avaliação dos efeitos de um extrato bruto de cianobactérias

105
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DE UM EXTRATO BRUTO DE CIANOBACTÉRIAS CONTENDO MICROCISTINAS SOBRE O DESEMPENHO REPRODUTIVO E A EMBRIOFETOTOXICIDADE DE RATOS Aluno: Cristhiano Sibaldo de Almeida Natal/2013

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS FARMACUTICAS

    AVALIAO DOS EFEITOS DE UM EXTRATO BRUTO DE

    CIANOBACTRIAS CONTENDO MICROCISTINAS SOBRE O

    DESEMPENHO REPRODUTIVO E A EMBRIOFETOTOXICIDADE DE

    RATOS

    Aluno: Cristhiano Sibaldo de Almeida

    Natal/2013

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS FARMACUTICAS

    AVALIAO DOS EFEITOS DE UM EXTRATO BRUTO DE

    CIANOBACTRIAS CONTENDO MICROCISTINAS SOBRE O

    DESEMPENHO REPRODUTIVO E A EMBRIOFETOTOXICIDADE DE

    RATOS

    Defesa apresentada ao Programa de

    Ps-graduao em Cincias

    Farmacuticas, do Centro de Cincias

    da Sade da Universidade Federal do

    Rio Grande do Norte como requisito

    para a obteno do ttulo de Mestre

    em Cincias Farmacuticas.

    Aluno: Cristhiano Sibaldo de Almeida

    Orientadora: Profa. Dra. Paula da Silva Kujbida

    Co-Orientadora: Profa. Dra. Aline Schwarz

    Natal/2013

  • AGRADECIMENTOS

    A DEUS, por saber que sempre esteve, est e estar ao meu lado me amando,

    protegendo, amparando, cuidando, mesmo sabendo que sou imperfeito e pecador.

    Aos meus pais, Gilson Candido e Rosilene Sibaldo, pelo incondicional amor e por

    saber que posso contar sempre que preciso.

    A minha irm, Thays Sibaldo, sempre do meu lado em todos os momentos e

    situaes da vida.

    Aos meus sobrinhos, Gabrielly, Joo e Thala, ensinado a cada dia que a vida

    simples e bela, dependendo do ponto de vista que voc a v.

    A Las Sibaldo e Pedro Natan, pelos momentos de descontrao, importantes para equilibrar os momentos de stress vividos durante todo o mestrado e pela calorosa recepo nesta cidade.

    Aos meus tios, Jos Sibaldo e Rosa Maria Sibaldo, pelo apoio, pacincia e por conceder que durante todo o mestrado pudesse est junto eles no seio da sua famlia, proporcionando um verdadeiro lar.

    A todos meus familiares, especialmente a Beth e Cristina pelas palavras de conforto em momentos difceis durante a caminhada.

    As minhas avs, Zlia e Aurea, pelas oraes dirias oferecidas a mim.

    A minha orientadora, Professora Dr Paula da Silva Kujbida, por seu apoio, amizade, compreenso, companheirismo, dedicao, competncia e por toda ateno e sugestes, fundamentais para a concluso deste trabalho.

    Aos professores, Aline Schwarz, Dulce Lima, Ivoneide Costa, Cludia Nunes, Ernani Pinto, que destinaram parte de seu precioso tempo para participarem desta pesquisa.

    Aos meus amigos que, de uma forma ou de outra, contriburam com sua amizade e com sugestes efetivas para a realizao deste trabalho, gostaria de expressar minha profunda gratido.

    Ao Programa de Ps-graduao em Cincias Farmacuticas da Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte UFRN, pelo apoio minha participao no

    mestrado.

    A CAPES, pela bolsa concedida durante o tempo de curso.

  • SUMRIO

    LISTA DE TABELAS ................................................................................................vii

    LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................ix

    LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS ......................................................................xi

    RESUMO..................................................................................................................xiii

    ABSTRACT ..............................................................................................................xiv

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 15

    2 FUNDAMENTAO TEORICA ............................................................................. 16

    2.1CIANOBACTRIAS E CIANOTOXINAS ............................................................ 16

    2.1.1 Microcistinas .............................................................................................. 22

    2.1.1.1 Absoro ................................................................................................. 24

    2.1.1.2 Mecanismo txico das microcistinas ....................................................... 25

    2.2 REPRODUO DE MAMFEROS .................................................................... 26

    2.2.1 Produo de gametas ................................................................................ 27

    2.2.1.1 Produo de gametas femininos ............................................................. 27

    2.1.2 Produo de gametas masculinos ............................................................. 28

    2.2.2 O ciclo estral ............................................................................................... 31

    2.3 TOXICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO ...................................................... 32

    2.4 EFEITOS DAS CIANOTOXINAS NO DESENVOLVIMENTO REPRODUTIVO E

    EMBRIOFETOTOXICIDADE ................................................................................... 36

    3 OBJETIVOS ........................................................................................................... 39

    3.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................... 39

    3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................. 39

    4 MATERIAL E MTODOS ...................................................................................... 40

    4.1 SELEO DO EXTRATO DE FLORAO DE CIANOBACTRIAS ................ 40

    4.1.1 Coleta das amostras de gua e identificao de cianobactrias e

    cianotoxinas ........................................................................................................ 40

    4.1.2 Preparo das solues de extrato de cianobactria ................................. 41

    4.2 ANIMAIS ........................................................................................................... 41

    4.3 DESEMPENHO REPRODUTIVO E EMBRIOFETOTOXICIDADE .................... 42

    4.3.1 Acasalamento ............................................................................................. 42

    4.3.2 Administrao de extrato bruto de cianobactria contendo MCs ......... 44

    4.3.3 Eutansia e cesariana das progenitoras .................................................. 44

    4.3.4 Coleta de sangue ....................................................................................... 45

  • 4.3.5 Avaliao dos fetos ................................................................................... 46

    4.3.6 Avaliao do desempenho reprodutivo ................................................... 46

    4.3.7 Avaliao da Embriofetotoxicidade .......................................................... 47

    4.3.7.1 Estudo visceral ........................................................................................ 47

    4.3.7.2 Estudo esqueltico .................................................................................. 47

    4.4 ENSAIO DO DOMINANTE LETAL .................................................................... 49

    4.4.1 Administrao de extrato bruto de cianobactrias contendo MCs ....... 49

    4.4.2 Administrao de ciclofosfamida ............................................................. 49

    4.4.3 Acasalamento ............................................................................................. 49

    4.4.4 Eutansia dos machos .............................................................................. 50

    4.4.5 Estudo de desenvolvimento reprodutivo de ratas prenhes de ratos

    machos tratados ................................................................................................. 50

    4.5 ENSAIOS HEMATOLGICOS .......................................................................... 50

    4.5.1 Coleta de amostras de medula ssea ...................................................... 51

    4.5.2 Coleta de amostras de sangue perifrico ................................................ 51

    4.5.3 Contagem dos leuccitos totais da medula ssea ................................. 52

    4.5.4 Preparo do citocentrifugado e realizao do mielograma ...................... 52

    4.5.5 Contagem dos leuccitos totais e eritrcitos do sangue perifrico...... 52

    4.5.6 Dosagem de hemoglobina e determinao do hematcrito ................... 53

    4.6 AVALIAO HISTOPATOGICA ..................................................................... 53

    4.7 DOSAGEM BIOQUMICA ................................................................................. 54

    4.8 ANLISE ESTATSTICA ................................................................................... 54

    5 RESULTADOS ....................................................................................................... 55

    5.1 IDENTIFICAO DE CIANOTOXINAS ............................................................. 55

    5.2 AVALIAO DO DESEMPENHO REPRODUTIVO DE RATAS PRENHES E DA

    EMBRIOFETOTOXICIDADE DE SUA PROLE ....................................................... 59

    5.3 AVALIAO DA TOXICIDADE MATERNA ....................................................... 62

    5.4 AVALIAO DE PARMETROS BIOQUMICOS DAS RATAS PRENHES ..... 66

    5.5 AVALIAO HISTOPATOLGICOS DAS RATAS PRENHES......................... 67

    5.6 AVALIAO DA FERTILIDADE DE RATAS MACHOS .................................... 69

    5.7 AVALIAO DE TOXICIDADE DOS RATOS MACHOS .................................. 70

    5.8 AVALIAO BIOQUMICA DOS RATOS MACHOS ......................................... 73

    5.9 AVALIAO HEMATOLGICA DOS RATOS MACHOS ................................. 74

    5.10 AVALIAO HISTOPATOLGICA DOS RATOS MACHOS .......................... 75

  • 6 DISCUSSO .......................................................................................................... 77

    7 CONCLUSO ........................................................................................................ 84

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 85

    ANEXO I..................................................................................................................101

    ANEXO II.................................................................................................................103

  • vii

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Toxinas de cianobactrias de gua doce ou salobra

    18

    TABELA 2 Valores do limite mximo permitido para toxinas de cianobactrias em gua potvel estabelecidos pela Portaria n. 2.914 (12/12/11) do MS, para padro de potabilidade da gua para consumo humano

    20

    TABELA 3 Nveis e valores indicativos para o grau de potabilidade da gua distribuda pelas companhias de tratamento

    21

    TABELA 4 Resultados das anlises de MCs (-RR, -LR, -YR, -LA, -RA, -AR, -FR, -FA), cilindrospermopsina, anatoxina-a e noduralina nas amostras coletadas em diferentes reservatrios do Rio Grande do Norte, analisadas por LC-MS/MS e por HILIC-FD

    56

    TABELA 5 Resultados da identificao das espcies de cianobactrias predominantes nas amostras de gua coletadas em diferentes reservatrios do Rio Grande do Norte por anlise de microscopia ptica

    57

    TABELA 6 ndices reprodutivos de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    59

    TABELA 7 Taxas de pr-implantao, de reabsoro e de ps-implantao de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    60

    TABELA 8 Anlise esqueltica da prole de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    61

    TABELA 9

    Anlise visceral da prole de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    62

    TABELA 10 Ganho de massa corporal (g) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    63

    TABELA 11

    Ingesto hdrica e consumo de rao de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou

    65

  • viii

    soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    TABELA 12 Razo do peso dos rgos (peso do rgo/peso corpreo no 20 dia de gestao) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    65

    TABELA 13 Massa absoluta e peso relativo dos rgos reprodutores femininos (ovrio e tero, respectivamente) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao

    66

    TABELA 14 Avaliao de parmetros bioqumicos (ureia, creatinina, ALT e AST) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo 40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia durante 20 dias de gestao

    67

    TABELA 15 Ganho de peso dos ratos machos tratados por v.o. com gua destilada (grupos CN) ou extrato bruto de cianobactrias contendo 40 ng de MCs/kg/dia (grupos T), durante 52 dias

    71

    TABELA 16 Ingesto hdrica e o consumo de rao durante os 52 dias de tratamento por v.o. dos ratos machos com gua destilada (grupo controle) ou com uma soluo de extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia)

    71

    TABELA 17 Peso relativo dos rgos (peso do rgo/ peso corpreo do macho) no 52 dia de tratamento dos ratos machos com gua destilada ou extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia)

