACAD. Proposta: cursosseqüências por campos de saber. Recife,setembro 1997.

31 ABESS (Associação Brasileira de Ensinoem Serviço Social. Ver mais a respeito In:SESu/MEC-Parecer às Diretrizes para o Cur-so de Graduação em Serviço Social. Eainda, ABESS/CEDEPSS Proposta Básicapara o Projeto de Formação Profissional(novos subsídios para debate). Recife/se-tembro/96. (mimio.).

32 Para exemplificar, sugerimos o Código deÉtica dos Profissionais de Serviço Social,

aprovado em 14 de março de 1993 peloConselho Federal de Assistentes Sociais(CFAS).

33 Por pressão do Movimento Grevista dasIFES/98, este processo está com o seu pra-zo comprometido.

34 Estas informações poderão ser exatamen-te confrontadas em analises sobre a com-posição da Atual Comissão de Especialistasda SESU/MEC/99 e do Conselho Federalde Profissionais de Educação Físicas. Re-conhecemos aí duas predominâncias: a)das Universidades do Sul e Sudeste, desta-cando-se as paulistas e, b) os envolvidoscom instituições de ensino particulares.

35 O CONFEF vem sendo questionado ecombatido, em suas concepções e praticaspelo Movimento Nacional Contra a Regula-mentação da Profissão. Já existem diversosdocumentos - de pareceres jurídicos a dis-sertações de mestrado - que estabelecemlimites a ação corporativa e autoritária doCONFEF.

36 O Código de Ética dos Profissionais doServiço Social é categórico na Defesa eGarantia dos Direitos Sociais e Políticos dasclasses trabalhadoras, o que se contrapõeàs orientações neoliberais que acentuam aretirada de direitos e conquistas das cons-tituições, normas e leis firmadas após anose anos de lutas.

37 Balazan sustenta a tese de que a inovaçãopedagógica se transformou num novo mo-dismo, inútil e vazio. A palavra de ordem éinovar sem se perguntar em função de quee a serviço de quem. (Balzan, 1980:119-139).

38 O MEC estabeleceu prazos irrisórios paradefinição de Diretrizes Curriculares. O Edi-tal de Convite expedido em 10 de novem-bro/97 estabeleceu como prazo de apre-sentação de propostas para 2 de mar-ço/98, o que equivale a três meses, nosquais (dezembro, janeiro e fevereiro) sãode recesso escolar, festividades natalinas ede final de ano e de férias docentes.

39 Ver mais In: Capítulo II, Do Plano Nacionalde Capacitação Docente (PNCD). Propostado ANDES/SN para a Universidade Brasi-leira. Caderno 2 do ANDES-SN

40 Necessidade é aqui considerada enquan-to uma categoria e representa um grau dodesenvolvimento do conhecimento sociale da prática. A atividade prática mostra aexistência objetiva e real da necessidade.Ver mais In: Cheptulin (1982).

41 No Programa de Transição encontramos as“Premissas Objetivas da Revolução Socia-lista” que hoje são atuais. Trotsky. Progra-ma de Transição. São Paulo: Comissão deFormação, 1995. 55ª Aniversário do assas-sinato de Trotsky e 100º aniversário da

morte de F. Engels”.42 A Opção Brasileira escrita por um coletivo

de autores, entre os quais destacam-se Sa-der, Stédile, Greenhalgh, Bacelar e outros,editado pela Contraponto, Rio de Janei-ro/1998, traz dados atualizados sobre aslutas no Brasil e que opções encontramos,enquanto proposições. Podemos questio-na-las, mas são opções forjadas na luta declasses.

43 Termo cunhado por PAULO NETTO; José.no livro “Crise do socialismo e ofensivaneoliberal”. São Paulo: Cortez, 1995.

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A Universidade Brasileiraestá nos centros dos aconteci-mentos há algum tempo.A mesma se encontra em crisedesde a década de 70,acompanhando pari pasu acrise da sociedade resultantedo modelo capitalista adotado.Aliás, já em 1968, o ensinosuperior foi reformuladoporque a Universidade,segundo a ótica dos governan-tes, não atendia à necessidadesocial. Várias reformas aconte-ceram com ou sem a ajuda dosorganismos internacionais,como o relatório Atcon, queapresenta, a pedido doMinistério da Educação eCultura, propostas de reestru-turação da Universidade.Outros “relatórios” oficiaissurgiram e todos, de forma dire-ta ou não, apontaram para aprivatização da Universidade,para o questionamento da sua“eficiência e eficácia”, para osresultados de sua “produtivida-de”, para a “qualidade” doscursos e dos egressos.

No momento se vive mais ummomento agudo dessa crise, e co-mo a entendemos vinculada à soci-

edade, é preciso que se situe melhoreste contexto, para também identifi-carmos melhor os problemas quehoje vive a Universidade Pública noBrasil.

O cenário mundialO final do século XX, do breve

(Hobsbawn) ou do longo (Kurtz), foio de desmanche de tudo aquilo queparecia sólido (Marx:1997). As alte-rações que se processaram nas so-ciedades, tanto na sua base materialquanto na ideológica, levaram a umquestionamento das crenças e valo-res até então estabelecidos. O mun-do se transformou, se modificou ecomeçou a rejeitar verdades tidascomo eternas.

Esse cenário traduz uma crise docapital que se iniciou na década de1970, significando o esgotamento dealguns modelos econômicos, políti-cos e sociais e a necessidade da cria-ção, do surgimento de outros.

Uma crise pode significar um obs-curecimento de um paradigma, po-dendo o seu término ocorrer com oaparecimento de um outro paradig-ma ou modelo (Kuhn, 1994:116). Umparadigma, pois, pode ser a respostaa um problema ou a não resoluçãode um “quebra cabeça”. Desta forma,

a solução da crise pode representaruma revolução, sem contudo haverum esquecimento completo dos anti-gos padrões que foram, por vezes, asorigens do problema.

Marx (1983) apresenta, nos seusescritos, o fato de o capitalismo gerarsuas próprias crises, como sendo umprocesso inerente à sua natureza.Este estaria marcado pelo caráter cí-clico do processo de desenvolvimen-to, alternando fases de prosperidadecom outras de depressão, represen-tadas por ciclos parciais ou gerais,quando então se apresentariam ascrises, significando estas um colapsode reprodução do sistema.

Assim, pode-se considerar quehouve um “longo ciclo” de expan-são que começa após a SegundaGuerra Mundial e que perdura atéos anos de 1973, quando então seinicia uma nova fase cíclica de pro-blemas que vão caracterizar a atualcrise estrutural do capitalismo.

A partir de então se começa aviver, nos países capitalistas, umprofunda mudança na sua base desustentação, em função de que oregime de acumulação, que vinhasendo financiado pelo fundo públi-co (Frigotto,1995 :62), a partir depolíticas estatais que indicam esse

Olgaíses Maués*

A universidade pública no olho do furacão

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caminho, começa a deixar de dar olucro desejável para o sistema.

O que se apresenta na base dachamada crise estrutural é o esgota-mento de um paradigma de produ-ção conhecido como fordista//key-nesiano (Harvey, 1989: 119) e o sur-gimento de um outro modelo, cria-do a partir do momento em que oanterior não podia mais resolver os“quebra cabeças” (Khun,1994) quese apresentavam. Em tese, apareceuma anomalia.

O fordismo, como expressão deum paradigma industrial (Antunes,2000:25), um processo produtivo,representou, ao longo do século XX,um modo de vida capitalista (Har-vey, 1989, 131), tendo como carac-terísticas fundamentais a produçãoem massa, a linha de montagemcom um controle rígido do tempo edos movimentos, os produtos maishomogêneos, o trabalho parcelar, afragmentação das funções, a sepa-

ração entre o pensar e o executar. O fordismo passou ser mais do

que um processo de trabalho e que,aliado ao keynesianismo, enquantouma forma de abordar as questõespolíticas, sociais e econômicas docapitalismo, pelo prisma do Estadoenquanto promotor do crescimentoe do bem estar material, além de serum regulador da sociedade civil, for-mou a base econômica e política,necessárias para a expansão do ca-pital no pós guerra.

A crise do petróleo e a alta infla-cionária nos países desenvolvidossão algumas das causas que deto-nam o gatilho da crise estrutural ca-pitalista, de que fazem entrar nacena política outros elementos quecontribuíram para uma nova fase deacumulação, denominada de flexível(idem, 140), por se contrapor à rigi-dez do fordismo, devendo se apoiarna flexibilidade dos processos de tra-balho, dos mercados, produtos e pa-

drões de consumo.

A crise e as suas conseqüênciasA partir dos sinais da crise, tem iní-

cio uma reestruturação econômica eum reajustamento social e político(Harvey, 1989: 140), significando o pri-meiro, na prática, um novo paradigmaprodutivo baseado no modelo japo-nês, representado pela flexibilização,trabalho em equipe e um outro mode-lo de regulação social que viesse subs-tituir o keynesianismo, o que represen-ta uma mudança substancial no papeldo Estado (Antunes, 2000:175).

Nesse contexto de reestrutura-ção produtiva, a educação respondeàs exigências do processo de produ-ção, já que “cada estágio de desen-volvimento das forças produtivasgesta um projeto pedagógico quecorresponde às suas demandas deformação de intelectuais, tanto diri-gentes quanto trabalhadores” (Ku-

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enzer, Anais do ENDIPE, 1996). As-sim os modelos pedagógicos sur-gem e se estruturam também a par-tir das mudanças que ocorrem nomundo do trabalho e das relaçõessociais que se estabelecem a partirde tais transformações.

A educação, nesse cenário, pas-sa a ser vista como um investimen-to capaz de permitir a solução dasdificuldades de desemprego pelosquais passam os países ditos emer-gentes. A solução simplificadora/re-dutora apresentada pelos organis-mos internacionais, para a forma-ção de novos quadros, impõe à e-ducação novos desafios.

As reformas educacionais : o ensino superiorPara fazer face às exigências inter-

nacionais, o governo brasileiro iniciauma série de reformas, dentre elas aseducacionais, como uma forma de re-gulação social. Desta forma, as políti-cas educacionais em curso visam ade-quar o sistema educacional ao ajustedo Estado e às mudanças no paradig-ma produtivo, forma de sair da crisedo capital. Isso implica colocar a edu-cação como um dos elementos im-portantes para que o Estado cumpra,nessa ótica, o seu novo papel nosajustes estruturais e fiscais exigidospor aqueles organismos.

Nesse cenário, o Ensino Superiorvem sendo reformado gradativamen-te através de ações pontuais, estraté-gia adotada pelo governo para dimi-nuir os impactos de tais medidas, queem muitos casos têm passado desa-percebidas por aqueles que não vêmacompanhando diretamente o movi-mento empreendido pelo Ministérioda Educação, pelo Conselho Nacionalde Educação e pelo próprio Congres-so Nacional.

Nesse sentido, vale ressaltar aLei 9192/95, que trata da escolha

dos dirigentes das instituições deensino superior; o Decreto 2026/96que trata da avaliação dos cursos edas instituições e a criação do Con-selho Nacional, também regula-mentado através da Lei 9131/95,sem falar na própria LDB, 9394/96.Com a aprovação da Lei de Diretri-zes e Bases da Educação Nacional -LDB, se intensificam novas regula-mentações que vão marcar o cená-rio das políticas sociais para a edu-cação, como o Decreto Lei 2306, deagosto de 1997, que trata da dife-renciação das instituições de ensinosuperior.

O Decreto explicita que competeà Universidade o papel já consagra-do pela Constituição de 1988, art.207, ou seja, o da indissociabilidadeentre ensino, pesquisa e extensão.As demais instituições de ensino su-perior, salvo os Centros Universitários(a quem compete o papel do ensinoe da extensão), deverão desenvolveratividades apenas voltadas para oensino.

A Reforma do Ensino Superiorvem ocorrer como uma das formasde sair da crise do capital, através deum novo paradigma produtivo e deuma nova forma de regulação social,denominada de neoliberalismo.

Como a crise do capital não élocalizada, as soluções também nãoo são. Assim é que se pode encon-trar essas mesmas características demudanças e reestruturações nomundo do trabalho e de políticas

educacionais nos países periféricos,que têm recebido uma assessoriadireta dos organismo multilaterias, afim de que seja feita a reconfigura-ção necessária ao chamado mundoglobalizado.

Catani e Oliveira, (2000:47,8,9),nos quais estarei me baseando paraapontar algumas das característicasdessa reforma, traçam um quadrocomparativo de três instituições inter-nacionais - Banco Mundial, UNESCOe a Comissão Européia, através doRelatório Attalli (Ministro da Educa-ção da França), no que diz respeitoao diagnóstico da crise, aos desafiosque a mesma impõem às institui-ções de ensino superior , os princí-pios e missões que essas devemabraçar e as políticas e estratégiaspara que as mesmas venham cor-responder às exigências de ummundo do trabalho que sofreu pro-fundas transformações.

Algumas das conclusões do diag-nóstico feito foram: crise do finan-ciamento, baixa eficiência do siste-ma, custo-aluno elevado, pressãopara aumentar vagas no ensino su-perior, desequilíbrio de gastos entreeducação básica e ensino superior,pouca flexibilidade às necessidadesdo mercado de trabalho, inadequa-ção do modelo de universidade depesquisa para o mundo em desen-volvimento.

Como proposta de solução, oBanco Mundial indica a diversifica-ção (das fontes de financiamento ) e

o Ensino Superior vem sendo reformado gradativamente através de ações pontuais, estratégia adotada pelo governo para diminuir os impactos de tais medidas, que em muitos casos têm passado desapercebidaspor aqueles que não vêm acompanhando diretamente o movimento empreendido pelo Ministério da Educação.

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a diferenciação (das instituições) dosistema de ensino superior e o Re-latório Atalli sugere que sejam consi-deradas as demandas do processode mundialização da economia demercado, bem como a revolução nasciências e tecnologias e nos vínculoscom o Estado, assim como as liga-ções com as empresas, os modos deaprendizagem dos saberes.

Para o Banco Mundial, o EnsinoSuperior deve ter como missão aeficiência, a qualidade e a eqüida-de. Já a UNESCO vê a pertinência, aqualidade e a internacionalizaçãocomo princípios e o Relatório Attallicoloca a homogeneidade e diversifi-cação do sistema.

Mas é sobretudo no tocante àspolíticas e estratégias que os trêspareceres internacionais se aproxi-mam. A diversificação e a diferen-ciação dos sistemas e das institui-ções é consenso, significando quese deve buscar novas formas de fi-nanciamento, assim como diferen-ciar as instituições, incluindo o de-senvolvimento de instituições priva-das (Catani e Oliveira,2000: 31).

A avaliação é colocada como umapolítica fundamental para o atingi-mento dos objetivos de diferenciaçãoe diversificação. O fortalecimento dosvínculos com o setor produtivo daeconomia e o aumento da concor-rência entre as instituições, além deconceder autonomia gerencial, sãoestratégias propostas pelo BancoMundial e que tem tido ressonância

nos países em desenvolvimento,como é o caso do Brasil. Os resulta-dos desses pareceres provocam des-dobramentos que vão se traduzir emações mais específicas, como é o casodas políticas para as UniversidadesPúblicas.

As universidadesNos últimos tempos, a Universi-

dade Pública brasileira tem sofridoinúmeras tentativas para ser privati-zada, para deixar de se voltada paraos interesses da maioria da popula-ção e passar a atender aos interes-ses do capital, de quem for o pro-prietário e com ela quiser obter lu-cros, pois este é o objetivo de umainstituição particular.

A universidade brasileira tem sofri-do muitos ataques e o governo temfeito toda uma divulgação no sentidode passar para a sociedade uma ima-gem falsa dessa instituição, dizendoque ela é improdutiva, por exemplo,que o problema é o gerenciamentodos recursos, que a relação profes-sor/aluno é uma das mais baixas doplaneta e tantas outras explicações queconfundem a opinião pública e quedesmoralizam a comunidade acadê-mica, composta pelos professores, téc-nico-administrativos e estudantes.

É por isso que hoje se fala emuma universidade sucateada - (nãotem dinheiro para comprar equipa-mentos, livros), numa universidadesitiada, esta expressão é o título deum livro escrito pelo Prof. Luís

Carlos de Menezes (porque tem umcerco político e uma enorme dispu-ta para comprá-la e para tanto épreciso primeiro convencer a popu-lação de que ela está dando prejuí-zos). Uma universidade em ruínastambém é o título de um livro comvários autores, dentre eles, Luís An-tônio Cunha.

Outros adjetivos têm sido aposto àUniversidade, como agredida (quan-do a política federal e militar nela inter-vêm), eficiente e barata (no caso depoder sobreviver com o mínimo derecursos) e mercantilizada ( vivendosob o signo do mercado).

