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Av. Victor Barreto, 2288, Canoas - RS
Curso Pedagogia
TERESINHA CARMELITA MACHRY ARAUJO
O LUGAR DA ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
CANOAS, 2010
TERESINHA CARMELITA MACHRY ARAUJO
O LUGAR DA ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Trabalho de Graduação apresentado a banca examinadora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário La Salle, sob Orientação da Professora Circe Mara Marques
CANOAS, 2010.
Aos meus filhos, Isadora e Gabriel, que são força e certeza de acreditar na criança como fonte de inspiração na minha caminhada. Aos meus alunos e ex-alunos, aos quais dedico meus estudos.
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar minha formação acadêmica, é impossível olhar para traz e
deixar de agradecer a todos que cruzaram em meu caminho.
Um percurso longo, repleto de dúvidas, anseios, desejos, incertezas e
mudanças, que possibilitou o contato com uma diversidade de pessoas que, de
certa forma, estarão presentes em minhas atitudes, em minhas experiências, em
minhas lembranças e em meu coração.
Gostaria de agradecer a todos que foram meus alunos, pois, através desse
contato, da história que ano a ano fui renovando com cada criança que conheci,
pude avaliar e reavaliar minhas práticas e atitudes e me inspirar cada vez mais
para significá-las.
Agradecer a todos os professores que passaram em meu caminho,
trazendo seus saberes, experiências e colaborando para minha formação, em
especial, a minha orientadora Circe Mara Marques, pela forma delicada como
realizou pacientemente suas interferências ao produzir comigo este trabalho; uma
educadora que acredita visivelmente na criança e no papel do educador junto à
sua formação e que contribui significativamente junto à avaliação pessoal que
faço hoje de minhas práticas em sala de aula.
Agradecer especialmente meu marido e filhos, meus pais e demais
familiares que incansavelmente toleraram minha ausência nos inúmeros
encontros e momentos familiares. Pela compreensão e paciência, por manterem
estes momentos em que faltei agradáveis e significativos.
A todos os amigos que colaboraram com sua força, incentivo, parceria,
lealdade e sabedoria.
A todos os colegas de trabalho que dividiram suas práticas e experiências
neste percurso junto à educação.
Estender este agradecimento a todos, enfim, que de certa forma conviveram
comigo e participaram do meu crescimento pessoal e intelectual.
Ao contrário, as cem existem. A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos cem pensamentos cem modos de pensar de jogar e de falar. Cem sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos de fazer sem a cabeça de escutar e de não falar de compreender sem alegrais de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho a realidade e a fantasia a ciência e a imaginação o céu e a terra a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem A criança diz: ao contrário, as cem existem.
Lóris Malaguzzi
RESUMO
A pesquisa destaca alguns aspectos relativos ao trabalho com a arte na educação infantil e a possibilidade de desenvolver essa linguagem a partir da prática de projetos de trabalho. Essa forma de organização da ação educativa exige mudanças no papel assumido pelos alunos e pelos professores, bem como a superação de práticas correntes amplamente disseminadas no cotidiano das escolas infantis que pouco contribuem para o desenvolvimento da expressividade da criança. Por fim, mostro uma experiência italiana que nos desafia a pensar outras possibilidades de explorar a arte integrada na prática de projetos, com crianças de 0-6 anos. Palavras-chave: arte, projetos de trabalho, educação infantil.
ABSTRACT
The survey highlights some aspects of the work and art in early childhood education and the opportunity to develop this language from the practical work projects. This form of organization of educational activity requires changes in the role played by students and teachers, as well as overcoming the current widespread practice in the daily infant schools that contribute little to the development of the expressiveness of the child. Finally, I show an Italian experience that challenges us to think about other possibilities to explore the art in the practice of integrated projects, with children ages 0-6. Keywords: art, work projects, children's education.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................9
2REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO COM ARTE NA EDUCAÇÃO IN FANTIL11
2.1 Trajetos da Arte na Escola ...........................................................................12
2.2 A Arte no Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil ...........15
3 ARTES VISUAIS E A PEDAGOGIA DE PROJETOS .......................................21
3.1 Breve Contexto Histórico .............................................................................22
3.2 Vantagens do Trabalho com Projetos .........................................................25
3.3 Papel do Educador ........................................................................................26
3.4 Papel do Aluno ..............................................................................................27
4 A ARTE E A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS DE 0-6 ANOS: A E XPERIÊNCIA
DE REGGIO EMILIA .............................................................................................28
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................34
REFERÊNCIAS ....................................................................................................36
9
1 INTRODUÇÃO
Quando iniciamos nossa docência acreditamos que através dela
construiremos algo significativo. Na busca por um futuro profissional de sucesso,
associamos a ela nossos sonhos, expectativas, ideais, nossas esperanças e,
evidentemente, também encontramos dúvidas, incertezas e decepções.
Preparamo-nos para essa profissão e, mesmo com pouca experiência
buscamos responder às expectativas de quem aposta em nosso trabalho.
No campo da educação, responder às expectativas significa ir muito além
de cumprir horários, ser pontual, preencher documentos, acertar cálculos, fazer
balanços.
Ser um profissional da educação, em especial, educador, denota paixão,
competência, criatividade, disposição, energia, persistência dentre muitas outras
habilidades, porém, a maior delas está centrada na figura da criança: através de
nossas práticas, deveremos atingir a sua formação integral.
Nossas interferências na vida de nossos alunos vão além do simples
ensinar conteúdos acumulados diariamente, com tarefas preestabelecidas e sem
sentido e significado para eles.
Somos educadores, temos o dever moral e social de associar às nossas
práticas pedagógicas, conhecimentos significativos construídos com nossos
alunos. A ação pedagógica requer questionamentos, análises de tentativas, de
possibilidades, reflexões sobre resultados, reavaliações constantes, estudos
intermináveis de diversas situações já vividas e experimentadas.
O propósito desta pesquisa bibliográfica é a reflexão de nossas práticas
pedagógicas na educação infantil. Através dela, foi possível levantar
questionamentos relativos a propostas curriculares, à atuação do professor, ao
significado dado aos conteúdos estabelecidos para o conhecimento dos alunos,
sobretudo sobre o lugar da arte no currículo da Educação Infantil.
