authier-revuz, jacqueline - heterogeneidade(s) enunciativa(s) in caderno de estudos linguísticos 19

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Page 1: AUTHIER-REVUZ, Jacqueline - Heterogeneidade(s) enunciativa(s) In Caderno de Estudos linguísticos 19

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM·

CADERNOS

DE ESTVOOSLIN6VISTICOe'19~"à.

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O DISCURSO E SUAS ANÁLISES

Organizadores: Eni Pulcinelli OrlandiJoão Wanderley Geraldi

Cad.Est.ling. I Campinas Ju1Jdez.1990

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27. Esta expressão se deve a Régis Debray, que em sua Modeste ContribUlÍCn auxcérémonies ojJü:iel/es du db:ibne anniversaire (Maspero, 1978) evoca este dis­curso aparentemente sem propósito do "qualquer coisa", que florece hoje emnossas metrópoles. Imagem esclarecedora, com a condição de entender que estediscurso do "qualquer coisa" não se alimenta justamente de "qualquer coisa".

28. Porque o olho é ainda mais crrvel que o ouvido: diferentemente de um enuncIa­do, uma imagem não tem alhures; não se podll aplicar a ela uma "transforma­ção" negativa ou lnterrogativa.

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Cad. Est. Ling., Campinas. (19): 25-42. julJdez. 1990

HETEROGENEIDADE(S) ENUNCIATIVAS(S)

JACQUElINE AUTHIER-REVUZ

!Tradução de Celane M. Cruz e João Wanderley Geraldi)

A "complexidade enunciativa" está na moda: distanciamento,

graus de compromentimento, desnivelamentos ou deslocamentos enuncia­

tivos, polifonia, desdobramentos ou divisão do sujeito enunciador ... tantassão as noções que - em quadros teóricos diferentes1 - dão conta de formas

lingursticas discurslvas ou textuais alterando a imagem de uma mensagemmonódica. Numerosos trabalhos o testemunham, nestes últimos anos, tra­

tando do discurso refatado (direto, indireto, indireto livre), aspas, itálicos,

citações, alusões, ironia, pastiche, estereótipo, pressuposição, pré-cons­trutos, enunciado dividido, palavras "argumentativas" ...

Gostaria, aqui, de me interrogar sobre um conjunto de formas

que chamo de formas de "heterogeneidade mostrada" por inscreverem ooutro na seqüência do discurso - discurso direto, aspas, formas de retoqueou de glosa, discurso indireto livre, ironia2- relativamente ao estatuto das

noções enunciativas ("distância" etc,) evoca das acima, bastante problemá­tico a despeito ou em razão de seu caráter "natural", "intutivamente fa­lando" .

Parece-me que estas noções estão, de fato, necessariamente

ancoradas no exterior da Iingu/stica trazendo - de modo ingênuo ou teóri­

co· concepções do sujeito e de sua relação com a linguagem; e que é ina­dequado para a lingu/stica não explicitar sua relação com este exterior,

pois quaisquer que sejam as precauções tomadas para delimitar um campoautonomamente Ijngu/stico, num dominio como o da enunciação, o exte­

rior inevItavelmente retorna implicitamente ao interior da descrição e isto

sob a forma "natu ral" de reprodução, na análise, das evidências vi vencia­

das pelos sujeitos falantes quanto a sua atividade de linguagem. Assim. é.explicitamente que eu gostaria de não recorrer a abordagens que, do exte­

rior da Iingufstica, seduzi das irreversive/mente pelas evidências narc/sicas

do sujeito fonte e senhor de seu dizer, para recorrer a um exterior perti~

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nente para o campo lingulstico da enunciação, a fim de poder trabalharneste campo sem participar da "operação de salvamento do sujeito" queP. Kuentez (1972) denunciava há dez anos3•

Para propor o que chamo de heterogeneidade constitutiva dosujeito e de seu discurso, apoiar-ma-el, de um lado, nos trabalhos que to­mam o discurso como produto de interdiscursos ou, em outras papalvras,a problemática do dialogismo bakhtinlano; de outro lado, apoiar-ma-el naabordagem do sujeito e de sua relação com a linguagem permitida porFreud e sua releitura por Lacan.

