auxílio para concurso público pebii

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Módulo IX. HARGREAVES. Andy. O Ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2004. (cap. 1, 2 e 5). COLL, César e MONEREO, Carles. Psicologia da educação virtual. Porto Alegre: Artmed, 2010 (cap. 1 e 5). LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999 (cap. 1, 8 e 10). ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. TOGNETTA, Luciene; VINHA, T. Quando a escola é democrática. Campinas: Mercado das Letras, 2007.

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Este resumo faz referência a alguns pontos fundamentais para quem vai prestar algum concurso na área da educação.

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Page 1: Auxílio para concurso público pebii

Módulo IX.

HARGREAVES. Andy. O Ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da

insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2004. (cap. 1, 2 e 5).

COLL, César e MONEREO, Carles. Psicologia da educação virtual. Porto Alegre: Artmed, 2010

(cap. 1 e 5).

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999 (cap. 1, 8 e 10).

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.

TOGNETTA, Luciene; VINHA, T. Quando a escola é democrática. Campinas: Mercado das

Letras, 2007.

Page 2: Auxílio para concurso público pebii

HARGREAVES. Andy. O Ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da

insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2004. (cap. 1, 2 e 5).

1. O ENSINO PARA A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: EDUCAR PARA A

INTERATIVIDADE

1.1 Antes da sociedade do conhecimento

Desde o surgimento da educação escolar compulsória e de sua difusão pelo mundo, espera-se

que a educação pública salve a sociedade. As escolas e seus professores devem resgatar as crianças

da pobreza e da destituição, reconstruir o sentimento de nação nos períodos pós-guerra, gerar

trabalhadores especializados, desenvolver tolerância entre crianças..., cultivar sentimentos

democráticos, manter as nações desenvolvidas economicamente competitivas, eliminar as drogas,

pôr fim à violência e compensar os pecados da geração atual reformulando a maneira como os

educadores preparam as gerações do futuro.

As expectativas em relação à educação pública sempre foram altas, mas nunca se expressaram

da mesma forma. Nos 30 anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, a educação nas principais

economias do mundo foi vista amplamente como um investimento em capital humano, no

desenvolvimento científico e tecnológico, em um compromisso com o progresso.

As explosões demográficas durante o que Eric Hobsbawn chamou de a “era de ouro da

história” levaram a uma maior demanda por professores, a um otimismo sobre o poder a

educação e ao orgulho de ser profissional, à medida que um setor jovem e crescente de professor

desenvolveu o poder de barganha para elevar seus salários e se tornar uma profissão cada vez mais

bem-qualificada e graduada, e lhe atribuiu um status mais elevado, e, às vezes, flexibilidade e

liberdade de ação na forma de exercer seu trabalho.

Se, por um lado, todo esse otimismo, esse crescimento e essa autonomia ampliaram o acesso

das pessoas à educação pública, pouco fizeram para transformar a natureza fundamental da

educação pública, pouco fizeram para transformar a natureza fundamental da educação oferecida ou

a foram como os professores lecionavam.

A educação passou subitamente a ser o problema, e não a solução

Pedagogia Tecnicista. Para dar novos contornos à educação, os governos começavam agora a vincular mais

intimamente a educação aos negócios, ao trabalho, à ciência e à tecnologia. As estruturas

foram reorganizadas, os recursos, restringidos novamente, e as políticas de

opção de mercado e competição entre escolas começaram a proliferar.

sentir desprofissionalizados.

Page 3: Auxílio para concurso público pebii

Todavia, na virada do século, uma nova economia e uma nova sociedade

começavam a tomar forma, surgidas das cinzas do velho industrialismo.

Nessa sociedade em constante em transformação e autocriação, o

conhecimento é um recurso flexível, fluido, em processo de expansão e

mudança incessante.

Assim sendo, a sociedade do conhecimento tem ao menos duas dimensões.

1. Em primeiro lugar, engloba uma esfera científica, técnica e educacional ampliada;

2. Em segundo, envolve formas complexas de processamento e circulação de

conhecimento e informações em uma economia baseada nos serviços; criando

sistemas, equipes e culturas que maximizem a oportunidade para a aprendizagem

mútua e espontânea.

1.2 Desenvolvendo a sociedade do conhecimento

A sociedade do conhecimento é uma sociedade de aprendizagem. O sucesso

econômico e uma cultura de inovação contínua dependem da capacidade dos trabalhadores de se

manter aprendendo acerca de si próprios e uns com os outros. Uma economia do conhecimento não

funciona a partir da força das máquinas, mas a partir da força do cérebro, do poder de pensar,

aprender e inovar.

1.3 O ensino para a sociedade do conhecimento

O que significa dizer em termos práticos a ideia de que os professores sejam catalisadores da

sociedade do conhecimento, os agentes fundamentais que podem fazê-la existir? De que forma esse

mandato afetaria seu papel, bem como sua compreensão e a de outras pessoas sobre o que implica

ser um profissional?

Em termos gerais, como catalisadores das sociedades do conhecimento bem-

sucedidas, os professores devem ser capazes de construir um tipo especial de

profissionalismo, que não pode ser aquele antigo, no qual tinham autonomia para

ensinar da forma como bem quisessem, ou o que lhes fosse mais familiar.

.

Os professores de hoje, portanto, precisam estar comprometidos e permanentemente

engajados na busca, no aprimoramento, no auto-acompanhamento e na análise de sua

própria aprendizagem profissional.

Se meu dentista não buscar sua própria aprendizagem, ele se torna um risco para seus

pacientes. Os professores que não se mantêm aprendendo por mais do

Page 4: Auxílio para concurso público pebii

que tentativa e erro são um risco para seus alunos. Por essa razão, a

aprendizagem profissional no ensino é uma obrigação individual, bem como um direito

institucional.

NA SOC/CON A APRESENDIZAGEM SE DÁ COLETIVAMENTE (HTPC)

Resumindo: Tudo somado, ensinar na sociedade do conhecimento, e para ela, está

relacionado com a aprendizagem cognitiva sofisticada, com um repertório crescente e inconstante

de práticas de ensino informadas por pesquisa, aprendizagem e auto-acompanhamento profissional

contínuo, o trabalho coletivo, parceria de aprendizagem com os pais, desenvolvimento e utilização

da inteligência coletiva e cultivo de uma profissão que valorize a solução de problemas, a

disposição para o risco, a confiança profissional, lidar com a mudança e se comprometer com a

melhoria permanente.

Em poucas palavras, ensinar para a sociedade do conhecimento estimula e floresce a partir de:

- criatividade

- flexibilidade

- solução de problemas

- inventividade

- inteligência coletiva

- confiança profissional

- disposição para o risco

- aperfeiçoamento permanente

1.4 O ensino para a sociedade do conhecimento: do valor do dinheiro aos valores do bem

Para onde vamos?

A chamada sociedade do conhecimento afundou os jovens em uma cultura de

“virtualidade real” em que CDs, telefones celulares, computadores, discmen, videogames e a

TV com muitos canais passam a ser sua realidade cada vez mais dominante.

QUE JOVENS ESTAMOS FORMANDO NESTA SOCIEDADE?

1.5 da informação à insegurança

SAIMO S da era otimista da informação para uma era de insegurança, tomada pela ansiedade.

Ao contrário da incerteza, a idéia de insegurança aponta de forma menos ambígua para as

consequências humanas perturbadoras da globalização.

Na era da insegurança, as pessoas experimentam cada vez mais essa sensação

com relação

a emprego e aposentadoria,

a degradação ambiental,

o colapso das redes públicas de segurança,

o desgaste das comunidades de apoio e dos relacionamentos e

Page 5: Auxílio para concurso público pebii

a crescente ameaça da criminalidade e da violência com relação à

segurança física e mental.

Devemos pensar além de nossa atitude como consumidores, chegando ao que desejamos

como cidadãos, para os outros e para nós mesmos.

O desafio é pensar mais uma vez sobre a forma como deveríamos

viver nossas vidas e para que tipo de vida deveríamos estar educando os

jovens. Essa segunda resposta reorienta nossa atenção, passando da

vingança para os relacionamentos, do comércio para a comunidade, do

interesse privado para a vida pública.

