autora: fátima irene pinto a criança que eu não fui aflora agora, após quase meio século de...
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Autora: Fátima Irene Pinto
A criança que eu não fui aflora agora, após quase meio século de
vida.
Eu acreditei que pudesse abafá-la para todo o sempre e nunca levei a sério todos os
seus veementes apelos para ressurgir e
manifestar-se.
Ocorre que ultimamente ando esbarrando nela a todo instante, do
jeitinho que a deixei há quarenta e tantos
anos atrás: extremamente tímida,
sobressaltada, sem defesas para um mundo que lhe
parecia por demais hostil e complicado.
De família numerosa, meus
assoberbados pais não tinham
tempo para entender a minha interna tragédia, tampouco para resgatarem-me
dos dramas que a minha criança
resolveu sozinha e resolveu
completamente errado.
Incorporei todos os
rótulos que me deram nas
minhas primeiras
tentativas de convivência
entre os humanos:
desajeitada, limitada,
mela-festa, esquisita.
Então a minha criança entendeu
que para merecer fazer parte da vida e
receber um mínimo de carinho e
aceitação, era preciso fazer
coisas heróicas e grandiosas. Em cima desta idéia
pautei toda a minha existência.
Tenho que dar um salto aqui - não
interessa narrar os meus grandiosos e
heróicos feitos - mas é preciso ressaltar sim,
os desumanos sacrifícios
despendidos nesta empreitada e para
onde eles me levaram: depressões profundas e síndrome do pânico cujas seqüelas ainda hoje se fazem sentir.
As vezes me pergunto porque o "Supremo" não intercedeu por
mim naquela época, mandando-me uma
Angélica criatura para lembrar-me que nada daquilo era preciso e que a despeito das minhas esquisitices,
eu era merecedora de amor respeito e
aceitação?
Esta narrativa fica pela metade, pois só agora
começo a dar-me conta do tamanho e da
gravidade do equívoco. Só agora estou disposta a romper a muralha de
aço entre o meu eu adulto (e mal resolvido)
e aquela criança que não me permiti ser e que agora explode à minha revelia, não
aceitando mais o porão escuro onde a
trancafiei por tantos anos.
Espero que haja tempo para resgatá-la
e deixá-la ser feliz pela primeira vez na vida, sem que nada ela tenha que fazer
de sobre-humano, de heróico ou grandioso,
de notório ou relevante.
Perdoa-me, minha criança!Eu joguei duro
demais com você por
ignorância.Liberto-a
agora!Esteja feliz!
Esteja em paz!
Respeite meu trabalho, repasse s/ retirar os créditos
Formatação: Gi ManteliE-mail: