avaliaÇÃo da disponibildade hÍdrica na bacia hidrogrÁfica do rio xingu

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ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 IV-042 AVALIAÇÃO DA DISPONIBILDADE HÍDRICA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO XINGU Gabriel Cury Martins de Oliveira (1) Engenheiro Ambiental graduado em Engenharia de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente na Universidade Federal Fluminense. Mônica de Aquino Galeano Massera da Hora D.Sc. Professora Adjunta Universidade Federal Fluminense. Endereço (1) : Av. Lucília Nunes Monteiro, 72 casa 01 Lagoa Macaé RJ CEP: 27.925-000 Brasil Tel.: +55 (21) 8204-4347 e-mail: [email protected] RESUMO A geração de energia de origem hidráulica é a principal fonte de energia elétrica brasileira, sendo de enorme importância tanto para o desenvolvimento do país, quanto para a própria economia brasileira. Sendo um grande projeto deste tipo, desde a década de 1970 o aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte tem sido elaborado e reformulado, pois envolve questões delicadas de preservação ambiental, terras indígenas e a legislação brasileira, que levam à insatisfação de diferentes segmentos da sociedade. Estes, ao longo de todos estes anos, vêm tentando impedir a sua realização, baseando-se nos grandes impactos que o empreendimento poderá causar. Sendo um dos estudos de viabilidade de tais projetos, a avaliação da disponibilidade hídrica em uma bacia visa a analisar o comportamento do rio estimando suas vazões mínimas, médias e máximas. Com base nestes dados o projeto é desenvolvido, respeitando-se o limite das situações críticas do rio a cheia e a seca. Este trabalho tem por objetivo realizar uma avaliação hidrológica da bacia hidrográfica do rio Xingu, através do cálculo das vazões de referência para comparação com os valores disponibilizados no Projeto Básico de Engenharia do aproveitamento, consubstanciado em NESA (2010), bem como para análise da declaração de outorga de direito de recursos hídricos, emitida pela Agência Nacional de Águas. PALAVRAS-CHAVE: Gestão de Recursos Hídricos, Aproveitamento Hidrelétrico, Outorga, Disponibilidade Hídrica. INTRODUÇÃO A bacia do rio Xingu está inserida na Região Hidrográfica I do território brasileiro, a região Amazônica, situada na Região Norte do Brasil, que detém aproximadamente 40% do potencial hidrelétrico do país. O rio Xingu é formado no estado do Mato Grosso pela união dos rios Culuene e Sete de Setembro, percorrendo o sentido sul-norte, atravessando o estado do Pará até, aproximadamente 1900 km depois, desaguar no rio Amazonas. A bacia é dividida de acordo com os trechos alto, médio e baixo do rio Xingu. O aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte será instalado no município de Altamira, no estado do Pará, no trecho conhecido como Volta Grande, onde há um declive de 85 metros ao longo de 160 km. É nesta volta que se pretende construir o barramento para derivação, através de dois canais, de parte das águas do rio. Para o AHE Belo Monte, a ANA emitiu a Resolução nº 740, de 6 de outubro de 2009, declarando a Reserva de Disponibilidade Hídrica necessária à viabilidade do empreendimento. A Reserva de Disponibilidade Hídrica é um documento que outorga, de forma preventiva, um empreendimento de aproveitamento hidrelétrico, ainda em fase de licenciamento ou de licitação, garantindo que determinada vazão disponível no corpo hídrico está reservada à sua operação. Em 28 de fevereiro de 2011, através da Resolução Nº 48 da ANA, a DRDH foi transformada em outorga de direito de uso de recursos hídricos. As vazões mínimas, também definidas como vazões de referência, são aquelas disponíveis para uso em um curso d’água, definidas através de estudos hidrológicos, com base em análises de séries históricas de vazões médias (diárias ou mensais), complementadas por estudos estatísticos, análise de frequência e, quando necessário, por regionalização de dados.

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ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1

IV-042 – AVALIAÇÃO DA DISPONIBILDADE HÍDRICA NA BACIA

HIDROGRÁFICA DO RIO XINGU

Gabriel Cury Martins de Oliveira(1)

Engenheiro Ambiental graduado em Engenharia de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente na Universidade

Federal Fluminense.