Entretanto, apesar de tudo isso, aUniversidade brasileira continua ex-tremamente viva. O Instituto de Es-tudos Avançados da USP1 fez um es-tudo - Dossiê Universidade Pública -que demonstra que a Universidadetem um dos melhores índices de qua-lidade de ensino de graduação e pós-graduação. São alguns dados que es-te estudo demonstra:

No Brasil, as universidades públi-cas atendem apenas 33,5% dos1868.529 alunos matriculados, istoé, 625.957 alunos. Isto quer dizerque 67% que conseguem chegar,nesse nível de ensino, está nas ins-tituições privadas, pagando porseus estudos. Nos EUA, 99,9 %, e,na França, 92,08% dos alunos estãonas universidades públicas.

No Brasil, o governo gasta 4,6%do PIB com educação, contudo, aí es-tão incluídos os gastos com os Hos-pitais Universitários, com o pagamen-to dos aposentados, isto é, com des-pesas que deveriam sair de outrasfontes de recursos, pois, como está,há uma informação que não é verda-deira no que diz respeito ao montan-te de recursos empregados.

O mesmo estudo demonstra que oorçamento de uma única universidadeamericana, HAVARD, para o ano de

O fortalecimento dos vínculos com o setor produtivo da economia e o aumento da concorrência entre as instituições , além de conceder autonomia gerencial, são estratégias propostas pelo Banco Mundial e que tem tido ressonância nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

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2000, foi de US4 2,9 bilhões, o quecorresponde a soma do orçamento de6 grandes universidades brasileiras,Universidade de São Paulo (USP) ,Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), Universidade de Campinas(Unicamp), Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG), UniversidadeFederal Fluminense (UFF) e Universi-dade Federal da Paraíba (UFPB).

Contudo, apesar de sermos umaUniversidade no olho do furacão,continuamos produzindo muito, se-não vejamos :

1. as universidades públicas têm77,2 dos docentes titulados em nívelde doutor;

2. 83% dos docentes têm tempointegral;

3. 91., 5% das publicações de do-centes de pós-graduação (das 45.781)provêm das universidades públicasque também são responsáveis por94,75% das publicações no exterior;

4. 81% dos cursos de mestrados e89,2% dos cursos de doutorado sãooferecidos pelas universidades públicas.

Malgrado esse cenário, as univer-sidades públicas continuam a ser ani-quiladas pelo governo. Aí cabe umainterrogação: por què? Por que queelas são tão atacadas? Pode-se ter vá-rias respostas , por enquanto ficamoscom esta: porque na universidade pú-blica se pode pensar, fazer críticas,fazer reflexão, buscar caminhos quenão sejam o do mercado e isso nãoagrada, isso incomoda. Então é preci-so desmoralizá- la , dizer que os pro-fessores, os técnico- administrativos eos estudantes não querem trabalhar,não dão aula, não querem estudar,que só querem saber de fazer greve,que eles são os responsáveis pelamesma não ser produtiva.

Marilena Chauí fala da universi-dade funcional e da universida-de operacional, isto é, aquela quesó está preocupada em dar uma

formação rápida, ligeira, para aten-der ao mercado de trabalho. Paratanto, é preciso mudar o currículo,programas, carga horária, para fazertudo aligeirado e apresentar núme-ros aos organismos internacionais.Por isso é preciso diminuir as bol-sas, a duração do tempo do mestra-do, os recursos para a pesquisa, osrecursos para equipamento e mate-rial permanente.

O modelo de Universidade busca-do pelas atuais políticas públicas estápreocupado com a quantidade -quantos artigos foram publicados,quantos congressos o professor (comque dinheiro?) participou. A qualida-de não conta muito nessa universida-de funcional/operacional, terceiriza-da. Mesmo a pesquisa quando é a-provada, os critérios são extremamen-te mercantilista, isto é, qual a utilidadeimediata dos resultados apresenta-dos. O que vale é o custo/benefício, aprodutividade, a lógica do mercado(vende?) e não a reflexão, a análise acrítica, a criação, a produção de idéiase não só mercadoria, idéias que per-mitam refletir sobre esse estadoopressor em que se vive, idéias quemostrem e ajudem a encontrar cami-nhos para sair disso. Idéias que per-mitam a todos serem mais livres, maisfelizes.

A Universidade Pública, no Brasil,continua no epicentro das discussões,no olho do furacão porque as políti-cas determinadas pelos organismomultilaterais apontam para a privati-zação, para a desresponsabilização dogoverno com o ensino superior e,contra tudo isso, é que se tem o deverde fazer a denúncia e de buscar saí-das que venham confirmar o caráterdesta instituição como pública e dequalidade socialmente referenciada.

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Ensaio sobre as metamorfosescentralidade no mundo do trabalho. São

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1 Esses dados foram publicados em umaartigo denominado Universidade pública: efi-ciente e barata, de autoria do Prof. Romão daCunha Nunes, da Escola de Veterinária da UFG,e publicado no jornal O Popular, 29/08/2001 -Goiânia GO

* Olgaíses Maués é professora doutora doCentro de Educação da UniversidadeFederal do Pará.

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A partir da dissertação de mes-trado em Política Social, com otítulo de Dilemas daAposentadoria proporcional emum Contexto de reforma daPrevidência Social e InstabilidadeSócio-profissional - cujo referen-cial empírico foram os/as docen-tes da UFMT - UniversidadeFederal de Mato Grosso, que seaposentaram entre o períodode1991 a 1999, passamos a teruma nova representação socialda aposentadoria no Brasil. E énesta RS - Representação Social,que vamos refletir aqui.

O objetivo principal da pesquisafoi o de conhecer os sentidos destaaposentadoria, observando os seuspossíveis significados a partir do tra-balho, das mudanças e marcas ad-vindas do rito de passagem da ativi-dade para a aposentadoria propor-cional docente.

Para sustentar esta proposta deinvestigação, iniciamos as nossasanálises a partir do entendimentodas seguintes categorias: políticasocial, trabalho, rito de passagem etempo, e buscamos contemplar,tanto na linguagem como nas análi-

ses dos dados, a categoria gênero.Os critérios que utilizamos para

definir a nossa amostragem foramdocentes aposentados masculinose femininos; docentes aposentadosque permaneciam trabalhando (den-tro ou fora da UFMT); docentes queusufruíam o direito de ócio; docen-tes de diferentes áreas de ensino ecom titulações diversas.

O número de entrevistas realiza-das não foi definido a priori, pois tí-nhamos receio de estabelecer umlimite numérico e tornar vulneráveisos nossos resultados. Desta forma,realizamos duas entrevistas comopré-teste, para definir as aborda-gens que realmente iriam possibili-tar a interpretação da aposentadoriaproporcional, e em seguida reelabo-

Marluce Souza e Silva*

A falta de previdênciano tempo da aposentadoriadocente.

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ramos o instrumental técnico e ini-ciamos a sua aplicação, partindo daseguinte informação: neste períodoforam registradas 344 aposentado-rias, sendo que 85 se caracterizamcomo aposentadorias proporcio-nais; destas, 56 são de professorese 29 são de professoras.

Considerando que o número dedocentes masculinos aposentadosé quase o dobro de docentes femi-ninos aposentados, para cada doisprofessores, nós realizamos umaentrevista com uma professora.Quando atingimos o nº de 6 entre-vistas com professores e 3 com pro-fessoras, nós já percebíamos umasimilitude significativa nas respostas,no entanto, decidimos aplicar mais3 entrevistas, sendo duas com osprofessores e uma com professora.

Estas entrevistas foram suficien-tes e deram significações ao nossoobjeto de estudo, pois a representa-tividade dos dados na pesquisaqualitativa em ciências sociais estárelacionada à sua capacidade depossibilitar a compreensão do signi-ficado e a “descrição densa” dos fe-nômenos estudados em seus con-textos e não a sua expressividadenumérica (Goldemberg, 1997:50).

O instrumental técnico utilizadopor nós foi a entrevista semi-direti-va, pois esta técnica possibilita mai-or flexibilidade ao diálogo e nospermitiu algumas estratégias deanálise, tais como observar o com-portamento do entrevistado, regis-trando os silêncios e as emoções, eisto para nós foi significativo, pois omaterial de nossas análises é basi-camente composto de opiniões ver-balizadas, atitudes e pre-julgamen-tos individuais.

As atitudes se referem à tomadadireta de posição do sujeito em re-lação ao objeto, e isto implicou juí-zo de valor, isto é, deu ao objeto o

que Moscovici chama de qualifica-ção positiva, negativa ou neutra.

Antes porém tivemos que reali-zar um estudo sobre o contexto emque se deram as aposentadorias,isto é, fizemos uma reconstituiçãodos princípios organizadores co-muns à concretização do fenôme-no. Isto se fez necessário por enten-dermos que a representação de umobjeto social passa a existir a partirde um sujeito que vivência sua ob-jetividade e subjetividade, dentro deum dado contexto histórico e socialque dá sentido a esta representa-ção, e este contexto é o da reformada Previdência Social.

As conversações e os sentidosaqui analisados foram confrontadoscom informações documentais, oque deu à nossa investigação umcaráter de contínuo processo. Esteprocedimento foi necessário por-que, segundo Rangel, as RS preci-sam corresponder com a realidadeexterna no sentido científico de“entidade objetiva”. A verdade darepresentação resulta da relaçãoentre o conhecimento representadoe a evidência disponível.

A partir do conceito de Minayode que a Representação Social éuma forma de conhecimento práti-co, nós passamos a considerar estateoria como um dos instrumentosindispensáveis à interpretação donosso objeto.

O cenário político em que foramgestadas as aposentadorias propor-cionais docentes, foi o da reformada Previdência Social e, desta for-ma, ela acabou se confirmando co-mo o princípio organizador e deter-minante das aposentadorias pro-porcionais, ocorridas no referido pe-ríodo. Fizemos uma análise destasaposentadorias e registramos umasignificativa perda de vigor da Cons-tituição Federal e do Regime Jurídico

Único frente à aprovação da Emen-da Constitucional nº 20. Registra-mos também as mudanças ocorri-das no Sistema de Seguridade Socialdo Brasil e analisamos as suas inú-meras crises. Verificamos que emsuas crises ela provoca uma maiorpolarização da sociedade entre po-bres e ricos, pois sempre se recorreao aumento das cotizações, dos im-postos e do achatamento dos pro-ventos da aposentadoria para cobriros seus rombos. Com isso a Segu-ridade que deveria ser o conjunto depolíticas e ações articuladas com oobjetivo de amparar o indivíduo e oseu grupo familiar ante os eventosde morte, doença, invalidez, desem-prego e idade, não vem conseguin-do cumprir o seu papel. Comprova-se que a Seguridade, conceito con-quistado na Constituição de 88, nãoatende as expectativas de justiça so-cial para o qual foi criada, o que re-flete negativamente na representa-ção social da aposentadoria propor-cional.

No que diz respeito à Previdên-cia Social, os/as docentes admitemque também queriam uma reformada instituição, mas não nos moldesem que ela se deu.

Desta forma, a Representação

A Seguridade que deveria

ser o conjunto de políticas e

ações articuladas com o

objetivo de amparar o indiví-

duo e o seu grupo familiar

ante os eventos de morte,

doença, invalidez, desempre-

go e idade, não vem conse-

guindo cumprir o seu papel.

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Universidade, Educação e Trabalho

Social da reforma Previdenciária ex-pressa a realidade, explica-a, justifi-ca-a e questiona a forma e os crité-rios adotados para realizar as mu-danças que, autoritariamente, fo-ram impostas aos seus segurados.Vejamos:

A Reforma da Previdência é ter-rorismo. Eu não sei até quandoa gente vai conseguir viver deliminar (...) é uma tremenda sa-canagem fazerem isso com agente. A gente já pagou pelanossa aposentadoria. É o meudireito. Nos responsabilizar denovo é um contra-senso. (M.V.)

Tem uma coisa que eu não acei-to nunca: a reforma da Previ-dência Social. Nós fomos usadosmais uma vez. Ele não nos ou-viu. Este governo que poderia...tinha tudo pra dar certo, enfim...dizem que é um professor queestá lá. Que era até respeitadopela esquerda brasileira, masescolheu um modelo econômicoque eu não posso aceitar (O.S.).

Estas percepções, segundo Mi-nayo, são importantes, pois elasatravessam a história e a fabricaçãodos sentidos. Pelas falas se percebeque estas pessoas pertencem oupertenciam a algumas correntes depensamento diferentes das suas po-sições atuais. As falas registram adecepção e a mudança de opinião.

A partir dos dados registrados,fomos buscar o sentido da aposen-tadoria a partir do conceito de Polí-tica Social. Segundo professor Pe-dro Demo (1996:25), Política Socialé o processo, por meio do qual onecessitado gesta consciência políti-ca de sua necessidade, e, em conse-qüência, emerge como sujeito deseu próprio destino, aparecendocomo condição essencial de enfren-

tamento da desigualdade sua pró-pria atuação organizada. Diante dis-to, somos obrigadas a acreditar quea reforma institucional, da forma co-mo foi conduzida, deu à aposenta-doria proporcional um caráter alta-mente indigno, e, contrariando oconceito acima, retirou a capacida-de de reação da grande maioria dosentrevistados. A questão maior éque não tivemos, durante a reformada Previdência, uma ampliação econsolidação da democracia, massim uma reforma implantada deforma autoritária e onde o respeitopelas instituições democráticas são,no mínimo, duvidosos. É uma refor-ma que sopra em direção determi-nada pela conjuntura internacional,e isto fica claro nas seguintes falas:

Eu não entendo de política, maso pouco que eu entendo me dizque este governo optou pelo piormodelo econômico que o Brasiljá teve que é o de subserviênciaao capital internacional... aosorganismos internacionais (M.V.).

A reforma é o grande avanço docapitalismo na sua gana pormaiores ganhos... em que peseisso comprometer a sobrevivên-cia do trabalhador (P.E.).

A Previdência Social, dentro des-te cenário de reforma, não dá aosdocentes condições de enfrenta-mento dos problemas advindos daaposentadoria, muito pelo contrário,é um agravante desta situação, e aSeguridade Social passa a significarinsegurança.

O conceito de Seguridade Social,conquistado na Constituição de1988, passa, a partir das reformas, anão atender à expectativa de justiçasocial para o qual foi criado. Segu-ridade virou previdência. E previ-dência é seguro, como informa a

home-page do Ministério da Previ-dência e Assistência Social na Inter-net, intitulada A Seguradora dos Tra-balhadores (Vianna, 1999:46).

A categoria trabalho veio tam-bém contribuir para dar significaçãoà aposentadoria. E, para isso, parti-mos do entendimento de RicardoAntunes, para quem o trabalho po-de ser realizador e prazeroso = tra-balho concreto, e/ou desrealizadore opressor = trabalho abstrato.

Os dados registram a presençade muito trabalho neste tempo deaposentadoria. Desta forma, a partirdo pensamento de Hegel e de Marx,verificamos que a aposentadoria ain-da se encontra aprisionada no reinoda necessidade, isto é, existe, notempo da aposentadoria proporcio-nal, muita obrigatoriedade e muitanecessidade material do trabalho.

Os/as docentes permanecemtrabalhando no tempo da aposenta-doria. Todos/as, com exceção deuma professora, em algum momen-to, se submeteram ao trabalho apósaposentadoria, e sempre numa re-lação precarizada. O significado daaposentadoria, desta forma, passatambém pelo sentido do trabalhodocente.

Ao analisarmos as falas relativasao significado do trabalho, nós tive-mos, obrigatoriamente, de conside-rar algumas variáveis, tais como as

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pessoas que tiveram incorporaçõesde gratificações pelo exercício decargos administrativos deram à apo-sentadoria um sentido mais positi-vo, enquanto que o sentido produ-zido em cima da condição materialde realização do ensino, pesquisa eextensão; da relação do docentecom a Instituição; da relação do do-cente com os colegas e da relaçãodo docente com o alunado nos per-mite uma outra interpretação. Nes-tas últimas se percebe a aposenta-doria como alívio, um fenômenoque foi capaz de retirar o docentede uma situação opressora.

Nós temos então, a partir da ca-tegoria trabalho, dois sentidos paraa aposentadoria. Vejamos:

Eu sempre gostei de estar naUniversidade(...) Eu sempreexerci a docência e a adminis-tração (...) fazer a incorporaçãodestes cargos e aposentar foimais vantajoso para mim doque ficar dando aulas e correr orisco com a reforma da Previ-dência” (D.M.).

Eu diria que a atividade docenteoferece sem dúvida mais retor-no para o ego do que a ativida-de administrativa, mas é a ativi-dade administrativa que favore-ceu os meus proventos na apo-sentadoria” (P.E.).

Os demais depoimentos apon-tam a aposentadoria como instru-mento de libertação:

Eu acho que um mínimo de edu-cação e de respeito tem que ha-ver nesta relação professor /aluno, e como isto não está existin-do, eu não estou mais dispostaa enfrentar esta profissão.

Eu me sentia discriminada tam-bém frente aos colegas. Parece

que eles sabiam tudo e eu nãosabia nada. Eles me faziam sen-tir assim...

