aves de rapina e abelhas nativas do brasil[1]

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Page 1: Aves de rapina e abelhas nativas do brasil[1]

1Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 23 a 28 de Setembro de 2007, Caxambu - MG

VISITA DE ABELHAS A NARINAS DE AVES DE RAPINA(ACCIPITRIDAE E STRIGIDAE): MUTUALISMO FACULTATIVO?

Débora N C Lobato, Yasmine Antonini, Rogério Parentoni Martins e Roberto Azeredo

INTRODUÇÃO

Muitas espécies de organismo na naturezaparticipam direta ou indiretamente eminterações mutualísticas (Townsend et al. 2006).Quando uma interação mutualística se estabeleceambas as espécies se beneficiam da interação.Todas as espécies de abelhas sem ferrão sãosociais e têm colônias permanentes. Embora elasse alimentem basicamente de pólen e néctar,algumas espécies podem se alimentar de carneem decomposição, fezes e outros tipos de matériaorgânica. Freqüentemente elas coletam suor dohomem e de animais (Nogueira-Neto 1997).Abelhas sem ferrão podem se beneficiar dainteração com outros tipos de invertebradoscomo é , por exemplo, o caso de várias espéciesde ácaros que auxiliam na limpeza das colméias.No entanto, não há registros sobre interaçõesmutualísticas entre abelhas sem ferrão evertebrados.Os gaviões, águias e corujas, conhecidospopularmente como aves de rapina, atacam suaspresas diretamente a partir de poleiros ou asperseguem em pleno vôo. Essa capacidade eagilidade são facilitadas pela visão binocular deprofundidade (Brown e Amadon 1989). No Brasilhá 45 espécies de Falconiformes sendo que a demaior porte, o gavião-real, ou uiraçu Harpiaharpyja (Linnaeus, 1758), está incluído nacategoria vulnerável na lista da IUCN. O sucessoda reprodução dos Falconiformes em cativeirodepende de diversos fatores, entre elestemperatura e alimentação adequadas,fornecimento de material para nidificação(Galetti e Carvalho 2000, Albuquerque 1995) eprovavelmente de interações mutualísticas.Antonini et al. 2004 observaram que um adultode Harpia harpija, proveniente de um cativeiroda Alemanha (região onde não ocorrem abelhassem ferrão), apresentava dificuldades emrespirar pelas narinas. Este indivíduo permaneciaconstantemente com as aves do bico abertas,provavelmente devido à obstrução de suasnarinas. Cerca de um mês após a sua chegada ao

cativeiro, em Belo Horizonte, observou-se queele já era capaz de manter naves do bico fechadas,um indicativo de que o mesmo respiravanormalmente. Verificou-se também que abelhasentravam e saiam de suas narinas e removiamsecreções ali acumuladas. A obstrução nasalpode ter comprometido temporariamente asaúde dessa ave, pois ele não foi capaz de sereproduzir no cativeiro em que vivia naAlemanha. No entanto, alguns meses após seuretorno ao Brasil, ela conseguiu se reproduzircom sucesso.Este trabalho tem como objetivo relatar,observações sobre o comportamento de limpezadas narinas que abelhas sem ferrão realizam emH. harpyja em cativeiro e de outras espécies deaves de rapina das famílias Accipitridae eStringidae em cativeiro e no campo.

MATERIAL E MÉTODOS

As observações sobre H. harpyja foram realizadasem um criadouro de aves na região metropolitanade Belo Horizonte, e por meio de observaçõesad libidum de animais adultos que vivem noZoológico de Belo Horizonte (FZB-BH) e deManaus (CIGS). As observações sobre ocomportamento de limpeza das narinas em H.harpija foram realizadas, com o auxílio de umbinóculo em setembro de 2004, em trêsindivíduos (um macho, uma fêmea e um filhote)entre 9:00 e 14:00 h (período de maior atividadedas abelhas sem ferrão). A cada hora observou-se dez minutos a fim de se quantificar o númerode abelhas presentes nas narinas dos indivíduos.Análise de Variância (ANOVA) foi utilizada paratestar se houve diferenças significativas nonúmero de abelhas presente em cada indivíduoao longo do dia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Operárias de apenas uma espécie de abelha semferrão, Paratrigona lineata (Apidae: Meliponina)(Lepeletier, 1836), foram observadas entrandocompletamente nas narinas das aves no interior