    72

    TABELA 18 Razo do peso dos rgos reprodutivos masculinos/peso corpreo (PO/PC) dos ratos machos aps 52 dias de tratamento com gua destilada (grupo controle) ou com extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia)

    73

    TABELA 19

    Avaliao dos parmetros hematolgicos dos ratos machos tratados por v.o. com gua destilada ou extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia), durante 52 dias

    75

  • ix

    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 Estrutura qumica geral das MCs, em que R1 e R2 representam duas posies hiper-variveis

    24

    FIGURA 2

    Coleta de lavado vaginal de rata Wistar, aps o animal ter ficado durante uma noite na mesma caixa com um rato macho para acasalamento, para obteno de esfregao em lmina de microscopia

    43

    FIGURA 3 Anlise de microscopia ptica (40x) de esfregao vaginal de ratas Wistar, aps noite de acasalamento. As setas indicam os enovelados de espermatozoides

    43

    FIGURA 4 Administrao de gua destilada ou extrato de cianobactrias contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg de p.c./dia) por gavage em ratos Wistar

    44

    FIGURA 5 tero grvido aps a remoo de todos os fetos. A seta da esquerda indica a presena de uma reabsoro. A seta da direita mostra a presena de um stio de implantao

    45

    FIGURA 6 Fetos de ratos Wistar nascidos aps 20 dias de gestao de ratas que foram tratadas nos experimentos desse trabalho. A: natimorto e B: nativivo

    46

    FIGURA 7 Coleta de amostra de medula ssea do fmur esquerdo da pata traseira de um rato Wistar

    51

    FIGURA 8 Anlise por LC-MS do extrato bruto de cianobactrias utilizado nos ensaios. A: Cromatograma. B-H: Espectros de massas especficos referentes s microcistinas identificadas no extrato

    58

    FIGURA 9 Ganho de massa corporal (g) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao. Os valores esto apresentados como mdia EP de intervalos de 2 dias para 8 animais por grupo. P >0,05, como indicado por ANOVA

    64

    FIGURA 10 Cortes histopatolgicos (10 X) de amostras de fgado (A-D) e de rim (E-H) de ratas prenhes tratadas por v.o. durante 20 dias de gestao com gua destilada (A e E) ou extrato bruto de cianobactria contendo 40 (B e F), 100 (C e G) ou 250 (D e H) ng de MCs/kg/dia. As setas indicam focos de hematopoese extramedular (A-D) e as clulas tubulares sem alteraes morfolgicas (E-H)

    68

  • x

    FIGURA 11 Taxas de pr-implantao, de reabsoro e de ps-implantao dos ratos fmeas acasalados com ratos machos expostos a gua destilada (grupo CN) ou ao extrato bruto de cianobactrias contendo 40 ng de MCs/kg/dia, durante 52 dias. Alguns animais machos ainda receberam ciclofosfamida (50 mg/kg/dia) via i.p. por 3 dias (grupos CP e TC). Os valores esto apresentados como mdia EP de 9 animais por grupo *p

  • xi

    LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS

    Adda cido (2S, 3S, 8S, 9S)-3amino-9metoxi-2,6,8-trimetil-10-fenildeca-4,6-dienoco

    ALT Aspartato aminotransferase

    ANOVA

    Analise de Varincia

    ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    AST Alanina aminotransferase

    COBEA Conselho Brasileiro de Experimentao Animal

    CYNs Cilindrospermopsinas

    D-ala D-alanina

    DG Dia da gestao

    D-Glu cido glutmico

    D- MeAsp cido D-eritro--metil-asprtico

    EDTA cido Etilenodiamenoteractico Disdico

    ELISA Enzyme-Linked Immunoabsorbent Assay

    FUNASA Fundao Nacional de Sade

    GV Valor Diretriz

    HbCO Caboxihemoglobina

    Met-Hb Metehemoglobina

    HiCN Cianometehemoglobina

    HILIC-FD Cromatografia Lquida de Alta Eficincia de Interao Hidroflica com Detector de Fluorescncia

    i.p. Intraperitoneal

    ICSH Conselho Internacional de Padronizao em Hematologia

    KOH Hidrxido de potssio

    LC-MS/MS Cromatografia Lquida acoplada a um Espectrmetro de Massas em Tandem

  • xii

    LR Leucina-Argenina

    MC-LR Microcistina-LR

    MCs Microcistinas

    Mdha N-metil deidroalanina min. Minuto

    MO Medula ssea

    MS Ministrio da Sade

    ND No identificado

    NOAEL Menor dose sem efeitos txicos observados (No Observed Adverse Effect Level)

    OMS Organizao Mundial e Sade

    p Nvel de significncia estatstica

    RR Arginina-Arginina

    SAX Saxitoxina

    TDI TDI Ingesto diria tolerada

    v/v Volume/Volume

    YA Tirosina-Lanina

  • xiii

    RESUMO

    A presena de floraes de cianobactrias em reservatrios destinados ao

    abastecimento populao pode gerar problemas de sade pblica em razo de

    muitas espcies serem produtoras de compostos potencialmente txicos e estes no

    serem eliminados nos procedimentos convencionais usados em estaes de

    tratamento de gua. Portanto, mesmo que em quantidades inferiores ao limite

    mximo permitido imposto pelo Ministrio da Sade (MS), cianotoxinas podem estar

    presentes na gua potvel distribuda populao, criando uma exposio crnica.

    Poucas so as informaes sobre os efeitos em longo prazo da exposio oral s

    cianotoxinas. Esse trabalho teve como proposta a exposio por via oral (v.o.) de

    animais a um extrato bruto de cianobactria contendo cianotoxinas para avaliao

    do desempenho reprodutivo de ratas prenhes e de sua prole e da fertilidade de ratos

    machos. A presena de microcistinas (MCs) nas amostras coletadas durante

    processos de florao em reservatrios de gua doce do Rio Grande do Norte, foi

    analisada por ensaio imunoenzimtico e suas variantes foram identificadas e

    quantificadas por mtodos cromatogrficos. Foi observado que a administrao por

    v.o. de extrato de cianobactrias contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia)

    no causa toxicidade sistmica em ratos adultos, nem efeitos no desempenho

    reprodutivo de ratos machos e fmeas tratados. Tambm no foi observado

    nenhuma alterao no estudo esqueltico na prole de ratas prenhes tratadas com o

    referido extrato. Como as solues utilizadas continham MCs em concentrao igual

    ou maior a da dose diria tolervel para MCs, os resultados obtidos sugerem,

    portanto, que o desenvolvimento desse trabalho contribuiu para melhor avaliao de

    risco sade pblica quanto exposio oral s cianotoxinas, aumentando-se

    assim a credibilidade no limite mximo permitido (LMP) de MCs em gua potvel

    distribuda populao de diversos pases que usam o LMP estabelecido pela OMS

    em sua legislao.

  • xiv

    ABSTRACT

    The presence of cyanobacterial blooms in reservoirs intended for supply to the

    population can create public health problems for many species could produce

    potentially toxic compounds and these are not eliminated in the conventional

    procedures used in water treatment plants. So even in amounts less than the

    maximum allowable limit imposed by MS, cyanotoxins can be present in drinking

    water distributed to the population, creating a chronic exposure. There is little

    information about the long-term effects of oral exposure to cyanotoxins. This work

    aimed to show the exposure orally (v.o) of animals to a crude extract of

    cyanobacteria containing cyanotoxins to evaluate the reproductive performance of

    pregnant rats and their offspring and fertility of male rats. The presence of

    microcystins (MCs) in samples collected during the flowering processes in freshwater

    reservoirs in the Rio Grande do Norte, was analyzed by enzyme immunoassay and

    its variants have been identified and quantified by chromatographic methods. It was

    observed that by administration v.o. cyanobacterial extract containing MCs (40, 100

    or 250 ng of MCs / kg / day) did not cause systemic toxicity in adult rats or effect on

    reproductive performance of male and female rats treated. It was also not observed

    any changes in skeletal study in the offspring of pregnant rats treated with the extract

    above. Because the solutions used contained MCs in a concentration equal to or

    greater than the tolerable daily intake for MCs, the results suggest, therefore, that the

    development of this work contributed to better assess public health risk as the oral

    exposure to cyanotoxins, increasing thus the credibility of the maximum allowable

    limit (LMP) of MCs in drinking water distributed to the population of several countries

    that use the LMP established by WHO in its legislation.

  • 15

    1 INTRODUO

    A presena de toxinas produzidas por cianobactrias em reservatrios de

    gua tem causado problemas de sade pblica em vrios pases (FRISTACHI E

    SINCLAIR, 2008), sendo as microcistinas (MCs) as cianotoxinas mais encontradas

    nessas floraes txicas (US EPA, 2006).

    So muitos os trabalhos que buscam esclarecer os efeitos dessas

    cianotoxinas em modelos animas (BILLAM et al., 2008; BU et al., 2006; CHORUS E

    BARTRAM,1999; DING et al., 2006; ROGERS et al.,2005). No entanto, a via

    intraperitoneal (i.p.) a forma de exposio mais utilizada, a qual expe o animal a

    toxinas isoladas com o intuito de se conhecer os efeitos de intoxicao aguda.

    Pouco relatado sobre os efeitos dessas toxinas em exposio a mdio ou longo

    prazo, por via oral com extrato bruto de cianobactria, semelhante a forma a qual a

    populao est exposta.

    Em 1998, a Organizao Mundial da Sade (OMS) publicou, como orientao

    provisria, a concentrao mxima permitida de MCs em gua potvel distribuda

    populao (1 g/L). Para derivao deste valor de referncia (VR), foi utilizado o

    valor de ingesto diria aceitvel (IDA) de 40 ng de MC-LR /kg de peso corpreo

    (p.c.)/dia (VAN APELDOORN et al., 2007). Esse parmetro de segurana foi obtido

    a partir de um nico estudo de avaliao de hepatotoxicidade realizado com

    camundongos tratados com MC purificada por via oral (v.o.) por 13 semanas (Fawell

    et al. 1994).

    Por ser crescente o interesse de conhecimento sobre a capacidade das

    cianotoxinas em atravessar placentas e causar danos aos fetos (BU et al., 2006;

    STOCKTON e PALLER, 1990) e escasso os estudos sobre os efeitos dessas

    cianotoxinas sobre a reproduo de animais, incluindo os mamferos (CHERNOFF et

    al., 2002), o presente trabalho teve como proposta avaliar os efeitos da exposio

    oral a um extrato bruto de cianobactrias contendo cianotoxinas sobre o

    desempenho reprodutivo de ratos e prole, sendo que as toxinas identificadas

    nesse extrato foram as MCs e para o tratamento dos animais foi utilizada a

    concentrao de IDA a fim de avaliar se o VR imposto pela OMS protege no

    somente de hepatotoxicidade mas tambm de toxicidade na reproduo de

    mamferos.