Nós percebemos que estes últi-mos sentidos vieram, dialeticamen-te, sendo construídos, e que nessemomento eles se encontram emderiva, isto é, no início de carreira des-tas pessoas, o sentido deste mesmotrabalho era outro:

Meu trabalho era realizador,mas acabou; eu achava que eraum bom profissional, mas nãosou, a universidade era a minhacasa, mas ela deixou de ser hos-pitaleira.

O processo de sucateamentopela qual vêm passando as institui-ções de ensino e o próprio desen-canto com a docência provocam areelaboração do sentido, da crençae da conduta destas pessoas.

As mudanças de concepções doobjeto decorreram de modificaçõesnas condições materiais de vida des-tas pessoas.

Isto é reflexo da precariedadedas condições de trabalho que sãodenunciadas pelos docentes, hácomprovadamente um descaso doEstado com a universidade, e isso foisuficiente para apagar os registros eos valores positivos que estavampresentes no sentido do trabalhodocente, em período anterior àreforma da Previdência Social.

Aqui comprovamos que o imagi-nário tem um fôlego curto e que amemória é bastante seletiva, o quefaz com que a memória de práticasreelaboradas e a imagem do objetorepresente a apresente uma novaconfiguração diante do cenárioopressor da reforma previdenciária.

Quando analisamos os dadosque dão sentido ao trabalho realiza-

do após a aposentadoria, percebe-mos que há aí uma contradiçãomuito grande: o trabalho docentena UFMT estava difícil, mas o traba-lho atual é uma atividade ainda ma-is estranhada, característica própriado trabalho abstrato:

É diferente; a gente tem mais li-berdade numa academia de uni-versidade pública; na federal, eutinha mais prazer; trabalhar ago-ra é só uma questão de saúde ede dinheiro (P.E.).

Alguns dos nossos entrevistadosvoltaram à UFMT, na condição deprofessores substitutos, sendo umprofessor e duas professoras. Paratodos, a experiência se revelou de-gradante. Isto veio confirmar a nos-sa hipótese de que nesta condiçãoo/a docente se submete a uma re-lação de subalternização em rela-ção aos colegas e à instituição. Asfalas dos professores substitutos di-zem o seguinte:

a gente não tem vínculo; eu voulá cumprir carga horária; a gen-te tem um monte de aulas; o sa-lário é baixo; não é uma remu-neração condigna; é uma parti-cipação solidária; é horrível;substituto? Não dá (O.S.).

Hoje eu sou professor substituto.Isto não permite que você ouseum projeto mais a longo prazo...(M.D.)

Já voltei como professora substi-tuta, mas... substituta não dá. Seantes eu já achava que era horade parar, quando a gente ésubstituta, é muito pior (D.M.).

Dentre os nossos entrevistados/as, registramos que apenas duas

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professoras vêm se negando ao tra-balho dentro dos moldes em queestão sendo oferecidos pelo merca-do atual:

Eu não nasci para ser escravabranca (M.V.) .

Eu trabalho ainda, mas é quan-do eu quero (M.D.).

Entre os nossos entrevistados,encontramos dois docentes queretornaram para o espaço domésti-co, ou melhor, uma professora re-tornou e um professor está estrean-do com sucesso as atividades doslar. Para estes/as a aposentadoriatem um significado de retorno à fa-mília e de tempo para cuidar de si:

Hoje eu sou motorista, professore pai das minhas filhas. Antestudo isto era responsabilidadeda minha esposa. Vou ser since-ro... eu não fazia nada em casa.A Universidade não dava tempo.Eu não vi minhas filhas cresce-rem...(Choro)...(M.M.)

No início da aposentadoria, eufiz tudo que absolutamente eununca tinha feito. Aprendi o cor-te de costura... até comprei má-quina de costurar. Brinquei decasinha nos primeiros 6 meses edepois percebi que não era estaa minha praia. Agora eu cuidodas crianças...os netos (D.M.).

Somado ao trabalho, procura-mos identificar quais foram os gran-des impactos advindos do rito depassagem e do Tempo atual destes/as professores/as. Estas duas cate-gorias de análise vieram consolidara nossa interpretação.

Comprovamos que o rito de pas-sagem do tempo de trabalho para o

tempo de aposentadoria se configu-rou numa travessia muito dilemáti-ca. A aposentadoria foi a passagemde uma situação delimitada parauma outra situação também delimi-tada e desconhecida.

Professores e professoras de-monstraram muita emoção ao lem-brarem os momentos cruciais destatravessia. Ao dizerem sobre os seusdilemas, os professores/as davamsignificação à aposentadoria emcondições determinadas, impelido,de um lado, pela língua, e, de outro,pelo mundo, pela sua experiência,por fatos e lembranças que recla-mavam sentidos.

A lembrança desta travessia ain-da é muito recente. O passado estámuito presente no tempo atual, epara trabalhar com este passado re-cente, fomos ancorar em SantoAgostinho (abud Reis, 1994:31) pa-ra entender o sentido do tempo navida destas pessoas. E, segundo ele,a alma é responsável por medir otempo, e essa medição é realizadacom bases em três operações: a es-pera, a visão e a lembrança.

Deste modo, o que se comprovaé que a alma presente está marcadapelo passado, o que caracteriza otempo atual como um paradoxo. Is-to significa, segundo Rangel, que“ser e dever ser” mesclam-se naspercepções e conceitos atuais des-tas pessoas. A imagem ideal de apo-sentadoria interfere na percepçãoda imagem real.

Os/as docentes estão aposenta-dos, no entanto, não garantiram umtempo de aposentadoria, de ócio,de tranqüilidade e de gozo dos anosde trabalho, conforme esperavam. Eai a aposentadoria não se confirmacomo um salto para o reino da liber-dade

A vontade, mesmo no tempo daaposentadoria, ainda não é livre. O

tempo da aposentadoria é aindaditador. O aposentado está aprisio-nado pelo trabalho, e aí o significa-do da aposentadoria se constitui ese evolui em bases e em necessida-des práticas.

E aqui lembramos de Chartier quenos diz que a RS tem que ser enten-dida enquanto história e enquantolinguagem - registra-se então a pre-sença de uma confusão verbal e his-tórica no sentido da aposentadoria.

A aposentadoria não é um tem-po de se fazer o que quer, nemmesmo para os/as docentes quenão estabeleceram outro vínculoformal ou informal de trabalho. Asobrigações que marcam o tempo daaposentadoria são muitas e estãoassim registradas:

Eu tenho que levantar cedo,levar as crianças para a escola,para o esporte, para o dentista,cuidar do cachorro, fazer com-pras, ir para o banco.... (D.M.).

A gente fica mais de 24 horassem dormir (M.V.).

Levo as filhas para a escola,busco informações para fazertrabalhos escolares das minhasfilhas, cuido da casa, faço comi-da, o que for preciso. Eu digoprós meus amigos: eu sou umaposentado sem tempo. (M.M.)

Universidade, Educação e Trabalho

O tempo da aposentadoria

é ainda ditador. O aposen-

tado está aprisionado pelo

trabalho, e aí o significado

da aposentadoria se consti-

tui e se evolui em bases e

em necessidades práticas.

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Eu hoje trabalho mais do quequando estava na ativa. É preci-so ajudar no orçamento (A.E.).

Sou responsável por um curso depós-graduação. Trabalho muito...muito mesmo... (P.E.).

É, portanto, um tempo semtempo.

Entre os/as docentes que per-manecem desenvolvendo ativida-des fora do espaço doméstico, re-gistramos que a grande maioria es-tá fazendo parte da grande popula-ção de trabalhadores que se encon-tra na informalidade, o que agravaa sua exclusão social, pois economi-camente, a “informalidade” está ca-racterizada pela não generalizaçãoda relação de assalariamento (oque não garante homogeneidadesocial) e pela obediência desigualaos parâmetros legais existentes.(...) nos países do terceiro mundo,esta prática está marcada pelaexclusão e não generalização da ci-dadania (Dalbosco e Kuyumjian,1999:207).

No entanto, o tempo da aposen-tadoria para as mulheres se caracte-riza como um tempo de cuidadosespeciais. Parece ser mais prazerosopara as mulheres. Vejamos estasfalas:

MulheresHoje eu posso pintar; Fazer o que eu quero;Fazer nada ;Durmo melhor.

Homens Voltar para a família,Ser feliz,Me visto melhor,Alimento melhor,Posso me preocupar com a minha família.

Podemos perceber que as mu-lheres exercem mais efetivamente odireito de ócio, e isto se explica emfunção de que, junto com as ativida-des do espaço público, as mulherespermaneciam exercendo as ativida-des no espaço doméstico, enquan-to que os homens só perceberam ese responsabilizaram pelas ativida-des domésticas quando a atividadepública foi encerrada.

É também entre as mulheres queencontramos uma participação efe-tiva no movimento sindical.

Questões relacionadas ao tempoda sexualidade se configuram impor-tantes em nossa análise e certamen-te contribuem para a representaçãosocial da aposentadoria. As professo-ras declaram estar vivendo melhor asua sexualidade após a aposentado-ria, enquanto que, entre os homens,aparece sempre uma condição im-peditiva para este exercício, ora emrelação ao tempo da companheira,ora pela falta de dinheiro ou excessode preocupação. Vejamos as falasmasculinas:

Olha a gente... sem dinheiro, agente fica brocha sim. Não voufalar que não porque é verdade.A gente sem dinheiro e... vendo amulher e os filhos precisando domínimo... ah... num pensa em se-xo não. Se pensar... ah... feliz dequem pensa (M.M.).

É tenho mais tempo para... paraa cervejinha. Esta outra partenão... a patroa é muito ocupada(O.S.).

Tempo até que a gente tem... agente não está tendo é oportu-nidade. Eu acho que o entusias-mo pra estas coisas já passou. Agente tem muita preocupaçã.(N.S.).

Entre os docentes, registramosduas vítimas do stress após a aposen-tadoria: um homem e uma mulher,no entanto, se percebe que a reaçãodas mulheres contra a enfermidade émais efetiva e mais rápida:

Aí veio a depressão... a transiçãofoi muito difícil. Quando eu per-cebi que era inútil, eu fiquei comdepressão. Estou até hoje.. (tem9 anos que este professor seaposentou) (M.M.)

A aposentadoria me trouxe umaenorme crise... na universidade,eu já estava em crise, mas logodepois eu reagi, mas até hoje eutenho medo da depressão (M.D.)

Isto vem confirmar que as mu-lheres sabem lidar melhor com assuas próprias carências e vencermais rapidamente as dificuldades. Eveio também confirmar o entendi-mento do professor Huberman(1995:43), que realizou uma pes-quisa em Portugal e confirmou queo período de crise, nos homens co-meça aos 36 anos e pode durar atéos 55 anos e parece mais ligado àsquestões profissionais. Em contra-partida o momento de crise dasmulheres chega mais tarde (por vol-ta dos 39) dura menos tempo (atéos 45 anos) e está menos ligado àcarreira e mais ligado aos aspectos

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desagradáveis das tarefas ou dascondições de trabalho.

Todos estes dados foram con-frontados com a última questão in-terrogativa do nosso instrumentaltécnico que era: o que significa aaposentadoria para você?

E desse confronto obtivemoscomo resposta as seguintes frases:

* aposentar significa indignação,mas também oportunidade;

* o direito de não fazer nada; * uma frustração, um susto, foi

ruim...* um corte, saí forjado, mas

estou mais tranqüilo;* deveria ser a sensação de esta-

bilidade, mas não é...;* Foi uma surpresa ruim. Ela aca-

bou com o meu casamento; * É uma ilusão, e eu sabia, me

obrigaram a isso...;* Eu sempre tive medo da apo-

sentadoria, agora eu entendo por-que...;

* Hora de descanso, mas nãoposso descansar;

* Significou a solidão; * Significa um retrocesso na vida

da gente;* Injustiça... muita injustiça.

O que fica evidente é a contradi-ção entre o sonho da aposentadoriae a sua realidade. A imagem real ea idéia ideal de aposentadoria seconflitam, e isto nos remete ao queMoscovici chama de sentidos reais,sentidos simbólicos e sentidos doimaginário.

A partir do entendimento de ide-al, a aposentadoria se apresenta for-jada. Os males advindos da reformada Previdência fez com que a apo-sentadoria proporcional perdesseseu caráter de voluntariedade e ad-quirisse formas de compulsoriedade.

Desta forma, o Estado, mais uma

vez, favoreceu à exclusão social detrabalhadores e desmantelou as IFES- Instituições Federais de Ensino Su-perior.

A política social da previdênciaque deveria proteger e emancipar ostrabalhadores no tempo da aposen-tadoria foi reformada para oprimir.

Há no tempo da aposentadoriauma punição e não uma premiaçãopelos anos de trabalho prestado.Aposentar significa trabalhar de no-vo, mesmo que se tenha que esfalfarem emprego penoso e degradante.

Há um paradoxo nesse tempo,pois a aposentadoria cercada de tan-to trabalho e tanta necessidade setorna um ato inconcluso.

Não chegamos a um significadounívoco da aposentadoria propor-cional, mas temos evidência de umasignificação coletiva do fenômeno:ela não foi um ato voluntário. Estesignificado parece veicular muita ide-ologia e distorcer a realidade, mas,de qualquer forma, nos sustentamosem Moscovici para dar legitimidadeaos nossos dados, pois para ele asRepresentações Sociais são racio-nais, não por serem sociais, mas porserem coletivas.

Apontamos, também, a existên-cia de alguns consensos, “ela é injus-ta... ela é ruim... ela é forjada” , maso consenso de que aqui falamos nãoé aquele que se trata de quantifica-

ção, mas sim o consenso funcional,que é necessário à unidade e organi-zação do grupo, o que favorece àidentidade e às interações da maio-ria das pessoas que integram o gru-po aqui investigado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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io sobre as metamorfoses e a centralida-de do mundo do trabalho. São Paulo: Cor-tez, 1995.

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Documentos Oficiais:Constituição Federal. 6 ed., 2001.Emenda Constitucional no. 20Regime Jurídico Único

* Marluce Souza e Silva é professo-ra no Curso de Serviço Social da Uni-versidade Federal de Mato Grosso, emestra em Política Social pela Uni-versidade de Brasília.

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Entre os meses de junho e agos-to de 2000, o cotidiano dasmaiores cidades da Bahia foialterado por algo novo. Algoagitou as praças e avenidas deSalvador, Feira de Santana,Vitória da Conquista, Ilhéus,Itabuna e muitas outras cidades,algo chamou a atenção da (dimi-nuta) imprensa que não é chapa-branca, interferiu no cotidianodas esferas do poder, despertoua ira de alguns e a solidariedadede muitos. Meses antes da greveda polícia, que ganhou as man-chetes dos jornais de todo opaís, em 2001, a Bahia assistiuao conflito público entre umpoderoso governo e o movimen-to docente das UniversidadesEstaduais Baianas (IEESBA)1.

O que havia de realmente novoera o fato de que, por 75 dias, umagreve de professores travou aberta-mente um duro enfrentamento con-tra um grande bloco político conser-vador que era tido como impossívelde enfrentar. Os professores tinham

como antagonistas não apenas umgoverno forte e seus longos tentácu-los no Estado e na sociedade civil,mas também o mito da invencibili-dade daqueles supostos donos dopoder. Daqueles que diziam que oespaço da política, do conflito e danegociação era vedado aos movi-mentos sociais organizados. Este ba-lanço da greve começa por esclare-cer contra quem foi travado o confli-to. Façamos uma caracterização, ain-da que sumária, do temido inimigodos movimentos sociais na Bahia: ocarlismo.

Triste Bahia... (Pessimismo da Inteligência)Em 1991, quatro anos após ter

sofrido uma acachapante derrotaeleitoral e beneficiado pelo fracassodo governo Waldir Pires/Nilo Coe-lho, Antonio Carlos Magalhães ocu-pou, pela terceira vez (a primeiraatravés do voto), o posto de Gover-nador da Bahia. Sob sua liderançaarticula-se então um arco políticoque, fato inédito na história baiana,

dá certo grau de unidade política aquase todas as principais oligarqui-as do interior do Estado. O grandecacife político de ACM não é eleito-ral (excetuando-se a última eleiçãopara o Senado, seus resultados sem-pre oscilaram em torno de 30% dosvotos), mas sim o de ter conseguidoconstruir, no carlismo, o espaçodentro do qual quase todos os gru-pos sociais e políticos conservado-res conseguem exprimir de modosatisfatório seus interesses. Alémdos latifundiários e oligarcas do in-terior, o carlismo abriga também re-presentantes de importantes seto-res industriais modernos como osda petroquímica, banqueiros, em-preiteiros, empresas de hotelaria eturismo, empresas de comunicação.Com o carlismo, a Bahia dá maisuma prova de que não há incompa-tibilidade entre o velho coronelismoe a modernidade burguesa, desdeque seja possível construir a hege-monia: esta foi a obra prima de ACM.

