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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Ciências Avaliação e comparação de extractos de látex comercialmente disponíveis em Portugal para testes cutâneos por picada Marta Sofia da Fonseca Gabriel Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Bioquímica (2º ciclo de estudos) Orientador: Profª. Doutora Cândida Ascensão Teixeira Tomaz Covilhã, Junho de 2011

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Cincias

Avaliao e comparao de extractos de ltex

comercialmente disponveis em Portugal para

testes cutneos por picada

Marta Sofia da Fonseca Gabriel

Dissertao para obteno do Grau de Mestre em

Bioqumica (2 ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutora Cndida Ascenso Teixeira Tomaz

Covilh, Junho de 2011

ii

Folha em branco

iii

Agradecimentos

Primeiramente, quero agradecer s pessoas mais importantes da minha vida, sem elas

nenhum dos meus objectivos se concretizaria O meu mais sincero obrigado a vs PAIS E

MANO, pelo incondicional apoio, amor e motivao que me tm dado, no s nesta fase mas

tambm ao longo da vida! Agradeo tambm pelos sacrifcios que tantas vezes passaram para

que a nossa vida seja melhor e para a realizao dos meus ideais Vocs esto na gnese de

tudo!!!

Quero tambm atenciosamente agradecer Professora Cndida Tomaz pela orientao e

conhecimento cientfico que me permitiu adquirir e pela confiana que sempre demonstrou

depositar em mim.

Gostaria tambm de expressar a minha gratido para com o Dr. Paulo Tavares, pelo incentivo

e disponibilidade demonstrada para a concretizao deste projecto.

Aos imunoalergologistas que integraram este projecto e se disponibilizaram para a realizao

dos testes cutneos por picada, nomeadamente Dra. Ana Margarida Romeira, Dr. Carlos

Lozoya, Dr. Lus Taborda Barata e Dra. Rosarinho Tomaz.

Ao Dr. Jorge Martnez e Dra. Idoia Postigo da Universidade de Vitria, Pas Vasco pela

realizao dos ensaios de inibio por microarrays.

1

Phadia Iberia agradeo a disponibilidade demonstrada pelos respectivos representantes e

pelo fornecimento dos ImmunoCAPs e dos microarrays (ISAC-ImmunoCAP).

A todos os meus familiares, amigos e colegas que de alguma forma contriburam para que eu

permanecesse motivada na realizao desta dissertao

De forma especial, quero agradecer Catarina Nunes, Clia Peixinho e Sara Costa por toda a

ajuda, amizade e conhecimento que me disponibilizaram ao longo deste ano acadmico.

s anteriores, quero acrescentar a Andreia, Diana e Rita pelos momentos de boa disposio e

amizade que partilharam comigo.

A ti, Daniel agradeo todo o apoio, amor e pacincia que tens tido para comigo

iv

Folha em branco

v

Resumo

A prevalncia da alergia ao ltex de borracha natural (LBN) tem-se revelado reduzida na

populao em geral, contudo est descrita como permanecendo um importante problema de

sade em subpopulaes consideradas de risco, como o caso particular dos trabalhadores da

rea da sade (TAS) e doentes com espinha bfida (DEB). A principal meta para a preveno

de reaces alrgicas severas baseia-se na correcta e precoce identificao de indivduos

alrgicos e sensibilizados, com propenso para sofrer sintomas aps exposio repetida a

produtos de ltex. De entre as metodologias de diagnstico disponveis, os testes cutneos

por picada (TCP) constituem o mtodo mais fivel para o diagnstico da sensibilizao s

protenas do ltex, contudo estes testes so grandemente afectados pela qualidade dos

reagentes alergnicos aplicados. Actualmente, existem vrios extractos de LBN

comercialmente disponveis em Portugal, produzidos por diferentes fabricantes, cuja

variabilidade no contedo proteico e alergnico pode constituir um factor de influncia nos

resultados dos TCP. De facto, apesar de ser do conhecimento geral que tais preparaes

alergnicas so passveis de apresentar grande heterogeneidade, at data poucos so os

estudos publicados que visaram a sua avaliao, pelo que tais variaes no se encontram,

actualmente, bem documentadas. Tendo por base estes conhecimentos, estabeleceu-se como

objectivo deste projecto, a avaliao do nvel real de variabilidade entre extractos

comercialmente disponveis de entidades fabricantes distintas e a anlise do efeito de tais

variaes de contedo, na eficincia de induo de reactividade cutnea por TCP. Para tal,

foram utilizados extractos actualmente comercializados em Portugal, fornecidos por sete

fabricantes distintos. Todos os extractos foram analisados para o seu contedo proteico por

Bradford e electroforese em gel de poliacrilamida - dodecil sulfato de sdio (SDS-PAGE).

Procedeu-se tambm quantificao dos quatro alergnios major Hev b 1, Hev b 3, Hev b 5 e

Hev b 6.02 utilizando kits comerciais de ensaio imunoenzimtico (EIA). Por fim, os extractos

foram analisados quanto sua actividade alergnica in vivo e in vitro, por TCP e microarrays,

respectivamente. Os resultados obtidos demonstraram marcada variabilidade no contedo em

protena total dos extractos de diferentes fabricantes, sendo que os respectivos valores

variaram de teores proteicos inferiores a 8,0 a 526,5 g/mL, o que corresponde a um

surpreendente nvel de heterogeneidade de aproximadamente 65 vezes. Estas diferenas

acentuadas de contedo proteico entre extractos foram qualitativamente confirmadas pelos

resultados de SDS-PAGE, sendo obtidos perfis electroforticos completamente distintos. No

que respeita quantificao dos quatro alergnios major, esta tambm se demonstrou

bastante varivel, sendo que em alguns dos extractos no foram detectadas quantidades

mensurveis de Hev b 3 e Hev b 5. Ambos os resultados de TCP e dos ensaios de microarrays

demonstraram diferenas notveis na capacidade alergnica entre os extractos de diferentes

vi

fabricantes. Particularmente, pelos resultados de TCP foi claramente observado que na maior

parte dos doentes, a variabilidade de eficincia de diagnstico foi to acentuada que houve

extractos que induziram respostas de TCP positivas e outros que no foram capazes de induzir

qualquer reactividade cutnea, num mesmo doente alrgico. Pelas evidncias demonstradas

ao longo deste trabalho pode concluir-se que os extractos de ltex de diferentes fabricantes,

comercialmente disponveis, apresentam uma heterogeneidade de contedo proteico e

alergnico bastante marcada, o que certamente influencia as respectivas eficincias de

diagnstico, em consequncia de diferentes capacidades alergnicas. Assim, sugere-se a

necessidade do estabelecimento de metodologias de uniformizao e melhoramento dos

extractos alergnicos actualmente disponveis para o diagnstico da alergia ao ltex.

Palavras-chave

Alergnios major, alergia ao ltex, extractos alergnicos, microarrays, testes cutneos por

picada

vii

Folha em branco

viii

Abstract

The prevalence of allergy to natural rubber latex (NRL) has proved to be reduced in the

general population, however it has been described as a significant health problem in

subpopulations considered at risk, especially among health care workers (HCW) and spina

bifida patients (SBP). Identifying individuals who have become sensitized and are likely to

suffer from symptoms upon repeated exposure to latex products is the major goal of

prevention of allergic reactions. Among available diagnostic methodologies, skin prick tests

(SPT) are the most reliable method for assessment of sensitization to latex proteins, but their

diagnostic performance and reproducibility are highly dependent on the quality of the used

reagents. Nowadays, there are several extracts for skin prick testing commercially available

in the Portuguese market, produced by different companies, whose protein and allergen

variability may be a factor that influences the accuracy of the tests. Despite it is generally

known that such preparations are likely to show great heterogeneity, to date there are only a

few published studies that aimed their evaluation. For this reason, such variations are not

currently well documented. Taking this into account, the aim of this project was to assess the

real level of variability among commercial available extracts, from different manufacturers

and to evaluate the effect of such content variations on the ability to induce skin reactivity

by SPT. Thus, for its accomplishment, commercially available extracts from seven different

manufacturers were used. All latex SPT extracts were analysed for protein content by

Bradfords method and sodium dodecyl sulfate-polyacrylamide gel electrophoresis (SDS-

PAGE). The four major allergens Hev b 1, Hev b 3, Hev b 5 and Hev b 6.02 were also

quantified using an enzyme immunoassay (EIA). All commercial extracts were tested for their

in vitro allergenic capacity by microarray-inhibition assays and for their ability to induce

biological reactivity in latex-allergic patients by SPT. The obtained results showed broad

variations in protein composition among products from different manufacturers, ranging from

below 8.0 to 526.5 g/mL of extract, which corresponds to a surprising level of heterogeneity

of approximately 65-fold. Broad differences in protein profiles among all extracts from

different manufacturers were also observed by SDS-PAGE, with completely distinct

electroforectic profiles. There was a marked variability regarding the contents of all four

major allergens with undetectable Hev b 3 and Hev b 5 in certain extracts. Both microarray-

inhibition assays and SPT demonstrated significant differences in allergenic capacity among

the different extracts. Importantly, SPT results clearly showed that in most patients, the

variability of diagnostic effectiveness was so pronounced that there were extracts which were

able to induce positive skin responses by SPT, and others that were unable to induce any skin

reactivity in the same allergic patient. Based on demonstrated evidences it can be concluded

that commercially available latex extracts from different manufacturers present a marked

heterogeneity in their protein and allergen content, which certainly influences the respective

ix

diagnostic efficiency, because of their different allergenic capacities. Thus, it is suggested

the need for improvement and standardization of latex extracts used for the diagnosis of

latex allergy.

