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CARLO RALPH DE MUSIS AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO ENSINO SUPERIOR: ASPECTOS INSTITUINTES Programa de estudos pós-graduados em educação: Psicologia da educação PUC/SP São Paulo - 2006

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CARLO RALPH DE MUSIS

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO ENSINO SUPERIOR: ASPECTOS INSTITUINTES

Programa de estudos pós-graduados em educação: Psicologia da educação

PUC/SP São Paulo - 2006

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CARLO RALPH DE MUSIS

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO ENSINO SUPERIOR: ASPECTOS INSTITUINTES

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Educação: Psicologia da Educação sob a orientação da Professora Doutora Bernardete Angelina Gatti.

PUC/SP São Paulo - 2006

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Banca Examinadora

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Numquam se plus agere quam nihil com ageret,

nunquam minus solum esse quam cum solus esset.

Catão, segundo Cícero (“República”, I, 17).

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Agradecimentos

Expresso minha gratidão a todos os sujeitos desta pesquisa, pelo voto de confiança

depositado. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),

pelo amparo financeiro. Aos gestores da instituição de ensino superior estudada, por abrir suas

portas a crítica de forma ampla e irrestrita. À professora Bernardete Angelina Gatti, pela

orientação, exemplo e apoio nas horas tristes. À Irene e Helena, funcionárias da PUCSP, pela

amizade e apoio. Aos professores Clarilza Prado de Souza, (Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo), Eugênia Coelho Paredes (Universidade Federal de Mato Grosso), Heraldo

Marelim Viana (Fundação Carlos Chagas), Sandra Maria Zakia Lian Sousa (Universidade de

São Paulo) e Sérgio Francisco Costa (Universidade de São Paulo), pelas contribuições e por

aceitarem fazer parte das bancas examinadoras. Aos amigos que me acompanharam nesse

percurso, Daniela, Danie, Dena, Karina, Marialva, Risomar, Roberta, Romilda, Sandro,

Sumaya e Vanda. À minha família, meu lastro, Adriana, Giulia e Matheus.

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Sumário

1 Introdução _______________________________________________________ 1

2 A dinâmica da avaliação institucional _________________________________ 4

2.1 O julgar_________________________________________________________ 10

2.2 Sensus communis e habitus _________________________________________ 14

3 Avaliação de instituições de ensino superior ___________________________ 18

3.1 A educação ______________________________________________________ 22

3.2 Refletindo sobre avaliação _________________________________________ 30

3.3 Avaliação e transformação _________________________________________ 34

4 Avaliação Institucional como espaço de ação __________________________ 43

4.1 A Avaliação como medida _________________________________________ 47

4.2 A Avaliação como Gestão __________________________________________ 48

4.3 A Avaliação como problemática do sentido ___________________________ 50

5 Estratégia metodológica ___________________________________________ 53

5.1 As categorias empíricas____________________________________________ 56

5.1.1 Docentes ____________________________________________________________ 56

5.1.2 Discentes ___________________________________________________________ 57

5.1.3 Administração________________________________________________________ 57

5.1.4 Arquitetura __________________________________________________________ 58

5.1.5 Contexto socioeconômico_______________________________________________ 58

5.2 A aquisição de dados ______________________________________________ 58

5.2.1 Questionário fechado __________________________________________________ 59

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5.2.2 Entrevistas semi-estruturadas ____________________________________________ 59

5.2.3 Grupos de entrevista coletiva ____________________________________________ 61

5.2.4 Estratégia de amostragem_______________________________________________ 63

5.3 As etapas de coleta de dados ________________________________________ 64

5.4 O processamento dos dados ________________________________________ 65

6 A pesquisa empírica: a avaliação de uma instituição de ensino superior ____ 66

6.1 Notas sobre o locus da pesquisa _____________________________________ 66

6.2 Análise dos resultados da primeira etapa _____________________________ 67

6.2.1 O componente docentes ________________________________________________ 67

6.2.2 O componente discentes ________________________________________________ 77

6.2.3 O componente administração ____________________________________________ 86

6.3 Análise dos resultados da segunda etapa______________________________ 91

6.3.1 Componentes discentes_________________________________________________ 91

6.3.2 Componentes docentes e administrativos__________________________________ 100

6.4 Síntese _________________________________________________________ 120

7 Finalizando, por enquanto... ______________________________________ 128

8 Referências bibliográficas ________________________________________ 131

ANEXO A – Telas e navegação do software Shusaku ______________________ 138

ANEXO B – Análise implicativa e coesitiva ______________________________ 144

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Resumo

Este trabalho pesquisou e refletiu sobre a possibilidade de desenvolver um processo

avaliativo em instituições de ensino superior tendo em vista as significações desenvolvidas

pelas suas populações instituintes. Partiu da compreensão de que a construção deste processo

implica na interpretação de Instituições de Ensino Superior como um complexo

concomitantemente formal, contraditório e dialógico. No plano conceitual, trabalhou o

conceito de juízo e esclarecimento na perspectiva de Immanuel Kant e Hannah Arendt,

seguido das ponderações feitas por Theodor W. Adorno ao imperativo categórico kantiano.

Por fim, utilizou o modelo sociológico desenvolvido por Pierre Bourdieu para apreender o

complexo que os indivíduos estudados utilizam para estruturar suas ações, definiu o fio da

meada desta avaliação e, conforme as especificidades do locus, exigiu o uso de diferentes

instrumentos, no caso, questionários, observação e entrevistas (individuais e em grupo). As

análises de conteúdo feitas tiveram apoio em estatística coesitiva e implicativa,

escalonamento multidimensional e correlação não paramétrica. Desse confronto foi possível

construir o argumento de que a instituição de ensino superior pesquisada possuía uma prática

em que a heteronomia, por um lado, instaura componentes que criam entraves ao processo

educativo e difunde discursos orientados a clichês e, por outro, deixa entrever um complexo

com potencial para conhecimentos e práticas emancipatórias.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Avaliação Institucional. Kant, Immanuel. Homo

Academicus. Estatística Multivariada.

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Abstract

This work researched and reflected about the possibility of developing a process of

evaluation in Higher Education Institutions by the meanings developed by the people who

belong to them. At first, the construction of this process implies in the interpretation of the

Higher Education Institutions as a group that is at the same time formal, contradictory and

dialogic. In the conceptual plan, the concept of judgment and enlightenment was developed in

Immanuel Kant e Hannah Arendt’s perspective, followed by the reflections done by Theodor

W. Adorno to the Kantian categorical imperative. Finally, the sociological model developed

by Pierre Bourdieu was used to understand the complex that the individuals that are being

studied use to structure their actions, defined the line that would be followed in this evaluation

and, according to the specificities of the locus, demanded the use of different instruments, in

this case: questionnaires, observation and interviews (individually and in group). Analyses of

the content based on associated and implicative figure, multidimensional stagger and non

parametric correlation were done. From this comparison a statement was made that the Higher

Education Institution used in the research had a behavior in which the heteronomy, on the one

hand, establishes components that make the educational process more difficult and spreads

discourses guided by the clichés, and on the other hand, shows a complex with potential for

the free knowledge and practices.

KEYWORDS: Education. Institutional evaluation. Kant, Immanuel. Homo Academicus.

Multivariate Statistics.

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Lista de figuras

Figura 1 – Estrutura conceitual do banco de dados do software Shusaku. _____________________________ 61

Figura 2 – Unidade analítica referente a entrevistas, análise de conteúdo e testes de aderência. ____________ 64

Figura 3 – Grafo implicativo, com intensidades de implicações das variáveis temáticas relativas à análise de

conteúdo das entrevistas dos discentes da IES obtidas por telefone.__________________________________ 69

Figura 4 – Árvore implicativa e coesitiva referente às variáveis temáticas relativas ao questionário aplicado aos

discentes da IES. ______________________________________________________________81

Figura 5 – Grafo implicativo combinado a um escalonamento multidimensional (PROXSCAL) de matrizes

referentes ao questionário aplicado aos técnicos da IES. __________________________________________ 88

Figura 6 – Hardware utilizado em conjunto com o Shusaku. ______________________________________ 139

Figura 7 – Tela inicial do Shusaku, com 4 entrevistas de professores. _______________________________ 139

Figura 8 – Formulário inicial do Shusaku. ____________________________________________________ 140

Figura 9 –Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque ao tempo e a síntese. ____ 141

Figura 10 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku relativo a sínteses multivariadas simples.

______________________________________________________________________________________ 141

Figura 11 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque para a categoria temática e a

valoração (emoticons). ___________________________________________________________________ 142

Figura 12 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque para a possibilidade de

inserção de desenhos. ____________________________________________________________________ 142

Figura 13 – Diagrama de Venn correspondente a a⇒b. __________________________________________ 145

Figura 14 – Exemplo de estrutura implicativa. _________________________________________________ 146

Figura 15 – Exemplo de arvore coesitiva. _____________________________________________________ 147

Lista de quadros

Quadro 1 – Softwares utilizados por função. ___________________________________________________ 65

Quadro 2 – Categorias temáticas relativas às entrevistas de professores aplicadas por telefone em 2003. ___ 68

Quadro 3 – Questionário da IES aplicado aos discentes em 2003/2 e 2004/1.__________________________ 79

Quadro 4 – Questionário da IES aplicados à administração em 2004/2.______________________________ 87

Quadro 5 – Síntese dos tópicos mencionados __________________________________________________ 109

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1 Introdução

“Você está pensando em alguma coisa, minha cara, e isso a faz esquecer de falar. Neste instante não posso lhe dizer qual é a moral disso, mas vou lembrar daqui a pouquinho.” “Talvez não tenha nenhuma”, Alice atreveu-se a observar. “Ora criança!” disse a Duquesa. “Tudo tem uma moral, é questão de saber encontrá-la” (CARROLL, 2002, p. 87).

Para compreender as motivações deste trabalho é necessário primeiro entender o

campo ao qual o seu objeto de pesquisa pertence. Do fim da década de 80 até os dias de hoje,

discussões sobre a avaliação institucional ganharam destaque graças às imposições do

Ministério da Educação. Neste contexto, a minha experiência na academia teve uma mescla

de sabores. Tive experiências felizes e decepções, nestas últimas o gosto amargo vinha

sempre com uma nítida sensação de que, embora muito se falasse da importância da educação

para a sociedade, a prática apontava para algo diferente, mais material. Depois, como

estudante de cursos stricto sensu e professor universitário, tomei contato com uma academia

que, com muita freqüência, parecia tomar gosto pela auto-adjetivação: autônoma,

transcendente, mas que, após o desvelamento de umas poucas camadas, parecia-me habitada

por conformismos ainda mais profundos.

Os circuitos de poder que observei e vivenciei eram mantidos por uma lealdade — ou

cumplicidade? — profunda. Os jogos e instâncias de reprodução do corpo docente

enunciavam acordos que muitas vezes não tinham índices morais, apenas comportavam

relatos de experiências com circunstâncias características.

Desse contexto, e a contragosto dele, utilizo os referenciais supracitados com o fim de

desenvolver uma articulação epistemológica que possa ser parâmetro a um processo de

avaliação institucional. Esse constructo foi objetivado num ambiente com muitas

significações para mim — boa parte de minha vida profissional foi dentro de instituições de

ensino superior. A superação desse sentimento de ambivalência foi fundamental para o acesso

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à intimidade de uma academia: conheci todos os indivíduos entrevistados pelos nomes,

observei seus locais de trabalho, visitei algumas residências, vivenciei suas rotinas e me

identifiquei em muitas instâncias com suas maneiras de expor as idéias e encaminhar as ações.

Essa tensão entre contrários, nunca resolvida de forma absoluta em uma síntese,

resultou num esforço em transcender interpretações imediatas. A frieza analítica necessária

exigiu a construção de um referente reflexivo que me permitisse ir além do senso comum.

Para tanto, a estratégia de trabalho utilizada combinou uma atitude eclética e, contudo,

seletiva em evitar os monismos metodológicos — no caso, uma articulação entre a ética

kantiana, conforme a leitura de H. Arendt, e modelos sociológicos desenvolvidos por T. W.

Adorno e P. Bourdieu. Nessa ordem de pensamento, os argumentos foram dispostos da

seguinte forma:

O capítulo 2 destaca o ideal de progresso pela auto-experiência a partir dos conceitos

de juízo e emancipação e, por fim, fundamenta a superação dessa heteronomia como um

discurso dialético negativo.

O terceiro e o quarto capítulos, a partir dos conceitos discutidos nos capítulos iniciais,

focam as especificidades de uma Instituição de Ensino Superior perante os imperativos

decorrentes do ideal avaliativo.

O quinto capítulo propõe, com base nos referentes desenvolvidos, um modelo

empírico calcado no olhar do instituinte.

A exposição da pesquisa empírica e a avaliação de sua experiência como meio

potencializador de processos emancipatórios são efetuadas no sexto capítulo.

Ao fim, no sétimo capítulo, a partir dos elementos trazidos pelos capítulos anteriores,

posiciono-me em termos de ideais e objetivos que transcendem os resultados obtidos na

pesquisa empírica.

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Embora o parágrafo anterior tenha começado com um “ao fim”, e não resistindo a uma

escapadela ao escopo formal da introdução, destaco como fundamento transversal que é

possível concordar a argumentação moral (imperativos categóricos) com a nossa condição

humana (imperativos pragmáticos). Acredito que a construção de processos emancipatórios

pode ser via para pensar, apesar e graças à heteronomia, o mundo como se este pudesse ser

compatível com a noção de bem comum. Com este discurso, machadianamente, num misto de

nuvem com o terceiro andar, este trabalho construiu sua trajetória.

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2 A dinâmica da avaliação institucional

O Unicórnio lançou para Alice um olhar sonhador e disse: “Fale criança.” Alice não conseguiu conter um riso ao começar: “Sabe, sempre pensei que os Unicórnios eram monstros fabulosos também! Nunca vi um vivo antes.” “Bem, agora que nos vimos um ao outro”, disse o Unicórnio, “se acreditar em mim, vou acreditar em você. Feito?” (CARROLL, 2002, p. 220).

Uma das teses básicas de qualquer avaliação institucional é a possibilidade de otimizar

as práticas desenvolvidas. É claro que, dado que tratarei de Instituições que têm por fim a

educação formal, essa proposição tem por parâmetro motivador a função social da avaliação.

Assim sendo, a avaliação de uma instituição de ensino pode ser formalizada como um

processo em que se apreendem e criticam as ações desenvolvidas diante de imperativos

morais.

Em nosso cotidiano, determinar a valia ou o valor de alguma coisa constitui um

processo pelo qual colocamos à prova, contínua e heuristicamente, nossas significações. Esta

reelaboração contínua, conforme Gatti, reporta ao fato de que “[...] avaliamos o tempo todo

para dar continuidade a nossas ações. Avaliamos antes, durante e depois de nossas ações

cotidianas, intuitivamente ou organizadamente, mais ou menos conscientemente”

(GATTI, 2000, p. 93).

Isso posto, como podemos formalizar a dinâmica de um processo avaliativo?

A avaliação de instituições está relacionada à crítica à efetividade das suas ações junto

à sociedade. Estas práticas, enquanto ato em si, revelam as características imanentes de seu

agente e efetivam-se no espaço público por meio da produção de fatos e histórias que podem

ser reificados.

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A avaliação da efetividade de uma instituição — ou seja, a forma com que esta se

afirma na sociedade — exige, por princípio, que os juízos formulados prescrevam ou

recomendem práticas emancipatórias. Os agentes das avaliações institucionais, entretanto, não

necessariamente apreendem-na como um instrumento para o esclarecimento. A natureza

prescritiva do processo, neste caso, tende a estruturar-se a partir de um padrão muito estável

de valores: o sensus communis.

Para o momento utilizo este termo no seu sentido latino: uma faculdade construída

socialmente que permite aos indivíduos estabelecer um contato intuitivo e imediato,

estruturando suas percepções e, conseqüentemente, orientando o espaço de ação.

As prescrições que aderem fortemente ao sensus communis definem avaliações mais

imediatas. Ou melhor, juízos de valor que convergem à constatação de fatos e, não obstante

sua superficialidade, fornecem um semblant de que os conhecimentos originados são

autônomos e imediatos. Apenas por meio das ações derivadas é que o processo avaliativo

“conta o que ele é”.

A despeito de qualquer conteúdo empírico ou material, as prescrições que delimitam

um processo avaliativo podem ser generalizadas como respostas a questões do tipo “Que devo

fazer?” (HARE, 1996). A qualidade dos argumentos construídos depende da capacidade dos

avaliadores em produzir conhecimentos com as seguintes características:

• Formal: os conhecimentos articulam-se por meio de relações generalizáveis entre

termos em um enunciado a despeito de qualquer conteúdo baseado na experiência

e na observação, metódicos ou não.

• Aparente: os conhecimentos produzidos devem expor seus fundamentos.

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• Transcendente: os argumentos devem ultrapassar em abrangência caracterizações

descritivas. Assim sendo, os princípios norteadores de uma avaliação devem

superar suas motivações imanentes — o modo como ordenam, dispõem, e

criticam suas ações —, utilizando-se de imperativos — como o princípio de que a

educação é um instrumento para o bem comum — como orientadores efetivos da

ação.

Domar a vontade por meio da razão significa admitir que as prescrições possuem uma

coerência lógica irresistível. Capaz de elevar o juízo para além do imediato. De fato, as

prescrições para valerem a pena de ter-se em conta devem “[...] ter exatamente por isso um

valor incondicional, incomparável, cuja avaliação, que qualquer ser racional sobre ele faça, só

a palavra respeito pode explicar convenientemente” (KANT, 2000b).

Destarte, dado que as prescrições precisam ser “vistas” para que efetivamente tenham

algum sentido prático, a sua assimilação tem por fundamento seu reconhecimento, e este só

ocorre quando, de alguma forma, ancora-se ao sensus communis. A capacidade deste em

estruturar os consensos tem implícita a construção de conhecimentos com significações que se

coadunem na reprodução de uma estrutura de poder. Esta faculdade, consciente ou não,

efetiva-se em predisposições deliberadas que se articulam num habitus que, conforme

Bourdieu,

[...] tem como objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as disposições dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade (BOURDIEU, 1983a, p. 47).

Em outras palavras, temos o habitus como um sistema dialógico — dado que navega

entre o íntimo e o social — estruturado a partir de um determinado contexto com o fim de

dispor e efetivar ações. A relação direta entre o habitus e as ações nos permite associá-lo a

uma instância estruturada do sensus communis — afinal, o seu encaminhamento à ação deve

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ser o mais imediato possível — com um quantum suficiente de força social que permita o

acesso às lutas pelo poder (BOURDIEU, 2004, p. 28-29).

No espaço de significações do sensus communis, as relações simbólicas e materiais só

ganham sentido dentro de regras onde os agentes são afetados ou talvez domesticados pelo

habitus, a fim de serem aceitos pela illusio imanente às relações de poder. Nessa arena um

processo avaliativo só se efetiva se o sensus communis o apreende como útil, senão sua

rejeição pode associar-se a três situações independentes:

1. condições políticas e materiais impedem a sua efetivação;

2. o consenso presente no sensus communis acerca do que é bom não é verdadeiro;

3. as prescrições não estão suficientemente fundamentadas.

A primeira alternativa reporta a insuficiência de infra-estrutura para a efetivação das

ações prescritas como necessárias e, sendo assim, converge a uma análise dos seguintes itens:

• a autonomia administrativa;

• a autonomia financeira;

• a burocracia institucional;

• a especificidade associada a finalidade da instituição (a educação).

O conhecimento associado a estes itens confronta-se com questões éticas que lhe são

imanentes, principalmente se avaliado na sua aderência, ou não, ao que KANT (2000b)

definiu como imperativo categórico: os indivíduos devem ser tratados com fins em si e nunca

como apenas meios.

A acurácia do processo de aquisição desse conhecimento, contudo, degenera-se

quando os instituintes têm capital simbólico suficiente para esticar intencionalmente a illusio

para o proveito próprio.

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A segunda alternativa, aliada ao utilitarismo restrito, implica necessariamente um

reducionismo intencional que conduz, por princípio, a uma instância do sensus communis que

tem comprometida sua capacidade de orientar o indivíduo na identificação do outro.

Isso posto, podemos desenvolver a seguinte conjectura: um certo grau de alienação

pode ser necessário para “suportar “ a realidade? Em outras palavras, um sensus communis

degenerado pode, contudo, ser um sentido “melhor adaptado”?

Se aceitarmos que a finalidade dos imperativos categóricos é o bem comum, a resposta

será um indubitável não! O preço desse desvio é um provável comprometimento de nossa

condição humana, tornar-nos-íamos coisas.

Buscar uma brecha, por menor que seja, a essa coisificação aponta a responder a uma

conjectura alternativa: é possível ao sensus communis orientar os indivíduos ao

esclarecimento? Esta questão implica conceituar — vide o quarto item do Capítulo 5 — os

termos emancipação e menoridade a fim de fundamentar a crítica ao sensus communis. Nesse

processo, o potencial do modelo avaliativo está diretamente proporcional à capacidade de

entender a lógica oculta na efetivação das ações pelos indivíduos de uma instituição: como

eles explicitam suas escolhas e julgam suas práticas como corretas ou boas.

O locus da avaliação institucional reporta a um referencial privilegiado: as entranhas

da instituição. A capacidade de apercepção1 define a base argumentativa à qual o avaliador, a

partir de uma negação determinada, pode compreender o juízo alheio. Esse movimento de

crítica de significações, que não pertence ao avaliador, dá-se pela mediação entre dois

parâmetros:

• A potência do avaliador em assimilar o sensus communis alheio.

• A correspondência entre as prescrições desenvolvidas e a realidade.

1 O termo “apercepção” será utilizado neste texto sempre no sentido — atribuido pela primeira vez por Leibniz — de consciência de suas percepções (ABBAGNANO, 2000, p.71).

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O primeiro item corresponde à capacidade de distanciar-se de si mesmo e comparar as

próprias significações com as de outros. O último item aponta para a especificidade associada

à educação, seus imperativos e sua práxis, e corresponde a um princípio de coerência

metodológica: se a prescrição corresponde à verdade, deve, por premissa, corresponder à sua

própria causa. Materialmente, o contexto geográfico — com seus atributos físicos e

morfológicos — onde as prescrições aplicam-se, situam-nas, delimitando horizontes

perceptivos que, por sua vez, configuram a arena onde os indivíduos equilibram suas

significações. Afinal, uma “[...] instituição não é somente paredes e estruturas exteriores que

cercam, protegem, garantem ou restringem a liberdade de nosso trabalho [os docentes], é

também, e já, a estrutura de nossa interpretação” (DERRIDA, 1999, p. 108). Para tanto, a

articulação entre potência e correspondência é desenvolvida neste trabalho da seguinte forma:

• Dispõe, no capítulo 3, as articulações entre os conceitos de juízo de gosto, sensus

communis e sua significação política.

• Define, no capítulo 4, a relação entre os conceitos de sensus communis e habitus.

• Porta, no capítulo 5, um modelo avaliativo para a especificidade de uma

instituição de ensino superior.

A terceira alternativa, se as prescrições estão suficientemente fundamentadas, reporta a

uma crítica do processo de avaliação em si: seu potencial emancipatório. Esse argumento é

desenvolvido nos capítulos supracitados a partir de três eixos, assim ordenados:

• O julgar, conforme o pensamento de Kant e Arendt, como exercício da faculdade

do juízo e base para um ato avaliativo.

• A educação, sob uma óptica kantiana, com as restrições aos imperativos

categóricos introduzidas por Adorno.

• A avaliação de instituições de ensino com base nos princípios para a educação

delineados por Kant.

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2.1 O julgar

“Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom bastante desdenhoso, “ela significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos.” “A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.” “A questão”, disse Humpty Dumpty, “é saber quem vai mandar — só isso” (CARROLL, 2002, p. 205).

A partir do apresentado no capítulo anterior, genericamente, qualquer ato de avaliação

tem implícito um juízo de valor. Quando o objeto avaliado está relacionado a pessoas, o juízo

ganha atributos políticos e situa-se na tradição da filosofia política.

Nesse sentido, tomei como eixo a filosofia política kantiana, tendo como principal

referência Hannah Arendt2. A autora parte da concepção de que “[...] o juízo outra coisa não é

senão o modo de reintegrar conhecimentos dados na unidade objetiva da apercepção”.

O julgar, então, “[...] lida com particulares que, ‘como tais, contêm algo contingente

em relação ao universal’, que é aquilo com que o pensamento normalmente está lidando”

(ARENDT, 2000, p. 370). Nesse diálogo entre pensamento e realidade é tecido um

“alargamento do espírito” que, conforme Arendt, é obtido “[...] ao compararmos nosso juízo

com o juízo possível dos outros, e não com o seu juízo real; e ao nos colocarmos no lugar de

qualquer outro homem”, possui um papel fundamental para a expansão da capacidade

reflexiva (ARENDT, 2000, p. 370).

Pelo pensamento podemos “visitar” outros pontos de vista sem, contudo,

necessariamente aceitar passivamente estes constructos. Ao contrário, a aquisição de

conhecimentos por cópia corresponde a uma apreensão dogmática e, como tal, seria incapaz

2 Hannah Arendt pretendia discutir a filosofia política de Kant no último livro da trilogia “A vida do espírito”, no entanto morreu poucos dias após a conclusão do segundo volume. Compilações a respeito das idéias da autora foram feitas pelos seus alunos na Universidade de Chicago e na New School em New York.

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de dar-se conta das próprias percepções. Essa situação, por reductio ad absurdum, é

incompatível com a faculdade de julgar.

A ação de estender o conhecimento advindo de diversos particulares “visitados” para

um ponto de vista mais amplo presume que “[...] [quanto] maior a região em que o indivíduo

esclarecido é capaz de mover-se, de ponto de vista a ponto de vista, mais ‘geral’ será o seu

pensamento” (ARENDT, 2000, p. 371). Essa proposição permite-nos “[...] considerar, assistir,

formar nossos juízos, ou, como diz o próprio Kant, em que podemos refletir sobre os assuntos

humanos” (ARENDT, 2000, p. 371).

O juízo, a um primeiro momento, é orientado pelas suas características pessoais, os

estímulos a que foi submetido. Esse idioleto está associado a propensões privadas, não

objetivas e diretas. Este sentido, utilizando a nomenclatura kantiana, é chamado gosto, e o seu

efeito, embora de difícil tradução, é privado e imediato. Nosso foco, entretanto, está no

potencial político do juízo, e, dado que o juízo é construído no íntimo de cada individuo,

surge uma aparente contradição: como podemos ter ciência do gosto alheio?

Conforme Kant, sua apreensão tem implícito que os indivíduos compartilhem uma

estrutura material comum, possivelmente sua condição humana, e utilizem a linguagem como

apoio a duas faculdades: a imaginação e o senso comum.

A imaginação, entendida como a capacidade de combinar idéias derivadas de imagens

de objetos anteriormente percebidos, prepara o terreno para um caminho que vai, com os

“olhos do espírito”, da apercepção às significações particulares.

[...] transforma um objeto em algo com o qual não preciso estar diretamente confrontado, mas que de certa maneira internalizei, de modo que eu agora possa ser afetado por ele como se fosse dado por um sentido não-objetivo (ARENDT, 2000, p. 376).

A imaginação permite compor significações internas — influídas pelo gosto — a algo

que não necessariamente está presente externamente.

[...] porque embora nos afete ainda como uma questão de gosto, estabelecemos agora, através da representação, a distância adequada, o

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afastamento, ou o não-envolvimento, ou o desinteresse, requisito para aprovação ou desaprovação, ou para avaliar algo em seu valor apropriado. Removendo o objeto, estabelecemos a condição para a imparcialidade (ARENDT, 2000, p. 376).

Quando fazemos uso da imaginação, o gosto interno manifesta as suas preferências

com um “simples ato de aprazer”. Da aprovação ou desaprovação, do imaginado, temos,

respectivamente, sentimentos de prazer, ou desprazer. Mas qual o sentido que orienta estas

sensações?

Antes de atacar esta questão, preciso esclarecer alguns aspectos associados ao Juízo.

Neste, os conhecimentos resultantes, privados por definição, vêm à mostra quando o

isolamento do indivíduo é quebrado pela vida em sociedade. Pela linguagem os

conhecimentos são traduzidos para o espaço público, e lá entrarão em confronto com outros,

influenciando, sendo influenciados e, por fim, compondo tramas dialógicas de significações

que transitam entre os particulares e o público. Mais precisamente temos que “[...] o elemento

não subjetivo nos sentidos não objetivos é a intersubjetividade. (deve-se estar só para pensar;

é preciso companhia para se desfrutar uma refeição)” (ARENDT, 2000, p. 377).

O juízo “[...] continua a ser um particular que na sua própria particularidade revela a

generalidade que, de outra forma, não poderia ser definida” (ARENDT, 2000, p. 381). Esse

caráter público, ou comunicabilidade, define que o “[...] padrão para decidir sobre ele é o

senso comum” (ARENDT, 2000, p. 378). Arendt, citando Kant, diz que:

É verdade que a comunicação dos sentidos é ‘comunicável em geral porque podemos supor que todos têm sentidos semelhantes aos nossos. Mas não se pode pressupor isso em relação a qualquer sensação particular’. Estas sensações são privadas; e também não há juízo envolvido: somos simplesmente passivos, reagimos, não somos espontâneos quando voluntariamente imaginamos algo ou refletimos sobre algo. (ARENDT, 2000, p. 378).

Neste ponto Arendt pergunta: no que difere o “senso comum” de outros sentidos? A

autora argumenta que Kant, ao utilizar o termo latino sensus communis, indica uma

“capacidade mental extra”, um senso de comunidade derivado da comparação dos nossos

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juízos com a “razão coletiva da humanidade”. Esse sentido, junto com a imaginação, permite

pensar algo que não é imediato.

A visita ao juízo alheio é pressuposto para entender e ser entendido pela comunidade

formada com os outros e, conseqüentemente, define uma arena política. O gosto associado à

apercepção de um objeto ou ação, só ganha significação ao tornar-se público. Para a

existência desse espaço a liberdade de trânsito de juízos é fundamental: é necessário a

capacidade de “[...] olhar o mundo do ponto de vista do outro, a ver o mesmo em aspectos

bem diferentes e freqüentemente opostos” (ARENDT, 2002, p. 82)

Com isso em mente, posso associar o sensus communis a um sentido de gosto

compartilhado; um metajuízo que orienta as questões que caracterizam, em seus aspectos

convencionais e superficiais, a vida em sociedade. Em miúdos: uma reflexão calcada na

comunicabilidade do gosto. Esse sentido, conforme Arendt, está em conformidade com as

seguintes máximas:

[...] pensar por si mesmo (a máxima do esclarecimento); colocar-nos no lugar de todos os outros em pensamento (a máxima da mentalidade alargada); e a máxima da consistência (estar de acordo consigo mesmo, mit sich selbst einstimming denken). (ARENDT, 2000, p. 379)

A primeira, “pensar por si mesmo”, remete ao afastar os conhecimentos que podem

enevoar a razão. Já a segunda máxima diz respeito ao potencial de comunicabilidade de um

juízo.