Claro que a soldagem deste blo-co só pôde ser feita às expensas do

Carlos Zacarias F. de Sena Júnior*Eurelino Coelho Neto**

Pessimismo da inteligência e otimismo da vontade: um balanço da greve de 2000 das universidades estaduais baianas

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Estado e da sociedade. As conces-sões para instalação de emissorasde rádio e TV (sobretudo durante operíodo em que ACM foi Ministrodas Comunicações no governo Sar-ney) e os contratos milionários comempreiteiras são apenas os expe-dientes mais conhecidos, mas demodo nenhum foram os únicosmeios pelos quais o Estado foi em-pregado para bancar a expansão e aconsolidação do carlismo. O resulta-do foi impressionante: não apenasa maioria dos prefeitos (mais de5/6 em todo o Estado, inclusive osde Salvador, Feira de Santana, Ilhé-us e Itabuna), vereadores e a maio-ria absoluta da Assembléia Legisla-tiva, mas também o Judiciário equase todas as emissoras de TV erádio (sem mencionar artistas e in-telectuais famosos, atraídos por ra-zões não muito diferentes) passa-ram a orbitar a esfera de influênciacarlista. ACM aparece no cenário na-cional como se fosse realmenteportador de uma unanimidade noseu Estado, e é assim que ele é tra-tado pelos meios políticos e pelaimprensa em geral. Esta era a situa-ção em meados de 2000.

No governo, ACM e seus suces-sores (Paulo Souto e César Borges)aplicam, ao pé da letra, a cartilhaneoliberal de administração pública.A correlação de forças extremamen-te favorável lhes permite muita ou-sadia na implementação de suaspolíticas. Assim o governo anteci-pou-se à legislação federal e impôsum aperto salarial ao funcionalismoque reduziu a folha de pagamentopara algo em torno de 40% da re-ceita. De modo ainda mais ousado,extinguiu o instituto de saúde e pre-vidência social (IAPSEB) e negocioucom um grupo empresarial a ade-são compulsória de todos os servi-dores a um plano privado de saúde

(a obrigatoriedade foi depois breca-da no STF) enquanto aumentava opercentual de desconto da previ-dência. Boa parte das empresas es-tatais foi doada a capitalistas atravésde um amplo programa de privati-zação.

Ao mesmo tempo eram lança-dos, com grande estardalhaço, pro-jetos setoriais que davam materiali-dade ao discurso modernizante dosgovernos. Parte destas iniciativas, su-postamente modernizantes, eram nocampo educacional: inauguração darede de Escolas-modelo Luís Eduar-do Magalhães, criação de um institu-to permanente de capacitação deprofessores do ensino básico, criaçãode unidades de informática em esco-las e outras.

As universidades estaduais erampeças importantes desta política,sobretudo a partir do governo PauloSouto. As IEESBA receberam impor-tantes investimentos que permiti-ram a expansão física dos campi, amelhoria das instalações, a aquisi-ção de laboratórios e equipamentos

- embora seja preciso registrar que,em muitos casos, as instâncias cole-giadas das IEES não tenham partici-pado da decisão sobre as priorida-des na aplicação dos recursos. Onúmero de matrículas cresceu rapi-damente, foram abertos novos cur-sos de graduação e pós-graduação(lato e strictu sensu) e implementa-dos vários novos projetos de pes-quisa e extensão. Mas tudo isso éapenas um dos lados da história.

Naquilo que é essencial para auniversidade, a política do carlismonão poderia ser mais desastrosa. Aautonomia das IEESBA foi violadaseguidas vezes pelo governo, nãoraro, com o respaldo do Legislativo.Um bom exemplo (mas, infelizmen-te, não o único) é o da Lei 7.176/97,que foi aprovada em regime de ur-gência urgentíssima, no último diadaquele ano, sem qualquer discus-são nem mesmo nos limites do par-lamento. Esta lei alterou a composi-ção dos conselhos universitários,criando, entre outras novidades, oconselheiro docente biônico, indica-

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do pelo governador. Também atri-buiu poderes especiais (de decisãoad hoc) ao presidente do ConselhoAdministrativo, que é o próprio Se-cretário de Educação. A mesma leidefiniu como deve ser o processode escolha do reitor e ainda limitouo percentual de professores que,em cada IEES, pode trabalhar no re-gime de dedicação exclusiva.

Se a autonomia foi agredida, nãoé menos rude o ataque desferidocontra as condições de trabalho do-cente. O plano de carreira, aprovadoem 1986 após intensa negociação,teve vários dispositivos eliminadosou modificados, inclusive a extinçãodo avanço horizontal dentro damesma classe. Os salários, como odo restante do funcionalismo, estãocomprimidos ao extremo. Desde aposse de ACM, em março de 1991,até a deflagração da greve, as perdasacumuladas do salário base eramtamanhas que seria necessário umreajuste de 263,56 % para recomporo poder de compra corroído ao lon-go da década. Duas gratificações fo-ram criadas como resposta às insis-tentes reivindicações de reajuste fei-tas pelo movimento docente que,em alguns momentos, esteve próxi-mo da greve.2 Estas gratificaçõesacrescentam 100% ao valor do salá-rio base mas, computando tudo,

ainda seria necessário, em junho de2000, um reajuste de 81,78% sobreo montante para zerar as perdas doperíodo carlista. É fácil ver que venci-mentos básicos de R$ 1.212,03 paraum professor titular com DE, que é otopo da tabela salarial, constituemum ótimo incentivo para que profis-sionais altamente qualificados se de-mitam e sejam contratados pela ini-ciativa privada - não por acaso, e nãosem ligações com o carlismo, a redeprivada de ensino superior cresceuespetacularmente neste período.3

Quem é ateu e viu milagres como eu (otimismo da vontade)O movimento docente atraves-

sou a década procurando meios deresistir à avalanche carlista, mas commuitas dificuldades. A última greveconjunta das universidades estadu-ais tinha sido em 1987. Desde entãohouve mobilizações importantes,como em 1995, pela reconstruçãoda carreira docente, e a partir de1998, contra os efeitos da referidaLei 7.176, mas não se conseguiacombinar o grau necessário de uni-dade e de mobilização para articu-lar um movimento em todo o Es-tado. Apesar disso, o Fórum das ADsse reunia com certa freqüência eestava claro que a insatisfação cres-cia entre os professores. Durante oano de 1999, foi discutida e elabo-rada uma pauta de reivindicaçõescuja síntese era: reposição das per-das salariais do período carlista, in-corporação das gratificações aossalários (inclusive para corrigir a dis-criminação dos aposentados), au-mento de verbas para as IEESBA,abertura de negociações para rees-truturação da carreira e revogação dalimitação de professores com DE.

A pauta foi entregue pelo Fórumdas ADs ao governo no final de 1999,mas não houve resposta. Após várias

tentativas frustradas de obter umaaudiência com o Secretário de Edu-cação (Eraldo Tinoco, ex-ministro deCollor e conhecido por sua atuaçãoparlamentar contra a educação pú-blica), as assembléias docentes deduas universidades (UEFS e UESB)aprovaram um indicativo de greve,em maio de 2000. Só então o Secre-tário convocou a audiência, ouviu asreivindicações e deixou claro que ogoverno não pretendia negociarqualquer das reivindicações, mas secomprometeu a encaminhar a pautaa uma comissão técnica para umaanálise mais detalhada. Após algunsdias aguardando em vão o resultadodo trabalho da comissão (que prova-velmente nunca chegou a ser consti-tuída), a UEFS e a UESB entraram emgreve no dia 08/06, seguidas pronta-mente pela UESC.

A adesão à greve se deu de ma-neira diferenciada nas quatro esta-duais baianas. Muito embora a uni-dade do movimento estivesse aindaem construção, as ADs lideraram osentimento de insatisfação da cate-goria e deslancharam o processoem assembléias que foram gradati-vamente se enchendo de docentes(também discentes e técnicos) des-contentes com os longos anos dedesmonte do ensino público. Ape-nas na UNEB, a deflagração da gre-ve tardou, ainda que não tenha fal-tado. Nesta universidade, mergulha-da em substanciais problemas orga-nizacionais por conta de sua estru-tura multicampi, a greve só pôdeser deflagrada no dia 28/06, tendoem vista o esvaziamento de sua se-ção sindical, a ADUNEB, que naocasião só contava com pratica-mente um diretor em exercício.Além disso, as imensas dificuldadesde se articular os dezenove campidesta instituição contribuíram deci-sivamente para as dificuldades do

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Desde a posse de ACM, em

março de 1991, até a defla-

gração da greve, as perdas

acumuladas do salário base

eram tamanhas que seria

necessário um reajuste de

263,56 % para recompor o

poder de compra corroído

ao longo da década.

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MD na Instituição. Assim a greve foisendo deflagrada “pelas beiradas”, apartir da movimentação dos docen-tes dos campi do interior que assis-tiam a movimentação nas demaisIEESBA e se incomodavam com omarasmo na sua própria universida-de. Finalmente, numa Assembléiarealizada no dia 28/06, com cercade 100 docentes na plenária, foi de-flagrado o movimento na últimafronteira das estaduais baianas. Re-gistre-se que a essa altura, após duastentativas frustradas de deflagraçãoda greve, o movimento na UNEB jáestava sendo inteiramente dirigidopela base, que passou a formar oComando de Greve, sem a direçãoda ADUNEB, que nem sequer estavarepresentada na AG do dia 28.

Se a deflagração do movimentose deu em momentos diferenciadose com graus de mobilização varia-dos, a consolidação da greve tam-bém seguiu por linhas tortas, poisos diferentes estágios de mobiliza-ção em cada IES e a resistência dedeterminados setores, no interior decada universidade, impuseram rit-mos próprios a cada Instituição. Aprópria participação dos outros seg-mentos da universidade na movi-mentação grevista se deu de ma-neira substancialmente diferencia-da, com uma maciça participaçãodos estudantes da UESB e da UEFS,que cumpriram papéis importantís-simos em todas as atividades pro-gramadas, e uma menor mobiliza-ção deste segmento na UNEB e naUESC. Quanto aos técnicos, ensaiou-se, no princípio da greve dos docen-tes, uma adesão da parte dos traba-lhadores da UESC e da UESB, en-quanto os servidores técnico-admi-nistrativos da UNEB e da UEFS per-maneceram absolutamente alheios.

Na UESC, a greve, dirigida pelaADUSC, seguiu enfrentando a cada

Assembléia a resistência de parce-las significativas da administraçãoda universidade que se articulava acada plenária para tentar derrotar omovimento. Apesar disso, o Coman-do de Greve conseguiu segurar amobilização e a parede por muitotempo, ainda que, em alguns mo-mentos, tivesse tido a valiosa contri-buição de lideranças das outras uni-versidades que para lá se desloca-vam, a fim de segurar a greve e en-frentar a reação da direita. Já na UESB,as dificuldades eram inerentes àprópria trajetória do movimento do-cente naquela instituição, com largatradição organizativa, no interior dasIEESBA. Nesta instituição, a admi-nistração, que saiu do seio do MD,vinha cumprindo um importantepapel no Fórum de Reitores e tam-bém no enfrentamento com o go-verno do Estado. Entretanto, diver-gências internas quanto aos enca-minhamentos do processo e às pró-prias contradições do movimentonaquela universidade, produziramduros enfrentamentos no interiordas Assembléias Gerais. De todasorte, o movimento na UESB garan-tiu um elevado grau de mobilizaçãoque alimentou todo o processo dedeflagração e consolidação da grevenas quatro estaduais. E nesse senti-do o que de mais importante ocor-reu foi a construção da unidade domovimento entre os Comandos deGreve e ADs das quatro instituiçõesque, a certa altura, formalizaram umComando Unificado. A construçãodeste espaço de articulação que efe-tivamente funcionou durante a gre-ve foi um dos momentos mais im-portantes deste movimento, hajavista os resultados que produziu nosenfrentamentos com o governo ena formulação de propostas unifica-das que eram amplamente discuti-das nas assembléias locais.

A essa altura, no interior do mo-vimento, o debate cada vez mais sequalificava e se pressentia o quãolongo poderia ser o enfrentamento.Não se tinha nenhuma dúvida quan-to à força e ao poder do inimigo queenfrentávamos, nem tampouco des-conhecíamos o monopólio dos meiosde comunicação de massa exercidopelos carlistas. Por isso, fazia-se ne-cessário produzir fatos políticos eocupar espaços na mídia “alternati-va” para tornar a opinião pública fa-vorável à greve.4 Nesse sentido, du-rante algum tempo, o que se bus-cou com insistência foi a abertura ea manutenção das negociaçõescom o governo carlista, que afirma-va com insistência que com grevis-tas não negociava. Assim, a primei-ra grande vitória do movimento foiconseguir abrir canais de negocia-ção com o governo. Este recebia aslideranças sempre através do Secre-tário Eraldo Tinoco.

Durante os mais de 70 dias degreve, o governo e a direção do mo-vimento só se reuniram em trêsocasiões. Entretanto, o significadodas reuniões e os resultados simbó-licos que elas produziram na cate-goria não devem ser desprezados,pois não era pouco obrigar um go-verno arrogante e autoritário a fazero que ele sempre afirmou que ja-mais faria, ou seja, negociar com gre-

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Não se tinha nenhuma

dúvida quanto à força e

ao poder do inimigo que

enfrentávamos, nem tam-

pouco desconhecíamos o

monopólio dos meios de

comunicação de massa

exercido pelos carlistas.

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vistas. De outro lado, o movimentoseguiu abrindo fissuras na base dogoverno com algumas idas à Co-missão de Educação da AssembléiaLegislativa, totalmente controladapelos governistas, contando semprecom a intervenção dos parlamenta-res da esquerda que prestaram,desde o princípio, significativo apoioà greve.5

No que tange à construção defatos políticos, a passeata performá-tica “La Tragiata”, no centro de Sal-vador, ainda sem a UNEB, mas emconjunto com os docentes, discen-tes e técnicos da Universidade Fe-deral da Bahia, foi de suma impor-tância como primeiro momento degrande exposição da greve das uni-versidades estaduais. Também aparticipação no Dois de Julho (diada Independência da Bahia e espa-ço político de grandes manifesta-ções no Estado) deve ser lembrada,assim como a presença da universi-dade na praça, promovida pelaUEFS e UESB, em Feira de Santanae Vitória da Conquista, respectiva-mente, e a manifestação em plenocentro histórico de Salvador, pro-movida pela UNEB, com repercus-são até na Folha de São Paulo. Tam-bém deram visibilidade ao movi-mento as ocupações das reitorias(após o corte dos salários) e o fe-chamento dos portões nas quatrouniversidades e, por fim, as mani-festações na frente da Secretaria deEducação e na Governadoria. Foramtodos momentos de grande reper-cussão e encontro da categoria edos estudantes com o espaço dasruas. Foram experiências de açãodireta como forma de pressão e dedenúncia pública, sempre qualifica-da e crítica, da política do governopara o ensino superior. Mas foi nodia 25/07 que o movimento produ-ziu seu feito mais espetacular, ao in-

terditar duas das avenidas maisimportantes de Salvador, em con-junto com os servidores e estudan-tes da UFBA (que também se en-contravam em greve). Com efeito, apasseata na avenida ACM e Tancre-do Neves, onde circulam 15% doICMS baiano, paralisou o trânsito pormais de 5 horas e provocou a ira dasautoridades e dos comerciantes domaior shopping do Estado.6

O movimento chegava ao ápiceda mobilização com Assembléias,com presença sempre superior a100 docentes, às vezes até 200, maso entrevero com o governo estavalonge do fim e se desdobrava emquerelas judiciais, manifestações naimprensa e um amplo debate pelorádio que, na cidade de Feira deSantana, produziu uma impressio-nante repercussão e despertou vári-as formas de apoio popular. Algunspais de estudantes procuraram ocomando de greve para colocar-se àdisposição para lutar em defesa dauniversidade pública e gratuita. Amensagem central do movimentopara a população - de que a univer-sidade pública estava em grande pe-rigo - foi compreendida e respondidapela população com diferentes ma-nifestações de apoio.

Enfim, o governo lançou suas du-as últimas cartadas. A primeira veioatravés da formulação de uma pro-posta ao Fórum de Reitores de vin-culação de 3,82% da Receita Cor-rente Líquida do Estado para o ensi-no superior na Bahia. Isto foi comoum “cavalo de tróia” na conjuntura,haja vista que embutida na proposi-ção havia o aceno do governo quepretendia desvincular as universida-des da Secretaria de Educação, fa-zendo uma “livre” leitura da autono-mia, tão cara ao movimento. Tal pro-posta foi de pronto rebatida por to-das as Assembléias, com exceção da

AG, da UESB, que se dividiu aindamais e caminhou assim até o fim domovimento. Na UEFS e na UNEB, omovimento seguiu fortalecido e comum grau razoável de consenso entreas lideranças e a base da categoria.

