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DESIGN DE AMBIENTES E EMANCIPAÇÃO SOCIAL 1 : avaliação do ambiente construído de uma associação de triagem de material reciclável Fernanda Lyrio Ursine, E- mail: [email protected] , Escola de Design - Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG Estudante de Graduação, Mara de Melo Lima, e- mail: [email protected] , Escola de Design - Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG Estudante de Graduação; Viviane Zerlotini da Silva, e-mail: [email protected] , Escola de Design - Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG Arquiteta (UFMG), Mestre em Engenharia de Produção (UFMG), Doutoranda em Arquitetura (UFMG) RESUMO Esta pesquisa é um projeto piloto para consolidar estudos e pesquisas sobre o tema Design de Ambientes e Emancipação Social, a serem desenvolvidos no Centro de Design de Ambientes da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais. Pretende-se aprofundar o conhecimento sobre os processos de apropriação do ambiente, ou ambientes nos quais os empreendimentos de economia solidária se desenvolvem, recorrendo às metodologias qualitativas de avaliação do espaço construído, notadamente a Leitura Espacial e a Análise Ergonômica do Trabalho - AET. As observações realizadas, a partir do emprego da metodologia Leitura Espacial, possibilitaram a identificação de conflitos entre o ambiente construído e usuários; o que, associado a AET contribuiu para elaboração de um diagnóstico de avaliação do espaço do galpão de triagem. As análises qualitativas permitiram recomendar soluções que devem contribuir para a proposição de melhorias no galpão da associação de triadores e, conseqüentemente, melhorias na qualidade de vida das associadas. A pesquisa mostrou que as análises qualitativas são ferramentas fundamentais para a avaliação do espaço construído. ABSTRACT This research is a pilot project to strengthen studies and research on the subject of Design Environments and Social Emancipation, to be developed at the Center for Design Environments School of Design at the University of Minas Gerais. It is intended to deepen knowledge about the processes of appropriation of the environment, or environments where the social economy enterprises develop, using the methodologies of qualitative assessment of built space, especially the Reading Space and Ergonomic Analysis of Work. Observations from the employment of the 1 Pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG

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DESIGN DE AMBIENTES E EMANCIPAÇÃO SOCIAL1:

avaliação do ambiente construído de uma associação de triagem de material reciclável

Fernanda Lyrio Ursine, E- mail: [email protected], Escola de Design - Universidade do

Estado de Minas Gerais – UEMG – Estudante de Graduação,

Mara de Melo Lima, e- mail: [email protected], Escola de Design - Universidade do

Estado de Minas Gerais – UEMG – Estudante de Graduação;

Viviane Zerlotini da Silva, e-mail: [email protected], Escola de Design - Universidade

do Estado de Minas Gerais – UEMG – Arquiteta (UFMG), Mestre em Engenharia de Produção

(UFMG), Doutoranda em Arquitetura (UFMG)

RESUMO

Esta pesquisa é um projeto piloto para consolidar estudos e pesquisas sobre o tema Design de

Ambientes e Emancipação Social, a serem desenvolvidos no Centro de Design de Ambientes da

Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais. Pretende-se aprofundar o

conhecimento sobre os processos de apropriação do ambiente, ou ambientes nos quais os

empreendimentos de economia solidária se desenvolvem, recorrendo às metodologias qualitativas

de avaliação do espaço construído, notadamente a Leitura Espacial e a Análise Ergonômica do

Trabalho - AET. As observações realizadas, a partir do emprego da metodologia Leitura Espacial,

possibilitaram a identificação de conflitos entre o ambiente construído e usuários; o que,

associado a AET contribuiu para elaboração de um diagnóstico de avaliação do espaço do galpão

de triagem. As análises qualitativas permitiram recomendar soluções que devem contribuir para a

proposição de melhorias no galpão da associação de triadores e, conseqüentemente, melhorias

na qualidade de vida das associadas. A pesquisa mostrou que as análises qualitativas são

ferramentas fundamentais para a avaliação do espaço construído.