  • 16

    2. FUNDAMENTAO TERICA

    2.1 CIANOBACTRIAS E CIANOTOXINAS

    As cianobactrias so micro-organismos que possuem caractersticas

    celulares de procariontes (ausncia de membrana nuclear) e sistema

    fotossintetizante semelhante ao das algas (no organizado em cloroplastos)

    (SIRQUEIRA e OLIVEIRA-FILHO, 2012). Tendo a capacidade de realizar

    fotossntese tanto aerbica como anaerobicamente, e participando do grupo dos

    procariontes gram-negativos (LEE, 1991), as cianobactrias so encontradas tanto

    em gua doce como salobra e marinha; alm de fontes termais, geleiras e solos de

    desertos (CODD et al., 2005; WIEGAND E PFLUGMACHER, 2005). Elas podem

    estar organizadas estruturalmente em unicelular, colnias ou filamentos (HAIDER et

    al., 2003).

    Em ambientes no impactados, normalmente as cianobactrias no causam

    problemas, em razo da dinmica dos ecossistemas. Porm, a atividade

    antropognica pode promover a chamada eutrofizao artificial, que representa o

    aumento das concentraes de nutrientes - principalmente fsforo e nitrognio - nas

    bacias hidrogrficas, provocando o crescimento acelerado de cianobactrias,

    definido como florao ou bloom (CODD, 2000; WIEGAND E PFLUGMACHER,

    2005). A florao se caracteriza pelo intenso crescimento desses microrganismos na

    superfcie da gua, formando uma densa camada de clulas com vrios centmetros

    de profundidade (FUNASA, 2003).

    A durao e o perodo da estao da florao de cianobactrias dependem

    muito das condies climticas da regio. Em zonas temperadas, as floraes de

    cianobactria so mais proeminentes durante o final do vero e incio do outono, e

    pode durar de 2 a 4 meses. Em regies com climas subtropical ou mediterrneo, os

    perodos de florao podem iniciar mais cedo e persistir por mais tempo. Na Frana

    as floraes podem ocorrer por 4 meses, e no Japo, Portugal, Espanha e frica do

    Sul por 6 meses ou mais. Em anos de seca em reas de clima tropical ou subtropical

    da China, Brasil e Austrlia, as floraes de cianobactrias podem ocorrer quase o

    ano todo (CHORUS E BARTRAM, 2003; VAN APELDOORN et al., 2007). A

    toxicidade das floraes de cianobactrias varia principalmente em decorrncia das

  • 17

    alteraes na proporo de cepas txicas ou no presentes no ecossistema

    (FUNASA, 2003).

    A constante degradao ambiental nas bacias hidrogrficas de intensa

    ocupao antrpica tem alterado significativamente a qualidade de seus corpos

    d'gua (AGUJARO e ISAAC, 2002). Alm de problemas que pode trazer ao meio

    ambiente como morte de peixes por menor oxigenao da gua, a florao de

    cianobactrias em reservatrios de gua pode trazer srios problemas sade

    pblica (CODD et al., 2005; BITTENCOUT-OLIVEIRA e MOLICA, 2003; AZEVEDO,

    1998; BRANDO E DOMINGOS, 2006), em virtude que algumas cianobactrias

    serem produtoras de toxinas, denominadas de cianotoxinas, e assim gerarem as

    floraes txicas (SKULBERG, 2000; SINCLAIR et al., 2008).

    Entre os principais gneros de cianobactrias produtores de toxinas esto:

    Dolichospermum, Aphanizomenon, Cylindrospermopsis, Lyngbya, Microcystis,

    Nodularia, Nostoc e Oscillatoria (conhecida tambm como Planktothrix)

    (BITTENCOURT-OLIVEIRA et al., 2005; BOTANA, 2007; VASCONCELOS, 2001).

    As principais toxinas produzidas por esses gneros so microcistinas (MCs),

    cilindrospermopsinas (CYNs), saxitoxina (SAX) e seus anlogos, nodularinas,

    anatoxina-a, homoanatoxina-a, anatoxina-a(s) (CARNEIRO E LEITE, 2008).

    As cianotoxinas so consideradas produtos do metabolismo secundrio das

    cianobactrias e podem permanecer no interior da clula, ficarem aderidas parede

    celular externa ou serem liberadas para o meio extracelular. Devido algumas

    cianobactrias apresentarem as mesmas caractersticas ecolgicas e fisiolgicas,

    elas se agrupam no ecossistema planctnico e desenvolvem as chamadas eco

    estratgias (MUR, SKULBERG E UTKILE, 1999). Por isso, alguns autores

    acreditam que as cianotoxinas teriam a finalidade de conferir vantagens na

    competio (alelopatia) com outras cianobactrias e microalgas (o que explicaria o

    domnio das espcies txicas em ambientes eutrofizados), ou na defesa, j que

    essas toxinas inibem a predao desses microrganismos pelo zooplncton (LEE,

    1991; CARMICHAEL, 2008; CHORUS E BARTRAM, 2003).

    As cianotoxinas so classificadas em trs diferentes grupos, de acordo com a

    sua estrutura qumica, podendo ser: peptdeos cclicos, alcalides e

    lipopolissacardeos (BRANDO E DOMINGOS, 2006). Essas variaes so

    determinantes no tipo de mecanismo de ao que so descritos como:

    hepatotxicos, neurotxicos e dermatotxicos (QUILLIAM, 1999; HUMPAGE, 2008;

  • 18

    VASCONCELOS, 2001). Na tabela 1 so apresentados as estruturas qumicas e os

    mecanismos de toxicidade das principais cianotoxinas.

    Tabela 1- Toxinas de cianobactrias de gua doce ou salobra

    Toxinas Estrutura molecular Modo de toxicidade

    Hepatotoxinas

    Microcistinas

    (Heptapeptdeo cclico)

    Promotor de tumor, inibidor de fosfatases [Mackintosh et al., 1990].

    Nodularinas

    (Pentapeptdeo cclico)

    Promotor de tumor, inibidor de fosfatases

    [Ueno et al., 1996].

    Cilindrospermopsinas

    (Alcalide)

    Inibidor de sntese proteica [Sverck e Smith,

    2004]

    Neurotoxinas

    Saxitoxina e seus anlogos

    (Alcalide)

    Bloqueiam a gerao e propagao de potenciais de ao dos neurnios e fibras de msculos esqueltico e cardaco. Esse bloqueio da transmisso nervosa induz paralisia muscular [Humpage, 2008].

    Anatoxina-a

    (Alcalide) Potentes agonistas nicotnico da acetilcolina

    [Osswald et al., 2007]

    Homoanatoxina

    (Alcalide)

    Anatoxina-a(s)

    (ster metlico)

    Organofosforado natural que age como inibidor

    irreversvel da acetilcolinesterase (s

    de salivao) [Van Apeldoorn et al., 2007]

  • 19

    Toxinas

    Estrutura molecular

    Modo de toxicidade

    Dermatotoxinas

    Aplisiatoxina

    (Bilactona fenlica)

    Causam dermatite [van Apeldoorn et al., 2007].

    Lingbiatoxina-a

    (Alcalide indlico)

    Causam dermatite e severa inflamao

    gastrintestinal [Osborne et al., 2001].

    Em todo o mundo, as constantes floraes txicas em reservatrios tem se

    tornado um grande problema para animais e seres humanos (AZEVEDO, 1998;

    BRANDO E DOMINGOS, 2006). O primeiro relato de morte de animais causada

    por florao de cianobactrias ocorreu em 1878, no sul da Austrlia, onde ovelhas,

    cavalos e ces foram intoxicados aps beberem gua de um lago contaminado

    (SINCLAIR et al., 2008). A partir de ento muitos pases relataram intoxicaes

    provocadas pela exposio a estas toxinas (CHORUS E BARTTAN, 1999).

    No Brasil, o relato de intoxicao letal atribudo a cianobactria em gua

    potvel foi a mundialmente conhecida Sndrome de Caruaru. Aconteceu quando

    um foco de insuficincia heptica aguda ocorreu em um centro de hemodilise em

    Caruaru, Pernambuco em 1996. Na clnica 116 dos 131 pacientes apresentaram

    distrbios visuais, nuseas e vmitos aps rotina de tratamento de hemodilise.

    Posteriormente, cerca de 100 pacientes desenvolveram insuficincia heptica

    aguda, e, destes, 76 morreram (JOCHIMSEN et al., 1998; POURIA et al., 1998;

    CODD et al., 1999; CARMICHAEL et al., 2001; AZEVEDO et al., 2002).

    Tabela 1 - Toxinas de cianobactrias de gua doce ou salobra (Continuao) (Continuao da tabela 1 na prxima pgina)

  • 20

    Como medidas efetivas, geralmente, s so acionadas quando ocorrem

    graves incidentes, esse caso fatal levou a criao da portaria que estabelece o limite

    mximo de cianotoxinas na gua para o consumo humano (PEREIRA BRASIL E

    BRANDO, 2005). A Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), por meio

    da portaria no 1469/00 (dezembro/2000), passou a exigir dos rgos competentes e

    responsveis pelo tratamento e fornecimento de gua, o monitoramento de

    cianobactrias e controle de cianotoxinas, dando o prazo at 2003 para que esses

    rgos se adequassem essa portaria. E, em 2004, o Ministrio da Sade (MS), por

    meio da portaria n. 518 (25/03/04) reformulou e revogou a portaria no 1469/00 e

    passou a exigir procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilncia

    da qualidade da gua para consumo humano e seu padro de potabilidade. Tornou-

    se obrigatrio o monitoramento de cianobactrias e anlise de MCs e foram

    recomendadas as anlises de CYNs e SAX. A tabela 2 mostra os valores mximos

    permitidos para toxinas de cianobactrias em gua potvel.

    TABELA 2- Valores do limite mximo permitido para toxinas de cianobactrias em

    gua potvel estabelecidos pela Portaria n. 2.914 (12/12/11) do MS, para padro de

    potabilidade da gua para consumo humano

    TOXINAS LIMITE MXIMO

    PERMITIDO (g/L)

    MICROCISTINAS 1

    CILINDROSPERMOPSINAS 1*

    SAXITOXINA 3

    *H apenas uma recomendao pela Portaria n. 2.914

    do MS para a determinao de cilindrospermopsinas,

    observando os valores limites.

    Com o surgimento da portaria, os setores responsveis pelo abastecimento

    de gua pblica devem estar diariamente em alerta para s floraes de

    cianobactrias (SANTOS e BRACARENSE, 2008), que para a Funasa (Fundao

    Nacional de Sade), dividido em vrios nveis de acordo com o grau de

    potabilidade da gua distribudas pelas companhias de tratamento. O nvel de

    vigilncia caracteriza-se pela deteco dos estgios iniciais do desenvolvimento

  • 21

    dessas floraes a partir de monitoramento sistemtico do manancial. A confirmao

    para o incio do estabelecimento de uma florao de cianobactrias ocorre no nvel

    de alerta 1. No Nvel de alerta 2, alm da confirmao de uma florao de

    cianobactrias, j so observados problemas na qualidade de gua. Por fim, o nvel

    de alerta 3 apresenta florao txica no manancial, o qual traz riscos iminentes para

    sade da populao (FUNASA, 2003). Para cada nvel de vigilncia existem alguns

    indicativos de confirmao, descritos na tabela 3.

