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Revista do Colégio de Aplicação João XXIII - Ano 1 - nº 2 ISSN 2318-2490 Avaliações Externas Uma reflexão sobre as testagens em larga escala no Brasil. Os resultados são usados no aperfeiçoamento do ensino? À Proa Fernando Hernández Referência internacional em educação, o espanhol fala sobre PCN e Cultura Visual Âncora Ensino Mala misteriosa em sala de aula muda hábitos dos alunos. Bombordo & Estibordo A redução da maioridade penal inibirá a violência? Âncora Extensão Recreio com brincadeiras e jogos orientados: uma alternativa no combate à violência. Âncora Pesquisa O desafio de alfabetizar por meio do letramento digital. E mais!

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Revista do Colégio de Aplicação João XXIII - Ano 1 - nº 2 ISSN 2318-2490

Avaliações ExternasUma reflexão sobre as testagens em larga escala no Brasil. Os resultados são usados no aperfeiçoamento do ensino?

À Proa

FernandoHernándezReferência internacional em educação, o espanhol fala sobre PCN e Cultura Visual

Âncora EnsinoMala misteriosa em sala de aula muda hábitos dos alunos.

Bombordo & EstibordoA redução da maioridade penal inibirá a violência?

Âncora ExtensãoRecreio com brincadeiras e jogos orientados: uma alternativa

no combate à violência.

Âncora PesquisaO desafio de alfabetizar por meio do letramento digital.

E mais!

Revista pedagógica e cultural do Colégio de Aplicação João XXIII vinculado à Universidade Federal de Juiz de Fora

ReitorHenrique Duque de Miranda Chaves FilhoVice-ReitorJosé Luiz Resende PereiraDiretoraAndréa Vassallo FagundesDiretor de EnsinoJosé Luiz Lacerda

Conselho e coordenação EditorialEliete do Carmo Garcia Verbena e FariaElza de Sá NogueiraMargareth Conceição PereiraSimone Ribeiro

EditoraMárcia Carneiro

ReportagensMárcia CarneiroNathália CorrêaRaíssa Ferreira

ColaboradoresAfonso Rodrigues, Alex Fernandes Santiago, Anderson Ferrari, Anderson Pires, Anna Carolina Silva Ribeiro, Bárbara Lopes, Beatriz Salles Fonseca, Begma Tavares Barbosa, Conrado Machado Faria, Daniela Motta de Oliveira, Daniele

Marques Ferreira, Danielle Braga Oliveira, Francisca Cristina de Oliveira e Pires, Iago Felipe Wan De Pol Amaral, José Armando Pinheiro, Júlio Castañon Guimarães, Lauriana G. de Paiva, Liege Coutinho Goulart Dornellas, Lívia Gabetto Nascimento, Luisa Couto, Luiza Dustan R. de Souza, Maria Fernanda Guimarães, Maria Florinda dos Reis, Maria Inês de Almeida, Maria Tereza Ramalho Fernandes, Mônica Rodrigues Maia de Andrade, Riza Amaral Lemos, Roseana Mendes, Samuel Araújo, Sheyla Costa Fontes Paixão.

Projeto Gráfico e IlustraçõesDiego Navarro

FotografiaNathália CorrêaRaíssa Ferreira

RevisãoMariana Marcon Benicá

Revista [email protected]/revistaargoRua Visconde de Mauá, 300 Bairro Santa Helena. CEP: 36015-260Telefone (32) 3229-7603

ArgonautasExpediente

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Revista Argo aberta à participação de professores e alunos A revista reserva espaço para publicação de textos desenvolvidos a partir de práticas educacionais e pesquisas pedagógicas. A colaboração é aberta a professores e alunos do Ensino Básico e Superior das redes públicas e particulares.

Para conhecerem os critérios de participação, os interessados em publicar artigos nos próximos números poderão acessar as orientações e normas no www.ufjf.br/revistaargo ou entrar em contato com a comissão editorial por meio do e-mail: [email protected].

A equipe editorial da revista avaliará o material recebido de acordo com o perfil e os objetivos das seções da publicação e as normas estabelecidas para colaboração.

BússolaÍndice

Âncora EnsinoPágina 10 Âncora Pesquisa

Página 16

Âncora ExtensãoPágina 18

Âncora DiscentePágina 20

Bombordo e EstibordoDebatePágina 49

Canto de OrfeuArte e LiteraturaPágina 56

Diário de BordoEditorialPágina 04

LemeReportagem EspecialPágina 35

Navegar é PrecisoEducação no Tempo e no EspaçoPágina 30

MastrosResenhasPágina 34

À ProaEntrevistaPágina 05

Velocino de OuroCarta AbertaPágina 54

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“A educação é a grande estrada da transformação, a rota mais ampla e segura para o Brasil seguir avançando e assegurando oportunidades para todos”, disse a presidente Dilma Rousseff, em seu pronunciamento do dia 7 de setembro de 2013, em cadeia nacional de rádio e TV. Embora essa consciência seja a mola mestra para alavancar a qualidade do ensino no país, muitos são os entraves.

Entre os principais empecilhos está a própria estrutura de

ensino. Mesmo com os avanços tecnológicos contemporâneos e sua crescente democratização, as escolas no Brasil continuam valorizando o acúmulo de conhecimento, ao invés de se transformarem em espaço de criação e reflexão.

Tema principal desta segunda edição, portanto, nosso Leme da vez, as avaliações externas são exemplo de mecanismo educacional utilizado para estimular o tão questionado modelo vigente. Será, no entanto, que esse mecanismo tem proporcionado resultado satisfatório? A reportagem traz depoimentos de professores e reflexões de especialistas.

Alguns consideram as avaliações externas instrumentos eficazes. Outros avaliam a prática como um reforço da reprodução de conteúdos. Estes argumentam que práticas como aplicação de simulados para as provas e o ranqueamento das escolas a partir de resultados podem ser consideradas o extremo de um modelo educacional de reprodução do conhecimento sem questionamentos.

Dando sequência à reflexão, a seção À Proa traz uma entrevista com o educador espanhol Fernando Hernandez. Ele também aborda a importância da reforma da escola para que acompanhe as mudanças contemporâneas e esteja inserida na realidade.

Bombordo e Estibordo debatem a maioridade penal por meio

do juiz José Armando Pinheiro da Silveira e do promotor de Justiça do Juizado da Infância e Juventude Alex Santiago.

As seções Âncora - ensino, pesquisa e extensão - abrigam

artigos diversos de professores e alunos do Colégio de Aplicação João XXIII e de outras escolas da cidade e da região. A resenha da seção Mastros foi produzida por Francisca Cristina de Oliveira e Pires a partir do livro “O que o IDEB não conta?” de Maria da Assunção Calderano, Lecir Jacinto Barbacovi e Margareth Conceição Pereira.

Canto de Orfeu mantém-se por quadrinhos, produções literárias e visuais de professores, alunos e ex-alunos. Nesta edição, o professor e poeta Anderson Pires fala do coletivo Eco Performances Poéticas, do qual faz parte, e apresenta suas poesias, e o artista visual e professor José Augusto Petrillo mostra seu trabalho. Os leitores terão a oportunidade, ainda, de prestigiar a homenagem da Revista Argo ao artista e professor juiz-forano Arlindo Daibert, nos 20 anos de sua morte. Aos passageiros a bordo, uma boa viagem!

Diário de BordoEditorial

Ampliando o espaço de reflexão

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Por uma nova abordagem educacional

Fernando Hernández

À ProaEntrevista

RReferência internacional em educação, o espanhol Fernando Hernández esteve na cidade em junho para participar de uma série de encontros na Universidade Federal de Juiz de Fora.

Doutor em Psicologia, pesquisador e professor da Universidade de Barcelona, Hernández é conhecido no Brasil por meio de seus livros relacionados à Educação. É um dos primeiros estudiosos a investigar a cultura visual em sala de aula. O recurso - que leva em conta a relação do aluno com as diversas produções visuais existentes, seja nas artes, na internet, nas ruas, na TV ou no cinema -, é desenvolvido, inclusive, no Colégio de Aplicação João XXIII.

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Hernández teve, ainda, importante participação na criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Suas pesquisas nesse campo balizaram a reforma do ensino da Espanha, em 1990, onde currículos foram substituídos por projetos. Após a reforma nas escolas espanholas, o professor teve seu papel de “transmissor de conteúdos” substituído pelo de pesquisador e o aluno deixou de ser receptor para transformar-se em participante ativo no processo de aprendizagem.

Incansável pesquisador, Hernandez está envolvido atualmente com

cinco projetos educacionais. Um deles, ainda dentro da cultura visual, diz respeito ao estudo da relação entre obras de artistas consagrados

com temas sociais e produções infantojuvenis. O objetivo é trabalhar os temas: democracia, justiça social e identidade.

Após sua visita ao Brasil, o pesquisador embarcou para Inglaterra,

onde encontraria colegas de Portugal, Inglaterra, Finlândia, Irlanda e República Tcheca para traçar estratégias à aplicação dos estudos envolvendo os seis países (incluindo também a Catalunha), ainda este ano. Na entrevista, ele falou sobre a importância de um novo paradigma educacional, como forma de adequação do ensino à realidade do século XXI.

À ProaEntrevista

Argo: Que diferença os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem em relação aos métodos tradicionais?

Fernando Hernandéz: Fernando Hernandéz: O que diferencia é o modo de construir a vida em sala de aula. Os PCN desenvolvem uma forma de trabalho escolar que leva em conta a criança, seu universo e a sua subjetividade. A partir disso, ela aprende a pesquisar, a dar conta da pesquisa e a utilizar as diferentes formas de narrar essa pesquisa.

Qual o papel do educador nesse processo?O educador passa a ser alguém que acompanha o desenvolvimento da criança e também aprende. O problema é que a escola não deve ape-nas adotar o termo ou o rótulo, mas a ideia, o conceito. Os PCN foram aplicados na Espanha com bons resultados?Eles foram adotados na reforma educacional da Espanha, em 1990. A reforma se deu de maneira especial, com a extensão da escolari-

dade obrigatória para os 16 anos. Isso significa que muitos dos que abandonavam a escola anteriormente aos 14 anos continuaram com os estudos por mais dois anos. Tal como acontece com as reformas, esta decisão, claramente positiva, não foi acompanhada dos necessá-rios recursos humanos e materiais para a mudança efetiva e acolher a diversidade dos estudantes. Além disso, coincidiu com uma época de prosperidade econômica e quase 30% dos estudantes masculinos atingiram os 16 anos sem obtenção de um diploma e deixaram de es-tudar. O mercado pedia trabalhadores não qualificados para a constru-ção e serviços, que proporcionava recompensa financeira, o que era uma motivação imediata maior do que oferecia a escola. Também, a reforma de 1990 sempre foi um campo de batalha política entre os dois maiores partidos políticos, o que não favoreceu todo o êxito que pode-ria ter conquistado.

E no Brasil?Também no Brasil, as mudanças deveriam acontecer de forma estrutu-

Fernando Hernández esteve na cidade para participar de eventos na UFJF em junho de 2012

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À ProaEntrevista

ral. Teria que mudar a forma de trabalho em sala de aula, a escola de-veria ser adaptada. Não dá para desenvolver pesquisas onde 45 minu-tos depois se muda a disciplina a ser trabalhada. O professor também precisaria de um acompanhamento, muitas vezes isso não acontece e não é possível mudar a estrutura com currículo fechado. A nova forma de trabalho implica em mudanças substanciais que dependem de inte-resses políticos.

Por que reformar a escola? O mundo atual é diferente daquele do nosso tempo de escola ou da época em que nossos pais estudaram. Portanto, os processos de glo-balização da informação e comunicação fazem com que a escola reflita sobre sua função e seus objetivos. A escola tem que estar inserida à reali-dade e cabe ao professor atuar como facilitador da relação do aluno com o conhecimento, com a notícia, com as novas tecnologias, processo no qual o docente também atua como aprendiz. O que é cultura visual?Consiste no resgate dos efeitos das nossas re-lações com o que vemos em nós e nos outros. Quando eu vejo algo, ele também vê a mim e me faz de outro jeito. Significa trabalhar a his-tória da arte de outra forma: ir além do artista e considerar outros tipos de obras, também par-te da cultura, como publicidade, objetos de uso cotidiano, moda, arquitetura, televisão, arquivos históricos e familiares e tantas representações visuais quantas o homem é capaz de produzir. Trata-se de levar o cotidiano para a sala de aula, explorando a experiência dos estudantes e sua realidade.Tenho um livro que aborda essa temática que se chama Educação e Cultura Visual (Editora Artmed).

Como essa perspectiva pode chegar à sala de aula? É possível levar à sala de aula proporcionando ao aluno a possibili-dade de desenvolver a sua imaginação. A criança, por exemplo, pode ser instigada a manifestar como se representa visualmente a si mesma e como as imagens se relacionam com obras de artistas consagrados, mas também com as produções cotidianas, com filmes etc. A partir daí, ela poderá produzir novos relatos. Essa “alfabetização visual” dará ao aluno condições de conhecer melhor a sociedade em que vive, inter-pretar a cultura de sua época e tomar contato com a de outros povos. Ele vai descobrir as próprias concepções e emoções ao apreciar uma imagem.

Com quais outros projetos o senhor está envolvido no momento?Faço parte do grupo de pesquisa Esbrina (instituição com reconheci-mento do governo da Catalunha), que trabalha aprendizagem con-

temporânea. Além da cultura visual, desenvolvo projeto com jovens do Ensino Fundamental que consiste na avaliação de como se relacionam com o novo alfabetismo promovido pela mídia, como redes sociais e filmes, pela música e até pelo corpo. Outra pesquisa gira em torno

de jovens educadores e avalia como eles aprendem atuar na profissão nos cinco primeiros anos de trabalho. Outro avalia o que leva o jovem migrante a ter bom desempenho.

Como aconteceu a mudança do interesse da Psicologia para a Edu-cação em sua vida? Quando finalizei os estudos de Psicologia, um colega mais velho me questionou como eu poderia projetar minha profissão para contribuir para a mudança social. Pensei que a Educação seria um campo interes-sante para a mudança social.

Educador defende mundança estrutural do ensino para se adaptar à nova realidade

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À ProaEntrevista

Produção e veiculação de imagens:

minha experiência em sala de aulaPor Anderson Ferrari*

Desde 2010, quando fui fazer o pós-doutorado com o profes-sor Fernando Hernández, em Barcelona, tive a oportunidade de aprofundar meus interesses em torno da produção e vei-

culação de imagens entre adolescentes, algo que trabalhei nas minhas aulas de História, nos módulos e nas pesquisas desenvolvidas no pro-jeto Probic-Jr e que tiveram o enriquecimento a partir dos Estudos de Cultura Visual e Educação. Entendendo Cultura Visual como tudo aquilo que diz respeito à construção de imagens, podendo ser tanto uma obra de arte quanto propagandas veiculadas na televisão, me sentia desafia-do por essas relações entre imagens, cotidiano, escola e subjetividades. Esse desafio foi fortalecido e concretizado com a minha volta ao Brasil e ao Colégio de Aplicação, e que foi transformado na possibilidade real com o módulo “Cultura Visual, adolescências e escolas”, destinado aos alunos do primeiro ano do Ensino Médio.

No módulo busquei construir narrativas visuais com os meus alu-nos. Mais do que isso, utilizei as imagens produzidas e/ou trazidas pelos alunos como detonadoras de problematizações a respeito das adoles-cências, das escolas, dos próprios alunos e do João XXIII. Todo trabalho consistiu na atuação dos alunos, que eram motivados por atividades propostas por mim para serem realizadas na semana e enviadas para o meu e-mail. Assim, eram sugeridas atividades do tipo: “busquem na internet ou produzam uma imagem que diz das adolescências”; “bus-quem na internet ou produzam uma imagem sobre escolas, mas que não pode ser um prédio de escola”. Em outro momento solicitei que trouxessem para a aula máquinas fotográficas para que produzissem imagens a partir da seguinte sugestão: “se vocês tivessem que apresen-tar o João XXIII a alguém que não conhece a escola, que imagens utili-zariam para falar do colégio?” .

Feito isso na semana, no dia da aula ia abrindo as imagens e juntos construíamos narrativas visuais a partir das problematizações das ima-gens, de forma que o meu papel era o de colocar sob suspeita situações que não nos chamavam mais atenção por terem sido naturalizadas. Recuperando a proposta da aula, abria as imagens e pedia para que os alunos (menos o que havia enviado as imagens) dissessem o que esta-

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À ProaEntrevista

vam vendo. Como me vejo a partir do que estou vendo? No segundo momento, pedia para o aluno que enviou a imagem falasse dela, ou seja, que motivações levaram a escolher tal imagem? Como ela respon-de a questão proposta? Feito esse trabalho para cada imagem enviada, vou trabalhando o que é recorrente quando falamos de determinados assuntos, o que falta, o que não deveria aparecer e aparece, o que não aparece e deveria aparecer?

Com esse trabalho os alunos per-cebiam as representações que vamos construindo e como isso diz de cada um. Um exemplo disso pode ser men-cionado quando enviaram imagens sobre adolescências. Todas as imagens diziam de grupos, não havendo nenhu-ma imagem em que aparecia um ado-lescente sozinho. Em todas as imagens os grupos estavam com roupas extre-mamente coloridas e em situações de diversão e alegria. A partir dessas ima-gens foi possível problematizar essa relação das adolescências como fase da vida de encontros, de diversão, o que nos impõe a necessidade de sermos alegres e a obrigação de nos divertir. Como lidam com essas obrigações de ter amigos, de se divertirem ao mesmo tempo em que é exigida certa responsabilidade? O que essa represen-tação das adolescências diz das outras fases da vida?

Ao longo da apresentação, algumas questões me chamaram aten-ção. Primeiro, a relação desses alunos com essa nova proposta. Percebo que não estavam acostumados a uma aula em que são responsáveis pela montagem, ou seja, a aula só acontece se eles enviarem as ima-gens e, principalmente se assumirem o desafio de se pensar a partir das imagens, a falar delas e de si mesmo a partir delas. Isso implica

envolvimento e responsabilidade. Assim, de 17 alunos, uma média de 9 a 10 alunos que enviaram o material solicitado com regularidade, e os outros oscilavam em semana sim e outra não. De antemão isso foi importante para discutir a proposta do módulo e problematizar o que é uma aula. Depois, percebia também certa inibição para falar, o que me exigia colocar questões para que pensassem e iniciassem o debate.

Muitas dessas questões não eram res-pondidas, mas percebia que estavam com ela, que era algo que não haviam pensado até então e que não eram ca-pazes de formular respostas possíveis. E, por último, percebo a importância desses espaços em que os alunos são chamados a falar, a se posicionarem e assumir outras formas de protagonis-mos nas escolas.

Prof. Anderson FerrariProfessor do departamento de História da UFJF e ex-professor do Colégio de Aplicação João XXIII.

“Com esse trabalho os alunos percebiam as representações

que vamos construindo e como isso diz de cada um”

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EnsinoÂncora

Pedagogia Hospitalar: Novas tendências para a inclusão

Maria Tereza Ramalho Fernandes1

Danielle Braga Oliveira2

A garantia aos estudos é um direito constitucional irrestrito e por isso deve permitir o acesso à escolarização, mesmo das crianças e adolescentes hospitalizados, e que por isso são

impossibilitados de frequentar a escola por curtos ou longos períodos. De acordo com Ceccim e Fonseca (1999), “a escola deve ser promotora da saúde, assim como o hospital pode ser mantenedor da escolariza-ção”.

Diante disso, a Pedagogia Hospitalar firma-se como um novo cam-po de trabalho para pedagogos e alguns estudos destacam a atuação desse profissional em espaços não escolares, ressaltando a importância desse tipo de atendimento em hospitais onde são atendidos pacientes infantis e juvenis.

Matos e Mugiatti (2011) consideram a formação desse profissional um desafio para os cursos de Pedagogia, pois estes devem oferecer os fundamentos teóricos e práticos que visem a formação das capacida-des necessárias ao trabalho com crianças hospitalizadas.

Dessa forma, Fontes (2005) e Fonseca (2003) ressaltam que a função do pedagogo no contexto hospitalar é de evitar que a escolaridade seja perdida ou prejudicada, oportunizando um aprendizado signifi-cativo que desenvolva as funções cognitivas e psíquicas da criança ou adolescente.

Descrição da Experiência Em uma instituição de saúde de Juiz de Fora, identificando-se a

grande demanda de pacientes infantis que aguardavam ansiosa e in-quietamente as consultas e exames médicos, além das inúmeras quei-xas em relação à aprendizagem dos pacientes, foi criado pela institui-ção e equipe multidisciplinar um espaço para o acolhimento, recreação e realização de atendimentos pedagógicos aos pacientes infantis e ju-venis, bem como orientação familiar sobre assuntos escolares.

O trabalho vem sendo realizado por uma pedagoga e uma estagi-ária do curso de Pedagogia da UFJF, e atende a uma média de 100 pa-cientes por mês.

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ÂncoraEnsino

Diariamente, a partir do encaminhamento da equipe multidis-ciplinar do hospital e de entrevistas realizadas com pacientes e seus familiares, são identificados os casos que necessitam de intervenções do setor de Pedagogia, com a finalidade de sanar as dificuldades educacionais dos pacientes em decorrência das doenças a que são acometidos.

Depois de identificada a necessidade

da intervenção, são elaboradas atividades diagnósticas para verificar quais são as re-ais dificuldades das crianças. As atividades diagnósticas são diversificadas e contam com conversas informais, jogos educati-vos e atividades pedagógicas.

