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AVALIAÇÃO PRELIMINAR DE CASOS DE INTOXICAÇÃO HUMANA REGISTRADOS EM HOSPITAIS DE SÃO LUÍS-MA Saulo Rios Mariz+ Djanira Maria Barbosa Lima" * Marcelo Fabiano Abreu Rabêlo** Omar Khayyam Duarte do Nascimento Moraes*** Luiz Mário da Silva Silveira**** RESUMO Estudos epiderniológicos sobre casos de intoxicação fornecem dados úteis no direcionamento de programas de prevenção e controle de intoxicações. Este estudo apresenta 502 casos de intoxicação humana registrados em hospitais públicos e privados de São Luís-MA, no período de 1996 a 2000. Os principais aspectos analisados são: grupos de substâncias causadores de intoxicação, faixa etária mais acometida, origem e evolução dos casos, entre outras particularidades. Os dados apresentados permitiram constatar que o sistema de registro de intoxicações em São Luís-MA, é deficiente e carece urgentemente de ampla reformulação. Palavras-chave: casos de intoxicação; substâncias tóxicas; toxicologia. ABSTRACT Epiderniological studies of intoxication cases provi de important information that is usefull for intoxication prevention and control programs. This study is based on 502 cases of human intoxication that were recorded in public and private hospitals in São Luís, MA, from 1996 to 2000. The following analysis was conducted: the most frequent causes of intoxication, the relationship between age and intoxication, the origin and development of intoxication cases and other causal relationships regarding intoxication. The quality of the data presented to us lends to the conclusion that records systems of intoxication cases at hospitais in São Luís, MA are deficient and need to be improved. Key words: intoxication cases; toxic substances ; toxicology. "Professor Assistente do Departamento de Farmácia - UFMA. Mestre em Toxicologia - USP. **Graduados em Farmácia-Bioquímica - UFMA ***Especialista em Saúde Pública - UNAERP. Conselheiro do Conselho Regional de Farmácia - MA ****Professor Assistente do Departamento de Farmácia - UFMA. Mestre em Química Analítica - UFMA 18 Cad. Pesq., São Luís, v. 12, n. 1/2, p. 18-27, jan.rdez. 2001.

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AVALIAÇÃO PRELIMINAR DE CASOS DE INTOXICAÇÃOHUMANA REGISTRADOS EM HOSPITAIS DE SÃO LUÍS-MA

Saulo Rios Mariz+Djanira Maria Barbosa Lima" *

Marcelo Fabiano Abreu Rabêlo**Omar Khayyam Duarte do Nascimento Moraes***

Luiz Mário da Silva Silveira****

RESUMO

Estudos epiderniológicos sobre casos de intoxicação fornecem dadosúteis no direcionamento de programas de prevenção e controle deintoxicações. Este estudo apresenta 502 casos de intoxicação humanaregistrados em hospitais públicos e privados de São Luís-MA, noperíodo de 1996 a 2000. Os principais aspectos analisados são: gruposde substâncias causadores de intoxicação, faixa etária mais acometida,origem e evolução dos casos, entre outras particularidades. Os dadosapresentados permitiram constatar que o sistema de registro deintoxicações em São Luís-MA, é deficiente e carece urgentemente deampla reformulação.

Palavras-chave: casos de intoxicação; substâncias tóxicas;toxicologia.

ABSTRACT

Epiderniological studies of intoxication cases provi de importantinformation that is usefull for intoxication prevention and controlprograms. This study is based on 502 cases of human intoxicationthat were recorded in public and private hospitals in São Luís, MA,from 1996 to 2000. The following analysis was conducted: the mostfrequent causes of intoxication, the relationship between age andintoxication, the origin and development of intoxication cases andother causal relationships regarding intoxication. The quality of thedata presented to us lends to the conclusion that records systems ofintoxication cases at hospitais in São Luís, MA are deficient and needto be improved.

Key words: intoxication cases; toxic substances ; toxicology.

