avaliação preliminar das causas de ruptura de uma encosta ... · avaliar o mecanismo de ruptura...

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721 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA Avaliação preliminar das causas de ruptura de uma encosta em Nova Friburgo, RJ de Campos, T. M. P. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Amaral, C. P. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Moncada, M. P. H. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Veloso, R. Q Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Resumo: O presente trabalho apresenta uma síntese de estudos efetuados pela PUC-Rio para avaliar o mecanismo de ruptura de uma encosta em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil. O escorregamento, que provocou a morte de duas pessoas e importantes danos materiais, ocorreu em um perfil de solo residual de gnaisse não saturado. Este deslizamento potencialmente decorreu da redução da sucção como conseqüência da infiltração de águas no talude não saturado. A época do acidente coincide com um período de baixa precipitação e com a ruptura de uma tubulação de água, alguns dias prévios ao movimento. Com o intuito de identificar os fatores condicionantes da instabilidade da encosta, foram executadas investigações de campo, de laboratório e, a partir dos dados destas, análises de fluxo e de estabilidade. Para a modelagem de fluxo utilizou-se um programa que simula o fluxo bidimensional em um meio de saturação variável. Para as análises de estabilidade utilizou-se o programa comercial Slope-W, com os valores de sucção resultantes das analises de fluxo sendo utilizados nas análises de estabilidade. Também foram executadas análises de estabilidade, com o método de talude infinito, para avaliar uma eventual influência de efeitos tridimensionais no escorregamento. Abstract: The paper presents a synthesis of studies performed at PUC-Rio to evaluate the mechanism of failure of a natural slope in Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brazil. The slide provoked the death of two people and important material damages. It happened in a profile of unsaturated gneissic residual soil, with the movement being potentially caused by the reduction of suction due to water infiltration in the slope. The natural slope failure occurred in a period of low precipitation, a few days after the rupture of a water pipe buried in its top portion. In an attempt to understand the

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721IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

Avaliação preliminar das causas de ruptura de umaencosta em Nova Friburgo, RJ

de Campos, T. M. P.Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Amaral, C. P.Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Moncada, M. P. H.Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Veloso, R. QPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Resumo: O presente trabalho apresenta uma síntese de estudos efetuados pela PUC-Rio paraavaliar o mecanismo de ruptura de uma encosta em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil. Oescorregamento, que provocou a morte de duas pessoas e importantes danos materiais, ocorreuem um perfil de solo residual de gnaisse não saturado. Este deslizamento potencialmente decorreuda redução da sucção como conseqüência da infiltração de águas no talude não saturado. A épocado acidente coincide com um período de baixa precipitação e com a ruptura de uma tubulação deágua, alguns dias prévios ao movimento. Com o intuito de identificar os fatores condicionantes dainstabilidade da encosta, foram executadas investigações de campo, de laboratório e, a partir dosdados destas, análises de fluxo e de estabilidade. Para a modelagem de fluxo utilizou-se um programaque simula o fluxo bidimensional em um meio de saturação variável. Para as análises de estabilidadeutilizou-se o programa comercial Slope-W, com os valores de sucção resultantes das analises defluxo sendo utilizados nas análises de estabilidade. Também foram executadas análises deestabilidade, com o método de talude infinito, para avaliar uma eventual influência de efeitostridimensionais no escorregamento.

Abstract: The paper presents a synthesis of studies performed at PUC-Rio to evaluate themechanism of failure of a natural slope in Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brazil. The slide provokedthe death of two people and important material damages. It happened in a profile of unsaturatedgneissic residual soil, with the movement being potentially caused by the reduction of suction dueto water infiltration in the slope. The natural slope failure occurred in a period of low precipitation,a few days after the rupture of a water pipe buried in its top portion. In an attempt to understand the

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho apresentada os resultados de in-vestigações efetuadas visando avaliar os me-canismos que podem ter ocasionado a rupturade uma encosta localizada no bairro de JardimCalifórnia em Nova Friburgo, RJ. Tais investi-gações compreenderam:

a) Visitas de campob) Execução de investigações de campoc) Execução de investigações de labora-

tóriod) Execução de análises de fluxoe) Execução de análises de estabilidade

A seguir serão descritos os pontos maisimportantes destas investigações e sua relevân-cia e utilização nas análises das causas da rup-tura.