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das quais removiam secreções seca e líquida(Figura 1). O número de abelhas observadasentrando nas narinas da fêmea (n = 47) foi maiordo que o observado no macho (n = 31) e no filhote(n = 22). No entanto, houve diferença significativaapenas entre o número de abelhas que visitaramas narinas da fêmea e do filhote (F= 2,25, P <0,05). O filhote é mais inquieto que o macho quepor sua vez é mais inquieto que a fêmea, o quepode influenciar as diferenças encontradas nastaxas de visitas. A medida que a temperaturaaumenta (ao longo do dia) há um aumento donúmero de abelhas, embora isso não tenha sidoquantificado. Nos outros dois animais observadosem cativeiro (FZB-BH e CIGS) além de P. lineattaobservou-se também a presença de Plebeia spvisitando as narinas de H. harpija .A presença de P. lineatta também foi observadanas narinas da coruja-orelhuda Rhinoptynxclamator (Strigidae) (Vieillot, 1808), no uiraçu-falso Morphnus guianensis (Daudin, 1800) e nogavião-pato Spizastur melanoleucus (Vieillot,1816). O comportamento de visitas das abelhasfoi semelhante ao observado em H. harpyja .Em Elanus leucurus (Vieillot, 1818), Rupornismagnirostris (Gmelin, 1788), Buteo albicaudatus(Vieillot, 1816), Heterospizias meridionalis(Latham, 1790) e Spizaetus ornatus (Daudin,1800) observou-se a presença de abelhas semferrão entrando nas narinas das aves, mas nãofoi possível identificá-las. Em Bubo virginianus(corujão) foi observada a presença de Meliponarufiventris na narina de um individuo jovem.A tribo Enawene-Nawe, que habita o noroeste doEstado do Mato Grosso mantém indivíduos deH. harpyja em cativeiro e nesses animais foiobservada a presença de Scaptotrigona sp.visitando o bico e as narinas da águia. As abelhasvisitam também o ânus da ave, removendoexcrementos ali retidos (Gilton Mendes, com.pessoal).A secreção coletada nas narinas dosFalconiformes pode ser uma fonte de proteína esais minerais para as abelhas. Porém, aimportância dessa interação para as espécies deFalconiformes ainda não está bem definida.Provavelmente, para as aves, a limpeza dasnarinas efetuada pelas abelhas pode desobstruí-las e deste modo facilitar uma respiraçãoadequada. O grande número de espécies de avesque participam da interessa nos revela a potencialimportância desse tipo de interação ecológicapara ambos os grupos. As bases ecológicasevolutivas de tal comportamento, no entanto,

somente poderão ser elucidadas após estudos delongo prazo em várias espécies de aves dediferentes áreas da região Neotropical, únicaregião biogeográfica onde as abelhas sem ferrãoocorrem.

CONCLUSÃO

Considerando o grau de ameaça a que váriasespécies de aves de rapina estão sujeitas e que oconhecimento sobre os possíveis benefícios quea interação com as abelhas sem ferrão pode trazerpara as aves é praticamente inexistente, torna-se urgente analisar essas interações em detalhes.Dessa forma é preciso incluir outras espécies deFalconiformes, principalmente as que seencontram ameaçadas de extinção, poisaparentemente essa interação pode afetar suasobrevivência e sucesso reprodutivo. Osresultados permitirão subsidiar a elaboração deestratégias de manejo para a conservação dasespécies, principalmente em relação aosindivíduos, fora do Brasil, onde abelhas semferrão não ocorrem naturalmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Albuquerque, J.L.B. (1995) Observations of rareraptors in southern atlantic rain-forest ofBrazil. J. F. Orni. 66: 363-369.

Townsend, C. R.; Begon, M.; e Harper, J. L.(2006) Fundamentos em ecologia. Porto Alegre:Editora Artmed.

Brown, L. e Amadon, D. (1989) Eagles, hawks efalcons of the world. New Jersey: Editora TheWellfleet.

Galetti M, e Carvalho. (2000) Sloths in the dietof a Harpy Eagle nestling in eastern. AmazonWilson Bulletin 112 ( Parte 4): 535-536.

Iucn (2004) Red list of threatened species. UniãoInternacional para a Conservação da Natureza.Disponível em: http://www.iucnredlist.org/.Acesso em 20 de junho de 2006.

Nogueira-Neto, P. (1997) Vida e criação dasabelhas indígenas sem ferrão. São Paulo:Editora Nogueirapis.

Ricklefs, R.E. (1996) A economia da natureza.Rio de janeiro: Editora Guanabara Koogan.

Sick, H. (1997) Ornitologia brasileira, 4a ed. Riode Janeiro: Editora Nova Fronteira