Não se trata aqui da faculdade de conhecimento, mas do modo de pensar (Denkungsart) que faz dessa faculdade um uso conforme os fins (zwekmässig), a qual, por pequeno que seja o âmbito e o grau que o dom natural do homem atinge, mesmo assim denota uma pessoa como modo-de-pensar alargado, que não se importa com condições privadas subjetivas do juízo, dentro das quais outros homens são como se postos entre parêntesis, e reflete sobre seu juízo de um ponto de vista universal (que ele somente pode determinar enquanto se transpõe para o ponto de vista de outros homens) (KANT, 2002a, 158-159)

Ao limitar o trânsito dos juízos, o sensus communis impõe uma norma que, sob a pena

de tornar-se um preconceito, deve ser compreensível racionalmente diante de sua efetivação

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prática. Neste ponto entramos na terceira máxima: o modo de pensar conseqüente. A esta,

conforme Arendt, podemos deduzir algumas conseqüências:

[...] nunca podemos compelir alguém a concordar com os nossos juízos, [...] podemos apenas ‘pretender, cortejar’ o acordo de todos os demais. [...] Quando menos idiossincrático for o seu gosto, melhor poderá ser comunicado; a comunicabilidade, novamente, é a pedra de toque. (ARENDT, 2000, p. 380)

Ao ser influenciado pelo sensus communis, o juízo pressupõe o reconhecimento do

outro e, ao constituir-se, define um conhecimento que, em si, não produz nada, mas possui na

possibilidade de originalidade um potencial negativo imanente. O exame das abstrações é o

elemento depurador no qual uma prescrição pode ser desafiada e modificada pela exceção.

Esse exercício crítico possui potencial emancipatório, à medida que se traduz com o suporte

da razão e alça a arena política. Conforme Arendt (1993, p. 53), “[...] sem o ‘teste do exame

livre e aberto’, nenhum pensamento, nenhuma formação de opinião são possíveis. A razão

não foi feita para isolar-se a si própria, mas para entrar em comunhão com os outros”.

2.2 Sensus communis e habitus

“O que eu ia dizer”, disse o Dodô num tom ofendido, “é que a melhor coisa para nos secar seria uma corrida em comitê”. “O que é uma corrida em comitê?” Perguntou Alice; não que quisesse muito saber, mas o Dodô tinha feito uma pausa como se achasse que alguém devia falar, e mais ninguém parecia inclinado a dizer coisa alguma. “Ora”, disse o Dodô, “a melhor maneira de explicar é fazer”. (CARROLL, 2002, p. 29).

A avaliação de uma instituição de ensino superior remete o pesquisador a uma atitude

reflexiva perante a observação dos fenômenos sociais diante do campo social. Conforme

Bourdieu (1983a; 2001a), este é definido e delimitado por um complexo de significações que

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reportam diretamente ao interesse de um indivíduo ou de um grupo, e como estes

desenvolvem suas relações de poder.

Nesse modelo, o sensus communis ganha uma função clara: impor significações como

justificáveis. Nisso está implícito a reprodução da ordem estabelecida como princípio de

coesão social. Cada campo possui uma lógica própria que ordena as relações no seu interior

orientando os indivíduos a alinharem seus juízos conforme as disposições, conforme os

vínculos.

No campo, a distância entre seus agentes está diretamente relacionada à similaridade

entre as quantidades e qualidades de capital econômico e cultural detidos. Esse capital social

está, por princípio,

[...] [relacionado] à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67).

As posições no campo, destarte, são locadas conforme dois princípios:

• o volume total do capital social associado a cada posição; e

• a composição desse capital (econômico, social, cultural e simbólico).

Para qualquer campo estudado, a quantidade e a disposição do capital orientam uma

hierarquia simbólica que influenciaria as probabilidades de sucesso ou insucesso de

determinadas estratégias. Ao longo do tempo, as estratégias mais bem-sucedidas são acolhidas

pelo sensus communis — aqui claramente cumprindo a sua função de metajuízo do gosto.

Essa configuração orienta a reprodução de um estado social e, subsidiada pela illusio, exige

dos indivíduos uma senha definida em termos de quantidade e composição de capital para

serem aceitos no campo. Essa rede de ligações, dessa forma,

é o produto de estratégias de investimento social consciente ou inconscientemente orientadas para a instituição ou a reprodução de relações sociais diretamente utilizáveis, em curto ou longo prazo, isto é, orientadas para a transformação de relações contingentes como as relações de

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vizinhança, de trabalho ou mesmo de parentesco, em relações, ao mesmo tempo, necessárias e eletivas, que implicam obrigações duráveis subjetivamente sentidas (sentimentos de reconhecimento, de respeito, de amizade etc.) ou institucionalmente garantidas (direitos) (BOURDIEU, 1998, p. 68).

Diante da inércia da illusio, é exigido dos agentes um princípio de antecipação — o

que aponta novamente ao sensus communis — que demonstre o domínio das normas do

campo que se está submetido: os instrumentos e os ideais da illusio. A repetição, mesmo

inconsciente, de práticas são instrumentos para a manutenção da ordem social. Essa

disposição deliberada socialmente constituída é associada por Bourdieu ao conceito de

habitus. Conforme o sociólogo,

[...] [Habitus são] sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e representações que podem ser objetivamente ‘reguladas’ e ‘regulares’ sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente (BOURDIEU, 1983b, p. 60-61).

O habitus, ou melhor, as predisposições à ação tem em si estratégias que, de forma

sistemática e coerente, orientam e estimulam a manutenção de um sensus communis que,

fechando o laço, retroage orientando o gosto no sentido do habitus. Metaforicamente o sensus

communis e o habitus podem ser comparados à visão e ao andar em uma calçada muito

movimentada: a aproximação que o sensus communis tem da realidade está diretamente

relacionada com a eficiência da visão em perceber o melhor caminho e o habitus na tradução

imediata dos movimentos que determinam a trajetória a ser tomada.

No entanto, fenômenos como a alienação, a orientação cega a protocolos, o fetiche

pela técnica e o culto aos fatos comprometem o sensus communis; um exemplo extremo desse

evento pode ser observado a partir da crítica que Arendt faz sobre o julgamento de Eichmann.

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Segundo a cientista política, o contador nazista não aparentava ser um monstro, ao

contrário, era educado e cooperativo3 e apresentava-se como um indivíduo extremamente

comum. No entanto possuía uma espantosa facilidade em admitir os seus crimes; sentia-se

seguro com a sua consciência, afinal, “[...] bastava a Eichmann relembrar o seu passado para

se sentir seguro de não estar mentindo e de não estar se enganando, pois ele e o mundo em

que viveu marcharam um dia em perfeita harmonia” (ARENDT, 1999, p. 65). Eichmann era,

em muitos sentidos, um indivíduo comum; prestante aos protocolos sociais, o qual se inseria

em uma sociedade fundada em princípios criminosos.

Esse exemplo explicita uma instância de um sensus communis definitivamente

comprometido. No entanto, dado à possibilidade supracitada, é possível delinear processos

avaliativos que superem sua inevitável ancoragem no sensus communis?

A transcendência está diretamente ligada à natureza prescritiva da avaliação.

Máximas, ao nortear ações calcadas em apercepções, orientam “ideais de gosto” que, posso

inferir, tornam-se uma especificidade do sensus communis.

Nessa ordem de idéias, temos em Kant e Arendt o destaque para a exceção e o gênio.

Por estas duas vias, a originalidade substancia-se pela percepção do novo, “[...] inaugura[ndo]

uma nova regra, que não pode ser inferida de quaisquer princípios e exemplos anteriores”

(KANT, 2002a, p. 163).

Um processo avaliativo, cuja condução tenha índice com a verdade real, recai na arte

de utilizar os recursos disponíveis — determinados pelas posições dos agentes no campo —,

de modo a efetivar um juízo de valor às disposições associadas à determinada prática de

grupo. Ao avaliador cabe a assimilação do sensus communis associado ao grupo social

estudado e a crítica à forma como este orienta os agentes sociais para a adoção de

determinadas estratégias junto à illusio inerente ao campo.

3Não obstante esforços da acusação em provar o contrário, parece ter sido assim a vida toda (ARENDT, 2003).

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3 Avaliação de instituições de ensino superior

“Vamos! Vamos!” Gritou a Rainha. “Mais rápido! Mais Rápido!”. E correram tão depressa que por fim pareciam deslizar pelo ar, mal roçando o chão com os pés, até que de repente, bem quando Alice estava ficando completamente exausta, pararam, e ela se viu sentada no chão, esbaforida e tonta. A Rainha a recostou contra uma árvore e disse gentilmente: “Pode descansar um pouco agora.” Alice olhou ao redor muito surpresa. “Ora, eu diria que ficamos sob esta árvore o tempo todo! Tudo está exatamente como era!” “Claro que está”, disse a Rainha, “esperava outra coisa?” “Bem, na nossa terra”, disse Alice, ainda arfando um pouco, “geralmente você chegaria em algum outro lugar... se corresse rápido como o fizemos.” “Que terra mais pachorrenta!”. Comentou a rainha. “Pois aqui, como vê, você tem que correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar. Se quiser ir a alguma outra parte, tem de correr no mínimo duas vezes mais rápido!” (CARROLL, 2002, p. 157).

Este capítulo reflete sobre a avaliação de Instituições de Ensino Superior (IES)

mediante as categorias analíticas pensamento, juízo e educação. Essa relação foi elaborada

através dos escritos de Hannah Arendt, Theodor W. Adorno, Pierre Bourdieu e Emmanuel

Kant, que serão referenciados oportunamente no texto.

As IES são responsáveis pela capacitação de bacharéis, licenciados, especialistas,

mestres e doutores, constituindo o braço final do nosso sistema educacional. Nessa locação, o

vínculo formal carrega o viés secular da tradição, o que insere na concepção de IES uma

substância de grande inércia e baixa densidade. Uma massa escura, não percebida

diretamente, mas de uma enorme força coercitiva e fundamental para a compreensão da

estrutura formal — visível ou não — das IES.

Entre o instituído e instituinte, diferentes graus de proximidade refletem as práxis que,

objetivadas pelo sensus communis, situam as instituições de ensino em relação a um todo. A

apreensão absoluta dessa realidade concreta é impossível, exigiria que o fluxo de percepções

se interrompesse. Podemos portar este problema para o segundo paradoxo de Zenão de Eléia

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(c.490-425 a.C.). Com os dois seres percorrendo um mesmo caminho, na mesma direção e

com o mais lento à frente, Zenão supunha que o mais rápido nunca alcançaria o mais

vagaroso, dado que este sempre conseguiria uma vantagem em relação ao outro. Em outras

palavras, o mais rápido vai demorar um certo tempo até atingir o ponto onde o mais lento

estava. Contudo, nesse mesmo tempo, o mais lento se moveu para mais longe, deixando um

espaço que o mais rápido novamente deverá percorrer num dado tempo, e assim

sucessivamente, ad infinitum. Esse paradoxo visa desacreditar, por reductio ad absurdum, a

possibilidade de “movimento contínuo”. Contudo, sabemos que, embora existam infinitos

pontos separando dinamicamente os objetos, o mais rápido, no limite, ultrapassa estes pontos

e alcança o mais lento.

Por esse argumento, avaliar uma instituição de ensino — por recair em apreender uma

realidade que sabemos ter a possibilidade de relativismo ad infinitum — exige uma estrutura

conceitual que, ao mesmo tempo, circunscreva e transpasse uma realidade complexa e não

imediata.

Com esses parâmetros em mente, tenho que a busca da compreensão é empreendida

por meio de uma faculdade de apercepção definida não no sentido de explicação, ou

investigação, mas como uma arte de interpretação: uma abstração para além do imediato que

expresse as relações, de forma a apontar por recursão a possibilidade de transcendência. Esse

método implica que, no entanto,

[...] só podemos avaliar um objecto (quer dizer, um estabelecimento, uma organização, um serviço, um dispositivo) já referenciado, definido, circunscrito, que deu lugar a uma descrição das suas finalidades, funções, especificidades, ou seja, um objecto de qualquer forma já conceptualizado (FIGARI, 1996, p. 36).

O traçar desse referencial reporta a um ideal educacional. Um parâmetro que, por sua

vez, reporta à responsabilidade social das instituições de ensino.

No século XVIII, as instituições de ensino circunscreviam suas estratégias de

avaliação em arenas que não ultrapassavam os muros da academia. As instituições de ensino,

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contudo, tinham uma certa autonomia junto aos seus processos de formação: prestavam contas

unicamente ao governo e a ele se reportava pelos trâmites políticos e burocráticos. Nesse

pensamento, Kant desenvolve, com uma certa ironia, a tese de dependência funcional entre

governo e instituições de ensino:

Não foi uma inspiração calamitosa a de quem primeiro concebeu o pensamento e o propôs à realização pública de tratar todo o conjunto do saber (em rigor, das cabeças a ele votadas) por assim dizer industrialmente em que, graças à divisão do trabalho, se nomeariam tantos mestres públicos, professores, quantos os ramos da ciência; seriam eles como os seus depositários, formariam em conjunto, uma espécie de entidade colectiva erudita, chamada universidade (ou escola superior), que teria sua autonomia (pois só eruditos podem, enquanto tais, julgar eruditos); por conseguinte, a universidade, graças as suas Faculdades (pequenas sociedades diferentes, segundo a diversidade dos principais ramos da erudição em que se dividem os outros universitários), é autorizada quer a admitir os alunos das escolas inferiores que a ela aspiram, quer fornecer mestres livres (que não constituem membros seus), chamados doutores após exame prévio e por poder próprio, com uma categoria universalmente reconhecida (para lhes conferir um grau), i.e. os criar. (KANT, 2002a, p. 19-20).

Kant destaca o termo criar: a autonomia associada ao poder de criar títulos é delegada

por uma autorização legítima dada por um poder que não é seu. Esta instância não-acadêmica

corresponde a um Estado regulador4 que “[...] não ensina, mas ordena somente aos que

ensinam (lide-se com a verdade que quiser), porque, ao tomar posse do seu cargo,

concordaram com isso mediante um contrato com o governo” (KANT, 2002a, p. 21).

Em meados do século XX, os governos, com um “natural” ajuste à lei do menor

esforço, esquivaram-se de responsabilidades e, gradativamente, desviaram-se desta tradição

criando outra mais adequada a um modelo econômico mundializado: a doutrina do laissez-

faire (GOERGEN, 2000, p. 31-43). Essa tendência configura o presente e motiva princípios

cuja superficialidade facilita o uso nos mais diversos discursos: otimização, competitividade,

gerência, just-in-time, reengenharia, entre outros. Com esse ideário na bolsa de ferramentas, o

Estado começa a repensar suas responsabilidades e alça a avaliação da educação ao centro das

4Ou seja, o estado é detentor da responsabilidade na coordenação de esforços junto à promoção do “bem-estar social”.

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reformas “[...] com a finalidade de alcançar maior competitividade internacional,

empreenderam políticas de transformação desse nível educativo” (DIAS SOBRINHO, 2003,

p. 54).

Neste ponto convergimos para uma concepção histórico-dialética interessante: por um

lado, uma valoração das instituições de ensino calcada na responsabilidade pela capacitação

dos profissionais mais estimados pelo mercado; por outro, a objetivação das instituições de

ensino como gargalo da cadeia produtiva, pressionando, por meio da indústria cultural, para

que o homo academicus5 desça de Königsberg. Diante disso, é factível conciliar as

“influências” do mercado com um posicionamento crítico? A indústria cultural, segundo Dias

Sobrinho (2003, p. 160),

[propala] critérios e as palavras de ordem passam a ser: eficiência, produtividade, rentabilidade, competitividade, ‘qualidades’ que constituiriam o conteúdo da modernidade, conforme a racionalidade funcionalista desse fetiche do neoliberalismo, que é o mercado.

No entanto, não discordando da essência do que disse Dias Sobrinho, existem

paralelismos entre as instituições de ensino e indústrias convencionais: estruturas

organizacionais, possibilidade de controle estatístico dos processos, burocracia e

contabilidade. Estas ferramentas de controle e armazenamento de informações constituem

procedimentos que, destituídos de um fetiche instrumental, podem potencializar práticas

emancipatórias. Contudo, a demanda por resultados imediatos e quantitativos (por sua

presumida neutralidade e facilidade de digestão) subsidia uma concepção de educação similar

a um processo industrial convencional, com entradas, saídas, módulos e “funções objetivo” a

serem otimizadas. Em suma, um modelo que, levado ao extremo, reduz-se a um problema de

pesquisa operacional.

Kant, em especial, nos lembra que a educação tem o seu ideal não no “[...] presente

estado da espécie humana, mas segundo um estado melhor, possível no futuro, isto é, segundo

5Termo consagrado por Bourdieu em livro com o mesmo título.

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a idéia de humanidade e da sua inteira destinação” (1996, p. 22). Calcadas nesse princípio de

sustentabilidade, as instituições de ensino defendem a sua necessidade de isolamento e

autonomia perante o cerco do mercado. Um modelo em que as IES insistem em uma

autonomia quimérica, semelhante à solução adotada pelo barão de Münchhausen6 que , ao cair

com sua montaria num pântano e afundar até o pescoço, agarra os próprios cabelos e “puxa-

se” (junto com o cavalo) para fora, salvando-se.

Podemos associar o confronto entre o reducionismo e a autonomia quimérica a uma

camada limite entre o imediato e o devir. Diante desses extremos algumas estratégias

emancipatórias podem ser dispostas:

• O ajuste perante a cobrança imediata. As IES se esforçam na composição de

estratégias avaliativas que satisfaçam a pressão efetuada.

• A crítica à essência da cobrança. Se a responsabilidade da educação engloba as

noções de bem comum e perenidade da sociedade, é natural que ocorram

discrepâncias diante das demandas imediatas. A essa pressão, a princípio

enviesada pela indústria cultural, cabe às instituições de ensino cumprir o papel de

instrumento do esclarecimento: resistir pela crítica à heteronomia.

• A auto-avaliação como estratégia de superação da sua inércia institucional como

meio para potencializar sua perenidade.

3.1 A educação

Kant idealizou a educação como aperfeiçoamento progressivo da natureza humana;

como instrumento da sustentabilidade da sociedade. Nessa objetivação, na tradição de

6Personagem da literatura infantil alemã que em uma cavalgada cai com sua montaria num pântano e começa a afundar. Para escapar, agarra os próprios cabelos e “puxa-se” (junto com o cavalo) para fora, salvando-se.

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Aristóteles, considera que “[...] toda educação é uma arte, hábito prático [habitus7], ação”

(KANT, 1996, p. 22), ou seja:

• Como arte, possui uma estrutura formal imanente, derivada da experiência e

direcionada à realização de uma determinada intenção. A educação, nesse sentido,

“[...] não é mecânica senão em certas oportunidades, em que aprendemos por experiência se uma coisa é prejudicial ou útil ao homem. A arte da educação ou pedagogia deve, portanto, ser raciocinada, se ela deve desenvolver a natureza humana de tal modo que esta possa conseguir o seu destino” (KANT, 1996, p. 22).

• Como habitus, ou maneira de ser, requer um compromisso, uma disposição

deliberada, não “[...] natural mas [que] toma o lugar da natureza, e é produzido[a]

por imitação e prática assiduamente repetida” (KANT, 2000a, p. 46).

• Como ação. Sendo assim, “[...] se exerce diretamente entre os homens sem a

mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da

pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na terra e habitam o

mundo” (ARENDT, 2003, p. 15). Conforme Gatti, “Educação, Engenharia,

Medicina, Serviço Social são áreas do agir, elas dizem respeito às intervenções

instrucionais/profissionais do homem no mundo” (GATTI, 2002, p. 61-62). Dessa

forma, temos a ação educativa compondo uma realidade própria; no seu processo

não é possível reduzir a realidade da educação à do sujeito: a existência de um

potencial educativo não implica educação, embora não exista sem esta.

Temos na educação um processo de “[...] produção mediante liberdade [autonomia]

isto é, mediante um arbítrio que põe a razão como fundamento de suas ações” (KANT, 2002b,

p. 149). Na ética kantiana, a educação caracteriza-se por ser formal e autônoma .

7Enfatizo o sentido latino de disposição deliberada.

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• Formal, quando postula a razão como uma lei universal — imperativos

categóricos8 — a ser aplicada a todos os homens, independentemente da sua

situação social e do seu conteúdo concreto.

• Autônoma, quando concebe um homem que obedece apenas à sua própria

consciência, definindo-o como um ser ativo, criador e livre.

Mas conciliar a razão com a liberdade não é uma tarefa fácil. A liberdade, por

princípio, é avessa a limites, e o uso de imperativos categóricos como justificativa para

restringir a liberdade pode levar a estruturas autoritárias.

Pelo ideal kantiano, a efetividade de uma ação educacional pode ser avaliada em face

de a sua capacidade facilitar o esclarecimento diante da realidade. A educação, contudo, só

poderia cumprir essa função em uma arena onde os indivíduos pudessem buscar livremente a

emancipação, tomando ciência e tensionando os limites de sua liberdade.

Seriam esses princípios — essencialmente racionais — suficientes?

Kant, conforme Adorno e Horkheimer, associou a “[...] doutrina da incessante e

laboriosa progressão do pensamento ao infinito com a insistência em sua insuficiência e

eterna limitação” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 38). A construção acima, contudo,

pressupõe uma arena que não existe, não é possível buscar livremente a emancipação. Somos

totalmente cerceados pela sociedade. Para Adorno, imperativos categóricos podem ser

derivados a partir da assimilação crítica do passado. A educação deve ter a não-ocorrência de

fenômenos similares a Auschwistz como um de seus objetivos básicos: um parâmetro, para

que absurdos não ocorram novamente. Para entender os desdobramentos dessa óptica,

partimos para Auschwistz e, dada a hipótese de que uma referência negativa pode subsidiar

princípios fundantes para a avaliação de processos educativos, temos que a regressão aos

8 O homem age conforme imperativos categóricos quando obedece à própria razão e, para não entrar em contradição consigo mesmo, pode considerar o argumento que levou a ação um princípio que pode ser estendido a todos.

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instintos destrutivos experimentados em Auschwistz reforça a tese Freudiana de que “[...] a

civilização, por seu turno, origina e fortalece progressivamente o que é anticivilizatório”

(ADORNO, 1995, p. 119).

A sociedade contemporânea é extremamente organizada e, para se substancializar,

busca restrições que controlem a agressividade e tendam a reprimir os instintos destrutivos

por meio de protocolos e leis. Todavia, a repressão, por fim, expressa-se por diversas formas,

o que a aproxima da barbárie e configura uma espiral que tem como eixo o mal-estar do

indivíduo e da civilização. Da energia adquirida neste movimento, surgem fenômenos como a

violência que, com sua abrangência, se desdobra em diversos níveis de apercepção: à

violência em si, à banalização desta violência e à violência autopunitiva (induzida ao ego por

meio de um superego rígido). A extensão deste fenômeno denuncia o quanto ele está

imbricado na sociedade, alimentando-se das entranhas da civilização e carregando consigo a

semente do retorno à barbárie.

Neste sentido, Adorno chama atenção para a importância do estudo dos indivíduos que

deram forma aos aspectos mais terríveis da segunda guerra mundial: os carrascos nazistas. O

seu entendimento poderia esclarecer as condições objetivas que geraram o nazismo.

Possivelmente, os carrascos nazistas eram indivíduos incapazes de “visitar” os juízos

alheios. No nazismo, para poder-se negar o direito de compartilhar a existência com os

Judeus, foi necessário antes negar a possibilidade de identidades dos indivíduos externos ao

grupo, foi preciso uma supressão da faculdade do juízo com base em princípios instrumentais.

Essa convergência de conveniências pode ser justificada pela manutenção da coesão dos

grupos e, conforme Freud, efetua-se na identificação recíproca dos membros por meio da

adoção de um mesmo ideal de Eu.

No entanto, o processo de negação do outro não se circunscreve aos nazistas, mas,

infelizmente, as razões particulares, que falam pela possibilidade de repetição dos crimes

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cometidos pelos nazistas, são ainda mais plausíveis. Elementos como a orientação cega do

indivíduo por protocolos de conduta, uma certa “fúria organizacional” e graves limitações no

exercício do pensamento crítico eram comuns aos nazistas e ainda são perceptíveis na

sociedade moderna.

Em Auschwistz tivemos um mecanismo com uma mescla entre ausência de reflexão e

orientação cega a protocolos. Hoje um movimento semelhante tende a se apresentar de forma

mais sutil e eficiente. A observação do desenvolvimento da sociedade atual sugere que os

homens e todos os instrumentos derivados da sua condição humana tendem a se assimilar,

sem o uso da faculdade do juízo, sem humanidade, coisificados. Tudo que cerca o homem

vem se tornando extensão das mercadorias promovidas pela sociedade, interpretando as

relações econômicas, enfatizando seus aspectos imediatos em detrimento da arena política.

Conforme Adorno, a fragilidade se instala pela não-consciência de nossos grilhões,

não somos livres, temos a nossa autonomia cerceada pelos interesses dos grupos que nos

instrumentalizam. Ao negar a reflexão, o culto a esses conhecimentos introduz um viés que

inviabiliza a emancipação, leva a um olhar que conduz a um sensus communis comprometido

pelo compartilhar de protocolos e ideologias dominantes. Nessa linha de pensamentos,

podemos retomar o seguinte comentário em que Arendt relaciona esse comprometimento e a

“alienação em relação ao mundo”:

O único atributo do mundo que nos permite avaliar sua realidade é o fato de ser comum a todos nós; e, se o senso comum tem posição tão alta na hierarquia das qualidades políticas, é que é o único fator que ajusta à realidade global os nossos cinco sentidos estritamente individuais e os dados estritamente particulares que eles registram. Graças ao senso comum, é possível saber que as outras percepções sensoriais mostram a realidade, e não são meras irritações de nossos nervos, nem sensações de reação de nosso corpo. Em qualquer comunidade, portanto, o declínio perceptível do senso comum e o visível recrudescimento da superstição e da credulidade constituem sinais inconfundíveis de alienação em relação ao mundo. (ARENDT, 2003, p. 221).

Neste contexto, a Indústria Cultural se apresenta como um grande “norteador” para os

diversos aspectos da vita activa, suscitando os nossos desejos individuais, oferecendo uma

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cultura de fácil digestão, uma semicultura destinada a divertir e a entreter, que empurra os

indivíduos para o esquecimento histórico, massificação do gosto e triunfo do escapismo.

Conforme Adorno:

Divertir-se significa estar de acordo. Isso só é possível se isso se isola do processo social em seu todo, se idiotiza e abandona desde o início a pretensão inescapável de toda obra, mesmo da mais insignificante, de refletir em sua limitação o todo. Divertir significa estar sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é sua própria base. É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última idéia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 135).

A Indústria Cultural na articulação dos seus procedimentos induz desejos ao indivíduo

que, embora este, como parte de uma mescla, também a influencie, passa a ser e se ver como

parte de algo, de uma amálgama a uma máquina que tem disponível para si técnicas que

possibilitam antever e controlar eventos de seu interesse.

O uso metódico destes conhecimentos, associado a uma imagem de neutralidade, “[...]

dificulta a percepção das relações de produção capitalistas que aprisionam as forças

produtivas” (CROCHIK, 1999, p. iii). A estatística e a programação linear, entre outros ramos

da ciência fundados a partir de modelos matemáticos, tornam-se instrumentos de dominação a

serem aplicados num “universo de coisas”. Um espaço que a semicultura esforça-se por

preencher integralmente, tornando-o virtualmente fechado, amorfo, excluindo o novo, o

diferente, o criativo, o relativo à imaginação, à espontaneidade, à atividade intelectual. Um

suplício de Tântalo9 onde o que sobra é a acomodação, a adaptação, a domesticação em que

trabalho e ócio se coadunam para a reiteração do sistema vigente, para a perda de sua

correspondência com a verdade.

9 “Tântalo, mitológico rei da Frígia ou da Lícia, casado com Dione. Teve três filhos: Níobe, Dascilo e Pélops. Certa vez, ousando testar a onisciência dos deuses, roubou os manjares divinos e serviu-lhes a carne do próprio filho Pélops num festim. Como castigo foi lançado ao Tártaro, onde, num vale abundante em vegetação e água, foi sentenciado a não poder saciar sua fome e sede, visto que, ao se aproximar da água esta escoava e, ao se erguer para colher os frutos das árvores, os ramos se moviam pra longe de seu alcance sobre força do vento” (WIKIPEDIA, 2006)

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Por fim, o indivíduo sofre um prejuízo na sua formação, compõe “[...] uma

determinada forma social da subjetividade socialmente imposta para um determinado modo

de produção em todos os planos da vida” (MAAR, 2003, p. 462). Enfim, torna-se um

semiformado.

Esse indivíduo, limitado na sua capacidade de apercepção, torna-se um incompleto:

um eu fragilizado que satisfaz a sua libido nos grupos que, pelo apelo à sobrevivência do

grupo, configuram um narcisismo coletivo, que, por sua vez, pautando-se “[...] pela

adequação na continuidade do existente” (MAAR, 2003, p. 469), estimula a demanda por

mais semicultura. Uma configuração que lembra a consideração de Freud sobre a

impossibilidade da educação:

Quase parece como se a análise fosse a terceira daquelas profissões ‘impossíveis’ quanto às quais de antemão se pode estar seguro de chegar a resultados insatisfatórios. As outras duas, conhecidas há muito mais tempo, são a educação e o governo (FREUD, 1970).

Devemos aceitar a impossibilidade como ponto final? Temos uma recursão, mas como

sair dela?

Com esse estado, o movimento de superação da contradição fica emperrado, mas a

suspensão da dialética não implica a impossibilidade de apercepção das contradições e, assim

sendo, não seria possível o desenvolvimento de uma consciência potencializadora da

superação dessa mescla de inércia e encantamento.

O fato de os referentes sociais determinarem o tecido de causas e efeitos que

sustentam as acepções do sensus communis acerca do que é educar não implica

necessariamente na heteronomia absoluta da ação. A propagação de traços de cultura é

imanente à educação, e a percepção de que um ciclo reprodutor não serve em um determinado

momento só ocorre quando um ideal ético penetra no sensus communis e conduz ao “espanto”

de que um determinado “dever ser” encontra-se insatisfeito.

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No ensejo de recuperação dessa razão emancipatória, Adorno anuncia a necessidade

de uma educação que denuncie os ditames da indústria cultural e, pelo desenvolvimento de

um potencial crítico, fortaleça o sujeito para resistir ao cerceamento conduzido pela barbárie e

pela semicultura.

Estes limites só podem ser superados por uma faculdade de juízo abrangente e

recursiva, um sentido que vá além da qualidade formal e avance para a emancipação do

indivíduo. “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão

crítica” (ADORNO, 1995, p. 13). O exame dos conhecimentos consiste em uma possibilidade,

mesmo que fugaz, de os dominados poderem transpor a inércia inerente à semicultura e, por

fim, buscar ações orientadas à sua saída do estado de menoridade.