Após essa primeira etapa é feito con-tato com as escolas dos pacientes, com o objetivo de informar aos profissionais da escola sobre as implicações da doença, es-clarecer dúvidas sobre tratamento, direi-tos e deveres, além de obter informações sobre a sua vida escolar e traçar estraté-gias para o trabalho em parceria com a escola.

Verificadas as dificuldades, são agendados os atendimentos, de acordo com as necessidades da criança, nos quais são realizadas ativi-

dades pertinentes ao observado, utilizan-do inclusive jogos para uma abordagem lúdica. São consideradas as especificida-des de cada criança, sendo desenvolvidas atividades que possibilitem o desenvolvi-mento pleno e que atendam aos seus inte-resses e preferências, objetivando tornar a aprendizagem prazerosa.

A família também é envolvida nesse processo, para que se possa chegar aos re-sultados esperados. Para isso, são ofereci-das, para pacientes e familiares, palestras no intuito de abordar questões relativas à qualidade de vida dos pacientes.

Já nas principais datas comemorativas do ano são realizados eventos, proporcio-nando, além de momentos prazerosos, o fortalecimento dos vínculos afetivos com a instituição e, consequentemente, uma maior adesão ao tratamento.

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“São consideradas as especificidades de cada criança, sendo

desenvolvidas atividades que possibilitem o

desenvolvimento pleno e que atendam aos seus interesses e

preferências.”

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Pedagoga do setor (Maria Tereza) realizando atendimento pedagógico com paciente atendida pela instituição hospitalar

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ÂncoraEnsino

O setor também realiza parcerias com as Secretarias de Educa-ção do Estado e Município visando a capacitação dos profissionais das escolas que possuem alunos matriculados que são atendidos pelo setor, objetivando promover o conhecimento desses profissio-nais para a realidade das doenças e suas implicações na vida pesso-al e escolar da criança.

A importância dos serviços oferecidos pelo setor está em ga-

rantir a continuação da escolarização dos pacientes, o aprendizado significativo, o retorno à escola sem maiores prejuízos e a melhoria na qualidade de vida (autonomia) dos mesmos. No entanto, ainda é preciso aumentar a capacidade de atendimentos e buscar maior

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ÂncoraEnsino

parceria com as escolas e secretarias de educação para ob-ter apoio e conscientizar sobre o trabalho realizado.

Faz-se necessário destacar a relevância social do traba-

lho da Pedagogia Hospitalar, uma vez que por meio deste é possível estimular os pacientes a assumirem sua condição de cidadãos perante uma sociedade que se pauta em indi-víduos sadios, excluindo aqueles que não se apresentam dessa forma. Para isso, é fundamental o desenvolvimento de um trabalho ético, que vá além da ludoterapia e que seja comprometido com os ideais de uma educação inclu-siva, pautada no respeito aos direitos das crianças e ado-lescentes adoentados e na formação integral dos mesmos.

Referências Bibliográficas

CECCIM, R. B. FONSECA, E. S. Atendimento pedagógico-educacional

hospitalar: promoção do desenvolvimento psíquico e cognitivo da crian-

ça hospitalizada. In: Temas sobre Desenvolvimento, v.8, n.44, p. 117, 1999.

Disponivel em: http://www.cerelepe.faced.ufba.br/arquivos/fotos/62/

atendpedagpromocaopsiquicocog.pdf (acesso em 12/05/13)

FONSECA, E. S. Atendimento escolar no Ambiente Hospitalar. 1.ed.

São Paulo: Memnom, 2003.

FONTES, R. S. A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo

o papel da educação no hospital. Revista Brasileira de Educação, 2005.

Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a10.pdf (acesso

em 12/05/13).

FRANCO, M. A. S. Para um currículo de formação de pedagogos: indi-

cativos. In: Pimenta, Selma Garrido. (Pedagogia e Pedagogos: caminhos e

perspectivas. Org). São Paulo: Cortez, 2001.

MATOS, E. L. M. MUGIATTI, M. M. T. de F. Pedagogia Hospitalar: a hu-

manização integrando educação e saúde. 5. ed. – Petropólis, RJ: Vozes,

2011.

Maria Tereza Ramalho FernandesPedagoga Especialista em Educação do Ensino Fundamental

Autoras

Danielle Braga OliveiraGraduanda do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de Fora

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Estagiária de Pedagogia ( Da-nielle) realizando acolhimento/

recreação com paciente atendida pelo ambulatório da instituição

enquanto aguarda consulta médica

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A mala misteriosapor Sheyla Costa Fontes Paixão*

Meu nome é Sheyla Costa Fontes Paixão. Sou professora al-fabetizadora na rede municipal de ensino de Leopoldina há 20 anos,e em 2012, especificamente, eu precisava de

algo que estimulasse o hábito de leitura em meus alunos de 3º ano de alfabetização. Isso porque a referi-da escola, por pertencer à periferia da cidade, recebe alunos de diversas rea-lidades sociais, apesar de a maioria de sua clientela ser formada por crianças carentes, não só no sentido financei-ro, mas também de apoio no acesso à cultura e ao mundo letrado.

Inspirada pela ideia do projeto “maleta viajante”, que deve ser do co-nhecimento de muitas educadoras, no qual cada dia um aluno leva a ma-leta para casa com um ou mais livros para posteriormente fazer comen-tários a respeito do que leu, resolvi

inovar: arrecadei livros com amigos, peguei alguns das minhas filhas, coloquei-os dentro de uma mala imensa, antiga e pesada, e levei para a minha sala de aula.

Intrigados, os alunos cochichavam, palpita-vam, levantavam hipóteses sobre o de a mala estar ali (chegaram a achar que eu estava com problemas familiares e de mudança). Após ex-plorar e deixar que imaginassem, abri e apre-sentei a mala. Que surpresa! Quantos livros lá dentro! Diversos gêneros! Que alegria!

A mala ficava em cima do meu armário e confesso que a princípio não consegui atingir meu objetivo, pois passado o instante em que ela foi apresentada como uma grande novida-de, tudo voltou a ser o que era antes: pouco interesse pela leitura, desmotivação para nar-rar o que leram e desinteresse em produzir textos...

ÂncoraEnsino

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“Foi em meio a este ‘marasmo’ que tirei a

Idea de sugerir à colega de trabalho da sala ao lado que aproveitasse

um momento em que eu não estivesse na sala e

‘roubasse’ a mala.”

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Foi em meio a este “marasmo” que tive a ideia de sugerir à colega de trabalho da sala ao lado que aproveitasse um momento em que eu não estivesse na sala e “roubasse” a mala, antes pouco apreciada por eles. Ela aproveitou um momento de aula especializada e cumpriu o nosso combinado, pedindo segredo à turma.

A minha volta para a sala ficou marcada pela dúvida dos alunos so-bre como agir. Muitos queriam contar o acontecido, enquanto outros discordavam desta atitude. Aproveitei o momento para investir na cria-tividade da turma. Demonstrei notar que a mala havia sumido e come-cei meu “trabalho de investigação”. Fui sugerindo possibilidades sobre o que poderia ter acontecido com a mala e a partir deste momento a fantasia rolou solta: eles esqueceram que sabiam o que houve e co-meçaram a dar as pistas. Cada uma mais mirabolante que a outra, mas com sentido. Pedi que cada um escrevesse um texto contando sobre o sumiço da mala.

Os alunos ficaram super motivados a ler o que escreveram para os colegas e no fim fizemos a junção de ideias e transformamos tudo num único texto. A turma descobriu que era capaz de escrever e eu final-mente conheci o lado criativo de meus aprendizes.

Trabalhei os conceitos éticos envolvidos: a atitude da professora que pegou algo sem pedir, a dos alunos que queriam delatá–la e da-queles que iriam mentir para proteger algo errado. Expliquei que tudo não passou de uma brincadeira de minha colega. E a mala...

Bem a mala passou a ser o universo da imaginação deles. Tive de me acostumar a tirar muito mais vezes aquele peso enorme de cima do armário e atividades de produção de textos passaram a ser uma cons-tante em minhas aulas, marcadas pelo prazer de escrever. Registro aqui que mistério era o tema preferido pela maioria da turma no início, de-pois passaram a preferir os gibis, apesar de lerem de tudo. Eles apren-deram a relatar oralmente o resumo dos livros lidos e alguns eram tão bons neste “marketing” que havia fila de espera para alguns livros(es-pecialmente ”A Tuma do Pererê”, de Ziraldo), dependendo de quem os lia e fazia a propaganda. Ultimamente leem dois livros por semana.

Autora

Sheyla Costa Fontes PaixãoSheyla Costa Fontes Paixão é Professora alfabetizadora na rede municipal de ensino de Leopoldina

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A mala passou a ser o universo de imaginação das crianças

A professora e seu tesouro

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ÂncoraPesquisa

Novas práticas de leitur@ e escrit@ e o desafio de alfabetizar letrando digitalmente, desde os anos iniciais do ensino fundamental

por Lauriana G. de Paiva*

Na sociedade contemporânea, vivemos e presenciamos a inserção de novas práticas sociais de leitura e escrita, produzidas a partir da interação com os novos meios de

comunicação e informação, o que traz consequências para o processo de ensino e de aprendizagem, em especial ao processo de aquisição da leitura e da escrita.

A interação com as novas tecnologias digitais, na sociedade, não produzem apenas novas formas de acesso à informação, possibilitam também novas formas de produzi-la e, por conseguinte, novas práticas sociais de leitura e de escrita (digital), advindas da interação com os novos meios de comunicação e informação, produzindo novos gêneros textuais e impulsionando um “novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela” (SOARES, 2002 p.149).

“Atualmente, a cultura do texto eletrônico traz uma nova mudança no conceito de letramento” (SOARES, 2002, p.150). Há um novo letramento, que tem sido chamado de letramento digital, e que pode ser compreendido como “[...] um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel” (SOARES, 2002, p.151).

Faz-se necessário, portanto, levar os modos de produção dos novos textos construídos e veiculados na sociedade atual, bem como os novos eventos de letramento, para o espaço da sala de aula, de forma a desenvolver, nos alunos, competências linguísticas no tocante à leitura e à produção dos novos textos tangidos pela hipertextualidade. Ou seja, trabalhar na escola situações semelhantes às existentes no ambiente social, o que implica, por exemplo, trabalhar o texto para além de seu suporte no papel, para além do impresso.

Assim, no trabalho aqui relato buscamos refletir acerca do desafio educacional de alfabetizar/letrar digitalmente desde os anos iniciais do Ensino Fundamental as crianças da geração net (Tapscott, 1999). Sendo assim, iremos aqui discorrer acerca de uma experiência de pesquisa e ensino realizada durante o ano letivo de 2011, durante o Módulo (Re)Criando textos digitais , ministrado no Colégio de Aplicação João XXIII da Universidade Federal de Juiz de Fora, com crianças, alunos do terceiro ano do Ensino Fundamental, da faixa etária média de nove anos. Durante a experiência de pesquisa e prática desenvolvida, se buscou trabalhar e (re)conhecer as mudanças sociais nos modos de ler e escrever e, portanto, interagir com a tecnologia da escrita com novos propósitos comunicativos.

A proposta teórico-metodológica construída fez-se necessária, pois o que percebíamos é que as crianças da geração net, ao

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construírem seus textos no computador, utilizavam uma escrita que reproduz a forma de escrita utilizada, por exemplo, nos chats, nas listas de discussão, nos fórum da web, ou seja, escreviam de forma bastante abreviada, utilizando apenas algumas consoantes para formação das palavras (a título de exemplo podemos citar: também = tb, você = vc, tudo = td). Para as crianças, escrever no computador era sinônimo de escrita abreviada, pois desconsideravam os propósitos comunicativos e estruturais dos textos a serem produzidos em detrimento do suporte.

Tal constatação nos fez refletir acerca da importância de ampliarmos a perspectiva do letrar, que norteava nossa prática pedagógica nos anos iniciais, pensando no enfrentamento metodológico do alfabetizar letrando digitalmente. Assim, aplicamos um questionário com o objetivo de compreendermos qual o uso social que as crianças fazem do computador-internet. O que este instrumento nos mostrou é que, dentre os usos que as crianças da geração digital fazem desta ferramenta, a leitura e o brincar são os elementos mais destacados pelos alunos.

Desta constatação, buscamos mapear os gêneros textuais/digitais que as crianças mais utilizam socialmente no meio digital. Do mapeamento, analisamos, juntamente com os alunos, algumas das características dos gêneros textuais digitais apontados por eles, discutindo com os mesmos as semelhanças e diferenças com os gêneros textuais impressos.

Em seguida buscamos historicizar com as crianças a invenção da técnica da escrita como uma construção humana, enfatizando as diferenças de uso entre as tecnologias tipográficas e as tecnologias digitais de leitura e de escrita, pois partimos do pressuposto de que o letramento digital implicava no letramento alfabético, a partir de uma relação dialética entre as “novas” práticas e eventos relacionados com uso da leitura e da escrita e as “velhas” funções sociais das mesmas. Para tal, foi necessário trabalhar as diferenças concernentes ao espaço da escrita com os seus mecanismos e suportes de (re)produção e (di)fusão da escrita ao longo do tempo.

Assim, trabalhamos com os alunos a partir de eventos de letramento, nos quais se buscam as práticas e os usos sociais da leitura e da escrita, e mapeamento dos gêneros textuais - digitais utilizados pelas crianças. Buscamos, desta forma, discutir com os alunos que, independente do suporte que estará veiculando os textos produzidos, há especificidades em sua escrita. Procuramos também construir esta competência nas crianças, desde os anos iniciais de sua

alfabetização, para que estas compreendam o uso social da escrita e, assim, tenham a competência linguística para perceber que a escrita abreviada – utilizada nas conversas informais nos chats na web - são usuais naquele gênero textual e não em todos os textos construídos no computador, ou seja, independente do suporte o texto redigido deve estar adequado ao gênero

Biblioteca Virtual

A partir do trabalho, os alunos construíram livros digitais (e-books). Neste processo, os alunos foram levados a perceber que o texto produzido por eles, a ser veiculado pelo suporte digital, deveria estar adequado à proposta dos gêneros textuais a serem produzidos (fábulas, receitas, narrativas), independente do suporte de construção.

Como desdobramento da experiência teórico-prática relatada, a partir do ano de 2012 o trabalho do Módulo está sendo ampliado para as aulas regulares de Língua Portuguesa. E, para ampliação e a circulação dos trabalhos produzidos pelos alunos, estamos na etapa final da construção de uma Biblioteca Virtual Infantil, que será linkada à home page do C.A. João XXIII/UFJF para divulgação dos e-books com as histórias produzidas pelos e com os alunos, dando sentido assim à escrita escolar para além dos muros da sala de aula. Dessa forma, acreditamos que será possível ampliar a circulação dos trabalhos produzidos pelos alunos, possibilitando, assim, que a leitura e a escrita tenham um sentido para além dos limites das aulas de Língua Portuguesa.

Em suma, nosso trabalho endossa os estudos teórico-metodológicos que visam aprofundar o uso das TIC nas salas de aula para além da perspectiva de uma alfabetização tecnológica, pela qual se formam manuseadores de mouse, e sim, em uma perspectiva voltada ao uso social das tecnologias educacionais e, portanto, em uma perspectiva do alfabetizar letrando digitalmente desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Autora

Lauriana G. de Paiva - Professora doutora do Departamento de Letras do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJFSite: w w w . u f j f . b r / b i b l i o t e c a v i r t u a l i n f a n t i l

ÂncoraPesquisa

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Recreio OrientadoÂncoraExtensão

por Bárbara Lopes , Iago Felipe Wan De Pol Amaral, Mônica R. Maia de Andrade, Roseana Mendes, Samuel Moreira de Araújo*

Um relato da prática em uma escola de educação básica

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Alunos do C.A. João XXIII divertem-se em um dia de recreio supervisionado

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ÂncoraExtensão

Aestrutura escolar que se observa na maioria das escolas atualmente trata de momentos em sala de aulas e um

momento de intervalo, que é o recreio escolar. Tendo em vista toda esta dinâmica educati-va, pode-se afirmar que o recreio escolar é o momento mais aguardado pelas crianças. Por isso, ao saírem das salas de aula, após ficarem sentadas por horas, elas “explodem” em movi-mento (NEUENFELD, 2003). Esse momento é entendido pelas mesmas como sendo seu es-paço para brincar, se divertir, lanchar e esque-cer todos os “problemas” que permeiam sua volta quando estão em aula.

De acordo com Carvalho e Papaléo (2010, p. 62), “o recreio escolar pode ser considerado um tempo e um espaço de relacionamentos sociais que, por seu caráter informal, facilita a brincadeira e o jogo, seja através da coope-ração, do conhecimento, aceitação de regras, entre outros”. O recreio é um espaço de ativi-dades de escolha dos alunos, e que, algumas vezes, pode se tornar um espaço de poucas regras e limites, acarretando uma maior vio-lência entre eles. Esse curto período de tempo, geralmente de 15 a 30 minutos, variando de escola para escola, muitas vezes passa desper-cebido no ambiente escolar, pois é visto como algo improdutivo e sem valor educativo. Nes-sa ausência de supervisão, ou carência de pes-soal para supervisionar o que ocorre no espa-ço da escola, pode ocorrer algumas formas de violências veladas (bullying) entre os alunos, onde o espaço que seria destinado a esque-cer de seus problemas acaba por se direcionar a outras vertentes: medo, apelido, gozações e até exclusão em alguns casos (BOTELHO e SOUZA, 2007).

Atividades diversificadas

Assim, o presente estudo visa relatar ex-periências no recreio escolar através da visão articulada de um projeto de extensão (Recreio Orientado ) e de um projeto de iniciação cien-tífica Probic-Jr (Recreando contra o bullying) dentro do Colégio de Aplicação João XXIII (C. A. João XXIII) da UFJF. O projeto “Recreio Orientado” visa oferecer atividades recreativas no horário de recreio dos turnos da tarde, no primeiro segmento do ensino fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII.

O C. A. João XXIII atende cerca de 1.100 alunos distribuídos nos seguintes anos esco-lares: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (E.J.A.). Oferece aos alunos diversas modali-dades, desde as artísticas às culturais, e está

voltado para a formação do cidadão crítico, criativo e comprometido com a construção de uma sociedade mais justa (COLÉGIO DE APLI-CAÇÃO JOÃO XXIII, 2012).

Até a inserção do Projeto de Extensão Re-creio Orientado, o recreio não contava com a supervisão de nenhum professor, supervisor ou diretor. Apenas circulava pelo colégio um responsável pela segurança do patrimônio, mas que em algumas vezes se via obrigado a

intervir em caso de algum desentendimento entre os alunos.

O projeto “Recreio Orientado” tem como um dos objetivos minimizar tais ocorrências de violência no período do recreio escolar através de atividades lúdicas e recreativas. As atividades oferecidas são direcionadas às turmas do 2º ao 5º ano, com atividades pro-postas aos alunos interessados em participar das mesmas sem nenhuma obrigatoriedade ou imposição. São sugeridas atividades como jogos, brincadeiras, e no fim do semestre reali-zamos uma caça ao tesouro.

As atividades recreativas na perspectiva de lazer podem e devem ser orientadas e apre-sentadas aos alunos de maneira dinâmica. Como identifica Marcellino (2007), não o mero entretenimento, mas o lazer que leve à “con-vivencialidade”. O lazer possui a característica de ser fruído e individual, e, embora pareça um paradoxo, é importante verificar que ati-vidades com foco recreativo, oferecidas para grupos, podem “minimizar os riscos de exacer-bação” (MARCELLINO,2007, p.12), auxiliando a redução da violência.

Para realização das atividades do projeto utilizamos espaços diferentes da escola, onde são direcionadas atividades de forma que to-

dos possam participar de maneira igualitária, sem que ninguém se sobressaia em relação ao outro ou possa deixar outra equipe em des-vantagem. Os devidos cuidados são tomados para divisão das equipes quando se realizam alguns jogos. As equipes são geralmente mis-tas, raras vezes são permitidos time de meni-nos versus time de meninas.

O presente estudo nos deu uma grande visibilidade sobre a divisão generificada no ambiente escolar (ALTMANN, 1999) e ainda reforçada por alguns órgãos internos da es-cola. A exclusão dos alunos do 2º e 3º ano da utilização das quadras permitiu a adesão de grande parte dos alunos nas atividades. Foi perceptível também a preferência dos alunos, independente do sexo, por atividades de cor-rer e que exijam alguma movimentação ou um desafio, estimulando muito a participação dos mesmos.

Assim, conclui-se ser importante uma in-tervenção no recreio escolar, mas não impon-do e obrigando os alunos a fazer determina-das atividades, mas a fim de sugerir algumas práticas nesse momento para que todos pos-sam usufruir de tais atividades.

“O Recreio é um espaço de atividades

de escolhas dos alunos, e que, algumas vezes, pode se tornar um espaço de poucas

regras e limites.”

REFERÊNCIAS:

- ALTMANN, Helena. Marias (e) homens nas quadras: sobre a ocupação do espaço físico escolar. Educação e Realidade, Porto

Alegre, v. 24, n. 2, p. 157-174, 1999.

- BOTELHO, R. G. e SOUZA, J. M. C. Bullying e Educação Física na escola: caracteristicas, casos, consequencias e estratégias de

intervenção. Revista de Educação Física;139:58-70, 2007.

- CARVALHO, Érica Blascovi de; PAPALÉO, André Luiz. Recreios ativos através do resgate das brincadeiras infantis. P.61-71. In.: BOCCALETTO, Estela Marina Alves; MENDES, Roberto Teixeira; VILARTA, Roberto (Org.). Estratégias de promoção da saúde do

escolar: atividade física e alimentação. Campinas: IPES, 2010.