ABSTRACT

This research is a pilot project to strengthen studies and research on the subject of Design

Environments and Social Emancipation, to be developed at the Center for Design Environments

School of Design at the University of Minas Gerais. It is intended to deepen knowledge about the

processes of appropriation of the environment, or environments where the social economy

enterprises develop, using the methodologies of qualitative assessment of built space, especially

the Reading Space and Ergonomic Analysis of Work. Observations from the employment of the

1 Pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG

methodology Leitura Espacial allowed the identification of conflicts between the built environment

and users; which, associated the AET contributed for the preparation of a diagnostic assessment

of the space from shed. Qualitative analyzes allowed recommend solutions must contribute to

propose improvements in shed association of triadores and, consequently, improvements in quality

of life of associated. The research showed that the qualitative analyzes are fundamental tools for

evaluating the area built.

OBJETO

A COMARP é uma associação que realiza seleção de materiais originados da coleta seletiva feita

pela prefeitura ou por outras instituições. A formação da associação aconteceu em função da

necessidade de formalizar o trabalho do grupo, pois assim seria possível conseguir incentivos

públicos e particulares. A princípio, o grupo buscou auxílio de um advogado que lhes apresentou

um modelo básico de estatuto para a formação de uma associação. Também foi necessária a

aquisição do CNPJ para a formalização da mesma. Atualmente, a associação tem dois galpões

em funcionamento. O galpão no qual é realizada a pesquisa se localiza no Bairro São Francisco,

região da Pampulha.

Parte do material que chega à associação é proveniente da coleta seletiva realizada pela

prefeitura de Belo Horizonte em alguns bairros de Belo Horizonte. Outra parte do material coletado

pela Kombi da associação é cedida por entidades (CREA, CRC Hospital das Clínicas e etc.). A

triagem consiste na separação de materiais recicláveis uns dos outros. As categorias de

separação são: plástico, metal, vidro e papel. Sendo que o papel e o plástico possuem

subdivisões.

OBJETIVO

O objetivo geral da pesquisa consiste em avaliar o ambiente construído que abriga as atividades

da associação de triadores da Vila Santa Rosa. Entendemos que este é o primeiro passo para se

investigar, futuramente, os processos de concepção e produção e uso de ambientes destinados

ao sujeito coletivo em processo de inclusão social que abrangem a emancipação social; a

economia solidária e a sustentabilidade.

REFERENCIAL TEÓRICO

As pesquisas em avaliação de ambientes construídos têm como objetivo fornecer subsídios

projetuais para os profissionais que concebem as edificações. A pretensão última é gerar

ambientes mais adequados às demandas dos usuários. Em se tratando de ambientes de uso

coletivo com finalidades emancipatórias, a avaliação torna-se preponderante para averiguar em

que aspectos o ambiente de trabalho pode contribuir ou não para fomentar as atividades

inclusivas.

Há escassos estudos sobre a avaliação de ambientes de trabalho para fins de inserção social.

Porém vasta produção científica sobre o diagnóstico de ambientes residenciais está disponível,

notadamente habitações de interesse social. Na Universidade Federal de São Paulo, a prof. Dra.

Sheila Ornstein foi a precursora de pesquisas envolvidas com a Avaliação Pós-Ocupação – APO,

que iniciaram na década de 70. A APO emprega notadamente a pesquisa quantitativa aliada aos

métodos próprios de pesquisa qualitativa, em uma tentativa de obter uma visão holística das

questões complexas que permeiam a qualidade do ambiente construído.

Outros pesquisadores também se debruçaram sobre o assunto e desenvolveram métodos

particulares2. Mas Souza (1997) relaciona as etapas que são comuns à maioria das pesquisas de

APO:

Levantamento da situação do objeto a ser avaliado; estruturação da pesquisa, isto é, definição dos problemas de pesquisa e métodos de utilizar, coleta de informações em pesquisa de campo; análise das informações coletadas, qualitativa ou quantitativas; apresentação descritiva e gráfica dos resultados. (SOUZA, 1997)

Porém, dois fatores limitam a adoção dos procedimentos metodológicos da APO na pesquisa

sobre a associação em questão: a equipe reduzida (1 orientador, 2 bolsistas) e o tempo limitado

para realização da pesquisa (11 meses). Pesquisas de ordem quantitativa demandam pessoas e

tempo para aplicação de questionários e tabulação de dados. Desta forma, optou-se pelo

emprego de metodologias qualitativas para avaliação dos ambientes construídos em áreas de

vulnerabilidade social. Vejamos algumas delas.