Keywords

Allergen extracts; latex allergy; major allergen; microarrays; skin prick test

x

Folha em branco

xi

ndice

1 Introduo 1

1.1 Ltex de borracha natural 1

1.1.1 Descrio geral 1

1.1.2 Composio Bioqumica 2

1.1.3 Processamento durante a Manufactura 2

1.1.4 Produtos base de ltex de borracha natural 3

1.2 Alergia/sensibilidade ao ltex 4

1.2.1 Enquadramento histrico e conceitos bsicos 4

1.2.2 Alergnios identificados no ltex de borracha natural 5

1.2.3 Mecanismo de sensibilizao e alergia aos alergnios do ltex 7

1.2.4 Prevalncia da alergia ao ltex 9

1.2.5 Factores e grupos de risco 9

1.2.6 Alergnios major para os dois grupos de risco mais relevantes 11

1.2.7 Vias de sensibilizao 12

1.2.8 Manifestaes clnicas 13

1.2.9 Reactividade cruzada - Sndrome ltex-frutos(-plenes) 14

1.2.10 Tratamento 14

1.2.11 Preveno 15

1.3 Diagnstico da alergia ao ltex 17

1.3.1 Testes in vitro de deteco de IgE especfica 18

1.3.2 Testes cutneos por picada 18

1.3.2.1 Extractos alergnicos de diagnstico 19

2 Descrio dos Objectivos 22

3 Materiais e Mtodos 23

3.1 Extractos comerciais para testes cutneos por picada 23

3.2 Determinao da concentrao em protena total pelo mtodo de

. Bradford 23

xii

3.3 SDS-PAGE (Sodium Dodecyl Sulfate Polyacrylamide Gel

. Electrophoresis) 25

3.4 Ensaio Imunoenzimtico 26

3.5 Ensaios de inibio por Microarrays 29

3.6 Caracterizao dos doentes alrgicos ao ltex 31

3.7 Determinao da IgE srica especfica para o ltex 31

3.8 Testes cutneos por picada 32

4 Apresentao dos Resultados 34

4.1 Anlise quantitativa e qualitativa do contedo proteico dos extractos

. comerciais 34

4.2 Quantificao dos alergnios major 37

4.3 Ensaios de inibio por Microarrays 39

4.4 Anlise da actividade alergnica in vivo 40

4.4.1 Caracterizao da populao de doentes alrgicos 40

4.4.2 IgE especfica para o ltex 42

4.4.3 Testes cutneos por picada 42

5 Discusso dos Resultados 45

5.1 Enquadramento terico 45

5.2 Anlise da variabilidade de contedo proteico e alergnico dos

. extractos comerciais 46

5.3 Anlise da actividade alergnica dos extractos comerciais 48

6 Concluso 52

7 Este estudo como ponto de partida para o melhoramento das preparaes

. alergnicas 53

8 Perspectivas Futuras 54

9 Referncias 55

10 Anexos 67

10.1Protocolo de consentimento informado 67

10.2 Abstract aceite no 30th Congress of the European Academy of Allergy

and Clinical Immunology, Istambul, Turquia, 2011 (Comunicao em Painel) 68

10.3 Manuscrito submetido 69

xiii

Folha em branco

xiv

Lista de Figuras

Figura 1.1 - A. Processo de inciso da casca da Hevea brasiliensis (http://www.medicalexam

glove.com/latex-gloves/mp_tapping_rubber_tree.html); B. Fluxo de LBN produzido pelas

clulas laticferas da planta (http://www.kew.org/plants/rubber.html).

Figura 1.2- Processo de produo de luvas de ltex por imerso de moldes no LBN na sua

forma lquida (http://www.boston.com/bigpicture/2009/02/at_work.html).

Figura 1.3- Mecanismo de desencadeamento de resposta alrgica (adaptado de [30]). APC

clula apresentadora de antignio; FCRI - receptor de IgE de alta afinidade; IFN

interfero-; MHC - complexo major de histocompatibilidade; TCR receptor de clula T;

TGF factor de transformao de crescimento ; TNF Factor de necrose tumoral; TReg

Clula T reguladora.

Figura 3.1 - Curvas de calibrao obtidas por aplicao do mtodo de Bradford, numa gama

de concentraes A- de 8 a 80 g de protena/mL de soluo (Micro-Bradford); e B- de 50 a

500 g de protena/mL de soluo.

Figura 3.2 - Esquema ilustrativo do processo de deteco de alergnios individuais por EIA

(Adaptado de http://www.mitosciences.com/sandwich_elisa_assay_overview.html).

Figura 3.3- Esquema geral das placas de EIA. Legenda: C1 - C6 : Calibradores; Ct: controlo; EA

- EG: amostras (extractos das empresas A-G).

Figura 3.4 - Curvas de calibrao obtidas por FITkitTM. A- Para os calibradores de Hev b 1

numa gama de concentraes entre 10 e 1000 g/L. B- Para o Hev b 3 utilizando calibradores

cujas concentraes estavam compreendida entre 10 e 1000 g/L. C- Respectivo ao Hev b 5

cujos limites mnimos e mximos de concentrao so 5 e 100 g/L de soluo. D- Para o Hev

b 6.02 utilizando padres de concentraes situadas na gama entre 5 e 200 g/L.

Figura 3.5 Esquematizao do procedimento de aplicao de reagentes de testes cutneos

por picada no antebrao de um doente alrgico (http://www.medinik.com/allergy/skin-

allergy-test).

Figura 4.1 - Anlise por SDS-PAGE em gel de gradiente 4-20% dos sete extractos comerciais de

ltex (A-G) correntemente utilizados para TCP. M: Marcador de pesos moleculares (KDa).

Figura 4.2 - Anlise por SDS-PAGE em gel a 12,5% de acrilamida de dois lotes diferentes

fornecidos por quatro das empresas em estudo. M: Marcador de pesos moleculares (KDa); A1 e

A2- Lotes 1 e 2 de extractos do fabricante A; C1 e C2- Lotes 1 e 2 de extractos do fabricante C;

http://www.kew.org/plants/rubber.htmlhttp://www.boston.com/bigpicture/2009/02/at_work.htmlhttp://www.mitosciences.com/sandwich_elisa_assay_overview.htmlhttp://www.medinik.com/allergy/skin-allergy-testhttp://www.medinik.com/allergy/skin-allergy-test

xv

D1 e D2- Lotes 1 e 2 de extractos do fabricante D; F1 e F2- Lotes 1 e 2 de extractos do

fabricante F.

Figura 4.3 Percentagens de inibio obtidas para o Hev b 1, Hev b 5, Hev b 6 e Hev b 8 em

cada um dos extractos comerciais (fabricantes A- G)

xvi

Folha em branco

xvii

Lista de Tabelas

Tabela 1.1- Composio aproximada do ltex fresco, recolhido directamente da Hevea

brasiliensis [2]

Tabela 1.2- Alergnios do ltex reconhecidos e listados pela IUIS [27]

Tabela 4.1 - Determinao da concentrao em protena total de sete extractos alergnicos

de ltex de diferentes fabricantes (A a G) pelo mtodo de Bradford.

Tabela 4.2 - Anlise do contedo proteico em dois lotes diferentes de extractos de ltex do

mesmo fabricante.

Tabela 4.3 - Quantificao por EIA do contedo em Hev b 1, Hev b 3, Hev b 5 e Hev b 6.02 nos

sete extractos de ltex de (A-G) utilizados no diagnstico da alergia ao ltex in vivo.

Tabela 4.4 Quantidades de IgE especfica para os alergnios Hev b 1, Hev b 5, Hev b 6 e Hev

b 8 detectadas nos ensaios de inibio-microarrays e respectiva percentagem de inibio para

os extractos comerciais (fabricantes A a G).

Tabela 4.5 - Dados clnicos dos onze doentes alrgicos ao ltex includos no estudo.

Tabela 4.6 - Dimetro mdio da ppula resultante da realizao de testes cutneos por picada

em onze doentes alrgicos com alergia ao LBN confirmada, e respectivos valores dos nveis

sricos de IgE ltex-especfica.

Tabela 4.7 - Valores descritivos dos resultados de TCP para cada extracto comercial no

diagnstico de alergia ao ltex (n=11).

xviii

Folha em branco

xix

Lista de Acrnimos

ABCs Vias areas, respirao e circulao (Airway, Breathing and Circulation)

APCs Clulas apresentadoras de antignio (Antigen-Presenting Cells)

BSA Albumina srica bovina (Bovine Serum Albumin)

CHCB Centro Hospitalar Cova da Beira, Covilh

CSN Centro de Sade de Nelas

DEB Doentes com espinha bfida

Der p 1 Dermatophagoides pteronyssinus 1

EAACI Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clnica (European Academic of

Allergy and Clinical Immunology)

EIA Imunoensaio enzimtico (Enzyme ImmunoAssay)

ELISA Enzyme Linked Immunosorbent Assay

FcRI Receptor de IgE de alta afinidade

HAL Hospital Amato Lusitano, Castelo Branco

HDE Hospital Dona Estefnia, Lisboa

Hev b Alergnio da Hevea brasiliensis

HIV Vrus da Imunodeficincia Humana (Human Immunodeficiency Virus)

HRP Peroxidase (Horseradish Peroxidase)

IFN Interfero-

IgE Imunoglobulina E

IL Interleucina

ISAC Immuno Solid-phase Allergy Chip

ISU Unidades normalizadas ISAC (ISAC standardized units)

xx

IUIS Unio Internacional de Sociedades Imunolgicas (International Union of

Immunological Societies)

KDa Kilo Dalton

LBN Ltex de borracha natural

MHC Complexo Major de Histocompatibilidade (Major Histocompatibility

Complex)

OMS Organizao Mundial de Sade

REF Factor de alongamento da borracha

rHev b Alergnio recombinante da Hevea brasiliensis

SD Desvios padres (Standard Deviations)

SDS Dodecil sulfato de sdio (Sodium Dodecyl Sulfate)

SDS-PAGE Electroforese em gel de poliacrilamida - dodecil sulfato de sdio (Sodium

Dodecyl Sulfate - Polyacrylamide Gel Electrophoresis)

SPSS Software estatstico - Statistical Package for the Social Sciences

TAS Trabalhadores da rea de sade

TCP Testes cutneos por picada

TCR Receptor de clula T

TGF Factor de transformao de crescimento (Transforming Growth Factor-)

TH Clulas T auxiliares

TNF Factor de necrose tumoral

TR Tampo de reduo

TReg Clulas T reguladoras

xxi

Folha em branco

1

Captulo 1

Introduo

1.1 Ltex de borracha natural

1.1.1 Descrio geral

O ltex de borracha natural (LBN) consiste na seiva leitosa produzida por clulas

especializadas, em mais de 2000 espcies de plantas. Porm, a obteno desta matria-

prima, em quantidades comerciais, faz-se quase exclusivamente a partir da rvore tropical

Hevea brasiliensis, pertencente famlia das Euphorbiaceae. As clulas da planta

especializadas na produo de LBN, denominadas laticferas, formam uma rede tipo tubo ao

longo da rvore, que facilita a circulao do seu produto a todos os locais da planta. Este

produto leitoso desempenha um importante papel no mecanismo fisiolgico da planta,

nomeadamente, na cicatrizao de locais eventualmente danificados ou feridos. Para o

favorecimento do fluxo do LBN procede-se, correntemente, ao ferimento, por inciso, da

casca mole do caule da H. brasiliensis, promovendo deste modo a libertao do contedo

citoplasmtico das clulas laticferas, o que permite a sua recolha para a sua posterior

utilizao na indstria da borracha (Figura 1.1 A e B) [1].

