avaliação de pacientes com hanseníase na faixa virchowiana ... · dados internacionais de...
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JAISON ANTNIO BARRETO
Avaliao de pacientes com hansenase na faixa
virchowiana diagnosticados entre 1990 e 2000 e tratados
com poliquimioterapia 24 doses e seus comunicantes na
fase de ps-eliminao em municpios de Santa Catarina
Tese apresentada Faculdade de Medicina da
Universidade de So Paulo para obteno do
ttulo de Doutor em Cincias
Programa de Dermatologia
Orientadora: Profa. Dra. Cacilda da Silva Souza
(Verso corrigida. Resoluo CoPGr 5890, de 03 de outubro de 2011. A verso original est disponvel na Biblioteca FMUSP)
So Paulo
2011
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo
reproduo autorizada pelo autor
Barreto, Jaison Antnio
Avaliao de pacientes com hansenase na faixa virchowiana diagnosticados entre
1990 e 2000 tratados com poliquioterapia 24 doses e seus comunicantes na fase de ps-
eliminao em municpios de Santa Catarina / Jaison Antnio Barreto. -- So Paulo,
2011.
Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo.
Programa de Dermatologia.
Orientadora: Cacilda da Silva Souza.
Descritores: 1.Hansenase/terapia 2.Testes sorolgicos 3.Recidiva 4.Antgeno
de Mitsuda 5.Reao da polimerase em cadeia 6.Stios de seqncias rotuladas
7.Mycobacterium leprae/isolamento e purificao 8.Busca de comunicante
USP/FM/DBD-227/11
Agradecimentos Especiais
Ao Dr. Diltor Vladimir Arajo Opromolla, in memoriam, exemplo de
dedicao, amor e respeito pelos pacientes; amigo incondicional, mestre
paciente, pesquisador incansvel, cuja luta contra a hansenase tornou este
mundo melhor.
Ao Dr. Raul Negro Fleury, por iniciar-me na Dermatopatologia e
assim aumentar sobremaneira meu conhecimento em Medicina.
minha orientadora, Profa. Dra. Cacilda da Silva Souza, por acreditar
em minha capacidade, pela pacincia e desprendimento em ensinar, e pelo
amor pela Hansenologia, rea to esquecida da Medicina.
Ao meu amigo Manfred Gbel, representante da Associao Alem
de Assistncia aos Hansenianos e Tuberculosos - DAHW no estado do Mato
Grosso, instituio que por muitos anos auxiliou na luta contra a hansenase
no estado de Santa Catarina, e que financiou quase todo este trabalho.
Agradecimentos
A Deus, que me deu a vida e tudo o que tenho.
s Equipes Tcnicas de Imunologia, Microbiologia, Patologia,
Farmacologia, em especial s Pesquisadoras Cientficas: Dra. Esther, Dra.
Patrcia, Dra. Andra, Dra. Vnia, Dra. Ida, Pesquisadoras Msc Fabiana e
Suzana, Dr. Dejair, pelo auxlio na coleta, processamento do material e
orientao dos procedimentos tcnicos.
Coordenao de Controle de Hansenase e Tuberculose do Estado
de Santa Catarina, pelo apoio e suporte logstico.
s Secretarias Municipais de Sade de Joinville e Itaja, e aos
funcionrios das Unidades de referncia destes municpios, pelo apoio e boa
vontade na participao deste projeto.
Enfermeira Rita S. Camello, pelo auxlio na logstica e na seleo e
triagem dos pacientes.
Seo Tcnica de Patologia e Microbiologia, pelo auxlio na
confeco das lminas deste trabalho.
Ao Dr. Marcos da Cunha Lopes Virmond, Diretor Tcnico do ILSL, que
permitiu a realizao deste projeto na Instituio.
Ao bibliotecrio Rafael, que sempre me atendeu com boa vontade e
prontido, disponibilizando artigos.
s funcionrias da biblioteca do Instituto Lauro de Souza Lima.
Aos pacientes, que forneceram material biolgico para a realizao
deste estudo.
Sra. Eli, sempre prestativa e com infinita pacincia para auxiliar os
ps-graduandos da Dermatologia do HC-USP, com dedicao e prontido
para ajudar na resoluo dos problemas distncia.
Epgrafe
Observei o conjunto da obra de Deus e percebi
que o homem no consegue descobrir tudo o que
acontece debaixo do sol. Por mais que o homem
afadigue-se em pesquisar, no chega a
compreend-la. E mesmo que o sbio diga que a
conhece, nem por isso capaz de entend-la.
Eclesiastes 8, 17
Esta tese est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta publicao:
Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver)
Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de Biblioteca e Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias. Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena. 2a ed. So Paulo: Servio de Biblioteca e Documentao; 2005.
Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in Index Medicus.
Sumrio
Lista de abreviaturas e Siglas Lista de smbolos Lista de figuras Lista de tabelas Resumo Summary
1 INTRODUO ....................................................................................... 1
1.1 Epidemiologia da hansenase ............................................................... 2
1.1.1 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e o conceito de eliminao da hansenase ......................................................... 2
1.1.2 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e a dicotomia prevalncia / incidncia ................................................................................. 5
1.1.3 A situao da hansenase em Santa Catarina ......................... 10
1.2 O papel dos exames complementares no diagnstico e manuseio
da hansenase ..................................................................................... 13
1.2.1 A reao de Mitsuda e sua correlao com a forma clnica e vacinao BCG ..................................................................... 18
1.2.2 O papel da sorologia na hansenase ....................................... 19
1.3 Deteco do bacilo por tcnica de polimerase em cadeia (PCR) ....... 22
1.4 Recidiva e resistncia teraputica .................................................... 26
1.4.1 A questo da reduo do tempo de durao da PQT .............. 26 1.4.2 Reativao da doena: recidiva, resistncia ou reinfeco? ....... 27 1.4.3 Ensaios laboratoriais na reativao da hansenase ................. 32
1.5 Hansenase e gnero .......................................................................... 39
1.6 Hansenase e desigualdade scio-cultural .......................................... 40
1.7 Hansenase em contatos intradomiciliares de virchowianos ............... 41
1.8 Hansenase e idade ............................................................................ 43
1.9 Hansenase e migrao ...................................................................... 45
2 OBJETIVOS ......................................................................................... 47
3 MTODOS............................................................................................ 51
3.1 Delineamento do estudo ..................................................................... 52
3.2 Populao ........................................................................................... 53
3.3 Locais da realizao do estudo ........................................................... 53
3.4 Amostragens, amostras e mtodos de seleo .................................. 54
3.4.1 Seleo de municpios e levantamento dos registros dos pacientes virchowianos e contatos .......................................... 54
3.4.2 Caracterizao dos servios de sade na assistncia aos portadores de Hansenase do estado de Santa Catarina e os municpios selecionados ..................................................... 55
3.4.3 Seleo dos pacientes e mtodo de convocao para participao no estudo ............................................................ 55
3.4.4 Critrios de incluso e excluso nos grupos de estudo ........... 57 3.4.5 Procedimentos da avaliao clnica, laboratorial e
epidemiolgica dos pacientes tratados e dos seus contatos ................................................................................... 58
3.5 Procedimentos: coleta das amostras e ensaios .................................. 60
3.5.1 Bipsias cutneas ................................................................... 60 3.5.2 Ensaios para a pesquisa de resistncia bacilar: inoculao
na pata de camundongo. ......................................................... 60 3.5.3 Pesquisa de bacilos nos esfregaos nasais e do raspado
drmico .................................................................................... 62 3.5.4 Extrao e amplificao de fragmentos do DNA de M.
leprae da secreo nasal ........................................................ 63 3.5.5 Reao intradrmica de Mitsuda ............................................. 64 3.5.6 Quantificao dos nveis sricos de anticorpos anti-PGL-I
(ND-O-BSA) pela tcnica imunoenzimtica (ELISA) ............... 65
3.6 Anlise estatstica ............................................................................... 67
3.7 Aspectos legais de biotica, biossegurana, expedies
cientficas, propriedade intelectual e outras determinaes
pertinentes .......................................................................................... 68
4 RESULTADOS ..................................................................................... 69
4.1 Caracterizao geral dos grupos de estudo ....................................... 70
4.2 Grupo dos casos ndices (CI) ............................................................. 71
4.3 Grupo dos contatos intradomiciliares (CID) ........................................ 82
4.3.1 Grupo dos contatos intradomiciliares sadios (CIDs) ................ 83 4.3.2 Grupo dos contatos intradomiciliares acometidos pela
doena (CIDd) ......................................................................... 84
4.4 Comparao dos indivduos da amostra distribudos segundo
condies da doena e do tratamento ................................................ 87
4.5 Resultados do ensaio PCR para RLEP-130/372 nas famlias ............ 90
4.6 Avaliao das variveis scio-econmicas dos grupos de estudo ..... 93
5 DISCUSSO ........................................................................................ 97
6 CONCLUSES ................................................................................... 119
7 ANEXOS ............................................................................................ 125
8 REFERNCIAS .................................................................................. 139
Lista de abreviaturas e siglas
BAAR bacilo lcool-cido resistente
BALB/c linhagem de camundongos albinos imunocompetentes
BCG - bacilo de Calmette-Gurin
BSA albumina srica bovina
CFZ - clofazimina
DDS - dapsona
DNA cido desoxirribonuclico
DNDS Departamento Nacional de Dermatologia Sanitria
dNTP desoxiribonucleosdeo trifosfato
EDTA cido etileno-diamino-tetractico
ELISA enzima-imunoensaio
EUA Estados Unidos da Amrica
folP1 gene relacionado resistncia dapsona
GIF grau de incapacidade fsica relacionado hansenase
gyrA gene relacionado resistncia s quinolonas
IgM imunoglobulina classe M
ILSL Instituto Lauro de Souza Lima
kDa quilodalton
HD hansenase dimorfa
HDT hansenase dimorfa-tuberculide
HT hansenase tuberculide
HV hansenase virchowiana
MB - multibacilar
M. leprae - Mycobacterium leprae
ND-O-BSA - glicolipdeo fenlico 1 dissacardeo natural ligado albumina
srica bovina por meio de um grupo octil
NGS - soro normal de cabra
NRAMP protena macrofgica associada resistncia natural
OMS Organizao Mundial da Sade
OPD - ortofenilenodiamina
PABA cido para-amino-benzico