- COLÉGIO DE APLICAÇÃO JOÃO XXIII. Apresentação. Disponível em:<http:// http://www.ufjf.br/joaoxxiii/>. Acesso em 28 abr.2012.

- MARCELLINO, N. C.(org.). Lazer e Recreação: Repertório de atividades por ambientes. Campinas,SP:Papirus,2007.

- NEUENFELD, D. J. Recreio escolar: o que acontece longe dos olhos dos professores. R. da Educação Física/UEM. Maringá, v. 14,

n. 1, p. 37-45, 1. sem. 2003.

Autores• Bárbara Lopes (Bolsista do Projeto Recreio Orientado) • Iago Felipe Wan De Pol Amaral ( Bolsista do Probic - Jr)• Mônica R. Maia de Andrade (Coordenadora e professora do C. A. João XXIII/UFJF)• Roseana Mendes (Coordenadora e professora do C. A. João XXIII/UFJF)• Samuel Moreira de Araújo (Bolsista do Projeto Recreio Orientado)

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ÂncoraDiscente

Hoje, vou contar minha história, já que, provavelmente, é a única coisa que me resta. Meu nome é Helena, tenho seten-ta e três anos, e tudo isso aconteceu quando tinha dezoito.

Morava na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, numa casa enor-me, onde treinava alguns tipos de luta. Fazia faculdade de História, na saída da cidade. Amo História, principalmente a Grécia Antiga, as lutas de gladiadores, corridas de bigas... É tudo maravilhoso, mas também gosto da mitologia, dos monstros, dos deuses. Entre eles, o que mais admiro é Ares, o deus da guerra. Sem medo, sem pena, pronto pra qual-quer batalha. Ah, quase me esqueci: tenho um bubo, uma ave pareci-da com uma coruja, porém um pouco mais agressiva. Ele apareceu na minha varanda quando eu tinha uns oito anos. Minha irmã sempre me contava histórias sobre a mitologia, e então dei a ele o nome de Marte, que foi o nome dado pelos romanos a Ares. Também porque é um dos animais que representava esse deus. Minha irmã chamava-se Chris e

desapareceu com dezenove anos. Nunca mais foi encontrada. Não sei se ela morreu ou se ainda está viva, mas, no mundo todo, a pessoa de quem eu mais gostava era ela.

Mas a minha vida não era tão boa quanto parece. Minha mãe era

empresária e nunca me dava muita atenção. Tive uma infância triste, sozinha, a cada semana uma nova babá, não me divertia nem brincava, passava horas e horas lendo sobre a Grécia, mas nenhuma história me assustava. Uma vez, uma psicóloga disse que eu era uma criança pro-blemática, que seria uma adulta transtornada, com problemas mentais talvez. E ela não diagnosticou errado. Eu trabalhava escrevendo con-tos e criando personagens gregos. Mas ainda assim era muito solitária. Gostava de viver sozinha, não precisava de ninguém para ser feliz. Pelo menos, era o que eu achava. Apenas da História e do meu bubo.

O conto “Suicídio” foi produzido em 2012, no âmbito de uma sequência didática de Português, trabalhada no 6º Ano do C. A. João XXIII, em torno do gênero Narrativa de Aventura. Foram lidos e analisados episódios da série Percy Jackson & Os Olimpianos do ponto de vista da construção ficcional e dos recursos linguísticos, entre eles o da intertextualidade, privilegiando-se as referências à Odisseia, lida previamente na adaptação de Ruth Rocha. A proposta de produção feita aos alunos previa valer-se da intertextualidade na construção de suas narrativas, partindo do contexto de que estávamos em 2016, nas Olimpíadas do Rio, onde o Olimpo se instalara (ao invés de nos EUA, como na série). Os alunos deveriam criar seus próprios semideuses, fazendo-os enfrentar uma missão relacionada ao contexto proposto.

Elza de Sá Nogueira

Suicídio

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por Maria Fernanda Rodrigues Guimarães, Lívia Gabetto Nascimento, Beatriz Salles Fonseca e Anna Carolina Silva Ribeiro

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ÂncoraDiscente

Alguns dias antes de uma coisa meio “diferente” acontecer comigo, Íris tinha começado a querer se aproximar de mim. Ela era da minha sala, desde a quinta série. Éramos muito amigas, mas ela era popular, sempre tinha um monte de gente em volta, e eu não gostava disso. Preferia ficar sozinha, sem gente, sem barulho. E aí nós começamos a nos distanciar. Bem, antes do que aconteceu. Ela morava do lado da minha casa e um dia, à noite, indo para a universidade, ela pediu carona, e fomos juntas.

Eu sempre parava perto de um beco, onde alimentava uma

gata. Só não a levava pra casa porque tinha medo que Marte a comesse. Enfim, naquela noite, quando fui chamá- -la, ela olhou pra mim, com cara de assustada, mas como se seu olhar passas-se direto, e então saiu correndo. Eu olhei para trás, e ali estava um animal inconfundível, Cérbero, o cachorro de três cabeças que guardava o mundo inferior.

Eu e Íris corremos como loucas para dentro do carro. Mas o

animal, com uma força enorme, quebrou o vidro, e a garota, com um movimento rápido, eu não sabia como, tirou de dentro da bolsa um arco e uma flecha, com um pouco de pó na ponta, e acertou o cachorro, que, fraco, caiu quase morto na rua. Íris gri-tava:

- Rápido, rápido, não tem como a gente ir pra faculdade! Vai

pra Mata do Krambeck, fica perto da rodoviária, depois eu te ex-plico o porquê!

Sem pensar direito, tinha feito o que ela tinha dito e parado

o carro ali perto da rodoviária. Depois, tínhamos ido a pé. Tínha-mos que andar cerca de dois quilômetros, para chegar em um tal de acampamento. Quase chegando lá, apareceu, de novo, o Cérbero, que não tinha morrido. Cansada, e sem paciência, tinha dado um chute na cara dele, que mordeu minha perna, e come-çou a sangrar muito. Mas óbvio que não foi bastante, e come-cei a me afastar. De repente, apareceu um homem, alto, bonito, forte, atraente, e com uma espada cortou o animal ao meio. E, sem falar muita coisa, nos conduziu ao tal acampamento. Na en-trada, havia duas árvores se entrelaçando, e antes de passarmos por elas, era só mata, depois, um lugar lindo, com redes, tendas, casas de madeira, ou palha... A maioria das pessoas estava dor-mindo, menos uma mulher que estava me esperando na porta. Era uma tal Minerva, que aparentava uns 50 anos. Ela se apre-sentou e disse que Klaus me levaria até meus aposentos. Klaus era aquele que tinha me recebido antes mesmo de eu entrar no acampamento.

Íris foi em direção à floresta e me deixou com o homem.

Achava tudo muito estranho e ainda não sabia o que era aquele lugar. Quando cheguei aos meus aposentos, fiquei impressio-nada. Não era muito grande, mas era perfeita, a casa que sem-pre sonhava ter. Achei que fosse alguma surpresa, já que era o

Suicídio

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ÂncoraDiscente

dia do meu aniversário de dezoito anos (20/06/2016). Pedi que Klaus me deixas-se sozinha, me deitei e fiquei pensando e pensando... Enquanto olhava pela ja-nela, ouvia um barulho familiar. Prestei atenção e era Marte! Em um voo rasante, aterrissou na cabeceira da minha cama, com um rato no bico (pelo visto esta-va caçando). Olhou pra mim com seus olhos avermelhados e voltou a caçar. Em pouco tempo, eu já estava dormindo.

Eram 6:00 da manhã, e Marte tinha

ido me acordar. Logo depois, Íris entrou no meu quarto e disse que era hora de treinar, mas antes tinha que me entregar um bilhete. Era um papel enrolado em forma de pergaminho, que dizia assim:

“Helena, quem manda este bilhete é Zeus, sim, o Deus do Raio, o Deus dos Deuses. Peço sua

ajuda. Um profeta disse que um semideus irá destronar todos os Deuses, inclusive seu pai, Ares, e, pelo que eu já disse, você deve ter imaginado, você é uma semideusa que, por algum motivo, é mais forte, ágil e poderosa que seu pai. Por isso peço sua ajuda. Suplico que descubra quem é esse semideus, como ele pensa em me destronar, e por quê. Quero que encontre comigo e com os outros deuses, dia 21/07/2016, no Olimpo, ao meio-dia, com uma resposta e, talvez, soluções. Também lhe mando este presente, de seu pai. Espero que use com sabedoria.

De seu avô, Zeus.”

E, em cinco minutos, minha vida havia mudado completamente. Eu era (ainda sou) uma semideusa, filha do meu deus favorito, com poderes sobrenaturais e uma lança que Ares tinha usado em uma de suas batalhas. Não sabia se isso era bom ou ruim, nem se chorava ou se sorria, mas com certeza era uma sensação incrível. Íris me dis-se para tomar banho e me arrumar, que eu teria cerca de um mês pra treinar, mas o único jeito de tomar banho naquele lugar era em uma cachoeira, não tinha escolha. Depois de me arrumar, fui me encontrar com Minerva, que, a propósito, era a diretora de atividades do acampamento. No caminho, via de tudo, gente lutando, mirando em alvos com arcos e flechas, afiando espadas, pescando com lanças, voando, saltan-do, atravessando percursos, nadando em rios congelantes, dominando os elementos (água, fogo, terra e ar). Tudo que você podia imaginar, pena que não existe nenhum você para desfrutar desta história.

Minerva observava os outros semideuses, sentada em uma rede, enquanto me es-

perava. Depois que cheguei, ela me dirigiu a um rio, para conversarmos. Disse que gostava da ideia de me ter em seu acampamento, me contou várias histórias sobre meu pai e meu avô, mas a maioria delas eu já conhecia. Também disse que o Olimpo ficava escondido em uma caverna, no ponto mais alto da Pedra da Gávea, e que eu realmente iria ter que encontrá-lo. Mas uma das coisas que ela disse e que mais me chocou foi o fato de Marte não ter aparecido em minha casa por acaso, Ares o havia

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“Não sabia se isso era bom ou ruim,

nem se chorava ou se sorria, mas com certeza era uma

sensação incrível..”

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ÂncoraDiscente

mandado. Depois de uma longa conversa, ela disse que era para eu ir treinar. Eu fui primeiro lutar e, para mim, era uma novidade eu ser mais forte que todos os outros semideuses. Até com Klaus eu lutei, e venci! Ele era filho de Zeus, não era amigável. Acho que, por isso, nós combinávamos. Já no arco e fle-cha não era tão boa assim. Havia uma garota, Rosa, mais ou me-nos da mesma idade que eu, que era ótima e se achava. Também ficara com um pouco de inveja, já que gostava do Klaus. Ela era filha de Afrodite, o próprio nome já diz um pouco. Ela tinha todos os homens aos seus pés, menos Klaus. Acho que era por isso que queria tanto ele. Ela era graciosa, doce, meiga, linda... e tudo isso me irritava muito.

Em pouco tempo, Klaus e eu

começamos a namorar. Eu trei-nava dia e noite, física e mental-mente. Pensava na proposta de Zeus, mas não conseguia tirar da cabeça o desaparecimento da minha irmã. Alguma coisa me dizia que tinha a ver com eu ser uma semideusa. Mas isso não era prioridade no momento. O tem-po ia passando e eu ficando cada vez mais forte. Estava chegando o dia do meu encontro com Zeus. Eu queria ir sozinha, mas Klaus e Íris faziam questão de ir comigo. Então, algo inesperado aconte-ceu: um ser metade águia, me-tade leão tinha tentado atacar Marte. Minerva disse que era um aviso, provavelmente vindo de Hades, já que não gostava nem um pouco de Zeus, e Zeus queria minha ajuda.

Então tinha chegado o dia.

Eu, Klaus e Íris fomos de barco até o Rio de Janeiro, por um rio que acabava no mar, para não acontecer mais nada ou termos que enfrentar o trânsito, já que logo aconteceriam as Olimpíadas. Ficamos uma noite no barco, até chegar perto da cidade do Rio, mas nosso barco era pequeno, feito de ma-deira, e tinha começado a balançar, não sabíamos quem ou o que era.

Marte voava sobre nós, mas estava estranho, diferente, assustado. O barco se mexia cada vez mais e mais rápido, e uma sombra preta enor-me apareceu debaixo de nós e subiu. Então subiu um gigantesco Cra-cken, um animal parecido com um polvo, mas do tamanho da Estátua

da Liberdade, e com uma força que dava para parti-la em pedacinhos. Íris tentou, com flechas e veneno, mas não era o bastante. Eu arre-messei minha lança e pulei em cima dele. Klaus possuía uma espada que, quando erguida, concentrava raios, e então jogou em direção àquela coisa gosmenta. Mais uma vez arremessei minha lança, e lógico que o animal não morreu, mas desistiu e foi embora. E foi nessa hora que soubemos que alguém com certeza queria nos im-pedir. Tentamos acelerar o barco, mas não foi possível, e a gente só contava com a sorte. E com os deuses, é claro.

Tínhamos, enfim, chega-

do à terra firme. Daí foi rápi-do irmos até a Pedra da Gá-vea. A caverna era escondida e não tinha como encon-trarmos. Como era de ma-drugada, também não tinha muita gente na rua. Mas isso facilitou nossa entrada no Olimpo, já que, de repente, uma enorme rocha tinha co-meçado a se locomover. Mas era muito alto e não tinha como nós subirmos, então apareceu Pégaso, que, antes de se abaixar para podermos subir, mostrou que estava com Marte, todo molhado e machucado. Na hora, eu tive certeza: tinha sido o Cracken, mas não por culpa

dele, alguém o tinha mandado fazer aquilo. Pensava na Rosa, mas ela não conseguiria influenciar um ser tão poderoso. Tinha sido um deus, só não sabia qual. Segurei meu bubo no colo, e nós quatro fomos para o Olimpo. Ele nos deixou na porta, e eu não conseguia parar de chorar, de tristeza e de raiva.

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Os deuses eram gigantes. Poseidon, o deus dos mares, das águas. Hera, a deusa do matrimônio e do parto. Zeus, o mais poderoso, líder dos deuses. Afrodite, a deusa do amor. Hefesto, deus do fogo e da forja. Apolo, o deus da luz, das artes, da medicina e da música. Ártemis, deu-sa da caça, e protetora dos animais. Hermes, o mensageiro dos deuses. Atena, deusa da sabedoria. E meu pai, Ares, o deus da guerra. Ele me olhou, e viu Marte em minhas mãos. Logo me perguntou o que tinha acontecido, e expliquei toda a história a todos os deuses. Quando falei do Cracken, nenhum deles sabia quem podia ter feito, mas quando fa-lei de Cérbero, Zeus tinha certeza, tinha sido Hades, pelo fato de Zeus ter pedido minha ajuda, e eu era muito forte, se algo de ruim fosse acontecer com Zeus, Hades não iria querer que ninguém impedisse. Sem demora, Ares pediu ajuda a Ártemis, que curou Marte, mas disse que ele estava fraco, velho e que não aguentaria fortes impactos. Ares não era muito de falar, mas disse que era para eu fazer o que fosse pre-ciso para vencer uma luta. Minha ida ao Olimpo tinha sido curta, mas eu saí de lá decidida de que iria fazer algo contra Hades. Pégaso estava lá fora à nossa espera, nos deixou no chão e saiu voando. Eu disse que iria sozinha à morada de Hades, e queria que Marte ficasse com eles, em segurança, mas o bubo não aceitou, e os dois também queriam ir comigo. Mas, para que meu plano fosse executado, precisava ir sozi-nha. Chamei Pégaso e o obriguei a levá-los pro acampamento.

O Mundo Inferior era em Tiradentes, não sabia direito onde, mas

tinha que entrar em uma Maria Fumaça muito antiga que me levaria até lá. Era para onde eu ia. Fui para o centro do Rio e peguei um táxi que me levaria até o aeroporto, pois assim seria mais rápido, e eu não queria chamar atenção. Por sorte, logo chegaria um avião que me le-varia até Juiz de Fora e depois pegaria um ônibus até Tiradentes. Nada aconteceu até eu chegar lá, mas assim que desci do ônibus, que, por incrível que pareça, estava totalmente vazio, me deparei com o Mino-tauro, que tentou me atacar. Com uma espada, arranquei seu chifre, e ele não aguentou, quase pegou Marte, que estava dentro da minha

mochila mas, sem forças, morreu ali. Até que não foi difícil derrotar um animal tão nervoso. Andei um pouco e cheguei a uma ferrovia, onde tinha um trem velho e sujo que estava parado. Não sabia o que fazer, mas quando vi já estava dentro da locomotiva. Em um instante, o veí-culo começou a andar muito, muito rápido, e tudo ficou escuro, não vi mais nada até chegar a um salão onde havia um poço incrivelmente fundo no centro. Olhei e havia algumas moedas no fundo. Mas, em um milésimo de segundo, uma força incontrolável tinha me puxado pra baixo. Enquanto descia, sentia coisas encostando em mim, via almas suplicando e gritando um som agudo. Isso entrava na minha cabeça e me deixava tonta, fraca, estava quase desmaiando quando apareci na porta de uma mansão amedrontadora, erguida por caveiras, e com várias estátuas de Cérbero. Bati na porta, e um ruído ainda mais agudo soou em minha mente. Então Hades abriu a porta. Ele era alto e forte. Com uma cara triste, raivosa, arrependida, me examinou dos pés à ca-beça e me convidou para entrar. Não gostava de mim, nem eu dele, e começamos a conversar:

- Não gostei de sua amiguinha ter tentado matar meu cão! – re-clamou ele.

- Também não gostei de seu Cracken tentar matar meu bubo! – respondi.

- Mas foi só por isso que a senhorita veio aqui? - Foi! Mexeu com Marte, mexeu comigo! - Que coisa fofa! Homenageou seu pai, dando à coruja orelhuda

seu nome! - Não fale assim de Marte, ele é um bubo, e o que você diz não

me atinge, sabe que sou mais forte que você, acho melhor não arriscar. - Não está mais aqui quem falou. Mas achei que gostaria de ouvir

histórias sobre sua irmã. - Isso foi um blefe, você não sabe nada sobre a Chris, ela não era

uma semideusa, tenho certeza! - Sei mais do que você imagina. Ela não era uma semideusa, mas

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foi sequestrada por um deus. Conhece algum chamado... Zeus? - Não é possível! - É sim! Sua irmã descobriu que você é uma semideusa, e, por vá-

rios motivos, Zeus não queria que você soubesse. Então a sequestrou. - Vamos dizer, então, que seja verdade. Onde ela está agora? - Provavelmente, em algum lugar aqui embaixo, mas a culpa não

é minha, é de Zeus! Aposto que você quer se vingar, não? Mas sozinha não vai conseguir. Estou disposto a te ajudar.

- Não tem coisa pior que ouvir isso, aceito sua ajuda, mas só por-que não tenho escolha. No dia da abertura das Olimpíadas, tudo irá acabar.

- Fechado! Está vendo aquela espada de bronze? Corte um dos galhos que estão em cima da minha lareira, e voltará para a cidade de onde veio.

Assim eu fiz, e voltei para a cidade do Rio. Ainda faltava muito para

as Olimpíadas, e eu tinha que esfriar a cabeça, pensar. Marte me deixa-va mais calma, confiante. Sempre que olhava pros olhos dele, entretan-to, sabia que ia ganhar, mas que alguma coisa daria errado. Comecei a viajar, e pedi ajuda a Cronos, sabia que contra Zeus ele iria me ajudar. Viajei, visitei vários lugares, museus, pesquisei a vida de cada deus, qual o ponto fraco de cada um. Eu sabia a história de vida de cada deus, cada detalhe.

E então chegou o dia. Eram oito horas da noite de 16/09/2016, e

eu começava a me preparar para a batalha. Com a ajuda de Cronos, peguei armas, lanças, espadas, escudos, arcos, flechas, todos os ob-jetos de luta de todos os deuses, inclusive o raio de Zeus, e os obje-tos de Hades. Com eles, vinham todos os seus poderes, e ficavam cada vez mais bravos, mas sem formas para se defender. À meia-noite, eu, junto a Cronos, nos encontramos com todos os deuses, furiosos, mas sem poderes. A luta tinha começado, todos os titãs contra todos os deuses, uma luta inútil, já que todos morreriam. Eu estava mais forte que todos, titãs e deuses. Podia voar, ficar invisível, estava inteligente

e extremamente forte. Fui para o lugar mais alto que consegui, bem em cima do local onde aconteciam as Olimpíadas. Todos os humanos estavam assustados, mas nada mais importava para mim. Concentrei todos os poderes, de deuses e titãs, no raio de Zeus. A força era tão grande, que mesmo que quisesse não poderia parar. Raios, trovões, ter-remotos, tsunamis, lua e sol ao mesmo tempo, o mundo claro e escuro, todos morrendo, menos eu. Nem mesmo os titãs aguentaram, pouco a pouco todos foram morrendo. Eu fiquei ali dias, não conseguia parar ou controlar meus poderes. Até que um dia eu despenquei do céu, que não era mais céu. Estava escuro, o mar com as águas negras, tudo tinha acabado, não havia mais o mundo. Tudo tinha sido destruído por mim.

No início, tinha achado divertido, mas quando percebi que, graças a

mim, Marte tinha morrido, comecei a chorar. E não parei até hoje. Des-de que tudo acabou, escrevo histórias, desabafando, mas sem motivo. Ninguém vai ler, nem vou poder esconder, para que não vejam. E hoje, que tudo acabou, percebo que as únicas coisas que realmente impor-tavam pra mim eram Marte, Chris, e a História. Eu acabei causando mi-nha própria morte. Não tenho mais forças, nem vontade de sobreviver.