A. B.

Figura 1.1 - A. Processo de inciso da casca da Hevea brasiliensis (http://www.medicalexam

glove.com/latex-gloves/mp_tapping_rubber_tree.html); B. Fluxo de LBN produzido pelas clulas

laticferas da planta (http://www.kew.org/plants/rubber.html).

http://www.kew.org/plants/rubber.html

2

1.1.2- Composio Bioqumica

O principal constituinte do LBN, recolhido directamente da planta de origem, , alm da

gua, a borracha natural, um hidrocarboneto cis-poliisopreno polimrico (Tabela 1.1). Esta

matria-prima possui tambm na sua composio outras substncias derivadas da planta,

incluindo hidratos de carbono (acares), glicsidos esterides, resinas, cinzas e um conjunto

significativamente grande de protenas, que devido ao facto do LBN no ser um fluido

homogneo, no se encontram uniformemente dispersas [2]. O contedo proteico do LBN tem

sido claramente considerado a causa de desenvolvimento da alergia ao ltex em humanos, e

protenas especficas tm sido estabelecidas como alergnios dominantes para vrios

subgrupos populacionais[3] como vai ser mais profundamente abordado ao longo desta

dissertao.

Tabela 1.1- Composio aproximada do ltex fresco, recolhido directamente da Hevea brasiliensis [1].

Constituintes Percentagem (%)

gua 55-65

Borracha (cis-1,4-poliisopreno) 30-40

Protenas 2-3

Resinas 1,5-3,5

Aucares 1,0-2,0

Cinzas 0,5-1,0

1.1.3 Processamento durante a Manufactura

De uma forma geral, a maioria das protenas detectadas no LBN, ocorrem na sua forma nativa

nos produtos de ltex finais, contudo, ocasionalmente, so detectadas nestes numa

configurao alterada, devido possibilidade de formao de neo-alergnios durante o

processamento do LBN [4, 5]. Ou seja, por vezes, o contedo proteico do ltex afectado

pelo processo de manufactura, sendo portanto necessrio conhecer bem as etapas que

integram este processo, de forma a permitir a compreenso da alergenicidade dos produtos

comerciais, os quais constituem potenciais fontes de sensibilizao.

do conhecimento geral que durante as primeiras fases do processo de manufactura da

borracha diversas quantidades de amnia so, frequentemente, adicionadas matria-prima.

Neste sentido, vrios estudos tm demonstrado que o ltex amoniado e extractos de luva

podem conter alergnios similares aos existentes no LBN fresco [6]. Porm, tambm tem sido

3

descrito em alguns estudos que ambas as propriedades imunolgicas e quantitativas das

protenas do LBN podem ser modificadas aps a adio da amnia [6, 7], e portanto, que o

potencial alergnico do ltex amoniado pode estar alterado relativamente matria-prima

extrada da rvore de origem [7]. Alm da amnia, outros compostos, so muitas vezes

adicionados, para tratamento do LBN durante o processo de manufactura, tais como

catalisadores, xidos metlicos, antioxidantes, entre outros. Muitos destes podem tambm

influenciar o contedo proteico dos artigos de ltex resultantes. As temperaturas de

processamento do ltex, bem como outras variveis de produo, podem igualmente afectar

o teor e a integridade proteica [8]. Assim, a possibilidade de formao de novos eptopos

alergnicos em algumas protenas ou pptidos do ltex durante, e em consequncia do

processo de manufactura de artigos de LBN, designadamente das luvas, tem vindo a ser

descrita por alguns autores [9].

1.1.4 Produtos base de ltex de borracha natural

O ltex da Hevea brasiliensis foi considerado pela Medicina Moderna como um material incuo

e relativamente inerte em termos imunolgicos. Este pensamento, associado sua notvel

flexibilidade, elasticidade e conforto, tornaram-no atractivo para uma vasta variedade de

aplicaes, nomeadamente no fabrico de instrumentos mdicos [10, 11]. De forma particular,

as propriedades atractivas do LBN, articuladas com as suas excelentes qualidades de barreira

e a inerente resistncia ao rasgo, conduziram ao seu uso generalizado como uma forma

conveniente e eficaz de limitar a propagao de doenas transmissveis, tais como o Vrus da

Imunodeficincia Humana (HIV Human Immunodeficiency Virus) e a hepatite C [10]. De

facto, est descrito um aumento exponencial na produo de produtos de ltex,

especialmente, de luvas de LBN e no seu uso, principalmente entre pessoal mdico e

paramdico, no final da dcada de 80 em resposta ao HIV e hepatite viral pandmica [12].

Dependendo das caractersticas desejadas para os artigos finais, a matria-prima provinda da

Hevea brasiliensis usada numa de duas formas: LBN lquido concentrado ou LBN seco. O LBN

na sua forma lquida usado na produo de artigos comuns de uso mdico e do quotidiano

tais como, luvas, preservativos, cateteres, tubos de traqueotomia e bales. Numa forma seca

este , correntemente, utilizado na manufactura de chupetas, mbolos de seringas,

mscaras, adesivos e rolhas de borracha [13, 14]. Para alm dos referidos, existe uma gama

extremamente numerosa de artigos contendo LBN na sua composio, estimando-se que

subsistam cerca de 40 000 destes produtos actualmente disponveis no mercado [15].

4

Figura 1.2- Processo de produo de luvas de ltex por imerso de moldes no LBN na sua forma lquida

(http://www.boston.com/bigpicture/2009/02/at_work.html).

De entre os produtos de LBN, as luvas mdicas descartveis, em particular as luvas contendo

p lubrificante na sua superfcie interna, esto descritas como o principal reservatrio de

alergnios de LBN, responsveis pela sensibilizao ao ltex em humanos [16, 17]. Este p

frequentemente adicionado ao interior das luvas cirrgicas e de exame, aquando do processo

de manufactura, com o objectivo de facilitar a sua utilizao pelos usurios. Apesar disso,

todos os produtos de ltex, de uma forma geral, representam fontes de alergnios

susceptveis de induzir o desenvolvimento de reaces alrgicas em indivduos

recorrentemente expostos [18].

1.2 Alergia/sensibilidade ao ltex

1.2.1 Enquadramento histrico e conceitos bsicos

O termo alergia foi originalmente definido em 1906 por Von Pirquet como uma capacidade

alterada do corpo de reagir a uma substncia estranha, o alergnio. Essa resposta, segundo o

conceito introduzido na altura, poderia resultar num efeito de imunidade e proteco contra

o agente externo ou numa reaco de hipersensibilidade com consequncias prejudiciais para

o hospedeiro. Com o passar do tempo, a palavra alergia em ambientes clnicos de

investigao caiu em desuso, e nos dias hoje frequentemente designada como doena

alrgica mediada por imunoglobulina E (IgE) [19].

A IgE foi identificada em 1967 por Ishizaka e Johansson como a reagina srica que medeia as

reaces de hipersensibilidade imediata. Esta constitui aproximadamente 0,0005% das

imunoglobulinas sricas totais em adultos. A IgE circula no soro sanguneo como um

monmero, numa concentrao altamente dependente da idade. De facto, os nveis de IgE

srica permanecem baixos no cordo umbilical (

5

progressivamente em crianas saudveis at a faixa etria dos 10 a 15 anos e diminuem da

segunda at oitava dcada de vida [20].

Atopia foi um termo proposto por Coca e Cooke em 1923 para identificar a tendncia

hereditria para desenvolver alergias clnicas [21]. Actualmente, tendo como base este

conceito, define-se atopia como a propenso gentica para desenvolver anticorpos IgE em

resposta exposio alergnica [22].

O primeiro relato de alergia ao ltex surgiu em 1927, publicado na Alemanha, no qual um

indivduo desenvolveu urticria generalizada aps o uso de uma nova dentadura feita base

de ltex [23]. No que respeita s reaces de hipersensibilidade imediata s luvas de LBN,

estas comearam apenas a ser relatadas, mais tarde, na dcada de 70 [24]. Aps isto, e

devido aos elevados padres de higiene em medicina, o uso de produtos de LBN aumentou

exponencialmente durante o final dos anos 80s e 90s e, contemporaneamente, foram

publicados numerosos relatos da ocorrncia de reaces alrgicas severas, aps variados

contactos com artigos de LBN [23]. Efectivamente, dessa data at aos dias de hoje, devido ao

seu uso generalizado, o nmero de possveis contactos, desde o nascimento, com objectos de

ltex susceptveis de induzir reaces alrgicas ou de sensibilizar indivduos expostos

inestimvel [25].

1.2.2 Alergnios identificados no ltex de borracha natural

Ao longo do tempo, tm sido realizados vrios esforos por um grande nmero de

investigadores, em todo o mundo, com o intuito de identificar e caracterizar as protenas

alergnicas individuais do LBN. Actualmente, de entre as mais de 250 protenas identificadas

no LBN, um nmero restrito tem sido implicado no desencadeamento de respostas alrgicas

em humanos e listado como alergnios do ltex. Estas protenas com caractersticas

alergnicas so denominadas em relao espcie e gnero da planta parental por Hev b e

sequencialmente numeradas por ordem de identificao [3]. Actualmente, a Organizao

Mundial de Sade (OMS) e o Comit de Nomenclatura da Unio Internacional de Sociedades

Imunolgicas (IUIS - International Union of Immunological Societies) reconhece e lista

oficialmente, de entre as centenas de protenas que esto includas no LBN, treze alergnios,

denominados de Hev b 1 a Hev b 13 [3]. Na tabela 1.2 esto apresentadas as caractersticas

bsicas de cada um dos alergnios do LBN, oficialmente reconhecidos.

6

Tabela 1.2- Alergnios do ltex reconhecidos e listados pela IUIS [26].

Nomenclatura

IUIS [26]

Designao

Bioqumica [26]

Massa Molecular

(KDa) [1, 27] Funo Biolgica [27]

Hev b 1 Factor de alongamento

da borracha (REF) 14,6 Biossntese da borracha

Hev b 2 -1,3-glucanase 35,1 Anti-fngica

Hev b 3

REF-like

(protena das pequenas

partculas de borracha)

23-27 Biossntese da borracha

Hev b 4 Homloga da lecitinase 50-57 Protena estrutural

Hev b 5 Protena cida do ltex 16 Protena estrutural

Hev b 6.01 Prohevena 20 Precursor da Hevena

Hev b 6.02 Hevena (domnio N-terminal

da prohevena) 4,7 Anti-fngica

Hev b 6.03 Fragmento C-terminal 14 Desconhecida

Hev b 7.01

Hev b 7.02 Patatina-like 42,9 Aco insecticida

Hev b 8 Profilina do ltex 10,2-15,7

Protena estrutural do

citoesqueleto: Regulao da

polimerizao da actina

Hev b 9 Enolase do ltex 46 Funo glicoltica

Hev b 10 Superxido dismutase 25,8 Destruio de radicais livres

Hev b 11 Quitinase da classe I 32 Anti-fngica

Hev b 12 Protena de transferncia de

lpidos 9,3 Aco antimicrobiana

Hev b 13 Esterase do ltex 43 Esterase Lipoltica (propriedades

defensivas)

Esta srie de alergnios possui eptopos ligantes de IgE responsveis pela sensibilizao ao

ltex e constituem protenas que ocorrem em elevada (ex. Hev b 6) ou em baixa

concentrao (Hev b 1-5, Hev b 7-13) na rvore do LBN [28]. Tal como apresentado na tabela

7

1.2, tais alergnios desempenham fundamentalmente quatro funes bsicas: elongao do

poliisopreno, defesa da planta de origem, funo enzimtica ou estrutural [5].

