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66 AGROTEC 32 | setembro 2019 Avaliação de variedades de trigo duro adaptadas ao clima: rendimento e qualidade MAIS TOLERANTES AO STRESSE HÍDRICO E TÉRMICO Ana Sofia Bagulho 1,2 , Rita Costa 1,3 Nuno Pinheiro 1 , Conceição Gomes 1 José Moreira 1 , Ana Sofia Almeida 1 José Coutinho 1,3 , Armindo Costa 1 João Coco 1 , Paula Scotti 1,2 Isabel Pais 1 , Benvindo Maçãs 1 1 INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, Polo de Elvas, MADRP 2 GeoBioTec – Universidade Nova de Lisboa, Campus da Caparica 3 ICAAM – Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas, Universidade de Évora, Núcleo da Mitra INTRODUÇÃO Portugal situa-se numa zona da Euro- pa onde as alterações climáticas já se fa- zem sentir no presente e, de acordo com diferentes estudos, no futuro tenderão a agravar-se. Nos últimos anos tem-se in- tensificado a ocorrência de fatores climá- ticos extremos (temperaturas elevadas com acentuados constrangimentos hídri- cos) que, entre outros eventos fisiológicos, aceleram o ciclo de desenvolvimento das plantas, tendo reflexo negativo nas produ- ções e, frequentemente, na qualidade. Compreender o comportamento das variedades perante as situações climáti- cas extremas e encontrar novas variedades com tolerância aos stresses hídrico e tér- mico, que com itinerários técnicos adequa- dos, ajudem a reduzir o yield gap (diferença entre as produções potenciais e reais) nas principais zonas produtoras de cereais, são alguns do principais objetivos do programa de melhoramento de cereais do INIAV-El- vas e nos quais se enquadra este estudo. ENSAIOS DE TRIGO DURO EM CONDIÇÕES DE REGADIO VS. SEQUEIRO – 2018/19 Num intuito de compreender a adaptação e resposta da produção/qualidade do tri- go duro em condições naturais, foram re- alizados no INIAV-Elvas durante o cor- rente ano agrícola, dois ensaios com cinco variedades portuguesas, sete francesas e uma italiana, em situação de regime hí- drico diferente: sequeiro e regadio. As re- gas de apoio garantiram que a cultura se mantivesse em conforto hídrico durante o ciclo de desenvolvimento, tendo sido mo- nitorizada a humidade do solo através de sondas Wattermark e um sensor Bosch. Os ensaios foram semeados a 6 de de- zembro de 2018, em blocos casualiza- dos de três repetições, com uma densida- de de sementeira de 350 grãos viáveis/m 2 , seguindo-se um itinerário técnico seme- lhante, com exceção da adubação que foi superior no ensaio de regadio (fundo + 3 co- berturas, perfazendo um total de 209 UN/ ha), comparativamente ao sequeiro (fundo + 2 coberturas, perfazendo um total de 168 UN/ha), coincidindo estas aplicações com as alturas em que houve precipitação. Pretendeu-se avaliar a capacidade de resposta das diferentes variedades, nas duas situações, sequeiro e regadio, através do es- tudo de diversos parâmetros agronómicos e de qualidade, sob o efeito de variáveis climá- ticas extremas nas fases mais críticas do de- senvolvimento do trigo. CLIMA DO CORRENTE ANO AGRÍCOLA 2018/19 A Figura 1 representa o padrão climáti- co do ano agrícola 2018/19, nos campos experimentais do INIAV-Elvas entre 1 de dezembro de 2018 e 12 de junho de 2019, data da colheita dos ensaios. O ano agrí- cola foi considerado extremamente seco, pois durante o inverno (dez-fev) choveram apenas 63 mm e na primavera (mar-mai) 86 mm, praticamente distribuídos entre o fim de março, 1ª e 3ª semana de abril. No ensaio de regadio, a rega iniciou-se no fi- nal de fevereiro, terminando em meados de maio, proporcionando que a cultura es- tivesse sempre em conforto hídrico. FIGURA 1. Gráfico termopluviométrico do local dos ensaios com registo da rega. Precipitação total (1 dez a 12 jun): 149 mm; Irrigação total (25 fev a 16 mai): 268 mm. Precipitação/Irrigação (mm) Temperatura ºC 80 40 70 35 60 30 50 25 40 20 30 15 20 10 10 5 0 0 1 dez 6 dez 11 dez 16 dez 21 dez 26 dez 31 dez 5 jan 10 jan 15 jan 20 jan 25 jan 30 jan 4 fev 9 fev 14 fev 19 fev 24 fev 1 mar 6 mar 11 mar 16 mar 21 mar 26 mar 31 mar 5 abr 10 abr 15 abr 20 abr 25 abr 30 abr 5 mai 10 mai 15 mai 20 mai 25 mai 30 mai 4 jun 9 jun Prec. (mm) T máx. (ºC) T min. (ºC) Rega Ensaios de sequeiro (frente) vs regadio (atrás) (INIAV – Elvas).