Mônica de Aquino Galeano Massera da Hora

D.Sc. Professora Adjunta – Universidade Federal Fluminense.

Endereço(1)

: Av. Lucília Nunes Monteiro, 72 casa 01 – Lagoa – Macaé – RJ – CEP: 27.925-000 – Brasil –

Tel.: +55 (21) 8204-4347 – e-mail: [email protected]

RESUMO

A geração de energia de origem hidráulica é a principal fonte de energia elétrica brasileira, sendo de enorme

importância tanto para o desenvolvimento do país, quanto para a própria economia brasileira.

Sendo um grande projeto deste tipo, desde a década de 1970 o aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte tem

sido elaborado e reformulado, pois envolve questões delicadas de preservação ambiental, terras indígenas e a

legislação brasileira, que levam à insatisfação de diferentes segmentos da sociedade. Estes, ao longo de todos

estes anos, vêm tentando impedir a sua realização, baseando-se nos grandes impactos que o empreendimento

poderá causar.

Sendo um dos estudos de viabilidade de tais projetos, a avaliação da disponibilidade hídrica em uma bacia visa

a analisar o comportamento do rio estimando suas vazões mínimas, médias e máximas. Com base nestes dados

o projeto é desenvolvido, respeitando-se o limite das situações críticas do rio – a cheia e a seca.

Este trabalho tem por objetivo realizar uma avaliação hidrológica da bacia hidrográfica do rio Xingu, através

do cálculo das vazões de referência para comparação com os valores disponibilizados no Projeto Básico de

Engenharia do aproveitamento, consubstanciado em NESA (2010), bem como para análise da declaração de

outorga de direito de recursos hídricos, emitida pela Agência Nacional de Águas.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão de Recursos Hídricos, Aproveitamento Hidrelétrico, Outorga, Disponibilidade

Hídrica.

INTRODUÇÃO

A bacia do rio Xingu está inserida na Região Hidrográfica I do território brasileiro, a região Amazônica,

situada na Região Norte do Brasil, que detém aproximadamente 40% do potencial hidrelétrico do país.

O rio Xingu é formado no estado do Mato Grosso pela união dos rios Culuene e Sete de Setembro,

percorrendo o sentido sul-norte, atravessando o estado do Pará até, aproximadamente 1900 km depois,

desaguar no rio Amazonas.

A bacia é dividida de acordo com os trechos alto, médio e baixo do rio Xingu. O aproveitamento hidrelétrico

de Belo Monte será instalado no município de Altamira, no estado do Pará, no trecho conhecido como Volta

Grande, onde há um declive de 85 metros ao longo de 160 km. É nesta volta que se pretende construir o

barramento para derivação, através de dois canais, de parte das águas do rio.

Para o AHE Belo Monte, a ANA emitiu a Resolução nº 740, de 6 de outubro de 2009, declarando a Reserva de

Disponibilidade Hídrica necessária à viabilidade do empreendimento. A Reserva de Disponibilidade Hídrica é

um documento que outorga, de forma preventiva, um empreendimento de aproveitamento hidrelétrico, ainda

em fase de licenciamento ou de licitação, garantindo que determinada vazão disponível no corpo hídrico está

reservada à sua operação. Em 28 de fevereiro de 2011, através da Resolução Nº 48 da ANA, a DRDH foi

transformada em outorga de direito de uso de recursos hídricos.

As vazões mínimas, também definidas como vazões de referência, são aquelas disponíveis para uso em um

curso d’água, definidas através de estudos hidrológicos, com base em análises de séries históricas de vazões

médias (diárias ou mensais), complementadas por estudos estatísticos, análise de frequência e, quando

necessário, por regionalização de dados.

ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2

A vazão de referência é o estabelecimento de um valor de vazão que represente um limite superior de volume

que pode ser derivado do corpo hídrico, no tempo. A aplicação do critério de vazão de referência é necessária

tanto à integridade das atividades, para que não ocorra escassez de água durante um período crítico de

estiagem, quanto à proteção do curso d’água, para que não haja prejuízo da manutenção ecológica do corpo

hídrico.