A maioria destes componentes alergnicos foi clonada, sequenciada e expressa em vectores

adequados estando, actualmente, disponveis como protenas recombinantes.

1.2.3 Mecanismo de sensibilizao e alergia aos alergnios do ltex

O processo de sensibilizao aos alergnios do ltex, inicia-se com a exposio a artigos ou

ambientes contendo LBN. Num organismo predisposto, em consequncia da exposio, as

clulas apresentadoras de antignio (APCs- Antigen-Presenting Cells), reconhecem e

processam os alergnios do ltex, apresentando-os s clulas T auxiliares (TH) (Figura 1.3).

Como primeira consequncia deste processo surge a diferenciao e activao de clulas

especficas, fundamentalmente clulas TH2, que, uma vez activas, libertam um conjunto de

citocinas caractersticas, nomeadamente interleucina-4 (IL-4) e interleucina-13 (IL-13),

responsveis pela estimulao da proliferao de clulas B e pelo favorecimento de mudana

de isotipo para produo de anticorpos IgE ltex-especficos. Por sua vez, estes anticorpos

ligam a receptores de IgE de alta afinidade (FcRI) na superfcie de um determinado nmero

de clulas, particularmente, de mastcitos e basfilos, criando um estado de sensibilizao

no doente. Nesta fase h um concomitante estabelecimento de clulas B IgE+ e clulas TH2 de

memria.

Numa reaco alrgica imediata, tambm designada de hipersensibilidade de tipo I, a

consequente exposio alergnica promove a desgranulao dos mastcitos sensibilizados com

as IgE ligadas sua superfcie, culminando com um aumento dos nveis de clcio

intracelulares e a libertao de mediadores pr-formados, nomeadamente, histamina e

proteases, e tambm de mediadores derivados de lpidos recentemente sintetizados, tais

como leucotrienos e prostaglandinas. Os sintomas alrgicos podem subsequentemente ocorrer

como um resultado de alteraes fisiolgicas e anatmicas induzidas por estes mediadores,

nomeadamente o aumento da permeabilidade vascular, contraco do msculo liso e

produo de muco [29-31]. As quimiocinas libertadas pelos mastcitos e outros tipos de

clulas podem, por sua vez, direccionar o recrutamento de clulas inflamatrias, que

contribuem para o desenvolvimento de resposta alrgica tardia (hipersensibilidade de tipo

IV), a qual caracterizada por um influxo de clulas TH2 e eosinfilos. Neste tipo de

reaces, as clulas TH2 podem constituir uma importante fonte de citocinas, tais como

interleucina-3 (IL-3), interleucina-5 (IL-5) e IL13 e os eosinfilos, por sua vez, so

responsveis por libertar um grande nmero de mediadores pr-inflamatrios, incluindo

leucotrienos e protenas bsicas. Adicionalmente, respostas mediadas por clulas TH1 podem

tambm ser responsveis por algumas das caractersticas patognicas em doentes que sofrem

de formas crnicas de atopia, incluindo a apoptose epitelial e activao de clulas do

msculo liso. As clulas T reguladoras (TReg) so outro subtipo de clulas T CD4+ com

8

implicaes na supresso de respostas de clulas TH2 em humanos, envolvendo citocinas

inibidoras, tais como a interleucina-10 (IL-10) e o factor de transformao de crescimento

(TGF- Transforming Growth Factor-). Outro tipo de clulas T CD4+, conhecido por clulas

TH17, produtoras de interleucina-17 (IL-17) e interleucina-22 (IL-22), parecem estar

especificamente associadas a eventos inflamatrios neutroflicos que ocorrem durante a

exacerbao da doena e a remodelao tecidual [30].

Figura 1.3- Mecanismo de desencadeamento de resposta alrgica (adaptado de [30]). APC clula

apresentadora de antignio; FCRI - receptor de IgE de alta afinidade; IFN interfero-; MHC -

complexo major de histocompatibilidade; TCR receptor de clula T; TGF factor de transformao de

crescimento ; TNF Factor de necrose tumoral; TReg Clula T reguladora.

Em resultado do mecanismo apresentado, podem ser definidos dois estados distintos nos

doentes sensveis ao ltex: o de sensibilidade e o de alergia. Numa forma breve, o estado de

sensibilidade ao ltex, caracterizado pela presena de IgE especfica para os alergnios do

LBN, sem qualquer manifestao clnica aps exposio a produtos contendo ltex. O estado

de alergia ao ltex consiste, por sua vez, na hipersensibilidade mediada por IgE em resposta

aos alergnios do LBN com o desenvolvimento de sintomas clnicos [32].

9

1.2.4 Prevalncia da alergia ao ltex

Ao longo das ltimas dcadas, na tentativa de determinar a magnitude do problema associado

alergia ao ltex, vrios investigadores tm efectuado numerosos estudos epidemiolgicos

para definir a sua prevalncia na populao em geral e em subgrupos populacionais, os quais

se suspeita ser de risco.

Na populao em geral, a prevalncia estimada da alergia s protenas do LBN demonstrou ser

inferior a 2% [33]. Esta prevalncia, bastante reduzida, deve ser considerada cautelosamente,

visto que, importante ter em conta que alguns dos indivduos sensibilizados so

assintomticos, e portanto no considerados nos estudos epidemiolgicos [34]. Alm disso, a

proporo de doentes assintomticos com sensibilidade ao ltex que progride para futura

reactividade clnica no conhecida [10].

Apesar da percentagem pouco significativa de indivduos afectados na populao em geral, a

alergia e sensibilidade ao ltex constituem problemas mdicos, potencialmente srios, em

vrias subpopulaes distintas, as quais experienciam uma exposio aumentada a ambientes

ricos em LBN [32]. A prevalncia da sensibilizao ao ltex em doentes com espinha bfida

(DEB), os quais apresentam caractersticas clnicas de hipersensibilidade e alergia ao ltex,

considerada a maior prevalncia na populao global [32], tendo-se apresentado entre 25% e

72% em vrios estudos [35-37]. Adicionalmente, tem sido relatado que o risco de anafilaxia

durante o perodo intra-operativo e perioperativo nestes doentes tambm

significativamente maior que na populao em geral [38, 39]. Podendo, efectivamente, o

risco de desenvolvimento de reaco alrgica ao ltex severa e no esperada em DEB ser 500

vezes superior ao risco a que a populao em geral est sujeita [38]. Por sua vez, estudos nos

quais se analisou a prevalncia de alergia ao ltex entre trabalhadores da rea de sade (TAS)

apontaram para uma prevalncia que variou de 2,9% a 17% [40, 41], podendo atingir os 36%

[42]. Na populao atpica a prevalncia da alergia ao ltex tambm significativamente

superior da populao em geral, sendo estimada entre 1,2% e 16,6% [43, 44].

Durante a ltima dcada, a aplicao de medidas de reduo da exposio a produtos de

ltex concomitante com o uso de tratamentos especficos, tm conduzido a uma diminuio

significativa da ocorrncia de acidentes caractersticos de alergia ao ltex. Apesar disso, a

sua prevalncia permanece elevada e ainda representa, actualmente, uma complicao

potencialmente fatal [45].

1.2.5 Factores e grupos de risco

Muitas pessoas da populao em geral so passveis de desenvolver hipersensibilidade ao

ltex, nomeadamente, crianas que brincam regularmente com brinquedos de borracha,

indivduos sujeitos a cirurgias recorrentes, trabalhadores da indstria da borracha, pessoas

que usam regularmente luvas de ltex, trabalhadores envolvidos na recolha e processamento

do LBN das rvores da borracha, entre outros [46, 47]. De facto, parece ser indiscutvel que a

10

sensibilizao consistente com a frequente exposio a produtos de LBN, sendo este

considerado o factor de risco primordial para o desencadeamento de mecanismos fisiolgicos

de sensibilizao [45, 48, 49]. Alm deste, a disposio atpica, isto a existncia de um

historial familiar e/ou pessoal de alergia e o nmero de intervenes cirrgicas compreendem

tambm fortes e consistentes factores de risco para o desenvolvimento da alergia ao ltex

[50-52]. Apesar da disposio atpica e a frequncia de exposio ao ltex serem

consideradas independentes para a sensibilizao, Moneret-Vatrin sugeriu, num dos seus

estudos, a existncia de um efeito de sinergismo entre estes, relatando um risco cumulativo

de 36,4% [53].

Outras subpopulaes consideradas de alto risco para sensibilizao ao ltex constituem

indivduos ocupacionalmente expostos a produtos de LBN e indivduos frequentemente

expostos ao LBN enquanto utentes [54]. Assim, tal como foi apresentado no tpico anterior,

existem dois subgrupos populacionais bem definidos como sendo de alto risco para o

desenvolvimento de alergia ao ltex: doentes com espinha bfida (DEB) e trabalhadores da

rea de sade (TAS) [46, 55]. Tem sido sugerido que a sensibilizao s protenas do LBN em

DEB devida exposio intensa e frequente, desde cedo, a produtos de LBN no decorrer de

mltiplas cirurgias, exames mdicos e testes de diagnstico a que so submetidos,

nomeadamente, atravs de cateterizao e implantao de materiais contendo ltex [50].

Estes procedimentos mdicos so frequentemente requeridos devido s complicaes,

designadamente urolgicas, que surgem em consequncia da presena de espinha bfida [32].

Tendo isto em conta, vrios so os estudos que tm identificado e mencionado factores de

risco para o desenvolvimento de hipersensibilidade ao ltex, especificamente para este grupo

de indivduos. Nestes, foi sugerido que o nmero de operaes (o risco de alergia aumenta

com cada cirurgia), a idade da primeira operao e o tipo de procedimentos cirrgicos ao

qual so submetidos, constituem factores importantes da induo de reactividade ao ltex em

DEB [56, 57]. No que respeita sensibilizao ao ltex em TAS, esta fundamentalmente

desenvolvida em consequncia do contacto dirio com luvas de ltex e com um ambiente de

trabalho contendo um elevado teor em aeroalergnios [32]. Vrios autores tm sugerido que,

efectivamente, os TAS tm um risco aumentado de sensibilizao e de sintomas alrgicos ao

ltex [42], trs a cinco vezes superior em enfermeiras e mdicos que em pessoal no

envolvido directamente no tratamento de utentes [58, 59]. Neste grupo, acredita-se que

existam evidncias suficientes para concluir que a alergia ao ltex aumenta com a durao e

intensidade de exposio ocupacional, ou seja, que existe uma correlao positiva entre o

risco de alergia e a durao da ocupao na rea de sade [60]. Tem sido tambm referido

que a asma ocupacional associada ao LBN devida, quase exclusivamente, ao uso continuado

de luvas de ltex contendo p lubrificante no seu interior [10]. Isto tem sido,

frequentemente, associado ao facto de que quando as luvas de ltex so caladas e retiradas

pelos utilizadores as partculas deste p, apesar de no serem consideradas alergnicas, vo

ser dispersas no ar transportando consigo alergnios do ltex, que desta forma se tornam

11

facilmente inalados e causadores de reaces alrgicas do foro respiratrio, como a asma

[61]. Nesta linha de investigao, Baur e seus colaboradores [62], determinaram que os nveis

de aeroalergnios ambientais esto directamente relacionados com uma prevalncia de

sensibilizao e sintomatologia aumentada, definindo estes nveis como um factor de risco de

importncia elevada para o desenvolvimento de reactividade s protenas do LBN em TAS.