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As autoras: Maria Fernanda Rodrigues Guimarães, Lívia Gabetto Nascimento, Beatriz Salles Fonseca e Anna Carolina Silva Ribeiro

AutorasAlunas do 7º ano do C.A. João XXIII/UFJF

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Espaço de Aprendizagem Matemática: o Hotel de Hilbert

Entre os dias 31/07 até 06/08, estive participando do 3º Encontro do Hotel de Hilbert – EH2. O evento tem esse nome devido a um matemático alemão chamado David Hilbert. Ele criou uma teo-

ria desenvolvida no espaço físico de um hotel hipotético com infinitos quartos em que é possível acomodar qualquer novo hóspede, se ne-cessário. O Encontro, realizado em Nova Friburgo, reuniu participantes da OBMEP 2011 que tiveram um bom resultado durante o Programa de Iniciação Científica Junior (PIC-Jr), que aconteceu no ano de 2012. O EH2 contou com alunos de todos os estados do Brasil, numa faixa etária de 13 a 20 anos, totalizando cerca de 200 estudantes.

Durante o evento, participei de palestras, oficinas, confraterniza-

ções, dentre outros. Além disso, fora do campo matemático, havia tam-bém atividades de recreação disponíveis para os alunos e professo-res do evento. Na recreação podíamos jogar vôlei, futebol, queimado, praticar slack line, etc, e tudo isso dentro do hotel em que estávamos hospedados.

Para mim foi uma experiência muito interessante, pelo fato de eu ter conhecido muita gente, feito novos amigos, aprendido coisas que não serão trabalhadas na escola. Não só o conteúdo era diferente da escola como a forma de trabalhar, pois nesse modelo de palestras e oficinas, o ensino fica mais descontraído, fazendo com que a aprendi-zagem fique mais fácil e divertida

Durante algumas das palestras, aprendi sobre coisas que eu nun-ca havia sequer ouvido falar sobre, e isso me incentivou a pesquisar e a estudar para descobrir mais coisas novas e interessantes. Uma das coisas que aprendi foi sobre astronomia, pois em um dos dias tivemos uma observação astronômica na qual vimos Saturno, seus anéis e suas 64 luas. No dia seguinte, tivemos uma palestra sobre as órbitas e as for-mas geométricas nelas contidas. Foi bem legal pois percebemos que a Matemática é muito mais do que fazer continhas.

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Foto: Divulgação

por Conrado Machado Faria*

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Acho que o mais importante para mim nessa experiência foi aprender a ver a Matemática como uma coisa que é viva e divertida. A exposição que visitamos, “Matemativa” contribuiu muito para esse aprendizado, pois vimos como desenhar formas geométricas em 3D, descobrimos aplicações da Matemática em jogos fa-mosos, como o Tangram, e outros menos conhecidos.

Nos dias em que aconteceu o Encontro do Hotel de Hilbert, era lançado logo no café da manhã um problema muito difícil com o título de “Problema do Dia” que os alunos tinham até o final do dia para resolver (não era obrigatório solucionar o problema). Esse problema era tão difícil que alguns alunos ficavam obcecados em resolvê-lo, de modo que deixavam de ir a recreação, comiam rápido, tudo para ter mais tempo para pensar. Na cerimônia que fechou o evento, esse esforço foi recompensado, pois as melhores notas foram premiadas com livros matemáticos e alguma outra coisa. O 1º lugar por exemplo, ganhou dois livros e um iPod , o que querendo ou não, é um incentivo a mais para dar um pouco mais de esforço numa possível próxima ida ao EH2. Esse aluno que ganhou o 1º lugar está cursando a Faculdade de Matemática, e ele me disse que alguns dos fatores que mais incenti-varam ele a escolher esse curso foram a OBMEP, o PIC-Jr, e o EH2.

Agora é guardar as boas lembranças que trouxe de lá e estudar bastante para

estar no próximo...

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AutorConrado Machado Faria aluno do 9º Ano do C.A. João XXIII/UFJF

Experimento sobre o Teorema de Pitágoras na exposição“Matemativa” (uso das peças do tangran para comprovar o teorema) O autor com a professora Luzinalva Miranda de Amorim que ministrou

palestra “A magia matemática”

Icosaedros construídos em uma oficiana sobrepoliedros astronômicos

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Criatividade: arma eficaz contra a dengue

Por Maria Florinda dos Reis*

Esse projeto foi elaborado com objetivo de incentivar a refle-xão, a investigação e a resolução de uma situação-problema como estratégia para mobilizar conhecimentos já adquiri-

dos ou buscar outros que emergem naturalmente no contexto. A ini-ciativa foi elaborada a partir da proposta de desenvolvimento de ações pedagógicas inerentes ao Programa de Gestão da Aprendizagem Esco-lar (Programa GESTAR II)/Matemática, do Ministério da Educação, reali-zado pelo C.A. João XXIII/UFJF.

O projeto foi voltado para o combate ao mosquito da dengue, problematizando a necessidade de conscientização da população de que esse combate deve ser contínuo, no que é necessário ficar sempre alerta aos possíveis criadouros do mosquito. A dinâmica dos trabalhos transcendeu os conteúdos disciplinares, possibilitando que a partir da leitura de textos os alunos discutissem as formas de prevenção e se informassem sobre as atividades de prevenção já existentes na região.

Foram apresentados diversos vídeos temáticos e realizada a cons-trução de mosquitéricas (armadilha para o mosquito da dengue feito de garrafas pet). Em todo esse processo os alunos fizeram paródias, gravaram vídeos e construíram histórias em quadrinhos com uso de

imagens de clássicos como a Turma da Mônica. Essa foi a forma de compartilhar o trabalho com toda a escola. A história em quadrinhos produzida pela aluna Daniele Marques Ferreira é apresentada abaixo.

As atividades foram desenvolvidas pelas professoras Elizabeth Pinto Pessoa Ferreira (Língua Portuguesa), Maria Nunes da Silva (Ciências) e Maria Florinda dos Reis (Matemática) da Escola Estadual “Sebastião Ri-beiro de Brito” de Caeté-MG e envolveu os 550 alunos do 6º ao 9º anos atendidos pela instituição. O projeto contou também com o apoio da direção e dos funcionários da escola.

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AutoraMaria Florinda dos Reis, licenciada pela FAFI-BH - Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Belo Horizonte, Pós-Graduada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), é professora de Matemática nas Escolas Estaduais “Paulo Pinheiro da Silva” e “Sebastião Ribeiro de Brito“ de Caeté –MG. Atua também como tutora do Programa Gestar II/Matemática.

A autora da HQ, Daniele Marques Ferrereira, com

sua professora Maria Florinda dos Reis

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Educação Indígena no Brasilpor Maria Inês de Almeida*

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Apartir da demanda de formação universitária, explicitada à Rei-toria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em ou-tubro de 2001, pelos professores indígenas formados em ma-

gistério pelo Programa de Implantação de Escolas Indígenas de Minas Gerais, realizamos, entre 2006 e 2011, com o incentivo do MEC (PRO-LIND) um projeto de curso experimental, específico e diferenciado, cujo eixo temático seria a Educação Intercultural.

O objetivo da proposta dos professores indígenas era viabilizar a criação de um curso de graduação específico e diferenciado, com ensi-no presencial na UFMG e em área indígena, e também não presencial (pesquisas orientadas), para formação do educador intercultural indí-gena, com habilitação, conforme as necessidades das comunidades e os desejos dos candidatos, nas áreas de saúde; meio ambiente e desen-volvimento sustentável; linguagem, cognição e cultura.

A atenção à demanda das comunidades indígenas de Minas Gerais, de formação em nível superior para seus professores, era decorrência de um processo de amadurecimento das relações interculturais, em que a UFMG já constituía forte aliada. Em dezembro de 1999, a Secre-taria de Estado da Educação de Minas Gerais, em parceria com a UFMG,

concedeu o diploma de Magistério (considerado Nível Médio de Ensi-no) a 66 professores xacriabás, maxakalis, pataxós e krenaks, que, des-de 1997, nas suas aldeias, já atuavam em classes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.

Esses professores foram formados para o magistério através de um programa da Secretaria de Educação, em convênio com a UFMG, o IEF, a FUNAI, e com o apoio do MEC, que teve por princípio básico a cons-trução teórica e conceitual conjunta entre formadores, formandos e respectivas comunidades, a partir da experimentação e da pesquisa, sempre com um sentido de processo em direção à criação coletiva da chamada educação escolar indígena.

Um dos aspectos mais significativos dessa construção simbólica co-letiva foi a autoria indígena: o esforço para se imprimir as marcas das diferentes tradições étnicas nos produtos dessa escola. Os programas curriculares, os projetos pedagógicos centrados nos elementos Língua Indígena e Terra, as diferentes formas de organização escolar (em que tempos e espaços correspondem à lógica da aldeia e não à da cida-de), o material didático (livros, cartilhas, jogos, vídeos, discos, websites, feitos pelos próprios professores) e outros instrumentos pedagógicos

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Oficina de linguística, ministrada pelo Prof. Fábio Bonfim em aldeia Xacriabá, durante etapa do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG. Foto: Marcos de Almeida Matos

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Navegar é PrecisoEducação no Tempo e no Espaço

(constantes reuniões com as respectivas comunidades, professores de língua e cultura indígenas contratados para atuar na escola, devido a sua representação política/espiritual, e a sua sabedoria linguística ou medicinal) - tudo isso exemplifica uma prática que, na realidade, apontava um caminho para uma forma mais eficiente de conjugar tra-dições até então conflitantes no cenário escolar brasileiro. As ciências e as artes, campos que se delinearam na chamada civilização ocidental através da escrita alfabética, e os saberes que, no seio mesmo dessa civilização, continuam a se desenvolver e a se transmitir oralmente, po-dem se colocar em diálogo, desde que se crie instâncias adequadas e produtivas.

Ao longo dos cinco anos de duração do curso de magistério indí-gena, uma metodologia radicalmente baseada na pesquisa e na ex-periência, a cada momento havia sido repensada e reestruturada a partir de informações da prática autoral dos professores. Suas técnicas de ensino, suas conversas com as lideranças e com os velhos da aldeia, suas práticas escriturais, seus contatos interculturais (com os formado-res, na maioria docentes da UFMG; com técnicos de órgãos públicos; com os colegas de outras etnias; com editores e jornalistas, etc.) são algumas das práticas novas que a criação da escola indígena transfor-mou em laboratório do conhecimento sobre a interculturalidade e o plurilinguismo.

Os professores indígenas de Minas Gerais reivindicaram à UFMG o direito de continuar sua experiência em direção à criação de um novo campo de estudos, que podemos chamar educação intercultural, tão necessário para a consolidação de um paradigma mais inclusivo para o desenvolvimento de uma forma brasileira de produzir pensamentos válidos, diante, por exemplo, da comunidade científica internacional. Um sonho que, para ser realizado, necessariamente, teria que ser incor-porado pela universidade. Isso explica o enorme interesse dos índios em se introduzirem nesse espaço privilegiado da pesquisa científica.

A elaboração do conceito foi se dando como um processo que ao mesmo tempo foi definindo o formato do curso, atividades, cronogra-

mas e parcerias e em si mesmo foi constituindo a formação dos pro-fessores. Foi de fundamental importância a construção processual da proposta, para não corrermos o risco de perder a oportunidade de criar algo novo: uma educação que fosse fruto das parcerias estabelecidas com os sujeitos interessados e os professores da UFMG.

Devemos lembrar também da enorme dívida social que o Estado brasileiro tem com as populações indígenas e a obrigação que o Mi-nistério da Educação assumiu com as mesmas no sentido de ouvir sua demanda e busca da emancipação real. Sobre isto bem expressam as palavras de Marcos Krenak:

A comunidade não quer ver o branco, um enfer-meiro sem conhecer a nossa realidade. A gente quer que os próprios índios assumam o controle, não só da saúde, mas da agricultura, para fazer projetos com a Emater. Eu sou professor, mas existem outras funções que eu deveria exercer, ou um outro. Mas é preciso ter algum curso superior. Meu irmão sempre fala, um dia eu quero ser advogado, ele quer fazer um cur-so, e quem sabe ele vai ser mesmo um advogado e defender os direitos nossos? Existem outras pessoas com diferentes vontades também. Quantas vezes eu já cheguei perto de um parente lá e fiquei ouvindo ele falar: nós precisamos de um que lute por nós, que corra atrás dos problemas que temos. A gente precisa do branco também mas tem que ter alguém que te-nha conhecimento lá fora. Como é que eu vou chegar num ministro da Cultura? Eu não tenho força então, através de outros colegas brancos, é que eu vou che-gar lá.

Nós fizemos um projeto com o ministério da agri-cultura que não foi adiante. Eles compraram uns tra-tores que, quando quebra uma peça, tem que buscar a tal peça lá num sei onde. Isto é porque não tem en-tre nós alguém que entenda, que vai lá, mexe, con-serta.

O branco chega lá e diz, vocês tem aqui um pro-jeto de tantos mil reais, o que vocês vão fazer com o projeto? Nós vamos fazer plantio, eles vão lá para comprar adubo, não sei mais o quê, coisa que nem sequer precisa. Nós mesmos temos de conhecer, de tomar conta, de fazer da nossa maneira. Um técnico agrícola, um índio mesmo, pode ser um agrônomo, isto é que é importante para nós.

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Professores Xacriabá na sessão de abertura do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG (2006) Foto: Marcos de Almeida Matos

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Ensino bilíngue

A língua apresenta a oportunidade de um jogo na vida social. Sua representação, como mais um bem simbólico, dentre outros possíveis, não quer exatamente comunicar. Serviria antes para acrescentar mais uma regra no jogo da comunicação. Mesmo a ressonância de um dado, uma cifra, como “180 línguas faladas, no Brasil, além do Português”, veiculada pela mídia, modifica o contexto literário e cultural do país. Cria no leitor da informação a expectativa de que novas formas surgirão porque outros sujeitos estão ali. Uma nova reaproximação é tentada. E somente o desenvolvimento dos diferentes estilos, ao invés do englobamento, garantiria a relação intercultural, em que novas formas aparecerão. Daí a importância da presença de outras vozes, outros corpos, outros textos.

Esse foi um dos sentidos que norteou sempre a proposta de formação dos professores indígenas na UFMG. Por isso investimos tanto, por exemplo, na produção de livros em línguas indígenas, dirigidos não só às escolas indígenas, mas também ao público brasileiro. Esses textos, ícones, prefiguram a presença corporal de um novo interlocutor, que, no entanto, sempre esteve ali, recalcado através das sobreposições de suas falas pelas escrita de outros.

O que, para nós, garante a relação intercultural, porque se encontra na sua base, é o diálogo entre as diferentes vozes. Um projeto de curso cuja metodologia de ensino se baseie na produção textual e audiovisual, na autoria coletiva, no domínio das técnicas escriturais, eletrônicas e digitais nas suas diversas bases e instrumentos, não se justifica apenas pela necessidade de se viabilizar o acesso dos

povos indígenas à universidade, mas, antes, pela oportunidade de produzirmos, conjuntamente, novos conhecimentos e metodologias.

Augusto de Campos, poeta e tradutor, na conferência Morte e vida da vanguarda: a questão do novo (1998:161), dá uma pista que nos ajudou a fundamentar o ponto de vista de nossa proposta de ensino:

Para mim, o fato novo para a produção artística que, emergindo mais claramente na década de 80, vem reativando e potencializando as propostas de vanguarda, é precisamente a tecnologia.(...) O que ocorre é a viabilização, num grau sem precedentes, das linguagens e procedimentos da modernidade - a montagem, a colagem, a interpenetração do verbal e do não-verbal, a sonorização de textos e imagens - em suma, a multiplicação do processo artístico.(...) Outro fator relevante é a maior autonomia que a informatização pode proporcionar aos artistas. À medida que estes possam ter a sua própria miniestação computadorizada, ou em que se associem a ilhas de produção e edição de outros artistas independentes para a realização de suas experiências, terão muito melhores condições para resistir à convencionalização dos meios de informação, cujos implementos técnicos até aqui lhes foram negados. E para insistir na descoberta de novas formas de o homem conhecer e se conhecer, livres quer dos constrangimentos da linguagem convencional quer das máquinas de produção massificada pela ideologia do lucro imediato.”

Segundo esse autor, os textos produzidos a partir das novas formas escriturais escapam ou destoam de uma tradição milenar, do desenho histórico que vem dos embriões mesopotâmicos da escrita ou dos primeiros alfabetos consonantais e vogais da Feníncia e da Grécia.

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Luta cerimonial em aldeia Xacriabá durante oficina de vídeo do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG. Foto: Pedro Portela

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Uma outra tradição, além da escrita alfabética, se coloca no espaço não linear das novas mídias, estimulando o espírito em outras direções, rumo ao espaço aberto de uma outra lógica, a do a-racionalismo.

Por que essa discussão nos interessa, quando trabalhamos com a educação indígena?

O que foi proposto à UFMG, de certa maneira, se integra a um esforço das próprias vanguardas artísticas, de transformar em vantagem as supostas limitações de uma cultura que só tardiamente ingressou no mundo da escrita alfabética. Acreditamos que as comunidades indígenas - pelas dificuldades de integração à sociedade brasileira, que lhe são impostas por todas as instituições que lhes cercam, inclusive escola e estado (sistematicamente escriturais), e pela impressionante resistência que soube conservar formas (míticas, artísticas), linguagens, princípios morais e religiosos - possuem hoje um enorme arsenal de

conhecimentos tradicionais praticamente intocados pelas relações interculturais, ainda que façam parte do enorme caldeirão em que se faz a mestiçagem no Brasil.

Nem ciência, nem arte, talvez uma rede de trocas simbólicas, em que, de posse dos meios de comunicação, os diferentes povos com suas diferentes linguagens, poderão expressar seus desejos.

Maria Inês de AlmeidaCoordenadora do Núcleo Transdisciplinar de Pesquisas Literaterras: escrita, leitura, traduções. Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federalde Minas Gerais. Diretora do Centro Cultural UFMG.

Autora

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Sr. Djalma (liderança Kaxixó) e o professor Glayson Kaxixó durante as filmagens na aldeia do seu documentário Casca do Chão, produzido durante o Curso de Formação de Educadores Indígenas da UFMG, como parte de seu percurso acadêmico. Foto: Pedro Portela

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O tema qualidade do ensino recebeu maior atenção nos debates educa-cionais brasileiros a partir da década de 1990. Atualmente, com o for-talecimento do sistema de avaliação da educação básica, esta discus-

são adquiriu novos contornos, pois este tem sido considerado um elemento fundamental para atestar a qualidade da educação no país. Neste contexto, o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, figura como a principal referência para estes estudos e, consequentemente, há uma crescente produ-ção acadêmica sobre este indicador.

Contribuindo com estas investigações, o livro “O que o IDEB não conta? Processos e resultados alcançados pela Escola Básica” busca evidenciar dimen-sões não problematizadas pelas análises estatísticas que geralmente são reali-zadas a partir dos resultados do IDEB. O livro aguça o interesse dos estudiosos, a começar pelo título que demonstra o objetivo principal dos seus organizado-res que é o de descortinar os meandros que circundam os processos e os resul-tados alcançados pela escola, a partir dos resultados da pesquisa, “A formação, o trabalho dos docentes que atuam no Ensino Fundamental e a avaliação sistê-mica das escolas mineiras: interpretando os constructos junto aos professores”, coordenada pela profª Maria da Assunção Calderano.

Compondo o grupo de estudos publicados, temos a discussão de aspectos evidenciados na prática docente a partir de políticas relacionadas às avaliações externas, dos desafios encontrados pelo professor em seu início de carreira,

da importância da interconexão entre a formação do professor e a prática co-tidiana, da questão da violência no cotidiano escolar. Confirmando o foco da temática do livro, há um trabalho investigativo e problematizador sobre alguns fatores que contribuem para os resultados obtidos pelas escolas nas avaliações externas; e outro que busca compreender diretamente a relação entre a Prova Brasil e o trabalho dos professores nas escolas pesquisadas.

A formação docente também é enfatizada, já que temos um capítulo dedi-cado a esse tema, a partir dos achados da pesquisa relacionados às avaliações. Além também da responsabilização docente que tem espaço em dois textos.

A relevância dos pontos discutidos no livro para o atual cenário educacio-nal pode ser percebida a partir do prefácio que é assinado pela pesquisadora Cláudia Davis, que afirma: “ O livro alarga a visão sobre a política de prestação de contas e seus efeitos em professores e gestores, e como seria de se esperar, também sobre os alunos que têm, diariamente, seu direito à educação pública e de boa qualidade violado”.

Autora

Francisca Cristina de Oliveira e PiresDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade Federal de Juiz de Fora.

MastrosResenhas

por Francisca Cristina de Oliveira e Pires*

O que o IDEB não

conta?

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LemeEspecial

Avaliação Educacional

Espelhos de uma realidade

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As provas em larga escala apontam erros e acertos cognitivos, mas a possibilidade de alteração do quadro a partir dos índices

está longe de se concretizar

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LemeEspecial

Em busca de indicadores que revelem a realidade da educação no país desde os anos 1990, o Brasil aderiu à prática das avaliações em larga escala. A partir de então, periodicamente, estudantes e escolas nas

esferas municipal, estadual e federal envolvem-se com a realização de provas elaboradas, corrigidas e analisadas por especialistas de fora dessas instituições.