Uma concepção crítica da educação que pretenda ser emancipatória, e não apenas para

a emancipação, deve obrigatoriamente ser autocrítica, deve ter como princípio o compromisso

da escola na constituição de um sujeito reflexivo e, pelo desenvolvimento de sua capacidade

de juízo, com potencial para o esclarecimento.

Essa concepção de educação formal como um possível refúgio contra a semiformação

implica, para ser real e efetiva, a não idealização de uma escola desvinculada da sociedade

onde ela está imersa — e à qual inevitavelmente se ajusta. Na arena entre o ajuste e a

resistência, a educação se espreme entre a premência em formar o indivíduo para a sociedade

e o ideal de desenvolvê-lo para além destas demandas imediatas. A educação assume um

caráter dialético onde é de sua responsabilidade inserir elementos depurativos na composição

do indivíduo que permitam-no transcender uma sociedade que afeta, direta e indiretamente,

como um todo.

A configuração histórica da escola é parâmetro para um esclarecimento que transcenda

as suas limitações. Este movimento calca a recusa da ordem vigente e permite inserir na

educação um olhar de resistência, chamando para si a denúncia do modus faciendi da indústria

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cultural, formando os cidadãos para uma sociedade, mas sem levar à perda da originalidade

dos indivíduos.

Por fim, podemos pensar o ato de educar como dialeticamente situado entre a

regressão à barbárie e o esclarecimento. Para se educar é necessário ter ciência das limitações

desta pretensão: o instrumental é componente da sociedade e, como tal, não pode ser

rejeitado. Contudo, o seu culto deriva de um prazer de fetiche, e a esta sedução cabe a

educação desenvolver no indivíduo uma operosidade constante, festina lente, que evoque a

necessidade de se aprender com profundidade (KANT, 1996, p. 87).

3.2 Refletindo sobre avaliação

Sendo assim, o processo avaliativo possui um potencial ora depurador ora mantenedor

do status quo. Avaliar uma instituição de ensino é estimar, por meio da faculdade do juízo, o

seu caráter perante o sensus communis ou a sua prescritividade: os imperativos categóricos.

Uma instituição de ensino corresponde a um ser social determinado historicamente a

atingir um fim: a formação ou a educação. Esse propósito nos remete a princípios que

deveriam fluir naturalmente. Contudo, as relações entre as populações envolvidas comportam

uma arena de juízos, aos quais, continuamente o sensus communis, molda e é moldado.

Compreender esse sistema aperceptivo corresponde a entender a trama do tecido do sensus

communis. Implica ver e abstrair a forma com que os gostos prevalecem e se articulam, de

modo a visitar a racionalidade que subjaz aos discursos emitidos. Por fim, entendo esse

processo compreensivo como uma locação de gostos, onde o transcender da condição dos

sentidos é ponto de apoio para um referencial “[...] que tenha consciência ética em relação aos

objetivos, finalidades, procedimentos empregados, ações decorrentes e seus conseqüentes”

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(KANT, 1996, p. 94). No caso, o gosto é locado pela referência a princípios que, conforme

Kant, estão calcados na possibilidade de um espaço de ações ideal, perfeitamente autônomo.

Esse contructo é fundamental para as definições de finalidades para a educação. A sua

condução, conforme Kant, efetiva-se quando potencializa no Homem os seguintes princípios:

1) Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade. Portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria.

2) Deve o homem tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A cultura é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejemos.

3) A educação deve também cuidar que o homem se torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e tenha influência. A esta espécie de cultura pertence a que se chama apropriadamente civilidade.

4) Deve, por fim, cuidar da moralização. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um. (KANT, 1996, p. 95).

Se adequado, então um processo avaliativo que resida num campo educacional define-

se no contraste entre esses princípios e a prática observada? Sob a óptica kantiana, sim! Uma

avaliação no campo educacional, por princípio, define-se a partir de sua estratégia de

desvelamento da illusio.

Dado que o sensus communis dos instituintes associa-se por um lado aos aspectos

formais do processo educativo desenvolvido e por outro aos critérios que os indivíduos

estabelecem para o êxito, o complexo resultante desvela como a instituição define-se como

ser social e sua abstração delimita um objeto que pode ser submetido à crítica. Esta, como

prática avaliativa, tem a compreensão de uma instituição de ensino com base em sua illusio,

mas este processo só tem sentido se esse particular for pensado como contido no universal da

educação. O encadeamento é construído por meio de significações que não podem ser

assumidas a priori como índices, ou obstáculos, a verdade e “[...] é lógico dizer que encerra

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uma contradição querer-se buscar um critério universal para a verdade do conhecimento

quanto à matéria, por ser contraditório em si” (Kant, 2006, p. 67).

A abstração da causa do gostar ou não gostar, seja hegemônica ou não, precisa

corresponder à verdade para não entrar em contradição consigo mesma. Para tanto, sua

articulação, tanto objetiva quanto subjetivamente, deve ter uma coesão formal cuja lógica,

“[...] expondo as regras universais e necessárias do entendimento” (KANT, 2006, p. 67),

forneça um parâmetro negativo para a verdade. Este argumento tem por premissa a acepção

de que sensus communis é formal e flexível o suficiente para dialogar com juízos opostos às

suas significações. Se aceita, posso inferir que eles podem ser elaborados recursivamente com

uma inteligibilidade que vá da sua imanência (concepção genética do conhecimento

adquirido) ao seu processo de aquisição (crítica à abstração). Uma heurística que pode ser

entendida como a busca de um acordo não necessariamente dialético entre identidades, em

face das suas conseqüências práticas na conservação do corpo social.

Entrementes, essa heurística é possível no ambiente onde se desenvolve nosso ensino

superior? Ou melhor, é possível pensar em bem comum num ambiente onde a heteronomia é

regra?

A visão de que esse princípio pode ser recursivo exige que verifiquemos se o

enunciado ontológico associado faz sentido. No caso, a inteligibilidade da proposição

transcende a verificação, mas é, não obstante, sustentável no sentido de ser possível, se

afortunado, um processo avaliativo que subsidie uma arena crítica, onde, por um meio

qualquer, conduza a um bem moral. Conforme os gregos, esse estado pode ser observado na

manifestação de perplexidades: um estado de espanto, uma paralisia temporária dos sentidos

que, no entanto, está associada ao mais alto grau de crítica às abstrações.

Com essa esperança, e nada mais que ela, um processo avaliativo é feliz se alcança por

vezes um estado de espanto que, superada a paralisia, se desdobre no encaminhamento a

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ações. Esse ataque ao pré-construído representado pelo sensus communis, por princípio e

sobretudo, exige a prática de uma dúvida radical que tem por parâmetro a suspensão, no

limite, de todas as estruturas que o condutor do processo avaliativo tem interiorizado até

então, transcendendo, inclusive, o seu quantum social. Diante disso, busquei em Bourdieu um

referente a essa postura reflexiva:

[...] é preciso resignar-se a admitir, na tradição tipicamente positivista da crítica da introspecção, que a reflexão mais eficaz é aquela que consiste em objetivar o sujeito da objetivação; com isso quero dizer aquela que, destituindo o sujeito conhecedor do privilégio de que ele se sente investido, se arma de todos os instrumentos de objetivação disponíveis (levantamento estatístico, observação etnográfica, pesquisa histórica etc.) para revelar os pressupostos que ele ostenta por conta de sua inclusão como objeto do conhecimento (BOURDIEU, 2001, p. 20).

Ao avaliador cabe uma crítica sistemática que busque o geral no particular, ou seja,

que pretenda a investigação de invariantes e tenha energia suficiente para a concepção de um

sistema coerente de relações que, por fim, deve ser posto à prova como tal. Dessa forma, a

avaliação de instituições de ensino recai, por princípio, num processo formal, recursivo e

heurístico que:

• Inicia-se por meio de uma crítica imanente da instituição de ensino, com a

apreensão do sensus communis. Nessa linha de pensamentos, toda sociedade é

repositória de uma rede de conhecimentos, sendo este sistema imanente à sua

história. A formação econômica e social desta sociedade não se distingue dos

conhecimentos que ela utiliza e ordena, e, por sua vez, estes dão manutenção de

certas estruturas sociais que os compartilham.

• Do conhecimento imanente adquirido é desenvolvido, por instrumentos de

objetivação e confronto com imperativos categóricos, o exercício de uma crítica

transcendente que pode revelar as estruturas postas e estruturantes aninhadas ao

sensus communis.

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• Avalie as significações dessas estruturas a partir de suas significações e, assim

sendo, do quanto e como estas protegem-se do “vento do pensamento”. Nessa

ordem de pensamentos, a indústria cultural é peça chave para uma crítica à gênese

do sensus communis: ela funda e subsidia a composição de uma redoma

doutrinária, fornecendo uma semblância coerente que, ao mesmo tempo, acolhe e

reprime.

• Por fim, com o espanto perante o conhecimento adquirido e a partilha das

informações obtidas, inicie a reconstrução do conhecimento e recomece a

iteração. A avaliação, destarte, busca, recursivamente, a verdade e encaminha os

conhecimentos apreendidos a um locus favorável à ação.

3.3 Avaliação e transformação

Na óptica kantiana, o fundamento de um argumento transcendental é estabelecer

princípios que possam orientar nossas ações. Nesse sentido, parto da idéia de que os conceitos

trabalhados nos itens anteriores podem substanciar modelos avaliativos para instituições de

ensino superior orientados à emancipação. Este ideal como diferenciador epistemológico foi

pensado por Saul da seguinte forma:

A avaliação emancipatória caracteriza-se como um processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade visando transformá-la. Destina-se à avaliação de programas educacionais ou sociais. Ela está situada numa vertente político-pedagógica cujo interesse primordial é emancipador, ou seja, libertador, visando provocar a crítica, de modo a libertar o sujeito de condicionamentos deterministas. O compromisso principal desta avaliação é o de fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação educacional escrevam a sua ‘própria história’ e gerem as suas próprias alternativas de ação” (SAUL, 2001, p. 151).

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A partir dessa idéia, faz-se importante definir como “emancipado” o estado em que um

indivíduo possui a capacidade de dispor, criticamente, de atividades práticas e concretas10 que

intervêm no real em contraste à passividade de uma atitude puramente especulativa ou teórica.

Em Kant, temos que o estado oposto ao de emancipação é o de menoridade, ou de

incapacidade “[...] de se servir do entendimento sem a orientação de outros” (KANT, 2002a,

p. 11). Conforme o filósofo, “[...] tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside

na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem

a orientação de outrem” (KANT, 2002a, p. 11).

Sapere aude é a palavra de ordem de Kant: o emancipado deve ter a coragem de usar o

próprio entendimento diante de sua vontade. Com base em Saul (2001, p. 61), podemos

substanciar os seguintes princípios para um processo avaliativo de uma instituição de ensino:

• Ser um instrumento do esclarecimento; uma ponte — conforme o sentido dado

por Kant — entre a menoridade e a emancipação. Esse objetivo tem por base um

ideal de sustentabilidade imbricado na apreensão — e endividamento com o

futuro — do que se pretende avaliar.

• Dotar as práticas educativas de autodeterminação, de um sentido orientador da

busca do esclarecimento. Conforme Saul, as práticas avaliativas de uma

instituição remetem a “[...] uma direção às suas ações nos contextos em que se

situa, de acordo com valores que elege e com os quais se compromete no decurso

de sua historicidade” SAUL (2001, p. 61).

Kant (2002a, p. 11), em seu ensaio “Resposta à pergunta: o que é o iluminismo?”,

desafia: “[...] vivemos nós agora numa época esclarecida?”. E responde: “Não. Mas vivemos

numa época do iluminismo.” A respeito dessa determinação de Kant, Adorno comenta que a

10O termo concreto é utilizado aqui conforme a sua origem latina. Ou seja, particípio passado do latim concrescere: formado ou crescido por agregação, condensado.

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categoria analítica emancipação foi determinada de forma dinâmica: “[...] como um vir-ser e

não um ser” (ADORNO, 1995, p. 181). A emancipação define-se como um território a

conquistar, e a sua possibilidade, portada por Adorno para um tempo mais próximo, restringe

a reflexão kantiana:

Se atualmente ainda podemos afirmar que vivemos em uma época de esclarecimento, isto tornou-se muito questionável em face à pressão inimaginável exercida sobre as pessoas, seja simplesmente pela própria organização do mundo, seja num sentido mais amplo, pelo controle planificado até mesmo de toda a realidade interior pela indústria cultural (ADORNO, 1995, p. 181).

A presença da indústria cultural, por si só, questiona o princípio iluminista de uma

razão11, neutra e suficiente, que supera as explicações míticas da natureza por meio de saberes

formais e passíveis de conversão em algo aceito socialmente como útil e mensurável.

Derivada desta razão, Adorno e Horkheimer (1985, p. 138) apontam que ocorre uma “[...]

redução do pensamento a uma aparelhagem matemática em que está implícita uma ratificação

do mundo como sua própria medida”. Este processo, por sua vez, caracteriza um

aferrolhamento da razão ao dado imediato: uma fetichização do factual que compromete a

autonomia da razão.

A emancipação — pelo supracitado — recairia em reductio ad absurdum? Seria

possível uma crítica da razão, sem que, por sua vez, ela não se estruture, de forma semelhante

ao que combate? Em uma sociedade onde existem múltiplas determinações por causas

estranhas (heteronomia), como seria possível definir princípios norteadores para a razão?

Não podemos descartar a priori toda a metafísica.

O imperativo categórico kantiano está fundamentado na noção de que o conhecimento

moral é natural. A razão, conforme Kant, pode nos dizer se algo é bom e que devemos nos

orientar por ela se quisermos que nossas ações obtenham esse adjetivo. Entretanto, como a

razão distingue o que é bom?

11O Aufklärung (iluminismo ou esclarecimento).

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Kant acreditava que é imanente à razão a capacidade de apreender a verdade. A

validade dessa correspondência calca-se em três princípios:

1. Os indivíduos são capazes. Ou seja, possuem certas características propiciadoras

do “diálogo consigo mesmo”.

2. Os juízos são construídos com referência ao princípio do bem comum e, uma vez

produzidos, são expostos ao “vento do pensamento”.

3. O sensus communis apresenta equivalência em relação aos juízos hegemônicos.

Estes, dado os dois itens anteriores, correspondem ao que Kant chama de

“mentalidade alargada”: um complexo de acordos fundamentais para a interação

civilizada.

A idéia da correspondência entre verdade e hegemonia exige a “[...] consciência de sua

causalidade em relação a suas ações” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 38). Um

argumento ao qual infiro dois parâmetros que podem ser diretamente deduzidos das

formulações do imperativo categórico:

1. Nenhum ser humano deveria coisificar-se, coisificar outro ser humano ou ser

coisificado. Ou seja, não é ético reduzir a si próprio e a sua consciência a coisas,

objetos ou valores materiais necessários para alcançar um fim delineado por ele,

ou qualquer outro ser humano.

2. A autonomia só pode efetivar-se à medida que podemos manifestar imperativos

categóricos.

A conjunção destes dois princípios exige a superação paradoxal de um ambiente de

heteronomia que, todavia, constitui um aspecto da realidade concreta. Esse argumento,

contudo, seria verossímil?

Kant, centra-se nos juízos e afirma que é possível aceitar uma prescrição no âmbito

geral e, ao mesmo tempo, considerar, sem contradição, a sua ação como uma exceção — “um

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aperfeiçoamento” — a regra. A heteronomia nesta lógica manifesta-se em função da

aderência, ou não, a uma prescrição maior: o imperativo categórico.

O filósofo, contudo, considerava neste argumento a possibilidade de uma contradição

extremamente perigosa: a mentira. Essa nossa capacidade de afirmar conscientemente o que é

real apenas na aparência leva à possibilidade de emancipação a um entrave lógico. Afinal,

sem o lastro do ideal de busca da verdade teríamos dificuldades de nos definirmos como

criaturas que se diferem dos animais.

Mas vivemos entre homens que mentem. Para Adorno e Horkheimer, é factível pensar

a emancipação apenas como aporia a ser continuamente superada. Ou seja, diante da

heteronomia, a ética do pensamento tem na atitude de denúncia a premissa de um mínimo de

credibilidade. Este adjetivo reporta à articulação de fragmentos da realidade que produzam

perspectivas “[...] nas quais o mundo analogamente se desloque, se estranhe, revelando suas

fissuras e fendas, tal como um dia, indigente e deformado, aparecerá na luz messiânica”

(ADORNO, 1992, p. 216).

O princípio de transcendência idealizada nessa aporia nos remete a uma arena com

inúmeras formas de dominação; um ambiente onde a emancipação só ocorre se o

reconhecimento dos contrastes for central. Na concepção de Saul:

[...] a emancipação prevê que a consciência crítica da situação e a proposição de alternativas de solução para a mesma constituam-se em elementos de luta transformadora para os diferentes participantes da avaliação. (SAUL, 2001, p. 62).

A concreticidade da avaliação remete à presença de um núcleo duro, definido pela

consecução de um fim determinado: a emancipação pelo “[...] desocultamento [ou

esclarecimento] das contradições e paradoxos inerentes ao grande relato da razão

científico/tecnológica e seu dogma central, o progresso” (GOERGEN, 2002, p. 76). Esse

argumento pode ser decomposto a partir de dois componentes:

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• O instituído: dimensão mais estática associada ao sistema de ensino e ao meio de

aprendizagem.

• O instituinte: dimensão transformadora, imanente às populações e matriz do

sensus communis.

O sistema de ensino corresponde a um conjunto de proposições formais que definem e

ordenam disciplinas, normas, regras, técnicas e equipamentos. Todavia, sob a materialidade

do instituído, esse todo idealizado é tensionado e,

[...] [sendo assim,] o sistema de ensino pode permanecer como um ideal comum, um modelo abstrato, um lema ou uma mera síntese, mas assumirá diferentes formas em cada situação concreta. Seus elementos constituintes serão enfatizados ou diminuídos, ampliados ou mutilados à medida que professores, administradores, técnicos e alunos interpretem o sistema de ensino em função de sua própria situação particular. (PARLET & HAMILTON, 1982, p.38).

Neste trabalho, utilizo o termo meio de aprendizagem como a categoria analítica

correspondente ao contexto sociopsicológico e material do instituído. Podemos enumerar os

seguintes parâmetros para um meio de aprendizagem:

• Restrições associadas à sua estrutura formal: leis e configurações normativas,

parâmetros financeiros, delimitações profissionais e configurações arquitetônicas.

• Atributos do espaço de ação educativa: organização de matérias, currículos,

métodos de ensino e avaliação.

• Características desenvolvidas, como habitus, na práxis: estilo de ensino

desenvolvido pelos professores, postura dos alunos perante a instituição e fluxos

de informações.

Podemos observar uma ligação que se estreita, no sentido do primeiro ao último

tópico, para as redes de significações tecidas pelo componente instituinte, ou seja, o sensus

communis. Embora esse termo já tenha sido utilizado e definido anteriormente, um rearranjo

da sua definição se faz necessário. Sendo assim, tenho por sensus communis uma faculdade

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ou sentido multidimensional e multifuncional construído socialmente que medeia

dinamicamente o complexo de relações entre apreendido e idealizado.

Temos que o instituído e o instituinte dispõem as condições imanentes a instituições

de ensino, sua concreticidade. A essa realidade temos uma racionalidade à qual se almeja que,

a partir da observação das contradições, a emancipação possa ser pensada como algo possível

pelo que a instituição de ensino não é. Em outras palavras, um estado que tem como

referência o vir a ser delineado pelo imperativo categórico.

É objetivo deste trabalho um modelo avaliativo que, calcado em uma dialética

negativa e por meio de um juízo dinâmico — e iterativo —, propicie às instituições de ensino

transformar-se sem, entretanto, deixar de assumir-se como derivada da configuração

preexistente.

As instituições de ensino, por sua complexidade, tornam possível uma estratégia de

pesquisa avaliativa em que o uso de diferentes métodos de investigação pode ser idealizado

como estratégia para melhorar a validez e a confiabilidade da pesquisa. O volume de

informações exige uma focalização progressiva e sistemática que, conforme a natureza do

dado em questão, dita a combinação de procedimentos mais adequados para o desemaranhar

de um complexo de problemas. Em uma instituição de ensino, o contato com os diversos

estratos de indivíduos demanda, por sua vez,

[...] experiência nas áreas de pesquisa e avaliação, particularmente em avaliações de estilo qualitativo e participante, é requisito necessário ao avaliador que se propõe a conduzir avaliações no paradigma da avaliação emancipatória. A par dessa experiência, é necessário que ele reúna habilidades de relacionamento interpessoal, uma vez que a proposta enfatiza, em todos os seus momentos, o trabalho coletivo (SAUL, 2001, p. 62-63).

Por outro lado, técnicas de ordenação e inferência estatística são fundamentais para o

estudo das populações envolvidas. Pela natureza dos problemas, este trabalho propõe e aplica

um sistema calcado em técnicas de análise de conteúdo e estatística multivariada. Neste

ponto, surge a seguinte contradição: um modelo avaliativo, que toma por base Adorno — um

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notório crítico da razão instrumental —, não deveria evitar o uso de procedimentos

estatísticos?

A oposição, a priori, do uso da estatística como instrumento de exposição das

contradições poderia, no limite, ser estendida a todos os procedimentos derivados da

matemática. Temos uma regra prática e, como tal, uma máxima, presumidamente universal,

que tem, em sua gênese, uma oposição entre atributos quantitativos e qualitativos. Essa

dualidade, entretanto, poderia ser considerada uma característica da realidade concreta?

Gatti (2002, p. 29) esclarece:

É preciso considerar que os conceitos de quantidade e qualidade não são totalmente dissociados, na medida em que de um lado a quantidade é uma interpretação, uma tradução, um significado que é atribuído à grandeza com que um fenômeno se manifesta (portanto é uma qualificação desta grandeza), e de outro ela precisa ser interpretada qualitativamente, pois, sem relação a algum referencial, não tem significação em si [a qualidade na quantidade].

Temos uma configuração que se aproxima muito mais a uma mescla do que uma

oposição. Conforme o próprio Adorno, a contraposição entre a análise quantitativa e

qualitativa não é absoluta: não existe nenhum limite, nenhuma fronteira última entre as coisas.

Na quantificação deve-se sempre começar por prescindir, como se sabe, das diferenças

qualitativas dos elementos; e todo o particular social resulta em determinações válidas para as

generalizações quantitativas. As categorias analíticas são sempre qualitativas.12,13

Em síntese, cai por terra a impossibilidade, a priori, do uso da estatística como

instrumento do esclarecimento. Gatti, ao discutir a heurística da abordagem dos problemas,

alça a questão a outro nível:

Ouso dizer que, para o espírito científico, importa antes e sempre a consistência do método investigativo, a coerência que se estabelece entre teoria e fato, a lógica que se consegue defender e sustentar, os corolários e conseqüências das análises, tanto de uma perspectiva científica como ética, e, também, o espírito crítico sobre o próprio método. Do cuidado com estes aspectos nascem a crítica científica e social e a consciência das limitações

12Adorno desenvolve esse argumento ao discorrer sobre os estudos a respeito da personalidade autoritária, desenvolvidos nos Estados Unidos e onde foram utilizadas, extensivamente, escalas estatísticas e correlações.

13Tradução e paráfrase de Carlo R. De Musis a partir de Adorno (1973, p. 89).

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das interpretações e conclusões aventadas. Qualquer que seja a perspectiva epistemológica (e para os homens as possibilidades são tantas!), não há como saber qual a mais ou menos verdadeira, a não ser por uma escolha baseada em algumas crenças. Verdade, numa perspectiva contemporânea da ciência, é algo que se coloca como inatingível. A verdade é uma abstração. Socialmente falando, verdades podem ser consensos historicamente construídos e, assim, mutáveis (GATTI, 2002, p. 58).

Nessa ordem de pensamentos, entendo que o uso racional da estatística — conjugada a

entrevistas e análise de conteúdo — possa ser de bom uso para a avaliação de uma IES, a

partir da compreensão do sensus communis, com representatividade, precisão e acurácia, sem,

todavia, abrir mão da crítica à sociedade (por meio das condições sociohistóricas). Conforme

Belloni (1996, p. 8):

Quando a universidade se conhece e reflete sobre si própria, ela está tomando o seu destino em suas mãos. Não está deixando que a rotina ou que as políticas governamentais determinem suas prioridades e o seu cotidiano. O auto-conhecimento visa ao aperfeiçoamento, à melhoria da qualidade.

Este foi o ideal do trabalho empírico conduzido no escopo desta tese.

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4 Avaliação Institucional como espaço de

ação

“Veja só! Está demarcado exatamente como um grande tabuleiro de xadrez!” Alice disse por fim. “Deve haver algumas peças se mexendo em algum lugar... ah, lá estão!” acrescentou encantada, e seu coração começou a disparar de entusiasmo enquanto continuava. “É uma partida de xadrez fabulosa que está sendo jogada... no mundo todo... se é que isso é o mundo. Oh, como é divertido! Como eu gostaria de ser um deles. Não me importaria ser um Peão, contanto que pudesse participar... se bem que, é claro, preferiria ser uma Rainha” (CARROLL, 2002, p. 156).

A avaliação de uma instituição de ensino é um processo dinâmico locado entre

situações concretas e sistemas prescritivos que se efetivam no espaço público implicado por

meio de escolhas que reforçam o valor do processo e, conseqüentemente, do capital simbólico

associado. A articulação de um processo avaliativo com credibilidade deve ter por premissa

uma delimitação metodológica precisa e um ideal de concretização do útil, isto é, um desejo

de satisfação pessoal em que o sensus communis representa um ponto privilegiado tanto para

a repressão como para a emancipação. Assimilando este locus como uma síntese não dialética,

vem a seguinte questão: como objetivar uma avaliação que, por princípio, converge a um

complexo regido por atributos correlacionados entre si e sensíveis às condições de um meio

comum ao pesquisador?

Conforme Bourdieu, “[...] a caçada conta tanto quanto a presa, se não mais, e na

verdade outra coisa que os objetivos aparentes, os fins manifestos da ação” (BOURDIEU,

2001b, p. 12). Os responsáveis pelo processo avaliativo têm que ter ciência do caráter

prescritivo da sua ação: é preciso que o avaliador — orientado a partir de suas finalidades

impessoais (o cerne moral do processo), pessoais (o gosto) e sociais (o sensus communis) —

determine idéias e exigências gerais que possibilitem a construção de uma ponte semântica

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que permita a constituição de elementos identitários prestantes à transformação do sensus

communis.

A experiência moral implícita na avaliação institucional, por princípio, imprime nos

indivíduos envolvidos expectativas de reconhecimento. Estas, por sua vez, se articulam ao

sensus communis incorporado e alterariam as percepções do entorno sociocultural, gerando

expectativas normativas. Assim sendo, os objetivos de uma avaliação — com base nas

expectativas de ação que o avaliador tem do processo, ou pelo menos a representação que o

avaliador pode fazer dele — definem os instrumentos utilizados como parâmetro para

averiguar a conformidade às prescrições implícitas. Assim, duas características podem ser

enunciadas:

• A avaliação é prescritiva: implica a existência de um sistema de interpretação e

sua referência a um sistema de valores. Esta posição reconhece, de um lado, que o

valor está presente ao processo avaliativo em suas ações, na forma de um dever

ser transcendente ao sensus communis.

• A prescritividade é lógica. Um processo avaliativo implica a existência de um

sistema prescritivo coerente e, portanto, tem entre suas premissas o princípio da

não-contradição.

Para além e com base nos parâmetros acima, a avaliação institucional deve conduzir a

críticas que permitam uma explicação formal e aberta das realidades submetidas ao seu

exame. Deve fundamentar um processo potencializador de críticas que possam, de alguma

forma, ser úteis às populações envolvidas. Ou melhor, a negação determinada de processos

que, reforçados por diversos lugares-comuns, se substanciam em maiêuticas burocratizadas,

ou seja, a apreensão guiada de uma resposta pressuposta aos indivíduos inquiridos.

Um processo avaliativo se inicia por um ato vivo de apreensão de aspectos objetivos

da realidade. Disso segue a sua representação mental, depois verbal e por fim o seu exercício

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ativo (a ação). Por isso, um processo, que se afirme a partir de juízos, tem de realizar-se

instalando-se no processo mais amplo da formação e das modalidades relacionadas à

necessidade de representação coerente do locus educacional em foco, se quiser descobrir os

fundamentos dos procedimentos metodológicos válidos. O esclarecimento é a finalidade mais

alta da avaliação de uma instituição de ensino, e a busca deste só se afirma quando o juízo de

valor implícito conceber a si próprio como consciência indagadora que reflete o que faz e,

com isso, defronta-se com suas apercepções expondo-se à crítica até que, quando possuir

massa crítica para apreender propriedades objetivas da realidade, proceda à transformação dos

conhecimentos em idéias que conduzam a novos conhecimentos que, socializados,

componham um espaço discursivo potencializador de uma ação transformadora.

A articulação lógica supracitada pressupõe a posse crítica dos instrumentos

metodológicos e deve ser resolvida no âmbito da consciência dos responsáveis pela condução

do processo avaliativo. Contudo, é possível que uma avaliação tenha coerência e ao mesmo

tempo seja ingênua (ou alienada)?

O conceito básico que distingue uma avaliação crítica da ingênua, resume-se em que

apenas a primeira possui sua coerência definida a partir da consciência de seus determinantes.

A modalidade ingênua considera a si mesma como origem incondicionada e, por isso mesmo,

julga-se capaz de transcender a realidade para assim decidir soberanamente o que deve ser e

fazer. Uma avaliação orientada ao esclarecimento, ao contrário, não apenas reconhece sua

gênese nos atributos objetivos do processo educacional, mas ainda, em cada caso individual,

sabe não existir sem determinantes diretos que a tornam tal como ela é, e que essa

determinação não lhe reduz a liberdade original de que é dotada, antes torna-se condição para

que encontre os elementos substanciais a respeito dos quais se deve decidir.

A condição do processo de avaliação de uma instituição de ensino poder ser concebido

como instrumento do esclarecimento é a consciência de não existir juízo sem determinantes, e

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saber também que estes são condições a priori e se revelam no contexto socioeconômico que

lhes é imanente. Entretanto, Qui custodiet custodes?14

Não podemos esquecer que qualquer processo avaliativo é, antes de tudo e sobretudo,

uma crítica ao sensus communis. Dado que o avaliador está inserido num meio comum à

instituição avaliada, este oscila, dialeticamente, entre a manutenção e a rebeldia diante do

status quo. Pois, de um lado, sabe que uma avaliação não pode existir sem determinantes, do

contrário seria um juízo vazio, destinado a adormecer em alguma prateleira; mas, por outra

parte, sabe-se que tais determinantes não são fatalidades, mas simples condicionamentos

associados à matéria em que deve incidir o processo avaliativo. Dessa forma, temos como

referenciais a determinação e a liberdade, cujo conflito natural pode ser acordado ou não na

ação. Pois, se por uma parte só pode agir em função dos determinantes que o impulsionam

contra a realidade, de outro lado, não opera como o asno de Buridan15, e sim como um

indivíduo que escolhe os objetivos a seguir, os resultados pretendidos e os métodos a adotar

para cumprir as finalidades a que se propõe e conforme a tradição segundo a qual este se

estrutura (BONNIOL & VIAL, 2001).