No desenvolvimento do primeiro capítulo, procuramos refletir sobre a
presença da arte em nossa vida e sua importância junto à construção das
aprendizagens e conhecimentos dos alunos. Nele também, há relatado algumas
práticas desenvolvidas em anos anteriores, e que nos auxiliaram junto à reflexão
da presença da arte na escola.
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O segundo capítulo apresenta reflexões acerca da presença da arte no
currículo escolar que norteiam as práticas pedagógicas para a educação infantil
no Brasil, hoje.
A seguir, no capítulo três, trazemos as possibilidades de nos encontrarmos
com a arte na educação através dos projetos de trabalho, uma vez que, essa
forma de organizar o trabalho pedagógico caracteriza-se pela maneira como é
construído: através da efetiva interação com todos os envolvidos com educação
das crianças e a partir dos seus interesses próprios. Essa abertura, gera
conhecimento significativo, potencializa a ação criadora e a capacidade de tomar
decisões.
Após, apresentaremos uma breve análise sobre um projeto desenvolvido
com um grupo de alunos de Reggio Emilia, na Itália, e algumas atividades
desenvolvidas ainda hoje em nosso contexto escolar infantil, no Brasil.
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2 REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO COM ARTE NA EDUCAÇÃO I NFANTIL
A arte está presente no mundo desde o surgimento da humanidade a partir
das primeiras manifestações gráficas, representadas nas paredes das cavernas.
Em nossa vida, tem, quando reagimos às experiências sensoriais que
estabelecemos com o mundo, numa linguagem própria, a arte precisa ser
desenvolvida pela sensibilidade e capacidade das pessoas analisarem,
selecionarem, classificarem, identificarem, generalizarem e sintetizarem tudo que
está à sua volta, traduzindo significados e elementos do seu desenvolvimento
intelectual, emocional, perceptual e social.
No contexto de nossos alunos, eles têm acesso a arte através de diversas
fontes, como por exemplo, através de imagens que vêem pela Internet, televisão,
no entorno de sua cidade em painéis, muros, bunners, bibliotecas, museus,
exposições etc.
Procuramos destacar a sua importância na educação infantil, pois nesta
fase, a linguagem visual vem sendo adquirida e desenvolvida, bem como a
capacidade de aprendizagens artísticas mais complexas. Tais capacidades
necessitam ser estimuladas, exploradas, orientadas e valorizadas. O Referencial
Curricular Nacional Infantil alerta “[...] o princípio que advogava a todos a
necessidade e a capacidade da expressão artística aos poucos transformou-se
em “um deixar fazer” sem nenhum tipo de intervenção, no qual a aprendizagem
das crianças pôde evoluir muito pouco”. (1998, p. 87).
Ao refletir sobre práticas pedagógicas e sobre o fazer artístico na Educação
Infantil, Noêmia Varela reforça a parceria que se estabelece entre a arte e a
educação:
O espaço da Arte-Educação é essencial à educação numa dimensão muito mais ampla, em todos os níveis e formas de ensino. Não é um campo de atividade, conteúdos e pesquisa de pouco significado. Muito menos, está voltado apenas para as atividades artísticas. É o território que pede presença de muitos, tem sentido profundo, desempenha papel integrador plural e interdisciplinar no processo formal e não-formal da educação. Sob este ponto de vista, o arte-educador poderia exercer um papel de agente transformador na escola e na sociedade. (1988, p. 2)
Educar através da arte não se limita a repassar informações, mostrar o
caminho que o professor considera o mais correto, ou deixar a criança fazer
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livremente todas as propostas, mas sim, provocar o aluno a tomar consciência de
si mesmo, dos outros e da sociedade através de suas experiências próprias
articulando o fazer artístico, a apreciação e a reflexão.
É saber aceitar-se como pessoa e saber aceitar os outros. É oferecer
várias ferramentas para que o indivíduo possa escolher entre muitos caminhos,
aquele que seja compatível com seus valores, sua visão de mundo e das
diferentes situações que cada um irá encontrar.
Ao desenvolvermos uma prática pedagógica alicerçada na Arte, acabamos
por mobilizar inúmeros elementos socializadores e articuladores do prazer e
sensibilidade, do jogo criador, do lazer, da expressão, da comunicação, da
representação e construção de saberes práticos e significativos. Ao contrário do
que fazemos quando desenvolvemos práticas meramente conteudistas,
mecânicas, previamente elaboradas pelo professor, vinculadas à disciplina que
levam a criança a abandonar sua espontaneidade criadora. Ferraz e Fusari,
destacam que:
A questão está em verificar-se porque a criança demonstra com mais evidência este processo imaginativo e deixa a sua espontaneidade expressiva justamente no momento em que se valoriza a racionalidade. A esse respeito devemos questionar os sistemas educativos e sociais que não priorizam a relação entre o pensamento e as atividades criadoras. Uma educação composta apenas de informações mecanicistas, sem reflexões e sem participação afetiva e interessada da criança só faz diminuir o potencial deste jovem. (1999, p. 62)
2.1 Trajetos da arte na escola
Em minha caminhada profissional inicial, recém saída do curso de
Magistério, com habilitação para trabalhar nas Séries Iniciais do Ensino
Fundamental, iniciei minha prática com alunos de uma escola da rede privada de
educação.
Na época, sem nenhum conhecimento sobre o “Jardim de Infância”,
nomenclatura utilizada para designar a atual Educação Infantil, lembro-me do
sentimento de encantamento com tudo e, ao mesmo tempo, de medo, dúvida,
receio e insegurança.
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Jovem, sem nenhuma experiência e muito menos qualificação para
trabalhar com os pequeninos, alicercei meu trabalho em disposição e vontade de
exercer a profissão escolhida.
Inserida num contexto já solidificado e resistente, recordo-me que
utilizávamos frequentemente técnicas de trabalho que envolviam a repetição
incansável de figuras em folhas de ofício, como por exemplo, preencher a folha
com traços feitos com grafite na horizontal, depois na vertical; preencher a folha
com desenhos de bolinhas; riscar traços horizontais numa folha, verticais na outra
e numa terceira, horizontais cruzados pelas verticais; reproduzir movimentos
repetitivos como pequenas ondas, movimentos de sobe e desce, movimentos em
espiral, etc.