É disso que deve tratar o ensino para além da sociedade do

conhecimento: do desenvolvimento de uma identidade cosmopolita e de

uma responsabilidade comunitária, tanto em casa quanto no exterior.

1.6 Comunidade e caráter

Diante de todos os riscos inerentes a sociedade do conhecimento: um sistema forte

de educação pública não só é parte integrante de uma economia do conhecimento próspera, como

também é vital para a proteção e o fortalecimento da democracia que constrói comunidade e

desenvolve caráter.

Hoje em dia, os professores devem ser não apenas catalisadores da economia do

conhecimento, como também seus contrapontos essenciais, construindo e preservando a

democracia pública e comunitária que acompanha essa sociedade e também é ameaçada por

ela.

1.7 Cultivando o capital social

Os professores que ensinam para além da sociedade do conhecimento desenvolvem não

somente o capital intelectual de seus alunos, mas também seu capital social, ou seja, a capacidade

de estabelecer redes, forjar relacionamentos e contribuir fazendo uso dos recursos humanos da

comunidade e da sociedade como um todo.

1.8 Educando para a democracia

Devemos pensar além da educação pública que proporciona valor para o dinheiro e garantir

que ela promova também valor para o bem.

2. ENSINANDO PARA ALÉM DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Ensinar para além da sociedade do conhecimento significa, portanto,

servir-lhe de contraponto corajoso, com vistas a estimular os valores de

comunidade, democracia, humanitarismo e identidade cosmopolita. Sem estes,

Page 6: Auxílio para concurso público pebii

há pouca esperança de segurança sustentada para qualquer um de

nós. Ensinar hoje deve incluir a dedicação à construção de caráter, à

comunidade, ao humanitarismo e à democracia nos jovens, para

ajudá-los a pensar e agir acima e além das seduções e das demandas

da economia do conhecimento.

EM SINTESE. Ser um professor que se constitui como contraponto à sociedade do

conhecimento significa, portanto, estar preocupado com o caráter, e com o desempenho; com a

aprendizagem social, emocional e cognitiva; com o desenvolvimento pessoal e profissional; com a

aprendizagem profissional; com a vida em grupo e com o trabalho em equipe; com o cuidado

solidário e com a cognição; com a preservação da continuidade e da segurança junto com a

promoção da disposição para o risco e da mudança. Significa desenvolver o capital social,

estabelecer os alicerces emocionais da democracia e criar as sementes da identidade cosmopolita.

5. A ESCOLA DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: UMA ENTIDADE EM

EXTINÇÃO

A ESCOLA COMO COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM

A escola de nível médio Blue Mountain, de Ontário, é a síntese de uma escola da sociedade

do conhecimento. Inaugurada em 1994, destaca-se por ter operado desde o início a partir dos

princípios de uma organização de aprendizagem e de uma comunidade de aprendizagem.

Enfatizando sua orientação para a sociedade do conhecimento, a escola foi uma das primeiras

totalmente integradas pela tecnologia.

A escola é projetada e operada como organização de aprendizagem. Por exemplo, os

coordenadores desenvolvem exemplos de “pensamento sistêmico” em reuniões de equipe. Os

professores também desenvolvem o “pensamento sistêmico” nas salas de aula quando se discutem

questões escolares.

De muitas maneiras, a escola Blue Mountain é um exemplo de como ser uma organização de

aprendizagem empolgante e eficaz. Sua ênfase no pensamento sistêmico, aplicada a todos os

processos e estruturas e seus processos amplos de tomada de decisões e investigação cooperativas,

são muito coerentes com os princípios de comunidades de aprendizagem profissional sólidas.

COLL, Cesar e MONEREO, Carles. Psicologia da educação virtual.

Porto Alegre: Artmed, 2010 (cap. 1 e 5).

A internet não é apenas uma ferramenta de comunicação e de busca,

processamento e transmissão de informações que oferece alguns serviços

extraordinários; ela constitui, além disso, um novo e complexo espaço

Page 7: Auxílio para concurso público pebii

global para a ação social e, por extensão, para o aprendizado e para a

ação educacional. (Castells, 2001)

A EVOLUÇÃO DAS TIC E AS MODALIDADES EDUCACIONAIS

Todas as TIC repousam sobre o mesmo princípio: a

possibilidade de utilizar sistemas de signos – linguagem oral,

linguagem escrita, imagens estáticas, imagens em movimento,

símbolos matemáticos, notações musicais, etc. – para

representar uma determinada informação e transmiti-la.

limitações

A transmissão oral, (LIMITAÇÃO DE TEMPO E ESPAÇO)

as habilidades

observação,

a memória e a

capacidade de repetição.

Graças à interligação entre diferentes computadores digitais e à internet

chegamos à Sociedade da Informação,

Caracterizado, do ponto de vista das TIC, pela capacidade de seus

Membros para obter e compartilhar qualquer quantidade de informação

Page 8: Auxílio para concurso público pebii

de manteria praticamente instantânea, a partir de qualquer lugar e na

forma preferida, e com um custo muito baixo.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE DA

INFORMAÇÃO (S.I) PARA A EDUCAÇÃO

A informação é a matéria-prima da SI.

A rapidez

A escassez de espaços e de tempo para a abstração e a reflexão.

Hoje, estamos obrigados a pensar mais rápido, mais

do que pensar melhor.

A preeminência da cultura da imagem e do espetáculo

A INFLUÊNCIA DA INTERNET: NOVAS FERRAMENTAS E

CENÁRIOS EDUCACIONAIS

(IPC). Existem pelos menos três conceitos que se repetem na

literatura das TIC:

adaptabilidade,

mobilidade e

cooperação.

Longe de serem contrapostas, a acessibilidade, a usabilidade e

a adaptabilidade são propriedades das TIC interdependentes:

Page 9: Auxílio para concurso público pebii

quanto maior for a acessibilidade e a adaptabilidade, maior

será a usabilidade, e vice-versa.

Web 2.0, - ATIVO

Web 1.0, - PASSIVO

DA COMPETIÇÃO INDIVIDUAL À COOPERAÇÃO (I.P.C)

Tradicionalmente, na educação formal e escolar, demonstrar a própria

competência significa mostrar que se é competente em comparação ao

resto dos alunos, o que geralmente se traduz em entrar em competição com

os demais.

Ao contrário, com a incorporação das TIC vem contribuindo para reforçar

tarefas de tipo cooperativo, nas quais a competência do grupo prima sobre

a competência individual de seus membros, projetando metodologias

de trabalho e ensino baseadas na cooperação.

NOVOS CENÁRIOS

A entrada em cena das TIC leva os processos educacionais para além das

paredes da escola.

Grupo de trabalho ...

Tudo aponta para que acabe surgindo três novos cenários

paralelos e interdependentes, sendo estes:

Em primeiro lugar, salas de aula e escolas cada vez mais

“virtualizadas”, ou seja, com mais e melhores

infraestruturas e equipamentos de TIC e com projetos

pedagógicos que tentarão aproveitar as potencialidades

dessas tecnologias.

Page 10: Auxílio para concurso público pebii

Em segundo lugar, uma expansão das salas de aula e das

escolas para outros espaços (bibliotecas, museus, centros

culturais) nos quais será possível realizar, com o apoio

das TIC, atividades e práticas educacionais.

Em terceiro lugar, um cenário global e uma espécie de

“megaescola” na qual o desenvolvimento das tecnologias

móveis e das redes sem fio tornarão possível o

aprendizado em qualquer lugar e situação.

AS NOVAS FINALIDADES DO DOCENTE

– uma função pedagógica (como favorecedor da aprendizagem

virtual)

– uma função social (como promotor de uma clima social próprio para

a aprendizagem)

– uma função de organização e gestão curricular (como facilitador

dos conteúdos e da avaliação a ser ministrada)

– e uma função técnica (como provedor de auxilio ao aluno no uso

das ferramentas)

AS COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS AO PROFESSOR

capacidade para valorizar positivamente a integração das TIC na

educação e para ensinar seu uso no nível instrumental;

conhecimento e capacidade para usar ferramentas tecnológicas

diversas em contextos habituais de prática profissional;

conhecimento das implicações e consequências da TIC na vida

cotidiana das pessoas, assim como dos riscos de segregação e

exclusão social devido às diferenças de acesso e ao uso desigual das

tecnologias.