Conforme Vial (1999), existem três grandes classificações nas teorizações da

avaliação:

1. avaliação como medida. Ou seja, uma métrica dos resultados imanentes,

determinando sua constituição e suas características essenciais;

14 “Quem guardará os guardas?”, Juvenal, poeta romano, no VI livro das “sátiras” (século II). 15 “O paradoxo conhecido como o asno de Buridan não foi originado pelo próprio Buridan. É encontrado na obra

De Caelo, de Aristóteles, onde o autor pergunta como um cão diante de duas refeições igualmente tentadoras poderia racionalmente escolher entre elas. Buridan em nenhum momento discute este problema específico mas sua relevância é que ele defende um determinismo moral pelo qual, salvo por ignorância ou impedimento, um ser humano diante de cursos alternativos de ação deve sempre escolher o maior bem. Buridan defendia que a escolha devia ser adiada até que se tivesse mais informação sobre o resultado de cada ação possível. Escritores posteriores satirizaram este ponto de vista imaginando um burro que, diante de dois montes de feno igualmente acessíveis e apetitosos, deveria deter-se enquanto pondera por uma decisão.” (WIKIPÉDIA, 2006a).

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2. avaliação como gestão, focalizando os instrumentos de comunicação e controle, o

modo de agir;

3. avaliação como problemática do sentido, pela interpretação da ação continuada

pelos signos e seu complexo de trocas simbólicas.

Essas epistémes, conforme Bonniol e Vial (2001, p. 35), “[...] correspondem a um

conjunto de modelos e sintagmas, em perspectiva, pela passagem do esquema, com a

inscrição prioritária no conflito paradigmático”. Com base nesses eixos, o avaliador opta por

um conjunto de modelos de referência derivados diretamente da convergência de aspectos

teóricos articulados coerentemente e a pertinência de uma visão de mundo.

Nos quatro itens seguintes, desenvolverei estas três epistémes, assim como, no último,

o referencial utilizado para o processo avaliativo conduzido neste trabalho.

4.1 A Avaliação como medida

Um dos sentidos primários da avaliação está no fato de que, ao emitir opinião ou

julgamento a respeito de alguma coisa, estamos classificando. Qualquer campo, por

princípio, possui contextos classificatórios que, calcados na estrutura social, visam à

comparação e à subseqüente ordenação de objetos de estudo.

Esta epistéme recai no problema de se construir um escala de medida que subsidie o

avaliador na pesquisa da relação causal dos efeitos observados. Para tanto, métricas são

desenvolvidas de modo a subsidiar os juízos do avaliador.

Entretanto, a complexidade do campo educacional limita a sua matematização,

mormente os objetivos da formação, e nesta altura surge o ponto em comum a todas as

críticas a este modelo: princípios subjetivos que fundamentam as métricas podem

fundamentar um juízo no campo da educação?

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Sabemos que a redução do objeto de estudo a um modelo matemático implica, de

maneira geral, a perda da sua complexidade. Contudo, o princípio reducionista supracitado é

valido não somente para métricas, mas para qualquer instrumento. O excesso, em qualquer

caso, é nocivo e conduz a uma alienante ilusão de simplicidade que não se sustenta diante da

complexidade dos problemas.

4.2 A Avaliação como Gestão

Como ato de gerir, a importância da verdade é reconhecida como meio para

fundamentar adequadamente a resolução de um problema ou o planejamento de uma ação. A

avaliação neste paradigma é conduzida pelos sujeitos instituintes, o que mescla sujeito e

objeto e orienta o processo rumo à tomada de decisões. Temos um ciclo onde o avaliador

precisa transpor o semblant, e reconhecer o encaminhamento à ação é, antes de tudo, um

exercício de interpretação e escolha. Ele lastreia-se na informação, mas sua decisão brota do

seu gênio em, iterativa e concomitantemente, formular e avaliar a eficácia do que se quer para

a instituição.

Essa heurística tem por princípio que a construção de um ambiente formal para a

crítica dos objetivos, meios e ações institucionalizados é pressuposto para a concepção de

orientações estratégicas que possam alinhar os subsistemas internos da instituição às

mudanças do ambiente, antecipando percepções e exigências das comunidade interna e

externa.

No entanto, construir indicadores como referências para o desempenho institucional e

a situação desejada não é condição suficiente para a tomada de decisões. É importante

reforçar que a proposição anterior se mantém mesmo se os indicadores utilizados forem

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constituídos a partir dos objetivos derivados das relações estabelecidas no locus institucional.

É necessário a superação de duas questões estruturais:

1. A distribuição do poder e a illusio permitem que o processo avaliativo seja um

instrumento emancipatório?

2. Os indivíduos instituintes possuem a competência necessária para conduzir um

processo avaliativo que possua nexo ou harmonia entre fatos e a elaboração de

prescrições?

O caráter de avaliação como negação determinada, reportado pela primeira questão,

remete ao fato de que os avaliadores não são perfeitamente autônomos.

Nesta epistéme, a avaliação tem uma função política, relacionada a ajudar no bem

comum e, por uma óptica Weberiana, uma racionalidade burocrática cuja positivação está

relacionada à sua capacidade em aumentar os benefícios decorrentes. Como burocracia, o

processo avaliativo enfrenta duas forças antagônicas:

1. As pressões externas, derivadas de outras objetivações, e a sua influência na

racionalidade avaliativa.

2. O desgaste gradativo do aspecto regulador da avaliação perante o sensus

communis.

Ou seja, essa racionalidade implica um nível de renúncia que fragiliza sua

legitimação e demanda proteção contra pressões externas, a fim de poder ser dirigida para os

seus objetivos e não para outros.

Nesse sentido, a racionalização deve ser entendida também como instrumento para o

esclarecimento, e não apenas um espaço de dominação e subjugação.

Assim como na epistéme anterior, o risco está no fetiche pelos meios,

comprometendo o caráter prescritivo da avaliação e seu potencial para a ação.

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4.3 A Avaliação como problemática do sentido

Do continuum das epistémes anteriores tem-se a percepção de que a avaliação

constitui um tecido de relações complexas, exigindo a superação de uma concepção de

objeto em termos de um amálgama de sentido. Para tanto, parto da idéia de que os indivíduos

instituintes são capazes de razão (teórica e prática), são capazes de juízos reflexivos. Ou seja,

a apreensão do sentido deriva das condições em que temos a capacidade, a oportunidade e o

desejo de fazer um julgamento correto. O desafio da avaliação constitui um problema que

mescla ética, moral e o contexto socioeconômico. Conforme BONNIOL e VIAL (2001, p.

347-348),

[...] as ciências da natureza, assim como as ciências humanas são confrontadas hoje com muitas questões-chave ou ‘desafios’, que dizem respeito simultaneamente à natureza do conhecimento e à natureza da realidade: • O desafio da síntese em face da pulverização dos saberes

especializados. • O desafio das relações complexas que se estabelecem entre o sujeito e

objeto do conhecimento. • O desafio do determinismo: como integrar a desordem e o acaso no

conhecimento real? • O desafio da emergência de formas organizadas (auto-organização). • O desafio da articulação entre as diversas dimensões (física, biológica,

antropológica e social) constitutivas da realidade humana. A apreensão do habitus no contexto de uma avaliação exige uma tradução que

possibilite a inteligibilidade da organização, forma de ação e seus objetivos. Assim, a pedra

de toque desta epistéme é a prudência na apreensão como pressuposto de verossimilhança e

potencializador da sua efetivação em ação.

Esse constructo não se conforma com os usos, costumes, idéias e tradições

hegemônicos e configura um trabalho dialógico que, em tese, pressupõe a justificação

pública como princípio para o acordo entre juízos.

Dessa forma, esta epistéme reporta às anteriores e tem imanente a complexidade do

campo, remetendo a métrica à valoração e à gestão pela capacidade de produzir um efeito

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concreto. Nessa ordem de pensamentos, podemos derivar desta epistéme a necessidade do

processo avaliativo construir uma identidade reconhecida em que todos aceitam uma base

comum a partir da qual todos os indivíduos instituintes argumentam o que pode ou não ser

aceito como justo.

É claro que não se pode esperar a superação total de todas as questões. A meta

praticável leva a inserir elementos nos sensus communis dos instituintes, os quais reduzam os

desacordos, pelo menos no tocante às controvérsias mais irreconciliáveis; por exemplo, o

mais urgente é o consenso entre os seguintes pontos:

• Os imperativos que todos têm de respeitar, como ideais da educação, o estado de

direito, a liberdade de consciência e o direito de participar da arena política.

• Os princípios fundamentais que determinam a estrutura geral da illusio. Claro

que essa investigação pressupõe a elucidação dos grafos de poder, suas

conseqüentes formas de dominação e, de certa forma, a elucidação da identidade

do avaliado.

Para resolver estes pontos, faz-se necessário uma concepção de avaliação que abarque

elementos essenciais, um pressuposto para a manutenção de sua credibilidade por meio da

expectativa da cooperação política e social que os indivíduos instituintes, considerados

razoáveis e racionais, podem endossar a partir do seu próprio sensus communis. Caso isso se

concretize, teremos um consenso baseado em princípios aceitos como razoáveis e, com ele,

uma arena política calcada em equilíbrio reflexivo.

Em face da relação entre avaliação e ética, conforme foi trabalhada nos capítulos

anteriores, a possibilidade de juízos reflexivos pode ocorrer como se o entendimento

derivasse de um acaso feliz. A articulação de sentidos gera tensões entre experiências e

expectativas que este locus, por ideal e não por princípio, idealiza que um sentido com uma

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pragmática compartilhada é o ingrediente básico à construção de condições para

emancipações sociais num presente onde o desigual se afirma pela não-tentativa.

O processo educacional tem sempre por ponto de apoio o ideal de algo que,

retomando os princípios enumerados por Kant, é aceito como valioso. O conhecimento

associado, contudo, permanece num nível formal, onde o seu encaminhamento à ação calca-

se na possibilidade de reconhecimento entre objetivações que, superando por incorporação o

conhecimento meramente formal, permitiria aos instituintes um movimento emancipatório.

Essa abertura pode ser possível, na medida em que relações desiguais de poder cedem

lugar a relações onde este é partilhado, e, com base em uma pragmática comum e na abertura

do capital social, os grupos decidem os parâmetros para o processo avaliativo.

A efetivação em ação exige do seu agente, o avaliador, a capacidade de articulação e

apreensão crítica dos saberes e práticas imanentes ao objeto avaliado. Esta “propensão à

crítica” da avaliação subsidia a motivação para descobrir em campos externos ao objeto de

estudo respostas que não se encontram dentro dos limites de um dado habitus, resultante de

uma conjugação de tempos, de ritmos e de oportunidades.

A construção de uma identidade comum aos instituintes assenta na possibilidade de

partilhar as práticas e tornar possível um protocolo entre as urgências das ações demandadas

pelos grupos, constituindo uma linguagem de consenso básico, uma matriz metodológica.

Sem essa conjugação, a interação torna-se imperial, e o trabalho de avaliação transforma-se

num instrumento predatório, perigoso, quando lembramos que este se efetiva por meio de

regras, conjecturas e princípios considerados certos e inteligíveis por todos.

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5 Estratégia metodológica

“O que deseja comprar?” perguntou a Ovelha, erguendo os olhos do seu tricô por um instante. “Ainda não sei muito bem”, Alice respondeu, muito gentilmente. “Gostaria de dar uma olhada em tudo a minha volta, se me permite.” “Pode olhar para sua frente, e para os dois lados, se quiser”, disse a Ovelha, “mas não pode olhar para tudo a sua volta... a menos que tenha olhos na nuca.” Acontece que isso Alice não tinha; assim, contentou-se em dar um giro, olhando as prateleiras enquanto as percorria. A loja parecia cheia de toda sorte de coisas curiosas... mas o mais estranho de tudo era que, cada vez que fixava os olhos em alguma prateleira para distinguir o que havia nela, essa prateleira específica estava sempre completamente vazia, embora as outras em torno estivessem sempre abarrotadas. “As coisas aqui são tão fugidias!” comentou por fim em tom queixoso, depois de ter passado cerca de um minuto perseguindo uma coisa grande e lustrosa, que às vezes parecia uma boneca e outras vezes uma caixa de costura, e sempre estava na prateleira acima da que estava olhando. “E isto é o mais irritante de tudo... mas vou lhe mostrar...” (CARROLL, 2002, p. 193-4)

A avaliação conduzida neste trabalho configura um exercício metodológico delimitado

a uma IES específica. O porquê deste processo está relacionado à defesa experimental da

conjectura de que é possível desenvolver um processo avaliativo, mesmo que muito simples,

conforme articulação argumentativa apresentada nos capítulos anteriores.

A estratégia adotada para apreensão da problemática do sentido parte da acepção do

sensus communis associado às populações instituintes da IES estudada como objeto de

pesquisa. As delimitações metodológicas, em função da epistéme adotada, focam o uso de

instrumentos que possibilitem a inferência indireta das articulações dos conhecimentos por

meio de estatística, ou diretamente por meio de entrevistas. Os aspectos pragmáticos na

definição desses instrumentos remetem à identidade do agente responsável pela mediação

com a Instituição avaliada, aplicação dos instrumentos, análise e sistematização dos resultados

e triangulação das informações coletadas com bancos de dados institucionais.

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O aceite da minha presença foi mediado entre três premências:

• As limitações físicas e operacionais do avaliador.

• O contraste entre tempos do avaliador e da instituição.

• O espaço político do locus institucional.

Qualquer processo avaliativo possui características pragmáticas: no caso, um único

avaliador, o autor, nas limitações de espaço e tempo de uma Tese. Nesta arena, o tempo do

avaliador é, por princípio, muito mais célere que o da instituição, que se manifestou com

dificuldades para digestão das críticas apresentadas e conseguinte encaminhamento às ações

na mesma velocidade em que estas fossem formuladas. Entre ajustes e reajustes, um protocolo

foi normatizado. Este centrou-se em três normas fielmente cumpridas:

1. A Administração não censuraria a exposição ou o conteúdo das críticas

desenvolvidas na tese.

2. A tese e todos os dados coletados retornariam à instituição com a seguinte

ressalva: sem as chaves primárias ou qualquer texto que possibilitasse a

identificação deles.

3. Os textos produzidos no contexto desta tese preservariam a identidade da

Instituição avaliada.

A existência deste espaço dialógico foi, sob o risco de recair no princípio da

carruagem16, a referência meta-avaliativa para o trabalho desenvolvido. Os instrumentos

utilizados, os princípios metodológicos inerentes a estes e a capacidade de sua articulação

lógica com a teoria por parte do avaliador levaram a um plano orientado a procedimentos aos

quais presumi capazes de avaliar criticamente pelo crivo de uma concepção argumentativa de

razão prática. Outrossim, ao explorar os argumentos centrais, a elucidação dos fundamentos

16 Este princípio reporta a uma anedota que Max Weber fazia contra a aplicação do materialismo histórico pelos marxistas, onde dizia que estes desmascaravam os interesses das outras ideologias, mas não aplicavam seu método contra sua própria ideologia (LÖWY, 1994, p. 86).

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normativos da crítica justificou-se como um exercício reflexivo calcado no ideal que tem a

racionalidade como mola para superação de um estado de menoridade.

A efetivação do espaço supracitado remete a uma postura reflexiva que, em meio à

heteronímia, foi idealizada de forma a potencializar juízos morais e estéticos que,

formalizados em uma tese, agregassem capital cultural suficiente para potencializar ações

emancipatórias na illusio do campo educacional estudado. Dessa forma, tenho por

fundamento que na Instituição estudada as articulações entre as prescrições de natureza

indutiva e empírica desempenham um papel central na produção da hegemonia e do sensus

communis. Isso posto, a crítica que desenvolvo a estes conhecimentos calca-se no contraste

entre imperativos e valores por meio da negação da illusio desenvolvida num espaço onde

contradições engedram, muitas vezes, códigos sutis de dominação. Estes, por princípio,

manifestam-se em qualquer racionalidade que envolva a predição e o controle, o que justifica

neste trabalho a ênfase metodológica à dimensão política — implícita na noção de sensus

communis como uma estrutura estruturante — e sua mediação complexa com o locus

educacional (a estrutura de poder e sua dinâmica, a burocracia institucional e o contexto

socioeconômico) como meio para

[...] traduzir com suficiente clareza suas condições de generalidade e, simultaneamente, de especialização, de capacidade de teorização, de crítica e de geração de uma problemática própria, transcender pelo método não só o senso comum, como as racionalizações primárias (GATTI, 2002, p. 32).

Na linha de Gatti, nos próximos tópicos articulo metodologias e instrumentos

utilizados para apreensão dos princípios — no caso morais, curriculares e mercadológicos —

e desejos das populações que constituíram os componentes empíricos deste trabalho.

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5.1 As categorias empíricas

Dado que o habitus é transmitido, diretamente, pelo convívio no interior dos grupos e,

indiretamente, pelo contexto arquitetônico e social, as características estruturais do locus

institucional devem convergir no sentido de estabelecer limites para o sensus communis. Para

tanto, abordei o objeto de estudo transversalmente por 5 fatores de referência: 3 populações

(docentes, discentes e administração) e 2 componentes contextuais (arquitetura e contexto

socioeconômico). A estratégia utilizada para atacar esses fatores será discutida no tópicos a

seguir.

5.1.1 Docentes

O estudo da população de docentes comporta o espaço amostral definido pelos que se

encontravam contratados pela IES em 2004. Para estes, temos a priori as seguintes

conjecturas funcionais:

• A dependência com as opiniões dos discentes.

• A área do conhecimento determina componentes do habitus docente.

• A administração e a arquitetura delimitam o campo das relações entre discentes e

docentes.

• A sociedade é condicionante, e delimitadora, do sensus communis tecido entre

discentes e docentes.

Quanto ao habitus docente, parto do princípio que este orienta-se principalmente por

dois fatores: o locus específico e a área do conhecimento.

• Locus específico: ao compartilhar um mesmo espaço físico, burocracia e estrutura

de poder imediata, os docentes tendem a compartilhar um mesmo capital social.

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• Área do conhecimento: pela posse de capitais culturais semelhantes.

5.1.2 Discentes

O espaço amostral adotado neste recorte delimita os discentes matriculados entre 2003

e 2006. A população discente possui um contato de caráter transitório com a IES, possuindo,

dada suas características exógenas, uma volatilidade maior perante o sensus communis na sua

percepção da prática educacional. No entanto, uma vez inserido na instituição, o discente

passa a assumir e influenciar o habitus corrente. Este se assume delimitado pela burocracia

institucional e efetiva-se por meio do convívio com docentes e técnicos.

5.1.3 Administração

Considerou-se como espaço amostral os funcionários com contrato vigente entre 2004

e 2006, sendo este grupo considerado como parâmetro fundamental para a apreensão das

práticas. Assumindo, com controvérsias, que a educação pode ser considerada um fim, o

corpo técnico seria apenas a parte do meio para atingi-la. Entretanto, a administração também

é um fim quando impõe sua pragmática como parâmetro para as relações entre discentes e

docentes. Nessa óptica, mais que ordenar a illusio, a administração é tabuleiro e Dama numa

partida de Xadrez constituída na arena política que se desdobra em torno de prescrições nem

sempre conciliáveis sobre quem deve arcar com o ônus.

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5.1.4 Arquitetura

A convivência dos grupos ocorre num espaço que, conforme sua apreensão pelo

sensus communis, percebe o espaço em função do bem-estar individual e coletivo. Os efeitos

do ambiente em uma instituição de ensino são mediados pela política institucional e como

esta apreende as relações que vão se estabelecer nesse espaço. Dessa forma, o componente

arquitetônico é tomado como referência para a compreensão do habitus e sua relação

indivíduo-espaço, tendo em vista o espaço construído e as interações grupais mediadoras dos

elementos identitários do sensus communis.

5.1.5 Contexto socioeconômico

O contexto socioeconômico está intimamente ligado à delimitação do campo ao qual a

instituição estudada está imersa. Neste estudo, as informações obtidas foram consideradas

conforme as limitações éticas assumidas — principalmente a do não-fornecimento de

informações que permitissem a identificação da IES —, dos discursos das populações

instituintes e da illusio instituída.

5.2 A aquisição de dados

A ida a campo foi planejada em duas etapas:

• Um primeiro momento, onde, com o uso de questionários fechados e entrevistas

semi-estruturadas não presenciais, elaborou-se um panorama do campo estudado.

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• Um segundo momento, para aprofundamento nos temas surgidos na primeira

etapa com o uso de entrevistas semi-estruturadas.

Os instrumentos supracitados comportam um repertório de técnicas e princípios, que

serão detalhados nos tópicos a seguir.

5.2.1 Questionário fechado

Os procedimentos rotineiros de auto-avaliação da IES contemplaram o componente

discente por meio de um questionário. A instituição disponibilizou as bases de dados,

referentes às aplicações do instrumento, do segundo semestre de 2003 e primeiro semestre de

2004. O acesso ao banco de dados relativo a este componente mesmo foi parcial: 24 questões

fechadas17 com alternativas associadas, por texto explicativo, a um grau de concordância de

0% a 100% em relação ao exposto. Esse banco de dados foi avaliado por procedimentos de

estatística coesitiva e implicativa descritos no ANEXO B.

5.2.2 Entrevistas semi-estruturadas

Indivíduos correspondentes às categorias analíticas Discentes, Docentes e

Administração18 foram submetidos a entrevistas semi-estruturadas conduzidas conforme uma

orientação reflexiva calcada na possibilidade de “[...] uma situação de interação humana, em

que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e

17Vide Quadro 2, p. 72.

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interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado” (SZYMANSKI, 2002,

p. 12).

Na interação entre entrevistador e entrevistado, uma rede de significações complexa

— que tem como base estrutural o movimento reflexivo associado ao diálogo e,

principalmente, à narração — é tecida e, muitas vezes, constitui um sistema caótico,

identificável por dois fenômenos (usuais em muitos modelos matemáticos):

• estranhos atratores: pontos de convergência do discurso percebidos somente sob

análises dos múltiplos cruzamentos temáticos no corpus;

• fraturas: mudanças abruptas do discurso.

O dialogo é dirigido a partir de roteiros destinados a orientar as questões, ou estímulos,

que “[...] focalizam o ponto em que se quer estudar” (SZYMANSKI, 2002, p. 27), assim como

“[...] tem por objetivo trazer à tona a primeira elaboração ou um primeiro arranjo narrativo

que o participante pode oferecer sobre o tema que é introduzido” (SZYMANSKI, 2002,

p. 28). Neste trabalho o roteiro contou com algumas especificidades que estenderam sua

potencialidade, tais como:

1. Momentos de reflexibilidade temática univariada. Em pontos predeterminados, foi

solicitado ao entrevistado uma síntese relativa à questão desenvolvida.

2. Momentos de reflexibilidade temática multivariada valorada. Ao fim de

determinados grupos de questões — em momentos predeterminados —, foi

solicitado ao entrevistado uma síntese multivariada e valorada, relativa ao grupo

supracitado.

Foi utilizada uma ferramenta computacional desenvolvida especificamente para este

trabalho para o registro dos dados em tempo real — o software desenvolvido denominou-se

18Conforme a categoria analítica os grupos foram compostos por seleção ou amostragem.

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Shusaku19. O modelo conceitual do sistema de bancos de dados relacional utilizado pelo

Shusaku pode ser observado na Figura 1. Essa estrutura permite a compilação integral das

informações associadas a um procedimento de análise de conteúdo convencional20.

O Shusaku foi otimizado de modo a auxiliar o pesquisador nos procedimentos de

sistematização das informações coletadas no decorrer de procedimentos de análise de

conteúdo, sistematizando esses dados de modo a facilitar a aplicação de modelos estatísticos

multivariados.

Obs.: Setas duplas - relação “um para muitos”; setas simples - relação “um para um”. Figura 1 – Estrutura conceitual do banco de dados do software Shusaku.

5.2.3 Grupos de entrevista coletiva

Considerou-se neste procedimento de coleta de dados uma entrevista a um grupo de

pessoas para discutir a partir de alguma atividade coletiva — usualmente um roteiro de

debate — temas relacionados a um objeto de pesquisa. Na construção dos procedimentos de

19O nome do software é uma pequena homenagem a Honinbo Shusaku (1829-62), um dos melhores jogadores de Go de todos os tempos.

20Para uma explanação do software, hardware e estratégias de coletas de dados associado ao Shusaku, vide ANEXO A.

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coleta de dados utilizei como referência alguns princípios que Gatti (2005, p. 23) associa a um

grupo focal:

A ênfase recai sobre a interação dentro do grupo e não em perguntas e respostas entre moderador e membros do grupo. A interação que se estabelece e as trocas efetivadas serão estudadas pelo pesquisador conforme os seus objetivos. Há interesse não somente no que as pessoas pensam e expressam, mas também em como elas pensam e por que pensam o que pensam.

A avaliação da saturação das informações coletadas, em função de sua carga subjetiva,

pode ser estimada a partir do esgotamento dos temas. Ou seja:

Se as informações forem consideradas suficientes, não se compõem outros grupos. Essa suficiência depende das pretensões dos pesquisadores e do estudo, mas ela é admitida quando se julga que já se obteve o conjunto de idéias necessário para compreensão do problema e se julga muito provável que novas idéias não aparecerão. (GATTI, 2005, p. 23).

A condução da entrevista em grupos possuiu os seguintes elementos básicos:

• Uma equipe composta por dois pesquisadores: um exercendo a função de

mediador (responsável pela observação do roteiro de entrevista); e outro de

observador (responsável pela anotação das expressões não verbal e marcação de

momentos significativos da entrevista).

• Duração entre uma e duas horas.

• Grupo composto de quatro a doze indivíduos. A seleção dos indivíduos partiu da

definição de atributos que, conforme o foco da coleta de dados, podiam ser

comuns a todos (curso, área do conhecimento) e de máxima variabilidade

(unidade curricular, idade e sexo).

• Uso de roteiro elaborado a partir dos objetivos da pesquisa.

• Registro da entrevista por gravador ou filmagem e anotações da linguagem não-

verbal (expressão facial, gestos, ...).

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5.2.4 Estratégia de amostragem

As amostras das entrevistas de discentes e docentes foram estratificadas — conforme

modelo presente em Cochran (1965, p. 127-161) — por curso, partindo sempre de listagens21

referentes à população envolvida. Contudo, foi necessário desenvolver um modelo de

avaliação do tamanho ótimo da amostra que, por sua vez, exigiu a compilação de uma técnica

iterativa, composta por procedimentos de análise de conteúdo e inferência estatística, para

medrar os modelos desenvolvidos.

Esquematicamente foi concebida uma unidade analítica básica — apresentada na

Figura 2 —, na qual foram definidos os componentes:

1. Entradas: ao menos duas amostras de entrevistas — respectivamente Aei e Aej —

com seus tamanhos, dentro das possibilidades, iguais.

2. Processos: cada amostra foi submetida a procedimentos de análise de conteúdo

representacional, e sua distribuição comparada pelo teste de qui-quadrado com a

correção de Yates para pequenas amostras. (POPPING, 2000, p. 15-23).

3. Saídas: caso não se observe diferença significativa entre as amostras, elas são

unidas (Aei,j), caso contrário, permanecem separadas (Aei e Aej).

Conforme o componente 2 uma nova amostra esta é comparada com as pré-existentes

até que defina uma configuração ideal. De acordo com o exemplo na Figura 2, para duas

amostras, temos duas possibilidades: um grupo contendo as duas amostras ou dois grupos —

um com cada amostra — respectivamente. Ao fim de cada conjunto de processos, são

registradas duas estatísticas: número de elementos do conjunto total de amostras e o número

de grupos de amostras.

21A população de discentes teve como rol a listagem dos alunos matriculados; para os docentes, a base de dados de referência foi a folha de pagamento.

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Como a ordem das amostras pode afetar o número de grupos, a cada coleta as amostras

foram reordenadas por uma simulação no qual, exaustivamente, permutaram-se as amostras

obtendo-se pares ordenados alternativos.

A cada passo, avaliou-se, por meio de um modelo regressivo, se a nuvem de pares

ordenados define uma assíntota cuja inflexão indica o ponto onde a análise de conteúdo

entrou em saturação.

Figura 2 – Unidade analítica referente a entrevistas, análise de conteúdo e testes de aderência.

5.3 As etapas de coleta de dados

A aquisição e o processamento sistemático das informações referentes à instituição se

desdobrarão em duas fases distintas, com as seguintes características:

A primeira etapa tem uma ênfase exploratória focada em bases de dados

preeexistentes e entrevistas semi-estruturadas. Da crítica aos resultados obtidos por

estes instrumentos, serão definidos os roteiros das entrevistas definitivas e

estimativas dos tamanhos mínimos de amostra a ser trabalhados.

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Na segunda etapa foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com roteiros

compilados a partir dos seguintes parâmetros:

- Hipóteses e conjecturas levantadas na primeira etapa.

- Pesquisa exploratória relativa a temas não cobertos ou aprofundados, na

primeira etapa.

- Hipóteses e conjecturas a priori relacionadas a questões multivaloradas.

5.4 O processamento dos dados

Os sistemas computacionais utilizados no processamento dos dados coletados são os

seguintes: Access, CHIC (Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive),

Mathematica, PL/SQL, Shusaku e SPSS (Statistics Package for Social Science). O Quadro 1

relaciona função e software.

Software Função Access, PL/SQL Gerenciamento dos bancos de dados relacionais CHIC Estatística implicativa e coesitiva Mathematica Simulação. Shusaku Suporte in loco a procedimentos de análise de conteúdo.

SPSS Estatística descritiva, análise de cluster e reescalonamento multidimensional.

Quadro 1 – Softwares utilizados por função.

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6 A pesquisa empírica: a avaliação de uma

instituição de ensino superior

[...] acrescentou, assaltada por um súbito pensamento. “Vou segui-la até a prateleira mais alta de todas. Vai se ver em apuros para atravessar o teto, imagino!” Mas até esse plano malogrou: a “coisa” atravessou o teto com a maior tranqüilidade possível, como se estivesse acostumada a isso (CARROLL, 2002, p. 194).

Neste capítulo, descreverei os resultados obtidos a partir dos instrumentos formulados

conforme a estratégia metodológica delineada no Capítulo 5 e farei uma crítica da illusio na

qual o objeto de estudo está imerso.

6.1 Notas sobre o locus da pesquisa

A universidade em questão iniciou as suas atividades no final da década de 80, sendo

reconhecida como universidade em meados dos anos 90. Desde então, a IES tem tido uma

posição agressiva no mercado, expandindo as suas atividades a taxas de crescimento elevadas.