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66 AGROTEC 32 | setembro 2019

Avaliação de variedades de trigo duro adaptadas ao clima: rendimento e qualidadeMAIS TOLERANTES AO

STRESSE HÍDRICO E TÉRMICO

Ana Sofia Bagulho 1,2, Rita Costa 1,3

Nuno Pinheiro 1, Conceição Gomes 1

José Moreira 1, Ana Sofia Almeida 1

José Coutinho 1,3, Armindo Costa 1

João Coco 1, Paula Scotti 1,2

Isabel Pais 1, Benvindo Maçãs 1

1 INIAV – Instituto Nacional de Investigação

Agrária e Veterinária, Polo de Elvas, MADRP 2 GeoBioTec – Universidade Nova

de Lisboa, Campus da Caparica3 ICAAM – Instituto de Ciências

Agrárias e Ambientais Mediterrânicas,

Universidade de Évora, Núcleo da Mitra

INTRODUÇÃOPortugal situa-se numa zona da Euro-pa onde as alterações climáticas já se fa-zem sentir no presente e, de acordo com diferentes estudos, no futuro tenderão a agravar-se. Nos últimos anos tem-se in-tensificado a ocorrência de fatores climá-ticos extremos (temperaturas elevadas com acentuados constrangimentos hídri-cos) que, entre outros eventos fisiológicos, aceleram o ciclo de desenvolvimento das plantas, tendo reflexo negativo nas produ-ções e, frequentemente, na qualidade.

Compreender o comportamento das variedades perante as situações climáti-cas extremas e encontrar novas variedades com tolerância aos stresses hídrico e tér-mico, que com itinerários técnicos adequa-dos, ajudem a reduzir o yield gap (diferença entre as produções potenciais e reais) nas principais zonas produtoras de cereais, são alguns do principais objetivos do programa de melhoramento de cereais do INIAV-El-vas e nos quais se enquadra este estudo.

ENSAIOS DE TRIGO DURO EM CONDIÇÕES DE REGADIO VS. SEQUEIRO – 2018/19Num intuito de compreender a adaptação e resposta da produção/qualidade do tri-go duro em condições naturais, foram re-alizados no INIAV-Elvas durante o cor-rente ano agrícola, dois ensaios com cinco variedades portuguesas, sete francesas e uma italiana, em situação de regime hí-drico diferente: sequeiro e regadio. As re-gas de apoio garantiram que a cultura se

mantivesse em conforto hídrico durante o ciclo de desenvolvimento, tendo sido mo-nitorizada a humidade do solo através de sondas Wattermark e um sensor Bosch.

Os ensaios foram semeados a 6 de de-zembro de 2018, em blocos casualiza-dos de três repetições, com uma densida-de de sementeira de 350 grãos viáveis/m2, seguindo-se um itinerário técnico seme-lhante, com exceção da adubação que foi superior no ensaio de regadio (fundo + 3 co-berturas, perfazendo um total de 209 UN/ha), comparativamente ao sequeiro (fundo + 2 coberturas, perfazendo um total de 168 UN/ha), coincidindo estas aplicações com as alturas em que houve precipitação.

Pretendeu-se avaliar a capacidade de resposta das diferentes variedades, nas duas situações, sequeiro e regadio, através do es-tudo de diversos parâmetros agronómicos e

de qualidade, sob o efeito de variáveis climá-ticas extremas nas fases mais críticas do de-senvolvimento do trigo.

