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ISSN 2176-1396

AUTONOMIA E EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE SOBRE A

CONCEPÇÃO DE AUTONOMIA NOS CENTROS MUNICIPAIS DE

EDUCAÇÃO INFANTIL DE PARANAGUÁ

Caroline Lobo Santos de Queiroz1 - UNESPAR

Mary Silvia Miguel Falcão2 - UNESPAR

Eixo – Educação da Înfância

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este trabalho teve como objetivo compreender o que é autonomia na criança e analisar as

concepções de autonomia de educadoras e professoras de três Centros Municipais de Educação

Infantil de Paranaguá, a partir dos princípios que norteiam o desenvolvimento das suas práticas

pedagógicas no interior dos CMEI’s. Trata-se de pesquisa qualitativa, portanto os dados foram

obtidos por meio de entrevista semiestruturada. Para fundamentar a pesquisa de campo foi

realizada uma pesquisa teórica sobre o histórico da infância para compreender as diferentes

maneiras que a criança foi vista até ser entendida como cidadã, que possui, portanto, direito à

autonomia. O conceito de autonomia na criança foi construído a partir de teóricos como

Rousseau (1995), Piaget (1994) e Freire (1996), com o suporte de alguns comentadores e de

trabalhos realizados na área. Também tomou-se como suporte teórico o Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) e o Parâmetro Nacional de Qualidade para

a Educação Infantil (BRASIL, 2006). A partir do aporte teórico constituído foi possível

compreender que a criança é um sujeito de direitos e que tem um jeito próprio de conhecer e

compreender o mundo, nesse contexto cabe ao educador mediar a construção do conhecimento

a partir da ampliação de suas experiências, possibilitando o desenvolvimento de sua autonomia.

Por meio da pesquisa de campo constatou-se que teoricamente as entrevistadas sabem da

importância de se desenvolver a autonomia na criança, mas a concebem por meio de ações

vagas, pois não foram perceptíveis em suas falas a construção da autonomia associada à

capacidade de criar, de tomar decisões, ao ato de conhecer, entre outros. Portanto, embora as

entrevistadas demonstrem ter entrado em contato com teorias que indicam uma educação

autônoma, não foram perceptíveis práticas que afirmem tais teorias.

Palavras-chave: Autonomia na criança. Educação Infantil. Infância.

1 Caroline Lobo Santos, graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR – Campus

Paranaguá. Email: [email protected]. 2 Mary Sylvia Miguel Falcão, doutora em Educação pelo Programa Educação, Estado e Sociedade da USP (2011).

Pesquisadora da área de Políticas Públicas, Gestão e Financiamento Educacional. Email:

mayfalcã[email protected].

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Introdução

Este trabalho tem por objetivo analisar o conceito de autonomia e compreendê-lo no

universo das práticas pedagógicas com as crianças pequenas. A intenção foi investigar como os

professores da educação infantil lidam com o conceito de autonomia da criança que podem

contribuir com a instituição da gestão democrática.

Assim, tendo em vista a investigação que se pretende, buscou-se compreender como as

educadoras e professoras dos Centros Municipais de Educação Infantil concebem a autonomia

da criança. E para isso, parte-se do pressuposto de que a infância tem se constituído ao longo

da história, pois segundo Schultz e Barros (2011) a concepção de infância é determinante nos

modos de tratar a criança dentro dos espaços que ela ocupa.

Sendo assim, segundo Ariès (1986), até o século XII a infância não havia se

especificado, a criança era inserida no mundo adulto logo após o desmame. No entanto “por

volta do século XIII, surgiram alguns tipos de crianças um pouco mais próximos do sentimento

moderno” (ARIÈS, 1986, p. 52).

Desse modo entende-se que desde o século XIII a infância começou a ser descoberta,

passou por uma evolução entre os séculos XV e XVI e foi evidenciada no século XVII.

Portanto, é

[...] a partir desse século que a sociedade começa a dar maior atenção aos sentimentos

da infância. Aos poucos, a criança começa a ganhar espaço na sociedade e já começa

a ser representada, não só com certa frequência, como também, como sujeito; e

caracterizada, para além do seu tamanho, como acontecera, nos séculos anteriores

(FRANCISCO, 2016, p. 66).

Diante disso, mudanças começaram a ocorrer na sociedade, tanto na organização da

família, que direcionou sua centralidade para a criança, como também na educação.