METODOLOGIA

Os dados mensais de vazão dos rios foram coletados no sistema HidroWeb da Agência Nacional de Águas. Os

postos são numerados de acordo com a Região Hidrográfica, bacia e Sub-bacia, de acordo com a ANA. Os

postos utilizados são numerados de 18408900 a 18960000, sendo o número 1 correspondente à bacia do rio

Amazonas, e o 8 subsequente aos rios Xingu, Iriri e Paru.

Foram encontrados 99 postos na Sub-bacia 18, e após avaliação dos dados de todos eles, com análise das

falhas, dos períodos de observação e da consistência dos dados, foram utilizados os dados de vazão de 11

postos neste trabalho, listados na Tabela 1. Com estes 11 postos, foram realizadas as regionalizações das

vazões mínimas (Q95%), médias de longo termo (QMLT) e máximas (Qmax).

Tabela 1 – Detalhamento dos postos utilizados

Posto Área

(km²)

Operação Total

meses

Falhas

meses*

Anos

válidos Início Fim

18408900** 706 mai/80 dez/98 223 34 16

18415000 11.600 jan/76 dez/98 276 0 23

18420000 3.840 jan/76 dez/98 274 0 23

18423000 8.900 jan/76 dez/98 276 0 23

18460000 210.000 jan/76 dez/98 274 0 23

18500000 42.400 jan/76 dez/98 274 0 23

18510000 255.000 jun/75 fev/98 272 25 21

18640000 18.300 jan/76 dez/98 274 0 23

18849100 447.000 jan/76 dez/98 276 0 23

18960000 692 jan/79 fev/87 97 4 8

18901080*** 482.000 jan/76 dez/98 276 0 23

* = A maioria dos postos não possui falhas, pois são leituras mensais, ao invés de diárias. Não foi possível

realizar os cálculos com leituras diárias devido à quantidade de falhas nas leituras.

** = Os postos 18408900 e 18409000 possuíam mesmas localização e área de drenagem, além de períodos de

observação complementares; portanto as séries foram concatenadas e utilizou-se o código do primeiro posto.

*** = O posto 18901080 está situado no local do AHE Belo Monte, tendo sito utilizado para as estimativas das

vazões de referência; portanto este não foi inserido nas curvas de regionalização.

Serão estimadas as equações de regionalização da bacia para as vazões mínimas, médias e máximas. A partir

destas equações, serão calculadas as vazões correspondentes ao posto 18901080 utilizando-se a área de

drenagem do posto (482.000 km²). Estes valores encontrados serão comparados aos mesmos valores,

calculados a partir da série de vazões do posto, obtida no Sistema HidroWeb da Agência Nacional de Águas, e

aos valores disponibilizados no Projeto Básico de Engenharia da Norte Engenharia S.A. Ao final, serão

analisados os valores disponibilizados pela ANA na Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica do

empreendimento.

CURVA DE REGIONALIZAÇÃO

A curva de regionalização é obtida a partir dos dados de vazão e da área de drenagem de cada posto da bacia

em estudo. Ela auxilia na avaliação da correlação entre os dados encontrados, ao relacionar a coerência das

vazões encontradas em diferentes locais com características geomorfológicas semelhantes.

A equação é obtida a partir dos dados de vazão e da área de drenagem do local amostrado. É construída a

partir da plotagem das vazões de referência no eixo das abcissas e da área de drenagem no eixo das ordenadas,

para obtenção da fórmula (equação 1) de caráter potencial:

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equação (1)

onde a e b são constantes. A partir desta fórmula, pode-se estimar a vazão do rio em um determinado posto

sabendo-se a sua área de drenagem.

VAZÕES MÍNIMAS (Q95%)

A vazão Q95% é a vazão de referência utilizada pela Agência Nacional de Águas para emitir a outorga de

direito de uso de recursos hídricos (a Vazão Máxima Outorgável – VMO – em rios de domínio da União

equivale a 70% da vazão Q95%).