Na Universidade Federal de Minas Gerais, a professora Maria Lúcia Malard e o seu grupo de

pesquisadores estão envolvidos com a avaliação de ambientes construídos baseada em princípios

fenomenológicos, de natureza qualitativa. Segundo Malard, a área de conhecimento de arquitetura

já dispõe de métodos eficazes para avaliação dos ambientes. Ela acredita que não é adequado

“emprestar” de outras ciências, especificamente a ciência social, técnicas que os arquitetos não

têm domínio, pela sua própria formação.

Devido às peculiaridades da metodologia que estamos desenvolvendo

(abordagem fenomenológica), o que mais interessa para o teste não é a

quantidade, pois o reconhecimento de conflitos não carece ser estatisticamente

fundamentado. (MALARD, 2002)

2 Dr. Douglas Queiroz Brandão, Dr. João Branco Pedro, Drs. Ricardo Martucci e Admir Basso.

Malard (2002) fundamenta seus argumentos a partir do conceito fenomenológico denominado

conflito arquitetônico3 e acredita que estes conflitos podem ser revelados a partir do método

qualitativo Leitura Espacial:

Segundo os pressupostos teóricos com os quais estamos lidando, se um conflito arquitetônico surge numa determinada situação sócio-cultural-espacial, ele possivelmente reincidirá sempre que o contexto no qual ele foi identificado se repetir. Portanto, a identificação de um conflito arquitetônico depende mais da acuidade da Leitura Espacial do que da quantidade de Leituras a serem feitas. Esse é um aspecto relevante da metodologia e precisa ser frisado. (MALARD, 2002)

A Leitura Espacial consiste em um método de aprimoramento dos procedimentos que os

arquitetos e designers de ambientes comumente adotam para avaliar os ambientes. Neste

sentido, a Leitura Espacial é considerada uma técnica de observação sistemática:

As Leituras Espaciais são técnicas bastante ecléticas de registro de informação e

se baseiam apenas na convicção teórica de que um item de equipamento

unready-to-hand4 provoca conflito na sua relação com o morador. Esse conflito

precisa apenas ser detectado, por observações sistemáticas que cubram todos os

recintos, todas as horas do dia e todos os dias da semana. Para cada sessão de

Leitura Espacial deverão haver croquis dos espaços observados, fotografias,

leiautes do mobiliário, descrições informais do local, relatos sobre as atividades

que estavam sendo executadas por ocasião da leitura e anotações sobre os

comentários emitidos pelos usuários. Especial atenção deverá ser dada aos

comentários pois espera-se que eles sejam importantes fontes de informação no

sentido de apontar para possíveis conflitos arquitetônicos. (MALARD, 2002)

Em sua grande maioria, as pesquisas de APO até então realizadas abordam a questão da

qualidade dos ambientes de unidades habitacionais de interesse social. Nosso desafio é

selecionar os vários métodos existentes para realização de uma avaliação em espaços de uso

coletivo que, invariavelmente, abrangem atividades de trabalho.

É importante conhecermos também a metodologia de análise do trabalho, a análise ergonômica

do trabalho – AET; a qual nos permite diagnosticar entre outras questões, a qualidade do

ambiente e sua relação com as atividades de trabalho desempenhadas no local (posto de

trabalho).