É em relação a esse exterior à lingulstica - Isto é, levando-o emconta mas sem com ele se confundir, tentando mostrar a Irredutibilidade e

a articulação dos dois planos - que propore; uma descrição da heteroge­neidade mostrada como formas lingufsticas de representação deeHie.rentes

1nío~?s~dê negoci~çã~ do sujeito falante com a heiêrogeneLdade qonstituti­ya do seu discurso. Neste artigo, restringir-ma-el apenas às formas marca­das de heterogeneidade mostrada que manifestam, sob a forma da dene­gação, um desconhecimento protetor da heterogeneldade constitut/va,deixando para outra oportunidade o tratamento, sob a mesma ótica dasformas não marcadas desta negociação.

-, .Face à pretensão - espontânea ou teoricamente conduzida • do

sujeito como fonte autônoma do sentido que comunica através da IIngua,abordagens teóricas diversas têm mostrado que toda fala é determinadade fora da vontade do sujeito e que este "ó mais falado do que fala".

Este "de fora" não é o que, inevitavelmente, o sujeito portadorde um sentido encontraria e em função do qual se determinariam as for­mas concretas de sua existência e (lquela de seu discurso; está no exteriorao sujeito, no discurso, como condição constitutiva de existência.

Não pretendo apresentar aqui, ainda que esquematicamente,qualquer destas abordagens em sua coerência, multo menos ainda preten­do "articular" estas abordagens: contentar-me-el em evocar fragmenta­riamente os pontos a que me remeterei especificamente ao que chamo deheterogeneidade constitutiva do sujeito e do seu discurso.

1.1. O "dialogismo" do circulo de Bakhtin, como se sabe, nãotem como preocupação central o diálogo face a face, masconstitui, atravésde uma reflexão multiforme, semiótica e literária, uma teoria da diatogiza­

ção interna do discurso. As palavras são, sempre e inevitavelmente, "aspalavras dos outros": esta intuição atravessa as análises do plurilinguismo

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e dos jogos de fronteiras constitutivas dos "falares sociais", das formaslingulsticas e discursivas do hidrismo, da bivocalidade que permitem a re­presentação no discurso do discurso do outro, gêneros literários manifes­tando uma "consciência galileana da linguagem", um rir carnavalesco, umromance polifÓnic04•

"Somente o Adão mltico, abordando com sua primeira fala ummundo ainda não posto em questão5, estaria em condições de ser ele pró­prio (J produtor de um discurso isento do já dito na fala de outro. Nenhu­ma palavra é '·neutra". mas inevitavelmente "carregada", "ocupada","habitada", "atravessada" pelos discursos nOSquals "viveu sua existênciasocialmente sustentada". O que Bakhtin designa por saturação da lingua­gem constitui uma teoria da produção do sentio e do discurso: coloca osoutros discursos não como ambiente que permite extrair halos conotativosa partir de um nó de sentido, mas como um "centro" exterior constitutivo,aquele do já dito, com o que se tece, inevitavelmente, a trama mesma dodiscurso.

O estatuto do sujeito do discurso tal como aparece nas noç6esde "intenção" ou de "orientação de um discurso a um objeto" é deslocadode maneira central e torna-se problemático6: este é um dos pontos que im­pedem, a despeito de encontros irrecusáveis, uma aproximação demasia­damente sistemática das perspecivas dialógicas e "estruturalista" naabordagem do discurso.

1.2. E à problemática do discurso como produto do interdiscur­so, tal como foi desenvolvida num conjunto de trabalhos consagrados aodiscurso e à análise do discurs07 que estou me referindo. Baseadas aomesmo tempo na reflexão de Foucault e na de Althusser, tais análises pos­tulam um funcionamento regulado do exterior, do interdiscurso, para darconta da produção do discurso, maquinaria estrutural ignorada pelo sujei­to que, na ilusão, se crê fonte deste seu discurso, quando ele nada mais édo que o suporte e o efeito.