PB - paucibacilar
PBS salina tamponada com fosfato
PBST PBS adicionado a Tween 20
PCR reao de polimerase em cadeia
PGL-I glicolipdeo fenlico-I
PQT - poliquimioterapia
PQT-MB poliquimioterapia para multibacilar
RFP - rifampicina
RLEP-130 sequncia repetitiva especfica do M. leprae contendo 130
pares de bases
RLEP-372 - sequncia repetitiva especfica do M. leprae contendo 372 pares
de bases
rpoB gene relacionado resistncia rifampicina
SINAN Sistema de Informao de Agravos de Notificao
TBE Tris-EDTA-cido brico
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TE Tris-EDTA
WHO World Health Organization
Lista de figuras
Figura 1- Tendncia do coeficiente de deteco de casos novos de hansenase por 100.000 habitantes, no Brasil e por regies; valores observados e preditos, 1980-2000. Fonte: Penna, MLF/MS, 2008 6
Figura 2- Comparao do coeficiente de deteco de hansenase no Brasil, regio sul e Santa Catarina, 1990 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS 12
Figura 3- Indicadores epidemiolgicos e operacionais de hansenase, Santa Catarina, 2001 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS 12
Figura 4- Hansenase virchowiana em regresso (caso # 78) 76
Figura 5- Hansenase virchowiana em regresso (caso # 146) 76
Figura 6- Hansenase virchowiana resdual (caso # 35) 77
Figura 7- Hansenase tuberculide (caso # 10) 77
Figura 8- Nveis de anticorpos da classe IgM anti-PGL-I de casos ndices (CI), tratados com PQT-MB e diagnosticados entre 1990 e 2000 em Joinville e Itaja-SC, em acordo com o tempo decorrido do diagnstico. 82
Lista de tabelas
Tabela 1- Caractersticas dos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) e seus respectivos casos-ndices (CI) multibacilares, tratados com PQT-MB e diagnosticados entre 1990 e 2000 em Joinville e Itaja, Santa Catarina ................................ 72
Tabela 2- Resultados dos exames laboratoriais dos casos-ndices (CI) multibacilares tratados com PQT-MB com suspeita de recidiva da hansenase, diagnosticados entre 1990 e 2000 em Itaja e Joinville-SC .................................................................................. 78
Tabela 3- Resultados dos exames laboratoriais dos casos-ndices (CI) tratados com regime monoterpico (DDS), ou DNDS prvio, e 24 doses de PQT-MB, diagnosticados entre 1990 e 2000 em Itaja e Joinville-SC .................................................................................. 79
Tabela 5- Aspectos clnicos e laboratoriais dos casos novos (CN) detectados entre os comunicantes intradomiciliares (CID) dos casos-ndices (CI), tratados com PQT-MB e diagnosticados entre 1990 e 2000 em Itaja e Joinville-SC ................................................................ 86
Tabela 6- Resultados dos testes laboratoriais dos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) e seus respectivos casos ndices (CI) tratados com PQT-MB entre 1990 e 2000, em Itaja e Joinville-SC, agrupados por categorias ....................................... 89
Tabela 7- Resultados dos testes laboratoriais (anti-PGL-I, RLEP-130 e RLEP-372) dos casos-ndices (CI) e seus respectivos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), agrupados por famlias (n=13) COM contatos intradomicilares afetados e registrados entre 1990-2008 ........................................................ 91
Tabela 8- Resultados dos testes laboratoriais (anti-PGL-I, RLEP 130 e RLEP 372) dos casos ndices (CI) e seus respectivos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), agrupados por famlias (n=22), SEM contatos afetados registrados entre 1990-2008* ........ 92
Tabela 9- Condies culturais, econmicas e sanitrias dos casos-ndices (CI), tratados entre 1990 e 2000 em municpios de Santa Catarina, seus contatos intradomiciliares saudveis (CIDs) e contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) ......... 94
Tabela 10- Condies habitacionais dos casos ndices (CI), contatos intradomiciliares saudveis (CIDs) e contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) .................................................. 94
Resumo
Barreto JA. Avaliao de pacientes com hansenase na faixa virchowiana
diagnosticados entre 1990 e 2000 e tratados com poliquimioterapia 24 doses
e seus comunicantes na fase de ps-eliminao em municpios de Santa
Catarina [tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So
Paulo; 2011. 164p.
INTRODUO: A poliquimioterapia (PQT-OMS) para tratamento da hansenase resultou em drstica reduo da sua prevalncia, mas em limitado impacto na deteco de casos novos (CN), que se manteve estvel em Santa Catarina, estado na fase de ps-eliminao. Casos com altos ndices baciloscpicos apresentam risco de recidiva tardia e podem consistir em focos persistentes de transmisso da doena. OBJETIVOS: Avaliar a recidiva da doena em amostra de pacientes virchowianos regularmente tratados com PQT-OMS 24 doses; ensaios de resistncia teraputica em camundongos para os casos suspeitos; resposta imune especfica (celular e humoral) e deteco do DNA do M. leprae nos casos-ndices (CI) e seus contatos indradomiciliares (CID); e os achados frente aos indicadores epidemiolgicos e operacionais de Santa Catarina. CASUSTICA E MTODOS: A partir da busca no Sistema de Informao de Agravos de Notificao (SINAN), foram selecionados 46 CI, tratados entre 1990-2000, e 187 CID, dos municpios de Itaja e Joinville. A avaliao constituiu de: exames dermatoneurolgico e anatomopatolgico da pele; baciloscopia do esfregao cutneo; reao de Mitsuda; sorologia para glicolipdeo fenlico-I (IgM-anti-PGL-I); ensaios de resistncia teraputica em camundongos e de deteco do DNA bacilar no muco nasal por reao em cadeia da polimerase (PCR) para as seqncias repetitivas especficas RLEP-130 e RLEP-372. RESULTADOS: Entre os CI aps alta por cura (m=11,2 3 anos), a idade mdia (57,314,5 anos) foi superior (p10 anos), houve inferioridade da freqncia da positividade (14,3%) e do valor srico mdio do anti-PGL-I (0,072), estabelecendo uma correlao negativa (p=0,038,r=-0,32) com o tempo decorrido. Valores similares da freqncia de positividade para RLEP-130 foram encontrados em: CI com alta por cura (26,7%), em perodos superiores (25%) a 10 anos de concluso do tratamento e CID saudveis (20,5%). A positividade para a RLEP-130 foi mais freqente (p
comparada da RLEP-372. CONCLUSES: A taxa de recidiva aps PQT-MB 24 doses baixa e prevalece alta percentagem de cura (91,3%). racional considerar que o anti-PGL-I e a deteco do DNA bacilar por RLEP-130 devam ser analisados em conjunto com os demais achados clnicos e laboratoriais, ainda que nossos resultados possam ter diferenciado os grupos nas distintas condies: recidiva e alta por cura, e identificado doentes, contatos e famlias em risco. O seguimento e o monitoramento clnico e laboratorial por perodos prolongados incrementariam a deteco precoce de novos casos entre os comunicantes, desde que o intervalo para o diagnstico foi longo para a maioria daqueles que adoeceram. Estas estratgias seriam potencialmente facilitadas em reas com reduzida prevalncia, e particularmente valiosas para a manuteno do controle na fase de ps-eliminao. Descritores: 1.Hansenase/ terapia 2.Testes sorolgicos 3.Recidiva
4.Antgeno de Mitsuda 5.Reao da polimerase em cadeia 6.Stios de
seqncias rotuladas 7.Mycobacterium leprae/ isolamento e purificao
8.Busca de comunicante
Summary
Barreto JA. Assessment of lepromatous leprosy patients diagnosed among 1990 and 2000 and treated with multidrugtherapy 24 doses and their household contacts in the post-elimination phase in Santa Catarina municipalities [thesis]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2011. 164p. Introduction: Multidrugtherapy (MDT-WHO) resulted in marked reduction of leprosy prevalence in Brazil, without impact on detection of new cases in Santa Catarina (SC) state in the post-elimination phase. Lepromatous cases with high bacilloscopic index have late relapse risk and can consist in the disease transmission focus. Objectives: The aim of this study was to evaluate the disease recurrence and microbiological resistance in lepromatous leprosy patients regularly treated with MDT-WHO/24 doses; specific immune response (cellular and humoral) and M. leprae DNA detection in index cases (IC) and their household contacts (HHC); and the findings face to the epidemiological and operational indicators of Santa Catarina state. Casuistic and methods: After consulting the Brazilian Information System of Notification (SINAN) database, 46 IC successfully diagnosed and treated between 1990 and 2000, and their 187 HHC from Joinville and Itaja (SC) municipalities were selected. A dermatoneurological examination was performed, as well as the skin biopsies for histopathology and therapy resistance assay in mouse pads, skin smears for bacilloscopy, anti-PGL-I IgM serology, Mitsuda reaction, polymerase chain reaction for M. leprae DNA detection in nasal secretion based on 130bp and 372bp specific repetitive sequences (RLEP). Results: Cured IC (m=11.23 years) had mean age higher ((57.314.5 years old; p
cure, patient identification, HHC and families at risk. Long term follow-up with laboratorial and clinical monitoring could lead to early detection of new cases among HHC, since the period between diagnoses was long for most sHHC. This strategy may be useful in areas with decreased prevalence, and of particular value for maintenance of disease control in the post-elimination phase.
Descriptors: 1.Leprosy/ therapy 2.Serologic tests 3.Relapse 4.Lepromin 5.Polimerase chain reaction 6.Sequence tagged sites 7.Mycobacterium leprae/ isolation & purification 8.Contact tracing
1 INTRODUO
Introduo 2
1.1 Epidemiologia da hansenase
1.1.1 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e o conceito de eliminao da
hansenase
A hansenase, doena infectocontagiosa causada pelo
Mycobacterium leprae, j afetou mais de 15 milhes de pessoas em todo o
mundo. A despeito da reduo global da prevalncia da doena,
aproximadamente 240.000 casos novos foram detectados em 2009 (WHO,
2010b), e alguns pases, includo o Brasil, mantm regies e aglomeraes
com elevada endemicidade (WHO, 2010b; Narain et al., 2010). Segundo
modelos matemticos para projees futuras, em 2020 aproximadamente
um milho de pessoas estar portando o grau 2 de incapacidade decorrente
da hansenase (Richardus e Habbema, 2007).
J na dcada de 70, o problema epidemiolgico representado
pela hansenase exigiu enfoque mais abrangente dos seus programas de
controle, que culminou com a indicao de um novo regime de tratamento
multimedicamentoso, a poliquimioterapia (PQT) proposta pela Organizao
Mundial de Sade (OMS), em 1981 (WHO, 1982).
Desde ento, a PQT passou a se constituir em uma das principais
estratgias do programa mundial de controle da hansenase. O seu sucesso
permitiu a instituio do conceito da alta por cura aps regimes fixos de
tratamento. Por conseguinte, em 1991, a Assemblia Mundial da Sade
Introduo 3
estabeleceu a meta de eliminao da hansenase como problema de sade
pblica (WHO, 1991), comprometendo os governos dos pases signatrios a
concentrar esforos a atingir os nveis de prevalncia global com menos de
um doente com hansenase por 10.000 habitantes.