CLIMA DO CORRENTE ANO AGRÍCOLA 2018/19A Figura 1 representa o padrão climáti-co do ano agrícola 2018/19, nos campos experimentais do INIAV-Elvas entre 1 de dezembro de 2018 e 12 de junho de 2019, data da colheita dos ensaios. O ano agrí-cola foi considerado extremamente seco, pois durante o inverno (dez-fev) choveram apenas 63 mm e na primavera (mar-mai) 86 mm, praticamente distribuídos entre o fim de março, 1ª e 3ª semana de abril. No ensaio de regadio, a rega iniciou-se no fi-nal de fevereiro, terminando em meados de maio, proporcionando que a cultura es-tivesse sempre em conforto hídrico.

FIGURA 1. Gráfico termopluviométrico do local dos ensaios com registo da rega. Precipitação total (1 dez a 12 jun): 149 mm; Irrigação total (25 fev a 16 mai): 268 mm.

Precipitação/Irrigação (mm) Temperatura ºC

80 40

70 35

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Prec. (mm) T máx. (ºC) T min. (ºC)Rega

Ensaios de sequeiro (frente) vs regadio (atrás) (INIAV – Elvas).

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Em relação às temperaturas de inverno, os meses de dezembro e janeiro apresen-taram médias das temperaturas máxi-mas na ordem dos 15°C, passando para os 18°C em fevereiro. Nas temperaturas mí-nimas, verificaram-se valores na ordem dos 5°C em dezembro e fevereiro, de 3°C em janeiro, sendo este o mês mais frio. O período primaveril foi quente; durante o mês de março as médias das temperatu-ras máximas rondaram os 21°C, com 18 dias de temperaturas entre os 20-25°C e 3 dias com temperaturas entre 25-30°C. Em abril houve 5 dias com temperaturas entre os 25-30°C, sendo que a média das máxi-mas foi de 21°C. O mês de maio foi bas-tante quente, com média das máximas de 29°C, tendo-se registado 9 dias com tem-peraturas entre os 25°C e 30°C e 13 dias com temperaturas acima dos 30°C.

INFLUÊNCIA DO STRESSE HÍDRICO E TÉRMICO NA FENOLOGIA DO TRIGOO desenvolvimento do trigo é um proces-so contínuo, controlado pelo fotoperíodo e pela vernalização. No entanto, conside-ram-se três fases de crescimento (vege-tativa, reprodutiva e enchimento do grão), durante as quais a planta se desenvolve, forma os seus órgãos reprodutivos e com-pleta o seu ciclo de vida.

Neste estudo (Tabela 1) verifica-se que variedades francesas, principalmente, An-vergur, Atoudur, Relief e Santo-Graal, apre-sentaram um ligeiro atraso (cerca de 5 dias,

TABELA 1. Fenologia – datas de encanamento, espigamento e maturação fisiológica, para as variedades avaliadas em sequeiro e regadio.