"Professor Assistente do Departamento de Farmácia - UFMA. Mestre em Toxicologia - USP.**Graduados em Farmácia-Bioquímica - UFMA***Especialista em Saúde Pública - UNAERP. Conselheiro do Conselho Regional de Farmácia - MA****Professor Assistente do Departamento de Farmácia - UFMA. Mestre em Química Analítica -UFMA

18 Cad. Pesq., São Luís, v. 12, n. 1/2, p. 18-27, jan.rdez. 2001.

1 INTRODUÇÃOA intoxicação é um fenômeno bio-

lógico resultante da interação de umasubstância química de estrutura defini-da, chamada agente tóxico, com um or-ganismo vivo causando distúrbios àsaúde deste (EATON e KLASSEN,1996, p.13; DIAS e ARAÚJO, 1997,p.17; OGA e SIQUElRA, 1996, p.5).

Dados estatísticos mostram queenquanto outras causas de morbidadee mortalidade tiveram sua importânciareduzida nos últimos anos em nosso país,os toxicantes causam cada vez maisagravos à saúde. Em 1985 foramregistrados 27.324 casos de intoxica-ção no Brasil, e em 1999: 66.584(BORTOLETTO et aI., 1996, p.3;FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ,2001).

Uma provável explicação paraeste fato, além do crescimentopopulacional, seria o constante aumen-to do número de substâncias químicaslançadas no mercado com as mais di-versas finalidades e nem sempre sub-metidas a uma avaliação toxicológicaadequada. Segundo Rahde (1994,p.708), cerca de 100.000 novas subs-tâncias são sintetizadas a cada ano.

Neste contexto, pode-se conside-rar as intoxicações como um grave pro-blema de saúde pública merecedor deações preventivas específicas. Assim,pesquisas visando conhecer o perfilepidemiológico destes eventos são deextrema importância por forneceremdados que, se utilizados adequadamen-te, poderão contribuir com ações pre-ventivas educacionais e/ou regulatórias,além de orientar medidas de fiscaliza-

ção e controle, otirnizando a aplicaçãode recursos públicos e racionalizandopolíticas de promoção da saúde.

O presente trabalho objetiva con-tribuir com o conhecimento da proble-mática das intoxicações humanas nacidade de São Luís-MA, mediante aanálise das principais características decasos recentemente registrados porhospitais da rede pública e privada des-ta cidade. Este propósito cresce emrelevância diante da ausência quase quecompleta de dados sobre o assunto eda possibilidade de gerar subsídios paraa ativação do centro de informaçãotoxicológica de São Luís, premissa bá-sica para implementação de uma pro-grama eficaz de prevenção e controlede intoxicações.

2 METODOLOGIA

Os dados foram coletados em hos-pitais da rede pública e privada de SãoLuís-MA que, no período da coleta,apresentaram algum tipo de registro decasos de intoxicação. Os hospitais darede pública foram: Hospital Universi-tário Materno Infantil (RUMI); Hospi-tal Tarquínio Lopes Filho (HG) eHospital Municipal Djalma Marques(HMDM). Os hospitais da rede priva-da foram: Hospital São Domingos(HSD), Hospital Centro Médico(HeM) e Hospital Aliança, do Mara-nhão (RAM).

Nos hospitais públicos estavamdisponíveis dados referentes aos anosde 1997 e 1998 e, nos hospitais priva-dos, relativos ao período do segundo se-mestre de 1996 ao primeiro semestrede 2000.

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A obtenção das informações sedeu mediante consulta aos serviços dearquivos e estatísticas dos hospitais, bemcomo aos prontuários médicos e livrosde controle de pacientes.

Dentre as variáveis analisadasdestacam-se: causa e agente tóxico,ano de ocorrência e hospital que pres-tou atendimento, sexo e faixa etária dospacientes e evolução do caso. As fre-qüências em valores absolutos epercentuais de cada variável são apre-sentadas em tabelas para melhorvisualização dos resultados.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram levantados 502 casos deintoxicação humana, sendo 369 (73,5%)registrados por hospitais públicos e 133(26,5 %) por unidades particulares.