A sucessiva implantao e a expanso das taxas de cobertura da
PQT proporcionaram drstica reduo da prevalncia global (WHO, 1995;
WHO, 2009). Com a reduo dos nveis de prevalncia da ordem de 90% e
o ndice global a menos de um doente por 10.000 habitantes, a meta da
eliminao da hansenase como problema de sade pblica, como
previamente estabelecido foi atingida no ano 2000 (WHO, 2004). A despeito
do sucesso da PQT em promover a alta por cura de milhes de pacientes, a
queda progressiva da prevalncia no foi acompanhada pela reduo da
deteco de casos novos, que persiste elevada ou mantida em
aglomeraes de alguns pases e territrios; atualmente, dezesseis pases
so detentores de 95% dos casos novos detectados no mundo (WHO, 2005;
WHO, 2009; WHO, 2010b).
A idia da eliminao foi baseada na hiptese de que a
prevalncia com menos de um caso por 10.000 habitantes proporcionaria a
interrupo da transmisso da hansenase na comunidade (Lockwood e
Suneetha, 2005). No entanto, a hansenase possui um longo perodo de
incubao, variando de dois at 20 anos, e doentes diagnosticados podem
ter transmitido sua doena para familiares ou na comunidade muito antes da
sua doena ter sido detectada. Por conseguinte, o controle da hansenase
baseado exclusivamente nas taxas de prevalncia tem sido criticamente
Introduo 4
reavaliado (Meima et al., 2004; Lockwood e Suneetha, 2005; Richardus e
Habbema, 2007). Ainda, muitos passaram a questionar acerca da falha na
efetiva interrupo da cadeia de transmisso como resultado da PQT,
decorrente do longo perodo de incubao da doena (Hatta et al., 1995;
Almeida et al., 2004; Meima et al., 2004; Richardus e Habbema, 2007).
A prevalncia da doena medida pelo registro de pacientes
recebendo tratamento em definido momento e expressam a razo utilizando
a populao como denominador. Portanto, a prevalncia afetada pelos
aspectos operacionais, como o perodo de tratamento. O quadro diferente
quando a taxa de deteco de casos novos empregada ao invs da taxa
de prevalncia. A deteco de casos novos o melhor indicador por no ser
afetado pela mudana da definio de caso ou durao do tratamento
(Lockwood e Suneetha, 2005).
Em acordo com recomendaes da OMS, outros parmetros
como o nmero de casos novos detectados, de multibacilares, entre
mulheres e crianas e aqueles com grau 2 de incapacidade durante o ano
devero ser monitorados como parte da estratgia global; o perfil dos casos
novos ser um dos principais indicadores usados para avaliar o progresso e
a qualidade do controle das atividades, juntamente com as taxas de
compleio do tratamento e altas por cura (WHO, 2006).
Introduo 5
1.1.2 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e a dicotomia prevalncia /
incidncia
No Brasil, implantao da PQT foi progressiva a partir da
experincia em rea pilotos iniciada em 1982. Apenas em 1991, a Diviso
Nacional de Dermatologia Sanitria adotou e recomendou o regime
PQT/OMS como o nico para o tratatmeto da hansenase (WHO, 2004).
Seguido ao processo de implantao e de reorganizao dos servios, entre
1991-2001, a taxa de prevalncia diminuiu em 75%. Entretanto, esta
reduo foi acompanhada da elevao das taxas de deteco, em particular
nas regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A queda acentuada das taxas
de prevalncia do ano de 2004, justificada pelas mudanas dos critrios dos
registros epidemiolgicos (Figura 1), recebeu crticas e fortaleceu a
tendncia da valorizao de outros parmetros a serem considerados para a
eliminao da hansenase, como a taxa de deteco de casos novos, em
particular, a deteco da doena em menores de 15 anos (WHO, 2006;
Richardus e Habbema, 2007; Brasil, 2009b).
Introduo 6
Figura 1- Tendncia do coeficiente de deteco de casos novos de
hansenase por 100.000 habitantes, no Brasil e por regies; valores
observados e preditos, 1980-2000. Fonte: Penna, MLF/MS, 2008
Introduo 7
Embora o aumento dos ndices de deteco, observado no registro
da srie temporal dos ltimos 20 anos no Brasil (Figura 1), possa ser
justificado por todas as melhorias ocorridas na reorganizao do programa de
controle, como a descentralizao do atendimento da pacientes com
hansenase, h outras consideraes que devem ser feitas, como a
participao de fatores sociais e biolgicos, que explicariam ainda o atraso do
sucesso da estratgia de eliminao (Meima et al, 2004; Richardus e
Habbema, 2007). Entre estes, os mais relevantes so: a inexistncia de
vacina eficaz na preveno da doena (Richardus e Habbema, 2007; van
Brakel et al., 2010); o tempo de incubao assintomtico e longo (Job, 1994;
Opromolla 2000; Lockwood e Suneetha, 2005; Richardus e Habbema, 2007);
leses iniciais assintomticas que dificultam o diagnstico precoce, sobretudo
em crianas e virchowianos iniciais (Opromolla e Ura, 2003; da Silva Souza e
Bacha, 2003); dificuldades da comprovao laboratorial em algumas formas
clnicas (Opromolla e Ura, 2003); populaes-alvo, que so, em geral,
economicamente desfavorecidas (Talhari e Neves, 1997; Opromolla, 2000;
Lockwood e Suneetha 2005); dificuldades de acesso aos servios de sade
e/ou a precariedade em recursos e preparo profissional (Talhari e Neves,
1997; da Silva Souza e Bacha, 2003); desconhecimento da populao e dos
profissionais da sade acerca dos sinais / sintomas da doena (Cestari, 1990;
da Silva Souza e Bacha, 2003; Alves et al., 2010); preconceito e estigma
sobre o diagnstico (Opromolla, 2002; Lockwood e Suneetha, 2005).
Neste contexto, considerando-se os valores da srie do perodo
1994-2009, a tendncia reduo dos coeficientes gerais de deteco tem sido
Introduo 8
observada a partir de 2004, mas ainda em patamares muito altos em algumas
regies. O monitoramento dos valores dos coeficientes de deteco em
menores de 15 anos indica tendncia reduo a partir de 2006, o que
consiste em prioridade da poltica atual de controle da hansenase no pas, por
indicar focos de infeco ativos e transmisso recente (Brasil, 2009a; 2009c).
Desta forma, o Programa Nacional de Controle da Hansenase
(PNCH) comprometido com o controle da doena (WHO, 2008) tem
privilegiado o monitoramento epidemiolgico por meio do coeficiente de
deteco de casos novos, em substituio ao indicador de prevalncia
pontual, optando ainda pela sua representao por 100.000 habitantes. O
coeficiente de deteco de casos novos funo da incidncia real de casos
e da agilidade diagnstica dos servios de sade. Os valores do indicador
para o Brasil oscilaram entre 29,37/100.000 (muito alto), em 2003, a
19,64/100.000 (alto), em 2009. A comparao entre os coeficientes de casos
novos na populao geral e em menores de 15 anos permitiu observar
semelhanas entre o comportamento evolutivo e a queda progressiva dos
indicadores, em ambas as populaes, ao final do perodo analisado. O valor
do coeficiente de deteco em menores de 15 anos variou de 5,74/100.000
(muito alto), em 1994, a 8,28/100.000 (muito alto), em 1997, com tendncia
reduo nos ltimos anos (Brasil, 2010a). Vale ressaltar que ao final do
perodo, em 2009, os coeficientes de deteco de hansenase por 100.000
habitantes, geral e em menores de 15 anos, foram representados pelos
valores de 19,64 e 5,43, e ainda considerados como alto e muito alto,
respectivamente (Brasil, 2010a).
Introduo 9
Como anteriormente explcito, a deteco da doena em crianas,
em mulheres, de casos novos multibacilares, e daqueles com grau 2 de
incapacidade so indicadores que devero ser monitorados (WHO, 2006)
por indicarem real incidncia, os focos de infeco ativos, a transmisso
recente da doena e a agilidade diagnstica dos servios de sade (Brasil,
2009a; 2009c).
Adicionalmente como estratgia, os programas de controle da
hansenase devem atingir nveis satisfatrios a elevados do exame de
comunicantes. No entanto, o percentual de contatos examinados de casos
novos entre os registrados no Brasil, perodo 2000 a 2009, variou de 43,8%
(precrio) a 67,9% (regular), sendo os percentuais mais elevados observados
nas regies Sul e Sudeste (Brasil, 2010b). possvel que posterior notificao
e ao longo do perodo de tratamento do caso-ndice, os servios aumentem os
ndices de exame dos comunicantes. Mas idealmente, o acompanhamento
peridico dos comunicantes por perodos mais longos no tem sido incorporado
na rotina. H ainda escassos registros na literatura de estudos com seguimento
aps alta por cura, que em geral so por curtos perodos.
Muitos tm considerado enfaticamente que a reduo da
prevalncia, na interpretao dos gestores de sade possa implicar na
realocao dos recursos para as demais prioridades, na centralizao dos
servios de assistncia especializada, e no desestmulo para reciclagem, e
treinamento de recursos humanos (Hastings, 1998; Lockwood e Suneetha,
2005), fatores que dificultariam o acesso aos servios de sade, o
diagnstico e o tratamento precoces.
Introduo 10
1.1.3 A situao da hansenase em Santa Catarina
No Brasil, com a implantao das estratgias do programa de
controle e reviso dos registros, o primeiro estado atingir a eliminao da
hansenase como problema de sade pblica, j em 1995, foi o do Rio
Grande do Sul.
No estado de Santa Catarina (SC), a prevalncia de cerca de 250
hansenianos havia sido estimada em 1925; no entanto, registros oficiais
contabilizaram 400 doentes em 1927. Seguindo a poltica nacional do
isolamento compulsrio, dez anos aps, o estado constri o Hospital Colnia
Santa Tereza, para onde os pacientes eram enviados e tratados com BCG
(Rowlterapia) e proibidos de se casarem (Borenstein et al., 2008). Em 1946,
a prevalncia da hansenase neste estado era de 5 casos para cada 10 mil
habitantes (Bechelli e Rotberg, 1956). Trinta e oito anos depois, em 1984,
havia no registro ativo de 2551 casos de hansenase, destes 63% eram
multibacilares (dimorfos e virchowianos), e 172 constituam em casos novos
detectados (Bechelli, 1991).
Em 1991, a Secretaria da Sade de SC implantou a PQT e realizou
criteriosa anlise e reviso dos arquivos. Como em todo o pas, tais medidas
auxiliaram na reduo das taxas de prevalncia da doena e, em 1997, SC
tornou-se o segundo estado brasileiro a atingir a meta de eliminao da
hansenase como problema de sade pblica. Neste ano, constavam no
registro ativo 453 portadores do agravo, representando o coeficiente de
prevalncia de 0,9 doentes para cada 10.000 habitantes (SES/SC, 2010).