Até então a educação das crianças se dava por meio do convívio com os adultos, mas

com a influência de importantes educadores, e principalmente de Jean Jacques Rousseau, a

educação da criança assumiu um novo papel. Ele considerou a infância como idade autônoma,

valorizando a criança, seu tempo, seus desejos, seus sentimentos e sua liberdade.

Assim, Rousseau modifica a visão de infância – evidenciando que a criança tem um

mundo próprio, cabendo ao adulto compreendê-la – e elabora uma pedagogia que

celebra a naturalidade e a autenticidade da criança, e sua inocência em oposição ao

mundo adulto pervertido pelas convenções sociais (FURLANETTO, 2008, p. 2709).

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Desse modo, Até Rousseau, a criança era vista como adulto em miniatura, vestia-se

como adulto e aprendia coisas de adulto. Mas a partir da concepção dele, ela passou a ser vista

de um modo peculiar, passou a ter sua particularidade infantil reconhecida.

Nesse contexto, destaca-se a necessidade de considerar e favorecer o desenvolvimento

da autonomia nos processos de aprendizagem infantil.

Para Rousseau (1995) a autonomia da criança consiste em deixá-la viver seu mundo

infantil de forma natural, de forma livre, porém sem abrir mão de atender suas necessidades,

pois é tomando consciência de sua dependência social que ela entenderá que suas ações no

mundo devem ser limitadas. Em Rousseau, é essa compreensão que torna o indivíduo

autônomo.

Entretanto, para Piaget (1994), o desenvolvimento da autonomia depende de uma

maturação biológica e desenvolve-se a partir das regras morais, consistindo na capacidade de

tomar as próprias decisões a partir de consensos coletivos.

Já para Freire (1996), a autonomia é condição humana do indivíduo que se reconhece

como ser histórico e que é capaz de compreender e transformar a sua realidade. Segundo esse

autor,

[...] uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as

condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o

professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se

como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,

realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como

sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto (FREIRE, 1996, p. 46).

Assim, Freire (1996) defende que a libertação dos oprimidos ocorre com a construção

da autonomia que se dá por meio da educação crítica que considera o homem como sujeito de

sua historicidade e o conscientiza de sua identidade cultural, de sua classe social, do seu estado

de exploração, despertando sempre a criticidade que o emancipará, que o libertará da condição

de dominado.

É principalmente com base na concepção freireana de autonomia que a pesquisa de

campo será analisada.

O tópico a seguir abordará a questão da autonomia na educação infantil, esclarecendo a

necessidade de se educar com e para a autonomia desde a infância. Na sequência será

apresentada e discutida a pesquisa de campo. A análise dos dados será apresentada de modo

geral, com ênfase nas respostas que se destacaram nos contextos discutidos.

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Autonomia e Educação Infantil

Parece difícil pensar o desenvolvimento da autonomia na educação infantil a partir do

contexto discutido por Paulo Freire. No entanto, as famílias das classes populares, e

consequentemente os seus filhos são oprimidos e excluídos na medida em que, como humanos

criadores e transformadores, são negados pelo contexto social vigente.

Portanto, ao entender que desde a infância, as crianças são oprimidas e marginalizadas,

considera-se fundamental iniciar o seu processo de humanização tão cedo quanto se inicia o

processo de desumanização, com vistas a superá-lo.

É importante destacar que o educador, por meio de sua prática pode assumir o papel de

opressor, tendo em vista que o adulto tende a controlar a criança, fazendo-a agir de acordo com

as suas vontades e regras.

Geralmente agrada ao adulto a criança que, construída ao seu molde, pouco fala e pouco

se move, esta não incomoda, esta é considerada exemplo, mas também é considerada segundo

Rousseau (1995, p. 24), como uma criança “escrava e tirana, cheia de conhecimentos e

desprovida de sentidos, igualmente débil de corpo e alma, é jogada no mundo mostrando sua

inépcia”. Tal descrição da criança oprimida é consideravelmente forte, mas profundamente

relevante para despertar a reflexão do educador infantil a respeito de sua prática.

As crianças pequenas também são humanas, sujeitos históricos, e, portanto

protagonistas de sua própria história. Não deve o adulto aniquilá-la e preenchê-la com seus

conhecimentos. Mas, visando o desenvolvimento da autonomia precisa estar consciente de que

[...] o trabalho a ser realizado com essa faixa etária deve tomar a realidade e os

conhecimentos infantis como ponto de partida e os ampliar, por meio de atividades

que tenham significado concreto para a vida das crianças e que, concomitantemente,

assegurem a aquisição de novos conhecimentos, bem como cumpram sua função de

educar e cuidar (MARAFON, 2012, p. 128).