1.1 Caracterização do problema

No inicio da manhã do dia 12/04/2004, ocorreuum deslizamento de solo em uma encosta loca-lizada entre as ruas Araripina e Pesqueira, noLoteamento Canto do Riacho, bairro JardimCalifórnia, Município de Nova Friburgo. Estedeslizamento provocou a morte de duas pesso-as, a destruição total da casa nº 28, e a destrui-ção parcial da do lote 27.

1.2 Aspectos gerais da área e do local do aci-dente

A partir de visitas de campo efetuadas em ju-nho/julho de 2004, foram coletadas informações

mechanisms that caused failure, field and laboratory investigations were carried out and stabilityand flow analyses were performed. Flow analyses were carried out using a 2D finite elementsaturated-unsaturated flow programme. Pore pressures resulting from the flow analysis were usedto perform 2D stability analyses considering different scenarios. Such analyses were carried outusing the commercial program Slope-W. Further analyses were also performed using the infiniteslope method in order to have an assessment of 3D effects on the slope failure.

junto a moradores da área e do local do aciden-te que permitiram caracterizar a área afetada peloescorregamento.

1.2.1 Área do Loteamento Canto do Riacho

Trata-se de uma área de relevo ondulado, ca-racterizado pela presença de encostas plano-convexas, com inclinação natural variando de35º a 50º, expondo vegetação rasteira e espéci-es arbóreas. As encostas são constituídas porperfis de intemperismo medianamente desen-volvidos, com solos residuais aparentementemaduros de 2 a 3m de espessura, e rarosafloramentos de rocha alterada e/ou sã. As ruasna área foram implantadas acompanhado as li-nhas de nível, gerando cortes de até 4 m dealtura, com drenagem superficial ineficiente. Ascasas foram construídas, em geral, junto às tes-tadas das vias, por vezes exigindo também aescavação de taludes pretensiosos, de 3m a 4mde altura e inclinação de 90º, aos fundos.

1.2.2 Área do Deslizamento Pós-Ruptura

A área do deslizamento, mostrada na Figura 1, éum trecho de encosta entre as ruas Araripina(cota aproximada de 880m) e Pesqueira (cotaaproximada de 860m), com comprimento de 25me largura máxima de 15m, na crista da qual, juntoà rua Araripina, encontram-se uma boca de lobopara drenagem pluvial e a ligação da rede públi-ca d’água com um tubo de PVC de 22mm dediâmetro. Na frente do terreno, separadas darua Pesqueira por um muro de blocos de con-

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creto parcialmente destruído de cerca de 2,5mde altura, encontram-se as ruínas da casa dolote 28, totalmente destruída, e da casa do lote27, parcialmente destruída. Atrás das ruínas dascasas, lateralmente à cicatriz do deslizamento,encontra-se um talude de solo residual de cercade 3m de altura.

Figura 1 – Vista da área do acidente (julho, 2004).

Posteriormente ao escorregamento, o taluderemanescente junto à rua Araripina exibia umaaltura de cerca de 4m na vertical, enquanto ocorte atrás das casas, envolvido em parte nomovimento, exibia uma altura variável de 2 a 3m.Parte das feições ao longo da cicatriz dodeslizamento já havia sido modificada, mas foipossível reconhecer nos taludes expostos a ocor-rência de um perfil de solo residual de rochametamórfica (biotita-gnaisse), com horizontessaprolítico e maduro (parcialmente orgânico).Capeando este último, em transição abrupta, apa-rece uma camada de aterro/entulho. Não foramnotadas feições anisotrópicas marcantes no soloresidual, apenas uma foliação incipiente.

As Figuras 2 e 3 revelam o tipo de comporta-mento do solo residual na área do deslizamento.Nos taludes de corte verticais mais recentes, comcerca de 5m de altura, à direita da casa do lote 28(olhando de frente), o horizonte de solosaprolítico, de cor branca, com textura arenosa, émuito susceptível a erosão, apresentando gran-des sulcos por ação de erosão pluvial. O solo

maduro, menos espesso, de cor vermelha e tex-tura areno-argilosa, não apresenta sinais de ero-são. Já nos taludes de corte mais antigos, esca-vados para a implantação das vias, em que apa-rece sozinho, tal como à esquerda da casa dolote 28, há feições de escorregamentos superfi-ciais afetando o solo saprolítico. Quanto ao solomaduro, nos taludes de corte em que aparecesozinho mesmo com alturas de cerca de 3m, nãohá feições de escorregamentos, apenas trincasjunto á crista.