Em todos esses anos de aplicação de avaliações externas nacionais - como

Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Programa de Avaliação da Alfabetização (Proalfa), Prova Brasil, Provinha Brasil - e estaduais, como o Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb) - muitas informações vieram à tona. Mas será que elas estão sendo bem aproveitadas? Quais as vantagens e os entraves verificados a partir da adoção desse sistema?

Oficialmente, Juiz de Fora, Minas e Brasil analisam de forma positiva tanto a

realização das provas quanto o desempenho dos alunos. Responsáveis diretos pela aplicação das avaliações e pelo resultado, professores e sindicatos que os representam são críticos. A maioria considera a prática indispensável, mas questiona a falta de retorno para sanar os problemas verificados. “Nosso maior questionamento às avaliações externas diz respeito à aplicação de uma mesma prova em realidades distintas. Nesse caso, é claro que o resultado nas escolas situadas nos bolsões de miséria será diferente do desempenho das escolas centrais”, observa a coordenadora do Sindicato dos Professores (Sinpro-JF), Aparecida de Oliveira Pinto.

Apenas monitoramento Para a sindicalista, o pior da prática é o “ranqueamento” dos estabelecimentos

de ensino com base nas notas divulgadas pela imprensa sem as devidas ponderações. “A culpa do fracasso sempre recai sobre o professor, sem considerar as condições sociais dos alunos, as salas superlotadas, a ausência de materiais pedagógicos necessários e profissionais disponíveis para trabalhar as deficiências”, especifica Aparecida.

Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador de

pesquisas do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), Tufi Machado Soares possui outro ponto de vista. Para ele, o sistema de avaliação não tem como meta promover a melhoria educacional. “Esse papel cabe aos gestores e professores. A avaliação meramente monitora a qualidade da educação.”

Soares observa, entretanto, que as avaliações podem auxiliar o processo

de gestão e com isso elevar os níveis de aprendizagem dos alunos. “Exemplos mais paradigmáticos são os das redes estaduais de ensino de Minas e do Ceará, que fazem uso intenso das avaliações objetivando a orientação da política educacional. Esses dois estados conseguiram melhor evolução de proficiência ao longo dos últimos dez anos.”

Para especialistas, limitar a qualidade da educação a testes é uma atitude redutora em relação aos outros sentidos do convívio escolar

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LemeEspecial

Modelo educacional

Na visão da representante do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Victória Melo, esse sistema de avaliação é uma tragédia para a educação. “A prática não é nova, já faz 20 anos. E quais foram os avanços da educação básica pública no país? Como estão as estruturas físicas e pedagógicas das escolas? Como a sociedade avalia o ensino público? As respostas a essas indagações demonstram a qualidade do nosso modelo educacional”, dispara a sindicalista.

Segundo Victória, as condições de trabalho dos profissionais da educação

na rede estadual mineira pioraram significativamente nos últimos 20 anos. Ela denuncia que os profissionais são afastados do trabalho principalmente por questões psicológicas. “A implementação do projeto empresarial na educação, no

qual as avaliações externas estão incluídas, fez com que as condições precárias já existentes fossem agravadas por uma pressão ainda maior sobre os professores. “

Responsável pelas avaliações externas em nível federal, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), por meio de sua assessoria de imprensa, esclarece que informações e resultados obtidos pelas provas devem ser utilizados por escolas e gestores municipais, estaduais e União na melhoria do ensino. De acordo com o Inep, um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) baixo gera uma demanda de prioridades na utilização de programas específicos do Governo Federal. A assessoria de imprensa do instituto informa que o MEC privilegia, entre outros recursos, a oferta de educação em tempo integral nas escolas com rendimento mais baixo. Destaca, ainda, que as avaliações permitem intervenções pedagógicas para aprimorar os processos de ensino e aprendizado.

“A prática não é nova, já faz 20 anos. E quais foram os avanços da educação básica pública no país? Como estão as estruturas físicas e pedagógicas das escolas? Como a sociedade avalia o ensino público? As respostas a essas indagações demonstram a qualidade do nosso

modelo educacional .”- Victória Melo: representante do Sindicato

Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE)

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LemeEspecial

Incoerências na aplicação

Professores e sindicatos da classe alegam que, na prática, provas e intervenções não trazem resultados satisfatórios. “Avaliações são importantes, mas precisam refletir a realidade, o que não acontece”, comenta a professora Laura Neumann, professora de informática do Caic Rocha Pombo, no Bairro Amazônia, e coordenadora pedagógica da Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, em Nova Era. Ela cita como exemplo de incoerência a Provinha Brasil, aplicada em turmas do segundo ano do Ensino Fundamental.

Laura observa que, atualmente, a prova aplicada em alunos de 7 anos de

idade possui 20 questões, com grau de dificuldade crescente, a partir da décima proposição. “É uma atividade cansativa para as crianças, sem contar que durante a avaliação os alunos são submetidos a uma série de restrições, como sair da sala de aula, merendar ou participar do recreio”, explica. Ela ressalta, porém, que em breve a Provinha Brasil passará por uma reformulação, em sua opinião, bem elaborada, e que integra o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa, do Governo Federal.

Tanto Laura quanto os sindicatos questionam a preparação dos alunos para

as avaliações externas. Eles denunciam a prática, lembrando que a categoria se vê pressionada a apenas apresentar bons resultados nas provas. Dessa forma,

currículo, condução das aulas e metodologias são baseadas nas cobranças das avaliações, retirando do professor a autonomia.

Competências essenciais Na opinião de Tufi Machado Soares, estudar para avaliação não é

necessariamente um problema. “Todos estudam para teste. É normal que a forma de ensino promova a aprendizagem para teste.” A informação que circula entre educadores sobre a existência de escolas que canalizam o ensino para os testes sistêmicos também não é problema na visão de Tufi. “As competências medidas pelas avaliações em larga escala são as mínimas que os alunos deveriam ter na etapa de ensino. As provas são construídas levando em conta o perfil de toda a população e o perfil global dos níveis de proficiência é muito baixo. As escolas com bom desempenho não precisam desse tipo de orientação porque os alunos vão bem de qualquer forma. Por outro lado, se a escola prepara para um bom desempenho nas provas e consegue êxito, não acho que seja de todo mal, porque dessa forma orienta os alunos para assimilarem ao menos o essencial.” De acordo com o coordenador de pesquisa do CAEd, esse fenômeno é objeto de estudo e monitoramento de pesquisadores.

Especialista em avaliação de aprendizagem, o professor da faculdade de

Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Cipriano Carlos Luckesi,

tem opinião semelhante à de Tufi Machado quando ele define a avaliação como um instrumento de investigação da qualidade de algo. “Avaliação é um diagnóstico e, como tal, sempre viabiliza uma melhor compreensão da realidade. Um diagnóstico bem feito permite ao gestor tomar novas e adequadas decisões.”

Disponibilidade de dados No ponto de vista de Luckesi,essas investigações

da qualidade da educação no país têm subsidiado atos governamentais a favor da melhoria do atendimento à população. “Isso não quer dizer

que tenha produzido todos os efeitos que pudesse produzir. Acredito que, com base nessas práticas avaliativas, temos mais dados disponíveis do que os efetivamente usados para a melhoria do sistema de ensino no país.”

O especialista tem conhecimento de que nos

âmbitos institucionais e escolares muitas vezes tem-se tido uma reação negativa a essas práticas avaliativas devido ao atrelamento dos resultados às decisões premiativas ou punitivas. “Essas práticas, porém, não têm nada a ver com avaliação, mas com decisões administrativas decorrentes.”

Com relação à concentração nos ensinamentos cobrados nas provas por muitas escolas, Luckesi analisa como uma distorção própria de quem não pensa na qualidade do ensino, mas apenas nas notas. “Essa crença e essa prática sempre estiveram arraigadas em nossa cultura e em nossas escolas e agora infelizmente também no sistema nacional de ensino frente aos processos avaliativos de larga escala. O ideal seria investir na qualidade do ensino-aprendizagem nas instituições e não na preparação para as provas.”

Na prática, provas e intervenções não têm trazido resultados satisfatórios, na opinião de professores e representantes da classe

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LemeEspecial

Números Favoráveis, à Exceção Do Proalfa

As escolas do município participam de duas avaliações em larga escala: Programa de Avaliação da Alfabetização (Proalfa) e Prova Brasil. Em Juiz de Fora também é realizada a Provinha Brasil, uma avaliação externa distribuída pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), que, entretanto, não tem o controle deste órgão no que diz respeito à consolidação dos seus resultados.

De uma forma geral, as provas demonstram

desempenho positivo nas escolas locais. Destoando do quadro favorável, o Proalfa de 2012 na cidade demonstrou uma diminuição na proficiência de 1,2% em relação a 2011. “Apesar de pequena redução, tal evidência aponta para a necessidade de um maior investimento em ações de alfabetização”, observa o secretário municipal de educação, Weverton Vilas Boas.

Direcionadas a estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental e aplicadas de maneira amostral em turmas de 2º e 4º anos, as provas do Proalfa apresentavam tendência de crescimento desde o início da adesão, em 2009. A participação dos alunos na edição de 2012 foi de 86,69%, num total de 3.198 alunos.

Ideb em alta Desenvolvida desde 2005, a Prova Brasil é uma

avaliação do Inep que tem o objetivo de medir a qualidade do ensino no 5º e no 9º anos do ensino fundamental e na 3ª série do ensino médio. As médias de desempenho da Prova Brasil subsidiam o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ao lado das taxas de aprovação das escolas e sua respectiva rede de ensino.

De acordo com a Secretaria Municipal de

Educação (SE), dados do Ideb com base na Prova Brasil comprovam que a rede municipal de ensino do município tem superado as metas projetadas. Vilas Boas aposta na melhoria da qualidade do ensino do município, em virtude da continuidade

dessa tendência de crescimento, de maneira a promover a garantia do direito à educação a todos os alunos da rede.

Também elaborada pelo Inep e distribuída

pelo MEC/FNDE às secretarias de educação municipais, estaduais e Distrito Federal desde 2008, a Provinha Brasil tem por objetivo diagnosticar o nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo ano de escolarização. Conforme dados apresentados pela Secrateria de Educação, observou-se entre 2009 e 2011 aumento no desempenho dos alunos a partir dos resultados das avaliações, sobretudo de 2009 para 2010.

O secretário de educação informa que

a preocupação do município tem sido a de compreender a forma como os instrumentos de avaliação externa são elaborados, bem como os resultados obtidos pelas escolas e pela rede como um todo. “A intenção é construir uma análise da realidade, tendo em vista uma intervenção mais consciente.”

Ações em andamento De acordo com Vilas Boas, o município tem desenvolvido ações com

base nos resultados dessas avaliações a fim de corrigir as falhas verificadas. Entre os trabalhos executados, ele destaca:

Assessoramento à equipe gestora das escolas, por meio de visitas

periódicas, dando prioridade àquelas que necessitam de maior apoio, além da participação dos profissionais da SE em reuniões pedagógicas.

• Assessoramento à equipe gestora das escolas, por meio de visitas periódicas, dando prioridade àquelas que necessitam de maior apoio, além da participação dos profissionais da SE em reuniões pedagógicas.

• Discussão sobre o processo de alfabetização nos três anos iniciais do Ensino Fundamental por meio da implementação do Bloco Pedagógico de Alfabetização.

• Reformulação da organização do tempo escolar.

• Adesão ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, com formação de 571 professores.

• Elaboração da proposta curricular da rede municipal com grupos de estudos mensais de professores das diferentes áreas de conhecimento para discussão da proposta curricular.

• Ampliação do tempo dos alunos nas escolas na perspectiva da Educação em tempo integral.

• Formação de professores, aquisição de equipamentos voltadas para a melhoria da alfabetização.

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Rede Municipal

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LemeEspecial

Em busca de desempenho Pioneira na averiguação do nível de aprendizagem na sua rede de ensino,

Minas Gerais orgulha-se do crescimento da proficiência dos alunos. Desde 1992 o Estado aplica avaliações externas se atendo, atualmente, ao Programa de Avaliação de Alfabetização (Proalfa) e ao Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb).

Segundo a Secretaria Estadual de Educação (SEE), essas avaliações comprovam que o índice de alunos em nível recomendável de desempenho está crescendo. Segundo a subsecretária estadual de educação, Sônia Andere Cruz, o fenômeno pode ser considerado uma consequência do próprio processo de avaliação. “Mais que isso, percebemos também uma resposta positiva na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), na qual Minas é o Estado com o maior número de alunos com medalhas de ouro em seis anos consecutivos.”

Também de acordo com dados da SEE, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostra que Minas possui a melhor proficiência nos anos iniciais do ensino fundamental e a segunda melhor proficiência nos anos finais. “O resultado do crescimento do processo de aprendizagem após a implantação do sistema de avaliação é muito palpável”, ressalta a subsecretária.

Prêmio por produtividade

Sobre a preocupação das escolas em focar em conteúdos cobrados pelas provas, inclusive com aplicação de simulados para que obtenham boa

pontuação, Sônia Andere esclarece que o trabalho desenvolvido pela SEE é de esclarecimento. “Informamos sobre a necessidade de se ter um currículo, de se trabalhar com base neste currículo e não apenas na matriz de referência, que é apenas um resumo. Eu acredito que a discussão nas escolas sobre a matriz versus currículo motive o professor.”

De acordo com a subsecretária estadual de educação, correntes pedagógicas

se divergem com relação a bônus para professores e escolas em caso de bom desempenho dos alunos nas avaliações em larga escala. “Na experiência que temos, percebemos que o bônus, ou prêmio por produtividade, é considerado um fator de motivação. Chegamos a essa conclusão por meio da pesquisa Qualidade do Ensino nas Escolas, realizada em 2011 pela SEE.”

O desempenho em nível não satisfatório, por outro lado, segundo a

subsecretária, não é um empecilho para o ensino. “Isso porque, reconhecendo a limitação de uma escola, a política educacional é de apoio, orientação e consultoria pelas equipes centrais e regionais da SEE, para que ela se sinta fortalecida e amparada.” De acordo com Sônia Andere, o grupo de apoio é corresponsável pelo desempenho da escola e a dificuldade específica passa a ser o foco de todos.

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Alunos da Escola Estadual Sebastião Patrus no bairro Santa Terezinha englobam o público do Proalfa e do Proeb

Rede Municipal

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LemeEspecial

Aprovado aos 16:

a saga de Mateus Coelho para entrar na universidade

Ainda no segundo ano do Ensino Médio, em 2012, Mateus Netto Coelho resolveu fazer um teste. Inscreveu-se no Enem para ver como eram as provas e acabou sendo aprovado em um dos mais concorridos cursos da UFJF: Direito.

Sem ter concluído o curso secundário e sem direito ao supletivo por ter 16

anos à época, Mateus corria o risco de ter seu acesso à universidade negado. Mas não só as leis como a sorte lhes foram favoráveis.

Ele havia sido aprovado para o segundo semestre do ano letivo, previsto

para iniciar as atividades letivas no mês de outubro de 2013, estando ainda com seus 17 anos, completados em fevereiro. Só que, com as desistências, ele foi admitido no primeiro semestre, que devido ao atual calendário de reposição em função da greve de 2012 se iniciou em maio.

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LemeEspecial

Trâmites judiciais

Impedido de assumir sua vaga por não ter completado o Ensino Médio, Mateus recorreu à Defensoria Pública para mover uma ação judicial. O processo foi desfavorável em primeira instância. “Havia feito minha matrícula há uma semana, que, entretanto, ficou reservada para análise, pois faltava o documento de conclusão do Ensino Médio”, explica.

Mateus conta que o primeiro resultado da análise feita pela universidade

foi contrário ao seu acesso. “Quando perdi em primeira instância, recorri à Justiça Estadual para que a Secretaria Estadual de Educação me garantisse o direito de fazer o exame supletivo. A lei, porém, determina que a idade mínima para as provas do supletivo seja 18 anos.

Mesmo assim a Justiça Estadual determinou que eu fizesse as provas de

supletivo. Caso fosse aprovado conseguiria o certificado de conclusão do Ensino Médio. A sentença saiu e tive que realizar o exame em Ubá, onde haveria provas. E, aprovado, a Secretaria Estadual de Educação expediu o certificado, liberado no final de abril. Como estava em greve e as aulas retornaram em maio, apresentei a documentação exigida ainda antes do início do período letivo. A partir dessas conquistas, o estudante recorreu da decisão ao Tribunal Regional Federal (TRF), em Brasília, que lhe deu ganho de causa, obrigando a universidade a aceitar a sua matrícula.

Final felizFinda a saga de Mateus, ele teve

condições de analisar sua situação, que não foi a única no país, como inevitável. “A lei é importante, uma vez que, se feitos aleatoriamente, os supletivos podem desestabilizar o processo educacional. No meu caso especificamente tenho uma

trajetória de bons estudos e isso me deu base para ser matriculado.” O que ele entende que precisa ser revisto são o modelo do Ensino Médio e os programas de ingresso tradicionais às universidades. “Os programas dos vestibulares tradicionais favorecem os cursinhos, pois só quem tem condições de pagar o treinamento passa.“

Provas como o Enem, em sua opinião, exigem capacidade de reflexão e

leitura. Ele entende que graças a essa nova proposta o currículo do Ensino Médio tem sofrido modificações. “Isso é positivo, porque devemos adquirir conhecimento não só para passar no vestibular, mas para a vida.” Ex-aluno do Colégio de Aplicação João XXIII, Mateus é só elogios à escola. “Saí de lá preparado, os professores são excelentes, eles não se negam a esclarecer, vão além do que está no livro didático e isso ajuda muito.”

Quanto às distorções acontecidas com as avaliações do Enem, como a

aprovação de redações com receita de Miojo, ele acredita que estão vinculadas à extensão dessas provas, que somam em torno de 5 e 6 milhões no país inteiro, sendo que, na edição de 2013, superou 7 milhões de pessoas. “É preciso corrigir as falhas. Esse é um processo que deve ser aperfeiçoado e os problemas verificados não significam que o sistema esteja condenado e tem que acabar. Ele é eficiente”, posiciona-se.

LemeEspecial

“É preciso corrigir as falhas. Esse é um processo que deve ser aperfeiçoado e os problemas verificados não significam que o sistema esteja condenado e tem que acabar. Ele é eficiente.”

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O resultado do Ideb e a realidade das escolas

O Ideb é mensurado através do rendimen-to das escolas em testes como o Sistema Na-cional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a Prova Brasil. Sendo assim, o resul-tado do Ideb pode variar de acordo com a instituição e mesmo aquelas que pertencem a mesma rede de ensino, estadual ou municipal ain-da podem apresentar uma variação. Essa variação pode ser relacionada a diversos fatores como localização da escola, número de alunos e trabalho dos professores. E, por isso, cada es-cola apresenta uma realidade dife-rente.

Na visão de Miriam Ramalho, di-retora da Escola Estadual Sebastião Patrus de Souza, localizada no bairro Santa Terezinha, o trabalho diferenciado realizado na escola, ba-

seado em intervenções pedagógicas é funda-mental para primar pela qualidade do ensino e aprendizagem dos alunos. “A gente procura

ver onde está a dificuldade dos alunos e não fica focado somente naquele básico. Essa in-tervenção ajuda a mapear as dificuldades que

aquele aluno, vindo de outra escola, tem. En-tão, a gente já trabalha a dificuldade desse público, para depois entrar com os conteúdos

que são pertinentes a cada série”, afirma Miriam.

A diretora explica que as inter-venções pedagógicas na escola são realizadas por meio de uma avaliação baseada no Currículo Básico Comum - CBC e nos Pa-râmetros Curriculares Nacionais – PCN. Os alunos que já estão há mais tempo na escola também são avaliados pelas intervenções pedagógicas. De acordo com Mi-riam, avaliar esses alunos é mais

fácil, pois as dificuldades já vêm sendo obser-vadas no decorrer dos anos. Todas as inter-venções pedagógicas são aplicadas paralelas

“A localização periférica é um fator de relevância no

desempenho escolar. O resultado no Ideb tem forte relação com as condições econômicas e sociais

da clientela atentida.”

Situada no Bairro Carlos Chagas (em Juiz Fora/MG) a E. E. Dr. Clemente Mariani se empenha na elevação da

autoestima dos alunos para alcançar progressos educacionais

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ao conteúdo normal das séries e podem ser feitas durante todo o ano letivo, se necessário.

Na Escola Estadual Sebastião Patrus de Souza, o número relativo ao Ideb só tem aumentado no decorrer dos anos. Mesmo assim, a escola ainda vai passar por uma reforma em sua estrutura física. O prédio da escola é antigo e apresenta algumas rachaduras nas paredes, necessi-tando de alguns retoques. A diretora Miriam acredita que a estética da escola influencia muito no rendimento dos alunos. “O que é bonito é atrativo. Então, faz o aluno gostar mais da escola, gostar mais do am-biente e faz com que ele aprenda melhor”, diz Miriam.

Outra escola da rede estadual avaliada pelo Ideb é a Escola Estadual Dr. Clemente Mariani. Essa escola, assim como a Sebastião Patrus de Souza, não possui uma localização central. Mas, de acordo com, Josiane Lamim de Paula Santos, especialista da Dr. Clemente Mariani há quatro anos, a localização periférica é um fator de relevância no desempenho da instituição. Ela acredita que o resultado que a escola apresentou no Ideb tenha forte relação com as condições econômicas e sociais da clientela atendida pela instituição. A especialista conta que os alunos são muito carentes e oriundos, em sua maioria, do Parque das Águas, um condomínio residencial, criado há pouco tempo pela Prefeitura de Juiz de Fora, através do projeto Minha Casa Minha Vida.