Nesse sentido, entende-se que a prática pedagógica que se faz em favor da autonomia

não anula a criança tal como ela é, não descarta os seus conhecimentos e não tenta embutir

nela características e idealizações que pertencem a um outro ser, ou a uma classe social que

não é a dela. Ao contrário, parte do seu conhecimento de mundo para a ampliação de suas

experiências, de modo que a realidade dos educandos é associada aos conteúdos trabalhados

(FREIRE, 1996, p. 33).

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Assim, constitui-se função específica da Educação Infantil o educar e o cuidar, sobre

essas funções Marafon (2012, p. 128) esclarece:

Entendemos o cuidar como consideração das necessidades da criança em relação à

qualidade da alimentação, proteção, saúde e afetividade. Para cuidar é necessário que

sejam estabelecidos vínculos afetivos entre professor e aluno. Assim, cuidar da

criança significa dar-lhe atenção, levando em consideração seu processo contínuo de

desenvolvimento. Quanto à função de educar, sua caracterização se dá no

compromisso pedagógico que se traduz na organização de situações em que a vivência

das crianças, no que diz respeito ao conhecimento de mundo e de si mesma,

envolvendo suas emoções e afetos, podendo resultar numa aprendizagem

significativa.

Nessa perspectiva, compreende-se que a educação infantil, enquanto humanizadora, tem

o papel de formar a criança como humano integral, ou seja, desenvolvido em todos os aspectos,

cognitivo, emocional, social, físico e moral. Mas para que as crianças sejam formadas

integralmente, a Educação Infantil deve constituir-se “um ambiente que garanta a segurança

física e psicológica delas, que lhes assegurem oportunidades de exploração e de construção de

sentidos pessoais que se preocupe com a forma pela qual elas estão percebendo-se como

sujeito” (MARAFON, 2012, p. 132).

A construção dos sentidos pessoais e a forma pela qual a criança se perceberá sujeito

dependem da postura do professor, que objetivando a construção da autonomia, apresentar-se-

á de forma democrática abrindo espaço para o diálogo que possibilita a troca de conhecimentos

e que faz o educando sentir-se parte do processo, sentir-se ativo, o faz construir-se como sujeito

histórico.

Sobre o diálogo Paulo Freire (1996) traz uma reflexão interessante:

[...] em conversa com um grupo de amigos e amigas , uma delas, a professora Olgair

Garcia, me disse que, em sua experiência pedagógica de professora de crianças e de

adolescentes mas também de professora de professoras, vinha observando quão

importante e necessário é saber escutar. Se, na verdade, o sonho que nos anima é

democrático e solidário, não é falando dos outros, de cima para baixo, sobretudo,

como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que

aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente

quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas

condições, precise de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder

falar com é falar impositivamente (1996, p. 127).

Com base nessa consideração, formula-se o pensamento de que o diálogo é o princípio

que rompe com o autoritarismo e imposição, com a educação na qual um é sujeito e outro objeto

e promove uma educação democrática, na qual ambos são sujeitos, portanto ambos exercem a

sua humanidade.

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Na medida em que, por meio do diálogo, a criança pode decidir entre uma coisa e outra,

considerando o que é melhor para si e para o meio social que a circunda, aí se encontra o

princípio da autonomia.

A mediação docente que parte da realidade do aluno e a problematiza, é fator

determinante no desenvolvimento do senso crítico infantil, que passa a subsidiar a criança no

seu conhecimento de mundo, e conforme ela vai se desenvolvendo, se torna consciente de que

é um sujeito histórico cultural, e assumindo a sua humanidade busca superar a contradição do

contexto social em que está inserido.

O Conceito de Autonomia da Criança Pequena na visão dos Educadores e Professores

dos Centros Municipais de Educação Infantil de Paranaguá

Considera-se fundamental para este trabalho compreender como os educadores e

professores concebem a autonomia da criança pequena e de que forma a articulam dentro da

sala de aula, uma vez que segundo o Parâmetro de Qualidade para a Educação Infantil (1998),

a Autonomia é um direito da criança, devendo portanto, ser contemplado nos processos de

aprendizagem cotidianos.