Finalmente, o governo carlistamostrou suas garras e, num ato bru-tal de agressão aos trabalhadores,sem nenhum amparo legal ou judici-al, cortou linearmente o salário dosgrevistas. Foi sua segunda cartada.Neste episódio, feriu-se ainda maisgravemente a autonomia universitá-ria, visto que as reitorias enviaram aogoverno as folhas de pagamentosem cortes. Ali ficou evidente a extre-ma fragilidade da posição dos reito-res, sua omissão ou, no mínimo, emum dos casos, impotência diante daviolência cometida pelo governo.

O resultado imediato do cortede salários foi o endurecimento domovimento que teve suas Assem-bléias ainda mais cheias e radicali-zadas contra a atitude do governo.Também a solidariedade de muitosdocentes que recebiam salários deoutras instituições ou que não fo-ram penalizados com o corte porexercerem algum cargo, foi essenci-al na manutenção da moral da gre-ve. Apesar disso, as dificuldades nãotardaram e os primeiros sinais deexaustão e incerteza começaram aaparecer na categoria. Na UESC, omovimento foi suspenso a partir daatuação da administração que final-mente conseguiu derrubar a greveem 11/08. O governo também veioa público com uma nota paga emtodas as emissoras de TV, apresen-tando números falsos sobre os salá-rios e ameaçando os grevistas comdemissão. Até aqui a greve já dura-va mais de 60 dias e a perspectivade um segundo corte de saláriosera cada vez mais concreta. A pro-posta de suspensão da greve come-

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çou a ser defendida nas assembléi-as, inclusive por professores que ti-nham apoiado o movimento desdeo início. Ainda assim o movimentoseguiu fortalecido e unificado nasua vontade de fazer história.

Por fim, o Comando Unificado feza proposição de retorno em conjuntopara o dia 28/08, o que foi aprovadoem emocionantes Assembléias Ge-rais na UEFS e na UNEB, e com al-gum enfrentamento na UESB. A gre-ve chegava ao fim sem a assinaturade nenhum acordo com o governomas, estranhamente, a aparente der-rota não abatera os professores.

É doce morrer no mar...A greve das universidades esta-

duais baianas, mesmo não logran-do êxito em seus objetivos específi-cos, fez ressurgir das cinzas o Movi-mento Docente no Estado. A come-çar pela reorganização das ADs, es-pecialmente a ADUNEB, que elegeusua nova diretoria, em dezembro de2000, composta, basicamente, pormembros que estiveram à frente dagreve. O saldo político e organiza-cional se expressou também pelaconsolidação do fórum das ADs, co-mo espaço de articulação das lutasconjuntas. Também pela qualifica-ção do debate e pela revitalizaçãodas discussões que têm tornado es-sencial o envolvimento de repre-sentantes das IEESBA, nas discus-sões nacionais do ANDES, em tornodo nosso projeto de universidade, agreve foi vitoriosa.

O movimento estudantil, princi-palmente na UEFS, emergiu dagreve com um impulso renovadoque já se traduziu em várias iniciati-vas de mobilização e intervençãopolítica desde então - inclusive umagreve de estudantes que durou 15dias na UEFS, em julho/agosto últi-mos. Algo semelhante se passou

com o movimento dos trabalhado-res técnico-administrativos de algu-mas universidades. O fato é que,depois da greve, reabriu-se num pa-tamar mais elevado e, com muitomais participação o debate sobre osprojetos de universidade em dispu-ta, ficando cada vez mais claro osentido político estratégico da lutapela universidade pública.

Se uma greve é derrotada masabre caminho para as imensas ma-nifestações de rua que sacudiram aBahia, no 1.º semestre de 2001,quando se pedia a cassação de ACM,qual a dimensão desta derrota? Semesmo morta, a greve abriu pers-pectivas para o conjunto do funcio-nalismo público estadual que vis-lumbrou no horizonte a possibilida-de de dias melhores, sem a arro-gância, o arbítrio e a prepotência, ecom mais, muito mais greves, não édoce, afinal, esta morte?

O pessimismo da inteligêncianos advertia da dificuldade de ar-rancarmos aquelas reivindicaçõesde um governo que simplesmentenão podia concedê-las sem deixarde ser o que é. Mas o otimismo davontade nos permitiu realizar umfeito que, se não trouxe exatamenteos resultados que procurávamos,desferiu um ataque pioneiro contraa fortaleza carlista que, agora todossabem, não é inexpugnável. No finaldas contas, para a história das lutassociais este talvez não seja um mauresultado.

1 Universidade Estadual da Bahia (UNEB),Universidade Estadual de Feira de Santana(UEFS), Universidade Estadual do Sudoes-te da Bahia (UESB) e Universidade Esta-dual de Santa Cruz (UESC).

2 As gratificações são as seguintes: Gratifica-ção Estímulo à Atividade de Classe, 30%;Condição Especial de Trabalho, 70%.

3 A este salário base é acrescentado, alémdas gratificações nomeadas acima, 40%pelo título de Doutor.

4 Nossa aparição na mídia se deu principal-mente através do jornal A Tarde. Emboratradicionalmente conservador, o jornal ATarde, de maior circulação no Estado, deuampla cobertura à greve já que vem bri-gando com os governos carlistas que des-tinam quase toda a verba publicitária paraa rede de comunicação dos familiares deACM. Também ocupamos alguns espaçosnos canais de TV não ligados à Rede Bahiae, pelo interior, tivemos grande presençanas rádios locais.

5 No dia 16/08, a coluna “Além da Notícia”do jornal A Tarde registrava: “um fato iné-dito nesta legislatura foi registrado ontempela manhã durante a reunião da Comis-são de Educação da Assembléia Legislati-va, quando os deputados Zilton Rocha(PT) e Alice Portugal (PC do B) consegui-ram aprovar pedido formal de audiênciacom o secretário Eraldo Tinoco para tratarda crise enfrentada pelas universidades fe-derais (sic), com a greve que já dura doismeses.” A Tarde, 16/08/2000.

6 O jornal Correio da Bahia, da rede de co-municação da família de ACM, que haviasilenciado sobre a manifestação, no dia27/07 registrou, fazendo coro com osmembros do CDL: “Empresários conde-nam onda de grevismo em Salvador” e, nodia 28/07, na coluna “Informe Bahia”,insistiam na desqualificação da passeatado dia 25 e aproveitavam para desancar apresença de alguns políticos oposicionis-tas no ato acusando-a de “eleitoreira”,conduzida “por meia dúzia de aproveita-dores” que estariam provocando o “tumul-to” e a “desordem”, “prejudicando milha-res de pessoas” e “reduzindo as oportuni-dades de emprego e serviço”, “fazendocom que os trabalhadores perdessemseus horários e compromissos” e concluía:“São eles, os mesmos de sempre, adminis-tradores caóticos e perdedores irrepará-veis”. Correio da Bahia, 27 e 28/07.

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*Carlos Zacarias F. de Sena Junior éprofessor assistente da UniversidadeEstadual da Bahia e diretor da ADU-NEB-Associação dos Docentes daUNEB e do ANDES-SN, Regional NE III.**Eurelino Coelho Neto é professorassistente da Universidade Estadualde Feira de Santana- BA e ex-diretorda Associação dos Docentes da UFS.

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Os sujeitos que constroem a univer-sidade como instituição pública, demo-crática, produtora de conhecimento no-vo e socialmente referenciado e, na con-dição de intelectuais, assumem a funçãode “organizadores” da hegemonia dossubalternos são o fio condutor destaobra magnífica. A construção hegemôni-ca não nos é apresentada como um apriori da luta dos professores que seorganizaram nas então Associações deDocentes, no final dos anos 1970, ou co-mo uma característica imanente do novosindicalismo - ele mesmo, anos mais tar-de, reconfigurado pelas políticas neoli-berais como sindicalismo propositivo.Através de entrevistas e de minuciosotrabalho documental, as vozes dos sujei-tos adquirem a vibração da vida: osimpasses da luta econômica, as tensõese divergências internas, as formas singu-lares de organização são cuidadosamen-te recuperadas e, com isso, a história da(então) Andes e da própria universidadebrasileira - no período que compreendeo outono da ditadura militar até o neoli-beralismo da primeira metade da déca-da de 1990 - vão sendo construídas.

A crítica aos estudos da sociologiado trabalho e da história da educaçãoque se restringem aos “fatos”, apresenta-dos como fenômenos da realidade,como quer a tradição empirista, é em-preendida por uma consistente discus-são teórica. Temos uma análise da “crisedo trabalho” discutida como manifesta-ção fenomênica da crise estrutural do

capital, rejeitando o determinismo tec-nológico, evocado, por importantes se-tores do sindicalismo, para justificar oabandono da perspectiva “classista” e aadesão ao propositivismo que leva aCUT a “negociar” os termos da imple-mentação das políticas neoliberais, co-mo se estas políticas fossem inevitáveisem razão das transformações tecnológi-cas e organizacionais do capitalismo dehoje. Uma fecunda discussão dos limitese potencialidades do sindicalismo clas-sista, a partir de uma perspectiva grams-ciana, desenvolvida com desvelo, ilumi-na a complexa questão da relação dosintelectuais com o poder e as classes so-ciais. Esta análise encontra-se no núcleosólido desta obra, que defende, com ri-gor, a concepção de que os militantes edirigentes do movimento docente sãointelectuais orgânicos das classes subal-ternas.

Estes militantes são caracterizadoscomo intelectuais orgânicos mediante ainvestigação do Andes-SN como sindica-to de intelectuais, a partir do surgimen-to das Associações de Docentes, ocasiãoem que os próprios intelectuais assumi-ram, como “coletivo organizado, a iden-tidade de trabalhadores assalariadossem abandonar as marcas distintivas danatureza do seu trabalho e da valoriza-ção social da sua profissão, que confe-rem especificidades à própria ação sindi-cal que desenvolvem”. A defesa intransi-gente da autonomia e da democraciacomo princípios fundantes da Asso-

ciação Nacional dos Docentes dasInstituições de Ensino Superior inseriu-ano grupo pioneiro de novo sindicalismoe criou condições excepcionais para aconstrução da identidade classista do fu-turo Sindicato Nacional.

A autora, ela mesma sujeito da histó-ria aqui discutida, não abandona suacondição de pesquisadora rigorosa, cap-tando com precisão as tensões e dispu-tas internas decorrentes da opção clas-sista defendida por uns, mas não poroutros. A investigação dos embates so-bre a transformação ou não da Andesem Sindicato tem como resultado pas-sagens de excepcional brilho, contribu-indo para tornar pensáveis os momen-tos em que chapas se confrontaram naseleições para a Direção Nacional da enti-dade.

O leitor tem em mãos não somenteuma obra sobre a trajetória recente dosindicalismo brasileiro ou a propósitodos intelectuais em uma sociedade declasses, o que já não seria pouco, mas,além disso, uma história da política edu-cacional nos anos 1980 e 1990. Ao exa-minar as especificidades do trabalho do-cente traduzidas na criação dos Gruposde Trabalho da entidade, em especial ode Política Educacional, a autora susten-ta que o Andes-SN torna-se “intelectualcoletivo”, lendo os acontecimentos polí-ticos e educacionais do período e inter-ferindo neles ativamente.

Os períodos conjunturais que foramdecisivos para a construção e afirmação

Por Roberto Leher

ANDES-SN Um Sindicato de intelectuaisIgnez Pinto Navarro. ADUFMAT. Cuiabá-MT. 2001

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da identidade do Andes-SN (1981-84 e1985 -1988) e para o combate ao proje-to neoliberal (1989-1994), em que a con-dição classista da entidade é obviamen-te desafiada, são finamente examina-dos, compondo um histórico de extraor-dinária riqueza.

Com efeito, os militantes empenha-dos na construção da Andes, ainda noocaso da ditadura militar, são compeli-dos, muitos ainda na condição de estu-dantes, a agir contra as conseqüênciasdestrutivas do governo militar, cujos mi-nistros da educação, embora se auto-representassem como esclarecidos eilustrados, rigorosamente não rompiamcom as práticas usuais dos “Donos doPoder” a que se referira Faoro em suaexcepcional obra. Os acordos MEC-USAID, a Reforma de 1968, o AI-5 quelevou à cassação de brilhantes professo-res, o 477, utilizado para afastar estudan-tes “subversivos”, a privatização engen-drada no Conselho Federal de Educa-ção, a subordinação do aparato de fo-mento à C&T à “modernização conserva-dora”, atraindo nomes importantes dauniversidade para o projeto em curso, aimpossibilidade de concursos públicoslivres, gerando os “colaboradores”, a de-lação, perseguição e vigilância da “inteli-gência contra-revolucionária” a que se re-ferira o mestre Florestan Fernandes em“A Questão da USP” são acontecimentosque ecoam no momento de fundação daAndes, e que continuarão a ecoar, con-forme verificamos nesta obra, ao longoda “abertura lenta, gradual e segura”.

A autora empreende cuidadosarecuperação do período. Fala de derro-tas, mas, ao mencioná-las, retira do si-lêncio e do esquecimento as memóriasdas lutas e dos sujeitos em luta. A inves-tigação do contexto da criação da Andesnos ajuda a compreender os memorá-veis embates da década de 1980, queimpuseram grande atraso na implemen-tação das políticas de ajuste estruturalno Brasil.

Com efeito, o surgimento da Andesfaz parte do movimento que produziu1968, as Greves de Osasco, o novo sin-dicalismo do ABC e os Congressos da

SBPC. Desde a sua criação, horizontesmais amplos foram compartilhados naluta pela “anistia ampla, geral e irrestri-ta”, Diretas, já!, CUT, Constituinte Exclu-siva e Soberana, Fórum Nacional em De-fesa da Escola Pública, entre outros mo-mentos marcantes.

Merece registro especial a relação daAndes com a Nova República. O leitorencontra aqui um extraordinário debatesobre o sentido da “transição democrá-tica” no país, tanto quanto ricas discus-sões sobre a conjuntura e a natureza ecaráter da coalizão que a sustenta. Destemodo, quando ocorre a primeira dispu-ta eleitoral na entidade em 1986, opon-do, de um lado, a “esquerda tradicional”,liderada então pelo PC do B e PCB, alia-dos dos governos da Nova República, e,de outro, a esquerda, ainda unificada,do PT - ou, em outros termos, opondoos que defendiam a participação daAndes nas negociações em torno doprojeto educacional do governo Sarney(GERES) e os que defendiam o comba-te a este projeto -, assistimos aos ger-mes dos embates que cindiriam o sindi-calismo nos anos 1990, quando, nova-mente, se opuseram no Andes-SN asforças que, de uma parte, defenderam anegociação nos marcos da agenda neo-liberal e os que, de outra, advogaram ocombate às políticas de ajuste estrutural.

Entremeando o debate político, oleitor acompanha as reflexões produzi-das pelo movimento docente sobre auniversidade, a importância da indisso-ciabilidade entre o ensino, a pesquisa ea extensão, a avaliação “socialmente re-ferenciada” e as condições para que auniversidade brasileira lograsse um “-padrão unitário de qualidade”. Temosnessas passagens uma magnífica ima-gem a respeito da produção original deum projeto educacional do movimentodocente para o país: o Projeto Andespara a Universidade Brasileira, a Plata-forma do Movimento Docente para aConstituinte e o Projeto de Lei de Dire-trizes e Bases do Andes-SN.

Em contraste com a construção deuma política educacional alternativapara o ensino público superior, a expan-

são do ensino superior privado aprofun-da a mercantilização da educação im-pondo novos desafios à Andes. Corajosa-mente, a autora aponta as dificuldades eavaliações incorretas que acarretaram oencolhimento do setor das particularesno Sindicato. As reflexões sistematizadaspor Navarro são de excepcional atualida-de. O ensino superior particular foi o quemais cresceu na última década e o Andes-SN terá de ampliar o debate sobre a atua-lidade da “política de transição”, para quea luta em defesa do padrão unitário possaser elevada a um patamar superior,incluindo, objetivamente, as particulares.

Em suma, o leitor tem em suas mãosuma obra de referência sobre o sindica-lismo, os intelectuais, a história recenteda universidade e as conjunturas doperíodo pós-ditadura militar. Ele verácomo, no campo educacional, o ovo daserpente do neoliberalismo foi sendoaninhado na sociedade brasileira. Verátambém como a entidade, na condiçãode intelectual coletivo, apreendeu o por-vir e indicou alternativas corretas de en-frentamento. Todo esse patrimônio ins-pira as lutas de hoje e, por isso, precisaser conhecido por aqueles que, corajosa-mente, perseveram na luta em defesa deuma “sociedade de outro tipo”, para lem-brar uma expressão de Antonio Gramsci -voz que ecoa em toda a obra. A vitalida-de desta história-memória seguirá pul-sando no futuro também pelo conteúdoético-político defendido pela autora: éuma bússola no meio da tempestadeneoliberal.