Ela é calculada ao montar-se no Excel a série ordenada das vazões observadas e ordená-las, atribuindo um

número de ordem a cada uma delas, que dividido pelo total de amostras acrescido de um, retorna sua

frequência. A partir da frequência, calcula-se a porcentagem de ocorrência de cada uma das vazões registradas,

e anota-se o valor encontrado para a permanência desejada, neste caso, permanência de 95%. Este valor sugere

que em 95% do tempo, o rio terá vazão igual ou superior a ela.

VAZÃO MÉDIA DE LONGO TERMO (QMLT)

A vazão QMLT é calculada através da média das medições – diárias, mensais ou anuais – de determinado posto,

durante o período de observação analisado. Neste trabalho foram utilizadas as vazões médias mensais.

VAZÕES MÁXIMAS

A distribuição teórica das vazões máximas pode ser feita por diversos métodos. A partir da série de vazões

máximas de determinado posto, calculam-se: a média, o Desvio padrão e o Coeficiente de assimetria da série.

Neste trabalho, foram utilizados dois métodos, o Método de Gumbel e o Método Exponencial de Dois

Parâmetros. A Eletrobrás recomenda que a escolha da distribuição estatística seja feita com base na assimetria

da amostra:

Se o Coeficiente de assimetria > 1,5 – Exponencial de Dois Parâmetros.

Se o Coeficiente de assimetria < 1,5 – Gumbel;

MÉTODO EXPONENCIAL DE DOIS PARÂMETROS

Este método utiliza os parâmetros x0 e β para estimar as vazões extremas, a partir da equação 2:

equação (2)

Onde:

x0 = média – desvio padrão; e

β = desvio padrão.

MÉTODO DE GUMBEL

Este método utiliza os parâmetros α e µ para estimar as vazões extremas, a partir da equação 3:

equação (3)

Onde:

α = 0,78 x desvio padrão; e

μ = média – 0,577α.

A partir destes dados, em ambos os métodos, estimam-se as vazões máximas xt para os tempos de recorrência

(T) de 2, 5, 10, 25, 50, 100, 1.000 e 10.000 anos.

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RESULTADOS

REGIONALIZAÇÃO DE Q95%

Os dados de Q95% encontrados são mostrados na Tabela 2.

Tabela 2 - Resultados de Q95%

Posto Área

(km²)

Q95% (m³/s)

(mensal)

18408900 706 5,9

18415000 11.600 58,0

18420000 3.840 46,4

18423000 8.900 67,0

18460000 210.000 967,9

18500000 42.400 14,6

18510000 255.000 1.098,0

18640000 18.300 43,6

18849100 447.000 1.150,0

18960000 692 2,6

A curva de regionalização encontrada retornou a equação 4:

equação (4)

e um r² = 0,8208, indicando uma correlação satisfatória entre os dados. A curva é demonstrada na Figura 1.

Figura 1 - Curva de Regionalização de Q95%

REGIONALIZAÇÃO DA QMLT

Os valores de QMLT estão na Tabela 3.

Tabela 3 - Resultados para QMLT

Posto Área (km²) QMLT (m³/s)

18408900 706 17,28

18415000 11.600 296,09

18420000 3.840 83,63

18423000 8.900 116,22

18460000 210.000 3.675,26

18500000 42.400 829,49

ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5

Posto Área (km²) QMLT (m³/s)

18510000 255.000 4.782,47

18640000 18.300 455,97

18849100 447.000 8.182,80

18960000 692 11,55

A regionalização de QMLT retornou a equação 5:

equação (5)

e um r² = 0,9918, que pode ser considerado bom. A curva é demonstrada na Figura 2.

Figura 2 - Curva de regionalização de QMLT

REGIONALIZAÇÃO DAS VAZÕES MÁXIMAS

As vazões máximas calculadas encontram-se na Tabela 4, separadas por tempo de recorrência nas colunas.

