avaliação global do transporte de cargas e os riscos associados
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Avaliação global do transporte de cargas e os riscos associados
Engº Antonio Fernando Navarro1
Introdução
O transporte de cargas é sabidamente uma das primeiras atividades humanas. O
homem para sustentar a família precisava caçar. O resultado dessa atividade era o transporte da caça
morta para a habitação da família. Esse transporte era quase sempre manual, com o caçador
transportando a caça sobre os ombros. Quando passou a residir fora das cavernas também
transportavam os materiais de construção manualmente.
Não há registros dos primeiros transportes que não fossem através do homem.
Sabe-se da história que eram empregados roletes, feitos de troncos de árvores, onde a carga
depositada sobre os mesmos era empurrada reduzindo assim o esforço manual. Assim, os humanos
passaram a criar meios de transporte que não fossem nas costas dos trabalhadores a partir do
momento em que essas passaram a ter maiores dimensões e pesos.
Neste paper iremos tratar de forma prática sobre as questões que envolvem os
transportes, baseados em nossos estudos e pesquisas e nas avaliações de atividades, por quase
quarenta anos de atividades em atividades relacionadas à construção civil e em obras industriais de
construção de montagem.
Meios de transporte
Inúmeros são os meios de transporte. Quando conjugados, passam a ser
denominados de modais de carga. Entre outros tantos meios de transporte podem ser citados alguns
como:
• Transporte manual empregando carrinhos e mão ou plataformas;
• Transporte utilizando veículos como: caminhões e carretas, empilhadeiras, trolleys,
guindastes sobre pneus ou lagartas;
• Transporte sobre trilhos, como pontes rolantes, guindastes sobre trilhos, vagões ferroviários;
1 Antonio Fernando Navarro é físico, engenheiro civil, engenheiro de segurança do trabalho, mestre em saúde e meio ambiente, doutorando em engenharia civil, especialista em gerenciamento de riscos, engenheiro e professor da Universidade Federal Fluminense – UFF/RJ – e-mail: [email protected]; [email protected].
• Transporte sobre plataformas, como sobre roletes ou skids;
• Transporte por gruas, pontes rolantes, talhas;
• Carrinhos e empilhadeiras;
• Transportes sobre meios flutuantes, como barcaças, navios ou outros meios, etc..
Os meios mais usuais para o transporte de grandes volumes de cargas são através
de caminhões e em navios.
Modais de transporte
Modais de transporte são os modos de como as cargas serão transportadas. Esses modos podem
conjugar vários meios de transporte, como:
• vagões associados a barcaças, para grãos, como ocorre hoje em Rondônia;
• caminhões para aviões e desses para caminhões, como ocorre na Zona Franca de Manaus
(AM);
• caminhões para navios e desses para vagões ou caminhões, como ocorre no escoamento das
safras de grãos que são embarcadas no Porto de Paranaguá, o maior do Brasil nesse tipo de
embarque;
• Múltiplos equipamentos para o transporte, içamento ou descida, principalmente em função
das dimensões e ou peso;
• embarcações para caminhões e desses para aviões e, a partir daí, para outros meios, como se
dá no transporte de pescados.
Submarino sendo içado por um conjunto de dois guindastes flutuantes.
Içamento, para posicionamento de módulo de plataforma fixa;
Cargas especiais sendo transportadas por caminhões com carreta especial. Seu grande número de
pneus possibilita uma melhor distribuição do peso da carga sobre o pavimento da estrada.
Neste exemplo a carga é acondicionada em containers e esses são transportados por navios
especiais.
Exemplos de cargas transportadas por embarcação especial. Esse tipo de embarcação é submergida
para que a carga, que se encontra flutuando, seja posicionada na embarcação. Depois de
deslastreada a embarcação sobe a seu nível normal de flutuabilidade.
Transporte de carga por empilhadeira móvel.
Transporte de grãos em navio graneleiro.
Carga especial, veículo do tipo “fora de estrada”, sendo transportado por dois caminhões de grande
porte. O principal risco da atividade é a do sincronismo da velocidade dos dois veículos
transportadores.
Transporte de equipamento especial com cavalo mecânico especial e carreta dupla. São atividades
extremamente complexas e em baixa velocidade.
Deslocamento de embarcação com o emprego de quatro trolleys, cujas rodas são acionadas
individualmente, por meio de controles centralizados.
Transporte de cargas superpostas, para racionalização dos meios de transporte.
Transporte de carga pesada com dois cavalos mecânicos, um à frente e outro à ré.
Veículo para transportes especiais, com o centro de gravidade mais baixo do que o normal,
oferecendo maior segurança durante o transporte.