Introduo 11
Entretanto, a despeito da eliminao ter sido atingida, o nmero de
casos novos detectados no estado, entre 2001 e 2008, manteve-se estvel.
Considerando-se os indicadores epidemiolgicos e operacionais
recomendados aos programas de controle, no mesmo perodo, o ndice mdio
para deteco de casos novos por 100.000 habitantes foi de 3,74 (mdio) e
para deteco em menores de 15 anos de 0,36 (baixo). No ltimo ano do
perodo, 2008, SC havia registrado 205 novos casos da doena, com o
coeficiente de deteco de 3,39/100.000 habitantes (Figuras 2 e 3), ndice
considerado mdio (Brasil, 2009a). O percentual mdio para o exame de
contatos foi de 57% (regular), e o dos casos novos com grau de incapacidade
fsica 2 (GIF2) de 10% (alto). Atualmente, dentre as 1735 unidades bsicas de
sade do estado, apenas 294 unidades (17%) centralizam a assistncia aos
pacientes no programa de controle da hansenase (Brasil, 2009b). Nos ltimos
5 anos, entre 2006 e 2010, foram notificados 1028 casos novos, sendo que
1006 tiveram avaliao do grau de incapacidade descrita na ficha de
notificao, e destes 464 (46,1%) tinham grau de incapacidade maior que
zero (SES/SC, 2010).
Entre 1990 e 2000, os centros de referncia regionais dos
municpios de Joinville e Itaja responderam pelo maior nmero de casos
novos absolutos de hansenase diagnosticados em SC. Em Joinville, foram
notificados 113 casos novos no perodo, em sua maioria (89 casos; 78,8%)
residentes no municpio. Distintamente em Itaja, dos 145 casos novos
notificados apenas 84 (57,9%) doentes eram residentes no municpio.
Nestas duas referncias regionais, entre os casos novos diagnosticados,
51,4% eram multibacilares, e 37,6% tinham GIF 1 (SES/SC 2010).
Introduo 12
Figura 2- Comparao do coeficiente de deteco de hansenase no Brasil,
regio sul e Santa Catarina, 1990 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS
Figura 3- Indicadores epidemiolgicos e operacionais de hansenase,
Santa Catarina, 2001 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS
Introduo 13
Embora a tendncia da prevalncia das formas tardias seja
pressuposta nas reas com controle da endemia, h o interesse em
investigar e explorar a prevalncia oculta e realizar o diagnstico precoce
dos multibacilares sem a presena das incapacidades.
De modo peculiar, a hansenase no estado de SC apresenta
como caracterstica epidemiolgica tipicamente intradomiciliar no seu modo
de transmisso. Por conseguinte, nos casos de reativao da doena, a
reavaliao e a confirmao da ausncia da doena entre os comunicantes
poderia virtualmente descartar a reinfeco e fortalecer a suspeita da
recidiva. Considerando-se que o cenrio epidemiolgico do SC representa,
desde 1997, um modelo de rea de ps-eliminao para o estudo da
hansenase, e que, por este motivo, deva apresentar baixo ndice de
reinfeco e ser idealmente elegvel para a avaliao da recidiva em
pacientes tratados com esquema PQT-MB 24 doses, guardados os tempos
mdios mnimos entre sete a dez anos desde a cura microbiolgica, perodo
este considerado razovel para a avaliao de cura ou recidiva em
multibacilares (Waters, 1998; Scollard et al., 2006).
1.2 O papel dos exames complementares no diagnstico e manuseio
da hansenase
O diagnstico da hansenase baseado na presena ao menos
um entre os seguintes sinais cardinais: anestesia em leses cutneas,
Introduo 14
sugestivas da doena, espessamento de nervos perifricos e
demonstrao do M. leprae no esfregao de linfa ou cortes histolgicos
(WHO, 1982; Brasil, 2010b).
Previamente, o reconhecimento do carter espectral
compreendido pelas formas clnicas polares da doena fundamentou a
classificao de Madri (1953) e por sua vez, a orientao teraputica. As
caractersticas clnicas, bacteriolgicas, imunolgicas e histolgicas da
hansenase definem os grupos polares, tuberculide (T) e virchowiano (V); o
grupo transitrio e inicial da doena, a forma indeterminada (I); e o instvel e
intermedirio, a forma dimorfa (D) (Neves, 1986; Pfaltzgraff e Ramu, 1994;
Souza, 1997; Opromolla, 2000).
A hansenase indeterminada, rea hipoestsica manifesta ou
no por leso visvel, a forma inicial e transitria da doena com o raro
encontro de bacilos nos tecidos. Pode evoluir com cura espontnea,
desenvolver-se lentamente, ou ainda involuir, ressurgindo tardiamente com
caractersticas clnicas definidas dentro do espectro da doena, de acordo
com a capacidade de resposta imune ao M. leprae. O plo de resistncia
da hansenase est representado pela forma tuberculide, com a
expresso da conteno da multiplicao e morte bacilar. No plo de
suscetibilidade, a forma virchowiana expressa a multiplicao bacilar e a
disseminao da doena. De incio insidioso e progresso lenta, esta forma
clnica avana atravs dos anos, envolvendo difusamente extensas reas
do tegumento, mltiplos troncos nervosos, e inclusive outros rgos, at
que o paciente perceba seus sintomas. Mculas mal definidas e pouco
Introduo 15
visveis progridem para leses ampla e simetricamente distribudas,
infiltrando difusamente a pele (Pfaltzgraff e Ramu, 1994; Souza, 1997;
Opromolla, 2000).
A forma dimorfa, caracterizada por instabilidade imunolgica,
transita entre os plos tuberculide e virchowiano. Os critrios empregados
para a classificao refletem a instabilidade imunolgica desta forma clnica,
e a evoluo da doena na ausncia do tratamento poderia derivar doentes
do plo virchowiano. Os aspectos morfolgicos das leses so variados e se
aproximam do plo virchowiano ou tuberculide, at em um mesmo
paciente. Leses mais delimitadas, anestsicas com raridade ou ausncia
de bacilos, esto na proximidade ao plo tuberculide; e leses mais
numerosas, brilhantes, com menor definio dos limites e maior nmero de
bacilos, estariam na proximidade ao plo virchowiano (Pfaltzgraff e Ramu,
1994; Souza, 1997; Opromolla, 2000).
O comprometimento dos troncos nervosos ausente nos
indeterminados; em pequeno nmero, intenso e localizado nos
tuberculides; mltiplo, simtrico, lento e insidioso nos virchowianos. Nos
casos tuberculides, o comprometimento nervoso intenso e localizado, e
as leses sob a forma de uma ou poucas placas bem delimitadas na
periferia apresentam total anestesia trmica, ttil e dolorosa (Opromolla
2000). Com manifestaes clnicas variveis, os casos dimorfos podem
apresentar mltiplas leses delimitadas, leses foveolares, infiltrao quase
total e pouco delimitada por pele normal, ou comprometimento mltiplo de
troncos nervosos, e por vezes com baciloscopia de pele negativa (Neves,
Introduo 16
1986; Opromolla, 2000). J os virchowianos, que em sua maioria derivam de
dimorfos no tratados (Ridley, 1987), alm da infiltrao difusa da pele h o
comprometimento de rgos internos, como olhos, testculos, linfonodos,
fgado, bao, etc, com intenso parasitismo de mucosa nasal, porm com o
comprometimento neurolgico inicial discreto (Opromolla, 2000),
A morfologia das leses , na maioria das vezes, suficiente para
se estabelecer o diagnstico clnico (Opromolla, 2000; Barreto et al., 2007).
Uma vez que as formas clnicas que compem o espectro, no geral, mantm
relao com o contingente de bacilos, uma classificao baseada na
provvel populao bacilar foi proposta pela OMS para a finalidade de
tratamento. Em acordo com a pesquisa de bacilos no esfregao drmico, a
baciloscopia realizada nos vrios pontos ndices (lbulos de orelhas,
cotovelos e joelhos) e nas leses, os pacientes podem ser alocados em
paucibacilares (PBs) e multibacilares (MBs) (WHO, 1982).
A positividade da baciloscopia do esfregao drmico
corresponderia concentrao mnima de 10 mil bacilos por grama de tecido
(Bang et al., 2009). Estima-se a quantidade de 109 bacilos/grama de tecido e
a contnua bacilemia de 105 organismos/mm3 de sangue (Drutz et al., 1972)
estejam presentes na hansenase virchowiana; assim, evidentemente, a
baciloscopia francamente positiva em vrios pontos pesquisados. No
entanto, a negatividade da baciloscopia na pele, mesmo sem o vis de
tcnicas (coleta, colorao e leitura), pode no representar alguns casos
multibacilares, como os dimorfos com comprometimento mltiplo e
predominante dos troncos nervosos (Barreto et al., 2007).
Introduo 17
Ainda que entre os mais simplificados exames laboratoriais, a
baciloscopia carece de treinamento tcnico e controle de qualidade, e
frequentemente est indisponvel em campo (Buhrer-Skula, 2008a),
assim como outros exames complementares, tais como nveis sricos de
anticorpos especficos e a reao de Mitsuda. Para adequar a carncia do
suporte laboratorial do trabalho de campo e impedir que os doentes
deixassem de ser rapidamente tratados, a OMS props a classificao
baseada no nmero de leses: maior que cinco para os MBs, e menor
que cinco os PBs. Com as justificativas supracitadas, o uso da
classificao baseada em nmero de leses para escolha do tratamento
tem sido adotado em campo, mas estes critrios simplificados no so
bem aceitos por especialistas, pois podem resultar em tratamento
insuficiente para casos multibacilares diagnosticados como PBs
(Barreto et al., 2008).
Deste modo, pacientes com mais de cinco leses so tratados
atualmente com esquema de poliquimioterapia para multibacilar por 12
meses (PQT-MB), e considerados curados se cumprirem o tratamento
em at 18 meses, embora seja permitida a extenso do prazo para at
24 meses em poucos casos; e pacientes com at 5 leses e baciloscopia
negativa so tratados com esquema paucibacilar (PQT-PB), e
considerados curados se cumprirem o tratamento em at 9 meses
(Brasil, 2010e).