VariedadeEstadio fenológico

Encanamento Espigamento Mat. Fisiológica

Ensaio Seq Reg Seq Reg Seq Reg

Significância – – *** *** *** ***

Fado (P) 17 fev 16 fev 29 marde 02 abrcde 21 maie 27 maibc

Vadio (P) 15 fev 14 fev 02 abrc 03 abrcd 23 maibcde 27 maibc

Celta (P) 18 fev 16 fev 29 marde 01 abrcde 22 maibcde 24 maic

INIAV1 (P) 14 fev 15 fev 27 mare 29 mare 21 maie 27 maibc

INIAV2 (P) 15 fev 15 fev 31 marcd 03 abrcde 22 maibcde 27 maibc

Anvergur (F) 23 fev 22 fev 06 abrb 12 abrb 24 maiabcde 29 maiab

Atoudur (F) 22 fev 25 fev 07 abrb 14 abrab 28 maia 29 maiab

Aventadur (F) 18 fev 19 fev 27 mare 30 marde 22 maicde 28 maiab

Relief (F) 21 fev 23 fev 11 abra 17 abra 26 maiab 29 maiab

Santo-Graal (F) 21 fev 21 fev 06 abrb 12 abrb 26 maiabcd 29 maiab

Santur (F) 18 fev 19 fev 31 marcd 03 abrcd 23 maibcde 28 maiab

Voilur (F) 18 fev 19 fev 06 abrb 12 abrab 26 maiabc 30 maia

Claudio (I) 20 fev 19 fev 31 marcd 05 abrc 21 maide 28 maiab

Média (P) 15 fev 15 fev 29 mar 01 abr 21 mai 26 mai

Média (F) 20 fev 21 fev 4 abr 09 abr 25 mai 28 mai

(P) – variedades e linhas avançadas portuguesas; (F) – variedades francesas; (I) variedade italiana. Os resultados correspondem à média das 3 repetições. Análise de variância: *** altamente significativo para p <0,001. Letras diferentes indicam diferenças significativas entre genótipos do mesmo ensaio, de acordo com o teste de Tuckey.

em média) no início do desenvolvimento dos colmos (encanamento) comparativamen-te às variedades portuguesas. Este facto resulta da existência de genes que contro-lam necessidades de vernalização e fotope-ríodo nas variedades francesas, o que não acontece nas variedades portuguesas, com crescimentos mais precoces e que foram selecionadas para ambientes com invernos mais amenos. Nesta fase ainda não se veri-ficam diferenças varietais nos dois tipos de ensaio (regime hídrico).

Ao espigamento, dado que as condições ambientais do ano agrícola foram bastante desfavoráveis no que respeita à ocorrência de precipitação, observa-se, em média, uma ligeira antecipação da data de espigamento das variedades no ensaio de sequeiro. Tam-bém se verifica que as variedades portu-guesas são em geral mais precoces ao es-pigamento em qualquer uma das situações.

A última fase do ciclo vegetativo, de-terminada pelo período de enchimento do grão e que termina com a maturação fisio-lógica, foi muito afetada pelas condições adversas do ano agrícola, nomeadamen-te a falta de precipitação e temperaturas elevadas durante o mês de maio (Figura 1), provocando uma precoce senescência no ensaio de sequeiro para todas as va-riedades estudadas. No ensaio de regadio, apesar das plantas terem estado sem-pre em conforto hídrico, o efeito da su-bida acentuada das temperaturas máxi-mas durante o período do enchimento do grão teve, também, como consequência a

aceleração do processo de senescência. Se assim não fosse, teríamos tido diferen-ças maiores nas datas de maturação fisio-lógica das duas situações estudadas.

INFLUÊNCIA DO STRESSE HÍDRICO E TÉRMICO NA PRODUÇÃO DE GRÃOO comportamento agronómico das varie-dades foi avaliado individualmente, através dos seguintes parâmetros: produção de grão (kg/ha), nº espigas/m2, peso de 1000 grãos (PMG), biomassa à maturação (kg/ha) e índice de colheita (IC).

Relativamente ao rendimento em grão, verificou-se que a falta de precipitação in-fluenciou negativamente o comportamen-to das variedades. A média geral do ensaio de sequeiro foi de 3216 kg/ha, enquan-to que em regadio foi de 6395 kg/ha. Para este parâmetro não houve diferença para os dois tipos de germoplasma avaliados, sendo que a variedade que conseguiu mos-trar o máximo do seu potencial, em rega-dio, foi o Cláudio e em sequeiro foi a varie-dade Santur (Tabela 2).

Dos componentes do rendimento ava-liados (Tabela 2), constatou-se que o nº de espigas por m2 (e também o nº de grãos por m2), bem como a biomassa à matura-ção seguem o mesmo perfil de comporta-mento, mostrando a enorme influência da água no resultado final. Relativamente ao IC, parâmetro que mede a relação entre o peso do grão e a biomassa final produzida, ou seja, a capacidade de translocação dos

TABELA 2. Produção e seus componentes, para cada variedade avaliada em sequeiro e regadio.