Figura 2 - Detalhe do material na superfície de

deslizamento

A partir de dados coletados junto aos mora-dores, foi possível ter-se uma idéia da topografiaoriginal da encosta, ou seja, antes da ruptura.Todas as informações indicaram que o taludeescavado atrás das casas, parcialmente rompi-do, tinha a mesma altura dos trechos remanes-centes adjacentes à cicatriz do deslizamento. Asinformações indicaram também que à montantedeste talude, até a rua Araripina, a encosta pros-seguia plana, com algumas irregularidades noterreno, mas sem nenhuma evidência de sulcoou depressão que indicasse concentração de flu-xo superficial. Outro aspecto importante quantoàs condições pré-ruptura é a característica domuro, também destruído parcialmente com odeslizamento. Trata-se de um muro divisório semdrenagem, apoiado diretamente sobre o solo re-sidual. Sua altura em relação à rua Pesqueira éde cerca de 2,5m.

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Figura 3 - Foliação preservada no solo saprolítico

1.2.3 Deslizamento e Fatores Relevantes

De acordo com informações coletadas junto aosmoradores do local, o deslizamento envolveudois movimentos, ocorridos em instantes dis-tintos. O primeiro, catastrófico, compreendeu otalude escavado (com cerca de 3m de altura)existente à montante das casas dos lotes 28 e27, tendo mobilizado um volume de cerca de80m3 de solo situado aproximadamente entre ascotas 875m e 865m. O mesmo foi responsávelpela destruição da casa 28 e grande parte dacasa 27 e provocou o tombamento do muro di-visório entre a Rua Pesqueira e as residências.Observações do local após o deslizamento su-gerem que este movimento foi do tipo raso (en-volvendo profundidades da ordem de 1 a 2m),com a superfície de ruptura ocorrendo na tran-sição do solo maduro/aterro para o solosaprolítico, numa forma essencialmente planar.Um segundo movimento aconteceu cerca deuma hora após o primeiro. Ele afetou o talude àjusante da rua Pesqueira, tendo mobilizado umvolume de cerca de 25m3 e grande parte do ma-terial escorregado anteriormente. Estendeu-sepor cerca de 40m, gerando danos para as casasda rua Caruaru, à jusante do deslizamento inici-al. Este segundo movimento aparentemente não

envolveu superfície de ruptura definida, poden-do ser caracterizado como uma decorrência deprocessos de subsidência/corrida associadosao material previamente movimentado.

Nenhuma evidência de existência de fontesnaturais de água, intermitentes ou não, foi ob-servada no local, sendo que o curso de águamais próximo ocorre à cerca de 60 m abaixo dabase do movimento. Tais aspectos indicam queo nível d’água no local, se existente, deve sermuito baixo, com movimento de massa tendo,essencialmente, envolvido um perfil de solo re-sidual não saturado. Por outro lado, relatos demoradores, recortes de jornais e informaçõesda Defesa Civil indicaram a existência de umatubulação de água na crista do talude, que per-maneceu rompida por no mínimo três dias antesdo acidente, esguichando água até cerca de 6mde altura. Além disto, informações dos morado-res indicam que, na parte média à alta do taluderompido, encontrava-se posicionada pelo me-nos uma caixa de água, com capacidades decerca de 500L. Nas visitas efetuadas verificou-se a existência de um pequeno platô, localizadoà direita da cicatriz do movimento, onde tal cai-xa poderia ter estado. Não há evidências, entre-tanto, de que a mesma tenha tido algum papelrelevante no primeiro escorregamento.

Com base nas informações acima fica apa-rente que o movimento de massa a ser entendi-do foi o que aconteceu primeiro. O mesmo ocor-reu em um perfil de solo residual não saturado,com o movimento tendo sido potencialmentecausado por aumento de poro-pressões em vir-tude de infiltração de águas na encosta.