O número de registros de intoxi-cações dos hospitais públicos, quasetrês vezes maior que o dos hospitaisprivados, não pode ser entendido comomelhor qualidade de diagnóstico e re-

gistro, considerando que a demanda nosserviços de urgência da rede pública émaior pois o acesso aos hospitais pri-vados restrito a uma parcela bem me-nor da população por questõeseconômicas.

A unidade pública HMDM, tam-bém conhecida como "Socorrão", foiindiscutivelmente a de maior registro deintoxicações no período, com 68,5% dototal de casos. Diante disso, parece-nosóbvio que qualquer recurso público paramelhoria de programas de atendimentoa intoxicados, deve ser prioritariamentedestinado a esta unidade.

O HSD foi o hospital privado commaior registro de intoxicações. Dos 133casos da rede privada, esta unidaderegistrou 123 (92,5%). Este dado apon-ta para o fato de que a implementaçãode um sistema de registro de intoxica-ções não parece ser algo meramenteligado ao aspecto financeiro, mas aci-ma de tudo, a uma decisão político-ad-ministrativa da instituição.

Tabela 1- Distribuição, por agente tóxico e unidade hospitalar, das intoxicaçõeshumanas registradas por hospitais públicos.

AGENTE- ,.••••k. 312 312 31 27.1 693Medic, s 10 " " 27.1 10,3Al.m 1 3 , 13 39 29' 8.8Dom 10 10 2.7 s 4.' 16 32PQ1 1.' 0.4

MetaIS 0.75 0.2Mantas 0.3 1.' O.,A' 03 02Á1~1 22 0,75 1.8

ÁlcoolO,7!5 02

+Mcdic.

Álcool2.3 O.,

e Peaic,

Medic.0,75 02

+ Pestic.

NO 17 4.' 3 21 42Totaln- 344 " 369 123 133 502

Subtoc.:tl ~ 932 '.7 1.1 100 92.5 4.5 100..12 0.8 26.5 100TOTAL 68.5 42 0.8 73.5 24.5

* Pestic = Pesticidas; Medic = Medicamento; Alim = Alimentos; Dom. = Dornissanitãrios; PQI = ProdutosQuímico-industriais; AP = Animais Peçonhentos; ND = ão Determinado; SBT = Subtotal; TOT = Total

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A Tabela 1 apresenta, distribuídospor agente tóxico e unidade hospitalar,os casos de intoxicação humanaregistrados. De um modo geral ospesticidas foram os grandes causado-res de intoxicação no período avaliado,com 69,3% dos casos registrados, se-guidos por medicamentos (10,3%), ali-mentos (8,8%) e "não determinado"(4,2%). Um resultado diferente da gran-de maioria dos dados disponíveis na li-teratura onde despontam como osprincipais agentes causais de intoxica-ções: os animais peçonhentos(BORTOLETTO et aI., 1996, p.5;BASÍLIO, 1999, p.72) e os medicamen-tos (FUNDAÇÃO OSWALDOCRUZ, 1999; AMARAL, 1996, p.376,RIBEIRO, 1999, p.77).

Este perfil local pode ser em par-te explicado pelas deficiências de diag-nóstico e registro de intoxicações nasunidades hospitalares, fato constatadoquando da coleta dos dados e confir-mado por, entre outros fatores, a abso-luta predominância dos pesticidas bemcomo pelo considerável percentual de"não determinado".

A identificação do toxicante nes-tas unidades se resumia a uma avalia-ção clínica e análise da história dopaciente, inexistindo um diagnósticolaboratorial. A inespecificidade de al-guns quadros clínicos de intoxicaçãobem como a possibilidade de ausênciade historia do caso, por vezes dificultao diagnóstico.

Ainda foi possível constatar que,muitas informações importantes não sãoregistradas mesmo quando disponíveis.

Assim, pode-se questionar se aalta freqüência dos pesticidas reflete a

realidade ou deve-se a uma maior faci-lidade de registrar esse tipo de ocor-rência do que outras de diagnóstico maiscomplexo.