Indivduos com uma histria de alergia alimentar a frutos tropicais, tais como kiwi, banana,

abacate e castanhas, assim como indivduos com alergia a determinados plenes de espcies

relacionadas, esto em maior risco de desenvolver reaces alrgicas ao ltex, uma vez que

estes produtos vegetais partilham eptopos alergnicos similares aos apresentados no LBN

[63]. Alguns perfis genticos podem tambm potenciar reaces s protenas do LBN [64].

Alm disso, indivduos com antecedentes de eczema e/ou dermatite das mos tambm

apresentam um risco acrescido, aps utilizao de luvas de ltex, visto que, a pele seca e

rachada das mos facilita a penetrao das protenas do ltex e, portanto, a sensibilizao

[65].

Por fim, importante realar, que o denominador comum maioria dos factores de risco

apresentados o elevado nvel de exposio aos alergnios do LBN [32].

1.2.6 Alergnios major para os dois grupos de risco mais relevantes

Est actualmente bem estabelecido que os principais alergnios, denominados alergnios

major, responsveis pela sensibilizao em TAS so diferentes dos que esto envolvidos na

sensibilizao em DEB. A designao de alergnio major refere-se a uma definio publicada

na qual a IgE especfica desse alergnio demonstrvel em mais de 50% dos doentes alrgicos

que integram o estudo [66].

Num estudo desenvolvido por Alenius e seus colaboradores, 73% de uma populao de crianas

com espinha bfida alrgicas ao ltex apresentou IgE especfica contra ambos Hev b 1 e Hev b

3, sendo que apenas 7% dessa populao no apresentou IgE especfica contra nenhum destes

dois alergnios [67]. Outros estudos confirmam que estas protenas hidrofbicas, Hev b 1 e

Hev b 3, que se encontram ligadas s partculas da borracha, constituem alergnios muito

importantes na sensibilizao de DEB ao ltex [68, 69], convencionando-se estes alergnios

como os alergnios do LBN major para os DEB. Estudos adicionais, tais como o projectado por

Wagner e seus colaboradores definiram o Hev b 7 como o terceiro alergnio major associado

sensibilizao ao ltex em DEB [50]. Por outro lado, estudos utilizando populaes de TAS

descreveram os alergnios hidroflicos Hev b 5 e Hev b 6.02 como os alergnios mais

importantes na sensibilizao ao ltex neste grupo populacional [70, 71]. Estudos

complementares referem tambm o alergnio Hev b 13 como sendo um dos alergnios do LBN

predominantemente participante na sensibilizao de TAS [55].

12

1.2.7 Vias de sensibilizao

A exposio aos alergnios do LBN, mais concretamente a penetrao destas protenas no

organismo, pode ocorrer por vrias vias:

cutnea, que ocorre substancialmente pelo uso de luvas de ltex [72];

respiratria, por meio dos alergnios transportados pelo ar existentes no ambiente

envolvente [72];

membranas mucosas, como decorre durante procedimentos mdicos, nomeadamente

cirrgicos ou dentrios [72];

vascular, atravs de administrao intravenosa por utilizao de seringas com

mbolos de ltex e de tubagens mdicas [73].

No que respeita aos dois principais grupos de risco, como foi referido no tpico anterior, os

TAS so sensveis a alergnios solveis em gua, enquanto os DEB reconhecem

maioritariamente protenas hidrofbicas, as quais esto fortemente ligadas a partculas de

borracha [15, 74]. Peixinho e colaboradores sugeriram que este perfil alergnico pode estar

directamente relacionado com a interaco diferencial que os indivduos tm com a fonte

alergnica, em particular, as luvas cirrgicas [75, 76]. Nestes estudos foi demonstrado que a

superfcie interna das luvas cirrgicas de ltex fundamentalmente rica em protenas

hidroflicas, enquanto que na superfcie externa verificou-se a predominncia de protenas

hidrofbicas [75, 76]. Desta forma, foi sugerido que existe uma relao entre o tipo de

alergnios existentes na superfcie interna e externa das luvas cirrgicas e a sensibilizao

apresentada pelos TAS e DEB, respectivamente. De facto, estas constataes experimentais

esto de acordo com o que se verifica na prtica, visto que os TAS contactam directamente

com a superfcie interna da luva, ocorrendo a sensibilizao via contacto mucocutneo ou por

inalao de partculas existentes nas luvas com p no seu interior [25], enquanto que os DEB,

quando sujeitos a intervenes cirrgicas, contactam principalmente com a superfcie externa

das luvas. Efectivamente, na maioria dos DEB a sensibilizao e induo da alergia ao ltex

ocorre por contacto directo da mucosa interna com produtos de LBN durante as cirurgias, as

quais so repetidas vrias vezes aps nascimento, ou por cateterizao para a manuteno

das vias de excreo [69]. Por outro lado, nos TAS a sensibilizao e induo da alergia

ocorre, fundamentalmente, por contacto cutneo e respiratrio pelo uso de luvas ou por

inalao das protenas de ltex adsorvidas ao p lubrificante [77].

13

1.2.8 Manifestaes clnicas

As reaces adversas ao ltex incluem dermatite de contacto no alrgica, hipersensibilidade

tardia de tipo IV e hipersensibilidade imediata de tipo I. [78].

A dermatite de contacto irritante consiste numa resposta imediata a qumicos e aditivos

existentes em produtos de ltex, apresentando-se correntemente com o desenvolvimento

eritema cutneo, formao de vesculas e prurido em reas de contacto directo.

A hipersensibilidade do tipo IV, tambm comummente designada por dermatite de contacto

alrgica, constitui tambm uma reaco de contacto cutneo ou atravs das membranas

mucosas. Contudo, ocorre apenas 24-26 horas aps a exposio a qumicos existentes em

produtos de ltex, podendo ou no expandir alm da rea de contacto directo. Os sintomas

caractersticos incluem eritema, prurido, eczema, ppulas e vesculas.

Apesar de menos prevalente, a hipersensibilidade de tipo I a resposta clnica mais sria e

considerada mais importante num contexto de doena alrgica [78]. As respostas mediadas

por IgE de tipo I desenvolvem-se dentro de minutos a horas aps exposio aos alergnios do

LBN e podem variar de reaces locais moderadas, a reaces sistmicas severas. A pele

constitui o local de reaces alrgicas mais frequente, no entanto, sintomas similares podem

ser observados em membranas mucosas [79]. Neste caso, a sintomatologia tpica

caracterizada por prurido, eritema e edema. Contudo, medida que a sensibilidade e a

exposio alergnica aumenta, pode tambm desenvolver-se urticria, inicialmente restrita

ao local de contacto mas que pode eventualmente estender-se a reas contguas e,

finalmente, tornar-se sistmica. A exposio a aeroalergnios do ltex pode levar ao

desenvolvimento de sintomas oculares, nasais e pulmonares. Os sintomas oculares iniciam-se

usualmente com prurido e progridem para lacrimejamento, quemose e edema.

Frequentemente, o contacto directo com os produtos de ltex leva ao inchao sbito das

plpebras. Por sua vez, os sintomas nasais incluem espirros, rinorreia aquosa e congesto

nasal, porm, os doentes alrgicos podem ainda desenvolver dor de garganta, irritao da

laringe ou tosse. Relativamente aos sintomas pulmonares, estes podem variar de tosse a asma

potencialmente fatal [4], sendo que a asma induzida pelo LBN desenvolve-se como resposta

exposio respiratria crnica a aeroalergnios do ltex, que gera sensibilizao das vias

areas e respostas inflamatrias caractersticas da asma alrgica [80, 81]. Por esta razo, os

relatos de asma LBN so bastante raros entre indivduos alrgicos ao ltex sensibilizados

enquanto utentes. Em contraste, esta condio no rara naqueles com exposio

ocupacional [10]. A alterao da funo pulmonar e sintomas torcicos podem ou no estar

presentes em doentes expostos a aeroalergnios. Alm dos anteriores, sintomas

gastrointestinais, cardiovasculares e geniturinrios de alergia ao ltex tm sido tambm

documentados. As formas severas de alergia ao ltex so mais comummente associadas a

14

exposio atravs das membranas mucosas [79] e so caracterizadas por sibilos, estridor,

espirros, prurido ocular, urticria, angioedema, hipotenso e anafilaxia [4].

Relativamente aos grupos de risco que tm especial importncia, associado a vias de

sensibilizao e perfis alergnicos distintos, as manifestaes clnicas apresentadas por DEB e

TAS tambm diferem. Estas consistem, principalmente, em urticria generalizada em DEB,

enquanto que TAS adultos apresentam, maioritariamente, urticria de contacto e sintomas

respiratrios [82].

1.2.9 Reactividade cruzada Sndrome ltex-frutos(-plenes)

A problemtica da alergia ao ltex torna-se ainda mais complexa pela possibilidade de

ocorrncia de reactividade cruzada com um largo nmero de frutos e plenes [25]. De facto,

o desenvolvimento de reaces alrgicas a frutos e plenes em indivduos que so alrgicos ao

ltex [83] e de reaces alrgicas ao ltex em indivduos que so alrgicos a frutos e/ou

plenes [84] tm recebido crescente ateno e tm sido correntemente designadas de

sndrome de alergia ltex-frutos(-plenes). Este fenmeno ocorre devido existncia de

similaridades estruturais e biolgicas entre os vrios alergnios proteicos [72]. Efectivamente,

o LBN partilha eptopos alergnios com alguns frutos comuns, tais como a banana, o abacate,

a papaia, o kiwi, a castanha, entre outros, e com plenes de espcies botanicamente

relacionadas, tais como a Ricinus communis e Mercurialis annua [85, 86]. Desta forma,

relativamente comum que anticorpos IgE de doentes alrgicos aos frutos e plenes referidos

reajam quando expostos s protenas do ltex [78]. As consequentes reaces adversas ao

ltex associadas reactividade cruzada com plenes e frutos so relativamente frequentes e

potencialmente fatais [10]. De uma forma geral, as manifestaes clnicas que so

experienciadas por indivduos com sndrome ltex-frutos(-plenes) aps a ingesto destes

alimentos so similares s que ocorrem quando o indivduo est exposto ao ltex [15].