Outra prática que aplicávamos era a de perfurar traços de desenhos
mimeografados com punção. As queixas dos alunos, afirmando que era difícil e
que estavam cansados eram frequentes, porém, deveriam terminar a atividade.
Passar lãs e cordões entre furos em placas com imagens de motivos
infantis, no mínimo uma vez na semana, revezando as placas a cada sessão,
parecia-nos muito gratificante, pois assim, estávamos exercitando as habilidades
motoras mais finas; o alinhavo com lã e agulha de tecelagem era um desafio e
tanto. Uns as realizavam visivelmente cansados; os mais habilidosos, até pediam
mais, porém, a grande maioria terminava com esforço.
Pintar os elementos de acordo com a legenda das cores, picar papel e
colar dentro ou fora do limite estipulado pelo desenho copiado de algum modelo
pelas professoras, preencher com bolinhas amassadas ou rasgadas de papel de
seda ou crepom desenhos prontos, oferecidos diariamente era muito comum.
No trabalho com a tinta, somente o pincel podia ser lambuza! Os muros da
Educação Infantil podiam ser pintados pelas crianças, apenas para contemplar a
semana da criança, assim mesmo, observando que deveriam ter desenhos
definidos, com o nome da criança em destaque, para que todos pudessem
visualizar quem havia desenhado.
Organizávamos a rotina diária entre o período da praça, a hora do lanche,
as “historinhas” que líamos e depois dávamos os personagens principais para
colorir, os livros de exercícios gráficos que eram divididos em grupos para
diferentes percepções com atividades de figura-fundo, completar desenhos já
iniciados com o que faltava, ligar pontos para formar gravuras, ligar figuras iguais,
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pintar as diferentes, encontrar e marcar de acordo com o enunciado figuras de
diferentes tamanhos, posições, identificação de letras, números, completar
quantidades, enfim, inúmeros exercícios considerados preparatórios para a
entrada na primeira série.
Realizávamos “trabalhinhos” sobre as datas comemorativas: pintávamos
todos de índio e de coelhinho; pintávamos o soldado e a bandeira
mimeografados; colávamos a foto do papai no rosto do super-homem,
presenteávamos a mamãe com um bombom embrulhado em papel celofane, em
forma de flor (feito pela professora); no Natal, era comum pintar a estrela cadente,
colorir desenhos de bolas para recortar e colar na porta da sala, fazer a máscara
do Papai Noel bem cheia de algodão na barba e na touca!
Associávamos “nada à coisa nenhuma”. Simplesmente, treinávamos as
habilidades motoras finas, com exercícios repetitivos e destituídos de significado.
A partir deste contexto, passados alguns anos de prática, passei com
frequencia a questionar meu trabalho e sua validade. Esse trabalho que vinha
realizando, contribuía para que as crianças vivessem plenamente a infância?
Esse foi um tempo no qual experimentamos, erramos e aprendemos, no
entanto, será a partir das nossas experiências anteriores que poderemos
repensar nossa prática. A partir dessas experiências surge o questionamento:
Afinal, que lugar tem a arte hoje no currículo da educação infantil?
Integrada aos projetos, a arte permite que os professores desenvolvam um
trabalho significativo e de grande qualidade para a formação integral da criança.
Desta forma, é necessário que o educador busque aprimoramento
profissional, formação continuada e suporte técnico que favoreça uma prática
efetiva de orientação do trabalho junto ao aluno.
Mônica Sica se refere ao nosso fazer em arte-educação quando diz:
Para que possamos fazer um trabalho em arte e educação que priorize a expressão criadora, não é possível que continuemos oferecendo aos nossos alunos somente um monte de materiais para manipularem, sem que estejamos de fato conscientes de tudo o que podemos suscitar em um indivíduo para que desenvolva sua forma pessoal de expressão. É preciso respeitar o traço pessoal do aluno, mas também desafiá-lo a desenvolver o seu repertório de representação visual, levando até ele conhecimento em arte. (2002, p. 37)
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Segundo a autora, cabe a nós, educadores, observarmos e
acompanharmos o desenvolvimento de cada aluno sem interferirmos nas suas
construções gráficas.
É necessário buscarmos maior conhecimento sobre as etapas de
construção dos desenhos da criança, sem apressá-las. Nada de dirigir com
nossas próprias mãos, com nossa visão de adultos, já estereotipada, afinal, o que
devemos valorizar são as produções que são capazes de fazer através de suas
descobertas motoras.
Disponibilizando recursos desafiadores e interessantes, que suscitem nos
alunos sua capacidade de encontrar caminhos e soluções no processo de
construção das suas aprendizagens, para poderem, assim, contribuir com ideias,
sugestões e opiniões.Capazes de nortear nossas práticas, os Referenciais
Curriculares Nacionais para Educação Infantil vêm com o intuito de indicar
caminhos, como fonte para possibilitar um trabalho sistematizado, que garanta
aprendizagens significativas e prazerosas pelo conhecimento.
2.2 A arte no Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil
Conforme o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, a Arte
é uma das formas importantes de expressão e comunicação humanas, o que, por
si só, justifica sua presença no contexto da educação de um modo geral, e na
educação infantil, particularmente. (1998, p. 85)
Se na escola oferecemos atividades prontas, xerocadas e “mecânicas”,
reforçamos na criança atitudes de acomodação, dependência e insegurança, sem
necessidade alguma da sua opinião e interferência pessoal. Sabemos que cabe à
escola desenvolver conteúdos que são específicos para serem aprendidos neste
espaço, porém, destacamos que não devemos nos limitar a atividades destituídas
de significados apenas para preencher nosso tempo da rotina ou ainda para
regular o saber dos alunos. Cabe a nós, educadores, orientá-las e intervir neste
trabalho.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, critica as
práticas que utilizam-se destes recursos, no qual a arte é utilizada para reforçar
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aprendizagens e conteúdos, para colorir imagens feitas pelos adultos (xérox),
para memorizar e fixar conteúdos, dentre outros.
Preocupados com resultados imediatos, valorizando o produto final e
planejando seu futuro de acordo com o que desejamos a elas, acabamos por
organizar rotinas destituídas de significados, que favorecem a passividade e
dependência, a submissão à nossa autoridade e disciplina.
