autorretrato bocage e o'neill
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AUTORRETRATO10.A
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Magro, de olhos azuis, carão moreno,Bem servido de pés, meão na altura,Triste de facha, o mesmo de figura,Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir num só terreno,Mais propenso ao furor do que à ternura;Bebendo em níveas mãos por taça escuraDe zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades(Digo, de moças mil) num só momentoE somente no altar amando os frades;
Eis Bocage, em que luz algum talento;Saíram dele mesmo estas verdadesNum dia em que se achou mais pachorrento. Bocage
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AUTORRETRATO
O'Neill( Alexandre ), moreno português,cabelo asa de corvo; da angústia da cara,nariguete que sobrepuja de travésa ferida desdenhosa e não cicatrizada.Se a visagem de tal sujeito é o que vês( omita-se o olho triste e a testa iluminada )o retrato moral também tem os seus quês( aqui uma pequena frase censurada...).No amor? No amor crê ( ou não fosse ele O'Neill )e tem a veleidade de o saber fazer(pois amor não há feito ) das maneiras milque são a semovente estátua do prazer.Mas sofre de ternura, bebe demais e ri-sedo que neste soneto sobre si mesmo disse...( 1962 ) Alexandre O'Neill
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Semelhanças entre os autoretratos de Bocage e Alexandre O’Neill Caracterização física dos sujeitos poéticos Bocage – magro, olhos azuis, carão moreno, bem servido de pés, meão na altura,nariz alto no meio, e não pequeno, níveas mãos.
O’ Neill – moreno, cabelo de asa de corvo, nariguete que sobrepuja de través, a ferida desdenhosa e não cicatrizada. Os dois autorretratos têm traços físicos em comum, dando-se maior destaque à cara e ao tamanho do nariz dos sujeitos poéticos.
O aumentativo “carão” no poema de Bocage e a referência a uma “ferida desdenhosa” em O’ Neill, remetem para a pouca beleza de ambos.
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Entre os poemas existe também uma clara analogia na selecção do vocabulário.
Por um lado, existem vocábulos iguais em ambos os poemas, tais como "moreno", "ternura" e "amor" e, por outro, existem outros vocábulos e expressões que, apesar de não serem iguais, remetem para uma mesma ideia: - facha (Bocage) / visagem (O’ Neill) - face do sujeito poético
- luz algum talento (Bocage) / testa iluminada (O’ Neill) – talento do sujeito poético
- saíram dele mesmo estas verdades (Bocage) / ri-se do que (...) sobre si mesmo disse (O’ Neill) – autenticidade / falta de autenticidade do sujeito poético
- nariz alto (..) e não pequeno (Bocage) / nariguete que sobrepuja de través (O’ Neill) – tamanho do nariz
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De salientar também na presença de traços de subjetividade através da ironia e do traço caricatural: Carão (v. 1 Autorretrato de Bocage)
Bem servido de pés (v. 2 Autorretrato de Bocage)
e ri-se/ que neste soneto sobre si mesmo disse (vv. 13-14 Autorretrato de O'Neill)
e não pequeno (v. 4 Autorretrato de Bocage)
Eis Bocage, (v. 12 Autorretrato de Bocage)nariguete (v. 3 Autorretrato de O'Neill)que sobrepuja de través (v. 3 Autorretrato de O'Neill)
(omita-se o olho triste e a testa iluminada) (v. 6 Autorretrato de O'Neill)
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As diferenças entre os autorretratos de Bocage e Alexandre O’Neill Caracterização psicológica dos sujeitos poéticos Autorretrato de Bocage
“Incapaz de assitir num só terreno” = impetuoso“Bebendo em níveas mãos por taça escura/De zelos infernais letal veneno” = ciumento“Devoto incensador de mil deidades” = apaixonado“E somente no altar amando os frades” = anticlerical
Auto-retrato de Alexandre O'Neill "(...) da angústia da cara,(...)omita-se o olho triste (...)" = amargurado"o retrato moral também tem os seus quês" = falível" (...) No amor crê (...)e /Mas sofre de ternura (...)" = afetuoso
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Ambos os sujeitos poéticos se sentem tristes e consideram ter os “seus quês” a nível moral (notar o vocábulo “também”, no poema de O’ Neill, que estabelece uma comparação entre os defeitos dos traços físicos e os defeitos dos traços morais do sujeito poético).
Contudo, têm uma atitude diferente em relação ao amor, pois o temperamento arrebatado do sujeito poético do auto-retrato de Bocage (inconstante no amor) “Mais propenso ao furor do que à ternura” difere da posição do sujeito poético do poema de O’ Neill que crê no amor, deseja saber amar, mas “sofre de ternura”.
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No soneto de Bocage, as expressões “eis Bocage” e “estas verdades” designam tudo o que ele próprio disse, num tom conclusivo, acerca de si e conferem autenticidadee veracidade ao autorretrato.
Em contrapartida, no poema de O’Neill é a conjunção coordenativa adversativa “mas” que vem estabelecer esse tom conclusivo, só que aqui não há qualquer alusão à sinceridade; antes pelo contrário, essa sinceridade é substituída pelo riso e pelo desdizer (“Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se/do que neste soneto sobre si mesmo disse... ”).
Por isso, no poema de O’Neill não se pode falar em sinceridade, ao contrário do que se passa no autorretrato de Bocage.
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Comparação entre os autorretratos de Bocage e Alexandre O’Neill a) Os dois poemas têm o mesmo tipo de registo enumerativo,
no entanto existem algumas diferenças:
- Em ambos os poemas se evita a repetição dos verbos copulativos. No autorretrato de Bocage predomina a coordenação assindética (vírgulas a separar as várias orações) e no Autorretrato de Alexandre O' Neill conjuga-se a coordenação assindética com a sindética (vírgulas e conjunções coordenativas a separar as orações).
b) A nomeação do sujeito aparece em lugar diferente nos dois sonetos: no Autorretrato de Bocage aparece no último terceto, no Autorretrato de O' Neill aparece no 1.º verso.
c) No soneto de Bocage, utiliza-se a 3.ª pessoa (“se achou”) para referir o objeto de descrição e a 1.ª pessoa (“digo”) para designar o enunciador. Em contrapartida, O' Neill emprega igualmente a 3.ª pessoa para se referir quer ao objeto de enunciação, quer ao sujeito.