Outro argumento neste sentido, éque considerando-se apenas os casosregistrados por hospitais privados, per-cebe-se igualdade bem maior entre ostrês principais causadores de intoxica-ção: alimentos (29,3%), medicamentos(27,8%) e pesticidas (27%). Emboraentre os hospitais privados exista umpercentual semelhante de casos comagente causal "não determinado" e tam-bém tenha sido constatada ausência dediagnóstico laboratorial de intoxicações,há que se acreditar que tais unidades,por disporem de mais recursos, teriammelhores condições diagnósticas.

De qualquer modo, esse grandenúmero de intoxicações por pesticidas,se deve, segundo informações dos pro-fissionais atuantes nestes hospitais, aouso do raticida popularmente conheci-do como "chumbinho", em cuja com-posição química encontra-se oinseticida nitrogenado aldicarb, inibidorda enzima acetilcolinesterase e causa-dor de crise colinérgica (LIMA et aI.,1999, p.31; RODRIGUES et aI., 1999,p.30).

Neste sentido, urge que autorida-des de vigilância sanitária intensifiquema fiscalização e controle da venda des-te produto em nossa cidade como umaforma de reduzir o número de casos deintoxicação.

Outro fato importante a ressaltaré o registro de alimentos como causa-dores de intoxicação, embora, como noestudo de Magalhães (1997, p.135), nãoestejam em grande proporção.

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Na verdade, tais casos são carac-terísticos de infecção intestinal origina-da por alimentos com contaminaçãobacteriana. Portanto, segundo os atuaisconceitos da toxicologia, seria mais apro-priado classificá-los como intoxinaçõese não intoxicações COGAe SIQUEIRA,1996, p.5). Contudo, este grupo continu-ará sendo citado em função da sua pre-sença nos registros consultados.

A prevalência de casos no sexofeminino foi maior que no sexo mascu-lino tanto nos registros da rede públicaquanto nos da rede privada, fato já es-perado em função das característicasda nossa população. Não foi observa-da nenhuma influência do sexo na pre-dominância de um ou outro agentecausal de intoxicação

A Tabela 2 apresenta os casos de

Tabela 2 - Distribuição dos casos de intoxicação registrados por hospitaispúblicos (U) e privados (I) por agente causal e faixa etária

FAIXA ETÁRIA (anos completos)

I I I I ISUBTOTAL

AGENTE' 01·09 10·19 20·39 40·59 >60 Ignorado

U I I I u I I I u I I I u I I I u I I I u I r u I I

Pestic,Medic.Alim.

Dom.

PQI

Metais

Plantas

P.Álcool.

A+M

A+ P.

M+P

NO.

S n°

BT %

T n"O

T %

25 611

3

J

82

2

I

IO 160 13

7 I 14

I 12

2 2

2

I

29 312

15

510

36

37

39

6

2

I

2

2

2

2

I

310

11

10

3

2 I 2 2 I I I I 9 17 4

36 28 89 23 170 46 34 13 6 15 34 369 133

9.8 21 24.1 17.3 46.1 34.6 9,2 9,8 1,6 11,3 9.2 100 100

64 112 216 47 21 42 502

12,7 22,3 43 9,4 4,2 8,4 100

intoxicação distribuídos por agente tó-xico e faixa etária do intoxicado.

De um modo geral, a faixa etáriade 20 a 39 anos foi a mais acometidacom 43 % dos casos, seguida dos indi-víduos entre 10 a 19 anos com 22%dos casos. Esse dado é importante, poismostra que, na grande maioria, os into-

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A + M = Associação de álcool com medicamentos ; A + P = Associação de álcool com pesticidas; M +P = Associação de medicamentos com pesticidas.

xicados foram indivíduos jovens em ple-no gozo da fase produtiva de suas vi-das, ou no período em que sepreparavam para isso.

Considerando-se apenas os casosda rede pública percebe-se que estefato é mais marcante (20-39 anos =46,1 %; 10-19 anos = 24,1 %).

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Quanto aos principais agentescausadores de intoxicação em cada umdestes grupos etários, segue-se o perfilgeral.