A AET é uma metodologia de ação empregada para apreensão da atividade de trabalho tal como

ela se apresenta nas condições concretas de sua realização; e seu objetivo final é a

transformação desta situação de trabalho: “A finalidade última da AET é de contribuir para evitar

uma sobrecarga física e mental através da compreensão de como se organiza a atividade e

posterior transformação da situação de trabalho.” (LIMA, 1996: 17)

3 O conflito arquitetônico refere-se ao não ajuste entre os elementos que compõem uma edificação e as

atividades desempenhadas nela. Por exemplo, quando um telhado de uma casa não funciona em um dia chuvoso, ocorre um conflito arquitetônico. A falha deste elemento revela sua essência para habitabilidade de uma residência. 4 Qualidade de algo que não está pronto para o uso.

A fim de apreender a organização da atividade de trabalho, a metodologia de análise ergonômica

prevê o emprego da estratégia qualitativa de pesquisa de observação participante, que se presta à

análise dos fatos observados em situações reais. Segundo Haguette (1992) os interacionistas

simbólicos foram os que mais sistematizaram o emprego desta técnica no campo da sociologia:

Os interacionistas simbólicos, em razão da sua própria preocupação em descobrir

o „sentido‟ que as coisas têm para a ação humana, julgavam que as técnicas

convencionais não eram capazes de captar este sentido, acreditando ser a

observação participante a mais apropriada para fazê-lo. (HAGUETTE, 1992: 60)

De acordo com esta autora, “o método ou técnica da observação participante têm sido visto por

alguns como se originando na antropologia” (pág. 58) que, para melhor compreender o

funcionamento de uma sociedade primitiva ou de um grupo humano, pressupõe a participação e

imersão do pesquisador na comunidade. Ou seja, para abordar o real, é necessário “ver o mundo

através dos olhos dos pesquisados” (pág. 58).

No caso da ergonomia, cujo objeto de análise é a atividade do cotidiano, a observação

participante permite:

...obter uma descrição detalhada do comportamento real dos indivíduos (e não

apenas, ou prioritariamente, de suas “opiniões”), preservando seu caráter de

indexicalidade, ou seja, as características situacionais e temporais da atividade

que se desenrola aqui e agora (hic et nunc). A análise posterior, feita em interação

com os próprios observados e fundada numa descrição suficientemente rica do

comportamento efetivo, permitirá então revelar certos padrões de comportamento

e segundo que princípios, normas e regras se organiza a atividade em situação.

(LIMA, 1996: 5)

Com o objetivo de compreender a “organização complexa das atividades cotidianas” do

trabalhador, a AET emprega as técnicas de observação e a análise das atividades:

Para reconhecer com mais profundidade a organização complexa das atividades

quotidianas é necessário realizar um trabalho de reflexão que ultrapasse o relato

puramente anedótico do enfoque jornalístico. Para tanto é preciso voltar-se para a

observação e a análise da atividade real. Como esta se organiza na interação

entre um ator consciente e um contexto social (do qual também fazem parte outros

atores conscientes) e a atribuição de sentido aos atos observados, embora não se

possa fazer unicamente com base em entrevistas, deve partir da fala dos

trabalhadores, sobretudo as espontâneas.(...) Assim, uma observação participante

implica estar à escuta do que se diz mas cujo sentido ainda nos escapa. A palavra

dos trabalhadores nunca é tomada, portanto, de forma direta mas como problemas

a serem investigados. (LIMA, 1996: 18)

Com relação à palavra dos trabalhadores, o método proposto por Malard (2002), Leitura Espacial,

não contempla de modo mais elucidativo os procedimentos que os pesquisadores devem adotar

em campo. Malard (2002) somente fornece algumas diretrizes: não perguntar e registrar as

situações em diferentes horários e em dias distintos.

A contribuição da AET vem neste sentido. Considerando que as observações serão realizadas na

situação real de trabalho, outra prática deve ser cuidadosamente adotada: a entrevista orientada

pelos fatos. O pesquisador não deve de fato interromper as tarefas desempenhadas pelos

trabalhadores (não perguntar). Desta forma se faz necessário um outro momento de pesquisa,

que ocorre em uma segunda etapa, para esclarecimentos de alguns aspectos do modus operanti

que não foi possível o pesquisador captar no momento da observação.