A valorização da criança na sua individualidade e na sua integração com o
meio no qual está inserida é fundamental para nós, educadores, ao planejarmos
nossa rotina escolar. Ver a criança como um ser ativo, participativo e capaz de
aprender e não apenas receber ensinamentos; um ser que busca e encontra
caminhos para aprender, ser e fazer.
Criativa e dinâmica, a criança traz consigo capacidades, habilidades e
competências pessoais, além de suas experiências sociais, que deverão ser
consideradas na organização dos currículos e práticas escolares.
Destacamos a possibilidade de democratizar a arte como um fazer
acessível a todos, não apenas valorizando os talentosos ou bem dotados em
detrimento daqueles mais sensíveis ou sem condições econômico-sociais de
recebê-la. Simplesmente, inserido-a no contexto escolar, nas práticas diárias de
nossas escolas, oportunizando a todos a expressão de suas potencialidades
criadoras e aprendizagens relevantes a seu desenvolvimento, tornando as aulas
mais prazerosas e de acordo com nossos dias atuais.
Vivemos hoje em uma sociedade que ascende tecnologicamente, sofre
fortes mudanças sociais, vive um período de valores que se modificam e renovam
a cada dia que passa. Como permanecermos utilizando métodos e práticas
tradicionais na escola num mundo que se transforma a todo momento?
O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil indica que:
O trabalho com as Artes Visuais na educação infantil, requer profunda atenção ao que se refere ao respeito das peculiaridades e esquemas de conhecimento próprios a cada faixa etária e nível de desenvolvimento. Isso significa que o pensamento, a sensibilidade, a imaginação, a percepção, a intuição e a cognição da criança devem ser trabalhadas de forma integrada, visando a favorecer o desenvolvimento das capacidades criativas das crianças (1998, p. 91)
O desenvolvimento da capacidade artística, na educação infantil, é um
trabalho que deve ser intensamente cultivado, ao mesmo tempo em que a
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linguagem verbal está sendo desenvolvida na criança, a visual está sendo
adquirida naturalmente e necessita ser orientada.
A arte visual, tal como a música, é uma linguagem e, portanto, uma das
formas importantes de expressão e comunicação humanas. Este aspecto, por si
só, já justifica a presença da arte no âmbito da educação, de um modo geral e, na
educação infantil, de maneira mais específica.
O trabalho com arte na escola apresenta um descompasso entre o que se
tem produzido teoricamente e a nossa prática pedagógica efetiva. Como exemplo
disso, trago algumas atividades propostas em “cartilhas” adotadas por algumas
escolas infantis.
A “bela paisagem” sugerida no exercício a seguir, poderá traduzir a
emoção da criança?
Poderá ela expressar sentimentos e valores que traduzam beleza numa
atividade que limita sua capacidade criadora, determinando inclusive, quais
elementos e a quantidade deles para formar a tão “bela paisagem”?
É possível observar um conhecimento dissociado do desenvolvimento
social e um fazer artístico alienado, que em nada contribui para a formação do
indivíduo.
Figura 1: Atividade de fixação
Fonte: Carla, 1998, p. 87.
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A partir destas observações, é possível questionarmos o valor que se
estabelece na relação com o aluno à medida que lhe oportunizamos o direito de
dar opiniões, de levantar questões, de construir hipóteses estabelecendo relações
e experimentando situações de fato relevantes do seu cotidiano no trabalho
desenvolvido a partir de uma situação-problema.
Já nas atividades programadas em folhas com reproduções de cenas
desconectadas do seu contexto e de sua realidade, não é possível que haja uma
interação entre a turma, não acontecem troca de idéias e de diferentes pontos de
vista, não há criação, não há questionamentos nem relações entre as hipóteses
de solução das dúvidas, não há registros das hipóteses, nem o desenvolvimento
de linguagem oral. Apenas lhes é oferecido um conteúdo para ser executado
através de um exercício repetitivo de fixação.
Em muitas situações, as práticas de Artes têm servido apenas como meros
passatempos em que propostas semelhantes as utilizadas há anos atrás como
desenhar, pintar, rasgar, modelar e recortar conforme modelos determinados
pelos professores ainda vêm sendo utilizadas efetivamente. Outros educadores
poderão seguir outra linha de pensamento para planejar suas atividades na qual
consideram o trabalho com a arte, meramente decorativo, visando ilustrar as
datas importantes, ofertar presentes aos pais, decorar paredes com motivos
infantis pintados pelas professoras.
Em nossa prática escolar, é possível perceber a dicotomia que existe entre
o que defendemos, o que queremos como educadores e o que realmente
fazemos em sala de aula.
Nosso sistema de ensino ainda está atrelado a currículos preestabelecidos
e a uma concepção de educação que define a arte como um conjunto de
atividades, temas e técnicas que lhe atribuem apenas seu valor estético.
Esta é outra atividade muito utilizada ainda hoje nas escolas infantis para
ensinar aos alunos as noções de tamanho e distância.
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Figura 2: Atividades limitadas
Fonte: Carla, 1998, p. 27.
O segundo exercício sugere que a criança leve a fadinha, seguindo pelo
caminho mais curto, porém, não há outra opção de escolha, apenas um único
caminho. Desta forma, não há necessidade de análise, de busca de soluções, de
raciocínio. Simplesmente, a criança seguirá o caminho indicado, já estabelecido.
Que interação fará com esta atividade? Que significado terá para seus
conhecimentos?
Ao analisarmos atividades que são utilizadas ainda hoje como recursos
para nossas práticas pedagógicas, percebemos a distância que se estabelece nos
exemplos de trabalho advindos dos projetos desenvolvidos em Reggio Emilia. A
forma como os conteúdos são selecionados e o real significado que traduzem
para a vida dos alunos. Através de assuntos e problemas que surgem
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naturalmente em sua rotina, exploram-se uma infinidade de temas significativos
nas diferentes áreas de conhecimento humano.
3 ARTES VISUAIS E A PEDAGOGIA DE PROJETOS
Por ser a arte uma linguagem e forma de expressão e comunicação entre
as pessoas, podemos dizer que está profundamente ligada ao trabalho com
projetos.