Contudo, esse direito só será contemplado se a criança for vista como sujeito na

construção de seus conhecimentos, pois ela tem um jeito próprio de conhecer o mundo e estar

nele, e como esclarece o RCNEI (BRASIL, 1998, p.21) “compreender, conhecer e reconhecer

o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da educação infantil

e de seus profissionais”.

Portanto, tendo em vista que cada criança é única e precisa ser compreendida na sua

particularidade, entende-se que uma das formas de desenvolver a autonomia consiste em não

coagir as crianças a agirem da forma que o adulto deseja, mas em respeitar a vontade, a

realidade, o tempo e a individualidade de cada uma, dando liberdade para que se expressem da

forma que é melhor para elas e possibilitando diferentes vivências por meio das quais possam

conhecer e compreender o mundo.

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Os Sujeitos da Pesquisa

O primeiro CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil – conta com 9 professoras

e 19 educadoras, mas de todas as propostas de entrevistas, apenas seis foram aceitas. Três

realizadas por professoras e três por educadoras.

Tabela 1 – CMEI I

Professora 1 Professor Magistério/ Graduação e

Pós 15 anos

Professora 2 Professor Magistério/

Graduação 24 anos

Professora 3 Professor Magistério/

Graduação 17 anos

Educadora 1 Educador Infantil Magistério/ Graduação/

Pós 16 anos

Educadora 2 Educador Infantil Magistério/ Cursando

Graduação 6 anos

Educadora 3 Educador Infantil Magistério/ Cursando

Graduação 9 anos

Fonte: As autoras.

Como é possível perceber, 100% das entrevistadas no CMEI I possuem Magistério de

nível médio. Desses 100%, 60% possui também graduação e pós-graduação, os outros 40%

estão cursando licenciatura em Pedagogia. Vale ressaltar que todas as graduadas são formadas

em Pedagogia, sendo que a professora 1 é formada também em Letras - Português.

O CMEI II possui 8 educadoras, mas apenas 3 realizaram a entrevista a pedido da

diretora, que solicitou que apenas uma de cada sala fosse entrevistada.

Tabela 2 – CMEI II

Educadora 4 Educador Infantil Magistério/ Graduação 17 anos

Educadora 5 Educador Infantil Magistério 13 anos

Educadora 6 Educador Infantil Magistério/ Cursando

Graduação 5 anos

Fonte: As autoras.

Entrevistada Função Formação Tempo de trabalho

Entrevistada Função Formação Tempo de trabalho

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A partir do exposto na tabela 2 nota-se que das três entrevistadas do CMEI II, todas

possuem magistério de nível médio. A educadora 4, além do magistério possui graduação em

Geografia e a educadora 6 está cursando licenciatura em Pedagogia.

Já o CMEI III conta com cinco professoras e duas educadoras, porém só uma professora

e uma educadora concordaram em realizar a entrevista.

Tabela 3 – CMEI III

Entrevistada Função Formação Tempo de trabalho

Professora 4 Professor Magistério/ graduação/

Pós 29 anos

Educadora 7 Educador Infantil Magistério / graduação 8 anos

Fonte: As autoras.

A tabela 3 mostra que as duas entrevistadas no CMEI III possuem magistério de nível

médio e graduação. A professora é graduada em história e pós-graduada em

Interdisciplinaridade na Escola. E a educadora é graduada em Pedagogia.

A Visão dos Sujeitos

Para compreender como a autonomia é concebida, foram feitas indagações acerca de

como esses profissionais pensam algumas questões e como suas práticas se realizam em sala

de aula cotidianamente. Para então, a partir de suas respostas, interpretar se a criança é vista

como sujeito histórico e de direitos, que se desenvolve por meio das interações que estabelece

com o outro e com o mundo, construindo sua autonomia. Nas questões da entrevista não foi

utilizada em nenhum momento a palavra “autonomia”, para não influenciar as respostas dos

sujeitos pesquisados.

A autonomia a partir de questões conceituais

Conhecer o que as pessoas entrevistadas entendem por objetivo da educação e qual é a

base sobre a qual é construído o seu relacionamento com seus alunos é fundamental para

compreender se há o desenvolvimento de uma formação autônoma.

A partir da análise das entrevistas constata-se que para as professoras e educadoras o

objetivo da educação consiste em formar cidadãos conscientes e participativos, capazes de

intervir na sociedade em que estão inseridos. Também destacaram como fim da educação o

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desenvolvimento pleno do educando - em seus aspectos sociais, físicos e psicológicos - e a

aquisição de conhecimentos.