2 INVESTIGACOES DE CAMPO ELABORATÓRIO

2.1 Investigações de Campo

As investigações de campo compreenderam umlevantamento plano-altimétrico detalhado da

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área do escorregamento e de seu entorno, aexecução de sondagens à percussão, a execu-ção de ensaios de permeabilidade visando adeterminação da condutividade hidráulicasaturada-não saturada dos diferentes materi-ais existentes no local, e a retirada de amostrasindeformadas e amolgadas de materiais repre-sentativos do perfil de solo envolvido no mo-vimento.

O levantamento plani-altimétrico compre-endeu a determinação de curvas de níveis demetro em metro e a definição de duas secçõestopográficas, uma passando peloescorregamento (seção 1) e, outra, por área nãomovimentada (seção 2). As Figuras 4 e 5 mos-tram a seção 2 e a planta topográfica. A Figura4 sugere que a inclinação do talude naturalpré-existente no local é elevada, da ordem de35º. Nota-se, na Figura 5, o contorno da cica-triz do primeiro movimento, no topo do qualencontra-se locada a tubulação de água rom-pida.

Foram executados quatro furos de sonda-gem à percussão com medida de SPT. Na Figu-ra 4 encontra-se indicada a posição dos furosde sondagem (SP1 a SP4). Conforme mostradona Figura, três dos furos foram efetuados aolongo da cicatriz do primeiro escorregamento,enquanto que, o quarto, o foi em área não afe-tada pelo movimento. Não foi detectado nívelde água nos furos de sondagem executados.

Tomando-se como base as observações decampo e os resultados do levantamento pla-no-altimétrico e das sondagens à percussão,foram definidos os perfis geológicos mostra-dos nas Figuras 6 e 7. Na Figura 6 tem-se umarepresentação do perfil geológico atual, ouseja, correspondente à condição pós-rupturada encosta. A Figura 7 mostra uma recomposi-ção do perfil de solo original, ou seja, antes daocorrência do acidente. Ambos os perfis fo-ram traçados considerando a seção CC’indicada na Figura 5.

Figura 4 – Topografia do local do escorregamento

Figura 5 – Perfil topográfico passando por área não

afetada pelo movimento.

Figura 6 – Perfil geológico atual (pós-ruptura)

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Figura 7 – Perfil geológico recomposto (pré-ruptura)

Os ensaios de permeabilidade foram realiza-dos utilizando um permeâmetro tipo Guelph(Campos et al, 1992; Moreira et al, 1997) Foramexecutados ensaios visando à determinação dacondutividade hidráulica dos três materiais iden-tificados no perfil. Os resultados obtidos nes-tas investigações encontram-se resumidos naTabela 1.

Tabela 1 – Resultados dos ensaios de condutivi-dade hidráulica executados no campo.

ksat

= permeabilidade saturada.

Chama a atenção, na Tabela 1, a ocorrênciade um valor de permeabilidade saturada no solomaduro, em torno da profundidade de 0,40m,cerca de duas ordens de magnitude menor quea observada no solo saprolítico subjacente. Dasobservações de campo, é aparente que taldescontinuidade hidráulica ocorre próximo aocontato solo maduro-solo saprolítico.

Amostras indeformadas, do tipo bloco cú-bico com cerca de 250mm de lado, foramcoletadas de cada um dos materiais identifica-dos.

2.2 Investigações de Laboratório

As investigações de laboratório compreende-ram a determinação de teores de umidade deamostras do SP4, ensaios de caracterização, depermeabilidade saturada, de retenção de umi-dade e de cisalhamento direto nos diferentesmateriais identificados no perfil.

2.2.1 Caracterização dos Materiais

As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam dados básicosde classificação geotécnica e índices físicosassociados aos materiais do perfil.

Tabela 2 – Caracterização dos materiais.

Tabela 3 – Granulometria dos materiais

Tabela 4 – Índices físicos.

γt = peso específico total; γ

d = peso específico seco; w

= teor de umidade; e = índice de vazios; S = grau desaturação.