Page 11: Auxílio para concurso público pebii

O papel do professor consiste, então, em tirar proveito da riqueza desse

acesso,

Na nova sociedade da informação, da aprendizagem e do conhecimento, o

papel mais importante do professor em ambientes virtuais, entre os

que identificamos, é o de mediador, entendido como alguém que

proporciona auxílios educacionais ajustados à atividade construtiva

do aluno, utilizando as TIC para fazer isso.

A APRENDIZAGEM COMO RESULTADO DE UM PROCESSO

CONSTRUTIVO E INTERATIVO, SOCIAL E CULTURAL

A partir desta orientação construtivista e sociocultural, a aprendizagem é

entendida como resultado de uma relação interativa entre professor, aluno

e conteúdos – o “triângulo interativo (IPC)” (Coll, 2001).

Essa relação é um processo complexo que resulta da inter-relação dos três

elementos: o aluno, que aprende desenvolvendo sua atividade mental de

caráter construtivo; o conteúdo, que é objeto de ensino e aprendizagem; e

o professor, que ajuda o aluno no processo de construção de significados e

de atribuição de sentido aos conteúdos de aprendizagem

Page 12: Auxílio para concurso público pebii

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999 (cap. 1, 8 e 10).

AS TECNOLOGIAS TÊM UM IMPACTO?

Sim.

A TECNOLOGIA É DETERMINANTE OU CONDICIONANTE?

A emergência do ciberespaço acompanha, traduz e favorece uma evolução geral da

civilização. Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se

condicionada por suas técnicas.

Dizer que a técnica condiciona significa dizer que abre algumas possibilidades, que algumas

opções culturais ou sociais não poderiam ser pensadas a sério sem sua presença. Mas muitas

possibilidades são abertas, e nem todas serão aproveitadas.

A ACELERAÇÃO DAS TÉCNICAS E A INTELIGÊNCIA COLETIVA

Resumindo, quanto mais rápida é a alteração técnica, mais nos parece vir do exterior. Além disso, o

sentimento de estranheza cresce com a separação das atividades e o apagamento dos processos

sociais. É aqui que intervém o papel da inteligência coletiva, que é um dos principais motores da

cibercultura.

O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se justamente como

um dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva. É assim, por exemplo, que os

organismos de formação profissional ou de ensino a distância desenvolvem sistemas de

aprendizagem cooperativa em rede. E os pesquisadores e estudantes do mundo inteiro trocam

idéias, artigos, imagens, experiências e conferências eletrônicas sobre os interesses específicos.

A INTELIGÊNCIA COLETIVA, VENENO E REMÉDIO DA CIBERCULTURA

O que é inteligência coletiva?

É uma inteligência distribuída por toda a parte, incessantemente valorizada, coordenada

em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.

Acrescentemos à nossa definição este complemento indispensável: a base e o objetivo da

inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas, e não

o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas. Uma inteligência distribuída por

toda parte: tal é o nosso axioma inicial. Ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa,

todo o saber está na humanidade.

Page 13: Auxílio para concurso público pebii

EDUCAÇÃO E CIBERCULTURA

1 a primeira constatação diz respeito à velocidade de surgimento e de renovação dos saberes.

Pela primeira vez na história as competências adquiridas por uma pessoa no início de sua

carreira estarão obsoletas no fim de seu percurso profissional.

2 A segunda constatação diz respeito a nova natureza do trabalho, cuja parte de transação de

conhecimentos não para de crescer. Trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir

saberes e produzir conhecimentos.

3 Terceira constatação: o ciberespaço modificam várias funções cognitivas humanas:

memória (banco de dados e arquivos digitais de todo tipo);

imaginação (simulações);

percepção (sensores digitais, telepresença);

raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos).

DUAS MUDANÇAS A SE FAZER NA ESCOLA;

1 - Em primeiro lugar, a aclimatação dos dispositivos e do espirito do EAD (ensino aberto e a

distância) ao cotidiano e ao dia-a-dia da educação. A EAD explora certas técnicas de ensino a

distância, as redes de comunicação interativas e todas as tecnologias intelectuais da cibercultura. O

essencial se encontra em um novo estilo de pedagogia, que favorece ao mesmo tempo as

aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva em rede. O professor passa a ser um

animador da inteligência coletiva de seus grupos de alunos em vez de um fornecedor direto de

conhecimentos.

2 - A segunda reforma diz respeito ao reconhecimento das experiências adquiridas. Se as pessoas

aprendem com suas atividades sociais e profissionais, se a escola e a universidade perdem

progressivamente o monopólio da criação e transmissão do conhecimento, os sistemas públicos de

educação podem ao menos tomar para si a nova missão de orientar os indivíduos no saber e de

contribuir para o conjuntos dos saberes, aí incluídos os saberes não-acadêmicos.

A SIMULAÇÃO, UM MODO DE CONHECIMENTO DA CIBERCULTURA

Page 14: Auxílio para concurso público pebii

Entre os novos modos de conhecimento trazidos pela cibercultura, a simulação ocupa um lugar

central. Em uma palavra, trata-se de uma tecnologia intelectual que amplifica a imaginação

individual e permite aos grupos que compartilhem, negociem e redefinem modelos mentais comuns,

qualquer que seja a complexidade.

DA INTERCONEXÃO CAÓTICA À INTELIGÊNCIA COLETIVA

Precisamente, o ideal não é mais a inteligência artificial, mas sim a inteligência coletiva, a

valorização e a criação de sinergia entre as competências, qualquer que seja sua diversidade

qualitativa e onde quer que se situe.

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.

Introdução

Resolvido o problema do acesso, permanece o desenvolvimento da capacidade de

discernir entre a informação válida e inválida, correta ou incorreta, pertinente ou supérflua.

Acrescente-se-lhe a competência para organizar o pensamento e a ação em função da informação,

recebida ou procurada, e teremos, em princípio, uma pessoa preparada para viver na sociedade da

informação.

Nesta era da informação e da comunicação, que se quer também a era do conhecimento,

a escola não detém o monopólio do saber. O professor não é o único transmissor do saber e

tem de aceitar situar-se nas suas novas circunstâncias que, por sinal, são bem mais exigentes.

O aluno também já não é mais o receptáculo a deixar-se rechear de conteúdos. O seu papel

impõe-lhe exigências acrescidas. Ele tem de aprender a gerir e a relacionar informações para

as transformar no seu conhecimento e no seu saber. Também a escola tem de ser uma outra

escola. A escola, como organização, tem de ser um sistema aberto, pensante e flexível. Sistema

aberto sobre si mesmo, e aberto à comunidade em que se insere.

Esta era começou por se chamar a sociedade da informação, mas rapidamente se passou a

chamar sociedade da informação e do conhecimento a que, mais recentemente, se acrescentou a

designação de sociedade da aprendizagem. Reconheceu-se que não há conhecimento sem

aprendizagem. E que a informação, sendo uma condição necessária para o conhecimento, não é

condição suficiente. A informação, se não for organizada, não se constitui em conhecimento,

não é saber, e não se traduz em poder.

Page 15: Auxílio para concurso público pebii

As novas competências exigidas pela sociedade da informação e da comunicação,

do conhecimento e da aprendizagem

O valor não está hoje na capacidade de seguir instruções dadas por outros para fazer

funcionar as máquinas, mas sim na capacidade de transformar em conhecimento a

informação a que, graças às máquinas, temos um rápido acesso.

COMPETÊNCIA

A noção de competência inclui não só conhecimentos (fatos, métodos, conceitos e prin-

cípios), mas capacidades (saber o que fazer e como), experiência (capacidade de aprender com

o sucesso e com os erros), contatos (capacidades sociais, redes de contatos, influência), valores

(vontade de agir, acreditar, empenhar-se, aceitar responsabilidades) e poder (físico e energia

mental).

Conceptualizações deste tipo apontam para uma formação holística e integrada da pessoa que

não se queda na informação, nem sequer no conhecimento, mas vai para além deles para atingir a

sabedoria, característica que era tão querida aos nossos antepassados gregos.