Em 2005 a instituição possuía três campi, oferecendo cerca de 40 cursos de graduação, os que

abrigam mais de 13.000 alunos e 900 docentes.

No final dos anos 90 a IES deu início à elaboração de um modelo de auto-avaliação

complementar, concebido como instrumento para a otimização da gestão de forma a permear

seu planejamento estratégico. Desde então, a IES vem se submetendo aos projetos de

Avaliação Institucional adotados pelo MEC, através do Sistema Nacional de Avaliação do

Ensino Superior, SINAES. Nesse contexto, cedeu todos os seus bancos de dados

institucionais a este trabalho: dos instrumentos do seu processo de auto-avaliação aos dados

gerenciais. Sem essa colaboração este trabalho seria impossível.

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6.2 Análise dos resultados da primeira etapa

As considerações sobre os dados nasceram do embate entre idéias, perspectivas,

teorias, com a avaliação dos componentes empíricos foram efetuadas, detalhando, na primeira

fase, cada especificidade com vista ao desenvolvimento de extrapolações que, na segunda

fase, serão trianguladas e integradas, por meio de outros instrumentos (GATTI, 2002, p. 54).

6.2.1 O componente docentes

Dois instrumentos foram usados para a análise deste componente:

• Entrevista semi-estruturada por telefone.

• Entrevista semi-estruturada presencial.

6.2.1.1 Entrevista semi-estruturada por telefone

Uma vez que eu me encontrava em uma cidade e os docentes estavam distantes (em

outra cidade), foram planejadas entrevistas por telefone com o fim de avaliar preliminarmente

o roteiro a ser aplicado nas entrevistas presenciais, assim como obter uma primeira

aproximação da malha implicativa.

Com o apoio de uma base de dados derivada da folha de pagamento da IES, foram

feitas entrevistas. O roteiro utilizado possuía os seguintes tópicos:

• as impressões a respeito da IES, dos alunos e dos colegas (docentes);

• a história da vida docente do entrevistado e suas perspectivas;

• as percepções a respeito da administração da IES.

Foram realizadas 40 entrevistas. Os indivíduos foram amostrados quatro a quatro e,

por sua vez, constituíram a unidade básica para uma análise de conteúdo representacional

centrada nas percepções a respeito da IES. A saturação da análise de conteúdo foi

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confirmada22 com 40 entrevistas. Estas, conforme a área do conhecimento, se distribuíram da

seguinte forma: humanas (11), exatas (5), sociais aplicadas (13) e biomédicas (11).

Código Categoria temática Freqüência relativa (%)

1 IES preocupada com os resultados nas avaliações do MEC23. 71 2 Administração centrada no controle da atividade docente. 56 3 Arquitetura impessoal e suficiente para a ação educacional. 45 4 Gestão caracterizada pela existência de feudos.. 41 5 Mercantil: IES centrada no lucro 40 6 Familiar: IES em que todos são amigos. 20 7 Administração alienada, distante da realidade dos docentes (sala de aula). 16 8 Empreendedora: IES desbravadora de mercados. 13 9 IES nova, na menoridade. 10 10 Administração arrojada: “sem medo de colocar o dedo na feridas”. 10 11 IES que investe no bem-estar social. 8

Quadro 2 – Categorias temáticas relativas às entrevistas de professores aplicadas por telefone em 2003.

A codificação derivada das variáveis temáticas apresentadas no quadro 2 foi

submetida a um procedimento de análise implicativa e conduziu ao grafo presente na

Figura 3. É possível observar a partir da ordenação dos percentuais de freqüência relativa que

ocorre uma inflexão entre as variáveis temáticas 5 e 6, a qual define, por sua vez, uma

fronteira em que temos um grupo de variáveis temáticas com maior prevalência e outro mais

periférico.

22No caso, a inflexão ocorreu para 32 indivíduos e 7 grupos. 23Ministério da Educação.

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1 2

4 5

6 9

7

Figura 3 – Grafo implicativo, com intensidades de implicações das variáveis temáticas relativas à análise de conteúdo das entrevistas dos discentes da IES obtidas por telefone.

Junto ao grupo de maior prevalência se destaca a variável temática (1), esta remete a

uma IES apreendida como preocupada com a avaliação externa, dominada pelos parâmetros

de ordenação e controle promovidos pelo MEC, sendo citadas, direta ou indiretamente,

preocupações associadas aos seguintes eventos:

1. O desempenho institucional e conseqüente classificação obtidos nos processos de

(re)credenciamento de cursos.

2. Os resultados alcançados nos exames de conhecimento mínimo do discente.

Destes itens, a Instituição avaliada se submete aos instrumentos externos e orienta sua

administração a otimizar, obtendo sucesso variável, os escores relacionados aos formulários

avaliativos com as seguintes normas:

1. valoração na contratação de docentes com cursos stricto sensu;

2. otimização dos contratos quanto ao regime de trabalho conforme os critérios

estabelecidos pelo MEC;

3. uso de contratos de curto prazo — semestrais — de modo a agilizar as rescisões

de contrato com os docentes de forma imediata e com ônus mínimo à IES.

Para o primeiro item, os docentes entrevistados evocaram em primeiro lugar o capital

cultural advindo da posse de títulos stricto sensu e sua demanda sobrevinda de uma

solicitação externa (89,12%):

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70

Concordo com a [nome da IES]. Ela precisa de gente titulada e o MEC está cobrando pesado [...]. (724)

Será que esse pessoal do MEC não vê que aqui é muito difícil fazer [cursos de] pós-graduação... Na minha área não existe nada por aqui [...]. (13)

Entre esses docentes, 66.76% não possuem título stricto sensu. Esse grupo associou

sua perda de capital social à mudança das regras em relação ao momento de seu ingresso na

Instituição.

Na minha época não se exigia mestrado... Agora a [nome da IES] vem com essa cobrança! Tenho mais de 50 e já dei muito sangue! (14)

Assim também essa carência de títulos stricto sensu afeta suas respectivas

“empregabilidades”:

O MEC pontua o curso pela titulação dos professores... Hoje em dia quem não tem pelo menos mestrado tem dificuldades [...] Quem só tem a graduação está lascado [...]. (22)

Preciso descolar um mestrado de qualquer jeito [...] Preciso do emprego [...]. (31)

De modo geral, esses docentes percebem na instituição o desdobrar de estratégias

imediatistas, sem mecanismos de apoio à aquisição de capital cultural.

Quando vem comissão, é uma correria para se encaixarem doutores no quadro, mas na hora do batente sobra para os capiaus. (39)

O pessoal que trabalha com pesquisa não quer saber de dar aula na graduação... Não vivem a [nome da IES]. (10)

A [nome da IES] não ajuda a gente [referente à titulação], é tudo na base do se vira! (17)

Esse pessoal do MST! Sabe o que é isso? Movimento dos Sem Titulação [...] Esse pessoal fala, fala; mas o que quer mesmo é não sair do lugar. (12)

Graças a Deus, o MEC inventou essa avaliação! Já estava na hora de acabar um pouco com essas panelinhas e dar carga horária para quem tem competência. (25)

Neste mesmo grupo, os docentes observam que, por meio de uma demanda externa, o

capital migrou de uma matriz social para o cultural. Este contexto criou uma contraposição do

24 A identificação dos indivíduos será por algarismos arábicos de 1 a 40.

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corpo docente com e sem títulos stricto sensu25, os primeiros defendendo seu capital cultural e

os segundos, o capital social. A tensão entre “titulados” e “não titulados” configura uma luta

pelo capital econômico com dois pólos: a manutenção do status quo associado ao capital

social e o reconhecimento na instituição do capital cultural já referendado pelo orgão

regulador (MEC). Observei, que os docentes academicamente menos qualificados têm maior

penetração nos departamentos e na administração e passam a qualificar o trabalho do

pesquisador como elitista. É um discurso atraente, mas subverte a prática docente a um

controle com foco no “chão de fábrica”26, onde uma ideologia pretende nivelar, conforme a

competência crítica, o elo potencialmente mais fraco: o professor como “pé-de-boi”27, com

muita didática, mas num compromisso “de manuais”28 com o conhecimento.

Essa disputa, caso tivesse como arena apenas o campo da competência, teria como fiel

o campo intelectual. No entanto, o conflito ocorre junto à estrutura de poder mais imediata e,

por fim, favorece o docente menos qualificado (não estou me referindo apenas à titulação),

mas com maior disponibilidade diante das atividades que constituem a illusio.

Em relação à segunda norma — otimização dos contratos quanto ao regime de

trabalho conforme os critérios estabelecidos pelo MEC —, na IES os contratos dos docentes

são compartimentados em atribuições correspondentes às cargas horárias das aulas e das

atividades como coordenação, extensão, pesquisa, comissões. Todavia, nem todas as cargas

horárias de trabalho dispostas nos contratos são efetivas: uma parte corresponde a

gratificações, que os coordenadores, a partir de um estoque de horas associado ao seu curso,

podem delegar aos seus docentes.

25 Em janeiro de 2004, na IES, 72,1% não possuíam titulação stricto sensu. 26 Termo utilizado por alguns docentes ao enfatizarem o trabalho conduzido em sala de aula. 27 Regionalismo utilizado pelos docentes, reporta à firmeza, “pau para toda obra”. 28 Termo utilizado para designar os docentes que calcam toda a sua prática na adoção de uma referência

bibliográfica prática, um vade-mécum.

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A maior parte do montante das cargas horárias, contudo, deriva de aulas efetivas,

relacionadas à atribuição, por parte do coordenador, de disciplinas aos docentes. Esse

mecanismo de distribuição de encargos é muito criticado por concentrar poder na

Coordenação e com isso estimular à formação de grupos de interesses:

Receber por carga horária é só para ferrar o professor que trabalha direito... Serve mais para o [nome de funcionário da administração] fazer seu feudo e se manter no cargo. (22)

Quero entrar logo num esquema de carga horária; não dá para ficar só me matando, dando aula. (4)

A Administração, conforme observado in loco e evocado nas entrevistas efetuadas na

Fase 2, tem um controle orçamentário altamente informatizado que garante a não-

sobreposição de horas efetivas centrada no controle dos totais gastos nas chamadas “horas

atividade” — carga horária relativa a gratificações. Os docentes, quando cientes da existência

do sistema, posicionam-se de forma favorável à sua existência.

Você acha que estão todos lá... Dando aula? Agora com o [especificou Administradores da IES] diminuiuram os problemas, mas ainda há trampo [subterfúgios]. (6)

A crítica ao sistema de atribuição de cargas horárias do curso pelos Coordenadores

embora hegemônica, teve uma contraposição de pequenos grupos favoráveis ao sistema. Estes

argumentam que o Coordenador reconhece o bom desempenho.

O coordenador, à medida que vai percebendo potencialidades no professor, vai dando carga horária para ele... Quem trabalha bem tem uma boa carga horária. (9)

Para um bom professor tem coordenador saindo no tapa para ter ele. (13)

A questão é: os critérios utilizados pelos coordenadores orientam-se no sentido das

competências do docente ou no sentido gregário? Provavelmente temos uma mescla

pragmática entre os dois fatores, mas a questão das relações de poder ocorreu de forma

transversal em todos os questionários e remete à tendência da Instituição em constituir feudos

administrativos (esta questão será retomada nos capítulos subseqüentes).

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73

Em contraponto a uma certa vulnerabilidade apresentada pelos docentes em relação à

administração, estes evocaram uma associação entre alterações da infra-estrutura e

solicitações de organismos externos, como o MEC e a Prefeitura Municipal.

[...] só saiu o elevador porque o MEC exige [...]. (35)

[...] se a avaliação não exigisse não conseguiríamos os equipamentos. (36)

O estacionamento só saiu devido à pressão da Prefeitura [...]. (27)

A distribuição do poder na Instituição deriva de sua constituição histórica; o fato de

ser propriedade privada dos seus fundadores, desse contexto se desdobrou uma organização

com a maior parte do poder de tomada de decisões concentrada na reitoria.

Na IES estudada, a reitoria controla o orçamento e delineia parâmetros a serem

seguidos pelas instâncias inferiores, entre elas, as coordenações de cursos. Embora controlado

pela reitoria, esse segundo escalão possui uma autonomia quase irrestrita em questões

acadêmicas como currículo, contratação de professores, atividades discentes e secretaria. A

reitoria, de um modo geral, não se envolve nesse nível de atuação acadêmica, o que permite a

diversidade de estratégias da coordenação junto aos docentes. De um modo geral, os

coordenadores, quando questionados a respeito de sua estratégia de manutenção do quadro

docente, afirmam que tentam estabelecer equipes de professores que sejam afins com a

capacidade acadêmica (didática e conhecimento). O primeiro atributo, para os docentes, foi

predominante, sendo relacionado à variável temática “existência de feudos” (variável temática

4).

Tenho dificuldades para manter as disciplinas [...] Não sou amigo do Rei, não tenho QI [jargão: Quem Indicou]. (22)

Aqui existem grupinhos que fecham a carga horária e ficam na moleza [...] (19)

Estar em uma equipe é bom [...] Dá segurança, estabilidade [...] Também ajuda a coordenação, uma vez que não fica dependente de um só professor. (13)

Veja: os cursos com melhores notas no Provão [Exame Nacional de Cursos] são os que têm equipes construídas no passar dos anos pelo coordenador [...]

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Um bom coordenador é aquele que sabe favorecer a formação de boas equipes [...] Todos ganham. (9)

Podemos observar na Figura 3 que, a partir da variável temática 4, os docentes

atribuíram — a uma probabilidade de 0.834 — à administração uma coisificação dos

instituintes por meio de uma lógica com viés para as vantagens financeiras. A variável

temática “mercantilismo: administração centrada no lucro” reportou a essa característica. A

seguir, exemplos de frações de discursos onde surge a menção ao mercantilismo da IES:

A [nome da IES] visa, antes de tudo, ao lucro.

A [nome da IES] é ávida por ganhar dinheiro. (22)

Veja o McDonald’s num pátio que não tem um espaço para os alunos sentarem. É mercantilismo puro! (26)

Na mesma regra temos, entrando em uma variável periférica e fechando a seqüência, o

tema “alienação: administração distante da realidade dos docentes (sala de aula)” (variável

temática 7). Temos como exemplos desse atributo:

[...] casa grande [reitoria] não conhece a senzala [sala de aula]. (37)

A administração não conhece nossa clientela... Deixam qualquer um entrar, depois é responsabilidade do professor lidar com esse aluno. (38)

Ou seja, a regra parte da menção, negativa, à existência de grupos na IES, atribui uma

visão mercantilista à administração que, por sua vez, também é considerada alienada em

relação à atividade docente.

Ao conjunto de implicações supracitado, podemos enfatizar, a partir das 5 primeiras

variáveis temáticas e da variável periférica 7, o reportar, de forma recorrente, a um sensus

communis com pseudoconcreticidades orientadas a um modelo de racionalidade tecnológica

da qual podemos desdobrar as seguintes conjecturas:

A política institucional possui idéias que, ao focar ora o indivíduo ora o coletivo,

colocam num patamar inferior os aspectos subjetivos da realidade.

Os docentes que mais se aproximam dos parâmetros ditados pela política

institucional aderem de forma acrítica à idéia de progresso, enfocando um ganho

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75

imediato como decorrente de um processo no qual ele se encontra racionalmente

inserido.

Os docentes que não se ajustam à política institucional negam os aspectos

pragmáticos dela, desenvolvendo pseudoconcreticidades que, também de forma

acrítica, aderem à idéia de perseguição e mudança das regras do jogo.

Os atributos mencionados pelos discentes, que remetem a uma IES orientada ao

controle da atividade docente estão relacionados à questão do “conhecimento mínimo do

discente” (componente da variável temática 1) e à “administração centrada no controle da

atividade docente” (variável temática 2) — como podemos observar na Figura 3 a uma

probabilidade de 0,963. Respectivamente, temos que os docentes associam a Administração

às seguintes ações:

1. Controle do conhecimento: o docente é o maior responsável pela educação do

discente. Portanto, deve prestar contas pelo seu desempenho nas avaliações

externas centradas no conhecimento.

A Reitoria só fala em Provão [Exame Nacional de Cursos]... O curso vai mal e começam as convocações para as reuniões [...]. (26)

Para a Reitoria, a culpa das notas ruins no Provão é só dos professores [...] Agora que sabem as notas do Provão por área do conhecimento, a pressão em cima do camarada é imensa [...]( 4)

2. Controle operacional: o docente é um funcionário assalariado que, como tal, tem

deveres bem-estabelecidos (trabalho a cumprir, horários e prazos).

Eu queria que a grana que utilizam para fazer essas talas [cartões utilizados na IES, posteriormente lidos por leitoras ópticas] fosse repassada para o nosso salário. (5)

Esse sistema controla tudo [...] Vivemos para preencher talas e seguir o calendário acadêmico. (6)

Gosto do controle daqui, sou organiza[do/da] e sempre cumpri minhas obrigações! [...] Tiro de letra [...] (9)

[...] a cobrança aqui é em cima. (13)

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O viés que a Administração tem para o controle burocrático, segundo os docentes

entrevistados, tem paralelo com a arquitetura da instituição, que é impessoal, feia, mas com a

infra-estrutura necessária para dar manutenção às suas atividades. São exemplos as frações de

discurso que apresentam esse posicionamento:

A [IES] é uma caixa de sapatos [...] Muito feia [...] As salas são horríveis.(17)

[Os prédios da IES] Parecem uns caixotes [...] É impessoal, mas não vejo problema nenhum nisso. (31)

Temos um bom espaço físico. [...] Não, não posso dizer que acho bonito [...] Não tem o tipo de arquitetura que se diga ‘oh’, mas tem tudo de que preciso e, digo mais, é o que importa! (13)

Por outro lado, temos, também a partir da variável temática 4, uma regra periférica em

que os docentes valoraram a IES de forma quase radicalmente oposta. Nessa regra os grupos

são vistos e positivados como equipes e — a uma probabilidade de 0.792 — se relacionaram à

variável temática “familiar: IES em que todos são amigos” (variável temática 6) que, por sua

vez, fecha a regra ligando-se à variável temática “IES nova, na menoridade.” (variável

temática 9). Temos as seguintes falas como exemplos das variáveis temáticas 6 e 9.

Aqui é muito legal, são todos amigos [...] Acho tudo formidável. (9)

Eu visto a camisa da [nome da IES]! [...] Somos todos amigos e, com a reitoria, lutamos para a melhoria da [nome da IES] [...] (13)

A [nome da IES] ainda está se estabelecendo e, como é muito nova, comete muitos erros que vai, aos poucos, superando.(1)

Fora desta regra, mas qualitativamente relacionada, temos na periferia um discurso

que enfatiza a IES como “empreendedora: IES desbravadora de mercados” (variável temática

8). São exemplos desse discurso:

A [nome da IES] começou num galpão... Olhe o campus da [localização do campus], lá era um charco. Ninguém sonhava que se tornaria o monstro que é hoje [...] (2)

Tenho que tirar o chapéu para o [fundador e atual reitor], é um grande empreendedor [...] (7)

A [IES] cresceu porque fez as apostas certas [...] em time que está ganhando não se deve mexer. (14)

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[...] a competência de [membros da reitoria] é a mão firme da [nome da IES] [...] a administração] é muito eficiente [...] tenho certeza de que a [nome da IES] vai estar de pé, firme, enquanto as outras, já vemos isso hoje, estão sem dinheiro para pagar até os salários dos professores[...] (40)

Ao se reportarem à história da IES enfocando a coragem e o senso de oportunidade

dos fundadores, os docentes aludem a um passado idílico, construído a partir do contraste com

a realidade estabelecida, caracterizando um processo de alienação que reporta a uma

minoridade auto-inflingida, possivelmente associada a um discurso que disfarça uma

estratégia de adaptação acrítica da realidade imediata.

O panorama oferecido por esse conjunto de implicações estatísticas permitiu a

elaboração das seguintes conjecturas:

A criação da IES está associada a um passado idílico, cuja imagem, contudo,

reflete, racionaliza e defende interesses próprios e compromissos institucionais.

No orquestrar do seu corpo docente, alguns setores conseguiram formar grupos

que, conciliando interesses comuns, conquistaram junto ao espaço social um

capital simbólico, físico e econômico.

O crescimento é creditado à competência da administração e projeta um futuro em

que a IES tem muito destaque.

6.2.2 O componente discentes

Os procedimentos rotineiros de auto-avaliação da IES substanciaram a primeira fase

da coleta de dados, assim como, em caráter preparatório para a fase 2, foram efetuadas

algumas entrevistas.

6.2.2.1 Questionário avaliativo

Este instrumento foi aplicado pela primeira vez no segundo semestre de 2003,

compondo, com uma coleta de dados executada no primeiro semestre de 2004, os bancos de

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dados cedidos para este trabalho. A instituição cedeu o acesso à parte do banco de dados

relativo ao questionário aplicado, disposto em 24 questões fechadas29, sendo as alternativas

associadas, por texto explicativo, a um grau de concordância de 0% a 100% em relação ao

exposto.

Os questionários foram aplicados na população discente por meio de uma amostra

estratificada por cursos e disciplinas30, resultando nos seguintes totais de registros31: mais de

30000 em 2003/2 e cerca de 11000 relativos a 2004/1. Para a primeira coleta de dados, o

tamanho da amostra foi calculado com base em uma estimativa de variância máxima. Em

2004, o tamanho da amostra teve por base os resultados de 2003, o que levou a uma redução

do tamanho em 65,72%.

A esse conjunto foi aplicada uma classificação hierárquica coesitiva, cuja árvore

resultante pode ser observada na Figura 4.

Neste ponto, algumas considerações sobre o modelo utilizado são necessárias:

• O modelo coesitivo utilizado foi o clássico, tendo por base a função variável

aleatória binomial.

• A análise das regras apresentadas nessa árvore coesitiva seguirá respeitando os

sentidos das implicações, ou seja, sempre do mais geral para o mais específico32.

• Por meio do teste de Box’M, detectou-se uma diferença altamente significativa

entre as matrizes de covariância referentes a 2003/2 e 2004/1. Para contornar essa

heterocedasticidade, foi necessário o uso de modelos em que a identificação

destas coletas definiram variáveis auxiliares.

29Quadro 3. 30Com redundância de alunos. 31Estes totais consideram o conjunto de bancos de dados na sua forma mais bruta (primeira forma normal). 32A árvore coesitiva apresentada ordena as variáveis de modo que as implicações não bidirecionais se

apresentem sempre da esquerda para direita.

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• Nesse mesmo esforço, mas com o objetivo de ampliar as possibilidades de análise

exploratória, foram inseridas variáveis binárias referentes aos cursos pesquisados.

A significância dos cursos subsidiou a seleção de sujeitos para a entrevista

presencial em fase posterior.

Código Questão Categoria temática33 Média Desvio padrão

1 O professor evidencia domínio do conteúdo da disciplina que ministra. Postura do Professor 0.83 0.14

2 O professor demonstra clareza, organização e seqüência lógica nos conteúdos. Planejamento 0.77 0.16

3 O professor faz uso de linguagem acessível aos alunos para melhorar a compreensão do conteúdo. Postura do Professor 0.78 0.16

4

O professor, ao trabalhar os conteúdos da disciplina, dinamiza a aula promovendo outras formas de trabalho,além das aulas expositivas(leituras, pesquisas individuais e/ou coletivas, seminários, trabalhos de campo etc.), viabilizando a produção do conhecimento.

Postura do Professor 0.71 0.18

5 O professor estabelece a relação teoria e prática (respeitadas as especificidades da disciplina). Interdisciplinaridade 0.76 0.16

6 O professor esclarece o significado e a importância da disciplina para o curso. Interdisciplinaridade 0.79 0.15

7 O professor relaciona os conhecimentos da disciplina com as demais do curso e à formação profissional. Interdisciplinaridade 0.74 0.16

8 O professor estimula o desenvolvimento do pensamento crítico/reflexivo do aluno.

Estímulo à Participação do Aluno 0.73 0.17

9 Se, na disciplina, os alunos demonstram não possuir conhecimentos básicos necessários para acompanhá-la, o professor procura sanar as deficiências. Aprendizagem 0.74 0.17

10 O professor indica fontes de consulta atualizada para o desenvolvimento da disciplina. Postura do Professor 0.68 0.18

11 O professor estabelece, de forma clara, os critérios de avaliação da disciplina. Avaliação 0.76 0.17

12 O professor utiliza práticas avaliativas que valorizem a reflexão e a solução de problemas mais do que a memorização de dados e fatos? Avaliação 0.73 0.17

13 Os instrumentos de avaliação são elaborados de forma clara e objetiva. Avaliação 0.74 0.17

14 O professor utiliza instrumentos de avaliação compatíveis com o conteúdo, objetivo e a metodologia adotada. Avaliação 0.78 0.16

15 O professor faz análise dos resultados da avaliação(comentário da prova), assegurando o resgate dos conteúdos não aprendidos. Avaliação 0.74 0.18

16 O professor demonstra preocupação em relação à aprendizagem dos alunos. Aprendizagem 0.76 0.17

17 O professor trabalha com respeito às eventuais limitações ou insucesso do aluno.

Relacionamento Professor e Aluno 0.78 0.17

18 O professor estimula o aluno a participar da aula. Estímulo à Participação do Aluno 0.76 0.18

19 O professor estabelece um bom relacionamento acadêmico com os alunos. Relacionamento Professor e Aluno 0.71 0.19

20 Quando ocorrem problemas de relacionamento, o professor procura resolvê-los.

Relacionamento Professor e Aluno 0.69 0.18

21 Na sua opinião, o professor compreende a responsabilidade do seu trabalho e se esforça no sentido de garantir uma efetiva aprendizagem. Postura do Professor 0.80 0.16

22 O professor está cumprindo o planejamento da disciplina. Planejamento 0.83 0.15 23 O professor é assíduo, não cancelando as aulas com freqüência. Postura do Professor 0.85 0.15 24 O professor é pontual no início e término dos períodos de aula. Postura do Professor 0.84 0.15

Quadro 3 – Questionário da IES aplicado aos discentes em 2003/2 e 2004/1.

33Os rótulos associados nas categorias temáticas foram dispostos pelo departamento de avaliação institucional da IES.

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O conjunto mais geral de regras correspondeu à formula ((10⇔19)⇔20)34 — ou regra

A. Essa expressão pode ser traduzida como a valoração de um docente que utiliza referências

bibliográficas consideradas, pelos discentes, como atualizadas e está associada a um bom

relacionamento entre eles. Dado que esta regra foi crítica e bidirecional, elaborei dois

argumentos justificadores:

1. Fontes de consulta atualizadas tendem a ocorrer com professores bem-

relacionados junto aos alunos.

2. No habitus, os professores que conseguem estabelecer uma boa relação com os

alunos tendem a ter as referências bibliográficas que se apresentam valorizadas.

Imanente a essas questões está que o discente tende a avaliar a atualidade das

bibliografias utilizadas pelo professor, em primeiro lugar, a partir de sua relação. Uma

avaliação calcada nos conteúdos das referências exige do discente um conhecimento que, por

princípio, ele não dispõe suficiente para subsidiar um juízo da atualidade do conteúdo. Dessa

forma, o gosto do discente tende a se orientar pelo caminho no qual ele tem mais

significações: o interpessoal.

34Esta regra foi significativa para os cursos de Pedagogia, História, Educação Artística e Medicina.

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A B C D

E

F

Coe

são

10 19 20 4 3 2 1 7 6 14 16 15 11 13 12 8 9 5 21 22 17 18 23 24

Obs.:As setas marcadas em cinza claro correspondem a nós críticos. Figura 4 – Árvore implicativa e coesitiva referente às variáveis temáticas relativas ao questionário aplicado aos discentes da

IES.

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A importância desta regra pode ser inferida, estatisticamente, pela apreciação conjunta

de três resultados:

• Foi a regra mais geral.

• Configurou um nó crítico.

O segundo caminho crítico — a expressão (4⇒3⇒2⇒1), ou regra B — apresenta a

maior coesão da Figura 4 e reporta a questões associadas à didática do docente. Nesta regra,

podemos ver uma mescla de dois temas:

1. A prática desenvolvida pelo docente é avaliada principalmente em pelos aspectos

didáticos. Ou seja, por onde é mais facilmente apreendida pelo sensus communis:

uso extensivo de dinâmicas de grupo e linguagem acessível.

2. Referentes ao conteúdo, seja ele no âmbito do domínio do docente, seja na

organização da disciplina. Neste caso, a relação entre docentes e discentes é

mediada pelo conhecimento, o que, por reportar a prescrições a priori, garante

uma certa autonomia do docente na sua prática e por outro lado, remete a um viés

associado à condição sociohistórica do conhecimento que, de certa forma, retorna

por outra via ao sensus communis.

A relação entre esses dois atributos não foi equiprovável: a ordem das implicações vai

da forma para o conteúdo. A partir dessa evidência empírica, passo a inferir três

possibilidades explicativas:

1. Um habitus orientado a tornar as aulas mais agradáveis aos discentes enviesa a

apreciação dos atributos de conteúdo.

2. Os atributos de conteúdo possuem alta coesão entre si e, por configurar um nó

crítico, definem uma fronteira com atributos de forma.

3. A forma de escada observada nessa estrutura é um indicador da presença de uma

transição gradativa a partir de um núcleo associado aos atributos de conteúdo.

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Temos no par de regras A e B uma estrutura que nos permite contextualizar parte da

definição kantiana de educação: habitus e arte. Neste caso, temos dois componentes que

estruturam um espaço de significações, no qual o modo de ser predomina sobre o

conhecimento. Entretanto, este último resiste e, por possuir um núcleo de maior inércia,

retroage influenciando a prática cotidiana.

No momento, embora não tenha efetuado pesquisa específica sobre o tema, observo

que discursos sobre a chamada “interdisciplinaridade” ocorrem com freqüência nas revistas e

jornais não científicos. No caso, um levantamento nos arquivos do jornal Folha de São Paulo

indicou 17, 12 e 13 artigos específicos sobre o tema em, respectivamente, 2003, 2004 e 2005

(ARQUIVOS DA FOLHA, 2006). O uso dos jargões associados surgiu nas entrevistas

conduzidas na fase dois e, neste ponto da análise, a influência da industria cultural nos

discentes surge na Regra C — (7⇒6) —, ou seja, a interdisciplinaridade como determinante

da valorização do conteúdo da disciplina.

O adjetivo interdisciplinar remete a um conhecimento que surge entre ciências. Desse

termo, quando utilizado na prática educativa, deriva a hipótese de que uma ação, onde

ocorrem, articulações entre instâncias do conhecimento científico, maximiza a possibilidade

de construção de conhecimentos críticos. Sendo assim, podemos assumir que uma prática que

busque a interdisciplinaridade pode se orientar das seguintes formas:

• ao explicar os condicionamentos dos conhecimentos (sejam eles técnicos,

históricos ou sociais, sejam lógicos, matemáticos ou lingüísticos);

• ao esclarecer e sistematizar as relações entre os conhecimentos.