Tabela 4 - Vazões máximas a partir dos tempos de recorrência

Posto Área

(km²)

Qmáx Tamanho

da série

(anos) 2 5 10 25 50 100 1.000 10.000

18408900 706 65 81 92 105 115 124 157 189 15

18420000 3.840 179 220 248 283 309 334 419 503 20

18423000 8.900 172 180 184 191 195 200 215 230 5

18460000 210.000 9.013 10.693 11.806 13.212 14.254 15.290 18.710 22.124 18

18500000 42.400 2.919 3.340 3.682 4.114 4.435 4.754 5.806 6.857 20

18510000 255.000 11.968 14.036 15.405 17.135 18.419 19.693 23.903 28.105 17

18640000 18.300 1.354 1.636 1.824 2.060 2.235 2.409 2.984 3.559 8

18960000 692 22 27 31 36 40 43 55 67 6

Para facilitar a visualização, as curvas de regionalização das vazões máximas foram divididas em dois gráficos,

um para as vazões com tempos de recorrência de 2, 5, 10 e 25 anos (Figura 3); e outro para 50, 100, 1.000 e

10.000 anos (Figura 4). As equações encontram-se nos gráficos.

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Figura 3 - Curvas de regionalização das vazões máximas com tempos de recorrência de 2, 5, 10 e 25 anos

Figura 4 - Curvas de regionalização das vazões máximas com tempos de recorrência de 50, 100, 1.000 e

10.000 anos

VAZÕES PARA O POSTO BELO MONTE (18901080) A PARTIR DAS EQUAÇÕES DE

REGIONALIZAÇÃO E DA SÉRIE DE VAZÕES DO POSTO

Os valores encontrados para todas as vazões encontram-se na Tabela 5, juntamente com sua diferença

percentual. O valor de T em Qmax(T) indica o tempo de recorrência.

Tabela 5 – Vazões mínima, média e máximas calculadas e suas diferenças percentuais

Vazão Regionalização

(m³/s)

Excel

(m³/s)

Diferença

(%)

Q95% 1.100 1.147 4,1

QMLT 8.960 8.158 -9,8

Qmax(2) 20.323 20.311 -0,1

Qmax(5) 26.022 24.185 -7,6

Qmax(10) 28.285 26.750 -5,7

Qmax(25) 31.055 29.991 -3,5

Qmax(50) 33.160 32.395 -2,4

Qmax(100) 35.232 34.781 -1,3

Qmax(1.000) 42.103 42.667 1,3

Qmax(10.000) 48.934 50.538 3,2

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COMPARAÇÃO DOS VALORES ENCONTRADOS COM OS DISPONIBILIZADOS NO PROJETO

BÁSICO DE ENGENHARIA (NESA (2010))

Para a análise dos valores encontrados neste trabalho, serão comparados os valores das vazões Q95%, QMLT e

Qmax decamilenar, pois o tempo de recorrência de 10 mil anos é o preconizado em ELETROBRÁS (2000) para

projetos de vertedouros das barragens de aproveitamentos hidrelétricos. Os valores encontram-se na Tabela 6.

Tabela 6 – Comparação dos valores de vazão encontrados e suas diferenças percentuais

Vazão Regionalização

(m³/s)

Excel

(m³/s)

NESA (2010)

(m³/s)

Diferença (%)

1 2

Q95% 1.100 1.147 911 20,7 25,9

QMLT 8.960 8.158 8.054 11,2 1,3

Qmax(10.000) 48.934 50.538 61.842 -20,9 -18,3

1 - Entre Regionalização e NESA (2010)

2 - Entre Excel e NESA (2010)

CONCLUSÕES

A comparação entre os valores encontrados através da série de vazões do posto e das equações de

regionalização mostrou-se satisfatória, onde a maior diferença percentual encontrada foi inferior a 10% (9,8%

para a QMLT), demonstrando que a regionalização pode ser uma ferramenta útil nas análises hidrológicas de

bacias com ausência ou precariedade de dados.

Já a comparação com os valores disponibilizados em NESA (2010) retornou diferenças mais elevadas, onde

cabe a ressalva de alguns fatores. Primeiramente, a série de vazões utilizada no Projeto Básico de Engenharia

não é a mesma disponível no Sistema HidroWeb da ANA; mas outra – de valores semelhantes – gerada pela

Eletrobrás e disponibilizada também na DRDH. Além disso, as séries utilizadas na regionalização e no Excel

terminavam em 1998 (devido à quantidade de falhas em inúmeros postos a partir desde ano), já a série do

Projeto Básico de Engenharia possuía período completo, de janeiro de 1976 a dezembro de 2007.