    Tabela 3- Nveis e valores indicativos para o grau de potabilidade da gua

    distribuda pelas companhias de tratamento

    Nvel Valores indicativos

    Vigilncia - uma colnia ou cinco filamentos de cianobactrias por mililitro de gua bruta at 10.000 clulas/mL - 0,2 mm3 a 1 mm3/L de biovolume

    Nvel 1 - 10.000 a 20.000 clulas de cianobactrias por mililitro - 1 a 2 mm3 /L de biovolume

    Nvel 2 - 20.000 a 100.000 clulas de cianobactrias por mililitro - 2 a 10 mm3/L de biovolume

    Nvel 3

    - nmero de clulas de cianobactrias maior que 100.000/ml; biovolume >10 mm3/L - presena de cianotoxinas confirmada por anlises qumicas - bioensaios de toxicidade

    (Adaptada de FUNASA, 2003)

    Segundo o Ministrio da Sade (2003), a principal via de exposio que

    resulta em intoxicao se d pelo consumo oral da gua contaminada com

    cianobactrias. O contato de animais e humanos tambm pode ocorrer em

    atividades de recreao no ambiente que apresente cianotoxinas ou ainda pelo

    consumo de alimentos e medicamentos contaminados (BRANDO E DOMINGOS,

    2006; ESKINAZI-SANTANNA et al., 2006; PEREIRA et al., 2011; RELLAN et al.,

    2009).

    Em mamferos, o efeito das toxinas depende do modo de ao, podendo

    ocasionar efeitos agudos (irritao de pele, gastroenterites e at parada respiratria)

    ou crnicos (formao de tumores devido ingesto de gua contaminada com MCs

    e CYN) (PANOSS et al., 2007, NOVKOV, BLHA e BABICA, 2012). Para Chorus

  • 22

    e Bratam (2003) em estudo com camundongos, a exposio aguda a cianotoxinas

    hepatotxicas ou neurotxicas, acarretaram numa morte rpida do animal por

    hemorragia heptica e parada respiratria, respectivamente.

    Estudos mostraram a persistncia de MC residual intacta, em gua submetida

    ao tratamento convencional de potabilidade (KOMAGAE e HIROOKA, 2000).

    Pesquisas revelam que as tecnologias de tratamento de gua usuais, envolvendo a

    coagulao qumica, floculao, sedimentao ou flotao, e filtrao, no

    apresentam eficincia significativa na remoo de cianotoxinas dissolvidas na gua

    (VIANA-VERONEZI et al., 2009), ou seja, a populao est constantemente exposta

    a nveis de cianotoxinas que esto abaixo dos valores de referncia determinados

    pela legislao Brasileira (Portaria n. 2.914), permitindo que no seja evitado os

    efeitos deletrios no organismo. Porm, poucos so os estudos toxicolgicos sobre

    os efeitos da exposio subcrnica e crnica a baixas concentraes dessas

    cianotoxinas (FUNARI E TESTAI, 2008; SOARES, 2009).

    2.1.1 Microcistinas

    As microcistinas (MCs) foram primariamente assim chamadas por terem sido

    isoladas pela primeira vez da espcie Microcystis aeruginosa (LAWTON e

    EDWARDS, 2001), porm, j so conhecidos outros gneros de cianobactrias que

    produzem as MCs, como Dolichospermum, Oscillatoria e Nostoc (CHORUS E

    BARTRAM, 2003; DAWSON, 1998).

    As MCs so formadas por peptdeos produzidos pela via no-ribossomal

    (ZILLIGES et al., 2011) e as enzimas envolvidas nessa sntese so classificadas

    como modulares, ou seja, em cada mdulo possuem informaes de uma nica

    unidade de peptdeo (HAIDER et al., 2003). So classificadas como hepatotoxina

    (FALCONER e YEUNG, 1991; FALCONER e HUMPAGE, 2005; MOLICA e

    AZEVEDO, 2009) e apresentam estrutura qumica (figura 1) composta por sete

    aminocidos unidos por ligaes peptdicas em uma configurao cclica

    (ANTONIOU et al., 2008). Sua composio estrutural geral apresenta uma D-alanina

    (D-ala) na posio 1, dois L-aminocidos varveis nas posies 2 e 4, o cido

    glutmico (D-Glu) na posio 6, e por trs aminocidos incomuns: um cido D-eritro-

    -metil-asprtico (D-MeAsp) na posio3, um cido (2S, 3S, 8S, 9S)-3-amino-9-

    metoxi-2,6,8-trimetil-10-fenildeca-4,6-dienoco (Adda) na posio 5 e uma N-metil

    deidroalanina (Mdha) na posio 7 (APELDOORN et al., 2007; DAWSON, 1998). A

  • 23

    presena do aminocido Adda essencial para a atividade biolgica das MCs

    (DAWSON, 1998; LAKSHMANA RAO et al., 2004) e parece desempenhar papel de

    destaque na hepatotoxicidade, j que sua remoo reduz drasticamente a toxicidade

    das MCs (KOMAGAE e HIROOKA, 2000).

    A nomenclatura das MCs foi proposta por Carmichael et al (1988) e teve

    como base a composio dos L-aminocidos das MC (figura 1), como por exemplo a

    MC-LR (leucina-arginina), MC-RR (arginina-arginina) e MC-YA (tirosina-alanina). A

    combinao das duas variveis L-aminocidos, X e Z, so responsveis pelas

    diferenas encontradas entre as MCs (GUPATA et al., 2003). Porm, o grau de

    metilao dos aminocidos, bem como as variaes isomricas no aminocido

    Adda, tambm so usadas na classificao dessas cianotoxinas (MERILOUTO e

    CODD, 2005). A MC mais comumente encontrada a MC-LR (FALCONER e

    HUMPAGE, 2005; LAWTON e EDWARDS, 2001), seguida de MC-RR e MC-YA

    (JAYARAJ e LAKSHMANA RAO, 2006), porm atualmente j foram descritas mais

    de 70 variantes de MCs (VIA-ORDORIKA et al., 2004; CHEN et al., 2011).

  • 24

    R1 R2

    MC-LR Leucina Arginina

    MC-RR Arginina Arginina

    MC-YA Tirosina Alanina

    MC-LA Leucina Alanina

    MC-RA Arginina Alanina

    MC-AR Alanina Arginina

    MC-FR Fenilalanina Arginina

    MC-FA Fenilalanina Alanina

    FIGURA 1- Estrutura qumica geral das MCs, onde R1 e R2 representam duas

    posies variveis

    A dose letal (DL50) da MC pode variar de 50 -11.000 g/kg dependendo do

    anlogo de MC, a espcie afetada e a via de administrao (PUSCHENER e

    HUMBERT, 2007). A menor dose sem apresentao de efeitos txicos (No

    Observable Adverse Effect Level - NOAEL) foi estipulada para MC-LR aps

    resultados de um nico experimento com camundongos tratados por via oral (v.o.)

    com 40 g de MC-LR/kg de peso corpreo/dia, durante 13 semanas (FAWEEL et al.,

    1994).

    2.1.1.1 Absoro

    Aps a ingesto de gua contaminada com Microcystis, o ambiente cido

    estomacal gera lise celular fazendo com que as MCs sejam liberadas para o meio

    extracelular (PUSCHENER e HUMBERT, 2007), no entanto, a liberao no s

  • 25

    ocorre no estmago, mas tambm pode ocorrer no leo (SANTOS e BRACARENSE,

    2008). A MC-LR, e a maioria dos seus congneres, so hidroflicas e geralmente

    no so capazes de penetrar na membrana celular (ZEGURA, STRASER e FILIPIC,

    2011), requerendo uma via de transporte dependente de trifosfato de adenosina

    (ATP), que at agora foi descrito como sendo o mesmo transporte de cidos biliares

    (APELDOORN et al., 2007). Como resultado disso, a ao txica dessa cianotoxina

    se concentra nos rgos que apresentam esse tipo de transporte de membrana,

    como o caso do fgado que tem ao txica nos hepatcitos (HAIDER et al., 2003;

    ZEGURA, STRASER e FILIPIC, 2011). As clulas do intestino delgado tambm

    expressam estes receptores e so estes os responsveis pela entrada das MCs

    para corrente sangunea (APELDOORN et al., 2007). Uma vez absorvida, a MC

    rapidamente chega ao fgado pela circulao sangunea portal (SANTOS e

    BRACARENSE, 2008).

    2.1.1.2 Mecanismo txico das MCs

    A toxicodinmica das MCs est relacionada a disfunes hepticas agudas e

    crnicas, com hemorragia e morte (FERRO FILHO, 2009). Uma vez dentro do

    hepatcito, as MCs inibem as protenas fosfatases 1 (PP-1) e 2A (PP-2A), causando

    hiperfosforilao das protenas do citoesqueleto, resultando na deformao dos

    hepatcitos (APELDOORN et al., 2007; MORODER e BOHNER, 1998). A ruptura

    dos componentes do citoesqueleto e o rearranjo da actina filamentosa

    (PUSCHENER e HUMBERT, 2007) so mecanismos importantes, pois levam

    retrao dos hepatcitos, provocando a perda do contato entre eles e os capilares

    sinusides, fazendo com que o fgado perca sua arquitetura e desenvolva leses

    (PAPAIORDANOU, FONTEBELLE E SAAD, 2009).

    Nas intoxicaes agudas por MCs, as leses hepticas causam perda de

    sangue intra-heptico e pode evoluir para o choque hemorrgico (FALCONE e

    HUMPAGE, 2005). Os efeitos txicos das MCs no ocorrem somente nos

    hepatcitos (SANTOS e BRACARENSE, 2008), tm sido observados danos severos

    tambm em clulas renais, pulmonares e cardacas em animais tratados com MCs

    (FUNASA, 2003).

    As substncias que inibem as PP so consideradas promotores de tumor, as

    quais tm funo reguladora importante na homeostase celular (APELDOORN et al.,

    2007), em conjunto com as quinases proteicas, a PP-1 e a PP-2 regulam o

  • 26

    mecanismo de fosforilao e desfosforilao das protenas no processo de diviso

    celular (SANTOS e BRACARENSE, 2008). Por isso, alguns autores j afirmam que a

    MC-LR possui propriedade genotxica e carcinognica, porm, essas publicaes

    ainda so contraditrias, pois alguns trabalhos mostram que a MC-LR no

    mutagnica (ABRAMSSON-ZETTERBERG, SUNDH e MATTSSON, 2010).

    Recentemente alguns trabalhos tm sido desenvolvidos tambm para esclarecer se

    As cianotoxinas so capazes de causar embriofetotoxicidade e/ou alterao no

    desempenho reprodutivo de mamferos (BU et al., 2006). Este interesse se d por

    existir relativamente poucos dados sobre seu potencial em induzir toxicidade no

    desenvolvimento fetal (CHERNOFF et al., 2002).

    2.2 REPRODUO DE MAMFEROS

    A reproduo o mecanismo essencial para perpetuao e diversidade das

    espcies, assim como para a continuidade da vida (ARAJO et al., 2007). Em

    mamferos um processo cclico que apresenta vrias fases: maturao sexual;

    produo e liberao de gametas; fertilizao; transporte; implantao;

    embriognese; desenvolvimento fetal; parto; lactao e desenvolvimento ps-natal;

    crescimento e desenvolvimento e novamente a maturao sexual fechando o ciclo

    (LEMONICA, 2008). Neste ciclo, a produo de gametas (gametognese) o nico

    ponto que diverge para os indivduos de sexo feminino e masculino, os quais sero

    discutidos no item 2.2.1.

    O hipotlamo sintetiza o hormnio liberador de gonadotrofinas (GnRH),

    enquanto trs hormnios produzidos pela hipfise anterior so importantes para o

    processo reprodutivo da fmea: hormnio folculo estimulante (FSH), hormnio

    luteinizante (LH) e prolactina (PRL) (MENDONA et al., 2007). Todavia, a partir de

    resultados obtidos com roedores, observou-se que estressores fsicos ou

    emocionais atuam sobre o hipotlamo alterando a secreo de fatores liberadores

    ou inibidores de hormnios hipofisrios (MOREIRA et al., 2005) resultando em

    alterao em todo o sistema reprodutivo.

    Os distrbios que afetam o sistema reprodutor incluem reduo na fertilidade,

    impotncia, distrbios menstruais, abortos espontneos, menor peso no nascimento

    entre outros efeitos sobre o desenvolvimento (EPA, 1996). A gametognese e a

    fertilizao, envolvidos no processo de reproduo, tambm podem sofrer aes que

    levam a distrbios na reproduo. De acordo com Rogers e Kavlock (2008), essas

  • 27

    fases so vulnerveis s aes de substncias txicas durante o processo de

    imprinting genmico. Esse processo consiste em um mecanismo regulado

    epigeneticamente segundo o qual os genes se expressam de acordo com sua

    origem parental - paterna ou materna e pode estar sujeito ao de toxinas por

    envolver o processo de metilao da citosina e mudana da conformao da

    cromatina (MURPHY E JIRTLE 2000).

    Os erros mais comuns so mutaes em um gene que sofre imprinting. Se a

    mutao incidir no alelo silenciado, nenhum efeito pode ser obviamente esperado,

    mas se ocorrer no alelo ativo, haver ausncia de produo de uma determinada

    protena (CITRIN, 2012). A localizao do erro tambm pode variar. Portanto, o erro

    pode ser no centro de imprinting, no qual acometer um nmero maior de genes

    devido sua abrangncia ou, ainda, pode ser por dissomia uniparental (LEE et al.,

    2002).

    2.2.1 Produo de gametas

    O processo de produo das clulas germinativas difere no macho e na

    fmea. O nmero de clulas germinativas no macho grandemente aumentado

    durante a espermatognese atravs da mitose e o suprimento das clulas

    reabastecido durante a vida enquanto que na fmea a mitose cessa ao nascimento e

    a ovognese envolve o desenvolvimento de um nmero limitado de clulas

    germinativas pr-formadas tendo o nmero de clulas continuamente diminudo

    durante a vida reprodutiva (SWENSON e REECE, 1996).

    2.2.1.1 Produo de gametas femininos

    A ovognese caracterizada pela produo de ovcitos pelas clulas

    germinativas primordiais (ovogonias) e pela proliferao mittica de clulas epiteliais

    internas originadas de uma interao de diversos tipos celulares (DERRUSI e

    LOPES, 2009). A produo de gametas femininos muito precoce e comea ainda

    na vida intrauterina, no interior dos folculos ovarianos (ARAJO et al., 2007;

    BEIGUELMAN, 2008). Quando a ovognia sofre vrias divises mitticas, algumas

    continuam a se dividir por mitose e outras param na prfase da meiose 1 e do

    origem aos ovcitos primrios (SADLER, 2010). Aps o nascimento nenhum ovcito

    primrio formado (MOORE, 2008) e caso ocorra destruio de gametas o animal

    ser infrtil (SWENSON e REECE, 1996).

  • 28

    To logo o ovcito primrio formado ele circundado por uma nica

    camada de clulas foliculares achatadas e passa a ser chamado de folculo

    primordial (MOORE, 2008). Quando as clulas foliculares comeam a se proliferar e

    a mudar sua forma achatada para uma cuboide estabelecido o folculo primrio

    (HYTTLE, SINOWTZ e VEJLSTED, 2010).

    A meiose iniciada durante a vida intrauterina interrompida e no recomea

    antes da puberdade (SADLER, 2010; SWENSON e REECE, 1996). Acredita-se que

    as clulas foliculares que circulam o ovcito primrio secretam uma substncia

    inibidora de maturao do ovcito, o que permite a parada no estgio meitico

    (MOORE, 2008). S na puberdade que os ovcitos primrios do origem aos

    ovcitos secundrios com a concluso da primeira meitica (BRITO, 1998). Na

    ovulao o ncleo do ovcito secundrio inicia a segunda diviso meitica, progride

    at a metfase, onde novamente interrompida e s ser completado se ocorrer a

    fecundao (MOORE, 2008).

    Todo o processo de formao dos ovcitos maduros ocorre nos folculos ovarianos

    que so as unidades funcionais e fundamentais dos ovrios (ARAJO et al., 2007).

    O ovrio um rgo composto por vrios tipos celulares diferenciados e pode ser

    dividido em duas regies: uma medular, que, na maioria das espcies, consiste na

    poro interna do ovrio e constituda por tecido conjuntivo, nervos, artrias e

    veias; e uma regio cortical, que contm corpos lteos e folculos ovarianos em

    diferentes estgios de desenvolvimento (LEITO et al., 2009). No sistema reprodutor

    feminino o ovrio o rgo sexual primrio e secretor dos hormnios sexuais

    femininos (i.e. progesterona, estrgenos), onde se encontram os folculos que

    contm em seu interior os ovcitos (gameta feminino) (FONSECA, 2005). Esse

    rgo responsvel tanto pela produo dos gametas quanto pela manuteno da

    fertilidade (HASSUM FILHO, SILVA e VERRESCH, 2001).

    2.2.1.2 Produo de gametas masculinos

    O testculo apresenta similaridades para quase todos os mamferos, sendo

    mais comum a variao da proporo volumtrica de seus componentes (SOARES

    et al., 2005). Por ser um rgo de funes endcrinas e excrinas, tem como

    estrutura uma cpsula conjuntiva que o envolve e emite septos para seu interior

    dividindo-o em compartimentos tubulares e intertubulares (BANKS, 1992). No

    primeiro, localizam-se as clulas germinativas e as clulas de Sertoli e, no segundo,

  • 29

    est todo o aporte de vasos sangneos e linfticos, clulas de Leydig, fibroblastos,

    macrfagos e mastcitos (MASCARENHAS et al., 2006).

    Durante os estgios iniciais da organognese no testculo de ratos, as clulas

    de Sertoli so as primeiras a sofrerem diferenciao no primrdio gonodal. Isso

    ocorre entre 13,5 e 14,5 dias aps a concepo, e depois da formao dos cordes

    testiculares ocorre um rpido aumento dessas clulas (ANGELOPOULOU et al.,

    2007). Apesar de essa proliferao ser mais intensa no perodo pr-natal, ela

    tambm est presente nos primeiros momentos ps-natal (PETERSEN et al., 2001).

    A proliferao de clulas de Sertoli durante o desenvolvimento pr-natal crtico

    para estabelecer o tamanho final dessas clulas, necessrias para uma quantidade

    normal de espermatozoides (ANGELOPOULOU et al., 2007).

    As clulas de Sertoli revestem os tbulos seminferos e geram uma barreira

    sangue-testculo que atuam na proteo das clulas germinativas, alm de

    desempenharem interaes de transporte de nutrientes e de molculas reguladores

    para as clulas germinativas (HYTTEL, SINOWATZ e VEJLSTED, 2010; SYED e

    HECHT, 2002; SWENSON e REECE, 1993). Tambm atribudo a essas clulas

    funo de regulao da espermatognese (RUSSEL e GRISWOLD, 1993).

    A espermatognese, na maioria dos mamferos, tem uma durao de 40 a 60

    dias (FRANA e RUSSELL, 1998). No rato esse ciclo tem durao de 52 dias

    (HILSCHER, 1964). A espermatognese uma sequncia de eventos celulares que

    resultam na formao do espermatozoide maduro a partir de clulas precursoras

    (OSHIO A GUERRA, 2009), ou seja, uma espermatognia tronco gradativamente

    diferenciada numa clula haplide altamente especializada (COSTA e PAULA,

    2003). um processo que ocorre com diferenciao celular continua e que pode ser

    divido em trs fases principais: renovao das espermatognias e proliferao,

    meiose e espermiognese (LIU et al., 2007).

    Esse processo ocorre nos tbulos seminferos onde as espermatognias

    sero transformadas em espermatcitos primrios (MOORE, 2008). Cada

    espermatcito primrio ao sofrer a primeira diviso da meiose d origem a dois

    espermatcitos secundrios (ARAJO et al., 2007). A meiose um tipo especial de

    diviso celular que produz os gametas haploides a partir de clulas diploides

    parentais (LIU et al., 2007), ou seja, na primeira diviso da meiose reducional,

    assim os espermatcitos secundrios passam a ter metade do nmero de

    cromossomos (ARAJO et al., 2007). Em seguida os espermatcitos secundrios

  • 30

    sofrem a segunda diviso meitica formando quatro espermtides com cerca da

    metade do tamanho dos espermatcitos secundrios (MOORE, 2008).

    As espermtides se diferenciam em espermatozoides atravs de uma srie de

    modificaes morfolgicas progressivas, em um processo conhecido como

    espermiognese que parte da espermatognese e ocorre, predominantemente, no

    interior de cistos germinativos, envolvidos por clulas de Sertoli, onde se localizam

    as espermtides (AIRES, STEFANINI e ORSI, 2000; COSTA e PAULA, 2003). Uma

    vez formados, os espermatozoides so transportados dos tbulos seminferos para o

    epiddimo onde se tornam funcionalmente maduros (MOORE, 2008). No mamifro, a

    maturao das clulas germinativas para formao dos espermatozoides ocorre at

    o final da vida do indivduo em que cada espermatognia tronco dar origem a

    quatro espermatozoides (ARAJO et al., 2007).

    A ateno para os mecanismos de toxicidade afetando o controle da

    espermatognese tem demonstrado que existe uma vasta gama de compostos que

    relacionada com aes txicas a alguma clula envolvida nesse processo

    (MANTOVANI e MARGANGHI, 2005). A infertilidade pode ocorrer por vrias causas

    relacionadas ao meio ambiente (DIB et al., 2007). Alteraes afetando as clulas de

    Sertoli, durante o perodo crtico de multiplicao, pode levar a uma potencial

    reduo no nmero final dessas clulas (PETERSEN et al., 2001). Alm do calor,

    agentes citotxicos e doenas podem conduzir a um colapso na espermatognese e

    levar a infertilidade (SYED e HECHT, 2002). As substncias podem agir por efeito

    citotxico direto nas clulas germinativas masculinas, no entanto, existe uma

    crescente preocupao com as substncias que atuam por efeitos mais sutis

    (PETRELLI e MANTOVANI, 2002). So muitas as substncias que podem atuar

    promovendo essas alteraes citotxicas, tais como: metais pesados,

    antimetablicos, praguicidas, herbicidas, antibiticos, anticancergenos

    (STEINBERGE e KLINEFELTER, 1993). Para as toxinas, a avaliao de danos

    testiculares pode ser realizada por anlises de parmetros tais como a fertilidade,

    ndice de prenhez, morfologia celular testicular e mortalidade do espermatozoide

    (SUTER et al., 1997).