A Seção Sindical dos Docentes daUniversidade Federal do Mato Grosso, aoapoiar a edição desta obra, confirma ocaráter singular do Andes-SN como sindi-cato de intelectuais e interlocutor qualifi-cado das grandes questões da educaçãobrasileira.

Roberto Leher é presidente do ANDES-SN e professor na Universidade Federaldo Rio de Janeiro.

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Domenico Losurdo, Fuga della storia? Il movimento comunista tra autocritica e autofobia. La Città del Sole, Napoli, 1999, 71 p.

1. O filósofo italiano Domenico Lo-surdo é professor de História da Filosofiana Universidade de Urbino, Itália, e pre-sidente da Internationale Gesellschaftfür dialektische Philosophie - SocietasHegeliana. É autor de uma série de li-vros sobre a filosofia clássica alemã, en-tre os quais destacamos: Tra Hegel e Bis-mark. La rivoluzione del 1848 e la crisidella cultura tedesca, Riuniti, 1981; He-gel, questione nazionale, restaurazione,Università degli studi di Urbino, 1983;Autocensura e compromesso nel pen-siero politico di Kant, Napoli, 1984; He-gel, Marx e la tradizione liberale, Riuniti,1988; La catastrofe della Germania el´immagine di Hegel, Guerini e Associati,1988; Hegel und das deutsche Erbe.Philosophie und nationale Frage zwis-chen Revolution und Reaktion, Köln,1989; Hegel e la libertà dei moderni,Riuniti, 1992; Hegel e la Germania, Gue-rini e Associati, 1997. Contudo, o seumérito intelectual não se restringe ape-nas na reconstrução da história políticada filosofia clássica alemão de Kant aMarx, em especial na interpretação dopensamento de Hegel e de seu tempohistórico, mas se estende por uma sériede ensaios de intervenção filosóficos epolíticos, tais como: Democrazia o bona-partismo. Trionfo e decadenza del suffra-gio universale, Bollati Boringhieri, 1993;

La seconda Repubblica. Liberismo, fede-ralismo, postfascismo, Bollati Boringhi-eri, 1994; Il revisionismo storico. Pro-blemi e miti, Laterza, 1996; AntonioGramsci, dal liberalismo al “Comunismocritico”, Gamberetti, 1997; Dai fratellliSpaventa a Gramsci. Per una storia poli-tico-sociale della fortuna di Hegel in Ita-lia, La Città del Sole, 1997; Il pecatto ori-ginale del novecento, Laterza, 1998. Re-centemente, o filósofo italiano publicouo livro Fuga dalla storia? Il movimentocomunista tra autocritica e autofobia(1999), onde retorna e aprofunda váriasquestões contidas nos livros escritos so-bre o comunismo, liberalismo, nazismoe o revisionismo histórico.

Gostaríamos, antes de entrarmos naapresentação das idéias de DomenicoLosurdo, de expor uma questão geralacerca do livro e do próprio autor. “Fugadella storia? Il movimento comunista traautocritica e autofobia” foi originalmen-te publicado no jornal L’Ernesto. MensileComunista, no qual o autor procura re-desenhar toda uma temporalidade his-tórica, de modo que, assim, o leitor pos-sa refletir autonomamente acerca dodebate ideológico entre as concepçõesde mundo que disputaram a hegemoniapolítica e o sentido da história durantetodo o século XX. Todavia, talvez sejaeste ensaio “menor”, se o compararmos

com a densa fecundidade dos outros jápublicados, o que melhor revela o pró-prio autor. Seguindo de perto o aforismode Aby de Warburg “o bom Deus se en-contra nos detalhes”, podemos dizerque é neste livro “menor” que encontra-mos claramente os detalhes que reve-lam toda a importância e a grandezaintelectual de Domenico Losurdo.

Primeiramente, a sua importânciareside na procura obstinada e rigorosa(ostinato rigore!) do melhor argumentopara desfazer as poderosas nuvens ideo-lógicas que gravitaram nas últimas déca-das do século XX, e que impuseram, eainda impõem, uma concepção únicade como se deve viver a vida. Segundo,é neste livro “menor” que podemos ob-servar claramente a filiação do autor nu-ma longa linhagem de intelectuais queconcebiam o jornal como locus do in-conformismo, da crítica e do desejo deação política. Uma linhagem que tem asua origem na França dos setecentos,onde os filósofos eram convidados àparticiparem do surgimento do mundomoderno mediante os panfletos e ostextos políticos publicados nos jornais, eque, posteriormente, se apresenta nosoitocentos, na Alemanha do Vormärz,onde os jovens intelectuais herdeiros dopensamento dialético de Hegel, escre-viam nos jornais acerca das idéias revo-

Por José Mário Angeli e João Carlos Soares Zuin

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lucionárias e dos princípios universaiscomo a liberdade e a igualdade. É nestalinhagem de intelectuais empenhados,críticos, que concebiam o jornal como“os olhos do espírito do povo aberto so-bre tudo” (K. Marx, “Debates sobre a Li-berdade de Imprensa”, in Gazeta Re-nana) que Domenico Losurdo é hojeum dos grandes herdeiros.

De fato, durante os oitocentos e osnovecentos, foi no jornal que as idéiasfilosóficas e políticas que legitimavam asuperioridade do mundo moderno comrelação ao antigo, eram expostas e ser-viam como fermento para as futuras einevitáveis batalhas culturais e políticas.Logo, ao refletir sobre o movimento co-munista, em suas venturas e desventu-ras, no jornal L’Ernesto e para um públi-co amplo e variado, Losurdo mantémfirme o seu vínculo com o passado datradição intelectual que de Hegel vai de-sembocar em Marx e na vida política ita-liana, em especial em Gramsci, Togliati,Banfi e Massolo. Aqui reside toda a gran-deza intelectual de Domenico Losurdo:manter acessa a chama da vontade pró-pria, da crítica dialética, do empenho po-lítico, da autonomia intelectual e do de-sejo de compartilhar com o leitor o seuesforço de compreensão do século XX,reafirmando, assim, o desejo de retoma-da da ação política pelo movimento co-munista.

2. No início do prefácio e do primei-ro capítulo, podemos observar o argu-mento central que se estende por todoo livro. Retratando dois acontecimentoshistóricos afastados por quase mil eoitocentos anos de história, aquele ocor-rido na França da Restauração de 1818,quando muitos participantes da Revolu-ção de 1789 eram forçados pelos vence-dores a renunciar os ideais revolucioná-rios e a cancelar os vínculos com a pró-pria idéia de Revolução, e, na Jerusalémde 70 d.C., quando fracassa o levantedos judeus contra Roma e após uma sé-rie de perseguições, torturas e mortes,os próprios judeus acabavam por repu-diar todo vínculo com a sua revoluçãonacional, restaurando a dominação ro-

mana, em ambos os casos, mutatis mu-tandis, para Domenico Losurdo encon-tra-se um idêntico sinal: após a derrotade um movimento revolucionário ocorreo surgimento de um colossal processoideológico, no qual todo vínculo com arevolução deve ser revisto, desfeito, ne-gado e apagado da vida particular e dahistória dos vencidos.

Uma colossal arquitetura ideológicana qual os vencedores impõem aosvencidos uma dura opressão que acabapor privá-los “de sua própria identida-de” (p.7), dos seus valores, do própriosenso de si mesmo e, sobretudo, desua história. Um processo que o autoridentifica com o termo autofobia, ondereina a “fuga temerosa de sua história eda realidade da luta ideológica e cultu-ral”(p.9). É o que ocorreu na França daRestauração de 1818, quando os anti-gos revolucionários que lutaram pelainstauração de um novo sentido para ahistória foram forçados a renunciar atodo vínculo com o processo emanci-patório que ajudaram a desencadear. Éo que se passou na Jerusalém de 70d.C., quando os judeus tiveram de ce-der suas vontades à vontade soberanada Roma imperial, revendo e reformu-lando os desejos, valores e ideais pró-prios. É o que se passa atualmente nomovimento comunista quando muitosde seus participes, após a derrota gi-gantesca nas últimas décadas do sécu-lo XX, passaram a aderir ao mundo dosvencedores “negando indignados asuspeita que um fio qualquer os vincu-le com a história do “socialismo real”, ereduzindo este último a uma simples his-tória de horror, esperando, assim, read-quirir credibilidade, talvez aos olhos daprópria burguesia liberal” (p.13).

Um processo de autofobia, no qual arazão crítica que deveria julgar a históriaé superada, de um lado, pelo trágico erápido processo de identificação dosvencidos com os vencedores, de outro,pela própria ideologia vencedora queimpõe aos vencidos toda a sua vontadede dominação. Assim, o que pretendeDomenico Losurdo em Fuga della storia?é apresentar ao leitor uma reconstrução

da história recente à luz da razão crítica,força que pode garantir ao intelectual,mediante o esforço da auto reflexão,uma necessidade que deveria ser impe-rativa, a compreensão real dos aconteci-mentos históricos e a formulação de no-vas ações políticas.

Contrário, pois, à “autoflagelaçãodos vencidos”, bem como ao “triunfonarcisista dos vencedores” (p.8), o autorpergunta se “os comunistas devem en-vergonhar-se de sua própria história?(p.7). A resposta é negativa, o que lheimpõe a tarefa de polemizar com aque-les que vêem o movimento comunistacomo a “besta negra” do século XX, ber-ço único da violência, do autoritarismo etotalitarismo, na recente história da hu-manidade. Criticando fortemente àque-les que identificam o comunismo comoa origem de todos os males existentesno trágico e totalitário século XX, Lo-surdo procura mostrar como uma densanuvem ideológica formada no início doséculo XX, mais precisamente em 1917,e concluída no processo de dissoluçãoda URSS, reina soberana impondo osseus valores e a sua concepção de mun-do, de “verdade”, acerca do senso dahistória para os povos aliados e, sobretu-do, os vencidos.

Uma fantástica conjuntura ideológi-ca que repele como falso tudo aquiloque não pode ser associado à sua pró-pria imagem e semelhança, que nega odireito de existência de tudo o que querser diverso, contrário e alternativo à lógi-ca de dominação do modo de produçãocapitalista. Uma rede de poder nuncavista na história da humanidade que,mesclando o colossal poderio militarcom os novos e poderosos meios de co-municação consegue impor a sua vonta-de ao resto do mundo. Um poder quefaz ressoar um único canto, aquele querapidamente pode ser transformado emforça-tarefa: Extra Angliam nulla salus!(Domenico Losurdo, Liberalismo contartufi, Belfagor, 1995). Ideologia do“povo eleito”, que aparece renovada nosdiscursos eleitorais e de posse dos vá-rios presidentes americanos: “agradeço aDeus por ter nascido americano” (B. Clin-

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ton), “a nossa nação é eleita por Deus etem o mandato da história para ser ummodelo para o mundo” (G. W. Bush).

Tal é o atual criterium veritatis emque todo intelectual que procure operara diferença, a auto reflexão crítica, a con-testação é rapidamente condenado aosilêncio, ou, no melhor dos casos, a re-definir rapidamente os erros cometidospela reflexão autônoma. Um processoque gera a autofobia, na qual os venci-dos, no confronto ideológico que mar-cou o século XX aceitam a capitulação erenunciam a sua própria autonomia. Tra-ta-se de um processo trágico no qual aderrota, nos mais variados campos debatalha, impôs aos comunistas a impo-tência, submissão, autoflagelação, re-núncia dos valores contidos no passado,enfim, uma ampla colonização do espa-ço físico, da consciência, e que acabapor cancelar “a própria memória históri-ca e a própria identidade cultural” (p.46).

É o que aponta Domenico Losurdo,ao referir-se aos ex-comunistas que can-celaram os vínculos que possuíam como “mal” no passado, purificando-se, as-sim, para poderem compartilhar do“bem” existente no presente. Logo, o ex-purgo do passado contaminado pelapresença do “vírus” do comunismo é osinal que permite a eles a entrada nomundo dos “eleitos”, dos “puros”, da“raça branca”, do “Ocidente liberal, capi-talista e imperialista” (p.30). Mundo dos“eleitos”, onde fora dele todo mal cor-rompe e asfixia a história da humanida-de. Mundo sacro, virginal, de uma pure-za incontaminada que, todavia, cobrados vencidos a sua rendição total e am-pla sujeição à lógica de dominação docapitalismo.

Uma rendição que Domenico Losur-do não aceita e condena, como outroracondenou um discípulo de Hegel, Oppe-nheim que, em 1864, após a falência darevolução de 1848, repudiando aquelesque renegavam os antigos ideais revolu-cionários e que se acomodavam na con-cepção de mundo dominante, dizia que:“freqüentemente tais deserções cele-bram em seus triunfos a corrupção edesmoralização política; uma deserção

que acarreta vantagens materiais, com-porta sempre a suspeita da insincerida-de” (Domenico Losurdo, “Intellettuali eimpegno político in Germania: 1989-1848”,in Studi Storici, Rivista Trimestrale dell’Is-tituto Gramsci, n.4, 1982, p.814). Um aler-ta que mantém, nos dias de hoje, a suamais profunda atualidade!

Para Losurdo, atualmente assistimosa um processo de “colonização da cons-ciência histórica dos comunistas” (p.46)posto em prática através do triunfalcanto ideológico dos vencedores. É umprocesso trágico, no qual os vencidoscomeçam a embriagar-se através daidentificação com o “narcisismo dos ven-cedores”, passo primeiro rumo à “transfi-guração da própria história” e ao cance-lamento do vínculo histórico com o pas-sado. Uma concepção de mundo hojehegemônica, difícil de resistir, mas comolembra o autor “não se é comunista”sem tal resistência (p.46). Mas o que sig-nifica ser comunista na atual atmosferaideológica onde tal palavra é associadaideologicamente pela mídia, e muitas ve-zes pelos intelectuais na academia e foradela, como sinônimo de “totalitarismo”,“despotismo”, “violência”, “massacre”,“horror”, fonte originária de todo mal quecorrompeu a história no século XX?

Para Domenico Losurdo, ser comu-nista é opor-se ao processo de mistifica-ção da história, denunciando o falso quese apresenta como verdade, de rompercom a cadeia de violência e barbárie co-metidas em nome da “liberdade” e da“democracia” ocidental. Ser comunistasignifica levar em conta a necessidadede compreensão teórica da história, dedesvendar as suas contradições, semprenovas e cada vez mais complexas, antesde querer se aventurar num prognósticoacerca das possibilidades, e, hoje sobre-tudo das impossibilidades de transfor-mação do real. Significa, em suma, read-quirir a capacidade de auto-reflexão crí-tica no plano teórico e, posteriormente,de elaborar uma autônoma estratégiapolítica. Uma dupla debilidade presentena esquerda que se afasta cada vez maisdaquela celebre lição de Lenin: “Sem teo-ria revolucionária, nada de revolução”,

uma frase que se encontra também nasprincipais lições de Marx, e que deveriaservir novamente como premissa ao mo-vimento comunista.

3. Fuga della storia? é um exercíciode auto-reflexão crítica (e novamenterecorremos à frase central do autor:“mas sem o qual não se é comunista!”),que nos leva hoje a repensar temas fun-damentais do marxismo como a extin-ção do Estado, do mercado, da religião,dos conflitos nacionais, enfim, do “ad-vento de “homem novo” tecido pela“mitologia anárquica”(p.69) e pela visãoescatológica da história. Debilidade teó-rica do marxismo, que o autor aponta eque acredita que deve ser urgentemen-te superada. À escatológica construçãodo socialismo o autor apresenta a ne-cessidade de “traçar uma linha nítida dedemarcação entre o marxismo e o anar-quismo, renunciando finalmente a uto-pia abstrata, mas explicando simulta-neamente a razão histórica de sua emer-gência” (p.71).

Criticar a presença de utopias, de es-catologias, de voluntarismo no interiordo marxismo significa dar um passo adi-ante na árdua tarefa de reconstruir omovimento comunismo, hoje condena-do à autofobia, a autoflagelação e à in-capacidade de combater a nova ondado imperialismo. Significa repor a teoriano seu lugar fundamental: sem ela, na-da de “análise concreta da situação con-creta”; sem ela, nada de mudanças, mui-to menos de revolução! Sem a compre-ensão teórica da sociedade capitalista,que se torna sempre mais complexa,não se pode ir muito além do mero de-sejo de mudanças! A superação da so-ciedade capitalista não pode ser alcan-çada pela mera vontade, pelo sentimen-talismo poético ou pelo pensamentoutópico. Ela é obra de um processocomplexo e “extremamente complexo éo processo de construção de uma socie-dade socialista” (p.61). como diz Losur-do, relembrando a famosa mas poucocompreendida lição de Antonio Gramsci,que dizia ser o comunismo um obra que“durará provavelmente dois séculos”

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(Domenico Losurdo, “Legittimità e criticadel moderno. Sul marxismo di AntonioGramsci”, in Losurdo, Giacomini, Martelli(orgs) Gramsci e L’Italia, La Città del Sole,1994, p.11). Tomar distância do escato-logismo, anarquismo, dogmatismo, dautopia do mundo sem conflito, bemcomo da autofobia e da autoflagelaçãosignifica repensar o projeto de progressoda liberdade humana conjuntamentecom uma radical renovação do própriomovimento comunista. Uma tarefa ur-gente, sem a qual o movimento comunis-ta permanecerá na posição de subalterni-dade, incapaz de elaborar um novo proje-to estratégico sobre a situação concreta.