A realidade e a rotina na escola Dr. Clemente Mariani exige esforços. Conforme é relatado por Josiane, para a professora entrar em sala de aula e conseguir iniciar o conteúdo da disciplina, precisa desenvolver uma conversa para elevar a autoestima de cada aluno, e assim, fazer com que prestem atenção na aula. A especialista acredita que esses problemas relacionados à autoestima dos alunos estão associados à realidade na qual os pais se encontram e transmitem aos filhos. “Muitos pais usam drogas e se envolvem com tráfico e violência. Quem passa essas informações para nós, muitas vezes, são os próprios alunos. Eles mesmos chegam contando”, relata Josiane. Apesar de a localização da escola interferir no indicador do Ideb, por outro lado, Josiane enxerga a estética da Dr. Clemente Mariani como um ponto motivador para os alunos. “Tendo em vista a realidade em que a grande maioria se encon-tra, os alunos costumam achar a escola mais bonita do que a própria casa. Mais bem cuidada”.

A respeito do desempenho da escola nas avaliações do Ideb, Jo-siane explica que a situação da Clemente Mariani é complicada. “Às vezes a equipe não consegue dar o conteúdo programado por conta de indisciplina dos alunos. Muitos vivem conflito em casa e chegam agitados para estudar. Cabe ao professor criar todo o clima para iniciar o aprendizado. E é neste ponto em que vem a avaliação que abran-ge todo conteúdo e desempenho. Ficamos defasados por conta disso.

E. E. Sebastião Patrus (no Bairro Santa Terezinha em Juiz de Fora) passa por reformas em sua estrutura física

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Em outras realidades a situação é diferente, mas existe o diferencial que é o apoio dos familiares e a boa educação”.

As duas educadoras compar-

tilham da mesma opinião no que se refere à importância do Ideb para a educação pública. Josiane explica que na Clemente Mariani

os professores veem o Ideb como um auxílio. Dessa maneira, as ava-liações vão contribuindo para me-lhorar a aprendizagem dos alunos e isso acaba resultando na au-toestima deles e na melhoria do tratamento com os professores da escola. A diretora da Sebastião Patrus de Souza, Miriam Ramalho, também acredita na eficácia das

avaliações do Ideb para a melho-ria no ensino. Ela afirma que as provas do Ideb são muito impor-tantes para apontar a situação da escola e apontar os pontos que ainda são falhos e necessitam de melhorias.

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“Cabe ao professor criar todo o clima para iniciar

o aprendizado.”

Alunos da E. E. Dr. Clemente Mariani divertem-se no pátio da escola

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‘Educação não se faz por decreto’Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestre em Educação, doutora em Sociologia e coordenadora do grupo de pesquisa Formação de Professores e Políticas Educacionais (Forpe), Maria da Assunção Calderano analisa prós e contras das avaliações externas.

Argo: Conseguimos ter uma visão mais cla-ra da educação com a introdução dos pro-cessos de avaliação?

Maria da Assunção Calderano: Entendo que sim. Mas é preciso especificar: mais clara sobre o quê e em que direção? Para mim fica mais claro que, na educação, existem problemas conjunturais e estruturais, ligados às políticas educacionais de formação de professores, às condições de trabalho docente, às condições de ensino e de aprendizagem. Fica mais cla-ro que a educação não se faz por decreto, por mapeamento, por ranqueamento. Fica mais claro que o mapeamento necessário sobre a educação não deveria se pautar apenas nos resultados, mas nos processos. Esse mapea-mento também precisa vir, enquanto diag-nóstico, orientado por um propósito claro de identificar as causas dos problemas encontra-dos e as estratégias para superá-los.

Assim não sendo, esses “processos de avalia-ção” constituem-se em mais uma falácia.

Esse tipo de investigação é imprescindí-vel? Ou há outros métodos mais eficazes de mensurar o ensino/aprendizagem e promo-ver o seu aperfeiçoamento?

A que “tipo de investigação” se refere? À ava-liação em larga escala? Não reconheço nesse tipo de avaliação uma investigação propria-mente dita. Aliás, seria bom que a avaliação fosse feita a partir de princípios investigativos. Mas não parece ser esse o caso. A investigação imprescindível, para mim, na área da educa-ção, é aquela que permite um conhecimento transformacional a partir de uma identificação da análise das estruturas e mecanismos ocul-tos que sustentam a aparência dos fenômenos observados. No campo da avaliação, portan-to, uma investigação precisaria dar conta de identificar o que gera os resultados tão díspa-res entre alunos, entre escolas, entre regiões...

É importante também lembrar, como já disse a Profa. Bernardete Gatti, que avaliar é diferen-te de medir. E, em grande parte, as avaliações em larga escala acabam apenas medindo os

resultados alcançados, a partir de alguns in-dicadores definidos para tal, considerando somente alguns aspectos, dentro de um con-junto enorme de questões que precisariam e mereceriam ser consideradas na escola e na educação.

Ressalto também a importância de buscar outros métodos para promover o aperfeiço-amento do ensino e aprendizagem. Vou citar um: a identificação, análise e divulgação de experiências bem sucedidas realizadas por professores no interior de escolas. Em nossas pesquisas identificamos práticas muito impor-tantes nesse sentido. Tais práticas merecem ser destacadas, divulgadas e ampliadas.

Já houve algum avanço significativo no quadro educacional no país após a introdu-ção das avaliações externas?

Acredito que sim. Ficou clara, para todos, a diferença de resultados entre escolas. Só que isso os estudiosos da área e os professores e diretores de cada escola já sabiam. Em que

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houve avanço então? Houve avanço da pres-são sobre os professores para apresentarem mais resultados. Houve aumento da pressão sobre os alunos para que fizessem boa prova, pois seus professores “correriam risco de não serem contratados no ano seguinte”. Refiro--me aos depoimentos de alunos, professores e diretores de escolas que obtiveram baixo re-sultado no Ideb - depoimentos coletados em pesquisa por mim coordenada. Houve tam-bém expulsão indireta de alunos de determinada escola – de um lado, tendo “dificuldades” de encontrar vagas, de outro, pela atitude de seus pais em busca de outra escola com Ideb maior. Não podemos negar, portanto que houve algum tipo de mobilização. Infelizmente, a estru-tura educacional atual, apesar disso, permanece praticamente inalterada.

Os instrumentos de avaliação estão sendo apropriados devida-mente?

Entendo que não, pois eles não re-tratam com clareza a dinâmica que ocorre nas escolas, o trabalho mi-údo, apurado, qualificado que se faz no dia a dia, e cujos resultados nem sempre aparecem através dos métodos utilizados para medi-los. O ranqueamento das escolas, por exemplo, é certamente um efeito indesejado, e certamente também não planejado por quem concebeu essa dimensão da política educacio-nal. Percebe-se, com a introdução das avalia-ções externas, que muitas escolas se con-centram nos ensinamentos cobrados nes-sas provas. Algumas até aplicam simulados para que obtenham boa pontuação. Essa prática distorce ou estimula o aprendiza-do?

Concentrar os ensinamentos tendo por base os parâmetros das avaliações externas é, sem dúvida, um reducionismo incalculável para a educação dessas crianças. Aplicar simulados pode até ser uma atividade interessante, con-siderando a variedade de estratégias didáticas que se deve lançar mão para desenvolver e incentivar o aprendizado. A questão é so-bre quais bases esses simulados estão sendo pensados? Para promover a aprendizagem ou

para treinar para as provas?

Por que somente conteúdos de matemáti-ca e português são cobrados nas avaliações externas?

Essa é uma pergunta que os profissionais da educação, preocupados com sua integralida-de, deveriam se fazer. A resposta, no entanto, se encontra no reconhecimento do reducio-

nismo das avaliações externas antes apon-tado. Afinal, a criança vive numa realidade ampla, real, concreta, dinâmica e seu apren-dizado deve refletir essa riqueza e não ape-nas o raciocínio lógico-formal e a linguagem. Ressalto ainda que não há incompatibilidade, mas transdisciplinaridade entre essas diferen-tes dimensões envolvendo cultura, criativida-de, emoção.... Tais dimensões enriquecem o significado das letras e dos números. Por que não incorporar tais aspectos às avaliações?

Com tantas avaliações externas, o profes-sor não está sendo deixado de lado no pro-cesso educacional?

De certa forma sim. Entretanto, ele tem ficado no centro, pois na maioria das vezes é respon-

sabilizado pelos resultados alcançados. Sua formação, essa sim, tem sido deixada em se-gundo plano – formação inicial e continuada. Essas, quando existem, muitas vezes são pro-jetadas para equilibrar resultados no Ideb e não como demandas internas dos professores e de suas escolas. O espaço para planejamen-to e debate educacional no interior das esco-las também nem sempre existe – esse é outro problema. As condições efetivas de trabalho,

essas também têm sido deixadas em segundo plano. Não é por aca-so que as escolas que apresentam resultados menores no Ideb são aquelas que, em sua grande maio-ria, não têm infraestrutura devida – nem física, nem de pessoal. Afir-mar a centralidade do professor deveria representar o reconheci-mento profissional e a busca por melhores processos de formação e condições de trabalho docente.

A concessão de bônus para pro-fessores, funcionários e escola em caso de bom desempenho dos alunos na avaliação exter-na em Minas Gerais tem como objetivo premiar a performan-ce escolar. Isso pode gerar uma preocupação excessiva com es-sas avaliações, menosprezando o objetivo maior da educação, que é trabalhar as habilidades que vão além dos muros esco-lares? Ou seja, essa prática não restringiria a escola no sentido de promover outros valores que não sejam apenas o desempe-

nho cognitivo?

Professor não precisa de bônus. Precisa de um salário justo e digno próprio à profissão que exerce. Enquanto se promete ou concede bônus, fica implícita a ideia de que se você re-ceber mais você faz melhor, ou, inversamente, se não trabalha mais é porque você faz cor-po mole, pois se você souber que vai receber mais, você vai trabalhar melhor. Não creio que os professores sejam hipócritas. Uma coisa é lutar por salários justos e dignos, outra coisa é trabalhar menos porque os salários estão de-fasados. É uma questão de micro e macro po-lítica. O incentivo, o reconhecimento é sempre bom, mas não como parâmetro para garantir que o profissional faça seu trabalho bem feito. Há que se ter uma política voltada para a va-

O ranqueamento das escolas, por exemplo,

é certamente um efeito indesejado e, certamente também não planejado por

quem concebeu essa dimensão da política

educacional.

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lorização docente, inclusive, deixando claros os parâmetros para o exercício da profissão de modo a possibilitar que somente os bons pro-fissionais possam seguir carreira. Ao contrário, quando o incentivo é pontual e restritivo, seu efeito também é restritivo, alcançando apenas dimensões reduzidas do processo educacio-nal, deixando de lado sua centralidade, que é a educação pública, democrática, de qualida-de, para todos.

Resultados negativos, (notas baixas) nas avaliações externas podem desestimular professores e estudantes ao invés de pro-vocar uma mudança na realidade?

Depende da forma como forem trabalhados e entendidos. Podem gerar também um movi-

mento de outra ordem, dependendo das con-dições intelectuais, criativas e organizacionais das pessoas e coletividades, através de ações que possam denunciar o oculto e favorecer a ocorrência de novos patamares de aprendiza-gem.

A educação não pode ficar restrita ao co-nhecimento decoreba, deve ser interativa, balizando as condições para que o futuro cidadão possa tomar decisões. O Enem tem demonstrado essa preocupação, buscando a interdisciplinaridade e o link com a reali-dade. Há essa preocupação nas avaliações colocadas em prática pelas demais avalia-ções externas dos governos federal, esta-duais e municipais?

Parece que não. Isso denuncia que ainda, no Brasil, não existe um projeto claro, forte e con-sistente sobre a educação brasileira, sobre a formação de professores, sobre a formação de formadores, sobre a avaliação educacional. Cada setor faz o que aquele grupo, que ali tem assento, pensa preponderantemente. Cabe aos setores organizados da sociedade civil questionar, denunciar e propor a superação dessa fragmentação.

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Estudantes do Ensino Médio da E. E. Sebastião Patrus em momento de avaliação em larga escala

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Bombordo e Estibordo

Maioridade Penal

Debate

Redução é a solução?A redução da maioridade penal pode se tornar uma realidade nacional, caso seja aprovado algum dos projetos de lei existentes no Congresso Nacional e no Senado Federal relacionados ao tema. A proposta prevê a possibilidade de penalização de adolescentes em conflito com a lei a partir dos 16 anos e não mais a partir dos 18 anos, conforme estabelecem a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Por ser polêmico, o tema é mantido em “banho-maria” pelos parlamentares, embora sempre retorne ao debate nas esferas sociais a cada episódio de violência envolvendo a participação de menores de 18 anos. Enquanto uns veem na redução da maioridade penal uma medida socioeducativa, outros acreditam que o projeto não vai modificar o quadro da criminalidade. Com o objetivo de promover a reflexão, a Argo retoma a discussão entre juristas e estudantes, propondo ao leitor que tire suas próprias conclusões.

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Q uando ocorre um delito, em especial aqueles cometidos com o emprego de violência, é compreensível que a sociedade se sinta atormentada: o crime desestabiliza a paz social, pois

quebranta a confiança das pessoas de que as normas, em especial as normas mais severas de uma sociedade, protetoras dos valores que lhe são mais caros, serão cumpridas. Daí, é comum que se cataloguem como efeitos dos crimes: 1) o sentimento de justiça, que reclama castigo proporcional ao delito; 2) o receio do mau exemplo dado pelo criminoso, que pode estimular novos crimes por outras pessoas; e 3) o temor do próprio delinquente, porque poderá vir a praticar novas infrações criminais.

A mesma desestabilização se projeta na sociedade quando se comete um ato infracional, termo utilizado para os menores de dezoito anos que, sendo inimputáveis, realizam condutas que, caso fossem adultos, seriam etiquetadas como crimes. Nesse momento, quando se cuida de atos infracionais especialmente graves, ou reiterados, ou ligados ao tráfico de drogas, é comum escutar as vozes que se inflam para defender a redução da maioridade penal, dizendo que é necessário que se estendam as normas penais para, por exemplo, alcançar os jovens brasileiros a partir dos dezesseis anos de idade.

A simples extensão do tratamento penal aos nossos jovens não teria, contudo, o condão de melhorar o cenário de violência que nosso país, infelizmente, vive. Tampouco significaria, em muitos dos casos, um tratamento mais severo. Ao revés.

Em socorro dessa afirmação, examinemos aquele que se converteu no crime central de nossa sociedade: o tráfico de drogas. Explico-me: quem milita na seara penal constata no seu exercício quotidiano que o tráfico é a mola propulsora da maior parte da delinquência. Além do comércio ilegal em si mesmo, os traficantes se matam em disputa do território; matam os usuários que não pagam suas dívidas; determinam que os usuários devedores matem outros usuários devedores. Quando o tráfico não rende os lucros que são almejados, eles se dedicam a outros delitos, como roubos e sequestros. Devastam famílias, e os usuários, no rumo da autodestruição, roubam terceiros para comprar mais drogas, agridem mães e companheiras para conseguir dinheiro para satisfazer sua dependência.

E o que faz o Direito Penal brasileiro? Permite que a maioria dos traficantes, caso não sejam reincidentes, e satisfaçam alguns outros requisitos, tenham substituída sua pena privativa de liberdade (quer dizer, prisão) por alguma pena restritiva de direitos, isto é, medidas como a prestação de serviços à comunidade. Consequência: a maioria dos traficantes, quando responde ao processo presa, prefere, pasmem os senhores, confessar rapidamente o crime, para que mais rápido saia da cadeia, pois o juiz se vê obrigado a substituir a pena privativa

de liberdade por alguma pena restritiva. Resultado: o incremento exponencial do tráfico de drogas e todos seus malefícios.

Enquanto isso, caso o Estatuto da Criança e do Adolescente seja aplicado em sua plenitude, o menor responderá ao processo em que será discutida a aplicação de uma medida socioeducativa que, em alguns casos, será mais gravosa que a sanção penal; haverá um estudo social para que se verifique se o menor está apto para o convívio em sociedade, e sua internação pode ser determinada. De fato, os casos que geram maior indignação são aqueles em que a lei menorista não foi aplicada em toda a sua dimensão, por algum entendimento equivocado ou falta de estrutura.

Transplantar os problemas da aplicação do Direito Penal para os hoje menores brasileiros está muito longe de ser a panaceia que alguns pretendem. Ao contrário: servirá apenas para satisfazer as necessidades de um Estado-espetáculo, em que a simples edição de uma norma dá a impressão de que o problema está solucionado, quando, em verdade, apenas se encobrem questões estruturais mais sérias, muito distantes da solução, e que atingem nossa sociedade.Entre outras questões,está a própria necessidade de melhoria em nosso setor público e aperfeiçoamento da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. E faz recordar a máxima do político romano Tácito: In pessima republica, plurimae leges...

Bombordo

Redução não é solução

Debate

por Alex Fernandes Santiago*

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A menoridade menoridade no Brasil, desde o Código Penal de 1940 (em vigor em 1/01/1942), vemproclamada, no art. 27 deste Diploma Legal, como sendo abaixo dos 18 anos. Para

osadolescentes (de 12 a 18 anos) e para as crianças (0 a 12 anos) existe uma legislação especial,denominada menorista, que se consubstan-cia em um diploma legal conhecido como ECA (Estatutoda Criança e Adolescente). Os menores são tratados diferentemente dos maiores de 18 anos quandopraticam atos previstos no Código Penal, sendo então denominados estes atos ilícitos penais comoatos infracionais. A legis-lação menorista é muito branda e visa tão somente a reeducação do menor.

Diante desta realidade legal, a sociedade vem reclamando mais energia na punição dos menores, uma vez que, e isto é incontestável, os maiores têm praticados crimes na companhia ou atravésde meno-res, ficando assim impunes, enquanto os menores assumem a culpa do delito e são, destaforma, corrompidos moralmente.

Urge uma solução para o problema. A primeira ideia que se pro-clama é de natureza objetiva, isto é, diminuindo-se a idade penal da maioridade, hoje em 18 anos, para 16 anos, passando então os adoles-centes entre 16 e 18 anos aserem considerados adultos diante da lei penal. Acredito não ser a melhor solução, pois os maiorescontinuariam a utilizar--se de menores de 15 anos para baixo. O problema apenas se agravaria.

A segunda ideia proposta é agravar a natureza da punição (medi-das socioeducativas)aplicadas aos menores, falando-se, inclusive, em uma medida de recolhimento de menores em“cadeias” (instituições de reeducação) por até 08 (oito) anos. Não me parece justa tal medida, poismuitos menores não precisam de “punição”, e sim de reeducação com energia, envolvida em carinho e atenção.

Por fim, aparece uma terceira solução, uma pesquisa em cada caso, o que nóschamamos no Direito Penal de imputabilidade. Imputabilida-de é a capacidade de entender-se o ato comocriminoso ou governar-se diante dele, merecendo, então, a reprimenda estatal. Ao contrário da imputabilidade está a inimputabilidade, que é a falta de capacidade intelectual de entender-se um ato como criminoso ou de conduzir-se segundo tal entendimento. É exatamente o que acontececom os lou-cos de todo o gênero (art. 26, “caput” do Código Penal), pois os doentes mentais não sãoapenados, mas sim tratados psiquiatricamente quan-do praticam atos previstos na legislação penal.

Grosseiramente, para melhor entendimento dos estudantes, exem-plifico como inimputáveis osanimais, que estão imunes ao Direito Pe-nal porque não possuem desenvolvimento psíquico.

Desta forma, a meu ver, a grande solução para os casos de menori-dade é submeter os adolescentes (de 12 a 18 anos) a exame de verifica-ção de capacidade de entendimento do atopraticado, punindo-os tal qual os maiores, em caso positivo e, do contrário, apenas tratando-os.

Parece-me, assim, que teríamos mais repressão, sem o risco de cometermos injustiças. Seria umavanço na legislação menorista, sem abandono do grande ideal de proteção aos menores, porém nãoper-mitindo que o crime se esconda na menoridade, em prejuízo da ordem social.

EstibordoDebate

*Alex Fernandes Santiago é Promotor de Justiça da Defesa da Infância e Juventude de Juiz de Fora.

por José Armando Pinheiro da Silveira*Cada caso é um caso

* José Armando Pinheiro da Silveira é Juiz de Direito e Presidente do Tribunal do Júri de Juiz de Fora.

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Autores

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BombordoDebate Discente

por Luisa Couto*

As argumentações sobre o tema da maioridade penal resulta-ram de uma atividade escolar hoje mais comum no Ensino Médio, em função do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio): a escrita de redações. A “redação” é um gênero escolar que foi – ou tem sido ainda! – bastante condenado por teóricos interessados no ensino da linguagem, sob o argumento de que a produção es-crita na escola, como qualquer outra prática de linguagem, deve situar-se em contextos de produção real, tornando-se a aprendi-zagem mais significativa. Um dos desafios da escola talvez seja exatamente este: o de “contextualizar” suas práticas, fazendo mais sentido delas.

É fato, no entanto, que a REDAÇÃO NO ENEM tem motivado os jovens a escreverem mais na escola. E essa atividade escolar pode

tornar-se mais significativa na medida em que inserida em práti-cas reflexivas, voltadas para a construção de um “pensamento” so-bre a realidade, mais particularmente sobre a realidade brasileira. Portanto, a forma como a proposta do ENEM se apresenta hoje me parece interessante na medida em que motiva a organização de espaços de reflexão crítica na escola.