  • 31

    2.2.2 O ciclo estral

    Estro ou cio, comumente referido como dia zero do ciclo estral, o perodo da

    fase reprodutiva do animal no qual a fmea apresenta sinais de receptividade

    sexual, seguida de ovulao (VALLE, 1991). Nas ratas, normalmente esse ciclo

    ocorre a cada 4 ou 5 dias (ADLER E BELL, 1968; ANDRADE, PINTO e OLIVEIRA,

    2002; BERTAN et al., 2006) e divido em quatro fases ou perodos: proestro, estro,

    diestro I ou metaestro e diestro II (ANDRADE, PINTO e OLIVEIRA, 2002).

    Essas fases do ciclo estral podem ser caracterizadas pela presena

    diferenciada de clulas que cada fase apresenta. No proestro predominam-se as

    clulas nucleadas; no estro, as clulas cornificadas com intensa descamao e

    anucleadas; no metaestro poucas clulas nucleadas, moderadas clulas anucleadas

    e grande quantidade de leuccitos e no diestro excesso de leuccitos (ARAUJO et

    al., 2009). Alm da diferenciao celular, essas fases apresentam atividade

    hormonal diferente para o estrgeno e a progesterona. So observados que as fases

    de atuao do estrgeno so proestro e estro, enquanto que a progesterona atua no

    metaestro e diestro (CONCEIO et al., 2005). As variaes nos nveis hormonais

    esto intimamente ligadas ao comportamento sexual da rata.

    As fases do ciclo estral proestro e estro tm durao de 12 horas, enquanto

    metaestro e diestro tem durao de 15 e 57 horas, respectivamente (ANDRADE,

    PINTO e OLIVEIRA, 2002; ARAUJO et al., 2009). O ciclo estral vulnervel s

    influncias externas que levam ao seu desregulamento. Segundo Santos et al.

    (2003), a ausncia de luz influncia diretamente na frequncia das fases do ciclo

    estral de ratas, provocando reduo na incidncia da fase de estro, fazendo com

    que ocorra o alongamento do ciclo estral nesses animais.

    Para Beach (1976), trs conceitos representam as caractersticas das fmeas

    quando esto na fase estro: atratividade, proceptividade e receptividade. no

    perodo da receptividade que as fmeas aceitam os machos para a cpula. Existem

    diferentes opinies quanto ao perodo de maior receptividade das ratas. Para alguns

    autores, na noite do proestro que a fmea apresenta a receptividade e, portanto,

    est pronta para o coito (ARANDA, 2011). J para Lucion et al. (2003), o perodo

    mais receptivo das ratas ocorre durante a fase estro, concordando assim com Beach

    (1976). A regulao hormonal da receptividade tambm um ponto de divergncias

    entre os pesquisadores. Para Powers (1970), em resultados de experimentos

  • 32

    durante o ciclo estral de ratas, o comeo do comportamento sexual requer a

    facilitao da ao da progesterona, porm esse hormnio no atua na

    determinao da receptividade. Seguindo a mesma linha, em 1976 Powers e

    Moreines publicaram que a durao da receptividade determinada pela quantidade

    e durao de secreo de estrgeno, e no pela ao inibitria da progesterona.

    Porm, para Luttge e Hughes (1976), a progesterona modula influncias na

    receptividade sexual.

    O perodo em que a rata est pronta para o coito denomina-se de estro

    comportamental. nessa fase que a rata apresenta a lordose, uma curvatura

    espinhal assumida como postura para a cpula e a caracterstica mais

    proeminente da receptividade da fmea (SAGAE, 2010). A apresentao da lordose

    muito importante para o sucesso reprodutivo em ratos, pois ela que permite a

    insero peniana pelo macho (GOMES, 2005). A identificao e reconhecimento do

    indivduo ocorrem pelo cheiro inato de cada espcie, resultante da liberao de

    substncias qumicas denominadas de feromnios (MATTARAIA et al., 2009).

    Geralmente nos roedores so secretados por glndulas localizadas em diferentes

    locais do corpo, principalmente na regio anogenital (MOURA e XAVIER, 2010).

    A ovulao no ciclo estral ocorre durante o estro ou logo aps seu final

    (FONSECA, 2005) e nesta fase que a progesterona encontra-se em seu nvel

    mximo (ARAUJO et al., 2009). Imediatamente aps a ovulao, o corpo lteo, uma

    estrutura glandular transitria, inicia seu desenvolvimento no ovrio com a

    capacidade de sintetizar vrios hormnios, sendo a progesterona o principal

    (BERTAN et al., 2006). A principal funo da progesterona nessa fase do ciclo de

    impedir a maturao de novos folculos e assim permitir a manuteno da gestao

    (WEBB, WOAR e ARMSTRONG, 2002). Caso no ocorra fertilizao, o corpo lteo

    entra em regresso, cessa-se a produo de progesterona e o ciclo estral

    retomado (SANTOS, 2002).

    2.3 TOXICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

    A teratologia uma cincia que estuda as anormalidades do desenvolvimento

    durante o perodo gestacional e as malformaes resultantes (LEME, MARTINS e

    PORTUGAL, 2003). No entanto, o conceito de teratognese no se restringe apenas

    s malformaes estruturais logo aps o nascimento, tambm so consideradas

    alteraes funcionais (DIPE, 2009). A palavra teratologia vem do termo grego

  • 33

    terato, que etimologicamente significa estudo de monstros. Aristteles

    recomendava que as mulheres grvidas olhassem para bonitas esttuas para que a

    beleza dos seus filhos fosse aumentada (ROGERS E KAVLOCK, 2008). Atualmente

    o sentido original da palavra, que referencia somente a malformaes anatmicas

    macroscpicas, vem sendo expandido para uma definio que engloba anomalias

    mais sutis (LIMA, FRAGA e BARREIRO, 2001).

    A toxicologia do desenvolvimento estuda os efeitos adversos sobre o

    organismo em desenvolvimento, ocorrendo em qualquer momento do ciclo de vida

    do organismo, que pode resultar da exposio a agentes qumicos ou fsicos, antes

    da concepo (atravs do comprometimento de gametas dos pais), durante o

    desenvolvimento pr-natal ou no perodo ps-natal at o perodo de puberdade

    (NIHI E LOURENO, 2011).

    Muitos fatores contriburam para o atraso no estudo da toxicologia do

    desenvolvimento, um deles est relacionado ideia de que o embrio/feto estaria

    protegido das agresses pelas membranas extraembrionria e fetais (WEIS, 2007).

    Hoje j se sabe que a membrana placentria trata-se de uma bicamada de

    molculas fosfolipdicas ordenadamente dispostas. Ela impermevel a

    determinados elementos, mas promove a difuso para outros (BROLIO et al., 2010).

    O transporte atravs da placenta envolve o movimento de molculas entre trs

    compartimentos: sangue materno, citoplasma do sinciciotrofoblasto e sangue fetal, e

    esse movimento pode ocorrer pelos mecanismos de difuso simples, difuso

    facilitada, transporte ativo, alm de outras formas de transporte (CAVALLI, BARALDI

    e CUNHA, 2006).

    Todos os atrasos relacionados s pesquisas nessa rea da toxicologia foram

    questionados na tragdia mundial do frmaco talidomida. S aps desse episdio

    que a toxicologia do desenvolvimento avanou (SILVA, 2000). A talidomida foi

    sintetizada em 1954 na Alemanha ocidental pelos pesquisadores da Chemi

    Gruenhenthal (H. Wirth e N. Mueckler) e introduzida no mercado deste pas em 1956

    (SALDANHA, 1994). O frmaco foi utilizado como um seguro sedativo e sendo

    verificada que ela poderia ser tambm usada como anti-emtico durante a gravidez,

    resultou no uso generalizado na Europa (RADOMSKY E LEVINE, 2001). Entre 1958

    e 1962, foi observado, principalmente na Alemanha e Inglaterra, o nascimento de

    milhares de crianas que apresentavam graves deformidades congnitas,

    caracterizadas pelo encurtamento dos ossos longos dos membros superiores e/ou

  • 34

    inferiores, com ausncia total ou parcial das mos, ps e/ou dos dedos (OLIVEIRA,

    BERMUDEZ e SOUZA,1999).

    Quando o uso da talidomida foi aprovado, no existiam testes em animais

    para saber os efeitos teratognicos (MCBRIDE, 1961). A partir de ento que ocorreu

    a padronizao de protocolos para os testes sobre a reproduo. Os novos

    protocolos propostos vieram normatizar e dar nfase a aspectos referentes ao

    perodo da exposio, s espcies utilizadas nos estudos, s doses a serem

    testadas e, principalmente, aos parmetros que devem ser avaliados na

    interpretao dos dados (LEMONICA, 2008).

    Os estudos de toxicidade no desenvolvimento so usualmente realizados

    expondo a progenitora a substncias durante o desenvolvimento fetal para certificar

    se a substncia tem a capacidade de gerar toxicidade para a prole (CHAHOUD et

    al., 1999). Porm, em muitos casos, as doses muito altas geram alta mortalidade

    materna ou abortos prejudicando a avaliao do estudo e necessitando que seja

    repetido com doses mais baixas (GIAVINI e MENEGOLA, 2012).

    Entre os mamferos, a reproduo constitui um processo complexo,

    prolongado e que envolve vrias etapas e dessa forma, est vulnervel a

    interferncias ambientes e/ou a vrios agentes qumicos (LEMONICA, 2008). Como

    consequncia dessa vulnerabilidade, muitos dos resultados gestacionais terminam

    em alteraes nos conceptos que pode ser resultante de fatores genticos ou

    ambientais. Para Rogers e Kavlock (2008), o resultado da gestao bem sucedida

    na populao em geral, supreendentemente, ocorre com baixa frequncia. A

    etiologia de aproximadamente 65% das malformaes espontneas desconhecida,

    existindo uma discusso sobre a contribuio de agentes ambientais como

    causadores dessas malformaes (BRENT E BECKMAN, 1990).

    Quando comparados aos indivduos adultos, os organismos em

    desenvolvimento sofrem rpidas e complexas mudanas dentro de um perodo de

    tempo relativamente curto (SPINOSA e BERNARDI, 2008). Por causa das

    mudanas rpidas que ocorrem durante o desenvolvimento fetal, o alvo para a

    toxicidade no embrio/feto muda constantemente (ROGERS E KAVLOCK, 2008).

    Isso ocorre porque cada fase relacionada ao desenvolvimento est relacionada

    tambm a vrios eventos e cada uma delas pode ser modificada pela exposio de

    diferentes agentes qumicos (LEMONICA, 2008). Porm, no s a exposio a

    agentes qumicos ou ambientais que podem levar s alteraes do concepto em

  • 35

    desenvolvimento, outros fatores tambm so relacionados. Por exemplo, os efeitos

    da desnutrio intrauterina que segundo Medeiros et al (2005), dependem da fase

    de desenvolvimento em que est o feto, sendo os efeitos tanto mais intensos e

    permanentes quanto mais precocemente ocorrer desnutrio e mais tarde for

    iniciada a recuperao nutricional.