Variedade

Componentes do Rendimento

Produção (kg/ha)

Espigas/m2 PMG (g)Biomassa

maturação (kg/ha)IC (%)

Ensaio Seq Reg Seq Reg Seq Reg Seq Reg Seq Reg

Significância ns ns ns ns *** *** ns ns ns ns

Fado (P) 3183a 6139a 271a 447a 44,7abc 41,9abc 9153a 18470a 35a 39a

Vadio (P) 2828a 6644a 320a 449a 43,2abc 43,9ab 9950a 20833a 28a 38a

Celta (P) 3514a 5719a 336a 414a 38,7de 37,0bc 10243a 17127a 35a 40a

INIAV1 (P) 3789a 6553a 321a 414a 46,8a 49,0a 10233a 20100a 37a 40a

INIAV2 (P) 3241a 6592a 307a 447a 42,0cd 35,2bc 9600a 18983a 34a 42a

Anvergur (F) 2744a 5794a 324a 428a 37,2e 34,4bc 10647a 16507a 26a 42a

Atoudur (F) 2919a 7028a 315a 481a 44,7abc 44,0ab 7993a 20853a 37a 41a

Aventadur (F) 3897a 6619a 327a 437a 46,2ab 44,6ab 11677a 17760a 34a 44a

Relief (F) 2625a 5511a 350a 479a 30,7f 36,4bc 9913a 16890a 28a 39a

Santo-Graal (F) 2701a 5222a 289a 390a 43,6abc 43,8abc 10213a 18450a 27a 34a

Santur (F) 4064a 6511a 335a 403a 43,6abc 39,9abc 10757a 19763a 37a 40a

Voilur (F) 3181a 7281a 315a 485a 36,4e 33,0c 8897a 20877a 36a 42a

Claudio (I) 3306a 7625a 337a 485a 43,0bc 42,0abc 9963a 19967a 33a 46a

Média (P) 3311 6329 311 434 43,0 41,4 9836 19103 34 40

Média (F) 3162 6281 322 443 40,0 39,4 10014 18729 32 40

Os resultados correspondem à média das 3 repetições. Análise de variância: *** altamente significativo para p <0,001; ns não significativo. Letras diferentes indicam diferenças significativas entre genótipos do mesmo en-saio, de acordo com o teste de Tuckey.

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fotoassimilados das folhas, colmos e es-pigas para o grão, evidencia o efeito que o stresse térmico, ocorrido no período do en-chimento do grão, provocou no comporta-mento das variedades. Provavelmente as diferenças entre variedades no ensaio de sequeiro e regadio teriam sido mais acen-tuadas se este stresse não tivesse ocorrido.

O peso de grão foi o único parâmetro que apresentou valores mais elevados para quase todas as variedades estudadas no ensaio de sequeiro devido, provavelmen-te, a um menor número de espigas/m2 o que originou uma compensação no desen-volvimento do grão, apesar das condições ambientais terem sido bastante adversas. A linha avançada INIAV1 foi a única que apresentou o peso do grão mais alto em regadio comparativamente ao sequeiro e, curiosamente, também foi aquela que teve o peso do grão significativamente mais alto em ambas as situações avaliadas.

INFLUÊNCIA DO STRESSE HÍDRICO E TÉRMICO NA QUALIDADEAs condições do ano agrícola, de um modo geral, penalizaram mais os componentes da produção do que a qualidade final dos trigos duros. Devido à ausência de precipi-tação na fase final de maturação do grão (principal fator que conduz à perda de vitre-osidade), os grãos das variedades avaliadas foram na sua totalidade vítreos (> 98%). Na Tabela 3 apresentam-se os valores médios de massa do hectolitro, teor proteico e de cinzas, estimados para as diferentes varie-dades nas duas situações em estudo.

O hectolitro seguiu a mesma tendên-cia do peso de mil grãos com valores mais elevados no ensaio de sequeiro do que no ensaio de regadio, para a maioria das

TABELA 3. Valores médios de massa do hectolitro, teor proteico e de cinzas para cada variedade avaliada em sequeiro e regadio.

Os resultados apresentados correspondem à média das 3 repetições. Análise de variância: *** altamente significativo para p <0,001; ** muito significativo para p <0,01; ns não significativo. Letras diferen-tes indicam diferenças significativas entre genótipos do mesmo en-saio, de acordo com o teste de Tuckey.

FIGURA 2. Valores médios de teor proteico e hectolitro para cada variedade avaliada em sequeiro e regadio.