A Entrevista Guiada pelos Fatos (EGF) trata-se de um diálogo que se constrói a partir de fatos que

foram observados durante a aplicação das outras técnicas descritas anteriormente. Langa (1998)

explica que as deficiências destas primeiras técnicas são sanadas pelo emprego da EGF:

Em primeiro lugar, o objetivo das EGF é a explicitação dos fatos num nível de pertinência que permite aprofundar e consolidar os conhecimentos das verbalizações interruptivas e da autoconfrontação escrita. Essas entrevistas suprem as insuficiências já mencionadas: dificuldade de verbalizar durante o trabalho, verbalizações incompletas para o observador, dificuldades de interpretação das explicações dadas na autoconfrontação escrita, reconstituição a posteriori etc. (LANGA, 1998: 106).

METODOLOGIA

Considerando a atividade de trabalho e o usuário coletivo, considerando a realidade do sujeito

(equipe de pesquisadores) e do objeto a ser estudado (ambientes de inserção social), foi decidido

empregar os métodos de coleta de dados de distintas metodologias. Obviamente todos os

métodos de natureza qualitativa, a saber: Leitura Espacial e AET. Acredita-se que é possível

avaliar, com este estudo de caso, a adequação destes métodos a situação em particular e, em

segunda instância, avaliar a possibilidade de cruzar as informações geradas a partir da adoção de

diferentes métodos. As etapas de pesquisa foram conduzidas segundo esta seqüência de

atividades:

a) formalização do aceite da comunidade; na ocasião da reunião promovida pela subprefeitura,

Regional Pampulha, entre a equipe pesquisadora da Escola de Design – UEMG e os líderes

comunitários;

b) reunião com a presidente da associação;

c) orientação teórica sobre Leitura Espacial, aplicação do pré-teste nas dependências da escola

de Design sob orientação da pesquisadora coordenadora da pesquisa e avaliação;

d) pesquisa de campo em dupla na associação: um registrando as informações através de

gravação e outro registrando os conflitos “arquitetônicos” através de croquis e fotografias;

e) reavaliação dos procedimentos empregados em campo através de um encontro entre os

integrantes da equipe de campo e a coordenadora da pesquisa;

f) novas pesquisas de campo nos mesmos ambientes de uso coletivo com objetivo de realizar a

análise ergonômica;

g) apuração, análise dos dados e geração dos resultados com indicação de proposições para o

uso do ambiente coletivo e de inserção social.

RESULTADOS

Leitura Espacial

Os resultados provenientes da primeira etapa da pesquisa referem-se à fase de aplicação do

método de Leitura Espacial, onde foram identificados os seguintes conflitos:

a) O piso de cimento do galpão é irregular, o que favorece o acúmulo de poeira e dificulta o

deslocamento dos materiais.

FIGURA 01- Foto da má qualidade do piso do galpão

b) O galpão em suas laterais possui mezanino, e não possui escada em alvenaria. Por isso, é

utilizada uma escada de madeira, que possibilita a subida de pessoas e auxilia a locomoção

de fardos de materiais já separados de resíduos. Quando não há possibilidade de utilizar a

escada de madeira, os cooperadores improvisam forma de acessar o segundo patamar:

caminhão e máquinas.

FIGURA 03 – Içamento do material ao ser

estocado no mezanino

FIGURA 02 – Foto do acesso improvisado ao

mezanino com escada

c) Apesar de o galpão ser um local coberto, ele não é totalmente fechado. Possui uma área

lateral aberta onde o sol penetra na parte da manhã e no fim da tarde. Atinge os cooperados,

que mudam o local onde a atividade estava sendo exercida.

d) A estocagem de materiais é feita no segundo patamar do galpão, como não possui escadas

para acessá-lo, os usuários erguem os fardos até o nível superior utilizando sistema de cordas

e roldanas móveis. Ao executar a atividade os sacos agarram e atritam nas pilastras e vigas, o

que provoca o desgaste da pintura no local. Quando não são utilizadas essas ferramentas já

citadas, os cooperados simplesmente arremessam o material para o segundo pavimento.

e) Os triadores improvisam os postos de trabalho onde a atividade de separar materiais

recicláveis é desenvolvida. Sentam em latas de óleo, caixotes ou cadeiras. Algumas vezes o

desenvolvimento do trabalho não permite que eles sentem, realizam a tarefa em pé.

f) O portão do galpão da associação é trancado durante o funcionamento e após ele. A chave

fica sobre a responsabilidade de um vigia. O portão é de metal e com um portão inutilizado

para pedestres, assim sempre que pessoas ou veículos precisam entrar ou sair do galpão, o

vigia tem que abri-lo e fechá-lo. Ao realizar a abertura do portão, foi observado que o vigia

empurra o portão com o peso todo do corpo, há sobre-carga durante o tempo de trabalho.

FIGURA 04 – Incidência solar na área de trabalho FIGURA 05 – Sol incidindo sobre a triadora

FIGURA 06 – Fardo arremessado no mezanino.

e) A rampa de acesso externa do galpão possui um grau de inclinação muito maior que o

adequado e possuem também muitas irregularidades. E na rampa de acesso interna há uma

pilastra que dificulta a manobra dos veículos. Alguns caminhões não conseguem entrar no

galpão.

f) Os veículos entram no galpão e circulam na mesma área onde ocorre trânsito de pessoas e

armazenamento de matérias. A todo instante veículos passam por cima do material e há alto

risco de acidente com os traseuntes.

FIGURA 07 – Acionamento manual do portão de entrada

FIGURA 08 – Rampa com grande inclinação dificultando a manobra dos veículos de carga

FIGURA 09 – Veículos, pessoas e fardos no mesmo local.

g) Circulação não é livre, pois a armazenagem dos materiais já triados é feita em qualquer

parte do galpão. Durante o processo de triagem, é necessário transportar o material e pesá-lo,

no percurso existem barreiras físicas (sacos pesados, materiais já triados e veículos) que

prejudicam o deslocamento dos sacos pelo galpão.

h) O material reciclável pode chegar ao galpão misturado a matérias orgânicas, que geram

odores e condições para proliferação de insetos e pragas no ambiente.

i) Na área abaixo ao mezanino há pouca iluminação, sendo necessário recorrer a iluminação

artificial durante todo o dia.

j) A sensação térmica no galpão varia de acordo com a área. Em algumas partes o ambiente

fica quente e abafado e em outras, fria e úmida.

l) No galpão os usuários não fazem uso da copa. Este local é usado para armazenagem de

materiais. Realizam as refeições em uma área aberta do galpão, segundo os usuários por ser

mais “espaçoso e arejado” do que a cozinha.

AET

A segunda fase da pesquisa foi a aplicação da Análise Ergonômica do Trabalho-AET, onde foram

observados a dinâmica das atividades desenvolvidas pelos associados5:

a) A atividade de triagem exige que, a maioria dos trabalhadores execute a atividade de pé, em

função disso, apresentam queixas de dores nas costas e pernas, fazem uso periódico de anti-

inflamatórios. Realizada análise sistemática da atividade, foi levantado que durante 1(uma) hora

de atividade, determinado trabalhador se inclinou 162 vezes, dobrou e esticou o braço 1496 vezes

e contorceu o quadril 127 vezes. Evidentemente, a repetição dos movimentos potencializa as

dores dos usuários.

5 A metodologia da AET prevê várias etapas. Neste artigo, por uma questão de síntese, iremos discorrer

sobre os resultados obtidos na análise sistemática da atividade de triagem. Todas as atividades que ocorrem no galpão foram também levadas em consideração. O leitor mais interessado pode ter acesso ao relatório completo da AET efetuada no galpão no documento disponível no Centro de Design de Ambientes da Escola de Design - UEMG.

FIGURA 10 – Triadoras almoçando em local externo ao refeitório.

b) O material que chega a Cooperativa de Material Reciclável é proveniente parte da coleta

seletiva realizada pela Prefeitura de Belo Horizonte e de Instituições doadoras. O volume do

material da coleta seletiva é constante, fato que gera sobrecarga cognitiva no trabalhador, que

tem a sensação que o trabalho não acaba. Isso porque o volume de material que chega ao

galpão não corresponde ao volume de material triado, chegam 64 toneladas sendo que 60

toneladas são triadas.

c) Ao executar a atividade os trabalhadores não fazem uso de equipamentos de proteção,

apresentam predisposição a acidentes, já que no material existem objetos perfurocortantes.

Constatou-se que o contato com esses objetos acontece com 77% dos associados.

d) No ambiente há acúmulo de poeira, o acesso dela aumenta em função das aberturas laterais

que o galpão possui. Os triadores têm predisposição a problemas alérgicos, e se queixam de

sempre estarem com sintomas de gripe, sinusite ou apenas nariz congestionado.

e) A falta de setorização no ambiente, os postos de trabalho improvisados, a falta de perspectiva

de ascensão econômica, o constante volume de material para ser triado e ao trabalho

repetitivo, desmotivam os associados a trabalhar. Triadores relatam que chegam a sonhar com

os materiais recicláveis, e dizem sentirem desestimulados pela constância no volume dos

materiais.

f) As diversas interrupções da atividade por fatores externos, as más condições climáticas do

galpão, falta de equipamento adequado à execução da atividade, grande esforço repetitivo,

postos de trabalho improvisados e aos ganhos reduzidos, provoca irritabilidade no trabalhador.

FIGURA 13 – A quantidade de material a ser triado, ultrapassa a capacidade diária dos associados.

FIGURA 11 – Triadora com postura inadequada FIGURA 12 – Triadora com postura inadequada

Em observação, para constatar quantitativamente o improviso de equipamentos para manipular

os materiais, notou-se que em uma hora de observação, um triador improvisou equipamento 12

vezes e que 10 dos 13 associados improvisaram equipamento.

Para observar as interrupções por motivos externos foi observado um triador por 1(uma) hora,

e essa interrompeu sua atividade 7 vezes, ora para auxiliar no descarregamento de material

pelos caminhões, ora para relocar seu posto de trabalho em função da incidência direta de luz

solar no ambiente de trabalho.

g) Os triadores apresentam predisposição a doenças devido a presença de material orgânico em

estágio de decomposição e de pragas urbanas (gatos e ratos). Os gatos foram colocados na

Associação pela coordenação com o fim de exterminar os ratos, no entanto os ratos persistem

e os gatos também apresentam risco de doenças aos usuários.

Recomendações

As observações, realizadas a partir do emprego da metodologia Leitura Espacial, possibilitaram a

identificação de conflitos entre o ambiente construído e usuários; o que, associado a análise

ergonômica do trabalho contribuiu para elaboração de um diagnóstico de avaliação do espaço do

galpão de triagem. As análises qualitativas permitiram recomendar soluções que devem contribuir

para a proposição de melhorias no galpão da associação de triadores e, conseqüentemente,

melhorias na qualidade de vida das associadas. A pesquisa mostrou que as análises qualitativas

são ferramentas fundamentais para a avaliação do espaço construído:

a) No âmbito do galpão:

QUADRO 01 – Recomendações para o galpão

- delimitar fisicamente a circulação de veículos e a área de trabalho, por questões de segurança; - setorizar a área de deposição de material, triagem, pesagem, depósito de material triado e expedição a fim de organizar a distribuição do material e identificação por parte dos associados; - identificar as áreas de depósito de cada tipo de material triado através do uso de placas; - identificar os bags de acordo com o tipo de material triado; - setorizar e ambientar as áreas de escritório, refeitório e vestuário; - formalizar área destinada às reuniões entre os associados; - regularizar o piso de modo que facilite o manuseio dos bags com material triado; - empregar maquinário adequado as atividades de içamento do material triado, considerando que as roldanas existentes não foram instaladas para içar bags; - empregar equipamento adequado para trânsito interno do material, evitando a força física; - refazer a rampa de entrada de veículos de carga; - instalar dispositivos para melhorar a ventilação e temperatura internas, tipo ventiladores eólicos; - na área de deposição de material, analisar a possibilidade de instalar dispositivos para umidificar o ambiente e assim conter a poeira em suspensão.