Domenico Losurdo procura repensaro movimento comunista como um com-plexo processo de aprendizagem queocorreu em condições históricas dramá-ticas. Refuta, pois, toda interpretação re-visionista que busca demonizar a Re-volução de Outubro e todo ciclo revolu-cionário que vai desde 1789 à 1917. De-nuncia as interpretações ideológicas dahistória que almejam liquidar a Revolu-ção Francesa e a Revolução Russa, comosímbolos únicos do horror, violência, ti-rania e morte na história do Ocidente.Para Losurdo, ao repudiar toda onda re-volucionária na história, bem como todomovimento emancipatório, os ideólogosdo poder dominante acabam por legiti-mar a dominação então existente, isto é,aceitam a missão civilizatória que os paí-ses imperialistas executaram desde ocolonialismo e, sobretudo, no início doséculo XX. Esquece-se, portanto, o pas-sado marcado pelo extermínio dos ín-dios, pela escravidão dos negros e peloódio racial aos judeus. Três grandes tragé-dias, três grandes holocaustos, que carac-terizam a história da humanidade e quesurgem no interior do Ocidente, produ-zidas e ungidas pelas grandes nações deraça branca, senhoras do mundo! Es-quecimento que tem como motivo fun-damental legitimar toda intervenção deuma nação que se crê superior em umanação de raça inferior. É contra o cance-lamento da memória histórica efetuadopelos ideólogos do poder dominanteque Losurdo escreveu os ensaios de in-

tervenção filosóficos e políticos como Ilrevisionismo storico. Problemi e miti, Ilpecatto originale del novecento e Fugadella storia?Il movimento comunista traautocritica e autofobia.

Na crítica dirigida por Losurdo aorevisionismo histórico, duas teses sãocentrais. A primeira é a de que o nazis-mo é uma radicalização da tradição co-lonial, de modo que não se pode enten-dê-lo, sobretudo no que se refere aohorror dos campos de concentração eexternínio, sem termos presente que aspráticas da deportação, massacre, geno-cídio atravessam toda a história da tradi-ção colonial e que fazem a sua apariçãona Europa, no início do século XX (comoapenas um exemplo, Losurdo apresentaa tragédia da colonização do Congo pelaBélgica, onde de 1890 à 1911 a popula-ção decresce de 20-40 milhões para 8milhões!). A segunda tese de Losurdo éa de que o século XX não foi simples-mente o século do confronto entre o co-munismo e o nazismo, mas foi o séculodo conflito entre as grande potênciaspela hegemonia mundial. Mediante es-sas duas teses, Losurdo interpreta o sen-tido da guerra total, do totalitarismo, daprática do extermínio em massa, do su-peramento das liberdades individuais,fenômenos que se iniciam a partir de1914 e que foram produzidos pelo siste-ma capitalista liberal.

A compreensão do comunismo, emsuas venturas e desventuras, não podeser bem realizada sem a análise dascondições históricas. O comunismo sur-ge com o advento da Primeira GuerraMundial, da destruição colossal causadapela guerra imperialista, da qual a Re-volução de Outubro é uma respostaemancipatória. Considerando o períodohistórico que vai de 1917 até 1953, anodo falecimento de Stalin, o autor afirmaque a trajetória da URSS é marcada porum Estado de Exceção permanente.Nesse arco temporal, existiram cincoguerras (duas mundiais, duas revolu-ções, a de outubro e a coletivização for-çada do campo), o que acabou por for-çar a manutenção de um Estado de Ex-ceção permanente. A grande questão

para Losurdo é a de compreender o mo-tivo pelo qual após 1953 a URSS nãoconseguiu transformar-se num regimepolítico de normalidade. A contínua per-manência de uma forte Estado de Ex-ceção é analisada em dois focos, que secomplementam, um externo, a presençapermanente do “imperialismo america-no e da política diplomático-militar dopós-guerra”, que se estabeleceu duranteo período de 1945-1946, momento queele define como sendo “a terceira guer-ra mundial de caracteres muito particu-lares”, e, outro interno, a debilidade teó-rica do marxismo. No que se refere aoplano internacional, Losurdo pretendedemonstrar que a vigência da URSSsempre esteve ameaçada pelas corren-tes ideológicas do liberalismo e donazismo e, posteriormente, com a guer-ra-fria, acontecimentos externos quebuscavam tornar sempre mais difícil, se-não quase impossível, a realização deuma nova forma de sociedade, toda elacontrária ao modo de produção capita-lista.

A Revolução de Outubro tem um sig-nificado epocal, pois ela supera umaquestão nacional, porquanto o lenimis-mo abateu as barreiras que separavamnegros de brancos, asiáticos e europeus,escravos do imperialismo “civil” e “nãocivil”, entendendo que o nacionalismoapregoado pelas potências européiasestava estritamente ligado ao colonialis-mo. É Lenin quem denuncia o caráterideológico da guerra de defesa da pátriae lança o apelo para a libertação dosescravo das colônias. É um momentohistórico profundamente emancipatório,que não pode ser esquecido. Assim, aofazer o balanço dos anos de Lenin e Sta-lin, Losurdo ressalta que, ao contrário daideológica visão maniqueísta o totalita-rismo é decorrente do liberalismo oci-dental, e os percalços de Lenin e Stalindevem ser discutidos dentro do clima de“guerra total” em que o regime soviéticofoi colocado.

Embora Losurdo aponte a existênciade erros no interior da construção do co-munismo na URSS, ainda assim, comStalin “a teoria marxista continua a reve-

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lar-se superior àquela professada pelosmais destacados expoentes do mundoburguês” (p.43). Contrário à visão mani-queísta da história, em que o comunis-mo aparece como sinônimo de destrui-ção e despotismo, e os países liberaiscomo sinônimo de liberdade e demo-cracia, o autor compara a maneira pelaqual a luta contra o nazismo era inter-pretada pelos liberais e pelos comunis-tas, mediante o discurso dos dois princi-pais personagens da época, o presiden-te americano e o líder soviético. A tradi-ção liberal representada pelo presidenteamericano Franklin Delano Rooseveltexprimia que: “devemos ser duros coma Alemanha e mesmo com o povo ale-mão, não somente com os nazistas. De-vemos castrar o povo alemão ou tratá-lode um modo tal que não possa maiscontinuar a reproduzir pessoas quequeiram comportar-se como no passa-do” (p.43).

Enquanto Stalin afirmava que tiranoscomo “Hitler vão e vem e por isso de-vem ser condenados, enquanto o povoAlemão e o Estado Alemão permane-cem”(p.43). Este é apenas um exemplo,entre outros, que demonstra que “a ges-tão do poder por obra de Lenin e Stalinnão é um capítulo da história de que oscomunistas devam se envergonhar-se”(p.40). Assim sendo, para o autor, o mo-vimento comunista deve recuperar a suahistória, pois o que está acontecendocom ele, hoje, é que o comunista deixousua consciência histórica ser colonizadapelo americanismo.

No entendimento de Losurdo, o des-monte do socialismo na URSS, antes deser atribuído à “implosão”, sobretudo deordem econômica, ele deve ser atribuí-do à obra do “imperialismo americano eà política diplomático-militar do pós-guerra”. A categoria de implosão, ao le-var em conta apenas os personagensem cena e o desenvolvimento histórico-político desse período, tem se reveladocomo “um mito apologético do capitalis-mo e do imperialismo americano”(p.27), celebrado por muitos intelectuaisque legitimavam a sua “indiscutível” su-perioridade com relação ao sistema so-

cial que, tanto em Moscou como no Ca-ribe, entraram em crise, exclusivamente,pela sua interna insustentabilidade epela sua intrínseca inferioridade.

Todavia, ao denunciar esta categoria,o autor não deixa de fazer uma autocrí-tica do movimento, ao contrário, ela de-ve resultar da tomada de consciência dorealidade objetiva da “terceira guerramundial”. Exatamente, segundo Losur-do, esta categoria é persuasiva. Ela per-suade, no momento em que “se con-fronta a multimídia e a ideologia” cujospapeis são essenciais para a compreen-são do estado de desorientação do con-flito. Este fato deixa bem clara a existên-cia de uma luta ideológica para mantera leadership mundial americana: “deve-mos continuar a guiar o mundo”, “a nos-sa missão é sem tempo”, são frases deClinton que expressa o desejo america-no de dominação. Losurdo tem cons-ciência que não está assumindo um“comportamento justificacionista comrelação ao PCUS”, mas que busca uma“autonomia de juízo e da memória his-tórica”, como único instrumento capazde superar a “condição de soberania li-mitada” que se encontra o movimentocomunista (p.35).

Fica evidente esta ofensiva diplomáti-co-militar contra o bloco socialista, notrabalho de Losurdo, bem como autocrí-tica feita quer seja por Mao Tsé-tung, nãosabendo “criticar os vários erros que severificaram na URSS”, e por Fidel Castro,ao sobrevalutar o regime soviético emsi, particularmente no tocante à “questãonacional e a dissolução do “campo socia-lista” em que a força do nacionalismomuita vezes foi imposta sobre a religião(p.50). Erro e debilidade da teoria mar-xista que não compreendeu que a reli-gião pode ser um momento essencial deconstrução do nacionalismo, fato essereafirmado pela concepção internaciona-lista que negou insistentemente tal pos-sibilidade em nome de uma abstração eagressão, não considerando e respeitan-do a particularidade de cada povo e na-ção.

Esta situação foi-se agravando cadavez mais e com Krusciov, nos anos 50,

atingiu o seu momento mais críticoquando foi proclamado que “o únicoobjetivo do comunismo era a superaçãodos Estados Unidos” (p.52). Assim, ideo-logicamente, o “socialismo real” passoua ser a ofensiva ideológica tanto no pla-no da história, como no plano da filoso-fia da história, assinalando que o desti-no do capitalismo estaria com os diascontados. Os anos seguintes mostramcomo esta visão era totalmente irrealísti-ca, porque, do ponto de vista da mate-rialidade, o comunismo não alcançou odesenvolvimento desejado, produzidopelo capitalismo.

Por um lado, a falta de compreensãoteórica da realidade do capitalismo, noséculo XX, levou certamente o movi-mento comunista a uma profunda crise.Enquanto, o capitalismo avançava ideo-lógica e economicamente, o comunis-mo entrava em crise economicamente,embora, ideologicamente, ele estavamais que seguro, através do aparelho danomeklatura autocrática, que já não go-zava de legitimação universal. Por outro,se o comunismo pressupõe um desen-volvimento prodigioso das forças produ-tivas, o que deveria cancelar tanto a exis-tência dos problemas e dos conflitosrelativos à distribuição da riqueza sociale do trabalho, bem como do Estado, dadivisão do trabalho e de toda forma depoder e de obrigação, ele dava sinal defortalecimento e de ser cada vez maisintolerante com a sociedade civil, quecrescia graças à secularização das mas-sas e à difusão da cultura com um míni-mo de segurança social.

Isto confirma a assertiva gramsciana:“a convicção barroca que quanto mais serecorre a objetos “materiais” tanto maisse é ortodoxo” (Q.p.1442) ou como diriaLenin, “sem teoria revolucionária nada derevolução”. Certamente que o “socialismoreal” não era uma sociedade pós-capita-lista, muito menos era a realização terrenada escatológica concepção de mundo deuma sociedade conciliada e sem contradi-ções e conflitos. O fosso crescente entre aideologia e a realidade era sanado poroutras fórmulas ideológicas, como a domito do herói soviético e da eminente

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derrocada dos decadentes “inimigos” doocidente.

4. Segundo Losurdo o desfecho trá-gico da trajetória histórica da URSS nãopode ser atribuído à presença de “mo-delos negativos”. A degeneração domovimento comunista não pode nemser imputada à Stalin como sendo umgrande pecador, nem ser atribuiada àausência de Bukharim ou Trotsky, eleva-dos, assim, à figura mítica de salvadoresou redentores da humanidade que fo-ram sacrificados no altar do comunismopelos fariseus. Para o autor, a personali-zação da política esvazia o problema re-al em sua real concretude: a trajetória daRússia é uma trajetória de luta de classeao nível nacional e internacional, de re-lações de força sob o plano econômico,político e militar. Se não compreender-mos esta questão, as tentativas de supe-ração da crise em que se encontra omovimento comunista serão vazias ouestéreis. Um exemplo atual é a “palavrade ordem” de um setor do movimentocomunista que pensa resolver todos osdramáticos problemas mediante o sim-ples “retorno à Marx”, a um Marx queguarda em si, intacta, a chave messiâni-ca que acabará com todos os males domundo.

Segundo Losurdo, Marx é um autorclássico, fundamental para compreen-dermos o capitalismo, mas mais do queo seu retorno, é necessário entender omovimento histórico real, pois Marx nãoé o filósofo dá “previsão” e da “política”,ele “entra no âmago do materialismohistórico, onde a teoria se desenvolve apartir da história da materialidade dosprocessos sociais” (p.14). Este é o ele-mento importante para qualquer auto-crítica, pois, caso contrário, estaremoscondenados à “impotência” e à “subor-dinação”, perdendo, assim, “a capacida-de de pensar e do agir em termos polí-ticos”(p.18). Assim sendo, é necessáriocriticar as debilidades teóricas do mar-xismo, o que não é nenhuma heresia,como ainda hoje procuram afirmaralguns comunistas atrelados à ortodo-xia. A Marx é preciso fazer o que ele e

sua geração fizeram com outro grandeautor, Hegel, isto é, criticá-lo, para poderseguir com a própria dialética hegelianaadiante. Usando o recurso da bela lin-guagem poética de Heine que, nos anosdo Vormärz, ao se referir a Hegel comoo grande intelectual que pensou e legiti-mou a superioridade do mundo moder-no com relação ao antigo, dizia que “seum dia tivermos que combatê-lo, o fare-mos com a mais preciosa espada dehonra” (H. Heine, “Vario modo di conce-pire la storia”, in F. Mende (org.) La sci-enza della libertà, Riuniti, 1972, p. 143).O que valeu para Hegel, vale tambémpara Marx, isto é, devemos superar(aufheben) as debilidades do marxis-mo usando “a mais preciosa espadade honra” que é a crítica, para poder-mos seguir adiante com o materialis-mo histórico.

Se se negligencia este aspecto cai-sena vala do idealismo ou da ortodoxia.Concepções de mundo privadas da his-tória, dos conflitos e das contradiçõesacabam por sufocar a visão do político eacentuam a visão escatológica de umasociedade sem Estado, mercado, reli-gião, poder. No idealismo ou na ortodo-xia, prevalece que a política, os fatoresideológicos, as peculiaridades de cadapovo e nação são descartados a prioricomo algo irrelevante. Desse modo, ateoria perde a sua força de denunciar ascontradições presentes na realidadeconcreta, tornando-se um mero jogo depalavras vazias de sentido. Não pode-mos esquecer que a negação do políticoacabou por fortalecer a arquitetura doEstado de Exceção na URSS (p.69).

Desta forma, a superação do Estadodeve ser entendida dentro do materialis-mo dialético. Isto é, o comunismo se dádentro das relações sociais de produção,concretamente. A abstração anarquistaque visava liquidação do Estado, postu-lando o advento de um “novo tipo dehomem”, negava a importância da políti-ca. Assim, a emancipação do homem sedá na história e não no seu fim (liberalis-mo, anarquismo e socialismo), isto é, aRevolução de Outubro deveria ter ultra-passado o seu fim.

O livro de Losurdo merece ser lidopor todos aqueles que lutam por ummundo melhor. É um livro que nos ensi-na a evitar a queda na fácil liquidação dopassado como algo “irracional”, “mons-truoso”. Tais interpretações, hoje hege-mônicas, reduzem toda uma história po-lítica e das idéias a uma série de aconte-cimentos produzidos por monstros, pes-soas demoníacas ou pervertidas.

Não obstante os inúmeros erros docomunismo e de seus dirigentes, Losur-do busca ressaltar que não podemoscompreender a história moderna e con-temporânea sem a herança de valores eidéias do movimento comunista.

O avanço da democracia social e po-lítica, o fim da segregação racial e dascláusulas de exclusão estão vinculadasàs conquistas do movimento comunista.É o que busca demonstrar num estiloque é conciso e muito agradável de serlido, por isso ele merece uma traduçãopara o português.

Certamente, ele muito irá contribuirpara entender a história e a realidade daluta ideológica e cultural que envolve omovimento comunista.