"0 próprio de toda formação discursiva é o de dissimu­lar, na transparência do sentido que nela se forma. aobjetividade material contraditória do interdiscurso de­terminante desta formação discursiva como tal. objetivi­dade material que reside no fato de que "isso fala" Içaparle) sempre, "antes, alhures e independenemente"8.

A noção de pré-construto, marca do interdiscurso no intradis­curso - em outras palavras, recuperável na sequência discursiva - é, por

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exemplo, a caracterfstica desta problemática na sua oposição à pressupo­sição como ato de linguagem.

A evidência destes processos reais que determinam o sentido eo discurso é, com efeito, indissociável de uma teoria da ilusão subjétiva dafala9 e de um questionamento das teorias Ilngulsticas da enunciação li me­dida que estas correm o risco de refletir "a Ilusão necessária constitut\vado sujeito", contentando-se em reproduzir, no nlval te6rico, esta lIusêo dosujeito enunclador capaz de escolhas, intenções e decisões10. '

1.3. Numa outra perspectiva - a da teoria de seu objeto pró.

prio, o inconsciente - a psicanálise, tal como se explícita, apoiada na teoriade Saussure, na leitura lacaniana de Freudl1, produz a dupla concepção deuma fala fundamentalmente heterogênea e de um sujeito divldido12•

Sempre sob as palavras, "outras palavras" são ditas: é a estru­tura material da Iingua que permite que, na Iinearidade de uma cadeia, se

faça escutar a polifonia não intencional de todo discurso, através da qual aanálise pode tentar recuperar os indlcios da "pontuação do inconsciente".

Esta concepção do discurso atravessado pelo inconsciente searticula àquela do sujeito que não é uma entidade homogênea exterior àlinguagem, mas o resultado de uma estrutura complexa, efeito da lingua­gem: sujeito descentrado, dividido, clivado, barrado .••pouco importa a pa­lavra desde que longe do desdobramento do sujeito 13ou da divisão comoefeito sobre o sujeito do seu encontro com o mundo exterior, divisão quese poderia tentar apagar por um trabalho de restauração da unidade dapessoa, mantido o caráter estrutual constitutivo da clivagem pelo sujeito.

Nisto reside o caráter da "ferida narclsica" que Freud reconhe­ce na descoberta do inconsciente pelo sujeito que "não é mais senhor desua morada" e é aI que está, de fato, a possibilidade do mascaramento.Assim, pode-se considerar que, através de inscrições polftlcas opostas, aantipsiquiatria de laing, por exemplo. onde se denuncia o caráteer alie­nante do meio social, causa do "divided self"14 e a ego-psicologia adapta­tlva se esforçando para construir um "eu forte", autÔnomo, que teriadeslocado o isso15, reencontrando-se 16como irmãos inimIgos no desco·nhecimento do inconsciente freudiano e do sujeito descentrado que ele es-trutura.

O que, de fato, Freud coloca é que não há centro para o sujeitofora da ilusão e do fantasmagórico, mas que é função desta instância dosujeito que é o eu ser portadora desta ilusão necessária. É a tal posição, ada função do desconhecimento do eu que, no imaginário do sujeito dividi­do, reconstrói a imagem do sujeito autônomo, apagando a divisão (eviden­temente Inconciliável com todas as variantes de concepções do sujeito que

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p reduzem ao eu ou o centram sobre si próprio) a que remete o ponto devista segundo o qual "0 centro é uma ilusão produzida para o sujeito, que

. ps ciências do homem [e no nosso campo, as teorias da enunciaçãoJ to­rnamcomo objeto Ignorando que ele é imaginário"17.