b) No âmbito do posto de trabalho (triagem):

QUADRO 02 – Recomendações para o posto de trabalho

- substituir o modo de trabalho, hoje sentado e/ou em pé, pela mesa de triagem; - delimitar fisicamente a mesa de triagem do material a ser triado, através de uma tela, para evitar o contato direto entre o associado e o material que, por vezes, está contaminado com lixo; - formalizar a disposição dos bags de material triado, localizando-os em relação ao associado de acordo com o peso e facilidade de arremesso manual;

- empregar ferramentas adequadas para manipular o material que necessita ser destacado de outros, considerando que por vezes o associado encontra material embolado ao outro pelo próprio peso do monte; - verificar a luminosidade sob a mesa de triagem com equipamento adequado e, se for o caso, propor iluminação artificial.

c) No âmbito do associado (triagem):

QUADRO 03 – Recomendações para os associados

- propor altura de mesa para o trabalhador sentado; - oferecer banco de apoio giratório e com rodas, caso necessite mudar de postura; - posicionar os bags de material triado de modo que evite a torção do tronco; - negociar os momentos de descanso e paradas; - conscientizá-los sobre a importância do uso de equipamentos de proteção.

No âmbito da produção, recomenda-se a contratação de um especialista em engenharia de

produção para detalhar o leiaute do depósito considerando o volume de cada tipo de material

triado, seu peso e preço de mercado. É sugerido também que tal especialista calcule a

capacidade de triagem do galpão, e desta forma, aponte a quantidade de material que a

associação pode triar, evitando o acúmulo de material no galpão e a sobre-carga psíquica de seus

associados.

Por fim, no âmbito da organização do trabalho, acredita-se que um local próprio para promoção de

assembléias, encontros, reuniões entre os associados dentro do galpão, mesmo de uso flexível,

possa contribuir para formalizar o trabalho coletivo e, principalmente, democratizar as decisões

sobre a associação.

CONCLUSÃO

Os resultados da avaliação do ambiente construído, obtidos pela aplicação da Leitura Espacial,

contribuíram no âmbito da percepção dos associados, identificando as estratégias que esses

fazem para se apropriarem do espaço. Por sua vez, no desenvolvimento da Leitura Espacial, foi

possível observar questões referentes à AET. Situações relacionadas ao usuário e seu trabalho,

também estão diretamente associados aos conflitos arquitetônicos existentes. Sendo assim,

identificou-se a dificuldade em separar a aplicação das metodologias, uma vez que os conflitos

ocorrem independente do método empregado.

Cabe ao designer de ambientes identificar os conflitos usuários/ambiente e usuário/atividade, e

avaliar e realizar intervenções que promovam melhorias tanto na qualidade da produção quanto

no bem estar dos usuários. No entanto, o método da AET prevê o retorno dos resultados obtidos

aos trabalhadores observados, através das etapas de validação e apresentação de diagnósticos e

recomendações.

Por fim, observou-se que na associação a rotatividade de integrantes é alta; trata-se de pessoas

com baixa escolaridade e sem perspectivas econômicas. As condições de trabalho dos

associados da Vila Santa Rosa são precárias, e consideradas pela maioria dos próprios

associados, provisórias. Dessa forma, entende-se que propostas de melhorias para as situações

de trabalho contribuirão com a produtividade e conseqüentemente com um possível aumento de

renda dos associados.

BIBLIOGRAFIA

MALARD, Maria Lúcia (org.). Avaliação Pós-Ocupação, Participação de Usuários e Melhoria da Qualidade dos Projetos Habitacionais: uma abordagem fenomenológica com apoio do Estúdio Virtual de Arquitetura – EVA. Belo Horizonte: EAU-UFMG, 2002 (Coletânea Habitare/FINEP 2), v. 1. Disponível em: <htpp://www.habitare.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/79.pdf> Acesso em: maio 2009.

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