Trazer para o ensino infantil uma proposta pedagógica baseada na prática
por projetos de trabalho, além de possibilitar aos alunos aprendizagens coletivas
e significativas, convida-os a interagir de forma eficaz junto ao seu próprio
desenvolvimento, uma vez que a criança observa, cria, investiga, sugere, opina e
aprende com os outros.
Implica em repensar a função educar crianças de zero a seis anos, tendo
como intenção valorizar a ação do educando e educador, de forma conjunta, junto
à solução de problemas e a ressignificação das aprendizagens e de seus
espaços.
Além dos alunos e professores, os projetos possibilitam o envolvimento da
comunidade escolar, convidando todos a participarem desta atividade educativa,
na qual todos serão aprendentes e geradores de aprendizagens. Passa-se a
pensar na aprendizagem da criança conforme a sua interação com o meio, ou
seja, há a valorização das relações que são estabelecidas na vida de cada
criança, à medida que seus problemas são considerados.
Aspectos importantes merecem destaque especial na prática de projetos: o
envolvimento ativo do aluno em sua aprendizagem, a relação que o tema em
estudo tem com sua vida, o currículo diferenciado e amplo, atividade construídas
que garantem autonomia e independência, atividades que favorecem a
cooperação, responsabilidade, confronto de idéias e busca junto a resolução de
problemas, o estímulo à capacidade criadora do aluno dentre outras.
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Oportunizamos além do desenvolvimento de diferentes linguagens, sua
expressão artística efetiva, uma vez que a criança é convidada a fazer, a pensar,
a investigar e a criar através de temas de seu interesse.
Ao realizarmos nossas práticas pedagógicas a partir dos projetos de
trabalho, estamos rompendo com a acomodação, a repetição, a solidão e a
fragmentação de conteúdos sem significado.
Com esta proposta, busca-se desafiar a criança, promover sua autonomia,
valorizar seus conhecimentos prévios, cultivando sua cultura e a capacidade de
cada um, formando nos alunos atitudes de convivência saudável, de cooperação
e coletividade. Através dela, é possível estabelecer relações das crianças com
seu processo de aprendizagem dentro e fora da escola; é possível aproximar
todas as partes envolvidas no contexto da educação: alunos, professores, pais e
toda a comunidade escolar, na interação direta com o objeto de conhecimento.
Na prática de projetos oportunizamos situações diversas de expressão por
meio de uma variedade de possibilidades que são construídas a partir dos
anseios e curiosidades dos próprios alunos.
Os projetos valorizam as produções criadoras infantis e suas capacidades
de expressão artísticas, orientadas pelas intervenções do educador a partir das
próprias impressões das idéias dos alunos. De acordo com Szpigel, Lavalberg e
Carmona, “A interferência não rompe ou determina o processo das crianças, mas
garante que elas conheçam cada vez mais a respeito da Arte, valorizando seu
papel na sociedade”. (1995, p. 34) O professor fornece as informações
pertinentes, possibilita ao aluno escolhas adequadas às suas intenções e trava as
discussões necessárias para análise do tema em estudo.
Sem um esquema único e preconcebido, possibilitam variar suas
estruturas, seus temas e experiências, ampliando e fazendo conexões de
conhecimento.
3.1 Breve contexto histórico
O trabalho por projetos não é uma prática surgida neste século. O
movimento educacional ocorrido na virada do século XIX para XX, chamado de
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Escola Nova, teve como fundadores Ovide Decroly, Maria Montessori e John
Dewey. Neste movimento, faziam uma crítica à Escola Tradicional,
problematizando a função social da escola, o papel tanto do educador quanto do
educando e a organização do trabalho pedagógico. Barbosa e Horn (2008, p.17)
fazem referência aos mesmos quando consideram que:
Historicamente, os projetos foram construídos com o intuito de inovar e de quebrar o marasmo da escola tradicional. Seus criadores tinham a convicção de pioneiros, isto é, o compromisso com a transformação da realidade, o desejo e a coragem de assumir o risco de inovar e a convicção de que era preciso criar uma nova postura profissional.
De acordo com Dewey e seu seguidor Kilpatrick, a sala de aula deve
funcionar como uma comunidade em miniatura, preparando os indivíduos para a
participação social na vida adulta. Com suas idéias que valorizavam a capacidade
de problematizar, de pensar dos alunos, de prepará-los para questionar a
realidade, de associar teoria e prática, numa escola ativa Dewey influenciou
educadores de várias partes do mundo.
Temos, entretanto, suficientes divergências fundamentais: primeiro o mundo pequeno e pessoal da criança contra o mundo impessoal da escola, infinitamente extenso, no espaço e no tempo; segundo, a unidade da vida da criança, toda afeição, contra as especializações e divisões do programa; terceiro a classificação lógica de acordo com um princípio abstrato, contra os laços práticos e emocionais da vida infantil. (DEWEY, apud BARBOSA E HORN, 2008, p.17)
Visivelmente preocupado em preparar a criança para a vida adulta e em
comunidade, Dewey objetivava oferecer-lhe caminhos e condições de realizar
desde cedo seus próprios projetos, conduzindo-a na busca de meios para realizá-
los partindo de suas próprias experiências. Para este filósofo americano, “ projetar
e realizar é viver em liberdade”, (BARBOSA E HORN, 2008, p.18) sendo um dos
primeiros a chamar a atenção para a capacidade de pensar da criança.
Reconhecia que, à medida que as sociedades foram ficando complexas, a
distância entre adultos e crianças aumentava. Com isso, julgava que a escola
deveria ser um espaço onde as pessoas se encontravam para educar e serem
educadas; um espaço incentivador do desenvolvimento contínuo e capaz de
preparar pessoas para transformar algo.