    Nos trabalhos de toxicidade fetal, muitas vezes as doses escolhidas so

    capazes de gerar toxicidade sistmica generalizada na me, denominada de

    toxicidade materna, na qual significante a reduo da ingesto de alimento e/ou

    gua, reduo no ganho de peso, letalidade e outros sinais durante a gestao

    (CHERNOFF et al., 1989; NEUBERT e CHAHOUD, 1995). Para Chahouda et al.

    (1999), a reduo no ganho de peso materno deve ser associado com a mdia do

    peso fetal, nmeros de implantaes, taxa de reabsores e nmero de anomalias

    nos fetos. No entanto, o achado de malformaes concomitantemente com a

    toxicidade materna pode induzir a realizao de mais experimentos para esclarecer

    os resultados, levando um gasto de tempo, dinheiro e sacrifcio de mais animais

    (GIAVINI e MENEGOLA, 2001).

    A exposio materna e paterna a agentes que podem afetar os processos

    reprodutivos visa avaliao de problemas de fertilidade, sendo fundamental a

    exposio durante os perodos crticos de desenvolvimento embriolgico e fetal, que

    compreendem o perodo de implantao, organognese e desenvolvimento fetal

    (HOLLENBACH et al., 2010). Portanto importante saber que o perodo que cada

    fase corresponde dentro do perodo de gestao. A pr-implantao corresponde do

    dia da concepo at o 5 dia, implantao do 5 e 6 dia, organognese do 6 ao

    15 dia e desenvolvimento fetal do 16 ao 21 dia (BERNARDI, 1999). Existe uma

    grande discusso na descrio temporal da organognese, uma vez que muitos

    autores adotam diferentes perodos de incio e termino para essa que uma das

    mais importantes fases do desenvolvimento embriolgico. Em pesquisa, Carmo,

    Peter e Guerra (2004), observaram que a organognese pode ter incio entre o sexto

    e oitavo dia e trmino entre o dcimo quinto e o dcimo oitavo dia, de acordo com

    diferentes autores, o que dificulta a comparao dos dados relacionados data

    exata em que determinados rgos esto se desenvolvendo.

    A toxicidade para o desenvolvimento em fetos observada com a ocorrncia

    de morte, teratologia, reduo do peso fetal, alterao no crescimento e deficincias

    funcionais (EPA, 1996). Cada efeito depende muito da fase do desenvolvimento que

  • 36

    o concepto foi exposto aos fatores capazes de gerar a alteraes no

    desenvolvimento. Para a OMS (WHO, 1984), as exposies que acontecem entre a

    concepo e a implantao (pr-implantao e implantao) podem, em ambos,

    resultar em nenhum efeito ou morte do embrio. Os efeitos teratognicos so

    observveis particularmente no perodo de organognese (CARMO; PETER;

    GUERRA, 2004).

    Os efeitos teratognicos podem ser vistos com diferentes graus de alteraes

    estruturais. So descritos quatro tipos de anomalias estruturais: malformao

    (defeitos morfolgicos de um rgo ou parte de um corpo resultante de um processo

    de desempenho intrinsicamente anormal), ruptura (defeito morfolgico de um rgo,

    parte do corpo, ou regio maior do corpo resultante do desarranjo de um

    desenvolvimento originalmente normal ou de uma interferncia sobre ele),

    deformao (forma ou posio anormal de uma parte do corpo) e displasia

    (anormalidade de organizao das clulas ou formarem tecidos, um processo de

    desistognese) (BRUNONI, 2002; COSTA, 2005). As alteraes que ocorrem em

    perodos mais tardios do desenvolvimento so determinadas de alteraes

    toxicolgicas e so caracterizadas por degeneraes, retardo no crescimento ou no

    desenvolvimento de determinados rgos (BERNARDI, 1996).

    A exposio xenobiticos durante a gravidez pode afetar adversamente o

    desenvolvimento normal dos fetos (CHAHOUD et al., 1999). O baixo peso molecular

    de algumas substncias facilita a ultrapassarem a barreira placentria, invalidando o

    seu conceito (STOCKTON e PALLER, 1990). Os ensaios realizados em animais

    podem ter resultados significantes para predizer os potenciais riscos para a sade

    dos fetos humanos (JELOVSEK, MATTISON e CHEN, 1989). Nos mamferos esses

    ensaios so realizados em roedores e neles so investigados os resultados

    reprodutivos do acasalamento de machos e fmeas (FALCONER, 2007).

    2.4 EFEITOS DAS CIANOTOXINAS NO DESENVOLVIMENTO REPRODUTIVO E

    EMBRIOFETOTOXICIDADE

    Alguns trabalhos tm sido desenvolvidos visando avaliar os efeitos de

    cianotoxinas sobre o desempenho reprodutivo de mamferos e/ou a prole de animais

    expostos (BU et al., 2006).

    Segundo a OMS (WHO, 1998), nenhum efeito sobre a fertilidade, peso ou

    distribuio do sexo dos fetos foi observado para o ensaio em que camundongos

  • 37

    machos e fmeas foram expostos ao extrato de M. aeruginosa por v.o. na

    concentrao de 750 g de MC/kg, do desmame at o acasalamento e durante toda

    a gestao para as fmeas. No ano seguinte, um grupo de pesquisadores publicou

    que tambm no foi constatado nenhum efeito de embrioletalidade,

    teratogenicidade, alterao na taxa de perda pr-implanao ou distribuio do sexo

    para os fetos cujas progenitoras foram expostas por v.o MC-LR purificada (200,

    600 ou 2000 g/kg) entre os dias 6-15 de gestao (FAWELL et al.,1999). Chernorff

    e colaboradores (2002) tambm no constataram nenhum efeito sobre a toxicidade

    do desenvolvimento na prole de camundongos quando expostos a MC-LR

    purificada. A exposio ocorreu tanto por via i.p. como por via subcutneo em doses

    que variaram de 16-160 g/kg e 128 g/kg, respectivamente, entre os dias 7 e 12 da

    gestao.

    Os resultados encontrados por Zhang e colaboradores (2002) discordam com

    aqueles j relatados. Estes pesquisadores relataram a presena de hemorragia

    petequial e degenerao hidrpica grave no fgado, alm de malformaes nos

    glomrulos e medula renal de fetos cujas progenitoras foram expostas a MC-LR por

    via i.p. durante 10 dias da gestao em dose diria de 62 g/kg. Os resultados

    encontrados foram to significativos que eles propuseram que a MC-LR teria ao

    danosa direta na barreira placentria e no feto, afetando a sua formao e

    desenvolvimento. No entanto, Zhang e colaboradores (2002) no esto sozinhos

    para os achados no desenvolvimento fetal de camundongos. Em resultado publicado

    tambm em 2002, Wei e colaboradores sugeriam que em doses elevadas de MC foi

    possvel visualizar ao txica materna e fetal (apud Bu et al., 2006). Quanto s

    anlises realizadas em ratos fmeas, Bu et al. (2006) relataram alteraes nos

    filhotes das progenitoras expostas a MCs, por via i.p, nas concentraes de 3, 6 ou

    12 g/kg/dia.

    Tambm j foi relatado ao txica das MCs no sistema reprodutivo de

    camundongos machos. Ding et al. (2006) observaram alteraes no testculo e no

    epiddimo de animais tratos com extrato de M. aeruginosa (3,33 ou 6,67 g de

    MCs/kg p.c/dia), i.p., durante 14 dias. J Chen e colaboradores (2011), observaram

    que o tratamento crnico, por v.o., utilizando doses baixas (1, 3,2 ou 10 g) de MC-

    LR /kg/dia) resultou em toxicidade reprodutiva, causando declnio na qualidade do

    espermatozoide, queda nos nveis de testosterona no soro e danos no testculos.

  • 38

    Para a avaliao do desenvolvimento reprodutivo de animais quando

    expostos a outras cianotoxinas, que no as MCs, podem ser citados os resultados

    dos ensaios de Rogers e colaboradores (2005), que observaram intoxicao

    materna e nenhum efeito significativo na vitalidade e peso para os filhotes. Nos

    experimentos foram utilizados camundongos fmeas e administrados anatoxina-a

    (125 ou 200 g/kg, via i.p.) entre os dias 8-12 e 13-17 do perodo gestacional. O

    resultado foi semelhante para exposio de CYN que apresentou ausncia de

    toxicidade fetal ou teratogenicidade. A exposio ocorreu no estgio inicial da

    gestao em camundongos fmeas por via i.p. com doses que variaram de 8-128

    g/kg de CYN. Os filhotes apresentaram normalidade no peso corpreo, viabilidade,

    morfologia (externa e de tecidos internos) e esqueleto, porm as doses

    administradas por via i.p. causaram letalidade nas fmeas prenhas. Numa recente

    investigao envolvendo a mesma cianotoxina (CYN), Chernoff e colaboradores

    (2011) observaram que a toxicidade materna foi maior nos camundongos que se

    encontravam nos estgios iniciais da gestao (8-12), com significativa reduo no

    ganho de peso, sangramento vaginal e mortalidade, quando comparados com os

    animais do estgio tardio (13-17).

    Por existir relativamente poucos dados sobre os efeitos das cianotoxinas na

    reproduo de mamferos (PEGRAM et al., 2012), o presente trabalho foi proposto e

    os resultados apresentados aqui mostram os efeitos de uma florao de

    cianobactrias contendo MCs sobre o desempenho reprodutivo de ratos, expostos

    por v.o., e um estudo de embriofetotoxicidade da prole.

  • 39

    3 OBJETIVOS

    3.1 OBJETIVO GERAL

    O objetivo geral desse trabalho foi estudar a ao da exposio oral a um

    extrato bruto de cianobactrias contendo MCs no desempenho reprodutivo de ratos

    machos e fmeas e na prole.

    3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    Realizar coletas de gua nos reservatrios do Rio Grande do Norte com

    floraes de cianobactrias;

    Identificar e quantificar as cianotoxinas (MCs, ANA, CYN, SAX e seus

    congneres, como tambm cianotoxinas inditas) das amostras coletadas por

    LC-MS/MS e HILIC-FD;

    Estudar os efeitos da exposio pr-natal, por v.o., a uma soluo de extrato

    bruto de cianobactrias contendo MCs na reproduo, nos progenitores e na

    prole originada:

    Avaliao do desempenho reprodutivo de ratos fmeas e de

    embriofetotoxicidade da sua prole;

    Avaliao da fertilidade de ratos machos (Ensaio do Dominate Letal);

    Avaliao diria do consumo de gua, rao e mensurao do peso

    corpreo dos progenitores e do peso relativo de seus rgos;

    Avaliao hematolgica (somente ratos machos), histopatolgica e de

    dosagens bioqumicas dos progenitores.