Entretanto, sendo princípio, a interdisciplinaridade é sempre busca, nunca é um fim.

Mas até que ponto este princípio já não está englobado pela lógica do método científico?

Quando posto um problema —científico ou não — ele demanda o que for necessário

para sua resolução (isso independentemente de se ter ou não uma postura interdisciplinar,

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holística, ...). Para o professor, construir relações implica estudo, muito estudo, e a sua prática

em sala só pode ser efetiva quando concomitantemente a uma discussão ampla, consigo

mesmo e com os outros, sobre a relação (Professor⇔Aluno)⇔Conhecimento.

O que temo? Percebi que as significações associadas ao termo carregam uma certa

banalização dos aspectos formais das disciplinas e me preocupa que, na realidade, muito mais

do que me reportar a uma prática docente mais crítica, tenho observado uma regra derivada de

um fetiche por um termo que está na moda. A presença dessa regra tem no seu bojo uma

crítica ao conhecimento apreendido na ação educacional35 que levanta a seguinte questão: os

discentes, ao associar um gosto positivo ao conteúdo que se assume relacionado a outras

disciplinas, desdobram ações educacionais que convergem em discursos orientados mais à

sedução do que à elaboração de conhecimentos? A crítica desse aspecto exige a apreciação da

contribuição ao sensus communis devida aos docentes, assim como a observação da ação

educacional in loco foi alvo na fase 2, na análise das entrevistas dos docentes.

Na regra D, (14⇔16)⇒(15⇒(12⇔(11⇔13))), podemos observar a preocupação dos

discentes com as avaliações da aprendizagem. A subexpressão (14⇔16) apresenta a seguinte

relação bidirecional: os docentes considerados “preocupados” com a aprendizagem tendem a

utilizar instrumentos de avaliação que os discentes consideram adequados. Dessa forma,

podemos inferir que o discente tende a associar um bom resultado nas avaliações ao seu

aprendizado. Podemos circunstanciar essa evidência implicativa com correlações36 calculadas,

para o curso de Direito37, a partir das seguintes variáveis: médias das notas finais dos alunos

por disciplina (2002/1), resultados do Exame Nacional de Cursos de 2001 e a média por

35 É interessante lembrar que a presença do termo “interdisciplinaridade” no questionário é um indicador da influência da Indústria Cultural na administração da IES.

36 A aderência dos dados à distribuição Normal foi refutada, em um nível de significância de 0.5%, pelo teste de Kolmogorov. Sendo assim, foram utilizadas correlações não paramétricas, no caso, a correlação de Kendall.

37 Os bancos de dados utilizados foram originalmente compilados sob a demanda de um modelo de pesquisa operacional para o currículo do curso de Direito. Posteriormente, a IES cedeu parte dos arquivos brutos para o cálculo das correlações.

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disciplina dos resultados relativos à questão 14 referentes 2003/2. Os resultados obtidos foram

os seguintes:

• A variável 16 obteve uma correlação positiva38 com as médias finais dos alunos.

• As médias das notas finais dos alunos nas disciplinas se relacionaram

negativamente39 com os resultados obtidos no Exame Nacional de Cursos.

Pela transitividade das relações, os resultados das avaliações do conhecimento

discente que aderem à expectativa dos alunos, tendem a obter escores inversamente

proporcionais nas avaliações externas. Esse viés pode ser um indicador do predomínio da

didática, em detrimento do conhecimento, no espaço de ação educacional desenvolvido na

IES.

A seqüência dessa regra, (15⇒(12⇔(11⇔13))), foi significativa para a coleta de

dados de 2003/2. O seu discurso retomou um caminho crítico orientado a preceitos que

reportam, mais especificamente, a meandros referentes à pratica avaliativa do conhecimento

discente. Temos o atributo mais geral associado à crítica a posteriori dos conteúdos presentes

nas avaliações e, na seqüência, parâmetros pedagógicos como usos de questões que visem à

reflexão, objetividade e critérios de avaliação.

A expressão ((8⇔9)⇒((5⇒21)⇒22))) — regra E — tem, por elemento mais

genérico, uma valoração dos docentes que estimulam os alunos a uma postura reflexiva

condicionada ao esforço, sob a óptica discente, do professor em ajudar os alunos que não

possuem conhecimentos considerados básicos. Perante esse preceito, destacaram-se os

professores aos quais foi atribuída uma prática de associação entre teoria e prática, sendo essa

ação regra para os predicados: responsável (diante da aprendizagem do aluno) e organizado

(cumpridor do planejamento da disciplina).

38 R = 0.523** (τ de Kendall). 39 R = -0.786*** (τ de Kendall).

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Conforme regra a F — ((17⇔18)⇒(23⇔24)) —, podemos observar a relação entre

dois fatores: a apreensão de uma postura respeitosa do professor perante as deficiências do

aluno e o estímulo docente à participação do aluno na aula. É importante notar que essa

expressão foi significativa para um momento — 2003/2 —, pois, em função da premência da

aplicação do Exame Nacional de Cursos (o Provão), a IES estava preocupada com o grande

número de alunos que entregaram as provas praticamente em branco no Exame anterior. Ou

seja, temos um momento em que a IES evitava o confronto com os alunos, adotando uma

postura mais dialogada: sanar as deficiências e estimular a participação em sala.

Por fim, desenvolvi a partir dos argumentos empregados por meio das estruturas

supracitadas, as seguintes hipóteses:

• O aluno avalia o professor por um olhar fortemente enviesado por componentes

subjetivos (simpatia, acessibilidade, didática, ...).

• A relação entre o professor e o conhecimento é mediada pela capacidade do

docente de articular suas competências no espaço de ação educativa.

• As populações instituintes repetem os discursos modais vinculados pela indústria

cultural, o que leva a um reducionismo metodológico onde o clichê tende a

sensibilizar mais que o argumento.

6.2.3 O componente administração

Nesta primeira fase de coleta de dados, utilizei dados obtidos a partir de

procedimentos relacionados à rotina de auto-avaliação da IES.

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6.2.3.1 Questionário avaliativo

Da mesma forma que o componente discentes, os técnicos também foram submetidos,

no segundo semestre de 2004, a um questionário avaliativo. A Instituição cedeu o acesso a 15

questões40 desse formulário41, cujo texto associado pode ser observado no Quadro 4. O

questionário foi aplicado a todos os técnicos da Instituição, resultando num total de 413

registros.

Código Questão Média Desvio padrão

1 Como você avalia a comunicação interna da IES? 0.59 0.24 2 As instalações que você utiliza, são adequadas á execução de suas atividades? 0.70 0.24

3 Os equipamentos e materiais utilizados na execução de suas atividades são suficientes para todos os usuários? 0.67 0.26

4 As condições de segurança no seu ambiente de trabalho são adequadas? 0.70 0.25 5 Como você avalia os programas de computador disponíveis em seu setor? 0.64 0.24 6 A qualidade dos serviços prestados pelo seu setor é satisfatória? 0.81 0.19 7 Existe bom relacionamento entre você e os colegas do seu setor de trabalho? 0.87 0.20 8 Existe um bom relacionamento entre você e a chefia do seu setor? 0.87 0.22 9 Você tem liberdade de expressão dentro de seu setor de trabalho? 0.79 0.25

10 Você conhece os objetivos (atividades afins) de seu setor? 0.89 0.19 11 O serviço de limpeza do seu ambiente de trabalho é satisfatório? 0.68 0.25 12 Você está satisfeito(a) com as atividades que desenvolve? 0.85 0.19

13 De acordo com seu trabalho e participação na Instituição, você se considera motivado(a)? 0.71 0.25

14 Você é informado quanto às normas, procedimentos e resoluções do seu setor? 0.83 0.22 15 Você é informado quanto às normas, procedimentos e resoluções da IES? 0.66 0.24

Quadro 4 – Questionário da IES aplicados à administração em 2004/2.

Com as respostas a estas questões, foi compilado um banco de dados ao qual submeti a

dois procedimentos estatísticos multivariados: estatística implicativa e reescalonamento

multidimensional. A leitura das implicações na Figura 5 foi padronizada de modo que os

sentidos das implicações fossem sempre da direita para a esquerda, as variáveis mais gerais

corresponderam aos nós (1) e (5) e se reportam, respectivamente, à importância dada à

comunicação e à disponibilidade de recursos de software na instituição. A partir destes dois

40O restante do questionário não foi cedido para este trabalho, mas foi apresentado para apreciação. No caso, ele contemplava temas e hipóteses específicas, que remetiam a questões de Gestão imediata (usualmente aspectos administrativos e operacionais).

41As alternativas foram dispostas correspondendo a valores de 0% a 100%, da mesma forma como o utilizado no componente discentes.

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nós, as implicações se desenvolveram por caminhos que levaram a 4 nós terminais: (6), (7),

(10) e (11).

A linha mais espessa ao centro foi arbitrada de modo a separar o nó (6), cortando a

implicação entre os nós (12) e (9), de modo a explicitar dois grupos de variáveis que, embora

dependentes, definiram agrupamentos que reportam a uma semelhança nos seus padrões de

respostas não explicada por relações probabilísticas.

10

7

8

13

11

6

9

4

2

5

3

12

14

1

1.00.50.0-0.5

-0.50

-0.25

0.00

0.25

0.50

Obs.: Todas as implicações são maiores que 0,95. Figura 5 – Grafo implicativo combinado a um escalonamento multidimensional

(PROXSCAL42) de matrizes referentes ao questionário aplicado aos técnicos da IES.

42A técnica utilizada foi escalonamento multidimensional por proximidade (PROXSCAL), utilizando como métrica a distância euclidiana quadrática.

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O conjunto de caminhos A — {(5,4,2,6), (5,4,12,6)}43 e {(3,4,2,6), (3,4,12,6)} —

indica uma concatenação entre a apercepção da infra-estrutura imediata no ambiente de

trabalho e a qualificação dos serviços prestados. Cada um dos conjuntos refere-se à infra-

estrutura a partir dos seguintes nós iniciais:

1. A disponibilidade de softwares — nó 5. Parte desta implicação pode ser explicada

pela presença na instituição de um departamento de processamento de dados forte

e responsável por um conjunto de sistemas de gestão que integram e

operacionaliza grande parte dos procedimentos administrativos.

2. A suficiência de equipamentos para todos os usuários do setor onde o técnico

trabalha — nó (3).

Tendo em mente os dois conjuntos, a presença de condições de segurança apropriadas

reportada pelo nó (4) é articuladora de duas rotas que levam ao nó (6), ou seja, a uma

qualificação positiva das atividades desenvolvidas pelo funcionário:

1. via valoração do ambiente de trabalho necessário a execução das tarefas como

adequado — nó (2);

2. por uma apreciação positiva das atividades por ele desenvolvidas — nó (12).

A partir das implicações acima, podemos conjecturar a tecnologia como orientadora da

valoração das atividades desenvolvidas. Isso, contudo, carrega uma certa transfiguração da

técnica de meio para um fim em si mesmo que, por sua vez, pode estar associada à sua

fetichização. Essa forma de ver a tecnologia não é neutra; ela proporciona uma transformação

direcionada a propósitos humanos — ou seja, o olhar humano — que, enquanto voltado para a

sobrevivência, só percebe na natureza os seus próprios fins.

No contexto desta IES parece existir uma estrutura de significações imanentes a uma

racionalidade tecnológica que, por sua vez tem função de manutenção de um dado status quo

43Nesta notação entre chaves os caminhos (ou rotas). Estes os nós são listados entre parêntesis, correspondendo a esquerda ao início e a direita ao fim do caminho.

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e configura um contexto que não necessariamente compromete todo o sensus communis, mas

também pode servir como um “véu tecnológico” — utilizando a terminologia de Adorno e

Horkheimer — que reduz a apercepção da realidade através da expansão de sua racionalidade.

Neste mesmo argumento temos as seguintes articulações:

1. A rota (1,14,12,6) parte da avaliação da comunicação interna da IES e do grau de

informação referente às normas do setor para a qualificação das atividades

desenvolvidas pelo funcionário.

2. A partir do nó (12) temos no nó (9) a presença de uma variável associada à

liberdade de expressão do funcionário. A esse nó temos os caminhos (9,11),

(9,13,7) e (9,10). A implicação (9,11) associa a limpeza do ambiente de trabalho

como condicionado à liberdade de expressão do funcionário no seu setor.

Contudo, a limpeza nesta instituição é terceirizada e afeta de forma homogênea —

em suas carências e qualidades — todos os setores, o que nos indica que a

implicação (9,11) está sendo mediada por uma terceira variável, esta ligada,

possivelmente, à questão da auto-estima. Esta conjectura nos permite associar,

para a IES em questão, uma relação direta entre auto-estima e liberdade de

expressão que pode ser reflexo da presença de comportamentos autoritários das

chefias. Em contrapartida, a articulação (9,13,7) liga a liberdade de expressão à

motivação — Nó (13) — e ao bom relacionamento com os companheiros no setor

de trabalho — Nó (7).

3. A implicação (8,7) relaciona uma convivência amistosa entre colegas de serviço a

um bom relacionamento com a chefia.

4. A implicação (9,10) relaciona a liberdade de expressão ao domínio dos objetivos

do setor.

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Da observação dessas articulações, foram desenvolvidas as seguintes hipóteses:

Na instituição a presença extensiva de recursos tecnológicos comporta um

conhecimento com aspectos que podem ser favoráveis ao esclarecimento. Ou seja,

o uso da informática e de técnicas advindas da administração revela entraves e

desvios de poder que de outra forma estariam ocultos.

A supervalorização da tecnologia se converte num fetiche que serve de

instrumento para comportamentos autoritários.

A rotina de trabalho leva componentes do sensus communis a um processo de

coisificação.

Existe uma certa compartimentação entre os setores da instituição que leva a uma

apreensão diferenciada de procedimentos relativamente homogêneos.

A independência entre os modus faciendi desenvolvidos nos setores da instituição

favorece um comportamento autoritário nas chefias que, conforme o desempenho

operacional e qualidade das relações com seus subordinados, enviesa as relações

entre colegas e a auto-avaliação dos serviços prestados.

Um componente significativo da auto-estima do funcionário está relacionado à

sua liberdade de expressão e, conseqüentemente, a componentes narcisísticos dos

mecanismos de ascensão e manutenção das chefias.

6.3 Análise dos resultados da segunda etapa

6.3.1 Componentes discentes

Foram efetuadas 4 entrevistas coletivas, duas para discentes de cursos relacionados à

área da saúde e duas relacionadas a ciências sociais aplicadas. Como a instituição não possui

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cursos nas ciências duras e apenas 4 cursos relacionados à informática — sendo que dois

deles estão em extinção —, não foi composto um grupo associado a essa áreas temáticas (noto

que estes cursos compreendiam, em 2004, menos de 1% dos discentes da instituição).

Entretanto, contemplei um dos grupos, o primeiro, com um aluno da área de tecnologia.

A seleção dos alunos foi feita por meio de visitas às salas de aula e de modo a orientar

uma máxima variação quanto aos seguintes parâmetros: sexo, curso e semestre em que eles se

encontram no curso. Para cada grupo de entrevistas foram convidados 8 indivíduos, sendo

efetuada a atividade se um mínimo de 4 indivíduos estivesse presente44. A composição final

dos grupos pode ser observada no Quadro 5.

As entrevistas coletivas foram efetuadas na própria Instituição em uma sala isolada, a

fim de que não houvesse interrupções. A moderação foi feita pelo autor deste trabalho, com o

suporte de um observador.

Pouco antes das entrevistas em grupo, foi feito um levantamento dos dados do discente

junto à base de dados institucional; as informações coletadas eram as seguintes: idade,

escolaridade dos pais (se informada), nota no vestibular e histórico escolar.

As entrevistas seguiram o seguinte roteiro:

• Contextualização dos indivíduos: sua origem e formação. O objetivo deste

momento era, além de uma breve contextualização dos indivíduos, estabelecer um

ambiente estável, com um mínimo de polêmicas, no início da entrevista.

• A opinião a priori da Instituição.

• A razão da opção pela Instituição e como foi a primeira impressão como discente.

• Opinião a respeito da Instituição.

• Opinião focando o curso em que estuda.

• Uma auto-avaliação.

44 O número de reagendamentos oscilou entre 3 e 6.

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Grupo de entrevista coletiva Curso Sexo Estado no curso

Administração de empresas Masculino Intermediário Administração de empresas Masculino Final Administração de empresas Feminino Intermediário Administração de empresas Feminino Intermediário

1

Sistemas de Informação Masculino Inicial Direito Masculino Intermediário Direito Masculino Intermediário Direito Feminino Inicial Psicologia Feminino Final Arquitetura Masculino Intermediário

2

Comunicação social Masculino Intermediário Fisioterapia Feminino Intermediário Fisioterapia Feminino Intermediário Fisioterapia Feminino Inicial 3

Odontologia Masculino Inicial Medicina Masculino Intermediário Medicina Masculino Intermediário Farmácia Feminino Inicial Farmácia Masculino Intermediário

4

Odontologia Masculino Intermediário Quadro 5 – Distribuição dos componentes dos grupos focais conforme curso, sexo e estado no

curso.

Opinião a priori da instituição

As opiniões a respeito da Instituição se estabeleceram de forma controversa. À

exceção de dois discentes, os demais apontaram que possuíam a imagem de uma Instituição

forte, respeitável e creditavam isso à sua presença junto à mídia televisiva ou à opinião de

amigos.

Achava que era uma opinião boa [...] Tinha um amigo que fez um curso de Administração e falava que era bom. (145)

[...] Esse monte de comerciais [...] Principalmente aqueles no Fantástico46 [...]. (2)

É... é... a [IES] é grande [...] Tá muito na TV. (3)

Podemos inferir a dificuldade desses discentes em opinar a respeito das informações a

priori da Instituição sob a influência da indústria cultural, na qual a Instituição é disposta de

45 Identificação conforme os algarismos arábicos associados aos grupos dispostos no Quadro 5. 46 Uma revista eletrônica apresentada pela rede Globo de televisão aos domingos.

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forma superficial, mas com uma técnica apurada de sedução. Dois discentes, contudo,

apresentaram uma opinião bem diversa:

[...] Não era boa não ... Sabe, né, todo mundo fala que aqui é PPP [como assim?] Papai Pagou... Passou [risos] A fama da [IES] não é muito boa [...] (2)

Fazer vestibular aqui é mole ... Todo mundo sabe que para entrar na [IES] é só escrever o nome no vestibular [risos]. (3)

Essa visão aparentemente mais critica da Instituição, contudo, não manteve

consistência quando solicitado que eles aprofundassem suas críticas, expondo, eventualmente,

questões estruturais.

[Carlo: Fora a questão das notas, o que você sabia sobre a qualidade dos cursos?] Hã... o pessoal do cursinho zoava quem entrava na [IES] e tinha uns deles que falavam mal dos cursos, que todo mundo passava. [Carlo: O que mais falavam?] Nada não, ficava nisso... acho que era mais por causa da concorrência. (2)

Essa questão, quando posta aos docentes na fase dois da coleta de dados causou

indignação, e afirmações a respeito das dificuldades que tinham em face do baixo nível dos

alunos. Um eventual desequilíbrio entre oferta e demanda por vagas na IES pode dever a 3

fatores básicos:

1. A oferta de vagas é fortemente enviesada por uma relação entre custo e benefício,

que não corresponde necessariamente a um equilíbrio natural da demanda entre as

diversas áreas de especialização dos cursos superiores.

2. A limitação dos recursos dos discentes na sua formação básica restringe o acesso

destes às instituições com maior concorrência.

3. As capacidades desses discentes não necessariamente correspondem ao discurso

propalado.

O último item foi recorrente, e sua efetivação pode levar à construção de um habitus

avaliativo mais flexível como estratégia de equilíbrio entre tensões que, embora

terminantemente negadas, ocorrem nas entrelinhas da IES.

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Neste, temos como contraponto a evocação pelos discentes do impacto indireto do

Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) no aumento das reprovações nas

disciplinas regulares, principalmente nos cursos da área da saúde, creditando este fato a uma

ação dos professores diante do temor de uma nota ruim neste exame.

O coordenador veio conversar com a gente sobre uma nota ruim no Provão [referia-se ao ENADE]. Depois disso os professores ficaram muito mais casqueiros. (4)

Independentemente das ressalvas técnicas associadas ao ENADE, ponto onde todos os

entrevistados — docentes, administração e discentes — declararam não conhecer maiores

detalhes, observei que este sensibiliza as populações em função das ordenações fornecidas

depois à imprensa.

É chato ver o seu curso com uma nota ruim... Senti que todos os professores ficaram muito chateados. (3)

Um aluno de primeiro termo citou a possibilidade de “cursinhos” preparatórios como

estratégia viável para o sucesso no ENADE.

Acho que todo mundo vai afundar no Provão [ENADE] [O que você acha que a Coordenação vai fazer algo para evitar isso?] Sei lá, um cursinho? [Você conhece algum lugar que faça isso] Bom, o [citou um curso de uma IES Estatal Federal do mesmo estado] faz isso e tem 3 ‘As’. (1)

Este trabalho não coletou dados suficientes para qualquer generalização ou validação a

respeito da afirmação acima, nem pretende discutir as limitações técnicas do ENADE. Mas

chama a atenção o fato da fala acima tocar numa conseqüência possível e bem pouco

desejável para essa ação governamental.

A razão da opção pela Instituição e como foi a primeira impressão como discente.

Os aspectos mais evocados como determinantes na escolha da Instituição foram os

seguintes:

• A dificuldade em entrar em uma escola pública.

• O desejo de freqüentar a mesma escola que os amigos.

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• A proximidade entre a escola e o lar.

• O respeito que a comunidade tem pela Instituição.

A dificuldade de entrada em uma instituição pública foi, de longe, a justificativa mais

evocada pela opção da instituição escolhida. Foi comum entre os alunos entrevistados —

excetuando os alunos de cursos que não possuíam equivalente regional em instituição de

ensino superior estatal (Fisioterapia e Farmácia) — a menção de que tentaram primeiro o

acesso às instituições de ensino superior estatais. Em dois grupos, discentes destacaram que os

alunos carentes estão nas instituições privadas.

Quem tem dinheiro não está aqui. Faz cursinho caro e entra na [IES Estatal]. Vai lá ver à noite os carrões no estacionamento da [IES Estatal]. (1)

O meu segundo grau foi fraco... no [nome de escola pública], não tive a menor chance no vestibular. (2)

Esse argumento, embora não tão explícito, foi recorrente nos outros grupos: a opção

por uma instituição privada decorre de não conseguir entrar em uma estatal. A justificativa

para esse discurso pode estar em duas possibilidades:

1. Da maior concorrência às Instituições Estatais decorrem limites socioeconômicos

ao seu acesso, compondo um corpo discente mais elitizado e reprodutor de

distorções sociais.

2. A frustração de não conseguir o acesso a uma Instituição Estatal leva a um

discurso revanchista.

A avaliação destas duas possibilidades — e noto que elas não são mutuamente

independentes — foge ao escopo deste trabalho, mas creio que o primeiro argumento é

predominante em cursos com custos mais acessíveis, e o segundo em cursos que demandam

um poder aquisitivo mais elevado.

Fora a questão da opção por uma escola com mantenedores estatais ou da iniciativa

privada, os discentes entrevistados afirmaram que a influência dos grupos sociais e a

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permanência na comunidade onde residem sobrepõem-se à qualidade, pressuposta, do curso

desejado.

É perto de onde eu moro [...] (1)

Tenho vários amigos estudando aqui [...] (1)

Aqui é mais fácil de chegar de ônibus [...] Lá na [mencionou uma IES concorrente] é um horror! É muito longe. (2)

Opinião a respeito da Instituição

O vínculo mercantil com a Instituição cria uma identificação negativa muito forte,

hegemônica entre os indivíduos entrevistados. O ônus doméstico decorrente do fato de se

pagar uma mensalidade levou à caracterização da Instituição como mercantilista. Ou seja,

com uma postura que “não tá nem aí com o aluno” (3) e “só serve para enriquecer os [nomeou

a família dos mantenedores]” (2) e “desleixada com a infra-estrutura” (4).

Esse ambiente na instituição não só deriva da forma peculiar que a organização escolar

está disposta, mas também reflete determinantes exteriores à própria instituição. O ambiente

escolar imediato catalisa a maior parte das críticas, e destas podemos distinguir três aspectos

básicos: arquitetura, recursos tecnológicos e estrutura burocrático-funcional.

Arquitetura

A dureza dos prédios e a ausência de espaços para convivência são entendidas como

um distanciamento entre a Administração e a prática educacional.

A primeira impressão em relação à arquitetura da instituição é ruim, contrapondo-se à

opinião a respeito dos cursos, que será discutida no próximo tópico.

Ruim! Não tem um lugar para a gente sentar [...] Os prédios são feios. (1)

Não foi boa não. Cheguei aqui e não tinha informação nenhuma [...] tudo muito desorganizado [...] ninguém dava uma orientação. (2)

A minha impressão foi péssima. Esse mau cheiro, e o pátio com esse piso horrível. (2)

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Ou seja, o contato com a Instituição rompe, pelo menos em parte, o idílico oferecido

nos meios de comunicação — um modelo, por princípio, impossível de satisfazer a todos — e

frustra, conduzindo a um viés negativo em outros pontos do roteiro nos seus juízos perante a

Instituição.

Recursos tecnológicos

A carência ou não dos recursos tecnológicos não está associada a um valor imanente,

mas ao poder associado à posse deles.

Pagamos uma nota e não temos computador. [Carlo: vocês têm aulas de introdução à informática?] Sim. [Carlo: o professor não leva vocês ao laboratório?] Leva, mas tinha que ter um laboratório nosso. Perto do nosso bloco. [Carlo: você lida bem com a informática?] Não [...] só um pouco [...] para fazer pesquisas [...] não sei muito. [Usa os computadores da biblioteca?] Só empresto livros para tirar xérox [...] não sabia que tinha laboratório lá47. (3).

Estrutura burocrático-funcional

Os processos institucionais, com seus fluxos de decisão, seu tempo e sua hierarquia.

Eles mandam boletos errados e [pausa] Você já foi ao [setor de auxílio ao aluno]? Tipo assim, demora uma hora para uma coisa de 5 minutos. (1)

E quando você quer uma bolsa? É uma canseira [...] peguei tudo que pediram, um monte de coisas [...] fiquei vindo aqui por duas semanas [Carlo: conseguiu a bolsa?] Sim, graças a Deus. (2)

Nos itens acima, a agressividade apresentada pelos entrevistados me levou a inferir

que, mais do que mediar os processos educacionais, o ambiente possui uma dimensão própria

que afeta diretamente a vida escolar, orientando, como podemos observar nas entrevistas dos

professores, o próprio currículo.

47A biblioteca possui um laboratório de informática com o suporte de monitores para auxílio dos alunos.

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Opinião focando o curso

Quanto aos cursos obtive, com exceção de um curso (Administração de Empresas),

opiniões mais positivas que em relação à Instituição. Essa opinião mais bem-valorada foi

freqüente entre os cursos de área da saúde e atribuída ao coordenador, corpo docente e infra-

estrutura.

O curso é excelente. Temos uma ótima clínica [...] Os professores são bons (3).

Nosso coordenador é bastante acessível [...] Temos professores que explicam bem, outros, no entanto, são um desastre (3).

[Nomeou um professor de sociologia] só enrola, fala sobre a família dela, a TV... Me dá sono e acha que tá abafando [...] (4).

Tipo assim, [Nomeou um professor] é muito sério, não explica muito bem [...] não brinca... mistura tudo e deixa a gente pirado [...] a matéria dele é tudo e não dá para entender nada depois sem saber ela. (4).

Os professores são bons [...] temos laboratórios maravilhosos. (4).

[Nomeou um professor] tem que reprovar mesmo! Não dá para sair daqui sem saber isso [referiu-se a uma disciplina específica], como que vai trabalhar depois [...] (3).

Professor ruim, ruim mesmo não temos não [...] Temos professores que cobram muito e não tão nem aí para o aluno. (3).

Para os cursos relacionados às ciências sociais aplicadas as opiniões foram muito

críticas em relação à infra-estrutura e oscilantes em relação ao corpo docente.

Em nosso curso falta tudo [...] Nosso laboratório de informática é horrível. (1)

Salvo uma meia dúzia, os professores são exímios enroladores [...] estou a mais da metade do curso e ainda não vi nada. (2)

[Nomeou um professor] é carrasco [...] não sabe dar aula direito e na prova quer cobrar [...] (1).

[...] tem muito professor que só enche lingüiça. [Nomeou um professor] Aplica as mesmas provas [...] Todo mundo tira nota boa [...] Claro que ficamos quietos, não sou bobo. (1).

O que salva são alguns professores que dão o sangue [...] Nem sei direito quem é o coordenador [...] [nomeou o coordenador] nunca veio na nossa sala... nem se apresentou... tipo assim: olá meu nome é tal, qualquer problema venham à minha sala, não vou fazer nada, mas podemos conversar [risos]. (1)

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As mediações entre docente e discente definem, curso a curso, a quantidade de capital

social associado a eles. No caso, os cursos da saúde, pelas falas dos discentes, conseguem

agregar um volume maior de capital que, por sua vez, orienta a uma dada identidade

profissional48.

Quando questionados a respeito do comportamento em sala (docente e discente) e as

práticas desenvolvidas, os discentes apontaram a didática e o modo de proceder como as

qualidades mais relevantes para uma boa condução da aula. O que retorna à questão, já

apresentada na fase 1, do ajuste de protocolos de convívio entre aluno e professor ser mediado

por um habitus mais subjetivo, calcado em atributos como vocabulário, gestos corporais e

impostação da voz.

6.3.2 Componentes docentes e administrativos

Na segunda fase, optou-se por entrevistas e pelo conhecimento direto com os

indivíduos e com as experiências concretas nas quais eles vivem. Foi permitido pela

Administração o acesso a todos os setores da Instituição e solicitado aos indivíduos

entrevistados o acompanhamento das suas rotinas de trabalho.

Dessa forma, foi possível tomar café da manhã com o pessoal da limpeza, ficar nos

intervalos das aulas nas salas de professores, assistir às aulas, conversar com alunos na área de

vivência49, observar o funcionamento das secretarias e acompanhar reuniões do colegiado de

curso e de diretores.

Essa imersão foi essencial para a apreensão dos componentes básicos da rotina

Institucional, assim como para a definição dos critérios de seleção de indivíduos para

48 Esse capital apontado pelos discentes foi consonante aos orçamentos e às falas dos docentes. 49No meio tempo deste processo avaliativo, a Administração foi questionada por uma grande manifestação dos

alunos. Graças a essa facilidade de acesso, foi possível, sem qualquer empecilho por parte da Administração, a imersão no movimento por meio de gravações e entrevistas. Os dados coletados foram posteriormente disponibilizados concomitantemente e sem censura à Administração e aos líderes do movimento estudantil.