Foi o que se buscou fazer no caso das redações apresentadas. Os alunos foram motivados a ler sobre o tema, para se informa-rem e para formarem opinião. Antes de escreverem, fizemos um debate. Além disso, ao longo do semestre, a leitura e análise de textos argumentativos bem estruturados auxiliaram enormemen-te a atividade escrita.

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Maioridade Penal Atualmente no Brasil uma pessoa pode ser julgada como cidadão-adulto perante a lei a

partir dos 18 anos de idade. Se você, assim como eu, está se perguntando o que acontece com um menor que comete

um crime, aqui vai a resposta: ele é liberado após prestar alguns serviços à comunidade ou, em alguns casos, ser internado (por no máximo 3 anos) em estabelecimentos educacionais. Pareceu injusto para você? Pois para mim pareceu.

A impressão que tenho do sistema penal para menores de idade, é que ele protege demais

as crianças e adolescentes, usando como pretexto a imaturidade e ingenuidade. Ao meu ver, essa compreensão e solidariedade se estende até o momento em que a vítima é seu pai, sua mãe ou até mesmo você. Um jovem de 16 anos, que já é capaz de votar, formar sindicatos es-tudantis e participar de debates públicos, é também capaz de responder legalmente por seus atos; sejam eles bons ou ruins.

Porém, será a diminuição da maioridade penal o bastante para melhorar a criminalidade no Brasil? Ou não deveríamos primeiro refletir sobre o sistema falho e frágil que existe aqui, onde se espera que um criminoso saiba viver em paz na sociedade, embora o lugar onde ele é punido e passa parte da vida é o oposto disso?

Não adianta sair prendendo todo jovem malfeitor em prisões onde as condições de vida chegam a ser desumanas e querer que ele saia de lá como uma pessoa completamente trans-formada. Primeiramente é necessário melhorar as redes penais, com acompanhamentos psi-cológicos, trabalhos voluntários, para que o jovem seja gradualmente inserido ao espírito de comunidade. É necessário ter uma grande cautela ao julgar e punir um menor; afinal, algumas penalidades podem gerar danos irreversíveis ao psicológico da criança ou adolescente.

Dito isso, creio que deve sim ocorrer a diminuição da maioridade penal no Brasil, lembran-

do-se sempre que a idade de uma pessoa não impede que ela cometa um crime, portanto não deve impedir que esse crime seja punido. Essa punição, porém, deve ser realizada de modo a ajudar e melhorar o comportamento social e psicológico do jovem e não traumatizá-lo de maneira, às vezes, irrecuperável.

por Begma Tavares Barbosa*

Leitura, análise, logo boa escrita

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EstibordoDebate Discente

Orientadora*Profª.: Begma Tavares BarbosaColégio de Aplicação João XXIII – UFJF Disciplina: Português

por Luiza Dustan R. de Souza*

Autoras

*Luiza Dustan R. de Souza 3º ano do Ensino Médio

*Luisa Couto 3º ano do Ensino Médio

Que país é esse?No Brasil volta-se a discutir a maioridade penal em decorrência da crescente onda de

violência que parte de jovens cada vez mais novos. Nesse ano retomou-se o tema polêmi-co após o caso de um jovem ter sido assassinado por um menor (17 anos); o motivo? Um celular.

Sobre essa questão, porém, deve-se pensar se o mais apropriado a fazer com esses me-

nores infratores é realmente prendê-los. Será que reduzir a maioridade penal irá resolver o problema da violência?

Antes de se chegar a uma conclusão, devemos refletir, e muito, sobre nosso país e seu

quadro geral. O Brasil é um dos últimos países quanto ao índice de IDH, sendo extrema-mente desigual e com questões sociais profundas para serem resolvidas.

Ao se tratar do tema, escutamos frases como: “se jovens podem votar aos 16, já são res-

ponsáveis” e “isso vai diminuir a violência com certeza”. Porém a maior parte da população esquece-se de que, aos 16, o voto é facultativo, então seria também facultativa a prisão desses jovens? A violência pode até diminuir por ora, mas quanto tempo essa calmaria duraria até novos jovens virarem cidadãos violentos renovando o ciclo que o país impõe a muitos adolescentes?

Diz-se que, no Brasil, os jovens infratores enviados a instituições “reeducacionais” são

“ressocializados” mas, ao vermos reportagens sobre a vida dessas crianças, nos deparamos com péssimas condições, espaços lotados e humanos tratados como um nada em vez de medidas reais e investimentos pesados tanto no sistema em que estes estão quanto na educação para as crianças que um dia poderão se transformar em mais violência para o país.

Se um dia essa lei vier a ser alterada, deve ser de forma direcionada para que os jovens

tenham sua condição social, o meio onde vivem, seu psicológico e crime estudados. Deve-se também saber separar um jovem em formação de um adulto, caso contrário é provável que só seja mantida a violência.

Por mais necessária que a discussão seja, seu foco devia estar não na maioridade penal,

e sim, em que país é esse que surge diante de nós e que leva cada vez mais cedo nossa juventude e futuro para a criminalidade; e a mudança não nos jovens e nem nas leis, mas no país para que essa situação seja revertida.

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A exclusão do professor de Educação Física nos anos

iniciais do Ensino Fundamental em escolas do Estado de MG

Velocino de OuroCarta Aberta

Nesse ano de 2013, os alunos do Ensino Fundamental do Estado de Minas Gerais foram surpreendidos com uma grande ausência: a exclusão dos professores de Educação Física. Um trabalhador da educação que

conseguiu mostrar sua importância no processo de formação educacional, bem como a definição de seu objeto de estudo, vitória conquistada por meio de muita luta e esforços da categoria!

O cenário da educação Brasileira caminha para um entendimento mais amplo da formação educacional, a partir dessa área de conhecimentos científicos. Muito se fala sobre a linguagem corporal, inclusive como tema de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). A partir de então, como poderíamos pensar nos discentes sem essa disciplina? Sem o professor específico? Retrocesso? Descaso?

A Resolução SEE/MG N° 2.253, de 9 de janeiro de 2013, orienta para a não existência de professores específicos nos anos iniciais. No mês de abril de 2013, foram retirados os professores de Educação Física, obrigando assim o regente de turma a trabalhar com os conteúdos pertencentes a esse componente curricular.

O panorama educacional resultou em quatro situações que envolveram vários atores. Numa visão da formação, elenco as seguintes situações: 1) a formação docente que necessita de uma orientação em campo de um professor específico foi prejudicada, tendo a diminuição de nosso campo de trabalho; 2) um grande número de professores contratados atuantes nos anos iniciais tiveram seus desligamentos efetuados, os efetivos e os demais efetivados pela Lei Complementar n° 100 tiveram sua vida administrativa modificada, tendo assim sua condição de existência alterada em função da perda salarial; 3) fala-se nas “aulas de Educação Física”, mas que aulas? Os professores regentes dizem

não se sentir habilitados e nem capacitados para ministrá-las, aumentando consideravelmente sua carga de trabalho; e por fim, e não menos importante, a última situação: 4) os alunos dos anos iniciais que perderam momentos importantes para a sua formação educacional, num sentido ético, histórico, social, motor e cultural.

Muito importante se faz perceber que a ausência do professor específico nos anos iniciais envolveu mais atores do que somente os trabalhadores em educação formados em Educação Física.

Quero, com essa carta, apontar a visão acadêmica com uma acentuada preocupação na formação, de quem há mais de uma década se dedica a estudar as questões educacionais, bem como, a de uma docente de Educação Física que percebe no chão da escola as mudanças das políticas educacionais. Precisamos entender o contexto das mudanças e pensar que só será possível sairmos da alienação a partir de uma tensão vinda de nossa Escola. Escola, entendida aqui, como os cursos de formação em docentes de Educação Física e a dos alunos da Educação Básica, que um dia participarão da política em nosso país.

Implicações para a formação humana

*Liege Coutinho Goulart Dornellas - Mestre em Educação pela UFJF, graduada em Educação Física pela UFJF. Docente efetiva do Estado de Minas Gerais e docente do curso de Licenciatura em Educação Física na UNIPAC de Governador Valadares.

por Liege Coutinho Goulart Dornellas*

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Velocino de OuroCarta Aberta

por Riza Amaral Lemos e Daniela Motta de Oliveira*

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O Ensino de Educação Física Frente Às Resoluções Cne/Ceb N. 07/2010 E See/Mg N. 2253/2013

A questão central de nossa discussão nes-se espaço está centrada na Resolu- ção do Conselho Nacional de Educa-

ção (CNE) e da Câmara de Educação Básica (CEB) n. 07/2010, e na Resolução 2.253/2013 do Governo do Estado de Minas Gerais, as quais determinam que o Professor Regente de Educação Básica com formação em Pedagogia ou Normal Superior ministre aulas de Educa-ção Física nas Séries Iniciais do Ensino Funda-mental a partir de 2013.

Esse movimento não foi isolado. Sabemos que o significado e a função social da profis-são e do trabalho docente, de forma geral, e do professor de Educação Física, de forma es-pecífica, variaram de acordo com o desenvol-vimento e com as transformações sociais, po-líticas, econômicas e culturais das sociedades modernas. Assim, para compreender o pro-cesso de “descaracterização epistemológica da área”, é fundamental compreender como essas normatizações legais se inserem no con-junto das mudanças no mundo do trabalho, nas relações de poder e nas relações sociais. Se a prática da Educação Física foi contem-plada pelo texto da LDB n. 9394/96, por outro lado, a própria lei revela a desvalorização e o lugar periférico ocupado pela Educação Física a partir das reformas neoliberais da educação dos anos de 1990. Desse modo, as resoluções do Conselho Nacional de Educação e da Secre-taria de Estado da Educação de Minas Gerais, que autorizam que as aulas de Educação Física sejam ministradas por professores formados em Pedagogia ou Normal Superior, confirmam essa perspectiva, já que parecem desconhecer a importância da formação e habilitação dos docentes Licenciados nesta área. Mais uma vez, ficam evidentes alguns aspectos revela-dores sobre a direção dada a essa questão: o primeiro diz respeito à desobrigação do Esta-do na contratação de professores qualificados para as aulas de Educação Física; o segundo, talvez a questão central nesse debate, seja

que a contribuição da Educação Física, aqui entendida enquanto um bem cultural da hu-manidade, é negada às crianças da classe tra-balhadora, já que são elas as que estudam nas escolas públicas mineiras.

Isto posto, colocamos em destaque a dis-cussão sobre a competência técnica e teórica para o ensino de Educação Física nas escolas mineiras para as crianças do Ensino Funda-mental: de fato, a qualidade do ensino ofe-recido por profissionais com formação em Pedagogia ou Normal Superior poderá ser equiparada à ministrada por um profissional com Licenciatura na área? Os professores li-cenciados em Pedagogia e Normal Superior estão devidamente preparados para ministrar um conteúdo com tantas particularidades? A Educação Física teria um conteúdo e conheci-mentos próprios?

Diversas pesquisas nos apontam a funda-mental importância da presença dos professo-res licenciados na área para ministrar o conte-údo dessa disciplina, os quais possuem maior competência técnica e teórica para fazê-lo. Além dessas questões, ante as implicações de tais normatizações para os docentes com for-mação em Pedagogia que, por força impositi-va da resolução mineira, foram obrigados a as-sumir a disciplina de Educação Física sem uma formação que ofereça embasamento para atu-ar nesse campo, gerou-se um grande mal-es-tar no interior das escolas. Destacamos, ainda, o fato do professor licenciado perder espaço enquanto profissional capacitado e com for-mação específica para atuar junto aos alunos, atendendo as especificidades da disciplina, garantindo o desenvolvimento de atividades que favoreçam a formação plena dos alunos.

Dessa forma, determinar que um profissio-nal sem formação específica na área de Educa-ção Física ministre as aulas desta disciplina é não só um desrespeito com os educandos em

processo de formação, como também uma prática que deslegitima a luta pela consoli-dação da Educação Física enquanto disciplina escolar obrigatória e fundamental para o de-senvolvimento integral dos alunos. É descon-siderar as especificidades presentes no currí-culo dos profissionais da área. É, sobretudo, imputar aos pedagogos uma atribuição cujas especificidades são incompatíveis com a for-mação que recebem nas instituições de Ensi-no Superior.

*Riza Amaral Lemos : Graduada em Pedagogia/ UFJF. Especialista em Educação no Ensino Fundamental C.A. João XXIII/UFJF. Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora.

*Daniela Motta de Oliveira: Graduada em Peda-gogia/ CES-JF. Mestre em Educação/ UFJF. Doutora em Educação/ UFF. Coordenadora do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental C.A. João XXIII/UFJF. Professora do Colégio de Aplicação João XXIII.

QUELHAS, Álvaro de Azevedo; NOZAKI, Hajime Takeuchi. A Formação do Professor de Educação Física e as novas diretrizes curriculares em frente aos avanços do capital. Motrivivência. Ano XVIII, nº.26, p. 74, Junho/2006.

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Canto de Orfeu

Arte e Literatura

O universo estético de PetrilloCom desenho e tinta, o artista transforma realidade em sonho e sonho em realidade

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Não fosse a arte, talvez a vida seria insuportável. A dimensão estética, segundo o filósofo Schil-ler, é o lugar por excelência do sentir, a parte

responsável pela elaboração dos afetos, é também aquilo que nos alimenta e fortalece. É por esse, en-tre outros motivos, que as produções artísticas per-passam a história sendo ao mesmo tempo espelho e cúmplice da humanidade.

Arte e Literatura

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Canto de OrfeuArte e Literatura

Um autêntico artista, José Augusto Pe-trillo de Lacerda, 37 anos, não concebe a vida sem criação estética: a sua e as de ou-trem, diga-se de passagem. Sim, porque, além de pintor e desenhista, Petrillo é cole-cionador, incentivador de novos talentos e dono de uma galeria, conjugada ao seu ate-liê: a Hiato Ambiente de Arte, que completa 10 anos. “É difícil viver de arte, mas não im-possível. Sonho é coisa que não tem preço, ganharia mais se alugasse o espaço e vives-se de renda, porém, seria infeliz. Além disso, as dificuldades nos fazem crescer”, justifica o artista ao ser indagado sobre os obstácu-los reais do mercado da arte e as barreiras impostas por um mundo que exige recursos financeiros para sobrevivência.

Mas Petrillo não vive só da arte, embo-

ra nunca tenha se desviado desse trajeto desde os 11 anos de idade, quando realizou

suas primeiras obras. Em 2005 foi convida-do a lecionar as disciplinas Plástica e De-senho Artístico no curso de Arquitetura do CES, e a experiência também lhe arrebatou, provocando mudanças significativas até mesmo na sua arte. “Tem sido uma experi-ência incrível. Antes só pintava, a partir de então passei a valorizar também o dese-nho, que tem assumido protagonismo no meu trabalho. As influências arquitetônicas também são inevitáveis. Logo nos primei-ros anos de sala de aula, incluí a questão espacial, comecei a pintar lugares vistos de cima, como o horizonte e o raio de sol sobre o mar”, conta.

Cor e sombra Em meio às várias frentes de atuação

que marcam sua carreira, em 2004 Petrillo enfrentou um de seus maiores desafios: um

Canto de OrfeuArte e Literatura

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S/título - 2.00x1.50 mTêmpera s/lona 2013

O artista na galeria Hiato Espaço de Arte

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tumor cerebral que o levou à UTI. “Via o mundo em preto e branco. As paisagens emendavam com outras. E na iminência de não sair vivo da cirurgia, passei a pintar o que enxergava. Então fiz uma exposição para exorcizar tudo isso: ‘Etéreas’.” A mostra de tecidos e telas onde vertiam-se riscos e nódoas ganhava uma nova conformação a cada montagem. E, assim, ela percorreu diversas galerias entre 2005 e 2006, como o Cen-tro Cultural da Cemig, em Belo Horizonte e Resende (RJ), além do Cen-tro Cultural Bernardo Mascarenhas.

As sóbrias “Etéreas” contrastavam com as cores de “Linhas imaginá-

rias”, a mostra anterior, que trazia faixas horizontais e às vezes grafismo paralelo sobrepondo-se às estruturas formais básicas. Esse trabalho fi-cou exposto, entre outros lugares, no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

Já imerso nas questões arquitetônicas, Petrillo produziu em 2011

“Imaterial”, uma exposição de desenhos baseada nas curvas de nível e levantamentos topográficos “Criei lugares que não podem existir com chapas de acrílicos arranhados, uma à frente da outra que, conforme a luminosidade, se vê ou não as formas desenhadas.” A mostra passou pelo Centro Cultural dos Correios em Juiz de Fora, viajando para espa-ços de Salvador (BA), Rio de Janeiro e Brasília (DF).

Sua última exposição, “Obras recentes”, foi na galeria Hiato, tratan-do-se de um apanhado de todos os seus desenhos. “Agora estou na fase de pesquisa, em busca de algo novo, novos espaços, não necessa-riamente o palpável. Quero algo simples, delicado.”

Carne frescaO amor pelas artes visuais sempre impulsionou Petrillo ao com-

partilhamento. Primeiramente, criou o Pincelar, um projeto social com crianças e jovens de baixa renda que durou nove anos. “Amigos pro-fessores de escolas públicas me enviavam alunos com inclinação para o desenho e a pintura e eu desenvolvia oficinas com a turma forma-da por aproximadamente 12 bolsistas. Quando passei a dar aulas no CES pela manhã, no ano passado, tive que interromper o projeto, que sonho um dia resgatar.” O trabalho revelou talentos, sendo dois deles Giuliano Alves e Luiz Gonzaga, que se transformaram em amigos, mo-nitores e obviamente artistas.

Outra proposta, Carne Fresca, continua a todo vapor. Essa consiste na divulgação de novos talentos das artes na cidade. “A ideia surgiu com os colegas Fabrício Carvalho e Sandra Sato. Fizemos então a pri-meira exposição na Hiato, em 2008, e a partir daí demos continuidade, sendo uma das atrações da galeria.”

Canto de OrfeuArte e Literatura

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S/título - 1.00x2.00 mTêmpera s/lona 2013

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O projeto investiga a produção contempo-rânea local por meio de um edital que prevê a seleção dos trabalhos por Petrillo e outros profissionais. As obras sempre giram em torno de um tema proposto pela galeria. “Como é o centenário de Vinícius de Moraes, faremos este ano uma homenagem ao poeta com a inter-pretação estética de ‘Eu sei que vou te amar’. Desta vez serão convidados artistas locais e de outras cidades, como Rio, São Paulo e Belo Horizonte, com alguma projeção, além dos no-vatos.”

Carência culturalEmbora tenha nascido e vivido até os 18

anos em Valença (RJ), quando veio cursar Ar-tes na UFJF, após a formação profissional, Pe-

trillo optou pela cidade para viver e constituir sua família. “Juiz de Fora me impressionava com suas galerias de arte e centros culturais”, lembra. Passado o tempo, porém, o artista per-cebeu um empobrecimento. “Viajo muito e sempre me pego comparando os lugares onde estou com Juiz de Fora. Acho uma pena, por exemplo, a cidade possuir um museu como o Mariano Procópio e não poder usufruí-lo por estar fechado para reformas há cinco anos.”

Segundo o artista, faltam projetos para estimular tanto o fazer artístico quanto a fre-quência do público. “É preciso pensar em pla-nos estratégicos para quando reabrir o museu, estimulando a geração de recursos, como a criação de produtos do museu (souvenires). O Museu Imperial de Petrópolis, por exemplo,

tem um projeto simples e interessante com excelente repercussão.” Ele se refere ao Som & Luz, uma produção que se utiliza de efei-tos especiais de iluminação e sonorização na fachada do prédio neoclássico para reviver a história de D. Pedro II. Na opinião de Petrillo, a cidade precisa voltar-se para a sua própria vo-cação, a produção artístico-cultural, que nos últimos dez anos tem sido bastante negligen-ciada pelo poder público.

Canto de OrfeuArte e Literatura

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“A cidade precisa voltar-se para a sua

própria vocação, que é a produção artístico-cultural, nos últimos 10 anos bastante negligenciada pelo

poder público.”

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No final de 2007, participei do ciclo de palestras Café filosófico. O tema era o “sublime na poesia”. Os orga-

nizadores, Maria Helena e Tiago Adão Lara, queriam uma “fala mais lúdica”. Para a apresentação convidei a minha esposa, Juliana Magaldi, para ler alguns poemas, enquanto eu os comentava didaticamente. Mas alguns poemas pediam uma voz masculina como con-traponto. Então, embora ainda não o conhecesse pessoalmente, convidei o poeta André Capilé para a função. Nos entendemos bem logo de cara e rápido ensaiamos a apresentação. Para deixar a palestra “mais lúdica”, distribuímos um envelope aos ouvintes contendo um poema para ser lido. Diante da ani-mação final, o proprietário do Espaço Cultural Mezcla, o ator Marcos Mari-nho, nos perguntou: “Vocês não topam montar um sarau, porque tenho uma quinta-feira livre e queria algo de poe-sia nesse estilo que fizeram agora.”

Durante os primeiros meses de 2008, quebramos a cabeça matutando como seria a coisa. Não queríamos algo decla-matório como a palavra “sarau” sugeria, por isso não a usamos para descrever o evento. Por outro lado, não queríamos algo muito “paranormal”, que desviasse o “sarau” de sua razão de ser: a leitura pública. Então, bolamos a seguinte es-trutura: uma primeira parte feita por poetas convidados, um intervalo, e a segunda parte, o microfone aberto, con-vidando os presentes a lerem no palco. Além disso, haveria um mestre de ceri-mônias para apresentar os convidados e interagir com a plateia.