Nota-se a partir dessa interpretação uma concordância das respostas analisadas com a

concepção de educação defendida neste trabalho, já que ele tem como princípio a educação

enquanto processo de humanização, o qual possibilita ao educando “assumir-se como ser social

e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador” (FREIRE, 1996, p.46).

Portanto considera-se que o objetivo da educação é formar o sujeito pensante e criador,

que constrói conhecimentos alicerçados em sua realidade, sendo capaz de compreendê-la e

transformá-la, porque desenvolveu sua autonomia.

Como esclarece Marafon, falando especificamente sobre a Educação Infantil,

[...] a criança deve ter oportunidade, desde sua infância, de criar sua autonomia. Nesse

aspecto, a educação infantil poderá contribuir de maneira peculiar, ajudando a criança

a entender a realidade em que vive, sendo capaz de agir sobre ela, deixando de “ser

para outro” e tornando-se “ser para si”, ou seja, um ser histórico e social (MARAFON,

2012, p. 134).

Assim, afirma-se que é possível a construção de uma educação que propicie o

desenvolvimento da autonomia desde a infância. Mas para isso, a realidade das crianças deve

ser a base do processo de aprendizagem.

No entanto, é importante destacar duas respostas das entrevistas, não por todo o

conteúdo que elas contêm, mas pelo uso de termos que intrigam quando se discute uma

educação para autonomia.

Quadro 1 – Objetivo da educação:

Questão: Professora 3 Educadora 3

Para você, qual é o objetivo da

educação?

Ensinar, transmitir

conhecimento, estimular o

aprendizado.

Dar acesso à informação e ao

conhecimento, formar cidadãos

críticos, disciplinar e contribuir

com um sujeito colaborativo

dentro da sociedade.

Fonte: As autoras.

A expressão “transmitir conhecimento” na resposta da professora 3, remete a lembrança

do que Freire (1987) chamou de educação bancária. Essa concepção de educação vai totalmente

contra a autonomia do educando, uma vez que não o considera ativo no processo de construção

do seu conhecimento, descartando a sua realidade e tudo o que o constitui.

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A expressão “disciplinar” no contexto da resposta da educadora 3 é contraditório.

Disciplinar em que sentido? Ao ver a palavra disciplinar parece que está se falando sobre algo

que deve ser moldado de acordo com os parâmetros de um outro alguém. Com mais clareza,

entende-se por essa expressão que a criança deve agir e se comportar como o adulto determina.

Nesse contexto, pode-se dizer que as crianças são objetos, pois introjetam e se adaptam

a regras e valores elaborados pelo professor, quando também poderiam ser sujeitos e ajudar na

elaboração de tais regras.

Não é de se estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação, os homens sejam

vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os

educandos no arquivamento dos depósitos que lhe são feitos, tanto menos

desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo,

como transformadores dele. Como sujeitos (FREIRE, 1987, p. 34).

A prática de uma educação que vá contra essa concepção bancária e considere o

educando como sujeito, exige o diálogo como base de sustentação para a relação professor-

aluno. As entrevistas revelam que as professoras e educadoras afirmam que a base da relação

com seus alunos é o afeto, o carinho, a criação de vínculos de confiança. Portanto interpreta-se

a partir dessas respostas que o que embasa as relações com as criança dentro dos CMEI’s é o

diálogo, pois não há outra forma de construir vínculos de confiança.

“Neste sentido, aluno e governante se colocam em posição de igualdade: ambos devem

dar e retribuir um ao outro” (CERIZARA, 1990, p. 57). Ao citar que professor e aluno se

colocam em posição de igualdade, busca-se demonstrar que ambos são sujeitos no processo de

aprendizagem, respeitando-se mutuamente e anulando a concepção na qual o professor é sujeito

e o aluno mero objeto.

A construção da autonomia – a criança como sujeito

Para que a autonomia da criança seja construída é extremamente necessário que suas

experiências sejam atreladas aos conteúdos, pois educar para autonomia exige respeito à

realidade dos alunos, e mais que isso, é preciso estabelecer relação dessa realidade com os

conteúdos a serem trabalhados (FREIRE, 1996).

Quadro 2 – Experiências das crianças em sala de aula:

Por que é importante levar para a sala de aula experiências do dia-a-dia das crianças?