Proteína (%) Hectolitro (kg/hl)

19,5 90,0

80,0

70,0

85,0

75,0

65,0

19,0

18,5

18,0

17,5

17,0

16,5

16,0

15,5

15,0

INIA

V1

Vadi

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San

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Fado

INIA

V2

Cel

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Rel

ief

Voilu

r

Méd

ia

Proteína seq (%) Proteína reg (%) Hect seq (kg/hl) Hect reg (kg/hl)

FIGURA 3. Valores médios das componentes cromáticas b* e a* para cada variedade avaliada em sequeiro e regadio.

b* seq b* reg a* seq a* reg

b* a*

25,0 0,0

24,0 -0,5

23,0-1,0

22,0-1,5

21,0-2,0

20,0

-2,5

18,0

-3,5

-4,0

19,0

-3,0

Fado

Vadi

o

Cel

ta

INIA

V1

INIA

V2

Anv

ergu

r

Ato

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Ave

ntad

ur

Rel

ief

San

to-G

raal

San

tur

Voilu

r

Cla

udio

Méd

ia

Variedade Hectolitro (kg/hl) Proteína (%) Cinzas (%)

Ensaio Seq Reg Seq Reg Seq Reg

Significância *** *** ** ns ** ns

Fado (P) 82,9ab 79,7abcd 17,5abc 16,8a 1,37bc 1,82a

Vadio (P) 84,2a 82,3ab 17,2abc 15,8a 1,61abc 1,64a

Celta (P) 82,4ab 77,2cdef 17,1bc 17,9a 1,30bc 1,83a

INIAV1 (P) 84,2a 82,4ab 17,3abc 16,2a 1,27c 1,73a

INIAV2 (P) 82,4ab 77,4cdef 16,7c 15,8a 1,54abc 1,71a

Anvergur (F) 79,0c 75,9def 18,0abc 17,5a 1,55abc 1,90a

Atoudur (F) 78,8c 78,1bcde 18,9a 17,0a 1,79a 2,00a

Aventadur (F) 81,6b 79,3abcde 17,7abc 17,2a 1,63abc 1,60a

Relief (F) 78,0c 73,2f 18,6abc 17,4a 1,56abc 1,83a

Santo-Graal (F) 79,4c 79,2abcde 17,7abc 16,2a 1,54abc 1,86a

Santur (F) 83,5ab 81,5abc 17,1bc 16,4a 1,42abc 1,83a

Voilur (F) 77,9c 74,9ef 18,7ab 16,1a 1,67ab 1,73a

Claudio (I) 83,1ab 82,7a 17,8abc 16,0a 1,51abc 1,80a

Média (P) 83,2 79,8 17,2 16,5 1,42 1,75

Média (F) 79,7 77,5 18,1 16,8 1,59 1,82

variedades (Tabela 3 e Figura 2). Os va-lores para o ensaio de sequeiro estiveram compreendidos entre 77,9 kg/hl (Voilur) e 84,2 kg/hl (INIAV1 e Vadio), sendo indica-dores de um elevado potencial de rendi-mento em sêmolas (a vitreosidade tam-bém foi elevada). No ensaio de regadio os valores foram em geral mais reduzidos e as variedades francesas Relief, Voilur e Anvergur apresentaram valores inferiores ao limite mínimo especificado pela indús-tria (77 kg/hl). As variedades Claudio, Va-dio e a linha avançada INIAV1 foram as que mais se destacaram no ensaio de re-gadio. As elevadas temperaturas ocorri-das durante o mês de maio terão penali-zado o enchimento do grão, com maiores repercussões no ensaio de regadio.

O azoto é o elemento chave para a sín-tese das proteínas do grão sendo, na sua maioria, mobilizado de outras partes da planta, mas também absorvido na fase pós-ântese. No ensaio de sequeiro, os me-nores valores de rendimento em grão per-mitiram uma maior disponibilidade de azo-to durante o seu enchimento (menor efeito de diluição da proteína), pelo que os valo-res de teor proteico foram bastante eleva-dos e significativamente diferentes entre si: 16,7% (INIAV2) a 18,9% (Atoudour). No en-saio de regadio, tendo em conta o maior po-tencial de produção estimado ao longo do desenvolvimento da cultura, optou-se por ajustar o itinerário técnico realizando uma adubação suplementar mais tardia com vis-ta à qualidade, que contribuiu para os eleva-dos teores proteicos, embora quase sempre inferiores aos do ensaio de sequeiro: 15,8% (INIAV2) a 17,9% (Celta). O stresse térmico ocorrido durante o enchimento do grão tam-bém terá contribuído para os elevados valo-res de teor proteico dos dois ensaios, pois

interferiu na deposição deste constituinte e do amido no grão, sendo a deposição do amido mais sensível às temperaturas eleva-das (redução da matéria seca e consequen-te aumento do teor proteico do grão).