Introduo 18
1.2.1 A reao de Mitsuda e sua correlao com a forma clnica e
vacinao BCG
Uma reao intradrmica positiva ao antgeno de Mitsuda significa
resistncia ao M. leprae (Dharmendra, 1994; Opromolla, 2000), mas no
distingue os infectados daqueles no infectados (Rees e Young, 1994;
Sengupta 2000). Indivduos com hansenase tuberculide (polar e subpolar)
possuem indurao maior que 5mm, ou seja, 2+ a 3+ pela Classificao de
Madrid (1953) (Dharmendra 1994), e os tuberculides trpidos (ou polares)
frequentemente mostram dimetro maior que 10mm ou ulcerao (Ridley,
1974; Opromolla, 2000). Quando a indurao maior que 5mm, a correlao
entre a leitura clnica e a histopatologia mostra reao granulomatosa
epiteliide em cerca de 93% dos casos (Michalany e Michalany, 1983).
A maioria das crianas so Mitsuda negativas (Bechelli et al.,
1953; Bechelli e Rotberg, 1956), e quase toda a populao adulta
resistente doena, sendo que a maioria possui reao de Mitsuda
positiva (Job, 1994). Ainda permanece obscuro, o quanto esta
modificao da reatividade decorrente da exposio micobactrias
ambientais, ao bacilo de Koch ou vacinao BCG, embora a viragem da
reao para 2+ a 3+ possa ser observada na maioria dos indivduos
vacinados (Bechelli et al., 1953).
Em decorrncia da inexistncia de vacina especfica para a
hansenase, a vacinao BCG (bacilo de Calmette-Gurin) utilizada
largamente e tem mostrado exercer algum efeito protetor, que varia de
Introduo 19
acordo com o pas onde preconizada (van Brakel et al., 2010). No entanto,
questionvel se a vacinao BCG possa exercer algum efeito na parcela
da populao, entre 5-10%, incapaz de desenvolver efetiva resposta
imune-especfica, ou seja, aqueles mais suscetveis ao desenvolvimento da
doena e no plo virchowiano (Bechelli e Rotberg, 1956; Bechelli, 1991;
Scollard et al., 2006).
A reatividade histolgica nos casos positivos, pacientes com
hansenase tuberculide, comunicantes saudveis e no comunicantes, no
difere quando do uso das preparaes do antgeno obtidas do tatu ou de
seres humanos, e mais de 90% dos indivduos saudveis no comunicantes
possuem resposta granulomatosa no exame histopatolgico (Michalany e
Michalany, 1983). A associao de antgenos do M. leprae com a BCG no
oferece proteo adicional (Convit et al., 2003; Scollard et al., 2006), assim
como uma segunda dose da vacina em adultos (Cunha et al., 2008),
corroborando a participao da predisposio gentica para a resposta
imunecelular (Bechelli et al., 1953; Rabello, 1978; Beiguelman, 1999).
1.2.2 O papel da sorologia na hansenase
Cerca de 30% dos indivduos, principalmente os virchowianos,
no apresentam leses visveis ou a perda de sensibilidade facilmente
detectvel (Oskam et al., 2003). A baciloscopia do esfregao drmico e do
corte histolgico do tecido positiva, salvo excees, na expressiva
Introduo 20
maioria dos casos MBs, mas tanto a baciloscopia como o exame
histopatolgico so frequentemente indisponveis em campo (Roche et
al., 1993; Oskam et al., 2003). O emprego de novas ferramentas
laboratoriais acessveis ao trabalho de campo, de baixo custo e fcil
execuo tem sido foco de grande interesse. Entre as principais propostas,
est a deteco srica dos anticorpos especficos contra o M. leprae
(Buhrer-Skula, 2008a). Um dos primeiros antgenos especficos do bacilo
isolados foi o PGL-I (glicolipdeo fenlico-I) (Brennan e Barrow, 1980), cujo
principal determinante antignico a parte sacardica da molcula
(Fujiwara et al., 1984; Brett et al., 1986). A pesquisa do PGL-I mostrou ser
positiva em indivduos infectados pelo M. leprae, e negativa em outras
micobacterioses (Chanteau et al.,1987; Moura et al., 2008).
Desde a descoberta deste antgeno espcie-especfico, vrios
neoglicolipdeos foram ento desenvolvidos para diagnstico sorolgico, e
entre eles um dos mais utilizados o ND-O-BSA (dissacardeo natural ligado
a um grupo octil que ligado a uma albumina srica bovina) (Cellona et al.,
1993), cuja ligao proteica impede a reatividade no especfica (Buhrer-
Skula, 2008a). A tcnica mais comumente utilizada para deteco dos
anticorpos, principalmente da classe IgM, a de imunoensaio enzimtico
(ELISA), que confere baixo custo aliado obteno de resultados
quantitativos (Buhrer-Skula, 2008a).
Em acordo com a reviso de Moura e colaboradores (2008),
vrios estudos e em diferentes populaes tm demonstrado estreita
correlao entre os ttulos de anticorpos IgM anti-PGL-I e a carga bacilar. A
Introduo 21
soropositividade ocorre em mdia em 78% dos MBs e em 23% dos PBs
(Moura et al., 2008). No entanto, a sorologia no tem sido recomendada
como teste diagnstico quando avaliada isoladamente (Buhrer-Skula,
2008a), pois pode ser positiva fraca em contatos (Cellona et al., 1993;
Andrade et al., 2008). Na maioria dos pacientes tratados, os ttulos caem ao
incio do tratamento (Bach et al., 1986), sendo a queda mais acentuada no
seu primeiro ano (Roche et al., 1993); no entanto, em alguns pacientes, os
ttulos de anticorpos podem demorar muitos anos para desaparecer
(Gelber et al , 1989).
Em relao recidiva, embora seja assunto controverso, a
soropositividade pode ser o primeiro sinal de reativao da doena (Chin-a-
Lien et al., 1992; Wu et al., 2002), e indivduos soropositivos podem ter at
10 vezes mais chance de desenvolver reaes ps-tratamento, em relao
aos negativos (Brito et al., 2008).
Em decorrncia da estreita relao da soropositividade com a
carga bacilar, o emprego da sorologia pode ser til: 1) no diagnstico de
casos primariamente neurais, onde no haja leses de pele visveis ou
baciloscopia positiva (Roche et al., 1993; Jardim et al., 2005; Grossi et al.,
2008); 2) na mais adequada escolha da PQT-MB em casos com altos ttulos
sricos e pequeno nmero de leses cutneas visveis, ou seja, PBs pelo
critrio de contagem do nmero de leses (Barreto et al., 2008); 3) nos
casos duvidosos, nos quais a clnica de MB no correspondente
baciloscopia e/ou bipsia de leso cutnea (Barreto et al., 2007).
Introduo 22
1.3 Deteco do bacilo por tcnica de polimerase em cadeia (PCR)
Tcnicas de amplificao de cidos nuclicos utilizando a PCR
(polymerase chain reaction) possuem alto nvel de sensibilidade e
especificidade; por esta razo, so amplamente utilizadas na deteco direta
de DNA microbiano em espcimes clnicos. As molculas de cidos
nuclicos, molde para a amplificao por PCR, podem ser isoladas de
qualquer tecido ou fluido orgnico, tais como: clulas, plos, smen,
bipsias, linfa, sangue, muco nasal, etc. e, dependendo do sistema, no
necessrio que as amostras sejam frescas; materiais conservados em
baixas temperaturas ou em parafina tambm podem ser utilizados.
Embora, em geral, no haja dificuldades da comprovao do
diagnstico dos casos multibacilares da doena, pelos mtodos laboratoriais
tradicionais, um dos grandes desafios a deteco das formas precoces,
por vezes das formas paucibacilares e das infeces subclnicas que
possam evoluir para a doena.
O conhecimento de algumas seqncias nucleotdicas de M.
leprae, antes da concluso do seqenciamento do genoma inteiro, tornou
possvel a realizao do mtodo de amplificao enzimtica de DNA para
identificao do bacilo em amostras clnicas. No final da dcada de 80, a
tecnologia da hibridao por Southern, que utiliza sondas de DNA de M.
leprae-especficas, permitiu a deteco do bacilo em material de pacientes
MBs (Clark-Curtiss e Docherty, 1989). No entanto, a despeito da alta
especificidade, a tcnica no se mostrou sensvel o suficiente para detectar
Introduo 23
o bacilo em algumas amostras de tecidos provenientes de pacientes PBs
(Goulart et al., 2007).
No incio da dcada de 90, a tcnica de PCR passou a ser
proposta como mtodo de suporte alternativo s metodologias tradicionais
de diagnstico da doena (Santos et al., 1993). Vrias metodologias,
envolvendo a tcnica da PCR, foram ento descritas para a deteco de
M. leprae em diversos tipos de amostras clnicas (Santos et al., 1995; 1997).
Assim, diferentes sistemas de amplificao a partir de cidos nuclicos
foram desenvolvidos, visando aumentar o limite de deteco desse bacilo
(Hartskeerl et al., 1989; Woods e Cole, 1989; Plikaytis et al., 1990;
Rinke et al., 1993; Stefani et al., 2003).
Muitos estudos envolvendo diferentes seqncias e genes alvos
para a amplificao de DNA de M. leprae pela PCR, principalmente com o
uso de amostras de pele, foram realizados. Desta forma, sistemas simples e
especficos foram utilizados para amplificar regies gnicas que codificam
para o antgeno de 36-kDa (Hartskeerl et al., 1989; Kampirapap et al., 1998),
para o antgeno de 18-kDa (Williams et al., 1990; Scollard et al., 1998) ou
para o antgeno de 65-kDa (Plikaytis et al., 1990), bem como as seqncias
repetitivas (Woods e Cole, 1989) do M. leprae. De forma a determinar um
mtodo mais sensvel e especfico para a deteco molecular do bacilo, dois
sistemas de amplificao foram comparados: o do gene de 18-kDa e o da
seqncia repetitiva especfica do M. leprae (RLEP) (Kang et al., 2003). Os
resultados mostraram que a PCR para a RLEP, que apresenta 37 cpias no
Introduo 24
genoma (Cole et al., 2001), mais sensvel, quando comparada a PCR para
o gene de 18-kDa, e mais especfica que o ndice baciloscpico.
Anlises comparativas para deteco de M. leprae em amostras
de sangue, linfa e pele foram realizadas para todas as formas clnicas da
hansenase (Santos et al., 1993). No entanto, a amplificao a partir de
amostras de sangue apresentou resultados inferiores, quando comparados
queles obtidos com as outras amostras clnicas. Alm disso, a positividade
das amostras sanguneas pelo mtodo da PCR no significa que o indivduo
evoluir para a doena, uma vez que o DNA do bacilo presente no sangue
desses indivduos pode representar apenas resqucio da infeco aps o
contato com M. leprae.
Considerando que o trato respiratrio superior possa ser a
principal porta de entrada e sada de M. leprae, houve interesse na
investigao da deteco mediada por PCR a partir da secreo nasal
(Klatser et al., 1993; Pattyn et al., 1993; Rinke et al., 1993; Hatta et al., 1995;
Santos et al., 1995). No entanto, em nenhum desses trabalhos foi observada
a correlao direta entre a deteco da positividade pela tcnica PCR e o
desenvolvimento da hansenase. Em acordo com outros trabalhos (Beyene
et al., 2003; Almeida et al., 2004), a presena de positividade em amostras
de muco nasal expressa o carreamento bacilar, mas no necessariamente a
enfermidade propriamente dita.