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Conforme Barbosa e Horn (2008, p. 18), nesta linha de trabalho com
projetos, Dewey elencou princípios que considerava fundamentais para que os
projetos fossem criados na escola:
• Princípio da intenção, no qual afirmava que a ação deveria possuir além da compreensão e o desejo dos envolvidos, um significado vital, uma finalidade; • Princípio de situação-problema: a partir de uma experiência problemática, buscar analisá-la, para formular soluções e estabelecer conexões num ato de pensamento completo; • Princípio de ação: propõe transformações no ato de perceber, sentir, agir e pensar uma vez que a aprendizagem é singular e requer razão, emoção e sensibilidade; • Princípio de real experiência anterior, nas experiências já vividas sustentam-se as novas; • Princípio de investigação científica: assim como a ciência, a aprendizagens escolares devem se sustentar na pesquisa e investigação; • Princípio da integração: integrar situações fragmentadas, construindo relações explicitando os resultados; • Princípio da prova final: verificação dos resultados ao final dos projetos realizados. Houve aprendizagem/mudança? • Princípio da eficácia social: a partir dos projetos a escola estará possibilitando aprendizagens fortalecedoras de atitudes solidárias e democráticas.
Partindo de tais princípios é possível verificar quão positiva é a prática de
projetos no contexto escolar também nos dias de hoje uma vez que seus objetivos
e finalidades buscam formar um cidadão consciente de suas potencialidades,
capaz de agir na busca de soluções para seus problemas e de sua sociedade,
estimulando, portanto a sua criatividade, transformador da realidade e capaz de
assumir qualquer risco.
Atualmente, vivemos numa sociedade onde a infância e a juventude
revelam novas características, necessitando assim, de outras formas de educar.
Como permanecermos no sistema de ensino pensado para outro tipo de
sociedade?
Vivemos num contexto social no qual a própria humanidade construiu
problemas graves e globais como, por exemplo, doenças epidêmicas,
aquecimento global, fome e miséria dentre outros. Neste sentido, é necessário
que a escola desenvolva currículos que privilegiem a aquisição e problematização
do conhecimento para a busca de soluções.
25
3.2 Vantagens do trabalho com projetos
Considerando que nossas aprendizagens ocorrem ao longo de nossa vida
em processos sensoriais, racionais, práticos, emocionais e sociais é fundamental
que a escola deva levá-los em conta ao organizar suas práticas educativas.
Sabe-se hoje que as aprendizagens não são simples reproduções daquilo que
nos é transmitido de forma contínua e repetitiva. Para terem significados, as
aprendizagens devem ser construídas mediante as experiências vividas no
contato com o outro. Conforme Barbosa e Horn, (2008, p. 26):
A aprendizagem somente será significativa se houver a elaboração de sentido e se essa atividade acontecer em um contexto histórico e cultural, pois é na vida social que os sujeitos adquirem marcos de referência para interpretar as experiências e aprender a negociar os significados de modo congruente com as demandas da cultura. A presença do outro, adultos ou pares, e a coerência de interações com conflitos, debates, construções coletivas são fonte privilegiada de aprendizagem.
Desta forma, ao trabalharmos com projetos em nossas práticas escolares
estaremos possibilitando que:
• Professores e alunos desfrutem do que estão aprendendo;
• Surjam situações de aprendizagem ao mesmo tempo reais e
diversificadas;
• Se organize um planejamento flexível para que se possa acolher o novo,
o inusitado, o inesperado, aquilo que não era reconhecido,o escamoteado;
• O grupo construa com envolvimento, comprometimento e compreensão
daquilo que deseja conhecer;
• Se resgate a cultura dialógica na qual a troca de informações estimule os
papéis de falantes e ouvintes;
• Não só alunos e professores, mas também famílias e toda a comunidade
escolar estejam envolvidos;
• Os conteúdos relevantes sejam diversificados;
• Diferentes temas possam estar sendo trabalhados simultaneamente e
que, em cada um deles, os alunos busquem respostas para seus
questionamentos;
26
• Diferentes áreas do conhecimento sejam contempladas;
• O trabalho centrado na figura do professor seja ultrapassado;
• O trabalho se desenvolva de forma significativa, cooperativa e criativa;
3.3 Papel do educador
A partir da prática de projetos, é possível que o trabalho não recaia apenas
sobre o educador. Há uma abertura e um convite para que todos os envolvidos na
comunidade escolar possam estar interagindo com o mesmo. Todos aprendem,
investigam, transformam, inventam, descobrem.
Ao construir um projeto, estamos exercitando nossa capacidade de
estender nosso trabalho a todos os sujeitos interessados e capazes de colaborar
para o crescimento dos alunos, uma vez que, precisamos abrir espaços e permitir
a efetiva participação de outros colaboradores.
Podemos observar claramente na visão de Rinaldi apud Barbosa e Horn,
que o papel do professor poderá gerar cooperação e participação de outros
sujeitos no decorrer da prática de um projeto: “O professor passa a ocupar o
papel de co-criador de saber e de cultura, aceitando com plena consciência a
“vulnerabilidade” do próprio papel, junto à dúvida, ao erro, ao estupor e à
curiosidade” (2008, p. 85)
Seu papel será o de observador, atento aos interesses e necessidades do
grupo, um sujeito ativo, portanto.
Além disso, ao trabalhar com projetos o professor passa a ser o
provocador, o articulador do tema em estudo com as intenções de aprendizagens
dos alunos.
Um sujeito investigativo, capaz de envolver-se na construção dos
conhecimentos propostos. Ao fazer registros frequentes, ele recorda e cria a
memória do projeto e, também, do grupo.
Ao fazer mediações com as ações das crianças e dos objetos de
conhecimento, o professor torna-se um sujeito ativo. Sujeito que mantém atitude
de avaliação sobre toda a construção e desenvolvimento do trabalho para garantir
seu sucesso e significado.
27
3.4 Papel do aluno
Através dos projetos os alunos compartilham situações e constroem
histórias significativas. As aprendizagens ocorrem na coletividade e cooperação;
há um engajamento efetivo de todas as partes envolvidas. Também é possível
que os próprios alunos criem seus próprios projetos, neste caso, vários e
diferentes projetos com interesses individuais e diversos, poderão ocorrer
simultaneamente o que leva o grupo a aprender a conviver observando os limites
da coletividade.
O aluno ao lidar com esta perspectiva de construção das suas
aprendizagens desenvolve suas capacidades junto à busca de soluções, age com
autonomia, compromisso e é muito questionador, investigativo, criativo. É o
protagonista da sua aprendizagem. Aprendem procedimentos de estudo, seleção
e pesquisa de materiais junto com professores e demais envolvidos na sua busca.