No caso das vazões máximas calculadas em NESA (2010), foi utilizada a distribuição estatística Exponencial

de Dois Parâmetros. Porém, o coeficiente de assimetria da série de vazões retornou valor menor que 1,5, caso

onde é indicado em ELETROBRÁS (2000) a utilização da distribuição de Gumbel. Neste trabalho, entre os

oito postos utilizados na regionalização, somente dois foram calculados através da distribuição Exponencial,

enquanto nos outros seis utilizou-se Gumbel, assim como no posto 18901080. Esta diferença no método de

estimativa pode ter sido refletida na diferença dos resultados encontrados. Comparando-se as vazões

calculadas neste trabalho com aquelas calculadas pela distribuição de Gumbel em NESA (2010), estas

diferenças percentuais são significativamente reduzidas.

A outorga concedida pela Agência Nacional de Águas ao AHE Belo Monte na Resolução Nº 48 de 28 de

fevereiro de 2011 tem em seu Art. 2º a seguinte redação:

“A disponibilidade hídrica para geração de energia corresponde às vazões naturais

afluentes do Anexo I, subtraídas das vazões médias destinadas ao atendimento de outros

usos consuntivos a montante (Anexo II) e das vazões destinadas à manutenção de um

hidrograma de vazões no trecho de vazão reduzida (Anexo III).”

Em outras palavras, a ANA está reservando a todos os outros usos pretendidos na bacia do rio Xingu a

montante do AHE Belo Monte os valores encontrados no Anexo II, aqui reproduzidos na Tabela 7. O Anexo I

contém a série de vazões supracitada e o Anexo III contém as vazões ecológicas a serem mantidas no trecho de

vazão reduzida.

Tabela 7 - Vazões destinadas aos usos consuntivos a montante do AHE Belo Monte (ANA, 2011)

Ano Vazão (m³/s)

2009 4,5

2019 6,5

2029 8,5

2039 10,6

2044 11,8

ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 8

Estas vazões podem ser consideradas muito baixas quando se leva em consideração que a bacia do rio Xingu

tem 509 mil km², sendo que 482 mil km² estão a montante do AHE Belo Monte (incluindo aí a cidade de

Altamira) e consequentemente, limitados a estes valores de outorga.

Há que se considerar ainda a questão da vazão máxima outorgável (VMO), pois a ANA estabelece que este

valor, em rios de domínio da União, representa “70% da Q95%, podendo variar em função das peculiaridades

de cada região”. Em NESA (2010) o valor encontrado da Q95% resultou em 911 m³/s, o que indicaria uma

VMO de 637,7 m³/s, segundo os critérios estabelecidos pela ANA.

De acordo com HORA (2011), a outorga:

“tem a função de ratear a água disponível entre demandas atuais e futuras visando o

benefício de um conjunto de usuários nos aspectos econômicos (abastecimento industrial e

agrícola), sociais (abastecimento público) e de sustentabilidade ambiental (vazão

ecológica), respeitando ainda (...) os seus usos múltiplos (navegação, geração de energia,

recreação, etc.).”

E, segundo ANA (2004 apud HORA, 2011) “... o crescente uso dos recursos hídricos tende a alterar a

energia assegurada das usinas.” Ou seja, se determinado empreendimento hidrelétrico que não disponha de

um reservatório de acumulação tiver sua vazão afluente reduzida por outros usos a montante, isto resultará em

uma diminuição na geração da energia projetada.

Embora a bacia do rio Xingu seja composta prioritariamente por áreas preservadas, a imposição das vazões da

Tabela 7 aos usos consuntivos representa uma redução de 98% da VMO para o cenário de 2044, ou seja, 98%

da vazão a ser disponibilizada para todos os usos a montante do aproveitamento estão reservados à operação

da usina. Tendo em vista que esta área corresponde a aproximadamente 95% de toda a área de drenagem da

bacia do rio Xingu, este cenário pode levar a um futuro conflito de uso da água.