Estudos experimentais, em camundongos nude, indicaram que a
pele e a mucosa nasal com soluo de continuidade podem ser
Introduo 25
consideradas como rotas de transmisso da hansenase (Job et al., 1990).
O bacilo pode permanecer vivel por at 10 dias em secrees nasais de
virchowianos no tratados (Rees e Young, 1994). Na hansenase virchowiana
avanada adequadamente tratada, a taxa de eliminao dos bacilos dos
tecidos parasitados de aproximadamente 0,5 a 1+ por ano (Roche et al.,
1993), medida por meio da escala logartmica de Ridley (Ridley, 1987;
Rees e Young, 1994). Em humanos, a despeito da ausncia de leso
especfica, a presena do DNA do M. leprae no muco nasal tem sido
demonstrada em cerca de 8% dos contatos intradomiciliares dos pacientes
com hansenase por meio da reao em cadeia da polimerase (Klatser et al.,
1993), ainda que transitria, pois a persistncia desta condio no tem sido
foi demonstrada (Hatta et al., 1995; Smith et al., 2004).
Utilizando tcnicas convencionais para colorao de bacilos
lcool-cido resistentes (BAAR) na pele, Chatterjee (1976) demonstrou que
5,8% dos contatos de pacientes de hansenase tinham BAAR em sua pele.
Abraham et al. (1998) mostraram correlao estatisticamente significativa
entre as leses de pele com hansenase e da pele com abrases e
escoriaes, e com estes dados sugeriram que a pele poderia ser via
potencial de infeco pelo M. leprae.
O encontro do bacilo nas secrees nasais pode representar
contaminao transitria do meio ambiente, e argumento semelhante
poderia justificar a sua presena na superfcie da pele. Em ambos os casos,
a exposio contnua poderia resultar em aumento do risco de infeco, que
eventualmente poderia ser expressa por soropositividade (Hatta et al., 1995),
Introduo 26
causada pela invaso ativa da micobactria ou por entrada passiva,
decorrente da perda da integridade do epitlio da pele ou da mucosa nasal.
Uma definio da taxa de exposio para estes dois stios poderia auxiliar na
medida da intensidade da exposio e no entendimento acerca da possvel
rota de entrada do M. leprae em seres humanos (Job et al., 2008).
1.4 Recidiva e resistncia teraputica
1.4.1 A questo da reduo do tempo de durao da PQT
Os regimes teraputicos da PQT fixos de 24 doses mostraram
reduzir a possibilidade de contgio, aps perodo relativamente curto de
tratamento, com baixas taxas de recidiva, resistncia teraputica e
elevadas taxas de cura da hansenase (WHO, 1994; Meima et al., 2004).
A despeito deste sucesso, ao serem consideradas as taxas de abandono
do tratamento de 24 doses, e possivelmente o custo do tratamento, em
1998 a OMS preconizou a reduo do regime teraputico para 12 doses.
Ainda, mais recentemente, e com as mesmas justificativas, houve a
proposio no sentido de se reduzir para 6 meses o tempo de
tratamento, regime denominado PQT-U (poliquimioterapia uniforme)
(van Brakel et al., 2010). Muitos da comunidade cientfica j haviam
questionado da falta dos ensaios clnicos acerca da eficcia do esquema
reduzido para 12 doses (Opromolla 1999; Penna et al., 2011), tanto que
Introduo 27
a estratgia no foi adotada no tratamento de pacientes nos pases
desenvolvidos (Britton e Lockwood, 2004; Scollard et al., 2006). O fato
que, entre 2004 e 2009, o nmero absoluto de recidivas anuais no
mundo aumentou em 20%, sendo a maioria dos casos em homens acima
de 30 anos (82%) e no associados resistncia medicamentosa
(WHO, 2010a), e o nmero de pases notificantes destas recidivas
triplicou (WHO, 2010b).
1.4.2 Reativao da hansenase: recidiva, resistncia ou reinfeco?
Previamente ao emprego e implantao da PQT para a
hansenase, o regime de monoterapia sulfnica perdurou durante cerca de
30 anos (WHO, 1982; WHO, 2004). No entanto, os registros crescentes da
identificao de cepas de M. leprae resistentes dapsona, descritos desde o
perodo de monoterapia sulfnica, e o desenvolvimento da resistncia
primria e secundria, tornaram-se a causa do insucesso e um dos
problemas mais relevantes dos programas de controle da hansenase
(WHO, 1982; Scollard et al., 2006).
Em 1963, no Brasil, Opromolla foi um dos primeiros a ensaiar a
utilizao da rifamicina (precursora da rifampicina) para o tratamento da
hansenase (Limalde e Opromolla, 1963), quase que simultaneamente com a
utilizao da clofazimina no mundo (WHO, 1982; WHO, 2004).
Introduo 28
Precedendo o esquema teraputico PQT-OMS no Brasil, a
Diviso Nacional de Dermatologia (DNDS), da Secretaria Nacional de
Sade/ Ministrio da Sade preconizava o regime ento denominado DNDS,
como detalhado a seguir: a) regime indicado para doentes virchowianos e
dimorfos virgens de tratamento: rifampicina (600mg) e dapsona (100mg)
dirios por 3 meses, seguidos da dapsona (100mg) dirios por um perodo
de 10 anos; b) regime para os indeterminados (Mitsuda negativo): cinco
anos de tratamento dapsona (100mg) dirios; c) regime para os doentes
tuberculides e indeterminados (Mitsuda positivo) virgens de tratamento:
dapsona (100mg) dirios por 18 meses (Andrade et al., 1996).
A recomendao da implantao do regime PQT, proposta pela
OMS, encontrou resistncia e obstculos de implantao no Brasil (Andrade
1996; Opromolla, 1997; WHO, 2004). No entanto, a introduo da
PQT/OMS, iniciada em 1986 apenas em reas pilotos, propiciou
oportunidade para a reviso, alteraes das normas tcnicas e planejamento
da reorganizao dos servios de sade. Seguido ao processo de
implantao da PQT, em 1991, e de reorganizao dos servios a taxa de
prevalncia diminuiu em 75% nos dez anos subsequentes (WHO, 2004).
Os regimes teraputicos da PQT mostraram reduzir a
contagiosidade aps perodo relativamente curto de tratamento, com baixas
taxas de recidiva e de resistncia teraputica, e elevadas taxas de cura da
hansenase (WHO, 1994). Extensa reviso incluiu estudos, que somaram
cerca de 50 mil indivduos tratados com PQT, e no mnimo com seis anos de
seguimento. Taxas de recidiva entre 0,6 a 1 caso/1000 pessoas/ano foram
Introduo 29
registradas com aqueles regimes teraputicos em avaliao (WHO, 1994).
No entanto, havia indicao que indivduos com ndice baciloscpico igual ou
maior a 4 apresentavam maior risco de recidiva, que poderia ocorrer at 15
anos aps alta (WHO,1994; Baohong, 2001; Scollard et al., 2006).
conhecido que as recidivas em hansenase possam ocorrer
tardiamente, e se caracterizam clinicamente por reaparecimento dos sinais
e/ou sintomas, geralmente aps cinco anos de alta teraputica (Brasil,
2010e). Baohong (2001) alertou para a ocorrncia de recidivas aps o
tratamento, em cuja maioria dos casos ocorreu em pacientes com alto ndice
baciloscpico, ou seja, maior que 4+, e cerca de cinco anos aps o trmino
da PQT (Jamet e Ji, 1995).
A ocorrncia das recidivas em pacientes virchowianos tratados
com PQT-MB ocorre, em geral, aps seis anos da alta medicamentosa
(Balagon et al., 2009), com o tempo mdio variando entre 7 a 10 anos
(Opromolla 1999; Cellona et al., 2003; Avelleira et al., 2003; Scollard et al.,
2006). Justifica-se este fato multiplicao bacilar a cada duas semanas
(Shepard e McRae, 1965; Rees e Young, 1994), que poderia estar restrita
clula de Schwann por 10 anos (Opromolla, 2000).
A suspeita clnica da recidiva surge quando do reaparecimento de
sinais e/ou sintomas aps um perodo de cinco anos da alta. Os pacientes
paucibacilares (PBs), quando recorrem aps alta por cura, apresentam dor
no trajeto de nervos, novas reas com alteraes de sensibilidade, leses
novas e/ou exacerbao de leses anteriores, que no respondem ao
Introduo 30
tratamento com corticosteride, por pelo menos 90 dias. Os multibacilares
(MBs) recorrem com leses cutneas e/ou exacerbao de leses antigas;
novas alteraes neurolgicas no-responsivas aos tratamentos com
talidomida e/ou corticosteride nas doses e nos prazos recomendados;
baciloscopia positiva; ou quadro clnico compatvel com pacientes virgens de
tratamento (Brasil, 2010e).
Os principais critrios laboratoriais adotados para a confirmao
de recidiva so: demonstrao da presena de bacilo ntegro (vivel) em
esfregaos ou na histopatologia; aumento da carga bacilar em ao menos 2+
em relao a exame baciloscpico prvio (WHO 2010a) e, como mtodo
padro ouro, a multiplicao do bacilo em pata de camundongo pela tcnica
de Shepard) (Scollard et al., 2006). No entanto, a confirmao de caso de
recidiva pode ser difcil, em particular no trabalho de campo, onde
procedimentos padres como a inoculao em camundongo so
inacessveis (Linder et al., 2008), e os casos suspeitos devem ser
referenciados para investigao (Brasil, 2010e).
A regularidade do uso mensal das drogas do esquema PQT
fundamental para o xito do tratamento da hansenase (WHO, 1982; Araujo
et al., 2003); A irregularidade do tratamento predispe s recidivas e
resistncia do bacilo s drogas e, no geral, piora das condies, como o
agravamento das incapacidades. Quando a recidiva da doena ocorre, por
vezes h dificuldades em se definir precisamente a causa, ou seja, se
decorrente de falha ou insuficincia teraputica, reinfeco, persistncia
bacilar ou resistncia s drogas.
Introduo 31
Neste contexto, a classificao pelo critrio de contagem do
nmero de leses pode falhar e resultar em tratamento insuficiente para os
doentes MBs classificados como PBs e consistir em potencial risco para
elevar as taxas de recidiva da doena. O emprego da classificao com a
contagem do nmero de leses, igual ou menor que cinco nos PBs, resulta
em tratamento inadequado de at 27% dos dimorfos (Barreto et al., 2008).