A possibilidade de ocorrncia deste tipo de reactividade cruzada torna, ainda mais difcil, um

diagnstico correcto de alergia ao ltex, tanto in vivo como in vitro. Este facto impe que a

reactividade cruzada das protenas do LBN com numerosos alergnios caractersticos de

alimentos e plantas constitua um importante factor a ser considerado para a correcta

avaliao de indivduos sensibilizados ao ltex [54].

1.2.10 Tratamento

Actualmente, no existe um tratamento totalmente eficaz e seguro para a alergia ao LBN,

excepto a total ausncia de contacto a fontes de alergnios do LBN. Por esta razo, a

restrio de contacto directo com objectos ou ambientes ricos em ltex, acompanhada do

tratamento da sintomatologia alrgica, a terapia mais correntemente recomendada a

indivduos sensibilizados [25].

15

Para gesto dos sintomas de alergia ao ltex so prescritos frmacos e aces mdicas

especficas para cada situao:

As dermatites de contacto, tanto a alrgica como a irritante, podem ser reguladas

com a aplicao de corticosterides tpicos [78].

As reaces de tipo I moderadas sem desconforto respiratrio podem ser tratadas por

administrao de esterides tpicos e anti-histamnicos [78].

A hipersensibilidade de tipo I com desconforto respiratrio, inchao da lngua, laringe

ou faringe e anafilaxia requer a avaliao das ABCs (Airway, Breathing and

Circulation) vias areas, efectividade da respirao e circulao/pulso- e activao

de servios mdicos de emergncia. Nos casos de anafilaxia devem ser administradas

doses de epinefrina [78]. Doentes com histria de alergia de tipo I severa podem

transportar consigo uma caneta auto-injectora de epinefrina para eventuais eventos

de reaces severas [65].

A imunoterapia especfica, em situaes pontuais, pode constituir uma opo de tratamento

da alergia a longo prazo, no entanto, para este procedimento ser seguro e efectivo

necessria a utilizao de um reagente contendo quantidades conhecidas e definidas dos

alergnios clinicamente relevantes [79]. Associado ao facto de no estar disponvel um

reagente bem caracterizado para fins teraputicos, esta modalidade de tratamento

considerada bastante delicada no que respeita ao risco inerente de ocorrncia de reaces

sistmicas, nomeadamente de choques anafilticos [25].

O fornecimento de informao aos doentes sobre a possibilidade da ocorrncia de reaces

cruzadas e aconselhamento sobre alternativas seguras, nomeadamente produtos livres de

ltex, constituem tambm medidas que os clnicos devem ter em conta [72].

1.2.11 Preveno

A preveno constitui o primeiro e mais efectivo passo no tratamento da alergia ao

ltex, contudo, uma vez que os alergnios do ltex so muito comuns, tanto no ambiente

profissional, como no ambiente privado de muitas pessoas, um ambiente estritamente livre

de ltex pode ser difcil de ser conseguido e mantido [79]. No entanto, e apesar do intenso

progresso, que se tem vindo a desenvolver nos ltimos anos, no mbito do diagnstico e

gesto da alergia ao LBN, a abordagem mais efectiva para o alvio desta doena alrgica ,

efectivamente, a reduo da exposio dos doentes s fontes alergnicas. Nesse sentido, tm

sido realizadas presses no sector industrial que visam, fundamentalmente, dois objectivos: a

reduo do contedo proteico dos produtos de LBN finais e o controlo e reduo de

aeroalergnios no ambiente hospitalar [54]. Para tal, tm sido propostos protocolos de

preveno da alergia ao ltex e legislao relativa qualidade das luvas cirrgicas para

16

pessoal mdico e paramdico [25]. Este pessoal deve trabalhar, idealmente, num ambiente

livre de quaisquer alergnios do ltex, porque mesmo quantidades de LBN muito pequenas

suspensas no ar so suficientes para o despoletar de uma reaco alrgica. Isto implica o uso

de luvas livres de p lubrificante e no alergnicas, bem como a substituio de todo o

material susceptvel de conter LBN nas salas de cirurgia e de examinao, o que inclui

cateteres, torniquetes, emplastros e material de ventilao [25]. Estas medidas podem,

efectivamente, constituir uma mais-valia para a preveno da ocorrncia de reaces

alrgicas ao LBN, visto que est descrito que a reduo da utilizao de produtos de ltex em

hospitais pode contribuir para a reduo da incidncia da alergia ao ltex entre os TAS e

utentes hospitalizados [8].

Ao longo dos ltimos anos, tem-se procedido crescente substituio das luvas de ltex por

luvas de outras matrias-primas, contudo, um dos maiores problemas da introduo de luvas

livres de ltex que os cirurgies notam que estas dificultam o seu trabalho, uma vez que

providenciam uma sensao tctil inferior s luvas de ltex. Apesar disso, tm sido realizados

esforos no sentido de produzir luvas livres de ltex que forneam uma sensao tctil

similar. Outros problemas destas alternativas so o facto de estarem descritas como

possuidoras de qualidades inferiores s do ltex, nomeadamente como barreira de proteco

(contra infeces), permeabilidade (drogas antineoplsicas), resistncia (a desinfectantes,

lcool) e custo aceitvel [45, 87]. Assim, o LBN continua a ser preferido para determinadas

aplicaes, por razes quer de qualidade, quer econmicas.

Durante os ltimos anos vrias empresas da borracha tm realizado uma intensa investigao

no sentido de reduzir o contedo alergnico dos seus produtos [18]. Por conseguinte, no que

respeita a estratgias de preveno, razovel encontrar procedimentos durante o processo

de manufactura que visem a desnaturao e eliminao de protenas a condies

economicamente aceitveis [23]. Esta e outras tentativas para minimizar a concentrao

alergnica das luvas de LBN, de forma a prevenir a sensibilizao e o desenvolvimento de

alergia clnica, so conhecidas como objectivos de mtuo interesse para as empresas da

borracha e autoridades reguladoras de sade [88]. Um estudo de Mahler et al, sugere a

seleco e uso de luvas com baixos teores de alergnios como uma estratgia de preveno

vivel contra a alergia ao ltex [18]. Assim, a aplicao de uma metodologia fidedigna para a

quantificao das protenas de ltex nos produtos comercialmente disponveis pode constituir

uma condio importante na gesto da alergia ao ltex e tambm na sua preveno [54].

importante referir que esto publicadas evidncias que demonstram que a restrio de

contacto directo com produtos de ltex resolve rapidamente os sintomas de alergia, no

entanto, os nveis de IgE especfica podem permanecer detectveis por mais de cinco anos,

sugerindo que a restrio a fontes de alergnios do LBN a longo-prazo deve ser recomendada

em indivduos com alergia ao ltex conhecida [65].

17

A correcta identificao dos indivduos que se tornaram sensibilizados e tm propenso para

sofrer sintomas aps exposio repetida a produtos de ltex a principal meta para a

preveno das reaces alrgicas [89]. Isto porque um reconhecimento precoce da

sensibilizao ao LBN pode permitir a aplicao de estratgias de proteco pessoais

preventivas de forma a evitarem-se consequncias maiores [90].

1.3 Diagnstico da alergia ao ltex

Tendo em vista as possveis manifestaes clnicas severas que podem advir em consequncia

da alergia ao ltex, um diagnstico correcto e detalhado essencial para a aplicao de

medidas preventivas adequadas e para o estabelecimento de um tratamento especfico e

efectivo. Alm disso, um diagnstico exacto de extrema importncia para uma correcta

determinao da incidncia e prevalncia deste problema de sade.

Actualmente, tem sido consensual que o passo inicial do processo de diagnstico da alergia ao

ltex baseia-se na presena de uma histria clnica compatvel e fortemente sugestiva de

reactividade s protenas do LBN. Ou seja, um indivduo suspeito de ter desenvolvido

sensibilidade ao ltex pode queixar-se de uma gama de sintomas alrgicos que este acredita

estar associada com o uso ou exposio a produtos de LBN [91]. A apresentao da alergia ao

ltex inclui manifestaes clnicas e morfolgicas, o que implica que o seu diagnstico

positivo seja baseado em vrios parmetros [54]. Desta forma, os sinais clnicos e histrias

mdicas so usualmente confirmados por testes in vivo, como testes cutneos por picada

(TCP) e anlises laboratoriais in vitro especficas para as protenas do ltex [92],

metodologias que tm como base a deteco de IgE ltex-especfica existente na pele e no

soro sanguneo, respectivamente [29].

A maioria dos investigadores defende que a presena de reactividade positiva por TCP e/ou

deteco positiva de IgE especfica com histrias clnicas concordantes so suficientes, ou

pelo menos fortemente sugestivas de alergia ao ltex [93]. Nos casos nos quais se detecta

discordncia entre a sintomatologia e os resultados dos TCP ou do doseamento de IgE

especifica aconselhado a execuo de um teste de provocao, que deve ser repensado na

eventualidade de se tratar de doentes com histria de alergia ao ltex relacionada com

anafilaxia, da no se considerar os testes de provocao como um teste de primeira-linha

[79].

Na ausncia de reagentes de TCP com contedos estandardizados e devido ao risco inerente

de anafilaxia durante os TCP, a quantificao de IgE especfica do ltex existente no soro de

alrgicos tem sido proposta como o primeiro mtodo confirmatrio de alergia para

estabelecer o diagnstico de alergia ao ltex [94]. No entanto, tem sido relatado que vrias

18

tcnicas de determinao dos nveis de IgE ltex-especficas apresentam sensibilidade

inadequada [95, 96]. De facto, a sensibilidade dos testes de doseamento de IgE especfica

inferior dos TCP, sendo que os testes de quantificao de IgE so positivos em apenas 60-

90% dos doentes sensibilizados [97].

1.3.1 Testes in vitro de deteco de IgE especfica

A vasta maioria dos testes in vitro de diagnstico da alergia ao ltex constitui mtodos para

deteco de anticorpos IgE anti-ltex no soro dos doentes [5]. Estes podem ter como base o

uso em laboratrio de teste de ELISA (Enzyme Linked Immunosorbent Assay) ou mtodos

comerciais, tais como sistemas de ImunoCAP (Phadia, Uppsala, Sucia), Immulite (Siemens,

Berlim, Alemanha) e HY-TEC (Hycor/Agilent Technologies, Santa Clara, Califrnia), sendo que

os trs ltimos so realizados por aparelhos de anlise automatizados, maximizando a

preciso do teste e minimizando o tempo dispendido [5, 29]. Recentemente, foi tambm

introduzida uma metodologia de deteco de IgE srica baseada em microarrays com

alergnios recombinantes do ltex como uma ferramenta de elevado potencial para o

diagnstico da sensibilidade ao LBN [98].

A principal vantagem destes testes que uma vez que se tratam de metodologias in vitro,

elimina-se o risco de anafilaxia que susceptvel de ocorrer nos TCP. Opostamente, as

limitaes que acompanham estes mtodos de diagnstico, relativamente aos TCP, so: a sua

sensibilidade inferior, o facto de envolverem custos monetrios superiores e maior tempo de

espera pelos respectivos resultados [65].