A intervenção em terras indígenas e a forma como o processo de licenciamento vem sendo elaborado ao longo

de todos estes anos levam à conclusão de que a seleção do empreendimento do AHE Belo Monte como

incremento do potencial energético brasileiro possui cunho político e de demanda de energia, fato evidenciado

pelo valor disponibilizado na outorga de direito de uso de recursos hídricos concedida ao aproveitamento,

onde as vazões reservadas aos usos consuntivos a montante do aproveitamento representam apenas 2% da

VMO, restringindo o uso de água em uma área de 482 mil km² da bacia.

A lei 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, estabeleceu que a gestão dos recursos

hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. Entre seus instrumentos, estão a outorga de uso e

os Planos de recursos hídricos, que devem ser elaborados pela Agência de Águas (a própria ANA no caso de

rios da União) e aprovados pelo comitê da bacia hidrográfica. É nos planos que devem ser definidas as

prioridades pelo uso da água.

A bacia do rio Xingu não possui comitê, tampouco um plano de bacia com a repartição dos recursos hídricos

aos usos pretendidos. Isto permite que o setor energético brasileiro obtenha da ANA os benefícios necessários

à maximização da geração de energia, especialmente nos casos onde não há reservatório de acumulação, como

Belo Monte.

Segundo ONU (1976) apud GRANZIERA (2006)

“na elaboração de planos a longo prazo de gestão da água, deve-se dar prioridade aos

aproveitamentos de recursos hídricos para fins múltiplos e objetivos múltiplos, tendo em

vista designadamente a otimização dos investimentos; em particular, a construção de novos

aproveitamentos hidrelétricos deve ser precedida de um estudo pormenorizado das

necessidades agrícolas, industriais e municipais da área interessada.”

Ainda que o AHE Belo Monte represente um importante empreendimento para garantir a futura geração de

energia elétrica que fomentará o crescimento econômico do país, o projeto foi elaborado ao revés do

preconizado pela Política Nacional de Recursos Hídricos, ou seja, de descentralização das decisões, equilíbrio

entre os usos da água e proteção do meio ambiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BRASIL. Lei Nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.

ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 9

2. BRASIL, AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Diagnóstico da Outorga de Direito de Uso de Recursos

Hídricos – Fiscalização dos Usos de Recursos Hídricos no Brasil. Caderno de Recursos Hídricos, 4. Ministério

do Meio Ambiente. Brasília, DF. 2007.

3. ______. Manual de Estudos de Disponibilidade Hídrica para Aproveitamentos Hidrelétricos: Manual do

Usuário. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF. 2010.

4. ______. Resolução Nº48. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF. 2011.

5. BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS. Resolução Nº16. Ministério do Meio

Ambiente. Brasília, DF. 2000.

6. ______. Resolução Nº32. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF. 2003.

7. ELETROBRÁS. Diretrizes para Estudos e Projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas. Ministério de Minas e

Energia. Brasília, DF. 2000.

8. ______. Avaliação Ambiental Integrada - Aproveitamentos Hidrelétricos da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu.

Ministério de Minas e Energia. Brasília, DF. 2009.

9. ______. Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico Brasileiro. Ministério de Minas e Energia. Brasília,

DF. 2011.

10. GRANZIERA, M. L. M. Direito de águas: disciplina jurídica das águas doces. 3ª edição. São Paulo. Ed. Atlas.

2006. 252 pp.

11. HIDROWEB SISTEMA DE INFORMAÇÕES HIDROLÓGICAS [Internet]. [Acesso em 20 de julho de 2011]

Disponível em: http://hidroweb.ana.gov.br.

12. HORA, M. A. G. M.; Compatibilização da geração de energia em aproveitamentos hidrelétricos com os demais

usos dos recursos hídricos. 1ª edição. Niterói, RJ. 2011. 100 pp.

13. NORTE ENGENHARIA S.A. UHE Belo Monte – Projeto Básico de Engenharia. 2010.