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101

entrevistas. Estes critérios tiveram por princípio a seleção de indivíduos, ou seja, busquei

indivíduos que, em função da carga horária semanal e do tempo dedicado à instituição,

incorporaram o habitus e possuem um certo posicionamento perante a illusio. Os pontos de

corte adotados para esses atributos foram os seguintes:

• Carga horária semanal na Instituição: mínimo de 20 horas de trabalho por semana.

• Tempo de serviço: mínimo de 5 anos.

• Busca de distribuições homogêneas para os atributos:

- Área de atuação (atribuições técnicas ou administrativas);

- Sexo;

- Escolaridade;

- Renda.

Da mesma forma que as entrevistas realizadas na primeira fase, o número de sujeitos a

compor o quadro das entrevistas não foi determinado a priori. A avaliação da saturação das

informações obtidas também foi efetuada de forma recursiva, após cada coleta de dados.

Neste caso, contudo, não utilizei um procedimento estatístico para avaliar a saturação. A

ênfase foi qualitativa, com foco na elucidação das hipóteses levantadas na primeira fase,

assim como uma heurística calcada na qualidade das informações obtidas em cada

depoimento, sua profundidade e o grau de recorrência e divergência destas informações.

A seleção dos indivíduos teve por princípio a máxima variação do padrão de respostas,

até que as informações apreendidas permitissem a crítica das informações coletadas (MILES;

MICHAEL HUBERMAN, 1994, p. 28-29). Eventualmente, algumas questões levantadas

pelos entrevistados exigiam complementações. Neste caso foram utilizadas duas estratégias:

• O retorno à instituição estudada para obter informações via nova entrevista ou

ainda a observação in loco (quando possível).

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• O uso de uma estratégia de indicação, inspirado no modelo bola-de-neve: foi

solicitado ao entrevistado sugestões de indivíduos ou grupos de indivíduos que

achava que deveriam ser entrevistados para complementar as questões evocadas.

O trabalho de campo foi considerado exaurido quando se observou saturação nos

seguintes aspectos:

• Os padrões argumentativos empregados se tornaram recorrentes.

• Os códigos e referenciais simbólicos associados ao habitus.

• A estrutura de gosto, concepções, idéias e valores presentes no sensus communis.

As entrevistas foram dialogadas e seguiram o seguinte roteiro:

1. Contextualização do indivíduo: sua origem e formação.

2. O primeiro contato com a Instituição.

3. Suas opiniões a respeito do(s) curso(s)/setor(es) em que trabalha.

4. Como apreende a Instituição como um todo.

5. As perspectivas diante da instituição.

Como muitos temas poderiam deixar os entrevistados inibidos, foi formalmente

facultado ao entrevistado a censura à gravação integral ou parcial da entrevista. Nestes casos,

procedeu-se a anotações utilizando o Shusaku e uma gravação, logo após as entrevistas, das

minhas impressões a respeito do diálogo recém-efetuado. A configuração distribuição das

entrevistas conforme a área do conhecimento, identificação dos indivíduos, faixa etária, sexo

e se ocorreu solicitação de censura por parte dos entrevistados (com observações relativas ao

conteúdo) pode ser observada no Quadro 6.

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Identificação Atividade/ Área do

conhecimento Sexo Técnico/ Docente

Idade (anos) Censura Observações

A1 M T/D 45 |- 50 Gravação Apenas solicitou que não fosse gravada a entrevista.

A2 M D 30 |- 35 A3

Administração de Empresas

M D 40 |- 45

B1 M D 40 |- 45 Gravação Mencionou muitas idiossincrasias Institucionais.

B2 M T/D 40 |- 45 B3

Biomédicas

F T/D 40 |- 45 C1 Ciências Contábeis M T/D 50 |- 55 D1 F T/D 40 |- 45 D2 M T/D 50 |- 55 D3

Direito M T/D 60 |- 65

E1 F T 60 |- 65 E2 F T/D 45 |- 50 E3

Educação F T 60 |- 65

Ec1 Economia M D 30 |- 35 En1 Engenharia M T/D 30 |- 35 P1 Psicologia F T/D 40 |- 45

P2 Psicologia F D 40 |- 35 Gravação Mencionou muitas idiossincrasias institucionais.

P3 Psicologia F D 30 |- 35 Gravação Mencionou muitas idiossincrasias institucionais.

SG1 Serviços Gerais F T 50 |- 55

T1 Tecnologia em Informática M T/D 55 |- 60 Mencionou muitas

idiossincrasias institucionais. Quadro 6 - Distribuição das entrevistas de docentes conforme a área do conhecimento,

identificação dos indivíduos, faixa etária, sexo e censura.

O esquema de seleção bola-de-neve dos indivíduos me levou a entrevistados que

possuiam concomitantemente funções administrativas e acadêmicas na Instituição. A baixa

compartimentação entre as atividades está relacionada a dois fatores:

• A Instituição é relativamente jovem (17 anos), dessa forma, a definição dos seus

processos internos não possui inércia burocrática suficiente para ordenar boa parte

do processo de atribuição de funções institucionalizadas.

• O núcleo diretivo da instituição é familiar, o que leva a um núcleo diretivo

compacto e carismático mediado por relações subjetivas que, por sua vez, se

desdobram em processos mais orientados a indivíduos do que a uma estrutura

burocrática.

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104

6.3.2.1 O componente docentes

Todos os docentes entrevistados fizeram referência a um passado idealizado, sendo

este concebido ora valorizando, ora desvalorizando a administração da Instituição no seu nível

mais alto — a mantenedora e a reitoria. Essa imagem foi recorrente e articulou-se a partir dos

seguintes referenciais:

• O empreendorismo dos mantenedores.

• A configuração administrativa.

• As relações pessoais.

A maneira como aparecem os líderes no seio de um grupo pode ser um indicador

precioso do nível de desenvolvimento da consciência social, não só do líder, mas de todo o

grupo. Dessa forma, é oportuno expor que os mantenedores correspondem, exatamente, a uma

família onde o patriarca é o presidente da mantenedora e seu Reitor, e os demais componentes

da mantenedora possuem atividades direta ou indiretamente relacionadas à Instituição. De

forma quase unânime, a vinda dos mantenedores foi apresentada como um empreendimento

pessoal do reitor e chefe da família, e o sucesso da Instituição foi associado à sua capacidade

e à unidade da família.

[Nomeou a mantenedora] tem uma cabeça! A sua capacidade que fez dela o sucesso que é hoje. (A1).

Antes da [IES] o [Reitor] possuía uma condição econômica boa [...] Não era rico. [...] Ele vendeu os seus bens e, aos poucos, a família foi vindo para ajudar. (D3).

[...] a família foi muito importante [...] Cada um contribuiu com o que podia ... naquela época não tinha nada, começamos do zero [...].” (E3)

A [IES] tem muita sorte de ter tido um [Reitor]. [Nomeou novamente] é muito inteligente [...] era respeitadíssimo na [instituição onde o reitor anteriormente trabalhava]. [...] Sabia tudo. (E2)

A associação do Reitor a esse passado idílico foi regra, com uma única exceção que,

por sua vez, caracterizou o sucesso econômico da Instituição a um feliz acaso.

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Tem gente que nasce com aquilo voltado para a lua [...] pura sorte [...] o MEC vinha de uma época em que não estava autorizando novas instituições, a [instituição onde o Reitor anteriormente trabalhava] conseguiu três autorizações mas não tinha interesse em implantar nada novo. O [Reitor] sabia disso e tinha acesso ao dono, conseguiu para ele a autorização [...] e ainda pôde escolher entre três lugares [...] ele apenas estava no lugar certo e na hora certa. (T1)

O improviso foi marca do começo da Instituição, o que reforça o componente idílico

da sua identidade. Este elemento, entretanto, surgiu sempre com uma ressalva, algo

incompleto.

[...] os projetos dos prédios da Saúde foram desenhados com todo mundo junto em guardanapo [...] o previsto era maravilhoso [...] [frente à questão: e o efetivado?] tem muitos problemas [...] não é ruim, mas poderia ser muito melhor. (B1)

[...] os prédios foram construídos do nada, na correria [...] todos os dias alguma aluna quebra o salto em nosso pátio [...] nossos prédios são feios [...] caixotes. (D3)

A Instituição, no momento das entrevistas, estava em pleno processo de expansão.

Faculdades tinham sido construídas em outros estados e novos campi estavam sendo

implantados na sede. Esse empreendorismo recente, nos textos coletados, surge reeditando o

passado idílico.

[Reitor] fez uma tacada de mestre vindo para cá e agora [mencionou outro membro da mantenedora] esta acertando de novo com essas outras unidades. (P1)

A [IES] aproveitou a demanda reprimida da região e agora o faz novamente em outras. (Ec1)

A administração da instituição reflete, em grande parte, a estrutura familiar da

mantenedora. Essa característica foi mencionada como positiva no passado, mas com a

ressalva de que precisava ser superada.

[...] foi um projeto em que cada um veio a [cidade da IES] e colaborou com o que podia [...] com o tempo algumas pessoas tiveram que ser afastadas [...] foi muito duro. (D3)

A menção a um momento em que a instituição “cresceu demais” e “perdeu o passo”

foi feita por vários indivíduos. Entre esses, a fala mais emblemática foi a seguinte: “Uma

coisa era quando a [IES] tinha 300 funcionários, quando passou para 700 a coisa

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desgringolou” (T1). Mais à frente, o mesmo entrevistado sintetiza: “[...] me parece que o

pessoal se acostumou a jogar confete e não viu que não estava mais dando conta” (T1).

A situação concreta da instituição mudou com a sua evolução, e o saudosismo pode ter

como manifestação uma defasagem entre a situação histórica, a vida dos grupos e suas

lideranças. A relação causa e efeito implícita nos discursos dos grupos é a seguinte: a

instituição cresceu, e as lideranças tiveram dificuldades em ajustar-se a uma nova realidade.

Mais que isso, 65% das entrevistas comentam direta ou indiretamente o espanto e o orgulho

dos mantenedores com o crescimento da Instituição.

O que [Reitor] fez foi visionário [...] aqui mesmo era só água, inundava quando chovia e deram jeito [...] deu muito trabalho, mas quem viu a inundação que isso aqui ficou em [mencionou um ano], não acredita que se resolveu [...] temos fotos andando de canoa no pátio. (D3)

A [IES] começou pequena, [Reitor] não imaginava que iria crescer tanto. Ele conseguiu por meio do respeito que tinha na [mencionou a IES que o reitor anteriormente trabalhava] onde trabalhava [...] lá era ele que fazia tudo [...] era muito respeitado [...] e foi por seu contato que conseguiu a concessão [para a implantação da IES]. (E1)

Esse orgulho, entretanto, foi citado com uma entonação que se concentrou entre a

constatação de um fato e a críticas que reportavam a uma certa alienação dos mantenedores.

Aqui existe um culto a personalidades [...] criticar, só na rádio corredor”. (A2)

Talvez no início fosse diferente, mas hoje esse pessoal [os mantenedores] vive no mundo da Lua. (Ec1)

São absolutamente incompetentes: [nomeou e adjetivou os fundadores]. Se não existisse uma enorme demanda reprimida no estado, a história seria outra! (Ec1)

Esse discurso que oscila entre exaltação e crítica é superficial, não é inteiramente

factível nenhum dos modelos. Esses extremos se relacionam a um contraste que cada um

destes indivíduos faz entre o seu capital simbólico e o de outros aos quais ele rivaliza. Quando

a instituição o “reconhece”, sobre a avaliação a sua imagem dos mantenedores tende ao

idílico, caso contrário se julga “injustiçado” ou ainda sente que houve uma quebra da illusio.

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Os mantenedores, a partir do núcleo familiar, estruturaram a Instituição, de início, com

base em avaliações afetivas. Isso levou à estrutura de poder baseada em feudos — já

apreendida nas entrevistas da Fase 1 — que, por sua vez, caracterizaram o sensus communis

de um componente afetivo muito forte. Do crescimento da instituição, impeliu uma

associação entre este sucesso e a competência do Reitor e, por extensão, de cada indivíduo.

Esse modelo sofreu o desgaste do tempo apresentando falhas que, conforme o discurso

dos mantenedores, poderiam comprometer a “perenidade” da empresa. O surgimento do

exame nacional de cursos (Provão) botou em xeque o desempenho dos discentes:

Os primeiros ‘Provões’ foram choques de realidade. [Nome de um dos mantenedores] não acreditava no resultado [...] Os Coordenadores falavam só maravilhas dos cursos para [Nome do mesmo mantenedor]. (C1)

Em face dos insucessos, no escuro, a mantenedora buscou mecanismos de controle do

desempenho escolar, os quais deveriam orientar para o atendimento das metas estabelecidas

para instituições de ensino superior. Estas, conforme os mantenedores, levaram em conta:

• Os mecanismos de tomada de decisão.

• O contexto histórico.

• A complexidade da interpretação dos resultados na elaboração de políticas

institucionais.

As medidas adotadas em certos aspectos consistiram num bom exemplo de que nem

sempre a navalha de Ockham50 aponta para a melhor solução. A frustação perante a uma

avaliação ruim e a pressa em obter bons resultados de forma quase imediata levaram às

seguintes ações:

• Seguindo um certo modismo, a Instituição investiu numa estratégia de avaliação

educacional que consistia na aplicação de uma prova com estrutura de concurso.

Essa medida partiu da hipótese de que os alunos colavam muito, e que era

50 “Se há várias explicações igualmente válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples” (WIKIPEDIA, 2006b)

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necessário uma avaliação que melhor aferisse o conhecimento. Entretanto,

conforme informações disponibilizadas pelos mantenedores, essa prática exigiu

um alto aporte financeiro da Instituição e, não se evidenciando nos anos

subseqüentes ganho significativo nos escores do Exame Nacional de Cursos, após

5 anos, foi abruptamente encerrada em quase toda a Instituição51.

• Contratação, para alguns cursos, de consultores para a reestruturação dos

currículos. Alguns cursos foram reestruturados, mas, como não se observou

melhoria nos escores do Exame Nacional de Cursos, essa ação entrou em

descrédito e não foi mais adotada, salvo solicitações específicas de um dado

curso.

• Controle da freqüência de alunos e professores. O rigor no controle da freqüência

foi intensificado a partir da otimização do sistema de controle de presença por

parte das secretarias. O modelo desenvolvido continua em vigor.

• Demissão de coordenadores. Conforme os mantenedores, cursos com custos

elevados e desempenhos insatisfatórios tiveram seus coordenadores demitidos.

Essa postura agressiva atenuou-se com o tempo, mas o procedimento de análise

dos resultados das avaliações, agora do Exame Nacional do Ensino Médio

(ENADE), tornou-se rotineiras.

• Investimento em mecanismos de controle orçamentário mais rigoroso, com uma

visão taylorista, com foco no controle burocrático e aplicação da regra da

eliminação da duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes. Esta ação

se desdobrou no desenvolvimento de sistemas burocráticos que, conforme os

mantenedores, garante a previsibilidade financeira e hoje é um dos focos de

investimento tecnológico na instituição.

51 O curso de Direito mantém esta ação até hoje.

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A esta illusio, observei nos discursos dos docentes a afirmação de sua identidade por

meio da inserção no sensus communis de elementos que referem a si mesmos como

indivíduos que possuem características imanentes. A autonomeação desses atributos aponta

para a articulação de um discurso de reconhecimento que tensiona o sensus communis para

além de uma noção de perenidade institucional mais imediata. A categorização dos discursos

está presente no Quadro 7 e orientou os tópicos a seguir.

Tema Crítica 1 Alunos com baixo capital

cultural - Na maior parte dos cursos, o número de vagas oferecidas é muito próximo

da demanda, o que, agregado ao fato de não serem estipuladas notas mínimas no vestibular, implica o baixo nível discente.

2 Articulação dos conteúdos inadequada

- Muitos professores são horistas52, o que dificulta a integração das atividades.

- A presença de professores sem formação adequada. - A simplificação do conteúdo como defesa contra a baixa remuneração.

3 Bons professores - Os professores conseguem articular as condições dadas da melhor forma possível.

4 Currículo desatualizado - Existe uma premência na atualização dos currículos perante as diretrizes curriculares nacionais.

5 Estrutura administrativa - A estrutura institucional reflete a estrutura familiar relacionada aos mantenedores (embora tenha sido freqüente a ressalva, positiva e negativa, de que muita coisa já mudou).

6 A ação diante das solicitações docentes/discentes

- Muitas vezes, seja por meio de reuniões, seja por aplicação de questionários, foram solicitadas ações. A essas, contudo, não se obteve o retorno esperado.

- Existe um fórum que orienta a ação, este, entretanto, é muito restrito. 7 Pesquisa científica - As políticas para a pesquisa científica carecem de maturidade. 8 Política de pessoal - A dificuldade em se conseguir apoio institucional para a qualificação.

- As dificuldades em se aproveitar os conhecimentos a priori disponibilizados por técnicos/docentes.

9 Ações desenvolvidas em sala de aula

- As dificuldades inerentes às ações desenvolvidas em sala de aula.

Quadro 7 – Síntese dos tópicos mencionados

Alunos com baixo capital cultural

A demanda ao acesso à Instituição é menor que a oferta, e não existe nota mínima no

vestibular. Essa prática visa à manutenção de “um nível saudável de investimento” e alarga a

possibilidade de entrada, de modo a maximizar a captação de recursos pela Instituição. Esta

ação, entretanto, leva a uma série de problemas no âmbito acadêmico:

• Desgaste do corpo docente, especialmente nos primeiros semestres.

52 A sua remuneração é devida apenas às atividades em sala de aula.

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• O distanciamento entre docentes e Coordenação.

• Frustração dos alunos relacionada ora ao seu insucesso acadêmico, ora ao

“nivelamento” que o professor, muitas vezes, se vê obrigado a fazer.

• Favorece ao professor mais preocupado com o desempenho cênico que com o

conteúdo.

A resolução apontada para esse problema reporta à restrição pura e simples do acesso à

Instituição. Entretanto, essa medida se desdobra na seguinte seqüência argumentativa:

1. A educação, por princípio, deveria ser acessível a todos os indivíduos e, por esta

óptica, qualquer restrição reforça o caráter reprodutor do ensino superior.

2. Isso posto, temos uma justificativa para o alargamento à entrada no imperativo

mercadológico: a instituição deseja sua perenidade e, para tanto, busca meios para

capitalizar-se.

3. Contudo, o aceite de indivíduos sem a formação adequada pode levar a uma

semiformação e conseqüente redução do capital cultural associado ao título.

Temos um reductio ad absurdum? Ao meu ver, recaímos na questão proposta por

Adorno: o que é melhor, uma semiformação ou nenhuma formação?

Sabemos que a indústria cultural enfatiza a educação como um meio para ascender

economicamente, o que, de certa forma, orienta as Instituições, privadas e estatais, a

utilizarem como fiel o sucesso econômico como norteador de suas ações.

Contudo, não é possível à Instituição escapar da dimensão econômica, nem reduzir

todas as decisões da sua gestão. O estudo dos aspectos formativos da Instituição avaliada foge

ao escopo deste trabalho, mas creio que o ponto de equilíbrio está no estudo do habitus

constituído e como este dialeticamente pode ora estar apenas dotando o aluno de um título

cujo capital cultural associado tende a ser cada vez menor, ora ser essencial à sua

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emancipação e instrumento transformador das práticas e dos currículos de modo a aproximá-

los da materialidade dos discentes.

Articulação dos conteúdos inadequada

A depuração dos currículos exige uma articulação entre os professores, assim como

um espaço para discussão favorável ao esclarecimento. A configuração desse locus, conforme

as entrevistas, esbarra em três obstáculos: regime de trabalho, formação e uma menos-valia

auto-induzida no trabalho docente.

O primeiro obstáculo reporta ao fato de que muitos professores são remunerados

somente para atividades em sala de aula (horistas). Ou seja, vêm à Instituição, ministram suas

aulas e voltam para casa. A conseqüência desse habitus é imediata: uma identificação menor

entre o docente e a instituição e, conseqüentemente, a indução de um modelo favorável à

coisificação da prática educacional. O perfil dos docentes horistas é usualmente os seguintes:

• Indivíduos com vínculos em outras Instituições e que, em função disto, limitam a

sua atuação docente.

• Baixo capital simbólico (títulos ou experiência).

Para os dois casos, a persistência do indivíduo neste regime de trabalho indica a sua

dificuldade em adquirir capital — simbólico ou econômico — por outros meios. A relação

entre essa carência de capital e o segundo obstáculo é direta, já o terceiro reporta a situação ao

que o docente reduz, conscientemente, como o seu desgaste, simplificando o seu ofício em um

nível abaixo de suas possibilidades.

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Bons professores

A auto-atribuição de uma postura heróica foi freqüente. O passado idílico e o sucesso

no exercício da docência foram as formas de identificação usuais, especialmente nos

funcionários mais antigos.

Nossa matéria prima é muito ruim, fazemos milagres com os alunos que nós temos [...] (B2).

Hoje temos um curso estável, mas você não imagina como era há 10 anos, hoje é um paraíso (B3).

“Os alunos gostam da [nome da faculdade], mas não gostam da [IES]. Isso é em grande parte graças a eficiência dos coordenadores e à qualidade do corpo docente [...]” (D1).

Esse insight sobre uma ordem que os desfavorece revela, contudo, um sensus

communis justificador do estado das coisas, avesso à avaliação das possibilidades reais.

Quando questionados a respeito das qualidades efetivas dos coordenadores e professores, os

entrevistados centraram-se em atributos fechados a reflexões ou questionamentos.

“[Nomeou os coordenadores] são como uma família, unidos, dedicados... competentíssimos” (B2).

“Ora, eles dão boas aulas, conhecem bem o conteúdo. O que mais é necessário? [o curso em questão teve uma avaliação ruim no ENADE]” (B2).

“Os alunos aprendem o conteúdo da disciplina. [O Conteúdo ideal?] Para todos? Claro que não! Mas os que querem estudar conseguem, vejo todo semestre uma série deles nas listas de aprovados nos concursos” (T1).

“A didática é o mais importante, no espaço da sala de aula é fundamental trabalhar o afetivo, a subjetividade, a interdisciplinaridade” (A3).

O uso de argumentum ad baculum53 pode ser percebido na evocação de palavras como

família, afeto e competência (como atributo de auto-afirmação). Nos termos supracitados, as

significações — ora pelo excesso, ora pela vagueza —caracterizam o desejo de que o tema

focado não ultrapasse um nível de compreensão mais imediato.

53 Apelo à força.

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Essa possível alienação corrobora as características apresentadas pelos discentes para a

prática docente e reforça a presença de um habitus compartilhado, um guia imanente à vida

escolar e, dessa forma, relacionado tanto aos conhecimentos obtidos por meio dos sentidos no

decorrer da formação do docente, quanto às características dos currículos, como também ao

convívio social implícito na comunidade relacionada à Academia.

Currículo desatualizado

O descompasso dos currículos perante as diretrizes curriculares nacionais foi creditado

ao excesso de trabalho. Entretanto, quando inquiridos a respeito do conteúdo das diretrizes,

apenas um entrevistado afirmou conhecer a legislação.

Pela observação das práticas docentes, observei que o controle do currículo fica

inteiramente nas mãos do professor. Essa característica é inerente à própria concepção de

currículo como sistema organizado e, por princípio, reproduz um habitus que pode ou não

aderir ao que uma legislação aponta como ideal. Dessa forma, tenho um indício de que,

consonante as impressões dos discentes a respeito da Instituição, a práxis mais imediata é o

principal regulador, o habitus.

Estrutura administrativa

O fato de estar a mantenedora associada a uma família foi evocado por todos os

entrevistados como um dos ordenadores da estrutura administrativa e ponto de grande

movimentação, com evocações e histórias ora contra, ora a favor.

Não é que a família atrapalhe. É inegável os esforços dos [mantenedores], mas veio junto muita gente despreparada [...] Com o tempo a [IES] foi se modernizando. Com o tempo, tiraram pessoas que não tinham a menor condição [...] mas que eram da família [...] lavaram um pouco de roupa suja e, até em função disso, se fechou (T1).

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Essa concentração de poder justifica um certo fetiche pelo controle e na definição de

regras que estabeleçam limites objetivos para as práticas conduzidas pelos coordenadores,

técnicos e docentes. Desse contexto, tivemos diversas ações orientadas pelo habitus: o

monitoramento da prática pedagógica, a forma como o docente é remunerado, as práticas

avaliativas, a relação entre a mantenedora e os setores, o uso de sistema de acompanhamento

de desempenho, os perfis profissionais assumidos por coordenadores e chefias. Mas esta

orientação à burocracia, por outro lado, também foi evocada como necessária ao bem comum.

A [IES] precisa se modernizar e está se modernizando, talvez não na velocidade ideal, mas está se modernizando (En1).

Nessa ordem argumentativa, temos uma illusio que oscila entre o desejo do

mantenedor pelo controle absoluto — um meio de garantir a perenidade da Instituição — e

uma burocracia Weberiana que, superado o véu meramente tecnológico, pode ser um

instrumento para o bem comum.

A ação diante das solicitações docentes/discentes

A Instituição tem investido em pesquisas de opinião junto ao seu público interno. A

pesquisa em si e os resultados obtidos, entretanto, não levaram a ações percebidas pelos

entrevistados.

Tenho certeza de que todas essas pesquisas são feitas apenas devido a exigências do MEC (D1).

O destino dos relatórios é o arquivo cesto (A3).

[A reitoria] não precisava fazer estas pesquisas, basta passear pelo pátio a tarde para ver o desconforto dos alunos (SG1).

Entretanto, essa opinião não foi unânime:

A Reitoria está atenta aos resultados, mas a efetivação é difícil. Os compromissos financeiros impedem a realização das solicitações (A2).

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A liderança da Reitoria vem sendo questionada a partir de sua capacidade ou não de

garantir o “bem comum”. A essa crítica a Administração, contudo, tem investido em

pesquisas e elementos de controle. Embora o viés dessa burocracia, como qualquer outra, vise

ao controle, o balanced scorecard54, conforme a menção de alguns entrevistados, tem

oferecido um espaço democrático por meio de reuniões de “Planejamento Estratégico”.

[...] nas reuniões de planejamento estratégico pela primeira vez vi [os mantenedores] permitirem a discussão de determinados assuntos (B2).

A possibilidade de expor a illusio é um movimento novo na Instituição e muito

interessante. Para tanto, e isso é apenas uma conjectura minha para o futuro, os docentes e

administradores devem por meio de diversos juízos críticos do seu próprio ofício e, dado que

o mundo moderno vive sob o registro do fetichismo e da reificação, utilizarem-se, inclusive,

dos próprios recursos da indústria cultural como instrumento de superação por incorporação

das abstrações da razão instrumental.

Pesquisa científica

A instituição estudada, nos últimos 10 anos, tenta implantar, sem sucesso, programas

de pós-graduação stricto sensu. Uma vez que a instituição teve em toda a sua história apenas

um coordenador de pesquisa e pós-graduação — e este com um relacionamento muito

próximo dos mantenedores —, o fracasso é associado em grande parte a ele e, em segundo

lugar, à dificuldade dos mantenedores em entender as especificidades relacionadas à pesquisa

científica e as necessidades de programas stricto sensu. Essa situação é encarada com

impaciência por parte dos docentes, conforme podemos observar nos discursos a seguir.

54 Essa técnica foi criada por Robert Kaplan e David Norton na década de 70 e, conforme os autores, corresponde a um sistema de gestão que traduz a missão e a estratégia da empresa num conjunto abrangente de medidas de desempenho que serve de base para um sistema de medição e gestão estratégica (KAPLAN & NORTON, 2004).

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A [IES] investe mais de [citou um valor] todo o mês na pós-graduação a fundo perdido há anos e até agora nada. Está na hora de fazer funcionar (En1).

[Citou o nome do responsável pelos programas stricto sensu] é acessível, educado, mas absolutamente incompetente (T1).

Tá difícil... Precisa mudar... Do jeito que está é inconcebível (E2).

Política de pessoal

A Instituição, embora, para todos os efeitos, possua um plano de progressão funcional,

não conduz ações orientadoras de uma política nesse sentido. A seleção dos indivíduos para

os cargos de gestão se dá por dois princípios:

• Proximidade dos mantenedores. Em função da concentração de poder nos

mantenedores, a maior parte dos cargos se relaciona, direta ou indiretamente, à

família.

• Capital cultural. Os indivíduos que, em virtude, ora do risco, ora da

especificidade, são aprovados pela mantenedora.

Ações desenvolvidas em sala de aula

Os docentes reportaram-se à capacidade em manter a atenção e a disciplina em sala de

aula como fator de diferenciação e qualidade de vida (pelo menos no que tange à parte que se

passa dentro da sala de aula).

[...] tem que ter pulso senão eles montam em cima [...] Se eles percebem a insegurança, acabou [...] eles deixam qualquer um maluco (P3).

O desinteresse é muito grande [...] Penso eu que eles gostam de mim [...] Preciso de toda uma sedução para manter a atenção [...] (E2).

Sou rigoroso! Se não acompanha as aulas não passa! [...] Tem a hora de trabalhar e a hora de brincar, vou para [IES] para trabalhar (B1).

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O Professor tem que ter um diferencial! O diferencial de [citou um professor] é o seu quadro perfeito [...] o aluno observa e respeita ele por isso (A3).

O domínio ou não do habitus pelo professor limita sua capacidade de explicitar regras

e procedimentos em sala. Esse contexto leva a uma economia na prática docente, garantindo

apenas um movimento formal que, contudo, flexibiliza as restrições ou o rigor nas ações, algo

como um laissez-aller do sensus communis.

6.3.2.2 O componentes técnicos

Já foi dito que os mantenedores também são gestores, o que leva a uma estrutura de

gestão simples: os objetivos são definidos pelo mantenedor e, usualmente, tomam por ideal os

princípios de crescimento e perenidade. O controle decorre do poder emanado dos gestores, e

qualquer ação formal decorre da capacidade do argumento que a subsidia em sensibilizar o

sensus communis associado à sua visão empreendedora.

A orientação do corpo técnico foca principalmente a capacidade dos gestores em

conseguir que as coisas sejam feitas principalmente a partir da tecnologia e organização do

que uma eventual capacidade de articulação política. A gestão com foco nas demandas

funcionais, contudo, minimiza os aspectos simbólicos associados à gestão e, dessa forma, não

só tem dificuldades para legitimar mudanças, mas colabora em obstruí-las.

Essa associação foi aludida pelos entrevistados quando observaram a forma como os

gestores reagiram aos resultados das primeiras avaliações externas promovidas pelo MEC. As

ações promovidas foram, de início, muito fortes, mas, à medida que foram sendo absorvidas,

atenuaram-se e, por fim, diluíram-se no habitus. Desse mesmo contexto, uma postura muito

mais dura foi tomada pela reitoria perante as falhas administrativas.

[...] quando à [IES] atrasou, pela primeira e única vez, o pagamento dos salários você precisava ver o pessoal da reitoria assustou [...] Foi uma caça às bruxas. (P3).