Professora 1 Para que as experiências sejam significativas, e possam ser ancoradas em

aprendizagens construídas anteriormente.

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Professora 2 Toda experiência pode ser aproveitada em sala de aula para através delas

compartilhamos conhecimentos diferenciados.

Professora 3 Para conhecê-los melhor e entender sua realidade.

Professora 4

É importante porque surge a oportunidade de você orientar e elaborar atividades

que contribuam para ajudar a criança e até a família a enfrentar situações difíceis

no decorrer da vida.

Educadora 1

Porque ao meu ver, quando se parte do próximo para o distante, fica mais fácil

experimentarmos as diferenças. Como já disse Paulo Freire... “os educadores

precisam saber o que se passa no mundo das crianças com que trabalham”...

Educadora 2 É muito importante porque as crianças tem a oportunidade de se expressar,

compartilhando suas experiências.

Educadora 3 Para que se sintam mais confiantes e acolhidos, com sensação de pertencimento ao

meio.

Educadora 4 Para adquirir o conhecimento a criança precisa partir de uma base, com isso

associa experiências em sala de aula.

Educadora 5 Porque o aprendizado vai ser mais significativo se ela associa com experiências

vividas.

Educadora 6 Valorizar o histórico das crianças e aprimorar com conhecimentos.

Educadora 7 Para que eles se sintam mais seguros no ambiente escolar, propiciando um bom

relacionamento tanto com os colegas de turma quanto aos professores.

Fonte: As autoras.

A partir das respostas, pode-se dizer que aparentemente as professoras e educadoras

entendem a importância de utilizar a realidade da criança como base para o desenvolvimento

de atividades.

Segundo Marafon (2012), a realidade do educando deve ser o ponto de partida para o

trabalho na educação infantil, ampliando suas experiências cotidianas e fazendo com que as

atividades desenvolvidas promovam uma aprendizagem significativa.

Ao explorar sua realidade em sala de aula, as crianças têm a oportunidade de

compreendê-la à medida que ela vai sendo associada aos conteúdos ensinados.

A troca de experiências mencionada na fala da professora 2 é essencial para a interação

entre as crianças, possibilitando a construção de conhecimentos diferenciados.

Entretanto, a professora 3 responde de forma limitada, quando afirma que trabalhar o

cotidiano das crianças em sala de aula é importante para que o professor conheça e entenda

realidade dos seus alunos. O professor realmente precisa conhecer o dia-a-dia de suas crianças,

porém esse não é o objetivo principal, como parece pensar a professora.

A proposta da Educação Infantil “fundamenta-se na compreensão da necessidade da

criança apropriar-se e construir uma visão sobre o mundo, sobre si mesma, desenvolvendo suas

potencialidades para compreender e interferir na realidade” (MARAFON, 2012, p. 129).

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Nessa perspectiva, o objetivo principal é que a criança entenda a si mesma e a sua

realidade construindo uma visão de mundo e constituindo-se sujeito ativo, cabendo ao professor

o papel de mediador nesse processo.

Contudo, quando questionadas sobre como a criança é pensada no planejamento das

aulas, apenas algumas professoras demonstram saber que papel a criança deve assumir nesse

contexto.

Quadro 3 – Como a criança é pensada no planejamento da aula:

Ao planejar sua aula, como você pensa a criança?

Professora 1 Como sujeito de direitos, onde devo respeitá-la com suas individualidades, e

desenvolver suas potencialidades.

Professora 2 Elaborar atividades que busquem desenvolver a criatividade e socialização da

criança.

Professora 3 Penso em planejar uma aula que estimule cada vez mais.

Professora 4 Que a criança é o objetivo principal e planejo minhas aulas de maneira agradável,

segura e de conhecimento rico.

Educadora 1 Neste momento eu penso a criança como alguém que possui uma identidade, uma

saber, um fazer...

Educadora 2 Procuro pensar usando a criatividade e a imaginação, tentando deixar tudo

divertido.

Educadora 3 Como um ser ativo e pensante, capaz de realizar a atividade proposta com êxito.

Educadora 4 A criança em primeiro lugar. Ela participa, ajuda a construir o planejamento.

Educadora 5 1º lugar, inclusive ela ajuda a construir.

Educadora 6 Sendo o centro, a criança é a principal peça da aula.

Educadora 7 Em como posso tornar aquela atividade atrativa para que seja alcançado o objetivo.