O modelo de transporte pode estar associado a várias questões, como:
• Prazo para a entrega;
• Características do produto se frágil ou não;
• Cargas especiais quanto ao peso e ou dimensões;
• Capacidade de suportação do peso da mercadoria transportada, associado ao peso do veículo
transportador;
• Locais de embarque e de desembarque;
• Locais de difícil acesso para o carregamento ou descarregamento;
• Necessidade de equipamentos especiais para a descarga dos materiais;
• Meios para a proteção mesmo que temporária das cargas;
• Custos associados ao transporte;
• Meios de transporte disponíveis;
• Necessidade de embalagens especiais;
• Possibilidade de transporte a granel ou fracionado, entre outras questões.
Os modais devem ser previstos desde a fase inicial das atividades de produção, já
que têm que estar associados uns aos outros. Muitas vezes uma forma de transporte encontra-se
disponível enquanto a outra forma não está. Assim a mercadoria deve ficar armazenada durante
determinado período onerando os custos de transporte.
Não se pode ignorar que quanto maior é a quantidade de manuseios da mercadoria
maiores são as possibilidades de existência de danos aos bens. Isso se dá, em grande parte, devido
às atividades de estiva.
Independentemente dos modais a raiz da questão da escolha está diretamente
associada às características físicas das cargas ou mercadorias. Assim, uma partida de frutas da
estação não podem ficar longos períodos sem estar em ambientes climatizados. Portanto, nesses
casos, os meios de transporte esse tipo de carga devem ser adequados ao ambiente climatizado.
Outra questão crucial é a que contempla os transportes após o recebimento das
cargas pelos clientes. Depois que a mercadoria chega ao seu destino deve ser dado a ela idêntico
tratamento, de maneira a preservá-la até a sua aplicação ou comercialização.
Um exemplo interessante é o que trata de equipamentos, componentes ou sistemas
que necessitam ser mantidos energizados, enquanto estiverem armazenados. Para tal, no ambiente
de depósito devem ser tomados todos os cuidados para não só manterem-se os equipamentos
energizados, assim como para evitar que incêndios venham a ocorrer.
Outro exemplo é o que trata de grandes equipamentos que precisam de controle
constante enquanto estiverem armazenados, como motores de grande porte que necessitam de
lubrificação de mancais, do giro dos eixos para que não haja empenos, entre outros cuidados.
Tipos de cargas transportadas
As cargas transportadas podem ser ter as seguintes características físicas:
• Cargas sólidas;
• Cargas líquidas;
• Cargas gasosas;
As formas de como as cargas podem ser acondicionadas são:
• Tambores metálicos;
• Caixas de madeira, plásticas ou de papelão;
• Containers para sólidos, líquidos ou gases;
• Containers pressurizados ou climatizados;
• Pallets metálicos;
• Carga a granel disposta no meio de transporte;
• Cargas acondicionadas em bags ou outros meios de contenção para cargas à granel;
• Cargas sem embalagem, etc..
Em função das características físicas das cargas e das formas de como são
acondicionadas, são definidas as estratégias de transporte. Em uma obra civil, para a montagem da
estrutura da construção, por exemplo, em concreto armado, são necessários materiais, que
aglomerados, misturados e posicionados possibilitam que a estrutura seja erigida. Assim, em vista
dos volumes de materiais empregados, para acelerar-se o processo de construção, são preparadas no
canteiro de obras as fôrmas de madeira ou metálicas, onde serão acondicionadas as ferragens e o
concreto. As ferragens podem chegar em carretas e cortadas e preparadas no canteiro de obras, ou já
virem prontas do fornecedor. O concreto pode chegar em betoneiras e seu lançado por bombas,
sendo bombeados diretamente nas formas.
Avaliação Global – ferramentas de análise
Vários são os aspectos a serem observados nas atividades de transporte de cargas,
alguns dos quais podem ser redundantes, ou seja, mais de um fator pode ter contribuído para a
ocorrência de um acidente ou um incidentes, como por exemplo, o rompimento de uma eslinga, sem
que a carga tenha ido ao solo, em uma atividade de içamento conjugada com a movimentação. As
causas básicas podem ser definidas através de pesquisas e análises dos acidentes. Neste paper
utilizou-se como base para a análise uma listagem de 221 acidentes de transporte de cargas, sem se
distinguir, nessa fase, as características das cargas. A relação das causas básicas é a apresentada a
seguir:
Causas básicas % acidentes
Rompimento de lingadas 55% Mau dimensionamento dos pesos e dispositivos de içamento 30% Tombamento do veículo transportador 15% Irregularidades no piso 25% Movimentação em função do vento 10% Balanço excessivo em função dos desníveis de terreno 15% Quebra da lança de içamento do equipamento de guindar 5% Falhas operacionais 40% Falhas no planejamento das atividades 35% Quebra dos acessórios de içamento da carga 20% Defeito de materiais 65% Quebra dos pontos de amarração 10% Quebra dos pontos de pega 10% Rompimento das embalagens 45% Queda do material transportado por má estiva 20% Dimensionamento inadequado do centro de gravidade 15% Impacto contra objetos fixos ao longo do caminho 25% Impacto contra objetos móveis 20%
(Navarro, 2012)
Acidente provocado pelo choque da carreta contra um poste, posicionado em um trecho com curva.