Temos de reconhecer que o exercício livre e responsável da cidadania exige das pessoas a

capacidade de pensar e a sabedoria para decidir com base numa informação e em conhecimentos

sólidos. O cidadão é hoje cada vez mais considerado como pessoa responsável. O seu direito a ter

um papel ativo na sociedade é cada vez mais desejado. Trata-se de uma grande conquista social, nas

situações em que esse direito já foi conquistado, o que, infelizmente, não acontece de uma forma

universal. Esta dimensão sócio-política tem de ser tida em conta. Nem políticos nem educadores

podem ignorá-la, sob pena de se estarem a construir castelos na areia. O empowerment pessoal, ou

seja, a construção do poder pelo cidadão, não se resume meramente à obtenção de mais poder

e mais direitos, mas traduz-se na capacidade real para exercer esse poder na construção de

uma cidadania participativa.

Um dos fatores para que exista este empowerment no mundo em que vivemos tem a ver

com a facilidade em aceder à informação. Esta deve ser fidedigna, relevante e fácil de encontrar.

A ser assim, cada cidadão deve estar preparado para encontrar a informação necessária, para decidir

sobre a sua relevância e para avaliar da sua fidedignidade. Sem o saber que lhe permite aceder à

informação e ter um pensamento independente e crítico, ele pode ser manipulado e info-

excluído.

Page 16: Auxílio para concurso público pebii

Um dos autores que mais tem trabalhado a questão das competências e que é bem conhecido

(eu diria até bem amado e bem des-amado) no Brasil é Philipe Perrenoud. Por essa razão fui rever o

seu conceito de competência. E o que encontrei nos seus escritos? A noção de que a competência é

a capacidade de utilizar os saberes para agir em situação, constituindo-se assim como uma

mais-valia relativamente aos saberes. Ter competência é saber mobilizar os saberes. A

competência não existe, portanto, sem os conhecimentos. Como Conseqüência lógica não se

pode afirmar que as competências estão contra os conhecimentos, mas sim com os conhecimentos.

Elas reorganizam-nos e explicitam a sua dinâmica e valor funcional.

A abordagem por competências não pretende mais do que permitir a cada um aprender a

utilizar os seus saberes para atuar. Esta noção de competência não restringe as competências a

ações práticas de natureza simples e linear como muitos também pensam. Resolver um problema

complexo que se tornou objeto de investigação, por exemplo, não é de todo uma ação simples,

embora tenha uma natureza prática e requeira a mobilização de múltiplos conhecimentos.

As empresas reconhecem hoje a realidade das competências. Mas mesmo no mundo dos

negócios não se trata de competências simples, lineares, acabadas e imutáveis, mas de competências

dinâmicas em que a compreensão do mundo e a sabedoria da vivência social são fundamentais. Os

bons empresários de hoje não querem pessoas adaptadas, mas pessoas capazes de se adaptarem.

Pessoas capazes. Pessoas.

O problema que se põe tem a ver com a formação de base que deve proporcionar-se às

pessoas (a todas as pessoas) para que sejam capazes de se adaptar à realidade por vontade e

convicção próprias quando e nas circunstâncias em que assim o entenderem, mas sem se deixarem

manipular e fazendo ouvir a sua voz crítica sempre que necessário. Quem será capaz de o fazer sem

a grande competência que lhe vem do pensamento e sem o grande poder que lhe advém da

informação?

Parece-me importante, neste contexto, discutir também a relação entre o indivíduo e a

sociedade no que respeita ainda à formação por competências. Trata-se de uma relação bilateral. A

sociedade não existe sem as pessoas que a constituem e a vão enformando. Mas, por sua vez, esta

influencia a formação e a atuação das pessoas. A escola é um setor da sociedade; é por ela

influenciada e, por sua vez, influencia-a. Perante o mundo como ele é, quer a escola isolar-se e

construir-se contra a sociedade? Ou quer ser sociedade e na macro-estrutura social ter uma voz crí-

tica contextualizada e situada?

Para que os cidadãos possam assumir este papel de atores críticos, situados, têm de

desenvolver a grande competência da compreensão que assenta na capacidade de escutar, de

Page 17: Auxílio para concurso público pebii

observar e de pensar, mas também na capacidade de utilizar as várias linguagens que

permitem ao ser humano estabelecer com os outros e com o mundo mecanismos de interação e

de intercompreensão. Hoje temos mais uma linguagem: a linguagem informática.

Compreender o mundo, compreender os outros, compreender-se a si e compreender as

interações que entre estes vários componentes se estabelecem e sobre tudo isto ser capaz de

“linguajar” é o alicerce da vivência da cidadania. é através da compreensão que nos preparamos

para a mudança, para o incerto, para o difícil, para a vivência noutras circunstâncias e noutros

países. Mas também para a permanente interação, contextualização e colaboração.

Neste processo de mudança e interatividade, a capacidade de continuar a aprender

autonomamente é fundamental. Por isso as noções de pessoa, diálogo, aprendizagem e

conhecimento, ativo e ativável, encontram-se na base dos atuais paradigmas de formação e de

investigação. Como igualmente se encontram nos paradigmas de desempenho profissional e se

estendem, por analogia, aos de desempenho das organizações.

São hoje muitas as competências desejadas, que assentam num conjunto de capacidades.

Valoriza-se a curiosidade intelectual, a capacidade de utilizar e recriar o conhecimento, de

questionar e indagar, de ter um pensamento próprio, de desenvolver mecanismos de auto-apren-

dizagem. Mas também a capacidade de gerir a sua vida individual e em grupo, de se adaptar sem

deixar de ter a sua própria identidade, de se sentir responsável pelo seu desenvolvimento constante,

de lidar com situações que fujam à rotina, de decidir e assumir responsabilidades, de resolver

problemas, de trabalhar em colaboração, de aceitar os outros. Deseja-se ainda dos cidadãos que

tenham horizontes temporais e geográficos alargados não se limitando a ver o seu pequeno mundo,

que tenham dos acontecimentos uma compreensão sistêmica, que sejam capazes de comunicar e

interagir, e que desenvolvam a capacidade de auto-conhecimento e auto-estima.

A competência para lidar com a informação na sociedade da aprendizagem

É preciso saber o que procurar e onde procurar. Uma vez conectado, é preciso distinguir entre

o que é relevante e irrelevante, sério e fraudulento para reter o importante e deitar ao lixo o que não

presta ou não se adapta. A informação, pela sua grande quantidade e pela multiplicidade de

utilizações que potencialmente encerra, tem de ser reorganizada por quem a procura, a quem

compete agora pôr em ação a sua mente interpretativa, seletiva, sistematizadora, criadora.

Page 18: Auxílio para concurso público pebii

O desenvolvimento destas múltiplas fontes de informação exige re-estruturações na relação do

professor e do aluno com o saber disponível e com o uso que se faz desse saber. Se hoje em dia a

ênfase é colocada no saber e na sua utilização em situação, é fundamental que os alunos abandonem

os papéis de meros receptores e os professores sejam muito mais do que simples transmissores de

um saber acumulado. Mantendo-se embora o triângulo da atuação didática (professor, aluno,

saber), o vértice do saber é como um botão que se abre numa variedade de fontes de informação.

O professor continua a ter o papel de mediador, mas é uma mediação orquestrada e não linear.

Os alunos na sociedade da aprendizagem

Numa “sociedade que aprende e se desenvolve”, como a caracterizou Tavares (1996), ser

aluno é ser aprendente. Em constante interação com as oportunidades que o mundo lhe oferece.

Mais do que isso: é aprender a ser aprendente ao longo da vida. O aluno tem de se assumir como

um ser (mente num corpo com alma) que observa o mundo e se observa a si, se questiona e procura

atribuir sentido aos objetos, aos acontecimentos e às interações. Tem de se convencer de que tem de

ir à procura do saber. Busca ajuda nos livros, nas discussões, nas conversas, no pensamento, no

professor. Confia no professor a quem a sociedade entrega a missão de o orientar nessa caminha-

da. Mas é ele que tem de descobrir o prazer de ser uma mente ativa e não meramente receptiva.

Subjaz a este modelo uma abordagem pedagógica de caráter construtivista, sócio-cultural. A

aprendizagem é um modo de gradualmente se ir compreendendo melhor o mundo em que vivemos

e de sabermos melhor utilizar os nossos recursos para nele agirmos. Uma boa parte das

competências hoje exigidas são dificilmente ensináveis. E contudo elas têm de ser desenvolvidas.