Contudo, entre os registros priva-dos de intoxicação, o destaque é parauma alta proporção de casos na faixaetária de 01 a 09 anos (21,8%), com-preendendo os primeiros anos de vidae a "fase oral"da criança. Este fato éprovavelmente explicado pela maiorvariedade de produtos químicos ao al-cance de crianças nos lares das clas-ses média e alta, como medicamentos,

que se considerarmos apenas esta fai-xa etária, foram os grandes causado-res de intoxicações com 11 dos 28 casosdos hospitais privados, panorama dife-rente dos casos com a mesma faixaetária na rede pública.

Quanto à evolução, dos 133 ca-sos de intoxicação registrados por hos-pitais da rede privada, todos evoluírampara a cura, fato completamente dife-rente dos casos da rede pública

A Tabela 3 mostra a distribuiçãodos agentes causais de acordo comevolução dos casos de intoxicação

Tabela 3 - Distribuição dos casos de intoxicação humana registrados em hospitaispúblicos, por agente causal e evolução clínica.

AGENTE EVOLUÇÃO TOTAL

CURA I ÓBITO I IGNORADA InO % nO % nO % nO %

Pesticidas 225 72,1 21 6,7 66 21,2 3J2 84,6

Medicamentos 4 26,7 6,6 10 66,7 15 4Domissanitários 8 80 2 20 10 2,7

Álcool 5 62,5 2 25 12.5 8 2,2Alimentos 2 ·W 3 fiO 5 1,3

Animais Peçonhentos I IDO I 0,3

Plantas I 100 I 0,3

Não determinado 6 35,3 2 11,7 9 53 17 4,6

N° 252 26 91 369

Total % 68,3 7 24,7 100

registrados por hospitais públicos.No contexto geral, percebe-se que

68,3% dos casos evoluíram para cura.Esse dado poderia inicialmente nos fa-zer crer em um bom sistema de atendi-mento a intoxicados em São Luís.

Contudo, Bortoletto et alo (1996,p.9) em levantamento nacional sobrecasos de intoxicação relatam índices de

letalidade de apenas 0,85%, deixandoclaro que as intoxicações são fenôme-nos pouco expressivos como "causamortis", sendo mais significativos emtermos de morbidade, o que reafirma aimportância de medidas preventivas.Desse modo, a letalidade geral de 7,0% apresentada na Tabela 3, pode serconsiderada muito alta e estar indican-

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do possivelmente graves deficiências noatendimento a intoxicados em nossacidade ou então, ser apenas fruto dadeficiência do sistema de registro, jáconstatada, haja visto que é sempremais provável registrar uma intoxica-ção que evolui para óbito, pois esteevento é de notificação compulsória.

Outro grave problema fruto de umregistro deficiente é quanto à análisedos agentes com maior letalidade. Aoanalisar-se a Tabela 3, concluiremos queos produtos mais letais são as bebidasalcoólicas (25%), fato que não é con-firmado pelos dados da literatura, ondeos pesticidas e raticidas se destacamcomo causadores de óbito(BORTOLETTO et al, 1996, p.9).

Entretanto, uma evidencia da Ta-bela 3 é coerente com as estatísticasnacionais. O grupo "não determinado"está sempre com uma das maioresletalidades, Bortoletto et alo(1996, p.9)

apresentam este grupo como o de se-gunda maior letalidade, o mesmo ob-servado neste estudo, guardando-se asdevidas proporções. Ou sej a, grandeparte dos agentes intoxicantes não di-agnosticados, mesmo onde há um me-lhor serviço de atendimento, são gravesagressores à saúde humana e urge quese desenvolva meios para incrementaro diagnóstico clínico e laboratorial deintoxicações como forma de reduçãode mortalidade.

Uma outra informação de extre-ma importância para a elaboração demedidas preventivas é com relação àcausa determinante da intoxicação.

A Tabela 4 relaciona os casos deintoxicação registrados pelos hospitaisda rede privada de São Luís, quanto aoagente tóxico e a origem do evento.

A grande maioria das intoxicaçõesforam acidentais (47,4%) seguidos pelatentativa de suicídio com 17,3% dos

Tabela 4 - Distribuição dos casos de intoxicação humana registrados em hospitaisprivados, por agente tóxico e causa determinante.