Fonte: As autoras.

Diante do exposto, nota-se que algumas professoras e educadoras compreendem o

espaço que a criança ocupa quando afirmam que ao planejar suas aulas a consideram como

sujeito ativo, que possui uma identidade, um saber, uma individualidade, e duas educadoras

inclusive, dizem que as crianças tem a oportunidade de ajudar a construir esse planejamento.

Nesse sentido as crianças são pensadas como cidadãs de direitos, como indivíduos únicos e

singulares, conforme determina o Parâmetro Nacional de Qualidade para Educação Infantil

(2006).

Porém, há respostas que demonstram a falta de esclarecimento sobre quem a criança é

no contexto social e educacional. Algumas entrevistadas nem chegaram a responder como

pensam o educando em seus planejamentos, se referiram apenas as aulas e aos objetivos, que

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se tornam vagos uma vez que elas não sabem responder quem é a criança e que espaço ela ocupa

no seu planejamento.

A autonomia no dia-a-dia

Segundo as entrevistas, diariamente são realizadas atividades que possibilitam que a

criança desenvolva sua capacidade de criar. Tais atividades são desenvolvidas de forma lúdica,

por meio do faz de conta, brincadeiras, materiais manipulativos, como blocos de empilhar,

massa de modelar e também desenho livre.

No entanto, ao questionar as entrevistadas sobre a tomada de decisão por parte das

crianças, notou-se que algumas professoras e educadoras não tinham muita clareza sobre o

significado disso.

Quadro 4 – A criança e a capacidade de tomar decisões.

Você considera que a criança é capaz de tomar decisões? Como isso acontece?

Professora 1 Sim, quando apresento as atividades que realizaremos durante aquele dia, e elas

opinam qual gostaria de realizar primeiro.

Professora 2 Sim, é capaz. Através de pequenos atos, ao decidir do que brincar, que cor usar

durante as atividades, em que lugar sentar.

Professora 3 Sim, cada criança tem o seu tempo.

Professora 4 Sim, durante a ministração das aulas.

Educadora 1 Sim. A criança é cidadã, escolher é um de seus direitos. Mesmo sendo pequena e

vulnerável ela sabe muitas coisas.

Educadora 2 Sim, a criança tem essa capacidade inclusive durante as brincadeiras.

Educadora 3 Sim, por meio de estímulos.

Educadora 4 Sim. Trabalhamos a autonomia de cada criança.

Educadora 5 Sim trabalhamos autonomia

Educadora 6 Sim, pois não podemos interferir o seu processo de criar (criatividade).

Educadora 7 Sim, dando oportunidades à elas de tomar decisões, mas tudo com limites.

Fonte: As autoras.

Como é possível observar, todas as entrevistadas responderam que a criança é capaz de

tomar decisões. Porém, apenas as professoras 1 e 2 deixam claro que entendem que a tomada

de decisões no cotidiano das crianças consiste na capacidade de decidir o que fazer e o que

escolher nos diferentes momentos do dia. Como por exemplo, que atividade realizar, que

brinquedo utilizar, que música cantar, onde sentar, entre outros.

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As outras, embora também tenham respondido que a criança é capaz de tomar decisões

e duas delas até tenham mencionado a palavra autonomia, demonstraram que não possuem

clareza sobre como as crianças tomam decisões, pois apenas afirmam que elas são capazes, mas

não esclarecem como isso acontece, conforme pede o questionamento.

Diante disso, é relevante salientar que

[...] a Educação Infantil deve conhecer e investir no que é do interesse das crianças,

como forma de reconhecê-las como cidadãs de direito desde o nascimento. Desde

muito cedo, as crianças manifestam interesses das mais diversas maneiras que sua

experiência em cultura lhes possibilitou apropriar (OLIVEIRA (org.), 2012, p. 59).

Além de investir no que é de interesse da criança, a Educação Infantil também deve

ampliar suas experiências e enriquecer sua cultura, deixando a sua escolha cada vez mais

criteriosa.

Nesse sentido, as interações também são fundamentais para o desenvolvimento da

autonomia, visto que é a partir delas que as crianças compreendem o mundo e constroem

conhecimentos. Pois, “a aprendizagem é um processo que vai do social para o individual, ou

seja, a criança internaliza a relação com as pessoas, com os objetos, enfim, com todo o seu

entorno” (MARAFON, 2012, p. 136).