Casos com baciloscopia negativa no esfregao cutneo podem ter o
comprometimento e multiplicao bacilar preferencial dos troncos nervosos
(Barreto et al., 2007), o que poderia representar tratamento insuficiente e
risco de recidiva para parte do grupo, se tratados com esquema PB (Ramu e
Desikan, 1988; Avelleira et al., 1989).
Na hansenase, a seleo de cepas resistentes s drogas
aumenta potencialmente o risco do aparecimento de mutantes resistentes,
particularmente entre pacientes multibacilares, com elevada populao
bacilar (1010 1012) (Scollard et al., 2006).
O padro ouro para deteco de resistncia bacilar tem sido a
inoculao em pata de camundongos, mtodo laboratorial laborioso, pouco
sensvel e com durao de cerca de um ano (WHO, 1987). A elucidao dos
eventos moleculares responsveis pela resistncia a drogas em
micobactrias permitiu o desenvolvimento de ferramentas para screening
de amostras resistentes de M. leprae. Mutaes associadas com genes
rpoB, folP e gyrA tm sido utilizadas por alguns pesquisadores para
deteco de resistncia do M. leprae rifampicina, dapsona e ofloxacina,
respectivamente (Scollard et al., 2006).
Introduo 32
1.4.3 Ensaios laboratoriais na reativao da hansenase
As primeiras especulaes sobre a questo da resistncia
comearam a surgir no final dcada de 1940. Nesta poca, os derivados
sulfnicos como promim, diazona e dapsona (4,4diaminodifenil-sulfona;
DDS), j estavam sendo utilizados, ainda que experimentalmente, no
tratamento da hansenase (Opromolla, 2000).
A DDS foi a primeira droga a ter comprovao experimental de
resistncia, e isto s foi possvel depois que a tcnica de inoculao do
bacilo em coxim plantar de camundongos isognicos ter sido padronizada
por Shepard (Shepard, 1960). Utilizando esta metodologia, Pettit & Rees
(1964) foram os primeiros a comprovar, experimentalmente, o primeiro
caso de resistncia do bacilo DDS. Posteriormente, outros relatos surgiram
em vrias partes do mundo (Guinto et al., 1981; Matsuoka et al., 2000;
Sekar et al., 2002).
Do ponto de vista experimental, o padro de resistncia definido
como parcial (baixo), intermedirio ou total (alto), dependendo da
capacidade do bacilo de se multiplicar em camundongos tratados com doses
de DDS que variam de 1 x 10-5g% a 1 x 10-2g% (0,01g%) na rao; a
concentrao de 0,01g% corresponde, no ser humano, dose de 100mg.
Epidemiologicamente existem dois tipos de resistncia: a
secundria ou adquirida resultante de um tratamento inadequado e
geralmente est acompanhada de melhora clnica inicial, seguida de
Introduo 33
reativao tardia da hansenase (Hastings, 1998); a primria se manifesta
em indivduos que ainda no receberam o tratamento e, neste caso, muito
provavelmente, a infeco ocorreu a partir de bacilos provenientes de
paciente com resistncia secundria.
As sulfonamidas bloqueiam a condensao do PABA e do 7,8-
dihidro-6-hidroximetilpterina-pirofosfato em 7,8-dihidropteroato. O processo
de condensao mediado por ao enzimtica, sendo a enzima
dihidropteroato sintetase (DHPS), a mais importante nesta etapa.
A converso subseqente do 7,8-dihidropteroato para tetrahidrofolato pela
dihidrofolato sintetase e dihidrofolato redutase decisivo para a formao
de vrios componentes celulares, incluindo diversos aminocidos
(Williams et al., 2000).
A anlise dos resultados obtidos com a concluso do
sequenciamento do genoma do M. leprae, em 2000, tem permitido aos
pesquisadores obterem grandes avanos no conhecimento de vrios
aspectos do bacilo como os bioqumicos, genticos, metablicos e
fisiolgicos. Graas a esses avanos, hoje possvel compreender melhor
os mecanismos de ao das drogas antimicobacterianas bem como os de
resistncia a essas drogas. Na rea de resistncia as drogas, um importante
passo foi dado a partir da descoberta e identificao de dois genes
homlogos folP1 e folP2 ambos com seqncias de significante
homologia com o gene folP encontrado em outras espcies de bactrias
aminocidos (Williams et al., 2000).
Introduo 34
A DHPS do M. leprae codificada pelo gene folP1, localizado em
um operon que codifica trs outros genes, supostamente envolvidos na
biossntese do cido flico. A seqncia de aminocido da DHPS realizada a
partir de sequenciamento do gene folP1, identificou uma protena de peso
molecular de aproximadamente 31 kDa, com duas regies (PS00792 e
PS00793) associadas diversas espcies bacterianas, incluindo Bacillus
subtilis e Neisseria meningitides. A anlise do sequenciamento do gene
folP2 sugere que ele no est envolvido no processo de resistncia do bacilo
DDS (Williams et al., 2000).
Acredita-se que o mecanismo de resistncia do M. leprae DDS
esteja associado DHPS de modo semelhante ao mecanismo de resistncia
desenvolvido por outras espcies bacterianas. Algumas cepas mutantes so
decorrentes de mutaes espontneas que ocorrem na cpia cromossomal
do folP, enquanto outras parecem ser resultado de translocao (Fermer et
al., 1995). Na maioria dos casos, os organismos resistentes produzem a
DHPS de forma alterada, as quais continuam a catalisar a reao de
condensao em dihidropteroato, mas so refratrias inibio pelas
sulfonamidas.
Kai et al. (1999), ao analisarem a seqncia de nucleotdeos do
gene folP1 entre seis diferentes cepas de M. leprae resistentes a DDS,
observaram pela primeira vez, que a mutao estava limitada a uma regio
altamente conservada nos cdons 53 e 55. Embora a mutao no cdon 55
ou em seus stios homlogos tenha sido relatada em outras espcies
bacterianas, a mutao no cdon 53 era a primeira a ser relata em bactrias.
Introduo 35
Posteriormente, Williams et al. (2000) tambm identificaram duas mutaes
associadas ao fentipo mutante, ambas localizadas em uma regio
altamente conservada do gene folP1; uma delas estava no cdon 53 onde a
isoleucina havia sido substituda pela treonina e a outra no cdon 55, onde a
argina havia sido substituda pela prolina.
Utilizando estudos moleculares e inoculao em pata de
camundongos, Gillis e Williams (2000) puderam comprovar que a mutao
encontrada no cdon 53 era resultante da substituio da alanina, argina ou
isoleucina pela treonina. Entretanto, a mutao s foi observada entre as
cepas resistentes a DDS que haviam multiplicado no coxim plantar de
camundongos tratados com a maior concentrao da droga na rao
(0,01g%). A mutao no cdon 55, que resulta na substituio do
aminocido arginina ou leucina pela prolina, tambm foi mais freqente entre
as cepas resistentes a maior concentrao. Apenas uma cepa, a qual havia
multiplicado no coxim plantar de camundongo tratado com uma menor
concentrao de DDS (0,001g%), possua uma mutao no cdon 55. Todas
as demais cepas, resistentes concentrao de 0,001g% da droga,
mostraram susceptibilidade genotpica. Apesar da anlise dos resultados
estar incompleta, os autores acharam importante estudar o porqu dos
fentipos no apresentarem mutaes no gene folP1.
Antes da implantao da PQT, a experincia clnica mostrava
que pacientes infectados com cepas de M. leprae, resistentes s menores
concentraes de DDS na rao, respondiam ao tratamento monoterpico
com a droga, sugerindo que os resultados de resistncia poderiam ser
Introduo 36
decorrentes de limitaes da tcnica de inoculao em coxim plantar de
camundongos, perdendo esta o seu valor clnico. Conhecendo-se os
aspectos moleculares que envolvem os mecanismos de resistncia, Gillis
e Williams (2000) chamaram a ateno para as cepas que apresentavam
nveis baixos ou moderados de resistncia, pois elas poderiam
representar mutantes que rapidamente desenvolveriam resistncia ao
nvel mais alto de DDS, a partir da seleo de mutaes no gene folP1.
Apesar de alguns resultados clnicos sugerirem que a resistncia s
menores concentraes possa ser irrelevante, qualquer cepa do M.
leprae, que tenha se multiplicado no coxim plantar de camundongo
tratado com DDS em qualquer concentrao, dever ser considerada
resistente (Baohong, 1987).
A rifampicina (RFP) um derivado piperaznico da rifamicina
SV, extrada do Streptomyces mediterranei, apresentada em cpsulas de
150 e 300mg. rapidamente absorvida, principalmente quando ingerida
em jejum, e tem uma meia vida de 3 horas. Tem uma boa distribuio nos
tecidos e, apesar de ser eliminada tambm pela urina, na sua maior parte
eliminada pelo intestino. Possui um efeito altamente bactericida,
eliminando 99,9% dos bacilos viveis em 3 a 4 dias (Rees et al., 1970);
atua seletivamente sobre a enzima RNA polimerase, unindo-se a esta de
forma no covalente, produzindo uma mudana de conformao,
inativando-a e conseqentemente bloqueando a sntese do RNA
mensageiro (Menezes e Silva, 1999).
Introduo 37
O uso da RFP no tratamento da hansenase teve incio na
dcada de 1970. Aps a experincia com anos de monoterapia sulfnica,
esperava-se que a RFP no seria utilizada no mesmo esquema.
No entanto, isso no aconteceu e em 1976 foram relatados os dois
primeiros casos de resistncia (Jacobson & Hastings, 1976).
Posteriormente, outros trabalhos foram escritos, relatando novos casos
em pacientes tratados em esquema de monoterapia (Guelpa-Lauras et al.,
1984; Grosset et al., 1989).
Estima-se que a proporo de bacilos mutantes surgidos
espontaneamente que so resistentes a um antibitico de cerca de 1 para
1 milho (Rees e Young, 1994). Um paciente na faixa virchowiana carrega
cerca de 1 trilho de bacilos, ou 1 x 1012 (Hastings, 1998), dos quais cerca
de 10% so viveis; deste modo, este paciente apresenta aproximadamente
105 organismos naturalmente resistentes a qualquer uma das drogas.
Um dos grandes benefcios da PQT que, mutantes resistentes a uma
determinada droga como, por exemplo, a RFP, possam ser eliminados pelas
outras como a DDS ou clofazimina. Felizmente, os casos de resistncia a
RFP so raros, sendo descritos em um pequeno nmero de pacientes
virchowianos, a maioria deles tratados em monoterapia ou que receberam
tratamento inadequado. Entretanto a real prevalncia desses casos, a
exemplo do que ocorre com a DDS, desconhecida, pois as tcnicas
disponveis para deteco e comprovao da resistncia no so acessveis
para a grande maioria dos laboratrios.