Neste contexto, importa perguntar qual o lugar da aprendizagem dentro e fora da sala de aula

e, mais à frente, reconceptualizar o papel do professor.

A sala de aula deixou de ser um espaço onde se transmitem conhecimentos, passando a ser um

espaço onde se procura e onde se produz conhecimento. Uma conceptualização da escolarização

neste sentido implica a utilização de estratégias de organização das aprendizagens que assentem no

próprio aluno e promovam a sua capacidade de auto e hetero-aprendizagem. E que, por isso mesmo,

lhe conferem poder, o responsabilizam e autonomizam e, deste modo, contribuem para a tão

desejada democratização.

Numa afirmação de síntese, direi que as atividades didáticas a realizar pelos alunos implicam:

Page 19: Auxílio para concurso público pebii

a) uma tomada de consciência do que sabiam ou precisavam de saber para realizar a

atividade;

b) pesquisa pessoal;

c) um trabalho colaborativo entre eles;

d) uma sistematização orientada;

e) uma reflexão individual e partilhada sobre a tarefa realizada e os processos de

realização e aprendizagem que lhe eram inerentes;

f) O apoio do professor como uma das fontes de saber e de regulação da aprendizagem.

Como resultado das intervenções salientou-se a mudança de atitudes dos alunos face à

aprendizagem, o seu afastamento de uma pedagogia da dependência para uma pedagogia da

autonomia. Passaram a depender menos do professor, a serem mais auto-determinados, a terem

maior consciência crítica, a serem mais responsivos perante os contextos, a valorizarem mais as

suas capacidades, a terem o sentido de prazer que deriva da consciência do seu próprio progresso.

Como aspecto difícil de ultrapassar, os professores-pesquisadores salientam a dificuldade inicial de

envolver os alunos na reflexão, habituados como estão a reproduzirem o que o professor lhes

transmite “pronto-a-vestir”.

Os professores na sociedade da aprendizagem

Colocando-se a ênfase no sujeito que aprende, pergunta-se então qual o papel dos professores.

Criar, estruturar e dinamizar situações de aprendizagem e estimular a aprendizagem e a

auto-confiança nas capacidades individuais para aprender são competências que o professor

de hoje tem de desenvolver.

O conhecimento está lá, na escola, lugar privilegiado para as iniciações, as sistematizações, o

estabelecimento de relações estruturantes, as discussões críticas e as avaliações informadas. Os

professores são estruturadores e animadores das aprendizagens e não apenas estruturadores do

ensino.

Eu diria que, primeiro que tudo, os professores têm que repensar o seu papel. Se é certo que

continuam a ser fontes de informação, têm de se consciencializar que são apenas uma fonte de

Page 20: Auxílio para concurso público pebii

informação, entre muitas outras. Deve, no entanto, salientar-se que o seu valor informativo tem

níveis diferentes conforme o acesso que os seus alunos puderem ter a outras fontes de informação.

É fundamental que os professores percebam esta diversidade. Haverá alunos que não vão precisar

muito da informação substantiva dos professores, embora precisem da informação processual no

sentido de a digerirem e criticarem.

Porém, outros alunos necessitarão que o professor os informe sobre a substância e sobre

o processo.

Para não se sentirem ultrapassados, os professores precisam urgentemente de se

recontextualizarem na sua identidade e responsabilidades profissionais.

Na mesma lógica das capacidades e das atitudes que pretende ajudar a desenvolver nos seus

alunos, o professor tem, também ele, de se considerar num constante processo de auto-formação e

identificação profissional. Costumo dizer que tem de ser um professor reflexivo numa comunidade

profissional reflexiva.

O grande desafio para os professores vai ser ajudar a desenvolver nos alunos, futuros

cidadãos, a capacidade de trabalho autônomo e colaborativo, mas também o espírito crítico. Mas

cuidado! o espírito crítico não se desenvolve através de monólogos expositivos. O desenvol-

vimento do espírito crítico faz-se no diálogo, no confronto de idéias e de práticas, na capacidade

de se ouvir o outro, mas também de se ouvir a si próprio e de se auto-criticar. E tudo isto só é

possível num ambiente humano de compreensiva aceitação, o que não equivale, não pode

equivaler, a permissiva perda de autoridade do professor e da escola. Antes pelo contrário. Ter o

sentido de liberdade e reconhecer os limites dessa mesma liberdade evidencia um espírito crítico

e uma responsabilidade social.

A noção de professor reflexivo

A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e

reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de idéias e

práticas que lhe são exteriores. É central, nesta conceptualização, a noção do profissional como uma

pessoa que, nas situações profissionais, tantas vezes incertas e imprevistas, atua de forma inteligente

e flexível, situada e reativa. Na concepção sch

é produto de uma mistura integrada de ciência, técnica e arte e evidencia uma sensibilidade quase

artística aos índices, manifestos ou implícitos, na situação em presença.

Page 21: Auxílio para concurso público pebii

Continuo a acreditar nas potencialidades que nos oferece a proposta de formação do professor

reflexivo. No meu país reconheço nela um potencial que tem ajudado os professores a tomarem

consciência da sua identidade profissional que, só ela, pode levar à permanente descoberta de

formas de desempenho de qualidade superior e ao desenvolvimento da competência profissional na

sua dimensão holística, interativa e ecológica. Reconheço, porém, a necessidade de proceder a

novas formas de aprofundamento e de, como afirmei na introdução, acentuar o caráter colaborativo

no coletivo docente.

A relação entre o professor reflexivo e a escola reflexiva

O professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu local de trabalho,

que ele, com os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Mas se a vida dos

professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar

condições de reflexividade individuais e coletivas. Vou ainda mais longe. A escola tem de se pensar

a si própria, na sua missão e no modo como se organiza para a cumprir. Tem, também ela, de ser

reflexiva.

Mas o que é a escola? Uma comunidade educativa, um grupo social constituído por alunos,

professores e funcionários e fortes ligações à comunidade envolvente através dos pais e dos

representantes do poder municipal. A idéia do professor reflexivo, que reflete em situação e

constrói conhecimento a partir do pensamento sobre a sua prática, é perfeitamente

transponível para a comunidade educativa que é a escola.

Se a capacidade reflexiva é inata no ser humano, ela necessita de contextos que favoreçam o

seu desenvolvimento, contextos de liberdade e responsabilidade. É repetidamente afirmado, nos

estudos em que o fator da reflexão é tido em consideração, a dificuldade que os participantes

revelam em pôr em ação os mecanismos reflexivos, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos. É

preciso vencer inércias, é preciso vontade e persistência. É preciso fazer um esforço grande para

passar do nível meramente descritivo ou narrativo para o nível em que se buscam interpretações

articuladas e justificadas e sistematizações cognitivas.

Nestes contextos formativos com base na experiência, a expressão e o diálogo assumem um

papel de enorme relevância. Um triplo diálogo, poderei afirmar. Um diálogo consigo próprio, um

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diálogo com os outros incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência

e o diálogo com a própria situação, situação que nos fala, como Sch

metafórica.

Este diálogo não pode quedar-se a um nível meramente descritivo, pois seria extremamente

pobre. Tem de atingir um nível explicativo e crítico que permita aos profissionais do ensino agir e

falar com o poder da razão.

Os formadores de professores têm uma grande responsabilidade na ajuda ao desenvolvimento

desta capacidade de pensar autônoma e sistematicamente. E têm vindo a ser desenvolvidas uma

série de estratégias de grande valor formativo, com algum destaque para a pesquisa-ação no que

concerne à formação de professores em contexto de trabalho.

A escola na sociedade da aprendizagem

As mudanças de que temos vindo a falar não se situam só ao nível dos alunos e dos

professores. Elas estendem-se ao nível da organização que é a escola.

De uma maneira geral, direi que as escolas ainda não compreenderam que, também elas, têm

de se repensar. Permanecem na atitude negativa de se sentirem desfasadas, mal compreendidas e

mal-amadas, ultrapassadas, talvez inúteis. Quedam-se à espera que alguém as venha transformar. E

não perceberam ainda que só elas se podem transformar a si próprias. Por dentro. Com as pessoas

que as constituem: professores, alunos, funcionários. Em interação com a comunidade circundante.