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Com base no Sistema Unificado de Classifi-cação dos Solos (SUCS), o aterro e o solo ma-duro apresentam características similares, sen-do classificados como solos arenosos com fi-nos plásticos (SC). A principal diferença entreos mesmos encontra-se nos teores de finos (fra-ção silte mais argila) e de argila, ligeiramentemaiores no caso do solo maduro que, consis-tentemente, também apresenta uma plasticidademaior que a do aterro. Considerando o índicede atividade de Skempton, ambos os materiaisapresentam baixa atividade. Isto sugere que omineral argílico presente na fração fina dos mes-mos deve ser a caulinita.

O solo saprolítico, de origem gnáissica, com-preende um material essencialmente arenoso,bem graduado, com poucos finos, não plásti-cos. De acordo com o SUCS, é um solo tipo SW.

2.2.2 Permeabilidade Saturada

A permeabilidade saturada dos materiais foideterminada a partir da execução de ensaios,em amostras indeformadas, utilizandopermeâmetros de parede flexível. Os resultadosobtidos são apresentados na Tabela 5.

Tabela 5 – Permeabilidade saturada em labora-tório.

2.2.3 Relação Umidade-Sucção

As curvas de retenção de umidade dos três mate-riais, representadas na Figura 8, foram obtidas uti-lizando a técnica do papel filtro (Marinho, 1994;Vilar & de Campos, 2001). Tais curvas foram obti-

das de acordo com de Campos et al. (1992), ouseja, umedecendo ou secando os corpos de pro-va a partir da umidade natural dos mesmos. Ascurvas encontram-se plotadas em termos do teorde umidade volumétrico, θ, assumindo que oscorpos de provas utilizados nos ensaios não apre-sentam variações de volume nos processos deumedecimento e secagem impostos.

Figura 8 – Curvas de retenção de umidade

2.2.4 Resistência ao Cisalhamento

As características de resistência dos materiaisforam obtidas a partir da execução de ensaiosde cisalhamento direto em amostras moldadasverticalmente, submersas imediatamente antesda aplicação da tensão normal de adensamento,e cisalhadas sob condições drenadas.

A Figura 9 mostra as envoltórias obtidas.Nota-se, nesta Figura, que os materiais de ater-ro e solo maduro apresentam envoltórias prati-camente coincidentes dentro da gama de ten-sões normais investigada. Os parâmetros deresistência definidos a partir dessas envoltórias,válidos para uma condição próxima da satura-ção, estão resumidos na Tabela 6.

Tabela 6 – Parâmetros de resistência

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3 ANÁLISES DE FLUXO

As análises de fluxo saturado-não saturado fo-ram efetuadas utilizando o programaSWMS_2D, desenvolvido pelo U. S. SalinityLaboratory (Simunek, Vogel e van Genuchten,1994). O programa SWMS_2D é um programade domínio público que simula o fluxobidimensional num meio de saturação variável.O programa resolve numericamente, pelo méto-do dos elementos finitos, a equação de Richardspara o fluxo saturado-não saturado.

3.1 Geometria e malha

A geometria adotada na análise de fluxo foi ob-tida a partir da reconstituição da geometria doperfil local anterior ao acidente, reproduzida naFigura 5. A Figura 10 mostra a malha de elemen-tos finitos utilizada, formada por 14.911 elemen-tos e 7.722 nós. Esta malha foi obtida a partir degeração automática, utilizando pré-processadores desenvolvidos na PUC-Rio,adaptados ao código SWMS_2D.

3.2 Propriedades hidráulicas

As propriedades hidráulicas necessárias para aexecução de uma análise de fluxo não-saturado/saturado compreendem as curvas de retençãode umidade dos materiais envolvidos (curvas

características de sucção) e as respectivas fun-ções de permeabilidade (relação condutividadehidráulica – sucção mátrica para cada material).No programa SWMS_2D, utilizado na análisede fluxo, as propriedades hidráulicas são des-critas pelas equações de van Genuchten(Simunek, Vogel e van Genuchten, 1994), querequerem o conhecimento dos seguintesparâmetros: θ

r = teor de umidade volumétrico

residual; θs = teor de umidade volumétrico cor-

respondente ao valor da sucção mátrica a partirdo qual ocorre entrada de ar no solo saturado;k

s = permeabilidade do solo saturado e n e α =

parâmetros de ajuste.Na Tabela 7 encontram-se resumidos os

parâmetros hidráulicos adotados nas análisesde fluxo. Os valores de permeabilidade saturadaforam definidos a partir dos resultados das in-vestigações de campo de laboratório efetuadas.Os parâmetros θ

r e θ

s, bem como a função de

permeabilidade, foram definidos a partir do ajus-te do modelo de van Genuchten aos pontosdas curvas características de sucção obtidosem laboratório.

Tabela 7 – Parâmetros hidráulicos

Figura 9 – Envoltórias de resistência ao cisalhamentodos materiais do perfil.

Figura 10 – Malha de elementos finitos.

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3.3 Condições de contorno

As condições de contorno impostas na mode-lagem de fluxo estão representadas na Figura11. Estas condições são condição atmosférica(precipitação e evapotranspiração) no talude eimpermeável nos outros contornos relativos àsruas, à base do domínio e aos limites laterais.

Figura 11 – Condições de contorno

A Figura 12 mostra os dados pluviométricosdiários em um período próximo ao dia dodeslizamento. Estes dados foram coletados deduas estações pluviométricas existentes emNova Friburgo. A evaporação potencial foi es-timada em 45,7mm/mês, que corresponde aevapotranspiração potencial média para o mêsde abril, no período de 1961 a 1990.

Figura 12 – Dados pluviométricos

3.4 Condições iniciais

As condições iniciais, em termos de carga hi-dráulica de pressão, no domínio de modelagemsão apresentadas na Tabela 8. Estes valoresforam obtidos através dos valores de teor deumidade das amostras na condição natural. Apartir destes valores de umidade de laboratórioforam definidos os valores de carga de pressãoatravés das curvas características de sucção.

Tabela 8 – Condições iniciais

3.5 Resultados obtidos

Para as análises de fluxo foram consideradasquatro situações diferentes:Caso 1a: sem rompimento da tubulação,Caso 2a: com rompimento da tubulação,Caso 1b: idem Caso 1a, considerando a existên-cia de uma camada mais impermeável no conta-to solo maduro – solo saprolítico,Caso 2b: idem Caso 1b, considerando a existên-cia de uma camada mais impermeável no conta-to solo maduro – solo saprolítico.

Para simular a condição de rompimento datubulação, impôs-se uma carga de pressão nulae constante na posição da tubulação rompida. Acamada mais impermeável no contato solo ma-duro – solo saprolítico tenta representar o con-traste de permeabilidades medido no campo.

Na Figura 13 está plotada a evolução da car-ga hidráulica de pressão com o tempo, em trêspontos locados na superfície de ruptura, paraos quatro casos estudados.

Pode-se observar que a consideração dorompimento da tubulação na análise tem uma

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grande influência nas poro-pressões do ponto1 (região superior do talude). A consideraçãoda existência de um contato mais impermeávelmostra mais influência no ponto 2 (região infe-rior do talude).

Figura 13 – Evolução da carga hidráulica com o tempo

4 ANÁLISES DE ESTABILIDADE

As análises de estabilidade foram efetuadasutilizando o programa SLOPE/W. O programapermite avaliar a estabilidade de encostas emcondições saturadas e não saturadas, com pro-cura automática da superfície de ruptura. Adici-onalmente a estas análises foram feitas tambémanálises tipo talude infinito.

4.1 Condição saturada

A primeira situação analisada foi uma superfí-cie de ruptura pré-definida, coincidente com asuperfície determinada após a ruptura, de acor-do com os dados topográficos. Esta situaçãofoi analisada considerando o solo saturado ecom os parâmetros de resistência efetivos.

Simularam-se varias condições, consideran-do a ruptura como um todo (Figura 14), e a rup-tura da parte superior (Figura 15) que é a condi-ção que se apresenta mais consistente com asobservações de campo. Os fatores de seguran-ça obtidos, em todos os casos, são menoresque a unidade.

Figura 14 – Superfície de ruptura pré-definida –FS:0,803.

Figura 15 – Superfície de ruptura pré-definida – FS:

0,888.