O teor de cinzas reflete o conteúdo mine-ral do grão. Valores elevados de cinzas limi-tam o rendimento de extração de sêmolas, levando ao aparecimento de defeitos ao nível das massas alimentícias. Na Tabela 3 verifi-ca-se que o teor de cinzas foi, para a maioria das variedades, superior no ensaio de rega-dio, sem apresentar grandes diferenças en-tre si. Os maiores valores de cinzas obser-vados podem ser uma consequência dos menores pesos de grão registados (maior proporção das camadas externas do grão onde se localizam preferencialmente os mi-nerais), e/ou refletir uma maior eficiência na

Page 4: Avaliação de variedades de trigo duro adaptadas ao clima ...€¦ · data da colheita dos ensaios. O ano agrí-cola foi considerado extremamente seco, pois durante o inverno (dez-fev)

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absorção dos componentes minerais em consequência do regadio e da maior adubação. No ensaio de sequeiro a linha avançada INIAV1 destaca-se por possuir o menor teor de cinzas, o que é um dado preliminar importante pois preten-dem-se identificar variedades com esta característica.

A cor do trigo duro pretende-se âmbar, sendo um cri-tério valorizado pela indústria. É frequentemente estima-da por colorimetria, um método que decompõe a cor em três coordenadas: L* – luminosidade e duas componen-tes cromáticas a* e b*, estando a segunda associado à cor amarela. Um trigo com boa coloração deverá possuir valo-res de L* e b* elevados e a* próximo de zero. Na Figura 3 apresentam-se apenas os valores médios dos componen-tes a* e b*, já que L* não teve uma variação significativa.

Os padrões de a* e b* foram muito semelhantes nos dois ensaios, apenas com valores ligeiramente superiores de b* no sequeiro, provando o enorme determinismo gené-tico desta característica. Relativamente ao germoplasma, a variedade francesa Anvergur foi a que mais se destacou, pois, possuiu valores de b* mais elevados nos dois ensaios.

CONCLUSÕESOs resultados deste estudo estão de acordo com os obti-dos pelo grupo do INIAV-Elvas em trabalhos anteriores, onde se verifica que a ocorrência de elevadas temperaturas (≥30ºC) durante o período de enchimento do grão, mesmo quando de curta duração, têm um efeito negativo no rendi-mento final, no peso do grão e frequentemente na qualida-de, uma vez que a evapotranspiração da cultura excede a capacidade de extração de água do solo por parte da planta, originando o fenómeno de senescência brusca (Haying-off).

«Compreender o comportamento das variedades perante as situações climáticas extremas e encontrar novas variedades com tolerância aos stresses hídrico e térmico, que com itinerários técnicos adequados, ajudem a reduzir o yield gap (diferença entre as produçõespotenciais e reais) nas principais zonas produtoras de cereais, são alguns doprincipais objetivos do programa de melhoramento de cereais (...)»

Num contexto de alterações climáticas, estes aspetos ava-liados ao nível do melhoramento genético, terão que ser tomados em consideração, permitindo aos melhoradores integrar decisões suportadas por critérios analíticos, na planificação dos cruzamentos e nas diferentes fases do processo de seleção que ocorrem até à obtenção das no-vas variedades. Será através da compreensão da modela-ção/reafectação/translocação dos fotoassimilados para os grãos, com uma correta gestão da produção de biomassa durante o ciclo de desenvolvimento da planta, através de itinerários técnicos bem conduzidos, que se poderá iden-tificar o Ideotipo de planta mais ajustado a estes novos cenários climáticos (com alterações na intensidade e fre-quência da precipitação, bem como na subida das tempe-raturas, sobretudo das máximas, durante a primavera).