Há um significativo desenvolvimento de atitudes como responsabilidade,
expressão oral, tomada de decisões, saber ouvir e esperar pela sua vez,
colaboração e cooperação, organização, articulação de idéias e informações,
apreciação e valorização de suas produções e dos colegas dentre outras.
28
4 A ARTE E A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS DE 0-6 ANOS: A E XPERIÊNCIA
DE REGGIO EMILIA
O sistema de Reggio Emilia descrito como uma coleção de escolas para
crianças na Itália, desenvolve uma proposta pedagógica na qual oferece
aprendizagens que contribuem para a formação humana através da prática de
projetos. Surgido pela ação de pessoas que sobreviveram à Segunda Guerra
Mundial e que acreditaram no recomeço e na reconstrução das escolas
destruídas. Edward, Gandin e Forman, 1999
Uma das escolas reconstruídas em Villa Cella, na cidade de Reggio Emilia,
o sistema de Reggio Emilia atraiu e contou com a colaboração do professor e
pensador italiano Lóris Mallaguzzi, desde o seu começo. Após sua reconstrução,
Lóris atuou como professor e, passados alguns anos, especializou-se e tornou-se
o grande idealizador desta proposta de trabalho italiana.
Vinculados a uma educação que pudesse romper com a acomodação
instaurada nas escolas naquele momento, o sistema traz até hoje, idéias de
coletividade, escuta aos alunos para tomada de iniciativas e decisões, relações
entre arte, prazer, família, comunidade, harmonia e aprendizado consistente.
Uma das preocupações em Reggio Emilia foca-se em integrar o sistema
educacional à organização do trabalho com o ambiente para que possa haver
interação, movimento e interdependência, segundo Mallaguzzi, apud Edward,
Gandin e Forman,
A escola é um organismo dinâmico e inexaurível e possui suas dificuldades e controvérsias, mas, sobretudo, alegria e capacidade para lidar com as questões externas…nosso objetivo é criar um ambiente amistoso onde crianças, famílias e profesores sintam-se confortáveis. (1999, p. 73)
As salas são dispostas à distância, porém, são conectadas à área central;
os ambientes são projetados de modo a permitirem que os alunos possam ficar
com ou sem seus professores. Existem atelieres, estúdio e laboratório que são
utilizados para a manipulação ou experimentação com linguagens visuais e
verbais. Os miniatelieres acomodam os projetos mais extensos. Há sala de
29
música e arquivo. E as paredes são utilizadas para contar e documentar tudo o
que é desenvolvido na escola.
Frequentemente são realizadas reuniões e encontros entre todos os
membros da escola e comunidade escolar que também é convidada a planejar.
Como diz Lóris Mallaguzzi, apud Edward, Gandin e Forman,
Nós formamos um mecanismo que combina locais, papéis e funções que têm seu próprio momento de ocorrência, mas que podem ser intercambiados uns com os outros a fim de gerarem idéias e ações. Tudo isso funciona dentro de uma rede e cooperação e interação que produz para os adultos, e sobretudo para as crianças, uma sensação de pertencerem a um mundo vivo, receptivo e autêntico. (1999, p.74)
E é a partir deste ambiente de ação, de acolhida e cooperação que as
crianças de Reggio Emilia desenvolvem atividades promotoras de sua autonomia,
expressão artística em diferentes linguagens e de construção de conhecimentos
significativos.
Além do trabalho realizado pelos professores, na escola de Reggio, há o
trabalho do atelierista que desenvolve lado a lado com os professores e alunos
uma parceria junto aos projetos que são construídos. Nesta parceria, constróem
ações, experimentos, documentações, reflexões, análises e intervenções nas
atividades ligadas aos objetos em estudo. Este trabalho envolve uma integração
dos atos de representação com hipóteses científicas que vai além da expressão
estética, tão valorizada por muitos na exploração da arte na educação.
Muito podemos aprender com o trabalho de Reggio Emilia.
Muitas vezes, situações aparentemente simples e cotidianas podem
desencadear experiências significativas e muito ricas para os alunos. Nelas
poderíamos estar desenvolvendo conteúdos importantes e relevantes para seus
saberes. Porém, por acomodação, ou simplesmente, por desconhecermos estas
possibilidades acabamos nos fixando nas atividades mais comuns de pintura,
colagem, modelagem, passatempos, decoração dentre outras.
Também podemos destacar que, de uma situação-problema, conceitos
pertinentes ao currículos infantil são explorados e aprofundados de forma
envolvente, dinâmica e criativa.
Barbosa e Horn (2008) trazem como exemplo de projeto “O sapato e o
metro”, realizado pelos alunos do Parvulário de Diana, da região de Reggio. Nele,
é possível perceber a forma como surge e o significado e importância que tem.
30
Construído pelos alunos e com intervenções da educadora, o projeto
contemplou os conceitos de noções medida e número. Em contrapartida,
analisaremos uma forma ainda usual em nosso sistema escolar de desenvolver e
aplicar o mesmo conceito, porém, utilizando-nos de outras práticas, como o
registro em folhas reprografadas.
O projeto “O sapato e o metro” surge de uma necessidade da sala de aula:
adquirir uma mesa nas mesmas dimensões da que já existia.
As crianças sentiram-se desafiadas com o problema em questão e, logo,
estavam envolvidas.
Alunos e professora começam, então, as buscas por soluções.
O primeiro passo foi solicitar a presença do carpinteiro que os desafia
perguntando se sabem medir.
Vários são os relatos, as ideias e discussões em razão do assunto.
Alguns alunos trazem hipóteses de como se pode medir. Outros, sugerem
desenhar como é a mesa. Algumas cianças começam a contar com os dedos e
utilizar outras partes do corpo; utilizam diversos materiais enfileirando-os em cima
da mesa para medir.
Os educadores, neste momento, começam as intervenções e facilitações
para o processo cognitivo dos alunos.
Propuseram uma atividade de saltos com medidas dos mesmos, utilizando
diferentes fontes para marcar as distâncias realizadas. Utilizaram canos, cordas,
pedaços de madeira.
Realizadas muitas discussões e tentativas, conclui-se que deveriam usar
uma fonte de medida igual para todos, para que não hovessem diferenças.