As escolas que já perceberam o fenômeno, começaram a funcionar como comunidades auto-

críticas, aprendentes, reflexivas. Constituem aquilo a que chamei a escola reflexiva que defini

como:

“organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua

organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo

heurístico simultaneamente avaliativo e formativo" (Alarcão, 2001b:25).

A escola reflexiva não é telecomandada do exterior. É auto-gerida. Tem o seu projeto

próprio, construído com a colaboração dos seus membros. Sabe para onde quer ir e avalia-se

permanentemente na sua caminhada. Contextualiza-se na comunidade que serve e com esta

interage. Acredita nos seus professores, cuja capacidade de pensamento e de ação sempre

Page 23: Auxílio para concurso público pebii

fomenta. Envolve os alunos na construção de uma escola cada vez melhor. Não esquece o

contributo dos pais e de toda a comunidade. Considera-se uma instituição em desenvolvimento e

em aprendizagem. Pensa-se e avalia-se. Constrói conhecimento sobre si própria.

Uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é um local onde se produz

conhecimento sobre educação. Nesta reflexão e no poder que dela retira toma consciência de que

tem o dever de alertar a sociedade e as autoridades para que algumas mudanças a operar são

absolutamente vitais para a formação do cidadão do século XXI. Vem a propósito aqui mencionar a

introdução das novas tecnologias. Alguns países compreenderam a importância da escola na

educação dos jovens cidadãos e apostam numa educação autonomizante e atual. Numa escola deste

tipo a gestão da informação é muito importante.

Termino, recorrendo de novo à convicção de Morin de que é preciso organizar o pensamento

para compreender e poder agir. É esta idéia que é preciso introduzir nos paradigmas de formação

das pessoas e de funcionamento das instituições. Será esta a minha mensagem. O resto são

ferramentas. Úteis, sem dúvida. Mas apenas ferramentas.

Gerir uma escola reflexiva é gerir uma escola com projeto

Só um modelo democrático de gestão se coaduna com o conceito de escola reflexiva. Por

modelo democrático de gestão entendo um modelo organizacional em que todos e cada um se sente

pessoa. E ser pessoa é ter papel, ter voz e ser responsável. Um modelo em que cada um se considera

efetivamente presente ou representado nos órgãos de decisão. E em que há capacidade real de nego-

ciação e de diálogo capaz de ultrapassar as dicotomias entre o eu e o nós, entre os administrativos e

os professores, entre os professores e os alunos, entre os pais e os professores, entre os diferentes

órgãos dentro da escola, entre a decisão casuística e a decisão determinada por princípios gerais, e

entre aquilo a que Barroso (1992) chama a dicotomia entre a lógica do desejo e a lógica de ação.

Todos nós que habitamos a escola sabemos que fazemos parte de um sistema social onde

coexistem diferentes atores, diferentes filosofias, diferentes percepções e objetivos e muitos jogos

de poder conflituosos. A gestão de uma escola reside na capacidade de mobilizar cada um para a

concretização do projeto institucional, sem perder nunca a capacidade de decidir.

Gerir uma escola reflexiva é nortear-se pelo projeto de escola, em constante desenvolvimento

e tomar as decisões adequadas no momento certo. Relembro que o projeto deve ter sido

coletivamente construído e centrar-se sobre o núcleo duro da atividade da escola: a adaptação

contextualizada do currículo enquanto projeto nacional e a sua gestão em tudo o que isso implica de

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gestão de alunos, professores, funcionários, espaços, equipamentos, horários, recursos e, sobretudo,

gestão de aprendizagens. Mas relembro também que o projeto pode restar um documento inerte se

não houver o envolvimento continuado das pessoas. São as pessoas que, na qualidade de atores

sociais, dão vida aos projetos, desenvolvendo atividades várias, e mobilizando, nesse sentido, as

estratégias que se lhes apresentam como conducentes à realização das tarefas a executar.

Gerir uma escola reflexiva é, pois, ser capaz de mobilizar as pessoas para serem esses atores

sociais e transformarem o projeto enunciado em projeto conseguido ou o projeto visão em projeto

ação.

Gerir uma escola reflexiva implica ter um pensamento e uma atuação sistêmica que permita

integrar cada atividade no puzzle global e não deixar-se navegar ao sabor dos interesses individuais

ou das influências de grupos instituídos.

A reflexão sobre a gestão de uma escola reflexiva leva-me de novo às cinco dimensões

identificadas por Senge para as instituições aprendentes: liderança, modelo mental, visão partilhada,

aprendizagem em grupo e pensamento sistêmico. Nelas entronco a convicção de que o saber

(relação com o saber) se desenvolve na interação com a tarefa de educar, tarefa que coloca o

educando no centro da missão da escola (conceito de educação), mas também a certeza de que o

poder para organizar a educação não reside nas mãos individuais; pelo contrário, ele resulta das

interações que entre todos se desenvolvem com vista ao pensamento sobre o ato de educar e à

criação de condições contextualizadas para que esse maravilhoso fenômeno possa acontecer.

A título de conclusão, apresento alguns postulados para a gestão de uma escola reflexiva.

Gerir uma escola reflexiva é:

- ser capaz de liderar e mobilizar as pessoas;

- saber agir em situação;

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- nortear-se pelo projeto de escola;

- assegurar uma atuação sistêmica;

- assegurar a participação democrática;

- pensar e escutar antes de decidir;

- saber avaliar e deixar-se avaliar;

- ser conseqüente;

- ser capaz de ultrapassar dicotomias paralizantes;

- decidir;

- acreditar que todos e a própria escola se encontram num processo de desenvolvimento

e de aprendizagem.

O resultado de gerir uma escola reflexiva é ter a satisfação de saber que a sua instituição tem

rosto próprio e é respeitada por isso mesmo: porque é a escola X ou a escola Y, com nome próprio,

com identidade.

Pesquisa-ação e formação do professor

A pesquisa-ação tem múltiplas definições. Tomarei, como referência, a dos colaboradores de

Lewin, o grande conceptualizador da pesquisa-ação. Eles afirmam que a pesquisa-ação é:

“uma aplicação da metodologia científica à clarificação e á resolução dos problemas

práticos. É também um processo de mudança pessoal e social planeada. Em ambos os

sentidos constitui um processo de aprendizagem que dá particular relevo à qualidade

da colaboração no planeamento da ação e na avaliação dos resultados” (Benne,

Bradford e Lippitt, 1964:33).

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Nos últimos anos tem-se realçado o valor formativo da pesquisa-ação e a formação em

contexto de trabalho, pelo que muitas vezes se usa o trinômio pesquisa-formação-ação. Subjaz a

esta abordagem a idéia de que a experiência profissional, se sobre ela se refletir e conceptualizar,

tem um enorme valor formativo. Aceita-se também que a compreensão da realidade, elemento que

constitui o cerne da aprendizagem, é produto dos sujeitos enquanto observadores participantes

implicados. Reconhece-se ainda que o móbil da formação nos profissionais adultos advêm do

desejo de resolver os problemas que encontram na sua prática quotidiana.

Tendo em conta estas constatações, tentei articular três construções teóricas que nos permitem

compreender o papel e o valor da pesquisa-formação-ação no desenvolvimento individual e coletivo

dos professores e da escola em que se inserem, considerada também ela, em desenvolvimento e em

aprendizagem.

As três construções teóricas são:

a) a pesquisa-ação;

b) a aprendizagem experiencial;

c) a abordagem reflexiva.

Explicarei a sua articulação a partir de uma figura que, para o efeito, elaborei.

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A pesquisa-ação, a abordagem reflexiva e a aprendizagem experiencial

A pesquisa-ação é uma metodologia de intervenção social cientificamente apoiada e

desenrola-se segundo ciclos de planificação, ação, observação, reflexão. Como parte de um

problema que se pretende solucionar e como se sabe que para bem resolver um problema é preciso

caracterizá-lo primeiro, introduzi, na representação da minha conceptualização, o elemento

“problema” e associei-lhe as dimensões observação e reflexão que permite caracterizá-lo.

Se considerarmos agora a abordagem experiencial, cujo modelo foi concebido por Kolb

(1984), relembraremos que a aprendizagem é um processo transformador da experiência no

decorrer do qual se dá a construção de saber. Este processo compreende quatro fases, ilustradas na

figura.