Transporte especial com duas carretas.
Riscos observados nos transporte de cargas
Os principais riscos que devem ser avaliados para a realização devem ser
extraídos da planilha apresentada anteriormente. Mas, pode-se simplificar essa análise em alguns
tópicos, como a saber:
1. Toda a atividade, por mais simples que seja, deve ser planejada. O planejamento deve
contemplar não só a própria atividade do transporte, como também o ambiente onde essa
atividade se desenvolverá. Para movimentações com cargas de grandes dimensões e peso
deve-se utilizar modelos de simulação em 3D, que possibilitam obter-se alternativas mais
seguras;
2. A carga transportada deve ser observada como um todo, avaliando-se, no estudo:
• Dimensões;
• Peso;
• Centro de gravidade do conjunto;
• Centro de gravidade do componente de maior peso;
• Possibilidade de modularizar-se o transporte;
• Existência de protuberâncias, extremidades e ressaltos, que podem ser pontos de
contato com objetos durante o transporte;
• Utilização de lingadas com coeficiente de segurança maior ou igual a 5;
• Existência de pontos de pega ou de amarração das lingadas;
• Inspeção de todos os pontos, suas conexões e soldas;
• Inspeção de todo o material empregado na atividade, cabos e todos seus acessórios;
• Definição do meio de transporte, assegurando-se que haja uma folga mínima entre a
capacidade do mesmo e o peso da carga superior a 3;
• Verificação se todos os componentes do meio de transporte;
• Avaliação do percurso, verificando:
� Possíveis pontos de contato,
� Irregularidades do piso,
� Restrição quanto à largura,
� Possibilidade de a carga ser deixada sobre calços caso haja ventos com
velocidade superior a 15km/h,
� Possibilidade do equipamento de transporte ficar parado por razões técnicas,
sem que haja o estorvo na circulação dos demais veículos,
� Proximidade de linhas elétricas,
� Proximidade da movimentação de outras cargas,
� Movimentação de pessoal sob a carga,
� Obstruções a serem ultrapassadas,
� Existência de aclives ou declives.
• Local onde a carga será depositada;
• Existência de guias ou de pontos de conexão com outros elementos;
3. Toda a atividade de movimentação de cargas de grandes dimensões ou pesos deve ter
APENAS UM RESPONSÁVEL, a quem todos devem se reportar;
4. TODOS os envolvidos na operação são importantes e necessários. Assim, deve existir um
meio seguro de comunicação com as pessoas. O operador do equipamento ou operadores, já
que há transportes com vários equipamentos envolvidos, como apresentado em algumas
fotografias anteriores, devem ter sistema de comunicação segura, já que as sinalizações
habituais por gestos podem ser mal interpretadas ou entendidas, podendo ser a causa de um
acidente;
5. Especial atenção deve ser dado a trechos do percurso com curvas ou com mudança do
alinhamento da estrada, principalmente se a carreta for longa, com mais de 30 metros.
Acessórios empregados na movimentação de cargas
Alavanca com catraca
Amarração da carga
Anéis ou argolas
Barra de carga para içamento
Cadernais
Carretilha elétrica
Carretilha para içamento
Carretilhas
Cinta de poliéster
Cinta plana
Destorcedor olhal-manilha
Dispositivos para extremidade dos cabos
Gancho automático
Gancho com olhal
Gancho com trava livre
Estropos
Gancho e moitão
Ganchos simples para elevação de carga
Garra de pega
Laços de cabos
Moitão com gancho
Manilha reta
Moitão de madeira
Moitão duplo
Mosquetão com gancho
Mosquetão com trava dupla
Pega chapas
Polia e olhal
Quadro de içamento
Sapatilha de aço
Soquete aberto
Tenaz
Tirfor
Viga de içamento
Conclusão
Por fim, uma atividade de transporte de carga é perigosa e pode apresentar
complexidades que aumentam o grau de risco. Em muitas dessas operações os trabalhadores devem
se aproximar tanto quanto possível para o posicionamento de spinas ou parafusos de fixação.
Nesses momentos, qualquer balanço da carga pode significar pessoas mortas ou com graves lesões.
Os acidentes somente podem ser considerados como algo normal quando um ou
vários procedimentos de segurança são descumpridos. Basta que o planejamento seja mal executado
para que a probabilidade de ocorrência de acidentes cresça exponencialmente. Isso costuma ocorrer
quando a empresa não possui a adequada cultura de segurança, quando as atividades são realizadas
“para ontem” e quando há improvisos. Somente estes três itens citados neste parágrafo já seriam
responsáveis por mais de 60% das ocorrências de acidentes.