Escolheram o sapato. Medem a mesa com o sapato e renovam as discussões.
Sentem necessidade de avisar ao carpinteiro a quantidade de sapatos e de anotar
esta medida.
Realiza-se, então, a documentação do projeto pelos alunos e com ela, os
conceitos de medida ganham real significado.
Desenhos são feitos pelos alunos para mostrar a mesa, os materiais
usados para medir, os numerais para registrar.
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Figura 3: Projeto “O sapato e o metro”,
Fonte: Barbosa ; Horn2008, p. 124
Nas imagens de registros do projeto “O sapato e o metro”, é possível
observarmos as formas utilizadas para as tentativas de medir a mesa nas quais
há participação efetiva dos alunos; é possível verificarmos a interação,
discussões, diferentes formas de registros das hipóteses na busca da solução do
problema; as fotos expressam o envolvimento e até mesmo é possível perceber o
empenho que demonstram na forma como estão dispostos. Além da
aprendizagem, destaca-se a importância que recebem as atividades realizadas.
Ao compararmos este de registro de quantificação e numeração a seguir,
com o registro utilizado em Reggio Emilia, perceberemos a distância que existe
entre o significado que é dado à construção do conhecimento de qualidade ao
conhecimento sistematizado, preestabelecido e determinado por atividades
mecânicas, repetitivas e reprodutivistas, desvinculadas do contexto social e dos
reais interesses dos individuais e coletivos dos alunos.
Novamente, é possível questionar: onde a arte foi colocada nesta
atividade?
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Figura 4 - Atividade mecânica Fonte: Carla, 1998, p. 11.
Podemos observar no projeto “O sapato e o metro” que se desenvolvermos
projetos de trabalho, levaremos o aluno a refletir individualmente e dividir com o
grupo suas opiniões, possibilitando que discussões sejam desenvolvidas, onde
cada um poderá posicionar-se, analisar o contexto, traçar comparações e
estabelecer relações, realizar representações mentais, construir uma variedade
de conhecimentos, neste sentido, o trabalho é de criação. Segundo Barbosa e
Horn:
Um projeto é uma abertura para possibilidades amplas de encaminhamento e de resolução, envolvendo uma vasta gama de variáveis, de percursos imprevisíveis, imaginativos, criativos, ativos e inteligentes, acompanhados de uma grande flexibilidade de organização. Os projetos permitem criar, sob forma de autoria singular ou de grupo, um modo próprio para abordar ou construir uma questão e respondê-la. A proposta de trabalhos com projetos possibilita momentos de autonomia e de dependência do grupo; momentos de cooperação de grupo sobre uma autoridade mais experiente e também de liberdade; momentos de individualidade e de sociabilidade;momentos de interesse e de esforço;momentos de jogo e de trabalho como fatores que expressam a complexidade do fato educativo. (2008, p. 31)
Já nas atividades preestabelecidas, isto não ocorre. Conforme Szpigel,
Iavalberg e Carmona (1995), as atividades tradicionais de aprendizagem com
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reprodução mecânica e de memorização, geram pessoas dependentes e e
condicionadas, reprodutoras de modelos. Sabemos que ainda as utilizamos,
muitas vezes, como único recurso, apesar das propostas oferecidas em nossos
referenciais curriculares, apesar dos estudos que vêm sendo realizados ao longo
dos anos, das práticas que vêm sendo experimentadas na busca por uma
educação de qualidade e significado, como na proposta italiana de Reggio Emilia.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que a arte que está presente no contexto da educação infantil
remete a atividades onde a criança é orientada a pintar, desenhar, modelar,
recortar, montar, reproduzir, imitar, dentre outras. O significado dado ao trabalho
com arte nesta etapa escolar nos remete a uma reflexão acerca das
possibilidades que oferecemos e que necessitam sair do habitual, garantindo
qualidade nos conhecimentos construídos com nossos alunos.
Em nossa prática docente temos a oportunidade de oferecer as melhores e
mais significativas formas de aprendizagem.
Podemos criar situações em que opinem, criem, inventem, questionem,
estabeleçam relações, exponham seus problemas e procurem soluções,
experimentando e construindo seus saberes.
As crianças aceitam desafios, gostam de enfrentá-los e, para tal, precisam
ser instigadas, provocadas. Este é o papel do educador: o de provocar, orientar
garantir a organização das situações para que delas sejam extraídas as soluções
mais criativas possíveis, inovadoras, recheadas de dúvidas e opiniões
divergentes, porém, verdadeiras na formação integral do aluno e capazes de
Acreditamos que ao conduzir nossas práticas pedagógicas, partindo da
arte e da construção de projetos de trabalho estaremos contribuindo
significativamente para a formação integral da criança. A experiência italiana de
Reggio Emiliade nos mostra que é possível romper com a acomodação, com o
tédio, traduzir ações de coletividade, integrando aprendizagens a situações-
problema, ao prazer e a descobertas.
Quantas aprendizagens memoráveis e significativas, surgidas da real
necessidade das crianças que lá partilham seus saberes. Experiências de
entusiasmo e envolvimento por parte de todos que atuam junto às crianças. Uma
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proposta que possibilita a saída do convencional, do mecânico, do modelo que
determina o óbvio. A arte como fio condutor de tantas práticas construídas na
formação integral do indivíduo.
É necessário acreditar que, inspirados em práticas semelhantes a essa,
que trazem a vida da criança para escola, que significam a arte e o
conhecimento, estaremos contribuindo para que as crianças possam viver
plenamente a infância.
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REFERÊNCIAS
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para educação infan til. Brasília, DF: MEC, 1998. v. 3. CARLA, Vilza. É tempo de aprender matemática: educação infantil. São Paulo: Ed. do Brasil, 1998. v. 2. CAVALCANTI, Zélia (Coord.). Arte na sala de aula. Porto Alegre: Artmed, 1995. EDWARDS, Carolyn et al. As cem linguagens da criança . Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo; FUSARI, Maria Felisminda de Rezende e. Metodologia do ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999. FUSARI, Maria Felisminda de Rezende e; FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1992. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SOUZA, Regina Célia de; BORGES, Maria Fernada Silveira Tognozzi. A práxis na formação de educadores infantis. Rio de janeiro: DP&A, 2002.