São elas:

Page 28: Auxílio para concurso público pebii

a) experiência concreta,

b) observação reflexiva,

c) conceptualizacao,

d) experimentação ativa.

A essência do modelo é muito simples. Por processos de observação e reflexão, a experiência

é analisada e conceptualizada. Os conceitos que resultam deste processo de transformação servem,

por sua vez, de guias para novas experiências, o que confere à aprendizagem também um caráter

cíclico, desenvolvimentista.

A relação deste processo de aprendizagem com o percurso da pesquisa-ação é óbvia.

Tomando como ponto de partida os problemas emergentes da prática quotidiana dos professores

como atores envolvidos, e se efetivamente eles forem assumidos como problemas relativamente aos

quais se quer dar resposta, impõe-se, como primeira tarefa, a compreensão do problema nos seus

vários elementos. Este processo de desocultação da situação problemática, esta análise estruturada e

enquadradora, decorre de um processo de observação e reflexão, necessário à adequada

conceptualização da solução a planificar, que ocorre na fase seguinte.

Compreendido o problema, urge planificar a solução de ataque e pô-la em execução para, de

seguida, se observar o que resulta da experiência, se conceptualizarem resultados e problemas

emergentes, se planificar ou re-planificar, entrando assim num novo ciclo da espiral da pesquisa-

ação.

Se agora analisarmos o processo numa perspectiva re

nele encontrar as componentes da reflexão na ação e sobre a ação, a que acrescentei a da reflexão

para a ação, tão importante na pesquisa-ação.

A reflexão na ação acompanha a ação em curso e pressupõe uma conversa com ela.

Refletimos no decurso da própria ação, sem a interrompermos, embora com breves instantes de

distanciamento e reformulamos o que estamos a fazer enquanto estamos a realizá-lo, tal como

fazemos na interação verbal em situação de conversação.

A reflexão sobre a ação pressupõe um distanciamento da ação. Reconstruímos mentalmente a

ação para tentar analisá-la retrospectivamente.

Page 29: Auxílio para concurso público pebii

Para que a dimensão formadora atinja um alto grau formativo e um valor epistémico,

resultando em aquisição de conhecimentos a disponibilizar em situações futuras, importa que esse

processo seja acompanhado por uma meta-reflexão sistematizadora das aprendizagens ocorridas. É

o processo de meta-reflexão de que nos fala Sch

sobre a reflexão na ação.

Um pouco por todas as escolas estão a surgir grupos de professores que se constituem para

estudar um assunto ou encontrar solução para um problema do seu quotidiano. Isto revela um

comprometimento com a profissão, um desejo de aperfeiçoamento profissional e uma manifestação

de interesse pela melhoria da qualidade da educação. Parece-me, porém, que não bastam boas

intenções. É preciso saber como se pode ser mais reflexivo, para se ser mais autônomo, responsável

e crítico.

TOGNETTA, Luciene; VINHA, T. Quando a escola é democrática. Campinas,

Mercado das Letras, 2007.

UMA INTRODUÇÃO: A NECESSIDADE DAS REGRAS

Vandalismos, pequenos furtos, ameaças aos professores, violência entre crianças que, mesmo pequenas,

agridem fisicamente ou com elaborados palavrões...

São cenas que frequentemente podem ser encontradas nas escolas. O que fazer? – indagam professores e

pais, muitas vezes exauridos de forças para vencer essa batalha. Sim, uma batalha muitas vezes esquecida

nas instituições que formam os profissionais que atuarão nos diversos sistemas educacionais.

Nesses cursos de formação de educadores, os programas tratam do desenvolvimento e da aprendizagem do

aluno como um todo, como um ser harmônico. No entanto, se são discutidas as diferentes disciplinas do

currículo escolar, geralmente, pouco ou nenhum tempo sobra para a reflexão e mesmo para o conhecimento

de um aspecto tão importante quanto o desenvolvimento cognitivo, alvo maior das diferentes disciplinas: o

desenvolvimento moral.

Considerando que as regras fazem parte de qualquer instituição educativa, interferindo na qualidade das

relações interpessoais e, consequentemente, no desenvolvimento moral de nossas crianças, torna-se

imperativa essa discussão sobre como construí-la na escola, em um ambiente sociomoral que seja à sua

construção e à legitimação dos princípios construtivistas de educação.

Para isso, apresentamos dados e nossas discussões resultantes de um estudo de caso que objetivou avaliar se

o ambiente escolar influencia a maneira como os alunos se relacionam e lidam com seus conflitos

interpessoais. Nessa pesquisa, foram selecionadas duas classes do 3º ano do ensino fundamental de escolas

públicas, cujas docentes possuíam perspectivas espistemológias e constituíam ambientes sociomorais

bastante distintos, sendo que uma atuava sob orientação construtivista e a outra, de forma tradicional e,

portanto, empirista.

Page 30: Auxílio para concurso público pebii

Ao identificar o ambiente sociomoral, constatou-se que, na classe tradicional, o ambiente predominante era o

autocrático (coercitivo), enquanto a outra apresentava era o autocrático (coercitivo), enquanto a outra

apresentava características democráticas (cooperativo).

AS REGRAS E O AMBIENTE AUTOCRÁTICO

Observou-se que, nas classes autocráticas, as regras existentes e que são impostas pelo professor visam ao

bom comportamento e ao controle. Em nome da disciplina, da “aprendizagem” ou do bom andamento dos

trabalhos, são tomadas, muitas vezes, determinadas medidas autoritárias e impostas regras abusivas, como

por exemplo, pretender que as crianças fiquem sentadas em silêncio após concluírem suas atividades, ou,

ainda, fixar um horário antes e depois do recreio para irem ao banheiro e beberem água.

Assim, para manter a obediência, conseguir o silêncio e o bom comportamento, os professores valem-se de

ameaças e sanções expiatórias, como, por exemplo, deixar as crianças sem o recreio ou retirar as aulas de

educação física, realizar cópias, encaminhá-las para a diretoria ou contar aos pais.

Também se observou nas classes autocráticas, como em inúmeras outras escolas, a necessidade de um

controle demasiado por parte de alguns professores que demonstram querer legislar sobre quase tudo. Esses

pretendem determinar como os alunos devem se vestir, como devem se comportar e como usar os materiais.

Infelizmente, tal clima de cooperação ainda está distante de nossas escolas. Dados encontrados em pesquisa

realizada em escolas públicas e particulares indicam que 47% dos professores dedicam entre 21% a 40% do

seu dia escolar aos problemas de indisciplina e de conflitos entre os alunos.

Advertem e punem alguém que furtou ou agrediu, assim como a uma criança que, brincando, esconde o tênis

do colega ou não faz uma atividade; colocam-se no mesmo patamar regras como “agredir o colega” e

“desrespeitar” e outras como “não copiar a tarefa” e “chegar atrasado”. Com tamanha desproporção, como

essas crianças e esses jovens vão estabelecer distinção e hierarquias entre as diversas normas e os princípios?

Outra consideração que podemos fazer: muitos professores e pais brigam com suas crianças obrigando-as a

cumprir regras absurdas, sem ao menos parar para refletir se elas de fato necessárias para ordenar as relações

ou para o processo de aprendizagem, se são justas e respeitosas. Ao serem questionados, esses educadores,

frequentemente, numa atitude heterônoma, dizem: “mas é a regra da escola”; “essa norma já existe há muito

tempo”; “se a regra existe tem que cumprir”. Assim, atuam na manutenção de relações de respeito unilateral

e reforçam a heteronomia. É a escola da obediência, da submissão.

Nota Explicativa (* Heteronomia é o contrário de autonomia, e é quando um individuo se sujeita à vontade

de terceiros ou de uma coletividade. É uma imposição exterior que decorre da sua natureza obrigatória.)

Esse modelo de disciplina gera focos de resistência que se manifestam justamente por aquilo que a escola

tenta tanto controlar: o comportamento. Alguns alunos se submetem, outros tentam criar seus próprios

espaços de liberdade e de fala por meio do movimento, da conversa, do “desrespeito às regras instituídas”.