Rascunhamos vários nomes infames para batizar o evento, até que a Juliana pegou o dicionário Aurélio e escolheu a primeira palavra que viu – eco. Segundo o verbete, “eco” significa “reflexão de um som, por meio de diferenças de inten-

sidade ou por meio de diferen-ças de timbre”. Também signi-fica um tipo de armação. E, mais além, ecologia.

Com Eco Perfor-mances Poéticas nós queríamos criar um espaço para a circulação de textos literários (principalmente os nossos), para encontros e trocas de ideias, outras parcerias, e não havia um espaço assim na cidade. Aliás, no ano de 2008, não houve nem a Lei Munici-pal Murilo Mendes de apoio à cultura. Era uma situação melancólica. Ou seja, o momento propício para uma reação.

Eco Performances Poéticas: uma história agitada

por Anderson Pires fotos: Jasmine Giovanini

Da esquerda p/ a direita (em pé) : Larissa Andrioli, Tiago Rattes de Andrade, Danilo Lovisi, Anderson

Pires e Anelise Freitas. (Sentados) Laura Assis, Alice Sant’Anna, Lucas Viriato, Mariano Marovatto e

Otávio Campos.

Canto de OrfeuArte e Literatura

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Frequentadores têm oportunidade de adquirir as publicações

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Após idea-lizarmos o evento concei-tualmente, começamos a realizá-lo na prática. Nesse momento, Carla Machado se filiou ao grupo, e nos dividi-mos em duas linhas de frente: Juliana e Carla cuidariam da publicidade, eu e Capilé entra-ríamos em contato com os poe-tas para o palco principal, sob a seguinte lógica: os cinco poetas convidados levarão talvez cinco pessoas, em total de vinte e cinco, tá bom, a casa não estará vazia.

O 1° Eco Performances Poéticas ocorreu em junho de 2008, com Fernando Fiorese, Anderson Pires, Carolina Barreto e An-dré Monteiro no palco principal, André Capilé como mestre de cerimônias. E, na plateia, um camarada que seria essencial para o formato final do evento, o DJ Pedro Paiva, do coletivo Vinil é Arte.

No mês seguinte, tínhamos no palco principal Edimilson de Al-meida Pereira, Prisca Agustoni, Iacyr Anderson Freitas, Eustáquio Gorgone de Oliveira, ou seja, a fina nata da poesia juiz-forana. Mas algo ainda inquietava, a falta de dinâmica. Foi aí que o Pedro entrou como DJ. A presença da música como elemento de intera-ção entre voz e texto permite diferentes formas de ambientação, atmosfera poética, que prende a atenção e contagia a plateia.

Assim, desde 2008, além de poetas nossos - Kadu Maud, Júlio Sa-tyro, Fred Spada, Maria Diva, passaram pelo palco poetas de outras regiões como Alexandre Faria (RJ-JF), Ronald Augusto (RS), Oswal-do Martins (RJ), Rogério Batalha (RJ), Lucas Viriato (RJ), Beatriz Bastos (RJ), Os 7 novos (RJ), Rafael M. (Viçosa), Diego Grando (RS), Thiago Camelo (RJ) e Conceição Evaristo (RJ). E também do além-mundo, através das leituras dos poetas profissionais e amadores que subiram ao microfone.

U m ato bem realizado

no Eco, talvez respon-sável pela existência do evento, foi o microfone aberto. Se o Eco fosse apenas o palco princi-pal, provavelmente não teria durado mais do que dois anos. Quando pensamos no processo de seleção para con-vidar os poetas, divul-gá-los nos jornais, etc., estabelecemos como critério a circulação de sua escrita, uma produ-ção prévia, ou seja, um

grau de reconhecimento da comunidade literária. Porém, grande parte dos poetas conhecidos da cidade já havia sido convidada em 2008, só faltavam Knorr e Patrícia Almeida (nós os convidaríamos depois). Por isso, achávamos que não duraríamos mais do que seis meses. E o “mi-crofone aberto” implodiu essa lógica.

O microfone aberto é quase um evento à parte, mais imprevisível. Então, quem se destacava no mic aberto, era depois chamado para o palco principal, e esse movimento acabou se tornando uma fonte de permanência e de revelação de novos autores.

A partir de 2010, houve a primeira renovação no grupo organizador, que passou a contar como membros ativos os poetas Tiago Rattes de Andrade (membro desde 2009), Luiz Fernando Priamo, Anelise Freitas, Laura Assis e Larissa Andrioli. Todos haviam participado do Eco, como convidados, e acreditavam no efeito agregador da proposta. Nesse sentido, ecossistema. Com essa equipe organizadora, houve também uma renovação do público. De forma que, no ano de 2011, na primeira 5ª-feira do mês, o Mezcla sempre ficou lotado.

Como boas histórias têm que ter trovões, perigos e saídas tumultua-das, no final de 2012 o Eco Performances Poéticas ficou ameaçado. A casa onde o evento era realizado foi vendida para um consórcio eco-nômico, que pretende fazer alguma coisa no local nos próximos anos. Sem teto, o desânimo começou a baixar. Chegou-se a cogitar um “fim por cima” como solução. Porém, contra as opiniões desanimadoras, ou até mesmo por causa delas, o grupo organizador resolveu seguir com o evento, embora sem saber onde ou quando.

Em 2013, juntaram-se ao grupo os poetas Otávio Campos e Danilo Lovisi. Assim, outras atividades foram desenvolvidas pelos membros do núcleo criador do Eco Performances: a realização de vídeo-poemas (booktraillers), a criação da Aquela editora, por Laura Assis, que publi-

Canto de OrfeuArte e Literatura

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Livros dos autores presentes compõem a banca do ECO Performances Poéticas

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AK-47

Conhecida como destruição em massaanjo da violênciaoutra contribuição dos russos para a civilização.

Os fuzis anti-áereos plantados nas rochas apontados para o céu sem aviões abutres ou nuvens.

O viajante encara as cavernassob o sol inclemente do Afeganistãoque queimaria sua pele fina se desprotegida.

Avtomat Kalashnikova odraztzia 1947rainha da matançasão seus os ossos da Faixa de Gaza à Baixada Fluminense.

PORnôum homem não perdea oportunidade de gozarda carana carade uma mulherdescoberta

DESCOBERTAo vento açoitava as ruas:era o galope de teus lábiosque vinham me beijar

explodindoum beijo a cada versoe desmascarandoum grito a cada sexo

então ali eu descobriaque orgasmoé boiardentro do própriocorpo

POST IT

vai ver não existempoemas

mas anotações- estéticas - de canto de páginade modo queperceba:saem desse jeitopor falta de espaço

Das horas

jogo de cadência / envolve revolve supera- é hora de submergir.

luta de espelhos troca de braços.fela fere/ fole folha.

estirpe não se mede em gesto nem forçacom os dentes / arranca ceroula

: exibe troféu

das veias expostas denuncia forçafaz falta fôlego.

com gotas de pesar.bebe água no cantil/ amansa língua.

- é hora de recomeçar .

cou os livros “No silêncio de um show de rock” de Larissa Andrioli, “Vaca contemplativa em terreno baldio” de Anelise Freitas, “Trovadores elétricos” de Anderson Pires da Silva e “Distância” de Otávio Campos. Ao longo desses anos, o gru-po se apresentou em outros eventos importantes de poesia, como o notório CEP 20.000 e o promissor Labirinto Poético no Rio de Janeiro. Em meio às atividades individuais, todos perguntavam: “O Eco acabou?”

Encarando com maturidade o prestígio que o evento adqui-riu, não querendo perdê-lo nem subvertê-lo, mas avalian-do pragmaticamente todas as possibilidades de existência, o grupo fechou uma parceira com o Museu de Arte Murilo Mendes. Afinal, pedras que rolam não criam limo.

No dia 12 de Julho, nos jardins do MAMM, Eco performances poéticas começou oficialmente seu 6° ano de existência, e contou com os poetas Otávio Campos, Lucas Viriato, Maria-no Marovato e Alice Sant’Anna no palco principal, também autografando seus livros. No microfone aberto, Anderson Pires, André Capilé, Tiago Rattes, Anelise Freitas e O Sombra. Na plateia, mais de cem presentes.

Qual é o segredo? Sei lá, talvez nenhum. Quem vai ao Eco (e quem ainda não foi, mas está informado) curte o even-to; e em particular, quem faz parte da comunidade literária sabe que em outros centros – Rio, São Paulo, Belo Horizonte – existem eventos como o nosso e há mais tempo. Por isso, as pessoas depositam confiança no Eco performances poé-ticas, pois reconhecem que estamos fazendo um trabalho que precisa ser feito para a grandeza da cidade.

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por Anderson Pires

por Anelise Freitas

por Danilo Lovisi

por Tiago Rattes

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Acerto

Eu entendoas variaçõese não importaonde você está,espaço e temposão só equações.Imagem e movimentosão sinaisou projeçõesque preparoou apartoenquanto escutopassosem outra direção.

Eu desenhotraços,pontos exatos,rabiscos.Sempre há riscomas a vida é bemmais difícilque isso.

O resto é abismoe de noiteexisteessa matériainvisívelinventandodesviosnas palavrasque você aindanão aprendeua dizer.

arrumar a casaconvida navegarpor papéis até o últimomês desconhecidoscomo se morássemosem um apartamentoemprestado por algumamigo diria queum estranho talvezcruzamos com ele emum café e roubamosas chaves prateadas quebalançam quase moedasno bolso da calçanão sabemos setemos direito decolocar de volta oscopos na cristaleiraou se a própria cristaleiraserve ainda para guardaros copos e as xícarasse devemos dobrar oslençóis que de longedescrevem uma doençasobre a camapodemos entretantocontinuar deitadosesperar o serviço de quarto(mesmo sabendo quenão virá)ou levantar péante péir até a salaconhecer umas históriasque nos contarão empausas os porta retratos

Das horas

jogo de cadência / envolve revolve supera- é hora de submergir.

luta de espelhos troca de braços.fela fere/ fole folha.

estirpe não se mede em gesto nem forçacom os dentes / arranca ceroula

: exibe troféu

das veias expostas denuncia forçafaz falta fôlego.

com gotas de pesar.bebe água no cantil/ amansa língua.

- é hora de recomeçar .

Canto de OrfeuArte e Literatura

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por Tiago Rattes

por Laura Assis

por Otávio Campos

O músico Marcelo Castro comandou as pick-ups da

edição de Julho do festival ECO Performances

Anderson Pires é um dos organizadores do evento

Otávio Campos lê um de seus textos no microfone

do Festival

AutorAnderson PiresDoutor em Literatura pela PUC-Rio, é professor de Literatura no CES-JF

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Canto de OrfeuArte e Literatura

O legado nada convencional de um

grande mestre

Há 20 anos, a cidade e o país perdiam um de seus mais im-portantes artistas. Morria Arlindo Daibert, desenhista, pin-tor, gravurista e ilustrador de renome internacional, além

de professor do Instituto de Artes e Design da UFJF. Poeta visual, Dai-bert transformou em imagem sua percepção de mundo, fundada nas próprias paixões, entre elas a literatura.

Por meio de linguagens múltiplas, o artista concebia suas obras, premiadas não apenas no Brasil, mas na França e no México. São de-senhos, ilustrações, gravuras e colagens, que, com apelo estético e irreverência, condensam muitos significados. Arlindo fez leituras ico-nográficas de obras como “Macunaíma”, de Mario de Andrade e “Gran-de Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, que os críticos consideram de relevante valor artístico.

Parte de sua personalidade, sensibilidade e inquietação intelectu-al eram também levadas à sala de aula. Amigo e ex-aluno, o artista e professor do IAD Ricardo Cristófaro revela que Arlindo Daibert surgiu como um divisor de águas em sua vida. “Entrei para o curso de Artes com o objetivo de me aperfeiçoar como artista gráfico. Atribuo a Arlin-do a consciência da arte visual como profissão, o que foi decisivo para mim.”

Generosidade e informação

Também artista, ex-aluna e amiga de Arlindo, além de professora do IAD, Valéria Faria recorda-se da forma singular do artista-professor. “Ele fazia questão de estar próximo ao aluno e, como admiradora, trou-xe comigo esse recurso didático.” Ela lembra que Arlindo chegava à uni-versidade para dar aula de ônibus, carregando sacolas cheias de livros. “Na sala ele colocava o material sobre a mesa e distribuía-o, de acordo com o perfil de cada aluno. Naquele tempo, éramos poucos, então era possível uma aproximação muito grande com cada um de nós. Hoje, mesmo com turmas maiores, me esforço ao máximo para reconhecer os anseios e as potencialidades de cada um.”

A generosidade de Arlindo como professor também estimulou Cristófaro. “Naquele tempo não havia internet e o acervo bibliográfico sobre arte na década de 1980 era muito escasso. Arlindo levava infor-mação visual para a gente por meio de livros, slides e filmes”, conta. Cristófaro lembra, ainda, que ele estimulava os estudantes a frequentar exposições no Rio de Janeiro e São Paulo, para que ficassem motivados com a possibilidade de atuação.

Em agosto de 2013, completa-se 20 anos da morte de Arlindo Daibert, um dos mais

conceituados artistas contemporâneos e professor de métodos antiacadêmicos do atual

Instituto de Artes e Design da UFJF

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Canto de OrfeuArte e Literatura

Imagem emblemática de Arlindo Daibert (segundo da esq. p/ dir,) que tinha o hábito de compartilhar ideias com estudantes. Nesta foto ele acompanha a visita dos alunos da artista Pilar Domingo (em pé, à direita) à exposição “Macunaíma de Andrade” na Galeria do BANERJ no início dos anos 1980.

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Canto de OrfeuArte e Literatura

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Da série “Macunaíma de Andrade” “Suzi, a Piolhenta”, 1982, lápis,papel. 36x40cm.Cap XIII

Da série “GS:V”“Diadorim, Minha Neblina”.1984. Xilogravura. Tiragem Especial P.A. II. 14,5x14cm

Mas a benevolência do artista não se limitava ao próprio espaço acadêmico. Atualmente Professora da faculdade de Letras da UFJF, Neusa Salim Miranda, con-ta que quando lecionava português no Colégio de Aplicação João XXIII, Arlindo auxiliava-a em suas oficinas literárias. “Ele me ajudava, confeccionando a capa de livrinhos didáticos e craindo cartazes para eventos. Estava sempre disponível para trabalhar na escola” recorda-se. Em um projeto “Murilo Mendes e seus amigos”, segundo Neusa, Arlindo deu uma palestra para os alunos sobre Juan Miró. “Na época, havia uma exposição do artista catalão e levei em excursão a turminha, então já afiadíssima sobre o artista, para visitá-la”, relata Neusa, que tinha com Arlindo uma relação de estreita amizade.

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Canto de OrfeuArte e Literatura

Exibindo obras de Daibert, que integram seu acervo pessoal, a professora Neusa Salim ressalta talento, generosidade e inquietação intelectual como principais características do artista

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Da série GS:V, “Matança dos Cavalos”. n 40. 1984. Grafite, nanquim, lápis de cor, guache sobre papel. 33x36cm

Articulação culturalOutro amigo e professor contemporâneo do então Curso de Ar-

tes, Afonso Rodrigues lembra do upgrade que o curso ganhou com a aquisição de Arlindo como mestre. “Ele era extremamente eru-dito e isso influiu na articulação cultural por meio da confluência de várias áreas de conhecimento, como história, literatura, política. Incentivava os alunos a adotarem uma postura e era um professor interdisciplinar.”

Cristófaro comenta que Arlindo dava oportunidade ao aluno de manifestar seu talento e desenvolvê-lo. ”Ele tinha a capacidade de colocar a pessoa em processo de reflexão.” O curso, que naquele tempo ainda valorizava a arte acadêmica, teve a oportunidade de experimentar o novo. “Ele era autodidata em Artes, havia feito

Letras, também na UFJF. O curso que fez na área de artes foi de gravura na França, onde aprendeu técnica. Por isso não tinha ex-periência metodológica. Sua prática em sala de aula era apostar no aluno e alimentar com referências contemporâneas. Modelo vivo, por exemplo, era quase um pretexto para ele falar da atualidade. Suas aulas transcendiam a obrigatoriedade do desenho formal do corpo humano.”

O diferencial de Arlindo, na visão de Valéria Faria, está em sua

arte. “Pode-se estudar arte com quem sabe a respeito. Mas estudar com quem sabe e faz arte é infinitamente melhor. Acho que herdei de Arlindo o desejo de ser absolutamente sincera comigo mesma.”

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Canto de OrfeuArte e Literatura

Imagem de 1982 de autoria do artista César Brandão, retrata Arlindo Daibert e Afonso Rodrigues em confraternização com o fazer artístico.

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Arlindo Daibert era um artista que pos-suía imensa articulação entre sua produção visual e o discurso, que sustentava o que fa-zia: ouvi-lo era uma experiência intelectual gratificante, dado o grau de argumentações sólidas que usava quando explanava sobre o seu fazer artístico e do fazer da arte como um todo. Esse conhecimento era comparti-lhado por ele em momentos de conversas particulares, entrevistas ou palestras pú-blicas, em que era nítido que quem falava era o artista-professor, aquele que professa algo sobre seu trabalho.

Em uma dada oportunidade, fui jun-to com Arlindo desenvolver um trabalho em uma cidade do interior de São Paulo, onde havia um ateliê aberto para que os artistas locais pudessem recorrer, quando quisessem, a uma interlocução teórica ou a um apoio técnico para aplicarem em suas obras. Foi nessa experiência que vi o lado professor que Daibert tinha, ou seja, um provedor de conhecimentos artísticos for-malmente transmitidos por alguém cons-ciente do seu papel de educador. A partir

daí, foi inevitável que eu – e um bom grupo de amigos – insistíssemos que ele optasse pela carreira de magistério, dada a sua per-formance didática, apelo ao qual ele cedeu ao fazer concurso público e ingressar no quadro de docentes do Departamento de Artes da UFJF.

Durante sua curta trajetória na função de professor, Daibert potencializou de modo exemplar a transmissão do seu gi-gantesco conhecimento, através de uma atuação que mesclava depoimentos for-mais sobre o conteúdo de suas disciplinas, e também fazia interessantes relações de como o fluxo do conhecimento deveria surgir nas obras dos seus alunos. Perce-bia- -se claramente que o artista/professor transformava sua aula num autodepoimen-to, fazendo relações profundas entre a sua biografia e a sua arte, mostrando que cada artista fala de si nas suas obras. Ouso afir-mar que Daibert foi um ino-vador, à sua época, daquilo que viriam a ser os discursos da interdisciplinaridade, fato

hoje indissociável na área do ensino como um todo e da arte em particular.

O imbricamento que fazia entre as di-ferentes áreas do conhecimento humano reforçava seu perfil de estudioso completo, em que nada lhe era desinteressante e tudo parecia assunto para o pensamento da arte. Talvez tenha ficado esta grande contribui-ção de Arlindo para minha vida e para a de muitos de seus alunos: a de que, na totali-dade do conhecimento humano, é possível encontrar as especificidades da arte. E foi como um professor – aquele que professa – que esse artista/educador nos deixou seu legado.

Arlindo Daibert

por Afonso Rodrigues*

Canto de OrfeuArte e Literatura

Autor: *Afonso Rodrigues - Professor do IAD/UFJF e artista visual

Arlindo Daibert, logo na fase inicial de seus trabalhos, chamou muito a atenção por seus desenhos de grande habilidade técnica. Mas ele desenvolveu uma produção bastante ex-

tensa, que foi muito além desses desenhos, passando por períodos bastante diversos e recorrendo a variados procedimentos e técnicas. Um dos melhores exemplos disso é o conjunto de trabalhos feitos a partir do romance “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa. Aí re-correu ao desenho, à colagem, à xilogravura, incorporando também, em conexão com o livro, muitos elementos, por exemplo, da cultura brasileira. Nesse contexto, é bom lembrar ainda os textos críticos de Ar-lindo Daibert, que estão reunidos no livro “Cadernos de escritos”. São textos sobre o trabalho de outros artistas e também sobre seu próprio trabalho, e que muitas vezes entram pelo campo da literatura.

Refiro esses dados porque me parece que podem ajudar a situ-ar um trabalho como o desenho que é aqui apresentado e que é um bom exemplo tanto do excepcional desenhista, quanto das relações artísticas e culturais presentes na produção de Arlindo Daibert. Foram numerosos seus trabalhos a partir de obras dos grandes artistas, sem-pre numa perspectiva crítica, ou seja, com a clara intenção de discutir procedimentos artísticos e questionar aspectos mais amplos, como a percepção e a leitura das obras de arte, além do próprio sistema das

artes. Partindo da imagem de um dos rostos mais célebres da história da arte, este trabalho de certo modo desfaz em desenho a pintura ori-ginal – primeiro, expondo lado a lado como que duas versões, o que estabelece uma espécie de pequena narrativa de interferências, como a destruição violenta do famoso sorriso. A ironia do diálogo evidente-mente só alcança sua eficácia porque se faz com a conhecida imagem (e não com qualquer outra), em cuja apropriação se dá uma discussão crítica sobre a própria história da arte. Como amostra de alguns aspec-tos do trabalho de Arlindo Daibert, este desenho é assim também uma excelente oportunidade, uma sugestão mesmo, para que se procure conhecer melhor sua obra.

por Júlio Castañon Guimarães*

Canto de OrfeuArte e Literatura

AutorJúlio Castañon Guimarãres, pós-doutor pelo IEB/USP e pelo Centre d’Etudes de l’Ecriture et de l’Image/Université Paris 7, é pesquisador apo-sentado da Fundação Casa de Rui Barbosa