Introduo 38
Alm da tcnica de inoculao em coxim plantar de
camundongos, hoje j possvel detectar as cepas resistentes atravs da
biologia molecular. A anlise do genoma do bacilo tambm tem permitido
aos pesquisadores conhecer melhor os mecanismos moleculares que
envolvem o processo de resistncia a RFP.
As bases genticas de resistncia do M. leprae RFP tm sido
estudadas desde a dcada de 1990. Uma mutao em um pequeno
segmento do gene rpoB, que codifica a subunidade- do DNA dependente
da RNA polimerase foi identificada entre isolados do bacilo que se
mostraram resistentes aps inoculao em pata de camundongo
(Honore e Cole, 1993).
A deteco molecular de resistncia em micobactrias tem se
baseado na observao de mutaes em genes que codificam regies
envolvidas no alvo de ao das drogas ou de sua ativao. Diferentes
mtodos, baseados na reao de polimerase em cadeia (PCR), tm sido
utilizados na deteco dessas mutaes tais como anlise de polimorfismo,
heteroduplex e sequenciamento. As trocas de aminocidos observadas em
isolados de M. leprae resistentes a RFP esto localizadas no segmento 500-
540 do gene rpoB, descrito como o local envolvido no processo de
resistncia das micobactrias a RFP (Cambau et al., 2002). A mutao mais
freqente envolve a substituio do aminocido serina pela leucina que afeta
o cdon na posio 531.
Introduo 39
1.5 Hansenase e gnero
Embora a hansenase afete ambos os sexos, em diversas
populaes e situaes geogrficas, os homens so frequentemente mais
afetados do que as mulheres, atingindo a proporo de 2:1. (Bechelli e Rotberg,
1956; Sansarricq, 1995; Noordeen, 1994; Brasil, 2008). A diferena poderia
representar real maior incidncia entre homens e no a diferena da durao
da doena entre os sexos (Doull et al., 1936). No entanto, a proporo, entre os
sexos pode ser varivel e alguns pases tm registrado elevada prevalncia ou
at superiores entre as mulheres (Noordeen, 1994). Comparativamente, a
proporo de mulheres entre casos novos detectados varia de 21% a 60% na
regio da frica; entre 34% a 50% nas Amricas; 21% a 42% na regio sudeste
da sia. Em adio, consistentes achados de vrias partes do mundo tm
indicado que h preponderncia das formas multibacilares entre os homens
(Noordeen, 1994; Sansarricq, 1995; Varkevisser et al., 2009). No Brasil, na
anlise da srie temporal do perodo de 2001-2009, a percentagem de homens
predominou com a variao de 53,7%, em 2003, a 55,5% em 2008 (2010c).
Uma das explicaes para este fato seria a maior exposio do sexo masculino
aos doentes bacilferos fora do ambiente intradomiciliar (Bechelli e Rotberg,
1956; Sansarricq, 1995), o que ainda explicaria a proporo relativamente igual
entre os sexos at a puberdade (Bechelli e Rotberg, 1956). Em estudo com
amostras de doentes de regies de diferentes pases investigadas por
Varkevisser e colaboradores (2009), os homens apresentaram maior
mobilidade e melhores condies financeiras do que as mulheres,
especialmente nas reas rurais (Varkevisser et al., 2009).
Introduo 40
1.6 Hansenase e desigualdade scio-cultural
A hansenase tem sido fortemente relacionada aos fatores
scio-econmico-culturais (Bechelli e Rotberg, 1956; Sansarricq, 1995).
O controle da endemia hansnica nos pases desenvolvidos, previamente
ao incio da era sulfnica, indica fortemente que a melhoria dos
indicadores sociais e econmicos possa influir no controle da doena
(Talhari e Neves, 1997; Opromolla, 2000; Lockwood e Suneetha, 2005).
Kerr-Pontes e colaboradores (2004) demonstraram em rea de elevada
endemicidade no Brasil que o nvel de desigualdade social, o crescimento
da populao e a presena da estrada de ferro foram associados aos
maiores ndices da hansenase. O crescimento da populao e a
desigualdade poderiam causar aglomeraes e facilitar a transmisso do
bacilo (Kerr-Pontes et al., 2004).
No Brasil, mais de 60% dos casos de hansenase diagnosticados
possuem menos de oito anos de estudo (Brasil, 2008). Pinto Neto et al.
(1999) descreveram a associao entre adoecimento de hansenase
polarizada nos contatos e baixa escolaridade. Penna et al. (2009) comentam
que, indivduos com baixos nveis scio-econmicos e educacionais
continuam ser preferencialmente acometidos em reas que esto sofrendo a
reduo dos nveis de incidncia da doena. Na ndia, menos de 10% dos
analfabetos acometidos pela hansenase sabiam que sua doena era de
natureza infecciosa (Barkataki et al., 2006).
Introduo 41
1.7 Hansenase em contatos intradomiciliares de virchowianos
Em significativa maioria dos casos de hansenase, algum tipo de
contato, seja intracomiciliar, na vizinhana ou social, pode ser encontrado.
Os contatos intradomiciliares de pacientes com hansenase multibacilar
possuem at 8 vezes mais risco de desenvolver a doena (Fine et al., 1997),
principalmente os filhos de um caso ndice virchowiano (Swain et al., 2004).
Conatos intradomiciliares geneticamente relacionados e de primeiro grau, e
aqueles que convivem em famlias mais numerosas (Shen et al., 2010)
consistem nos grupos populacionais com maior risco em desenvolver a
doena (Santos et al., 2008; Dures et al. 2010).
Alta carga bacilar estimada em pacientes com hansenase
virchowiana, que pode atingir mais de 1 X 109 bacilos/cm3 de pele infiltrada
(Jopling e McDougall, 1991), e serem eliminados, em nmeros que chegam
a 100 milhes em 24 horas (Waters, 1981), principalmente pelas vias areas
superiores (Jopling e McDougall, 1991; Rees e Young, 1994). Por
conseguinte, a taxa de ataque da hansenase entre familiares destes
pacientes muito mais alta, at 6,5 casos por 1000 pessoas por ano (Doull
et al., 1936; Sansarricq, 1995), comparada aos familiares de casos ndices
de outras formas (Noordeen, 1994). Assim, o grau de disseminao da
doena em determinada rea depende da proporo de suscetveis e da
intensidade do contato (Jopling e McDougall, 1991). O risco de contrair a
doena ao inalar bacilos grandemente aumentado por condies de
moradia precrias e por aglomerao (Jopling e McDougall, 1991). Deste
Introduo 42
modo, a vigilncia dos contatos consiste em estratgia fundamental e
recomendada pelos programas de controle da doena (Brasil, 2002).
Em reas de baixa endemia, e na presena de hansenase em
crianas, o foco intradomiciliar pode ser encontrado em quase 100% dos
casos (Cestari, 1990) e, mesmo em reas urbanas e de endemia alta, a
doena mais comum em contatos intradomiciliares (Dures et al., 2010),
acometendo principalmente os filhos de virchowianos. J a taxa de
hansenase conjugal mais baixa (Swain et al., 2004), ou seja, em cerca de
5% (Jopling e McDougall, 1991). O risco do adoecimento tem sido visto
como multifatorial, o contato domiciliar e o parentesco de primeiro grau
mostraram ser variveis independentes associadas probabilidade do
adoecimento (Dures et al., 2010).
J na dcada de 90, foi observada que a eficincia da proteo da
vacinao BCG em filhos de pacientes com hansenase virchowiana, medida
indiretamente pela positividade ao teste de Mitsuda, foi menor comparada
aos dos filhos de casais sem hansenase (Beiguelman, 1999).
Duas revises sistemticas sobre o efeito da vacinao BCG na
preveno da hansenase demonstraram um efeito protetor de 61% em 5
anos, e de apenas 26% em um perodo de 5-16 anos de seguimento, com
54% de proteo entre os 30 e 40 anos, e nenhuma proteo aps os 40
anos (Setia et al., 2006; Rodrigues et al., 2007).
No Brasil, o Ministrio da Sade recomenda a vacinao BCG
para contatos intradomiciliares desde 1981. Muitos contatos tm BCG como
Introduo 43
parte da rotina de vacinao durante a infncia. A vacina BCG intradrmica
est preconizada para os contatos intradomiciliares, sem presena de sinais
e sintomas de hansenase, no momento da avaliao, independentemente
de serem contatos de casos PB ou MB. A aplicao da vacina BCG depende
da histria vacinal: uma dose est indicada se o contato apresenta uma ou
nenhuma cicatriz de BCG; quando da observao de duas cicatrizes de
BCG, nenhuma dose est indicada (Brasil, 2010e).
Sendo a proteo proporcionada pela vacinao BCG temporria,
possivelmente combinada quimioprofilaxia possa ser mais eficiente na
preveno da doena, em particular nos contatos sorologia-positivos e
Mitsuda-negativos (van Brakel, 2010).
1.8 Hansenase e idade
A hansenase doena crnica, com longo perodo de incubao;
sua prevalncia nas diversas faixas etrias depende da combinao exposio-
grau de resistncia imuno-especfica: crianas e adultos Mitsuda negativos
apresentariam maior suscetibilidade infeco (Bechelli e Rotberg, 1956). A
doena tem sido detectada nas diferentes faixas etrias, mas como doena
crnica, e mesmo que includas na anlise a prevalncia e a incidncia, em
geral, h falhas para identificar a idade do surgimento da doena e o perodo de
infeco subclnica (Noordeen, 1994). Com registros poca, Noordeen (1994)
considerou a distribuio dos casos em reas de elevada endemicidade em
curva bimodal, um pico na faixa de 10-14 anos seguido de descrscimo e outro
Introduo 44
aumento, formando um plateau que cobre a faixa de 30-60 anos, o que poderia
sugerir a possibilidade de duas distintas experincias (Noordeen, 1994). A taxa
de incidncia ainda aumentaria com a idade, atingindo um pico por volta dos
50-60 anos (Noordeen, 1994). Este ltimo padro tambm observado em
reas de baixa endemicidade, onde o volume de casos est concentrado entre
indivduos mais idosos (Noordeen, 1994).
No h convico que indivduos em reas com elevada endemia
adquiram a infeco e a doena pela primeira vez em idades mais
avanadas. Duas explicaes so plausveis para a incidncia em faixas
etrias mais avanadas: a) em decorrncia do longo perodo de incubao,
uma proporo dos indivduos infectados manifestaria a sua doena
tardiamente; b) a manifestao da doena na vida adulta em reas
endmicas resultado de re-infeces ou superinfeco de indivduos
previamente infectados e daqueles que a resposta imune para hansenase
tornou-se inadequada quando se tornaram mais velhos (Noordeen, 1994).
Alguns autores buscaram justificativas para a maior incidncia da
hansenase virchowiana em id