Ao impor as regras, impedindo que os alunos tenham as experiências necessárias para a aceitação interior e,

portanto, para a legitimação das normas, os educadores tornam-nas exteriores ao sujeito (pois não foram

construídas por intermédio da reflexão ou tiveram suas necessidades descobertas por meio de

experimentações efetivas). Assim sendo, passam a ser cumpridas apenas enquanto a autoridade que as

institui estiver presente, gerando uma obediência superficial e heterônoma que permanece somente enquanto

há o medo de ser punido ou quando se espera uma recompensa.

Page 31: Auxílio para concurso público pebii

La Taille (1998) coloca que a educação autoritária tende a gerar indivíduos submisso, conformistas,

obedientes a uma autoridade, mantendo altos níveis de heteronomia, pois a criança é “submetida a constantes

pressões e expressões que lhe dizem que obedecer e pensar são atitudes contraditórias”.

Mantém-se ainda mais a heteronomia quando há a predominância de uma relação de coação entre professor e

o aluno, quando são privilegiadas as atividades realizadas individualmente, impedindo as trocas sociais entre

os alunos, quando são impostas regras desnecessárias e com “excesso de significado”, que somente ensinam

que obedecer é importante; e, enfim, é ensinada a moral tal como se esta fosse uma “matéria a parte”.

Essa descrição, encaixa-se nos procedimentos e relações estabelecidas nas escolas autocráticas, cujos

professores, mesmo sem intenção, por proporcionarem um ambiente coercitivo, pouco contribuem e, não

raro, até dificultam o desenvolvimento moral de seus alunos.

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PRINCÍPIOS E AS REGRAS NÃO-NEGOCIÁVEIS

REGRAS E PRINCÍPIOS EM JOGO

Se forem analisados numa perspectiva lógica, os conteúdos morais se dividem em valores, de onde se

derivam os princípios, de onde se derivam as regras. Todavia, do ponto de vista da criança, ocorre o

contrário: a primeira interação da criança é com o universo das regras, que é concreto; por volta dos oito

anos, ela abstrai o espírito das regras entrando em contato com os princípios (começando a questionar por

exemplos as situações de injustiça); e, posteriormente, na adolescência, há a discussão sobre os valores.

Muitas vezes se observam nas instituições escolares regras que não têm princípios claros. Por certo, todo

educador deveria refletir cuidadosamente nos princípios que estão por trás das normas existentes.

AS REGRAS NÃO NEGOCIÁVEIS

Equivocadamente alguns educadores acreditam que qualquer coisa relacionada a comportamento deve ser

combinada, discutida, negociada; que aquilo que o grupo de crianças decide deve ser aceito porque “partiu

da classe”. Entretanto, é preciso esclarecer que nem tudo se discute. Há determinadas normas que não são

negociáveis. Não se discute, por exemplo, se pode ou não bater nos outros.

Atualmente, é considerado construtivo “fazer regras” com os alunos. Todavia, o professor muitas vezes

inicia esse trabalho com seu grupo sem ter estudado ou refletido sobre o papel dessas regras. Ignora-se

também que as regras surgem de uma necessidade e que, portanto, não se devem realizar as famosas “listas

de regras” na primeira semana de aula, visto que muitos problemas ainda não foram vivenciados.

É necessário considerar ainda que, na instituição escolar, coexistem dois tipos de normas: as que são

negociadas, em que são realizados contratos (“combinados”) que foram mencionadas anteriormente, e outras

que não são negociáveis. Geralmente necessárias para as crianças mais novas, as normas não negociáveis são

apenas refletidas e explicitadas quando for preciso, não necessitando ser discutidas ou elaboradas por todos.

Page 32: Auxílio para concurso público pebii

Nem tudo pode ou deve ser combinado, como por exemplo, as regras de boa saúde e segurança: o escovar os

dentes não é e nem pode ser um “combinado”, pois é uma lei de boa saúde. Essas leis não-negociáveis

existem em pequeno número na classe ou na escola, apenas quando realmente necessárias, e são reafirmadas

de forma objetiva e firme quando surgem situações que as envolvam. Dizem respeito, a não causar dano a si

mesmo e aos outros. Na relação com a criança pequena há mais regras não-negociáveis, que vão tornando

negociáveis conforme ela vai crescendo.

AS REGRAS CONTRATUAIS: AS ASSEMBLÉIAS

Foi visto que as regras contratuais, que devem preservar e propiciar ao sujeito o respeito por si próprio e pelo

outro, ou seja, o bem-estar de todos, precisam ser discutidas e negociadas quando surgir uma necessidade,

como conflitos não solucionados ou insatisfações recorrentes diante de determinados comportamentos. Esses

temas são debatidos na hora da roda ou na avaliação do dia com as crianças pequenas ou por meio das

assembleias de classe com as mais velhas. Assim os alunos passam a ter papel ativo no processo de

elaboração das regras, deixando de ser somente aqueles que estavam destinados a obedecer.

Dessa forma, são essências tanto a prática quanto a reflexão de temas referenciados no princípio da

dignidade do ser humano, como a justiça, o respeito, o diálogo, a igualdade, a solidariedade.

O procedimento das assembleias não é recente, já existindo há tempos em escolas que se propuseram a criar

espaços democráticos de participação de todos os envolvidos no processo de educação; as assembleias

traduzem-se como a possibilidade de evolução moral dos sujeitos que delas participam. E é justamente esse o

grande objetivo da escola: formar sujeitos autônomos.

As serem formuladas com base nas discussões realizadas em assembleias, as regras serão entendidas pelos

alunos como necessidades e não como imposições dos adultos para com eles. Se parte de uma necessidade

do grupo, quando formulada, a regra é tomada como responsabilidade de todos. Ora, o raciocínio é simples:

sentimo-nos responsáveis por aquilo que é nosso, que nos pertence.

Quando se discute um conflito, nem sempre o procedimento de resolução resulta em regra. Digamos que um

item da pauta seja o sumiço de materiais dos alunos. Mais importante do que criar uma regra que coíba esse

comportamento é discutir as razões para não mexer nas coisas alheias.

Após constituírem as regras, o coordenador pede às pessoas que apresentem propostas para que o problema

não volte a se repetir, ou então que ajudem o grupo, os colegar ou amigo a se conscientizarem das

consequências de um conflito e a cumprir as normas acordadas. Um acordo significa o compromisso de

todos os integrantes de cumpri-lo.

OUTRO RECORTE DA REALIDADE ATUAL: QUANDO O AMBIENTE É DEMOCRÁTICO

Em nossas visitas a escolas encontramos algumas classes democráticas em que as regras contratuais são

elaboradas nas assembleias conforme os problemas vão surgindo.

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Nas classes democráticas, quando era constatado que algumas regras não estavam “dando certo”, ou quando

uma das partes sentia-se prejudicada, o acordo anterior era novamente analisado, revisto e, se necessário,

reelaborado num processo de negociação constante.

Os problemas que ocorrem no espaço escolar precisam ser considerados como parte do processo educativo,

planejados e trabalhados como as outras matérias.

A educação elucidativa compreende que o erro faz parte do processo. Assim, reconhece no erro a

oportunidade para ajudar a criança a observar as consequências dos atos e escolhas, orientar seu pensamento

para um modo construtivo de reparo e prevenir quanto aos possíveis resultados de suas opções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos constatar recortes de duas realidades distintas – um ambiente autoritário e outro, seu contrário,

democrático, e as características que os distinguem.

Somente um ambiente no qual o aluno experimente viver situações que o levem a construir seus valores

morais pelo respeito mútuo, a praticar a justiça como um exercício constante e a tomar decisões e assumir

responsabilidades pode promover uma autodisciplina que o tornará capaz de regular seu próprio

comportamento, não se limitando simplesmente a obedecer a ordens exteriores à sua consciência.

Em vez de utilizarem procedimentos temporários da educação para o presente, que levam o sujeito a

conformar-se com as normas, dadas as manipulações feitas pelos adultos, como o poder de autoridade, o uso

de recompensas (notas altas, pontos positivos) e de punições, se esses mesmos professores desejam a

formação de pessoas autônomas, faz-se necessário que propiciem que a apropriação das normas se dê por

meio da reflexão, da discussão e da ação, permitindo a criança perceber as consequências naturais de sua

atitude.

Em geral, o que se encontra nas escolas são ambientes intermediários, com características de ambos os

modelos apresentados por nós, nem tão democráticos, nem tão autocráticos.

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