AGENTE CAUSA TOTAL

Acidente I Suicídio I Profis- I Outras I Ignorada N° I %sional

Medicamento 10 14 3 10 37 27,8

Pesticida 8 6 22 36 27,1

Alimentar 38 39 29,3

Metais 1 0,75P. Q.1. 1 2 1,5

Domissanitário 4 2 6 4,5

Planta 2 2 t,5

Álcool 1 0,75

A+M 1 0,75

M+ P 1 0,75

A+P 2 3 2,3

Não determinado 4 4 3

N° 63 23 5 41 133TOTAL

% 47,4 17,3 0,7 3,8 30,8 100

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casos. Dados semelhantes aos nacio-nais, onde 65,49% das intoxicações fo-ram acidentais e 15,13% foram suicidas(BORTOLETTO et al., 1996, p.6).

Estes números, ao informaremque na grande maioria dos casos o in-toxicado não pretendia ter com a subs-tância química uma relação de prejuízosà sua saúde, ressaltam a importânciado fornecimento de informações à co-munidade sobre o uso e armazenamentocorreto das mais diversas categorias desubstâncias químicas.

Em São Luís, no período estuda-do, merecem destaque entre as intoxi-cações acidentais, os episódios deintoxinações alimentares, com mais de60% destes casos.

O principal agente tóxico usadopor suicidas foi do grupo de medica-mentos com 60,8% dos casos, dado se-melhante ao relatado por Conceição etal. (1998, p.70), o que ressalta a neces-sidade de um maior rigor na comercia-lização de produtos farmacêuticos emnossa cidade.

Novamente a ineficiência do sis-tema de registro é evidenciada, cons-tando-se que mais de 30% dos casosapresentaram causa ignorada. Consi-derando-se apenas os eventos ocasio-nados por pesticidas, 61,1 % não temregistro da causa de intoxicação.

4 CONCLUSÃO

A deficiência do sistema de re-gist:ro e notificação de intoxicações emSão Luís pode ser constatada por di-versos fatores, por exemplo: o não re-gistro de várias informações disponíveis;o fato de não ter havido registro emtodos os anos; predominância absoluta

de pesticidas, fato discordante de esta-tísticas nacionais; alta prevalência dogrupo "não determinado"; altopercentual geral de letalidade; altopercentual de eventos sem causa de-terminada; etc.

Tal situação dificulta o conheci-mento da realidade sobre o perfil epi-demiológico de intoxicações em nossacidade, contudo aponta para alguns da-dos de extrema importância.

O Hospital Municipal DjalmaMarques, face ao seu quantitativo deatendimento nesta área, merece a pri-oridade em caso de investimentos pú-blicos.

Entre os registros de intoxicaçãode hospitais públicos, os principaisagentes foram os pesticidas, seguidosdo grupo "não determinado" e medica-mentos. Nos registros privados perce-be-se uma distribuição maishomogênea destacando-se: alimentos,medicamentos e pesticidas.

Não foi observado predominânciade intoxicação por produtos específi-cos de acordo com o sexo.

A faixa etária mais acometida foia correspondente à fase produtiva doser humano, o que evidencia a impor-tância sócio-econômica do assunto.

A grande maioria dos casos nosregistros públicos, evoluiu para a cura,apesar da freqüência percentual deóbitos ter sido alta, comparando-se aosdados da literatura. O grupó "não de-terminado" é um dos com maior índicede letalidade, o que enfatiza a impor-tância de investimentos urgentes emmelhoria do diagnóstico de intoxicaçõesem nossa cidade, inclusive com a im-plementação de um laboratório de

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toxicologia de urgência e ativação doCentro de Informação Toxicológica(CIT).

A grande maioria dos eventos fo-ram acidentais, o que reforça a impor-tância do fornecimento de informaçõessobre o uso correto de substâncias quí-

micas com potencial tóxico.Os medicamentos foram os prin-

cipais agentes usados nas tentativas desuicídio, o que permite concluir sobre anecessidade de promover o uso racio-nal de medicamentos em nossa popu-lação.

REFERÊNCIAS

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