1.3.2 Testes cutneos por picada

Os TCP constituem uma metodologia de diagnstico bastante atractiva para os

imunoalergologistas devido ao facto de serem considerados testes rpidos e sensveis que

envolvem uma resposta biolgica clinicamente observvel (ppula e eritema) [91].

Os TCP disponveis na Europa so baratos, bastante sensveis e especficos, no entanto,

devem ser executados com medidas de segurana adequadas, uma vez que podem ocorrer

reaces severas em consequncia da aplicao de uma soluo alergnica concentrada [45].

O facto de os TCP serem associados a reaces anafilticas [99], juntamente com a existncia

de uma quantidade significativa de variveis que influencia a sua exactido e

reprodutibilidade [100, 101], constituem as principais desvantagens desta metodologia.

Podem ser obtidos resultados reprodutveis por TCP realizados cuidadosamente com extractos

de elevada qualidade e avaliao precisa da dimenso da ppula resultante. Contudo, isto

improvvel de ocorrer num contexto clnico habitual, no qual os TCP so aplicados por

diferentes operadores utilizando uma srie de extractos alergnios de composio varivel

[102].

19

importante salientar que, em situaes especficas, os ensaios laboratoriais de deteco de

IgE so preferveis a estes testes in vivo, nomeadamente, quando os doentes se encontram a

tomar anti-histamnicos e em situaes, nas quais, os TCP podem tornar-se de difcil

execuo ou interpretao, devido existncia de dermatografismo e eczema [92].

1.3.2.1 Extractos alergnicos de diagnstico

Apesar de os TCP serem considerados a ferramenta de diagnstico de alergia mais confivel, a

sua preciso e reprodutibilidade pode ser influenciada pela utilizao de reagentes de

contedo no uniforme [103]. Isto deve-se ao facto do seu desempenho ser altamente

dependente do tipo de extracto proteico utilizado, em particular da fonte proteica utilizada

para a sua preparao [11]. Ao longo dos anos, os TCP tm sido realizados com extractos de

protenas do ltex provenientes de variadas fontes, nomeadamente a partir de produtos de

ltex e da rvore de origem, a Hevea brasiliensis [54]. Nos dias de hoje a dvida mantm-se,

existindo ainda controvrsia relativamente definio da fonte alergnica mais apropriada

para a formulao de reagentes de diagnstico in vivo.

Actualmente, o LBN no estado crude constitui a fonte alergnica preferida para produo de

solues de diagnstico, visto que inclui um repertrio abrangente dos alergnios do ltex

clinicamente relevantes [28]. Por esta razo, a realizao de TCP com extractos ltex fresco

o teste clnico mais frequentemente usado para o diagnstico da alergia ao ltex. No

entanto, este tipo de extractos no corresponde a uma fonte de alergnios uniforme devido

sua esperada variabilidade de lote para lote e sua instabilidade [104]. De facto, vrios

autores tm referido que apesar deste tipo de preparaes ser eficiente na demonstrao de

IgE especfica em doentes alrgicos ao ltex, tais extractos no so bons candidatos para

uniformizao, devido sua inerente variabilidade, falta de fiabilidade, complexidade dos

componentes alergnicos e segurana questionvel no seu uso in vivo. Alm disso, estas

preparaes contm, potencialmente, materiais reactivos que podem resultar numa inerente

dificuldade de interpretao dos resultados obtidos, pelo que a sua aplicao no a mais

aconselhada [105].

As previstas variaes do contedo proteico do LBN crude so devidas a muitos factores,

nomeadamente associados ao solo de cultivo, sazonais, praticas agronmicas, e diferenas

nas condies de armazenamento e de manipulao laboratorial das amostras [28]. Assim,

para um dado lote de ltex possvel que os diferentes componentes alergnicos variem nas

suas quantidades relativas e na sua alergenicidade [2]. Alm disso, tambm se estima que a

sua composio em protenas no alergnicas seja bastante elevada e que alergnios

facilmente degradados possam estar completamente ausentes das solues de diagnstico

[13]. Os factos enumerados anteriormente constituem as razes que justificam a conhecida

dificuldade de produo de solues para TCP uniformizadas e validadas [23]. Apesar disso,

nas ltimas dcadas, a presso para definir um processo de padronizao alergnica tem

20

aumentado, e agncias reguladoras em vrios pases europeus comearam a questionar os

fabricantes de extractos alergnicos sobre o nvel de alergnios major dos seus produtos,

esperando-se que este se torne, num futuro prximo, um requisito de registo [106].

Actualmente, existem vrios extractos de ltex comercialmente disponveis em Portugal para

TCP, contudo h apenas dados limitados sobre o seu nvel real de variabilidade de contedo e

eficcia [107]. De entre estes, apenas est descrita a produo de uma preparao alergnica

validada e uniformizada (Stallergnes SA, France) [7], o que vem colocar uma variabilidade

adicional aos extractos disponveis. Deste modo, esperado que o perfil alergnico de um

reagente de diagnstico produzido por diferentes empresas, varie na sua composio

proteica, potncia alergnica e imunoreactividade [29].

Uma vez que o doente alrgico pode ser sensibilizado a fontes alergnicas com diferentes

composies proteicas, em diferentes ocasies, o material usado para avaliao clnica deve

conter quantidades adequadas e equilibradas de todos os alergnios clinicamente relevantes

[108]. Porm, bastante difcil a produo de uma preparao alergnica contendo

quantidades apropriadas de todos os alergnios, para os quais qualquer indivduo pode tornar-

se sensibilizado, uma vez que alguns desses so demasiado lbeis para sobreviverem a todos

os passos integrantes da produo de uma preparao alergnica uniformizada [108]. Desta

forma, a identificao de um indivduo como sendo sensibilizado ao ltex est altamente

dependente do contedo alergnico do extracto proteico usado no teste de diagnstico [89].

De facto, tem sido descrito que a sensibilidade de diagnstico de alergia ao ltex afectada

por determinados alergnios que esto fracamente representados e/ou desnaturados, tais

como o Hev b 5 [89]. Como consequncia da ausncia de determinados componentes

alergnicos importantes, as preparaes usadas para diagnstico tm potencial para gerar

falsos negativos que resultam na perda de sensibilidade do teste, devido discrepncia

proporcional nas concentraes dos alergnios individuais [28, 109]. Contudo, tambm se

deve ter em conta a possibilidade da existncia de elevadas doses de alergnios individuais

que so passveis de causar srios efeitos colaterais que podem incluir risco de vida para o

doente [110]. Assim, importante garantir o conhecimento das doses individuais alergnicas,

uma vez que, uma poro significativa de risco associado performance de TCP pode ser

atribuda ao uso de extractos no caracterizados [5].

Apesar de existirem evidncias de que os reagentes de diagnstico de diferentes fabricantes

tm um contedo e potencial alergnico bastante diferentes, o nvel real de heterogeneidade

destes produtos comercialmente disponveis e o seu impacto clnico no conhecido [111].

De facto, apesar de nas ltimas duas dcadas, terem sido realizados vrios esforos no

desenvolvimento de reagentes de diagnstico especficos para LBN, presentemente, ainda se

revela uma necessidade de melhoramento da qualidade destas preparaes [91]. Assim, a

investigao prossegue nesta rea visto que a obteno de extractos alergnicos

21

uniformizados essencial para a realizao de diagnstico seguro e reproduzvel das doenas

alrgicas [7].

22

Captulo 2

2. Descrio dos Objectivos

Os objectivos deste estudo so a comparao e avaliao da qualidade de diferentes

extractos alergnicos de LBN para TCP, comercialmente disponveis em Portugal, atravs das

seguintes etapas:

1. Avaliao do nvel de heterogeneidade dos extractos de diferentes

fabricantes e de diferentes lotes de um mesmo fabricante por anlise

quantitativa e qualitativa do contedo proteico total;

2. Quantificao dos quatro alergnios mais relevantes na sensibilizao ao

ltex em cada um dos extractos.

3. Anlise das actividades alergnicas dos extractos por ensaios de

microarrays e por TCP em doentes alrgicos ao ltex.

4. Comparao do efeito da variabilidade de contedo proteico na

capacidade de diagnstico in vivo de reagentes dos diferentes

fabricantes.

23

Captulo 3

Materiais e Mtodos

3.1 Extractos comerciais para testes cutneos por picada

Actualmente, esto comercialmente disponveis em Portugal, sete extractos de TCP para o

diagnstico da alergia ao ltex, produzidos por diferentes fabricantes. As respectivas

empresas so, por ordem alfabtica: Alk-Abell, Allergopharma, Bial-Aristegui, Leti, Lofarma,

Q-Pharma e Stallergenes. Tais empresas comercializam os seus produtos no apenas em

Portugal, mas tambm em outros pases da Europa.

Procedimento de pedido dos extractos

Foi enviado um pedido de participao no projecto em questo s sete empresas referidas,

sendo, concomitantemente, requerido o envio de extractos de ltex para diagnstico in vivo

por TCP. Neste requerimento constava informao referente aos objectivos do trabalho, que

se pretendia desenvolver, sendo salientado que a participao das entidades no estudo era de

carcter voluntrio. Todos os fabricantes contactados aceitaram participar no estudo e

enviaram os respectivos produtos. Como indicado no acordo de transferncia de material,

todos os extractos foram codificados e, por essa razo, ao longo do presente estudo, os

resultados sero apresentados com um cdigo associado a cada extracto, de forma

completamente aleatria (fabricante A-G), no se fazendo qualquer referncia ao nome da

correspondente empresa. Quatro das empresas em questo enviaram adicionalmente

extractos de dois lotes diferentes (fabricantes A, C, D e F). Todos os extractos de ltex

recebidos foram guardados a 4C durante o perodo de estudo, de acordo com as

especificaes dos fabricantes.

3.2 Determinao da concentrao em protena total pelo

mtodo de Bradford

Est, actualmente, disponvel uma variedade de procedimentos para a quantificao do

contedo proteico de um determinado extracto ou soluo (Biureto, Bradford, BCA, Kjendahl,

Lowry, etc). De entre estes, no existe um mtodo absoluto uma vez que todos apresentam

vantagens e desvantagens. Apesar disso, vrios autores recomendam, para a quantificao

24

proteica, o mtodo espectrofotomtrico de Bradford devido s mltiplas vantagens que

apresenta, em comparao com as restantes metodologias. Nomeadamente, o uso de um

nico reagente, a rapidez de reaco (apenas 5 minutos), a elevada estabilidade do complexo

protena-corante formado, a elevada reprodutibilidade e a ocorrncia de interferncias

mnimas. Efectivamente, ao longo dos anos, estas vantagens associadas ao facto de se tratar

de um teste simples e barato conferem-lhe uma utilizao em mltiplas aplicaes nas

cincias experimentais [112].