*José Mário Angeli e João Carlos Soa-res Zuin são professores na Universi-dade Estadual de Londrina.

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Gramsci, globalização e pós-moderno. José Mário Angeli. Editora da UEL, Londrina-PR. 1998. 136 páginas.

Osmani Ferreira da Costa*

O jornalista italiano Gramsci(1891-1937) uniu a prática da mili-tância político-partidária à reflexãoteórica da filosofia para se tornar umdos mais importantes pensadoresmarxistas do século XX. Antes de serpreso em 1927 pelo governo fascistaitaliano, ele tivera intensa atividadecomo membro do Partido Socialista,sempre polemizando e criticandocom dureza os liberais e reacionárioda direita. Defensor da radicalizaçãoda experiência com conselhos de fá-bricas, ele ajudou a fundar o PartidoComunista Italiano em 1921, e este-ve na Rússia para acompanhar a im-platação do governo da RevoluçãoBolchevique de 1917. Mas foi duran-te os dez anos de prisão - onde mor-reu sob o governo de Mussolini - queGramsci escreveu a maior e mais im-portante parte de sua obra, as “Car-tas” e os “Cadernos do Cárcere”.

Conhecido como o teórico da su-perestrutura, Gramsci se opôs aomarxismo positivista ancorado nohistoricismo e desenvolveu a ‘filoso-fia da práxis’, o “conceito de blocohistórico”, a ‘teoria da hegemonia’, ea tese do “intelectual orgânico’, en-tre outros conceitos socilógicos e ca-tegorias filosóficas. Tudo sempremuito embasado no ponto de vistarevolucionário de crítica ao capital e

defesa do socialismo e da democra-cia; na busca da politização da so-ciedade civil e do estado-ético.

Agora, os principais conceitos, te-orias e idéias deste marxista revolu-cionário - eles são muitos e da maiorimportância - voltam a ser o centrode uma discussão aprofundada eatual com o lançamento do novo li-vro do professor de filosofia da Uni-versidade Estadual de Londrina (UEL)José Mario Angeli, “Gramsci, Globa-lização e Pós-Moderno”. Dirigidoprioritariamente a estudantes e pro-fessores de filosofia, ele será tam-bém de grande valia a profissionais,docentes e alunos de ciências soci-ais, sociologia política, comunicaçãosocial e áreas afins.

Dividido em cinco capítulos dis-tintos - artigos apresentados em se-minários e congressos - o livro man-tém, no entanto, uma unidade admi-rável e necessária ao entendimentodo todo da obra do filósofo italiano.Doutor em filosofia pela Universida-de de Santo Tomás de Aquino, deRoma, Angeli recorre às teorizaçõesde Gramsci para analisar e refletir so-bre os temas atuais, chamados depós-modernos: ordem neoliberal,globalização da economia, pseudoinexistência da soberania dos esta-dos nacionais, exclusão social dos

trabalhadores etc.O livro mostra um Gamsci sem

rodeios ou máscaras, militante da fi-losofia enquanto instrumento deação circunstanciada na história e dedefesa dos excluídos na luta de clas-ses gerada pelo capitalismo. A lin-guagem de Angeli não é simples oufácil, nem poderia ser diferente pelascaracteristicas do conteúdo dos te-mas em debate. Mas é clara, direta eacessível o suficiente para o bom en-tendimento e reflexão dos minima-mente iniciados em Gramsci.

No primeiro capitulo, Angeli fazum resgate da trajetória histórica euma análise do pensamento do filó-sofo italiano, para mostrar de ma-neira inequívoca como estes esta-vam impregnados do mais puro eoriginal marxismo. Contrariamenteao que insistem em sustentar algunscríticos superficiais, que apontam naobra de Gramsci traços mais marcan-tes do liberalismo, criando uma polê-mica sem razão de ser. O autor res-salta, no entanto, que partindo domaterialismo histórico e dialético deMarx, Gramsci avança para o entendi-mento de que o marxismo não é ummodelo, um sistema pronto e acaba-do, pelo contrário, pela sua própriadialética, o marxismo é um ‘processo’que está em constante evolução.

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No segundo capítulo, dedicado àanálise das mudanças no mundo dotrabalho e da educação, Angeli lem-bra que o filósofo italiano tinha apolítica como um instrumento es-sencial à transformação da socieda-de, no rumo da igualdade, de liber-dade e de um mundo sem classes.O autor ressalta ainda que, no cami-nho deste objetivo maior, a educa-ção e o trabalho formavam o maisimportante binômio da pedagogiade Gramsci. O que este deixava cla-ro em suas cartas do cárcere a fami-liares, quando mostrava preocupa-ção com a educação do filho e deuma sobrinha. Para Gramsci, ‘educarno trabalho’ era proporcionar aos in-divíduos a possibilidade de seremlivres, a oportunidade da construçãode homens novos.

No terceiro capítulo, Angeli recor-re aos escritos de Gramsci sobre a‘questão meridional’ para refletir so-bre a atualidade, onde se sobresai odiscurso da derrota final do ‘socialis-mo real’ e vitória definitiva do ‘capi-talismo mundializado’. O autor ava-lia, como já fazia o filósofo italianonas décadas de 20 e 30 do séculopassado, que as relações Norte-Sulsão definidas de cima para baixo,impondo prejuízos à periferia e acu-mulando riquezas nos países cen-trais. Angeli lembra que a geografiamundial - assim como as nacionais -muda constantemente porque o ca-pital se desloca em busca de zonasde alta repressão e de baixos salá-rios. É por isto que os territórios são,na maioria das vezes, definidos defora para dentro. O autor defendeque uma geografia crítica deve partirdas lutas e contradições históricas,econômicas e políticas.

No quarto capítulo, que trata da‘recuperação da idéia de política’ naobra de Gramsci, o autor chamaatenção para o triste fato de que a

economia passou a ser o principioda universidade humana. O autorressalta que Gramsci potencializouos aspectos da política, utilizando-seda ‘filosofia da práxis’ para buscar asbases da constituições de uma novacultura e de um novo Estado. Angelidiz acreditar que haverá uma reaçãoà ‘revolução de 89’, que derrotou o‘socialismo real’. E que os novos su-jeitos da política do 3º milênio resta-belecerão a dialética entre a ‘revo-lução’ e a “reação”.

O texto de Angeli é rico em cita-ções oportunas e bem localizadas.Marx, Weber, Lenin, Hegel, Engels,Chesnais, Chauí, Chomsky, Luckács,Althusser, Heidegger, Nietzsche e ou-tros vão aparecendo com naturalidadee só quando necessário ao entendi-mento, sem o exagero pedante de au-tores que buscam transparecer umacultura inexistente. Aqui, cada citaçãoé precedida e acompanhada de co-mentários que acrescentam ao leitorinformações novas e contextualizadas.

No quinto capítulo, que é o queempresta o nome ao livro, o autoravalia o pós-moderno no bojo daglobalização - entendida como oprocesso de mundialização da eco-nomia capitalista, notadamente fi-nanceiro - para afirmar que ele é umtermo que está sendo usado comosinônimo do mundo pós-industrial,mas que se tem mostrado um para-digma insuficiente para a análise doreal. Angeli ressalta que globalizaçãoé um termo ambíguo que necessitade urgente redefinição, e que auto-res como Marx e Gramsci já previama planetarização da economia, im-posta pelo Norte sobre o Sul, sem re-solver no entanto os antagonismosde classes inerentes ao capitalismo.

O autor lembra que o capital émundializado deste que existe, eque o massificado discurso ideológi-co neoliberal de que a globalização

terminaria com as desigualdades so-ciais e a exploração das classes su-balternas não se concretizou. Atéporque o pós-moderno, assim comoprevia Marx, nada mais é do que averdadeira realização do modernona sociedade capitalista e significa,na realidade, o esvaziamento doconcreto por parte do abstrato.

Angeli conclui o livro com impor-tantes e instigantes indagações so-bre o papel atual e futuro da filoso-fia, da sociologia política, dos parti-dos, dos sindicatos, dos indivíduos,das classes sociais, do capitalismo eda utopia socialista. Perguntas cujaspistas de respostas estão presentesao longo das 136 páginas do livrodeste filósofo marxista, que tem em-preendido, nas últimas décadas,uma correta e profunda viagem àbase da obra de Antonio Gramsci.

O leitor fecha o livro com a sen-sação de que, como previra o pro-fessor Ricardo de Jesus Silveira noprefácio, este novo livro de Angeli“chega em boa hora, não é apenasoportuno, é necessário”. Mais queisto, diríamos que ele é indispensá-vel aos que têm interesse no bomentendimento do filósofo italianoque repensou, atualizou e fez avan-çar a obra de Karl Marx.

* Osmani Costa é Jornalista da Folhade Londrina, bacharel em Sociologia,professor de Comunicação na UEL, emestrando em Ciências Sociais.

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“O povo sofre quando o mais vildos homens governa”“Quando o ímpio domina, o povo geme”(Provérbios 29:2)

As imagens reunidas neste ensaio retratamo desperdício (gastos sem proveito) de verbaspúblicas enquanto o Estado produz a misériaque se derrama das periferias das cidades aosmais recuados e silenciosos lugarejos do inte-rior do Brasil.

Os espectros de construções e rodoviaspúblicas inacabadas e abandonadas, de tãopopulares que se tornaram, já não mais agri-dem a retina do observador comum.

Trazemos, para o olhar do leitor de Universi-dade e Sociedade, os traços inconfundíveis damiséria que nos rodeia, captados por imagensque denunciam o esbanjamento, o fausto inú-til, do poder público diante da ausência crueldas mínimas condições de vida de uma parce-la considerável de brasileiros. O quadro trágicodos excluídos se deixa escapar de nossa per-cepção distraída e desarmada do dia-a-dia.

A grande nobreza do Estado, no momento,extraída do solo da academia, designadamen-te do campo das ciências políticas e sociais,

atrai para si a miopia, por alheia que se reve-la à vida comum de seus concidadãos.

Os novos mandarins do Brasil, sempre gu-losos, ávidos de elogios, dispostos a gastosmilionários com propaganda de seus feitos,como a que nos assalta os olhos sobre a bolsaesmola (escola, para o Ministro da Educação),na verdade, são homens carcarás que matam,mas não comem, produzem a miséria e o so-frimento humano, no campo e na periferiadas cidades. A evidência dessa fatalidade quenos mostram estas imagens, fere mesmo atéaqueles, eles próprios, que estão amontoadosnos lugares de rejeição social (favelas, abri-gos, barracos, túneis, calçadas) onde a misériade cada um se redobra por todas as misériasnascidas da coexistência e da coabitação detodos os miseráveis, o que resulta na “deses-perança de si” e de uma cidadania que muitolhes tarda a guarda.

* Antônio Ponciano Bezerra é professor doutor da Uni-versidade Federal de Sergipe, Diretor do Andes-SN e editor darevista Universidade e Sociedade.

* Fotos: Folha Imagem

Faces da violência: do extraviocriminoso à exclusão absolutaPor Antônio Ponciano Bezerra*

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Da miséria extremada...

TRT/SP - caso “Lalau”

...ao luxo obsceno

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Imagens clássicas servem detapume a uma obra pública(escola inacabada), abandonadae destruída pelo tempo.

A construção (via públicainacabada) que morre na contramão atrapalhando o trânsito

Rodovias (obra pública) iniciadas e abandonadas: umdos exemplos mais perversos

de desperdício de verbaspúblicas no Brasil.

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No campo, o retrato da política de mau-estar dahabitação nacional.

A miséria em solo de cacos, farrapos,varas e papelões.

No nordeste, um velho tanque barrento é fonte devida e de lazer parahabitantes próximos.

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No campo, restos de água e lama saciam a sede dossobreviventes.

Para onde foram oscinco dedos do

Presidente FHC?

Na fartura do lixo, homens e urubus colhem o pão de cada dia.

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A TV que ninguem vê.

No lixo, a abundânciapara almoço dos excluídos.

Uma luz no fim do túnel:o caminhão do lixo.

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PRESIDENTE: Roberto Leher - ADUFRJ S.Sind1º VICE-PRESIDENTE: Fernando Molinos Pires Filho - ADUFRGS S. Sind2ª VICE-PRESIDENTE: Maria Lia Silva e Reis - ADUCSal S.Sind3ª VICE-PRESIDENTE: Marina Barbosa Pinto - ADUFF S. SindSECRETÁRIO GERAL: Edmundo Fernandes Dias - ADUNICAMP1ª SECRETÁRIA: Lena Lúcia Espíndola Rodrigues Figueirêdo - ADUFC S.Sind2ª SECRETÁRIA: Ana Lúcia Barbosa Faria - SINDCEFET3ª SECRETÁRIA: Cláudia Gonçalves de Lima - ASDUERJ 1º TESOUREIRO: José Domingues de Godoi Filho - ADUFMAT S.Sind2º TESOUREIRO: Antônio Luiz de Andrade - ADUNESP S.Sind3ª TESOUREIRA: Celi Zulke Taffarel - APUB S. Sind

REGIONAL NORTE1ª VICE-PRESIDENTE REGIONAL NORTE: Vera Lucia Jacob Chaves - ADUFPA S. Sind; 2ºVICE-PRESIDENTE REGIONAL NORTE: Antônio José Vale da Costa - ADUA S.Sind; 1ª SE-CRETÁRIA REGIONAL NORTE: Berenice Carvalho - ADUA - S. Sind; 2º SECRETÁRIOREGIONAL NORTE: Henrique dos Santos Pereira - ADUA S.Sind; 1ª TESOUREIRA REGIO-NAL NORTE: Solange Calcagno Galvão - ADUFPA S.Sind; 2º TESOUREIRO REGIONALNORTE: Arnóbio Amanajás Tocantins Neto - ADFCAP S. Sind

REGIONAL NORDESTE I1º VICE-PRESIDENTE REGIONAL NE I: Franci Gomes Cardoso - APRUMA S.Sind; 2ª VI-CE-PRESIDENTE REGIONAL NE I: Antônio de Pádua Rodrigues - ADUFPI; 1ª SECRETÁ-RIA REGIONAL NE I: Maria Dulce Souza Castelo - ADUFC S.Sind; 2ª SECRETÁRIA REGIO-NAL NE I: Silvana Martins de Araujo - APRUMA S.Sind; 1º TESOUREIRO REGIONAL NEI: Iberê Guimarães Aguiar - ADUFC S.Sind; 2ª TESOUREIRA REGIONAL NE I: Maria daConceição Lobato Muniz - APRUMA S.Sind

REGIONAL NORDESTE II1ª VICE-PRESIDENTE REGIONAL NE II: Maria Elisabete de Almeida - ADUFPB-JP S.Sind;2ª VICE-PRESIDENTE REGIONAL NE II: Maria Marieta dos Santos Koike - ADUFEPES.Sind; 1º SECRETÁRIO REGIONAL NE II: Almir Serra Martins Menezes Filho - ADURNS.Sind; 2º SECRETÁRIO REGIONAL NE II: Geraldo Marques Carneiro - ADFURRN S.Sind;1º TESOUREIRO REGIONAL NE II: Expedito Baracho Júnior - ADUFERPE S.Sind; 2º TE-SOUREIRO REGIONAL NE II: Josevaldo Pessoa da Cunha - ADUFPB CG S.Sind

REGIONAL NORDESTE III1º VICE-PRESIDENTE REGIONAL NE III: Rui Belém de Araújo - ADUFS S.Sind; 2ª VICE-PRESIDENTE REGIONAL NE III: Maria Cristina da Rocha Mendes - ADUFAL S.Sind; 1º SE-CRETÁRIO REGIONAL NE III: Antônio Ponciano Bezerra - ADUFS S.Sind; 2º SECRETÁRIOREGIONAL NE III: Carlos Zacarias Figueirôa de Sena Júnior - ADUNEB S.Sind; 1º TESOU-REIRO REGIONAL NE III: João Pereira Leite - ADUCSAL S.Sind/APUB S.Sind; 2º TESOU-REIRO REGIONAL NE III: Osaná Macedo Reis - APUNI S.Sind

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REGIONAL PLANALTO1º VICE-PRESIDENTE REGIONAL PLANALTO: Cláudio Lopes Maia - ADCAC S.Sind; 2ºVICE-PRESIDENTE REGIONAL PLANALTO: Fernando Mascarenhas Alves - ADUFG S.Sind;1º SECRETÁRIO REGIONAL PLANALTO: Marcus Jary Nascimento - ADCAC S.Sind; 2ª SE-CRETÁRIA REGIONAL PLANALTO: Nádia Maria Farias Vaz - SESDUNIANA S. Sind; 1º TE-SOUREIRO REGIONAL PLANALTO: Alcir Horácio da Silva - ADUFG S.Sind; 2º TESOUREI-RO REGIONAL PLANALTO: André Luiz dos Santos - ADCAJ S.Sind

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Ano XI, Nº 25, dezembro de 2001 191

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