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As medidas administrativas mencionadas foram orientadas à aquisição ou

desenvolvimento dos seguintes sistemas computacionais:

• Controle orçamentário. Alguns problemas administrativos foram relacionados a

uma postura liberal no dimensionamento dos custos e recebimentos; a

conseqüência disso foi a adoção de um modelo conservador que preservasse, a

todo custo, a liquidez da instituição.

• Controle de alocação de cargas horárias atribuídas a docentes e técnicos. As

discrepâncias entre “hora trabalhada” e “hora salário” mencionadas na fase 1

foram submetidas, por meio de modelos de pesquisa operacional e engenharia da

informação, a um rígido controle computacional.

• Controle de indicadores e metas de produção. A Instituição adquiriu um sistema

de controle de metas e estratégia baseado no Balanced Scorecard.

Essas ações, conforme informações da tesouraria da Instituição, foram eficientes em

termos financeiros, recebendo amplo apoio da mantenedora no sentido de sua incorporação à

rotina institucional. Este processo, mesmo sendo fortemente instrumental, favoreceu o

esclarecimento de uma série de vícios institucionais, o que levou a uma série de confrontos

diretos com o corpo institucional (docente e técnico). Estes podem ser sintetizados a partir de

dois pólos antagônicos:

1. Os instrumentos são inadequados. O fato de essas ações surgirem a partir de

imperativos administrativos leva a um modelo orientado a uma metáfora de

mercado — os gestores orquestram a produção (a educação) por meio dos seus

instrumentos (corpo docente) junto aos consumidores (os alunos) — que, por

petição de princípio, leva a conflitos com o campo acadêmico.

2. Os instrumentos denunciam gargalos administrativos/acadêmicos. A manutenção

dos feudos institucionais se efetiva nas dotações da folha de pagamento. Sendo

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assim, a implementação de procedimentos avaliativos esbarrou na exposição

indesejada de contradições entre as dotações e as expectativas perante a

mantenedora.

Essa dicotomia entre os imperativos financeiros do mantenedor e os ideais

educacionais, ultrapassou o semblant, ou seja, convergiu à manutenção do status quo, ditando,

a partir do habitus, os parâmetros pelos quais uma mudança pode ser aceita.

Assim, algumas colisões com a realidade “empurram” a organização em determinada

direção, enquanto a inércia institucional procura conter, reduzir ou anular os impulsos. As

restrições à mudança remetem à defesa do habitus e se articulam a partir de privilégios

pessoais, interesses de grupos e institucionais. Nas falas, esta resistência surge em paralelo a

uma preocupação com a cobrança pela modernização.

Estão querendo acabar com [citou a unidade onde trabalha]! A cada virada de semestre cortam mais cargas horárias. [...] Sim, concordo que a [IES] ficou pesada e precisa mudar, mas o que estão fazendo é estupidez [...] (D1).

A [IES] precisa se adaptar a um mercado diferente daquele da época em que o [Reitor] veio a [cidade da IES] (Ec1).

[Citou uma série IESs concorrentes], estão crescendo e, pelo tamanho, têm maior capacidade de adaptação mais condições de sobrevivência em um futuro mais competitivo (P2).

Olhe, o gestor deve garantir a perenidade da [IES] assegurando que tragam retorno do investimento [Carlo: e se os gestores não colaborarem com este fim?] O que eles estão fazendo aqui? Não conseguem ganhar dinheiro em outro lugar? O gestor deve acreditar na instituição e dar o máximo para a sua perenidade (B2).

O ponto de partida das motivações para a mudança, de forma recorrente, aponta para

ações externas como o mercado e o Governo. Quando inquiridos a respeito dos principais

problemas e qualidades da Instituição, as respostas se concentraram, no primeiro caso, em

questões de infra-estrutura, receita, alunos e salário; no segundo caso, nas relações

interpessoais, seja entre colega seja entre a própria docência.

[Pontos negativos] O nosso pátio é muito ruim. Todos os dias uma aluna quebra o salto [...] imagine o marketing negativo disso [...] nossa clientela é horrível [Pontos positivos] As relações pessoais são maravilhosas (D3).

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[Pontos negativos] Recebemos a menor hora-aula da cidade, o audiovisual é ruim [Como assim?] não temos DataShows suficientes, os quadros são ruins [pontos positivos] o salário é em dia [...] na [citou uma IES concorrente] o salário está dois meses atrasado (C1).

[Pontos negativos] Os alunos cobram a área de convivência [...] só 0,25% da receita do curso retorna para a faculdade [Pontos positivos] Nós! [Risos] (B2).

O exercício do magistério, por si só, é suficiente para proporcionar satisfação, apesar da limitações referentes ás condições de trabalho e falta de incentivos da [IES] (T1).

[Pontos positivos] As amizades. [Pontos negativos] Não temos possibilidade de ascensão, acúmulo de trabalho [...] salário (P2).

6.4 Síntese

[...] Mas eu pensava então num plano De pintar de verde minhas suíças, Depois, usar um abano P’ra impedir que fossem vistas [...] (CARROLL, 2002, p. 236).

À guisa de reunir elementos diferentes, concretos ou abstratos e fundi-los num todo

coerente, observei que foi viável, mesmo com uma capacidade operacional reduzida, construir

um discurso que expõe aspectos da illusio de uma dada Instituição de Ensino Superior.

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A avaliação aqui conduzida foi orientada à exposição, ou melhor, ao esclarecimento.

Claro que, para isso, pressupus que existe em todas as populações instituintes o desejo de

melhoria e que, dado que uma Instituição de Ensino Superior lida com a crítica dos

conhecimentos a partir de sua constituição sociohistórica, esta deveria estar habituada a

apreender conflitos entre sensus commnis55 como emancipatórios. Isso posto, tive que a

avaliação é indispensável por três motivos:

1. É um instrumento para o esclarecimento. Os conhecimentos apreendidos podem

potencializar mudanças estruturais, o que significa que devem ir para além de um

catálogo de informações e orientar a arena política de modo a suprir carências,

resolver demandas e quebrar bolsões de privilégios e inoperâncias.

2. Constrói um saber que dá ciência da materialidade institucional, o seu modo de

inserção na sociedade e seu projeto de perenidade.

3. Presta contas a todos os que sustentam a instituição.

Diante disso, o significado essencial da minha pesquisa empírica, principalmente na

fase dois, foi precisamente o de que a prática educacional não pode ser entendida senão em

relação às suas condições instituintes. A compreensão da teia de conhecimentos envolvidos

faz necessário o uso de pontos de partida alternativos na apreensão do sensus communis e da

investigação dos seguintes aspectos materiais:

• a forma com que os professores são contratados;

• o meio pelo qual os discentes pagam pelos estudos;

• a consciência social dos instituintes; e

• a estrutura administrativa e as relações de posse institucional.

A prática educacional envolve o enfrentamento de problemas imediatos e um ideal

docente de estar se fornecendo a melhor resposta à questão “o que devo fazer?”, ao mesmo

55 A ciência, conforme Hannah Arendt, nada mais é do que uma instância do sensus communis.

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tempo em que se deve avaliar até que ponto essas mesmas ações contribuem para mecanismos

de reprodução social.

A exposição de alguns aspectos da illusio foi princípio ordenador deste processo

avaliativo, e, com isso em mente, traço alguns princípios derivados do trabalho empírico:

• A compreensão do sensus communis deve partir de sua racionalidade própria,

onde o avaliador não deve alienar-se pelo aspecto mais óbvio de seus elementos.

• O habitus carrega em si atitudes e comportamentos que, muitas vezes, se

contrapõem aos ideais da educação. Mas essa relação não é necessária e, muitas

vezes, pode construir conhecimentos emancipatórios.

• As implicações do binômio reprodução e capital — social, cultural e econômico

— correspondem à base da illusio e dela derivam as articulações entre sensus

communis e habitus.

• A relação entre discente e docente pode se afirmar em aspectos subjetivos que

banalizam a relação entre educação e conhecimento, valorizando principalmente

os quesitos associados à ação mais imediata.

• A forma como está distribuído o capital social reflete a capacidade institucional

em tecer estratégias e tomar decisões, ora promovendo o bem comum, ora sendo

permissiva com situações que comprometem a perenidade da instituição.

A Instituição avaliada possui uma estrutura organizacional delineada a partir de

instrumentos burocráticos que não têm poder em si, mas adquire-os a partir do momento em

que os mantenedores elegem estes instrumentos como basilares para a perenidade

institucional. A burocracia em questão tem uma orientação para o uso da tecnologia, mas não

necessariamente é instrumental. Contudo, do supracitado decorre que a gestão acadêmica em

geral tem dificuldades em engendrar ações que culminem em estratégias que otimizem a

instituição perante esse campo. Alguns discursos evidenciaram movimentos da gestão central

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no sentido de formar uma estratégia acadêmica, com dificuldades em se impor ao campo, seja

pela via política, seja por carisma. Nesses casos, ainda que as estratégias tivessem prescrições

de interesse para o campo acadêmico, o habitus traduzia-se em estratégias que, para imporem-

se como necessárias, evocavam uma lógica operacional com sua emergência sustentada por

imperativos pragmáticos (finanças, regulações externas, ...).

A gestão institucional oscila entre a busca de instrumentos para um controle enviesado

para a auto-afirmação e o fato de que uma percepção próxima da realidade é preciosa para o

respeito a imperativos pragmáticos, ou seja, para uma lógica da adaptação dos meios aos fins.

Dado que o poder decisório relacionado, por derivar de um núcleo muito restrito,

encontra-se distribuído de forma heterogênea, foi possível sintetizar as seguintes

características institucionais:

• A política institucional possui uma ênfase instrumental.

• A gestão é tradicional e centralizadora.

• A mantenedora e os discentes possuem um poder político e econômico muito

maior que o corpo docente. No campo acadêmico, os professores exercem o poder

associado ao seu capital cultural, mas têm a efetivação de suas ações subordinadas

às prescrições pragmáticas.

• A gestão dos aspectos acadêmicos e físicos é formulada e executada com relativa

eficácia. Este sucesso, entretanto, é menos efetiva no campo acadêmico.

• A arquitetura é orientada ao funcional.

• Os discentes, ao avaliar sua relação, tendem a estruturar seus juízos por aspectos

subjetivos que se esquivam das responsabilidades imanentes à prática

desenvolvida.

Os itens acima, em graus diferenciados, estão abertos à crítica, alguns de forma

consciente (arquitetura e gestão) e outros inconsciente (política e valores). De modo geral,

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observei uma instituição nova que, limitada e auxiliada pela doxa, busca incorporar à sua

identidade prescrições concomitantemente educacionais e pragmáticas para sua conservação.

Essas regras, contudo, podem ter sua efetivação prática tendenciosa ao proveito próprio,

justificadas por um movimento de isenção moral, pretensamente justificado pela não-

apreensão do lado pernicioso dessas disposições deliberadas. Nesse equilíbrio de forças em

que nem tudo que é legitimo é verdadeiro, e que as verdades propaladas pelo discurso não

necessariamente correspondem ao habitus, os indivíduos alienam-se, fecham-se, construindo

uma illusio orientada à sensação de bem comum, mas que, na sua efetivação, dificulta a

apreensão do contexto e, conseqüentemente, do desempenho, das dificuldades e dos êxitos

dos seus instituintes.

Um certo grau de não-apercepção é imanente à inércia de qualquer illusio (afinal, a

manutenção do poder é condição sine qua non para a existência de qualquer instituição). A

necessidade dessa “alienação necessária” decorre da origem da instituição, seu ato de criação,

e do consentimento implícito a este, que orienta o princípio da perenidade decantado no

sensus communis.

O poder na instituição estudada decorre em grande parte de um ato ainda recente, sua

criação. A perenidade encontra um lastro pragmático — os mantenedores são indivíduos que

possuem a posse efetiva da instituição — e constrói uma disposição orientadora dos juízos, de

modo a evitar os conflitos com e entre os seus detentores do poder, levando o

encaminhamento à ação de forma a diluir as responsabilidades, uma vez que, tratando-se de

seres humanos, temos toda uma outra gama de imperativos que podem levar à recusa em

compartilhar estas responsabilidades.

Se, de um lado, o alargamento das responsabilidades pode significar a sua diluição, de

outro, a recusa em colaborar vai de encontro à noção de “bem comum”. Essa dinâmica

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evidencia a importância do espaço discursivo — uma arena entre imperativos filosóficos e

não-filosóficos — como pressuposto para o encaminhamento à ação.

O último tópico conduz à seguinte questão: o que acontece quando a prática docente

foge ao exercício competente de um saber ao qual se acredita e dá lugar a um acordo

pragmático? A conseqüência mais imediata do uso da sedução como estratégia de valorização

do juízo de uma prática pedagógica parece pôr em xeque a autoridade do professor. Dado que

a relação do par ensino e aprendizagem com a educação não é imanente, temos que a

reafirmação da necessidade do professor precisa ir além do conhecimento, da didática, para

uma lealdade compartilhada que o leve a prestar contas do seu compromisso com a educação.

Esse princípio pode ser estendido à prática pedagógica como um todo e, com algum

ajuste, pode ser concebido como um esforço em responder às seguintes questões: o que

estamos querendo? Onde queremos chegar?

Tais questões trazem a necessidade de se superar a heteronomia meio a qual a ação

educacional se desenvolve. Temos um problema preliminar: é possível querer alguma coisa?

Ou melhor, num sentido Arendtiano, ainda é possível querer?

O problema subjacente é o da superação de uma definição de eficácia reduzida à

racionalização dos procedimentos em busca de melhores resultados. Esta relação, embora

necessária, não é suficiente. As máximas pragmáticas se levadas a extremos — inspirado em

Kant (2002, p. 156) — podem ser as seguintes:

• Fac et excusa56. A audácia (ética ou não), diante da oportunidade, e a coragem

(inteligente ou não), perante uma condição desfavorável, dão uma semblância de

legitimidade à ação. Ou seja, a argumentação é muito mais fácil depois do fato

(principalmente se a sorte estiver a favor).

56 Atua e justifica-te.

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• Si fecisti nega57. Diante de um questionamento inequívoco, negue a

responsabilidade e supere o questionamento incorporando o seu argumento e

fazendo coro aos acusadores (agora com outro foco).

• Divide et impera58. Entre os instituintes sempre existem lideranças, o estímulo à

cizânia, e a quebra do seu vínculo com as populações pode ser um instrumento

para a submissão.

Esses princípios puderam ser observados em diferentes instâncias em todas as

populações instituintes estudadas. Mais amiúde, superado um certo verniz moral, as

manifestações do querer associado aos ideais educacionais, sua temporalidade e o locus não

me permitiram afirmar que a arena política observada funda-se apenas na astúcia e,

conseqüentemente, na recusa de todos os princípios da educação discutidos. Não é simples

distinguir, na mescla entre meios e fins, onde ocorrem e se ocorrem “fugas da eticidade”. O

tecido cosido é complexo e, em primeiro lugar, a instituição deve questionar se o eixo

principal será seu fim pragmático (sua materialidade) ou seu princípio formal (a educação)?

Mais do que um ponto de inflexão específico, essa questão testa a flexibilidade da

instituição. A crítica da prática educacional em face dos imperativos da educação permitiria

colocar a questão em seus devidos termos, de tal sorte que é primeiramente em relação a esses

objetivos que uma instituição de ensino deve se pronunciar para superar os problemas.

57 Se fizeste algo, nega. 58 Cria divisões e vencerás.

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A construção desse espaço é uma tarefa, por princípio, aporética. Possível apenas com

a construção de um sensus communis que, superando a tendência dos discursos em definirem-

se como índices da verdade, possua significações com lastro ético e, portanto,

potencializadoras de juízos que conduzam a ações favoráveis a acordos, por princípio,

complexos, mas convergentes à elucidação de problemas.

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7 Finalizando, por enquanto...

[Disse o Chapeleiro:] “Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?” (CARROLL, 2002, p. 68).

As instituições de ensino superior podem ser idealizadas como um tecido de processos

e significações relacionados, por meio do habitus, a funções múltiplas e convergentes. A

condução de uma avaliação, como o caso desta Tese, tem implícito, como já argumentado, o

exercício de crítica passível de orientar uma ação que nem sempre agrega valores que podem

ser considerados valiosos. A ação, independentemente do discurso do qual derive e embora

deixe um produto atrás de si, não possui necessariamente um valor imanente, devendo sempre

ser autorizada pelo sensus communis no qual os instituintes definem sua identidade e entram

em acordo.

O espanto associado à conclusão de um juízo pode levar a uma ação, mas o

conhecimento construído não é necessariamente performativo. Para um discurso orientar

ações no sentido do bem comum, podem-se, concomitantemente e sem síntese no sentido

dialético, expor e preservar as conquistas dos conhecimentos que fundamentam o sensus

communis.

A história desta avaliação começou como uma experiência viável de um pequeno

processo que resgatou em sua lógica discursiva conceitos fundamentais como juízo, gosto,

sensus communis, habitus, illusio, educação, reprodução e capital (econômico, social e

cultural). O tecido cosido imiscui-se à illusio, e sua análise permite desvelar na sua trama,

aqui e logo adiante, suas significações. O desvelar dessa malha tem imanente um ato

consciente de adaptação que pode — seja ao delinear os limites estruturais do sensus

communis de modo a fornecer instrumentos políticos a favor dos sujeitos da ação (a

administração, os docentes ou os discentes), seja a partir de prescrições éticas — conduzir a

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um processo avaliativo com condições de potencializar o bem comum. Por que não acreditar

nessa possibilidade?

Está claro que nessas considerações está implícita uma acepção de avaliação como

elemento orgânico para a transformação a qual induz o avaliador — seja ele externo seja

instituinte — a experimentar relações de sentido, o qual, cientes dos limites de sua

racionalidade, navegue em meio ao complexo de práticas sociais articulando “[...] as metas

contrárias do balanço e do acompanhamento, da verificação e da interpretação”

(BONNIOL & VIAL, 2001, p. 351-358). A ação efetivar-se-ia por meio da transformação das

contradições imanentes ao processo avaliativo em argumentos que levem os instituintes ao

espanto por duas causas: ter conseguido apreender a identidade do objeto avaliado e desvelar

um habitus que é fachada para práticas que não se submetem mais à crítica.

O processo avaliativo adapta-se e contrapõe-se à illusio. Assim o faz por princípio,

porque é o certo a fazer, senão não é um juízo de valor. E neste, tal qual num jogo de Go59,

em que um jogador ora joga por influência, ora por espaço, a avaliação navegaria entre

tensões de ordem e desordem e se construiria continuamente no agora.

Como ilustração desta relação, aproprio-me de um trecho do livro “a vida do espírito”,

de Hannah Arendt, em que a autora explora a “sensação temporal do ego pensante” a partir da

seguinte parábola de Kafka:

Ele tem dois antagonistas: o primeiro empurra-o de trás a partir da origem. O segundo veda o caminho à frente. Ele luta com ambos. Na verdade o primeiro lhe dá apoio contra o segundo, pois quer empurrá-lo para frente; e da mesma forma o segundo apóia-o na luta contra o primeiro, pois ele empurra-o para trás. Mas isso é assim apenas teoricamente. Pois não são somente os dois antagonistas que estão lá, mas também ele, e que conhece

59 Go, também conhecido como Weiki em Mandarim, é considerado o mais antigo jogo de tabuleiro (aproximadamente 2500 a.C.) e, depois do Xadrez, é o jogo de tabuleiro mais popular do mundo. Embora possua regras extremamente simples, o jogo se desdobra em estratégias extremamente sutis e com grande ênfase à percepção de formas e padrões. Essa característica leva sua heurística a ser considerada um dos maiores desafios atuais dos sistemas de inteligência artificial. Ao contrário do Xadrez, até hoje nunca um computador ganhou de um jogador profissional de Go de nível mais baixo (atualmente um pool de empresas no Japão oferece um prêmio de US$ 100.000,00 para quem primeiro conseguir desenvolver um software que consiga em termos de igualdade essa façanha).

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realmente suas intenções? Todavia, o seu sonho é que, em um momento de desatenção – e isto, é preciso admitir, exigiria uma noite tão escura como nenhuma já foi – ele pulasse para fora da linha de batalha e, graças á sua experiência em lutar, fosse promovido à condição de árbitro da luta de seus adversários entre si (ARENDT, 2000, p. 153).

Associo, a partir dessa parábola, o pensamento, identificado por Kafka como “Ele”,

com a avaliação e como esta subjaz em equilíbrio dinâmico, ortogonal a um eixo definido

pelo continuum do tempo. Por fim, creio que no ato de avaliar, tentamos, ao prescrever, tomar

ciência da sua posição neste continuum e assim ser, de certa forma, atemporal. Algo como um

indivíduo que firma os pés no passado para lançar o olhar para um futuro idealizado. Um

presente que poderia ser definido pelo nunc stans, um agora permanente que, assim espero,

tem no seu horizonte uma visão de esperança crítica.

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138

ANEXO A – Telas e navegação do software

Shusaku

O Shusaku, ajustado para o roteiro de entrevistas dos professores, possui em sua tela

de entrada uma listagem dos indivíduos entrevistados e um conjunto de ferramentas básicas

para edição dos registros. A sua implementação teve por base os softwares SmartList 3.0 e

Microsoft Access XP; e o hardware Sony Clié NZ9060(Figura 6). A opção por um sistema

portátil teve como princípio a otimização do custo do sistema, assim como permitir, com

discrição, o pré-processamento in loco.

Podemos observar a implementação do Shusaku para o roteiro de entrevistas semi-

estruturadas dos professores na Figura 10. A entrada de dados é feita através de um

formulário compilado a partir da análise do roteiro referente à entrevista semi-estruturada,

presencial, aplicada aos docentes da instituição estudada. O início desse formulário, assim

como a descrição dos seus componentes básicos, pode ser observado na Figura 9.

60Computador portátil baseado no sistema operacional PalmOs.

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139

Figura 6 – Hardware utilizado em conjunto com o Shusaku.

Figura 7 – Tela inicial do Shusaku, com 4 entrevistas de professores.

Categorias

Registros

Relógio interno

Chave primária

Barra de ferramentas (inicio, novo registro, propriedades, apagar, busca, contador de registros e zoom).

Filtro de dados/estatística

Modo de apresentação

Dispositivo externo (no caso um memory stick)

Fonte de energia

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140

Figura 8 – Formulário inicial do Shusaku.

O roteiro supracitado comporta momentos, preestabelecidos de solicitação de síntese.

Esses pontos, conforme Szymanski (2002), têm a finalidade de oferecer, de tempos em

tempos, “[...] o quadro que se está delineando para o/a entrevistador/a, isto é, como está

acompanhando a fala do/a entrevistado/a”.

Esses momentos de sínteses foram classificados como univariados ou multivariados

valorados. O primeiro caso se refere à síntese de um só tema, por exemplo a questão “fale

sobre a administração da IES”. Nesse caso teremos um discurso, localizado em uma escala de

tempo, que será desenvolvido entre entrevistador e entrevistando e, ao fim, utilizado para a

elaboração de uma síntese. A Figura 9 apresenta como essa informação foi implementada no

Shusaku.

Barra de índices para subformulários

Barra de navegação

Diversos atributos da base de dados

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141

Figura 9 –Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque ao tempo e a síntese.

Podemos observar na Figura 10 sínteses multivariadas simples. No caso, a essas foi

agregado um campo para que, por meio de uma notação algébrica adaptada, se efetuasse um

procedimento de ordenação e classificação. Sínteses multivariadas valoradas podem ser

observadas na Figura 11.

Figura 10 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku relativo a sínteses multivariadas

simples.

Tempo

Síntese

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142

Figura 11 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque para a categoria temática e a valoração (emoticons).

Os dois últimos campos exemplificados no formulário permitem agregar um desenho

— que pode ser solicitado ou corresponder a um croqui feito pelo pesquisador — e notas

textuais.

Figura 12 – Trecho de formulário de aquisição de dados do Shusaku, com destaque para a possibilidade

de inserção de desenhos.

Cat

egor

izaç

ão te

mát

ica

Val

oraç

ão

ordi

nal

(por

em

otic

ons)

Questão que dispara, pelo botão, uma síntese temática multivalorada

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143

Concomitantemente à coleta de dados, o conjunto hardware e software permitiu

acrescentar os seguintes recursos:

• Um relógio interno para o controle dos tempos gastos em cada resposta em

sincronia com o relógio do gravador utilizado na entrevista (no caso um gravador

digital modelo PowerPack DVR-2850).

• A coleta e armazenamento de fotos e desenhos.

• O cálculo de estatísticas descritivas in loco.

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144

ANEXO B – Análise implicativa e coesitiva

Consideremos que o sensus communis, a partir de suas populações características,

componha um espaço onde temos:

• Um conjunto V de atributos (representadas por letras latinas em minúsculas).

No caso consideremos V = {a, b}.

• Um conjunto E de observações, representados por letras latinas em maiúsculas,

que possuem ou não esses atributos. No caso consideremos V = {A, B}, sendo

que A corresponde a realizações de a, e B corresponde a realizações de b.

Sendo o sensus communis um sistema complexo e, portanto, não explicado somente

pelo acaso, podemos inferir a existência de regras do tipo a⇒b, ou seja, SE a variável

a = verdadeira (ou quase verdadeira), ENTÃO a variável b = verdadeira (ou quase

verdadeira). Essas regras, através de um modelo implicativo, são instrumentos para evidenciar

as ligações e, por fim, através da análise, buscar as significações a elas associadas.

Consideremos X e Y concebidos como dois subconjuntos de E, escolhidos de forma

aleatória e independente, com a mesma cardinalidade que A e B (Figura 14); temos então o

axioma:

“a⇒b é admissível ao nível de significância (1 – α) se e somente se

( ) ( )[ ] α≤∩≤∩ BAcardYXcardPr .”

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145

A(a)

B(b)

E

Y(b)

X(a)

Figura 13 – Diagrama de Venn correspondente a a⇒b.

Conforme GRAS (1997), intuitiva e qualitativamente, se ( )BAcard ∩ é

inverossimilmente pequena em relação à variável aleatória ( )YXcard ∩ admite-se a quase-

implicação a⇒b como associada ao sentido estatisticamente surpreendente da diferença

observada.

É possível demonstrar que a variável aleatória ( )BACard ∩ segue uma lei de Poisson

com parâmetro ( ) ( ) ( ) ( )n

BCardACardbPanP ==π . Por meio do teorema central do limite,

podemos considerar uma aproximação gaussiana, obtendo, então, a variável:

( ) ( ) ( ) ( )( ) ( )

( )

nnn

nnn

YXCard

bPanPbPanPYXCardbaQ

ba

ba−∩=

−∩=, (1)

Para o experimento, o valor de ( )baQ , é:

( )nnn

nnn

nbaq

ba

baba −

=∧

, (2)

O termo ( )baq , é chamado índice de implicação. Considerando a distribuição de

Gauss, a intensidade da implicação de a sobre b, indicada por ( )ba,ϕ , é dada por:

( ) ( ) ( )[ ]( )

dtebaqbaQbabaq

t

∫+∞

π=≤−=ϕ

,

2

2

21,,Pr1, (3)

Sendo assim, a implicação a⇒b será admissível a um nível de significância α se:

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146

( ) [ ] α−≥≤−=ϕ 1),(),(Pr1, baqbaQba (4)

Podemos notar que este modelo de quase-implicação mede a surpresa associada a um

número pequeno de contra-exemplos para a implicação. A relação definida é reflexiva e

assimétrica, mas não necessariamente transitiva61. Dessa forma, se a⇒b e se b⇒c, podemos,

por convenção, aceitar a relação transitiva a⇒c se a implicação for melhor que a

neutralidade: ( )ϕ a c, .≥ 05.

Podemos, a partir do exemplo desenvolvido por Gras e Peter (1999, 451-500),

desenvolver um grafo implicativo. Consideremos as seguintes implicações: e⇒c, a, f, b; c⇒a,

f; b⇒a, f; g⇒d, f; a⇒f. Uma representação possível para esse conjunto de relações pode ser

observada na Figura 15.

e

b

c

a f g d

Figura 14 – Exemplo de estrutura implicativa.

Uma implicação entre classes de variáveis é verossimilhante se internamente existe

uma certa coesão. A partir do conceito de entropia H para medir a desordem entre as

variáveis, podemos definir a coesão da classe (a, b), definida pela função c(a, b), como:

Se ( ) ( )( )abbap ,,,max ϕϕ= e ( ) ( )H p p p p= − − − −log log2 21 1 então ( )c a b H, = −1 2 . Senão, se p = 1 então c(a, b) = 1. Senão, se p ≤ 0.5 então c(a, b) = 0

61Propriedade de uma relação entre elementos dum conjunto que é verdadeira entre os elementos a e c quando for simultaneamente verdadeira entre a e b e entre b e c.

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147

Podemos então definir uma noção de coesão, dada uma classe de r variáveis

A = (a1, ..., ar), como a média geométrica da coesão de classes de dois elementos. Ou seja:

( ) ( )}{

}{ ( )C A c a ai j

j r j i

i r r r

=⎡

⎣⎢⎢

⎦⎥⎥∈ >

∈ − −

∏ ,,..., ,

,...,

2

1 12

1

(5)

Assim, dado A e B, duas classes de variáveis onde os seus elementos genéricos são ai e

bj, e C(A) e C(B) suas respectivas coesões, a intensidade de implicação de A para B é dada

por:

( ) ( ){ }} }{{

( ) ( )[ ] 2/1

,...,1,,...,1

..,sup, BCACbaBArs

sjriji ⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡ϕ=ψ

∈∈

(6)

Esse índice pode ser utilizado como parâmetro para um método de classificação

hierárquica convencional e obter uma árvore coesitiva como a da Figura 15.

f debac Obs.: A seta marcada em cinza corresponde a um nó crítico. Figura 15 – Exemplo de arvore coesitiva.

A cada nível k da hierarquia implicativa, forma-se uma classe de regras cuja coesão é

pior que a das classes já formadas e melhor que a das classes que virão. É possível definir um

índice estatístico relativo à qualidade da aderência à ordem inicial das intensidades de

implicação (ou das coesões) com as formadas pela partição das variáveis ao nível k. Um nível

é dito significativo se corresponde a um máximo local desse índice estatístico (na Figura o nó

implicativo é o e⇒d).

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O modelo coesitivo-implicativo possui outros desdobramentos, cuja dedução

ultrapassa o escopo deste trabalho. São eles:

• Sua generalização para variáveis modais62 e intervalares63.

• O cálculo da significância da tipicalidade de variáveis suplementares para uma

dada regra.

• A pesquisa de conjuntos de indivíduos que mais se ajustem a uma dada

variável (grupo ótimo).

• A utilização de parâmetros entrópicos no modelo coesitivo64.

62 ( ) [ ]{ }1,0∈∈∀ xaEx . 63 ( ){ }+ℜ∈∈∀ xaEx . 64 No caso, a intensidade de implicação apóia-se na entropia das experiências onde a variável a (resp. b) é

observada: a=1 (resp. b=1); ou não: a=0 (resp. b=0).