Princpio do mtodo

O mtodo de Bradford baseia-se na utilizao de uma soluo acdica de corante Azul

brilhante de Coomassie G-250, que quando adicionado soluo proteica, liga protena

solubilizada resultando numa mudana de cor de castanho avermelhado para azul [113]. Esta

alterao colorimtrica resulta da alterao da absorvncia mxima do corante de 465 nm

para 595 nm, quando a ligao protena ocorre, o que permite a deteco da quantidade de

complexo protena-corante formado, ou seja, a quantificao das protenas totais existentes

na soluo, por medio espectrofotomtrica a 595 nm. Tem sido descrito que as ligaes em

questo so mediadas por interaces electrostticas entre os grupos sulfnicos do corante

protena, principalmente em resduos de arginina, mas tambm, em menor extenso, a

resduos de histidina, lisina, tirosina, triptofano e fenilalanina [114].

Procedimento experimental

A concentrao de protena total existente em cada um dos extractos foi quantificada pelo

mtodo de Bradford, recorrendo a um reagente comercial (Bio Rad, Hercules, CA, EUA).

Todos os ensaios foram realizados em conformidade com as instrues do fabricante. Para tal,

foram construdas duas curvas de calibrao (50 a 500 g/mL e 8 a 80 g/mL), utilizando

solues padro de albumina srica bovina (BSA Bovine Serum Albumin) (Sigma Chemical Co,

St Louis, MO, EUA). Cada um dos ensaios foi realizado trs vezes e cada ponto foi testado em

duplicado. Com o objectivo de realizar comparaes directas entre os sete extractos de

diferentes fabricantes e devido baixa quantidade de protena existente em alguns deles,

todos os extractos foram analisados na forma no diluda. Os desvios padres (SD- Standard

Deviations) foram calculados utilizando o software SPSS (Statistical Package for the Social

Sciences), verso 17.0 (SPSS Inc., Chicago, EUA).

25

Figura 3.1 - Curvas de calibrao obtidas por aplicao do mtodo de Bradford, numa gama de

concentraes A- de 8 a 80 g de protena/mL de soluo (Micro-Bradford); e B- de 50 a 500 g de

protena/mL de soluo.

3.3 SDS-PAGE (Sodium Dodecyl Sulfate - Polyacrylamide Gel

Electrophoresis)

A electroforese em gel de poliacrilamida - dodecil sulfato de sdio (SDS-PAGE - Sodium

Dodecyl Sulfate - Polyacrylamide Gel Electrophoresis) correntemente aplicada para a

anlise qualitativa de componentes proteicos de uma determinada mistura.

Princpio do mtodo

Nesta metodologia, a amostra a analisar inicialmente submetida a temperaturas elevadas,

que em conjunto com o SDS (Sodium Dodecyl Sulfate) e agentes redutores, garantem a

desnaturao completa das protenas. Na presena do SDS, detergente negativamente

carregado, ocorre a ligao deste, numa proporo de massa constante, aos polipptidos

existentes em soluo. Consequentemente, as protenas vo ficar com uma carga to negativa

quanto maior for a sua massa molecular, de forma a que a razo carga/massa seja constante.

Deste modo, e aps o carregamento das amostras num gel de uma determinada concentrao

de acrilamida, garante-se que, por aplicao de um campo elctrico, a migrao

electrofortica das protenas contidas nas amostras ocorra apenas em funo da respectiva

massa molecular [115].

Procedimento experimental

15 L e 35 L de cada extracto foram aquecidos a 100C na presena de tampo de reduo

(TR) (contendo 500 mM TrisHCl (pH 6.8), 10% SDS, 0.02% azul de bromofenol (m/v), 0.2%

glicerol (v/v) e 0.02% mercaptoetanol (v/v)) por 10 minutos. Aps este tempo de

desnaturao, os extractos foram carregados nos poos dos gis de poliacrilamida. Na

A B

26

tentativa de optimizar o resultado de migrao proteica foram preparados vrios gis de

diferentes concentraes de acrilamida (Bio Rad, Hercules, CA, EUA) (de 12,5 a 18 %), nos

quais se carregou 15 L de cada extracto com 7,5 L de TR, sendo inclusive testado um gel

comercial de gradiente 4% - 20% (Bio-Rad, Hercules, CA, EUA), que permitiu o carregamento

de maior quantidade de cada extracto (35 L com 17,5 de TR). Em todos os gis foi

concomitantemente aplicado 6 l de marcador de pesos moleculares proteicos (Kaleidoscope

Prestained Standards, Bio-Rad, Hercules, CA, EUA, no gel comercial, e Full range rainbow

protein standards, GE Healthcare Biosciences, Uppsalla, Sucia, nos gis preparados

laboratorialmente). A corrida electrofortica foi efectuada a 150 V por, aproximadamente,

60-90 minutos, dependendo do gel em questo. Aps a corrida, as protenas foram coradas

pelo azul brilhante de Coomassie R-250. Para tal, os gis foram colocados numa soluo de

colorao (62,5 mg de azul brilhante de Coomassie R-250, 100 mL de metanol, 17,5 mL de

cido actico glacial e 132,5 mL de gua), por 30 minutos, sob agitao. Seguidamente, para

a remoo do excesso de marcao, os gis foram imersos numa soluo de descolorao (80

mL metanol, 14 mL de cido actico glacial e 156 mL de gua), nas mesmas condies de

tempo e agitao. Por fim, os gis foram colocados overnight na soluo de fixao (12,5 mL

de metanol, 17,5 mL de cido actico glacial e 220 mL gua) e ento embalados numa

embalagem de plstico transparente para serem digitalizados. Para armazenamento e

preservao dos gis de SDS-PAGE, estes podem ser guardados indefinidamente na soluo de

fixao.

3.4 Ensaio Imunoenzimtico

Palosuo e o seu grupo de investigao, relataram que a quantificao de apenas quatro

alergnios especficos (Hev b 1, Hev b 3, Hev b 5 e Hev b 6.02) altamente til para inferir as

propriedades alergnicas dos produtos do ltex, nomeadamente, das luvas cirrgicas,

sugerindo que estes quatro alergnios contribuem significativamente para a alergenicidade de

produtos de LBN e, portanto, para a sensibilizao de utilizadores [88]. Tendo isto em conta,

foi desenvolvido um ensaio imunoenzimtico (EIA - Enzyme ImmunoAssay) que se encontra

comercialmente disponvel, e que se baseia na quantificao destes quatro alergnios em

ensaios separados, permitindo obter resultados individuais para cada um dos alergnios [3].

Princpio do mtodo

Neste EIA os poos de uma microplaca so revestidos com anticorpos monoclonais de captura,

especficos para um alergnio individual (Figura 3.2). Durante uma primeira incubao, este

anticorpo imobilizado liga s molculas do respectivo alergnio existentes na amostra a

analisar. Aps isto, o material que no ligou removido por lavagem dos poos. Por sua vez,

numa segunda incubao, anticorpos monoclonais de deteco alergnio-especficos,

27

marcados com uma peroxidase (HRP - Horseradish Peroxidase), ligam a diferentes eptopos

das molculas de alergnio. Nesta fase, os dois anticorpos vo estar combinados em par

formando uma sandwich em torno do alergnio alvo. No final do processo, aps lavagem, o

substrato da HRP adicionado e a intensidade de cor/sinal produzida directamente

proporcional concentrao de alergnio presente na amostra [116].

Figura 3.2 - Esquema ilustrativo do processo de deteco de alergnios individuais por EIA (Adaptado de

http://www.mitosciences.com/sandwich_elisa_assay_overview.html).

Procedimento experimental

Para a anlise quantitativa por mtodo de EIA foram utilizados quatro kits comerciais

(FITkitTM, Icosagen AS, Estonia): FITkit Hev b 1; FITkit Hev b 3; FITkit Hev b 5 e FITkit Hev

b 6.02. Cada um dos kits apresentava na sua embalagem os seguintes componentes:

Microplaca com poos revestidos com anticorpo monoclonal com especificidade para o

alergnio a quantificar, embalada num saco de alumnio sob vcuo.

Tampo de ensaio

Calibradores Concentraes (g/L): Hev b 1- 10; 50; 200; 1000

Hev b 3- 10; 50; 200; 1000

Hev b 5- 5; 10; 25; 50; 100

Hev b 6.02- 0; 5; 15; 50; 100; 200

Controlo liofilizado

Conjugado enzimtico (Anticorpo monoclonal alergnio-especfico conjugado com

HRP)

Soluo de lavagem concentrada

Substrato para a HRP

Soluo de paragem (1% SDS)

http://www.mitosciences.com/sandwich_elisa_assay_overview.html

28

Com o objectivo de delinear e orientar o procedimento de EIA executou-se a construo de

um esquema comum para as quatro microplacas (uma para cada alergnio major a analisar):

Figura 3.3- Esquema geral das placas de EIA. Legenda: C1 - C6 : Calibradores; Ct: controlo; EA - EG:

amostras (extractos das empresas A-G).

O procedimento experimental foi executado em conformidade com as instrues cedidas pelo

fabricante [116]. Assim, inicialmente, reconstituram-se os controlos em 500 L de gua

destilada e efectuou-se a diluio de 50 mL da soluo de lavagem concentrada com 450 mL

de gua destilada. Aps se ter garantido que todos os componentes dos kits se encontravam

temperatura ambiente, foram adicionados a cada poo da microplaca 100 L de tampo de

ensaio e 25 L de calibrador, controlo e amostra nos poos apropriados (Figura 3.3), em

triplicado. Os ensaios de Hev b 1, Hev b 3 e Hev b 5 foram realizados com a aplicao dos

extractos na sua forma no diluda, enquanto que no ensaio de Hev b 6.02 os extractos

aplicados estavam sob a forma diluda numa proporo de 1:100. Seguidamente, incubou-se a

microplaca, devidamente protegida da luz, durante 60 minutos temperatura ambiente numa

placa agitadora, a 150 rpm. Aps este perodo, procedeu-se aspirao e lavagem dos poos,

por quatro vezes, com 300 L de soluo de lavagem. Posteriormente, procedeu-se adio

de 100 L de conjugado enzimtico seguida de nova incubao, desta vez 30 minutos, nas

mesmas condies de temperatura, agitao e proteco de luminosidade da anterior.

Aspirou-se o contedo dos poos e fez-se a respectiva lavagem, quatro vezes, com 300 L de

soluo de lavagem. Adicionou-se ento 100 L da soluo de substrato da HRP a cada poo,

com perodos de tempos controlados por cronmetro. Aps isto, seguiu-se um novo perodo de

incubao, por 15 minutos nas condies anteriormente descritas. Induziu-se, ento, a

paragem da reaco por adio da soluo de paragem a cada poo, com perodos de tempos

fixos concordantes com os referentes ao incio da reaco, de forma a assegurar que todos os

poos tiveram ex