  • 40

    4 MATERIAL E MTODOS

    4.1 SELEO DO EXTRATO DE FLORAO DE CIANOBACTRIAS

    4.1.1 Coleta das amostras de gua e identificao de cianobactrias e

    cianotoxinas

    Entre julho de 2009 e setembro de 2010 foram coletadas 37 amostras de

    gua pelo grupo de pesquisa da Profa. Dra. Ivaneide Alves Soares da Costa (Centro

    de Biocincias/UFRN) nos seguintes reservatrios do Rio Grande do Norte:

    Armando Ribeiro Gonalves (Itaj), So Rafael (So Rafael), Passagem das Traras

    (entre Caic, So Jos do Serid e Jardim do Serid) e Gargalheiras (Acari). Foram

    realizadas anlises microscpicas para a identificao das espcies de

    cianobactrias presentes em cada amostra e anlises de deteco de cianotoxinas

    (SAX, CYN, MCs) por ensaios imunoenzimticos (ELISA) foram realizadas conforme

    especificaes do fabricante dos kits (Abraxis). As 13 amostras que apresentaram

    positividade para cianotoxinas no ELISA foram encaminhadas ao laboratrio do

    Professor Dr. Ernani Pinto (Faculdade de Cincias Farmacuticas/USP) onde as

    cianotoxinas foram identificadas e quantificadas por mtodos cromatogrficos

    (Cromatografia Lquida acoplada Espectrmetria de Massas em Tandem (LC-

    MS/MS) e Cromatografia Lquida de Alta Eficincia de Interao Hidroflica com

    Detector de Fluorescncia (HILIC-FD)).

    Foi utilizada a tcnica de HILIC-FD para isolar e quantificar SAX e seus

    anlogos. Essas anlises foram realizadas com a formao de gradiente de fases

    mveis, sendo os eluentes compostos por cido octanossulfnico, fosfato de amnio

    e tetrahidrofurano em gua e acetonitrila, e o fluxo foi de 1 mL/min. Aps oxidao

    ps-coluna com um gradiente de tampo de par inico, o qual foi composto de uma

    soluo de cido peridico e fosfato de amnia em gua pH 6,9 em uma

    derivatizao aquecida a 50C, os produtos resultantes foram detectados com um

    detector de fluorescncia (EX 330 nm e EM 395 nm). A SAX e seus anlogos foram

    identificados por comparao dos cromatogramas obtidos dos extratos das amostras

    com aqueles resultantes aps injeo de solues dos padres. A quantificao

    dessas toxinas foi realizada com o fator de resposta (rea do pico/ concentrao da

  • 41

    toxina) obtida com a injeo de quantidades certificadas dos padres das toxinas

    (GALVO et al., 2009).

    J para a anlise de microcistinas (MC-LR, -RR, -LA, -LF, -LW e -YR),

    nodularina (NOD), anatoxina-a (ANA) e cilindrospermopsinas (CYN), foi utilizado um

    sistema de LC-MS/MS triplo quadrupolo equipado com uma coluna Phenomenex

    Synergi Polar RP 80A, 250 x 4,60 mm, 4 m. Para a eluio de gradiente da fase

    mvel foram considerados dois eluentes. O eluente A foi o tampo de formiato de

    amnio 53 mM preparado em gua deionizada e o eluente B foi uma mistura de

    acetonitrila com tampo formiato de amnio 53 mM (10:90). Ambos eluentes

    incluram cido frmico 5 mM. O fluxo foi na razo de 1 mL/min (split 0,3 ml/min em

    MS; 0,7 ml/min descarte). A quantificao dessas toxinas foi feita com o fator de

    resposta (rea do pico/ concentrao da toxina) obtida com a injeo de quantidades

    certificadas dos padres das toxinas (ANJOS et al., 2006; FRIAS et al., 2006).

    4.1.2 Preparo das solues de extrato de cianobactria

    Foi selecionada para o preparo das solues de extrato de cianobactrias a

    amostra que apresentou maior concentrao de cianotoxinas coletadas no

    reservatrio de Gargalheiras (amostra n 5). O extrato foi obtido conforme Galvo et

    al. (2009). A amostra foi agitada em vrtex (Logen, LSM56-II-VM) por 20 s e

    submetida ao banho de ultrassom (Unique,USC-1800A) durante 15 min. Em

    seguida a amostra foi separada em fraes de 15 mL e as clulas foram rompidas

    com o auxlio de um sonicador ultrassnico (Heat systems, XL2020) por um perodo

    de 5 min. Aps o processo de extrao, foram preparadas as solues do extrato

    bruto de cianobactrias contendo MCs utilizando gua destilada como veculo. As

    diluies foram realizadas semanalmente, estocadas em recipiente de vidro mbar,

    sendo a soluo estoque armazenada em freezer (- 20 C) e as solues de uso em

    refrigerador (2 C a 8 C).

    4.2 ANIMAIS

    Foram utilizados ratos albinos Wistar, fmeas e machos, com idade mdia

    entre 90 e 100 dias, portanto na fase adulta, e massa corporal inicial de 180 20g.

    provenientes do biotrio do Centro de Cincias da Sade da UFRN. Os animais

    foram alojados em gaiolas de polipropileno, com tampa de metal medindo 40 x 50 x

  • 42

    20 cm, por um perodo no inferior a cinco dias antes de serem colocados nas

    diferentes situaes experimentais, mantidos em sala com temperatura ambiente

    variando entre (23 26 C), num ciclo de 12 horas de claro/escuro, sendo a luz

    acesa s 6:00 horas da manh. Os animais receberam rao comercial (Labina) e

    gua ad libitum durante todo o procedimento experimental. Os procedimentos

    experimentais obedeceram s normas do Conselho Brasileiro de Experimentao

    Animal (COBEA) e da Lei n 11794 referente tica no uso cientfico de animais em

    experimentos. Cabe ressaltar que esse projeto foi aprovado pela Comisso de tica

    no Uso de Animais (CEUA) da UFRN (Protocolo n 028/2010, ANEXO I).

    Foram utilizados 40 ratos Wistar fmeas para o estudo de desempenho

    reprodutivo e embriofetotoxicidade e os machos utilizados para o acasalamento

    foram do estoque do biotrio. No estudo de dominante letal foram utilizados 36 ratos

    Wistar machos, no quais foram tratados, e 36 ratos fmeas para o acasalamento.

    4.3 DESEMPENHO REPRODUTIVO E EMBRIOFETOTOXICIDADE

    As fmeas foram divididas em quatro grupos, compostos por 10 animais cada

    um. Os procedimentos adotados foram: acasalamento, administrao de gua

    destilada ou do extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40, 100 ou 250

    ng/kg/dia), eutansia e cesariana das progenitoras, coleta de sangue, avaliao dos

    fetos, avaliao de desempenho reprodutivo e de embriofetotoxicidade da prole.

    4.3.1 Acasalamento

    O perodo de cpula ocorreu entre 10 e 12 horas do ciclo escuro (duas ratas

    fmeas com um rato macho em cada caixa). O sucesso do acasalamento foi

    avaliado nas primeiras horas do ciclo claro, quando as fmeas foram removidas das

    caixas dos machos e o lavado vaginal foi realizado utilizando soluo salina 0,9 %

    (figura 2).

  • 43

    FIGURA 2- Coleta de lavado vaginal de rata Wistar, aps o animal ter ficado durante

    uma noite na mesma caixa com um rato macho para acasalamento, para obteno

    de esfregao em lmina de microscopia

    Para avaliao da presena de espermatozoides (figura 3) na vagina das

    ratas, esfregaos vaginais foram analisados por microscopia ptica (Olympus

    CX21, CX21FS1) em objetiva de 40x. Outro fator positivo para o sucesso do

    acasalamento foi a visualizao do tampo copulatrio na vagina da fmea. Esse

    tampo uma estrutura formada a partir dos lquidos seminais que pode ser visto

    macroscopicamente entre 3 e 24 horas aps a copula (SANTOS, 2002).

    FIGURA 3- Anlise de microscopia ptica (40x) de esfregao vaginal de ratas

    Wistar, aps noite de acasalamento. As setas indicam os enovelados de

    espermatozoides

  • 44

    O esfregao positivo para a presena de espermatozoides ou a visualizao

    do tampo copulatrio indicaram que a fmea estava prenha sendo esta separada

    em caixa individual e considerado, este dia, como o dia 0 da gestao (DG 0). As

    fmeas que apresentavam esfregao negativo retornavam para o acasalamento,

    durante o ciclo escuro, at que fosse suficiente o nmero de fmeas prenhas por

    grupo.

    4.3.2 Administrao de extrato bruto de cianobactrias contendo MCs

    As ratas prenhes foram distribudas, de forma randomizada, em 4 diferentes

    grupos (10 animais/grupo). No DG 0 as ratas foram tratadas com 1 mL de gua

    destilada (grupo controle) ou com extrato de cianobactrias contendo as seguintes

    concentraes de MCs: 40, 100 ou 250 ng/kg de peso corpreo (p.c.)/dia. Os

    tratamentos foram realizados por gavage, ou seja, por via oral (v.o.) (Figura 4) com

    auxlio de sonda flexvel n6 (Embramed). A cada 2 dias, do DG 0 ao DG 20, o peso

    corpreo de cada animal foi mensurado e avaliados os sinais de toxicidade materna

    e o consumo de gua e de rao.

    FIGURA 4- Administrao de gua destilada ou extrato de cianobactrias contendo

    MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg de p.c./dia) por gavage em ratos Wistar

    4.3.3 Eutansia e cesariana das progenitoras

    As fmeas prenhes de ambos os grupos, testes e controle, foram submetidas

    eutansia no DG 20. A massa corprea de cada animal foi mensurada e o

    anestsico Tiopental sdico (Thiopentase) foi administrado por via i.p. (70 mg/kg de

    p.c.). Quando o animal apresentou total ausncia de estmulos fsicos foi coletada

    amostra de sangue por puno cardaca para as anlises bioqumicas (item 4.3.4).

  • 45

    Aps a realizao de destroncamento cervical, os cornos uterinos e os ovrios foram

    exteriorizados e seus pesos mensurados. Dando continuidade, o nmero de corpos

    lteos referente a cada ovrio foi contado. Com uma inciso lateral em toda sua

    extenso, o tero foi aberto e os fetos foram removidos, individualmente. Com a

    remoo de toda a prole do tero, os cornos uterinos, direito e esquerdo, foram

    expostos e os stios de implantaes e de reabsores foram contados (Figura 5).

    Das progenitoras foram retirados os seguintes rgos: rim esquerdo, corao,

    pncreas, fgado e bao. Todos foram pesados individualmente. Somente o rim

    esquerdo e o fgado foram submersos em soluo de formaldedo a 10 % para

    posterior anlise histopatolgica.

    FIGURA 5- tero grvido aps a remoo de todos os fetos. A seta da esquerda

    indica a presena de uma reabsoro. A seta da direita mostra a presena de um

    stio de implantao

    4.3.4 Coleta de sangue

    No incio da cesariana, foi realizado um corte na regio torcica at que o

    corao fosse visualizado e em seguida a puno cardaca foi conduzida com

    seringa de 5 mL. Aps a coleta, o sangue foi cuidadosamente transferido para um

    tubo tipo falcon de 15 mL (sem adio de anticoagulante) e centrifugado (Quimis,

    Q222T216) por 10 min. a 15.000 rpm para obteno do soro e realizao das