Utilizou-se também a opção de procura au-tomática da superfície critica do programa, aimposição de trincas no topo e limites nas regi-ões de entrada e saída possíveis da superfíciede ruptura. Nestes casos os resultados não fo-ram satisfatórios, i.e. as superfícies fornecidaspelo programa não resultaram coincidentes coma superfície de ruptura real.

4.2 Análises considerando os resultados dasanálises de fluxo

Da Figura 13 nota-se que as situações mais cri-ticas para a estabilidade da encosta são os ca-sos 2a e 2b, onde ocorre uma queda importanteno valor das poro-pressões pela infiltração deágua. Para estes dois casos foram analisadasdiversas situações, considerando superfície deruptura pré-definida, procura automática da

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superfície e procura automática com limites deentrada e saída da superfície de ruptura. Em to-dos as análises utilizou-se os valores de suc-ção resultantes da análise de fluxo nos casos2a e 2b e considerando que φ

b=φ’. Nas Figuras

16 e 17 estão apresentados alguns dos resulta-dos obtidos. Destas figuras pode se observarque o coeficiente de segurança é maior que aunidade e que não apresenta variação com osvalores de sucção impostos nos casos 2a e 2b.De maneira similar ao acontecido com as análi-ses na condição saturada sem geração de poro-pressões, quando se utilizou a opção de procu-ra automática, as superfícies fornecidas peloprograma não resultaram coincidentes com asuperfície de ruptura real.

Figura 16 – Caso 2a – Superfície pré-definida. FS: 5,543.

Figura 17 – Caso 2b – Superfície pré-definida. FS: 5,542.

Na condição de umidade natural, para a su-perfície pré-definida se obteve um coeficientede segurança de 3,665. A procura automática dasuperfície apresenta as mesmas limitações quenos casos já descritos.

4.3 Análises Tipo Talude Infinito

Para as análises tipo talude infinito foi considera-do que a superfície de ruptura coincide com ocontato solo maduro-solo saprolítico. Esta situa-ção foi simulada considerando a condiçãosaturada sem geração de poro-pressões, a condi-ção saturada com formação de nível freático e acondição não saturada. Para todas estas condi-ções foi feita uma análise bi e outra tridimensional.As formulações adotadas para calcular os coefi-cientes de segurança no caso tridimensionalcorrespondem às propostas por Wolle (1988).Também, de acordo com este autor, a sobrecargade vegetação varia na faixa de 0 a 3kPa. Nas aná-lises realizadas foram adotadas sobrecargas de 1e 3 kPa, não se observando nenhuma variaçãosignificativa do fator de segurança em função dovalor de sobrecarga utilizado.

Os parâmetros adotados nas análises estãoresumidos na Tabela 9. Na Tabela 10 estão apre-sentados os resultados obtidos nestas análises.

Tabela 9 – Parâmetros adotados

z= profundidade da sup. de ruptura, L= comprimentoda sup. de ruptura, α= inclinação da sup. de ruptura,∆p= sobrecarga da vegetação.

732 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

Tabela 10 – Fatores de segurança

(*) em relação à superfície de ruptura

5 CONCLUSÕES

Os resultados das análises apresentadas, embo-ra envolvendo algumas hipóteses simplificadorascom relação aos parâmetros dos materiais (φ

b) e

às condições iniciais do terreno (topografia ori-ginal, evapotranspiração), permitem um entendi-mento do mecanismo de instabilização da en-costa, que se dá essencialmente pela infiltraçãode água em meio não saturado. Os resultados dométodo de talude infinito indicam que ainstabilização da encosta pode ter acontecidosob condições tridimensionais, como resultadoda geração de poro-pressões positivas peque-nas no contato solo maduro-solo saprolítico. Aocorrência de uma diminuição nos valores desucção resulta evidente das análises de fluxo etambém destas análises é possível observar queo principal responsável pela queda de sucção éo vazamento da tubulação.

Uma das principais limitações para modelar ofluxo na encosta é a definição das condições ini-cias de umidade e sucção. Nas análises apresen-tadas optou-se pela determinação a partir dascondições de umidade de laboratório. Presente-mente estão sendo modeladas outras situaçõesconsiderando condições iniciais de umidade esucção a partir das condições de campo, e comuma pressão equivalente a uma coluna de águade 4m na tubulação rompida.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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