De acordo com as entrevistas, diariamente as crianças vivenciam atividades coletivas,

por meio das quais podem interagir com os colegas, como exemplo há a roda de conversa,

cantação de músicas, jogos e brincadeiras.

Sobre as experiências coletivas, é relevante salientar o que relata o Referencial

Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasil, 1998, p. 19),

[...] nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são próximas

e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o

mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio das

brincadeiras, explicitam as condições da vida a que estão submetidas e seus anseios e

desejos. No processo de construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais

diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses

originais sobre o que buscam desvendar. Nessa perspectiva as crianças constroem o

conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o

meio.

A partir do contexto analisado e da contribuição das professoras e educadoras, pode-se

afirmar que teoricamente a Educação Infantil tem caminhado para a formação da criança

criadora, que possui conhecimentos, que busca conhecer o mundo por meio das interações e

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que constitui-se portanto, sujeito autônomo. No entanto, ao analisar todos os aspectos da prática

desenvolvida, nota-se que ainda há uma contradição a ser superada.

A autonomia na construção da rotina

Considerando as crianças como sujeitos, a participação delas na construção da rotina é

fundamental. No entanto, sobre a rotina, apenas uma professora relatou que a constrói

juntamente com seus alunos.

Quadro 5 – A construção da rotina:

Questão: Professora 2:

Como é construída a rotina da sua sala de aula?

A construção da rotina é feita em roda, conversa

sobre o dia da criança, música de acolhida, jogos,

brincadeiras e atividades.

Fonte: As autoras.

Compreende-se a partir dessa resposta que a professora constrói a rotina da sua sala

diariamente com seus alunos em roda de conversa. Nessa forma de organização, observa-se que

a vontade das crianças é o fator determinante.

As demais, por sua vez, explicaram que as rotinas são construídas a partir de um

planejamento pedagógico que é executado de modo que não reprima o querer das crianças e

que contemple os seus interesses.

Se há o intuito de não reprimir o querer e os interesses das crianças, seria mais

significativo que as rotinas fossem construídas coletivamente, pois o espaço educativo “deve

ser um espaço democrático, em que o diálogo se faz presente” (MARAFON, 2012, p.141).

Enfim, por meio das entrevistas realizadas foi possível constatar que boa parte das

educadoras e professoras entendem a criança como cidadã que possui direitos, no entanto

percebeu-se a partir das falas que a maioria delas não possui clareza sobre o que é autonomia

na criança e nem sobre como essa autonomia é construída.

Considerações Finais

Por meio da realização desse trabalho foi possível entender que a infância trilhou um longo

trajeto através dos tempos até conquistar o seu reconhecimento. Foi somente no século XVII

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que mudanças significativas começaram a ocorrer na sociedade, tanto na organização da

família, como na educação.

Diante disso, postula-se que a infância é uma construção histórica e que passou por

diversas transformações até assumir o espaço que ocupa hoje. A infância agora é vista como

categoria da história humana, e isso abriu um campo de apoio à criança na área das políticas

públicas, que a reconhecem como sujeito de direitos e que, portanto, possui direito à autonomia

e a valorização de sua singularidade e individualidade, entre outros. É nesse sentido que se

defende uma educação infantil que propicie a construção da autonomia na criança.

A autonomia na criança é construída a partir de atividades que possibilitem a ela

entender a sua realidade por meio das experiências, exercitar sua capacidade de tomar decisões,

de dialogar, de perceber-se como ser ativo nos processos de aprendizagem, de explorar a

diversidade de coisas que existe a sua volta construindo seu conhecimento de mundo, enfim.

As crianças precisam descobrir que são ativas na construção da sua história, que podem agir,

decidir, transformar, criar e recriar.

A partir das entrevistas, pôde-se compreender que nos Centros Municipais de Educação

Infantil analisados, teoricamente as educadoras e professoras sabem da importância de

desenvolver a autonomia na criança e inclusive realizam práticas diárias visando este fim.

Entretanto, percebe-se em suas falas que elas concebem a construção da autonomia por meio

de ações vagas, não sendo identificadas em suas respostas a construção da autonomia associada

à leitura da realidade, à capacidade de criar, de tomar decisões, ao ato de conhecer, entre outros.

Diante disso, infere-se que todas elas entraram em contato com teorias que indicam uma

educação autônoma, porém não foram perceptíveis práticas que afirmem tais teorias.

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