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  • AVANOS E PERSPECTIVAS DA GESTO PBLICA NOS ESTADOS:

    AGENDA, APRENDIZADO E COALIZO

    Fernando Luiz Abrucio1 Francisco Gaetani2

    INTRODUO O ciclo de reformas nas polticas de gesto pblica, iniciado no Governo Federal em 1995, desdobrou-se de forma escalonada pelas administraes pblicas estaduais nos ltimos doze anos. Enquanto alguns estados deram incio a polticas inovadoras simultaneamente s reformas implementadas pelo Ministrio da Administrao e Reforma do Estado (Mare), outros iniciaram ciclos modernizadores em 1999, ou mesmo em 2003. Sugestivamente, os avanos que tm ocorrido no mbito estadual muitas vezes no esto relacionados a uma parceria ou induo da Unio, embora vrios deles tenham recebido a influncia das propostas defendidas pelo ministro Bresser Pereira no primeiro governo FHC. como se a irrupo das idias disseminadas a partir do debate em torno do Plano Diretor da Reforma do Estado se constitusse como um passo impulsionador, mas com impactos temporais e de intensidade heterogneos. Diante desta mltipla realidade, coube um papel especial ao Conselho de Secretrios Estaduais de Administrao (Consad). Criado em 2000, ele atuou especialmente na discusso e disseminao de inovaes e modelos de modernizao administrativa. Para fortalecer o papel desta importante instituio, preciso fazer um balano das reformas estaduais, analisando o que ocorreu, as motivaes e os atores vinculados ao processo de mudana, os acertos e os erros, alm de mostrar a agenda que falta colocar na ordem do dia, definindo que passos seriam necessrios para realiz-la. Este o desafio deste seminrio e do presente artigo: decifrar a trajetria recente da gesto pblica estadual e vislumbrar o caminho a ser percorrido. O cenrio da gesto pblica estadual no perodo 1995-2006 apresenta uma dupla feio. De um lado, diversos governos estaduais tiveram a vitalidade e a capacidade de inovarem no mbito das polticas de gesto pblica de forma bastante autnoma em relao Unio. Seguindo uma caracterstica do federalismo, as unidades estaduais brasileiras puderam ser um campo propcio experimentao de reformas. Neste sentido, tais avanos verificados no mbito estadual sugerem um comportamento mais prximo do identificado por David Osborne em "Laboratrios de Democracia",

    1 Doutor em Cincia Poltica pela USP e coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Administrao Pblica e Governo da FGV (SP). Autor de vrios artigos e livros, no Brasil e no estrangeiro, sobre reforma do Estado e federalismo. 2 Doutor em Cincia Poltica pela London School of Economics and Political Science. Coordenador da rea de Governo do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

  • livro que realava as inovaes realizadas pelos governos estaduais norte-americanos e que antecederam o debate reformista proposto por Bill Clinton para o nvel federal. A diferena que no Brasil as mudanas no se processaram antes das reformas federais da dcada de 1990, mas simultaneamente e/ou depois, embora, no geral, sem nenhum tipo de relao de subordinao. Por outro lado, no entanto, h uma desigualdade muito grande entre os estados brasileiros no que se refere capacidade reformista, como mostrou a radiografia mais ampla sobre o assunto. Realizado entre 2003 e 2004, o diagnstico do Programa Nacional de Apoio Modernizao da Gesto e do Planejamento dos Estados e do Distrito Federal, conhecido como PNAGE, revelou que tambm existem vrios governos estaduais atrasados em termos de reforma (Abrucio, 2004). O fato que as disparidades socioeconmicas e, sobretudo, de qualidade entre as elites burocrticas, realam a necessidade de foras indutoras de mudana. Dada a natureza essencialmente democrtica do federalismo (Elazar, 1987), auxlios ou parcerias a governos devem ser feitos mantendo a autonomia e a independncia de cada ente. Assim, para enfrentar o problema da desigualdade de situaes e para potencializar as experincias estaduais bem sucedidas, fundamental fortalecer formas de cooperao federativa, feitas livremente entre os governos estaduais, ou ento com a ajuda do Consad, e mesmo de forma articulada com o Governo Federal, contanto que se respeite a peculiaridade de cada estado e a sua autonomia decisria. Para analisar a trajetria recente e as perspectivas de modernizao das administraes pblicas estaduais, o texto busca centrar sua ateno em trs aspectos do debate: a agenda de reformas, o aprendizado em curso nos ltimos anos e a vicissitudes de uma eventual coalizo reformista capaz de impulsionar as reformas. Em primeiro lugar, a agenda reformista vem sofrendo mudanas desde seu lanamento em 1995. preciso, portanto, descobrir quais foram as continuidades e as descontinuidades, e, especialmente, as razes que explicam as mudanas, se elas se relacionam a um aprendizado ou aperfeioamento, ou ento falta de uma viso de mais longo prazo sobre a modernizao do Estado. Em segundo lugar, os processos de aprendizados e de transferncia de polticas para e entre os governos estaduais que se processaram nos ltimos doze anos no tiveram uma nica fonte inspiradora, vinda de um centro irradiador hegemnico. Nem os estados passaram a copiar as reformas do Governo Federal muitas das quais descontinuadas , tampouco o processo de disseminao de idias e conceitos inovadores se deu por meio de comunidades epistmicas entrincheiras em redutos acadmicos consolidados. Lies foram extradas da Unio, mas, no geral, sem que isso fosse mera clonagem (Rose, 1993) ao contrrio, o resultado conformou uma variedade de experincias. Ocorreram formas de aprendizado direto e indireto (Levit and March, 1990), como se discutir no texto, porm de modo fluido e fragmentado.

  • Terceiro ponto: a constituio de coalizes reformistas, tanto no plano federal como estadual, vem se revelando um desafio dinmico, marcado por marchas e contramarchas. No Governo Federal as reformas de 1999-2002 guardam pouca relao com as do ciclo 1995-1999 e nenhuma das duas reformas gerenciais de Cardoso teve desdobramentos no Governo Lula (Gaetani, 2005). Isso no quer dizer que no tenha havido continuidades, inclusive bem sucedidas; acima de tudo, o que ocorreu foi a perda de uma agenda integradora das reformas, tal qual havia com o Plano Diretor e com o Mare (Abrucio, 2005b) Na maioria dos estados, as alianas reformistas so tambm frgeis em funo do maior grau de descontinuidade administrativa e do ponto de partida para as reformas ser mais complicado do que o colocado para a Unio. Destrinchar os elementos constituintes de coalizes reformistas potencialmente ganhadoras condio para sua compreenso, construo e fortalecimento. Alm das trs questes balizadoras do artigo (agenda, aprendizado e coalizes), procura-se, inicialmente, entender os vetores impulsionadores das mudanas. Nas sees finais, ademais, h um esforo para a identificao maiores fragilidades dos governos estaduais e dos temas que constituem uma espcie de agenda perdida, isto , assuntos que volta e meia aparecem na discusso, mas, por alguma razo, retornam a seguir ao campo dos grandes silncios. O texto conclui com um comentrio sobre os dilemas que os prximos governos federal e estaduais encontraro na esfera das polticas de gesto pblica. 1. OS VETORES IMPULSIONADORES DAS REFORMAS Os governos estaduais passaram por vrias modificaes nas duas ltimas dcadas. Primeiramente, ganharam maior poder e autonomia com a redemocratizao, iniciada pelas eleies a governador em 1982 e consolidada com a aprovao da Constituio de 1988 (Abrucio, 1998). Nesta nova situao, governos comandados por polticos vindos da oposio ao regime militar trouxeram inovaes para a gesto pblica, particularmente no campo dos programas sociais. O projeto de descentralizao e participao popular no mandato de Franco Montoro (1983-1986) em So Paulo foi um dos maiores exemplos dessa experimentao bem sucedida. Entretanto, a redemocratizao impulsionou mudanas insuficientes no modelo de gesto dos governos estaduais. Ainda permaneceu um quadro clientelista e de uma burocracia defasada na maioria dos casos. Para piorar, aconteceu uma novidade perversa, que foi a constituio de uma postura predatria por parte dos estados, que aumentaram em demasia o endividamento e criaram instrumentos para produzir recursos sem base oramentria clara, repassando tais custos Unio. No bastasse isso, acentuaram o conflito entre eles, particularmente por meio da guerra fiscal, a qual, em nome da busca de investimentos e empregos, abdicou de receitas sem obter os resultados esperados e normalmente tal processo foi realizado contra as normas legais do Confaz, com impactos negativos para a cooperao entre os governos estaduais (Abrucio & Ferreira Costa, 1998). Com a implementao do Plano Real, em 1994, comeou uma sria crise

  • financeira nos estados, o que acabou com vrios instrumentos predatrios e, como veremos adiante, foi um estmulo forado ao ajuste fiscal. Outra modificao recente para os estados foi o novo cenrio de relaes intergovernamentais. Nele, destacam-se dois aspectos. Um o fortalecimento dos municpios, que ganharam um status constitucional indito. O resultado principal disso foi a municipalizao de vrias polticas pblicas, algo que retirou os governos estaduais da execuo direta de diversos servios, dando-lhes o papel de coordenao, financiamento suplementar ou de ao conjunta junto ao poder local tarefas que ainda no foram completamente digeridas pelos estados. Alm disso, a Constituio de 1988 e o front intergovernamental dos ltimos vinte anos produziram uma espcie de federalismo compartimentalizado (Abrucio, 2005a). Trata-se de uma situao na qual h poucos incentivos ao entrelaamento e compartilhamento de tarefas entre os nveis de governo, dificultando a articulao entre as vrias competncias comuns e concorrentes estabelecidas pela Carta constitucional. Em outras palavras, a coordenao federativa frgil no Brasil. Decerto que algumas reas tm maior artic