1.4. Em ruptura com o EU, fundamento da subjetividade clâssi­,ca concebida como o Interior diante da exterioridade do mundo, o funda­mento do sujeito é aqui deslocado, desalojado, "em um lugar múltiplo,fundamentalmente heterõnimo, em que a exterior idade está no interior doIlujeito 18,Nesta afirmação de que, constitutivamente, no sujeito e no seudiscurso está o Outro, reencontram-se as concepções do discu rso. daIdeologia, e do inconsciente, que as teorias da enunciação não podem, semrIscos para a lingulstica, esquecer.

- 2-

Totalmente outro é o ponto de vista Jingulstico da descriçãodas formas de heterogeneidade mostrada no discurso, através das quais sealtera a unicidade aparente da cadeia discursiva, pois elas aI inscrevemo outro (segundo modalidades diferentes, com ou sem marcas unlvocas deancoragem}.

2.1. Para o conjunto das formas marcadas de que me ocupareiaqui, é significativo que um fragmento tem, na cadeia discursiva, um esta­tuto outro que releva da autonlmia 19.

Na autonlmia simples. a heterogeneidade que constitui umfragmento mencionado, entre os elementos lingulsticos de que faz U5020, éacompanhada de uma ruptura sintática. O fragmento citado no interior deum discurso relatado diret021 ou introduzido por um termo metalingulstico(a palavra, o termo, a expressão, a fórmula "X"l, nitidamente delimitadona cadeia discursiva, é apresentado como objeto; é extrafdo da cadeiaenunciativa normal e remetido a outro lugar: aquele de um outro ato deenunciação (Z disse: "X", na expressão de Z, "X" ... ) ou, num gesto meta­lingulstico no sentido estrito, aquele da IJngua (a palavra, o termo "X")22.

No caso em que me apóio aqui. mais precisamente o da cono­taçá:>autonlmica, o fragmento mencionado é ao mesmo tempo um frag­mento do qual se faz uso: é o caso do elemento colocado entre aspas, emitálico ou (às vezes) glosado por uma incisa23, Contrariamente ao casoprecedente, o fragmento designado como um outro é integrado à cadeiadiscursiva sem ruptura sintática: de estatuto complexo, o elemento men­cionado é inscrito na continuidade sintática do discurso ao mesmo tempo

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que, pelas marcas, que neste caso não são redundantes, 6 remetido ao ex-!terior do discurso.

Uma dupla designação é assim operada pelas formas' da hete-·rogeneidade mostrada: a de um lugar para um fragmento de estatuto dIfe­rente na Iinearldade da cadela e a de uma alterldade a que o fragmentoremete.

2.2. A natureza desta alteridade 6 ou não especlflcada no con- .texto do fragmento mencionado. Nas formas da autonlmla evocados acima,a alterldade é explicitamente especificado e remete seja para um outro atode enunciação seja para a Ilngua enquanto exterior ao discurso em enun­clação24•

Ela é implfcita, ao contrário, pelas aspas e pelo Itálico não glo­sados; em outras palavras, toda compreensão, Interpretação destas marcaspassa por uma especificação da alteridade a que remetem, em função deseu ambiente discursivo: por exemplo, uma outra IIngua, variedade de IIn­gua, um outro discurso diferente, um discurso oposto, etc.25•

A propósito, vejo como de particular Interesse, na mesma es­trutura de conotação autonlmica, as formas inumeráveis - no sentido espe­cifico de conjunto infinito de expressões - de glosas, retoques, comentá­rios sobre um fragmento de cadeia (assinalado ou não por aspas ou Itâli­co26). É que elas especificam os parãmetros, ângulos, pontos de vista,atra-

vés dos quais um discurso põe explicitamente uma alteridade em relação asi pr6prio.

São assim designados como "exteriores" em relação ao discur­so, vindo interferir na cadeia do discurso em enunciação sob a forma deum ponto de heterogeneidade:

- uma outra IIngua27;

- um outro registro discursivo, familiar, pedante, adolescente,grosseiro etc.28

- um outro discurso, t6cnlco, feminista, marxista, jacobino, mo­ralista etc.29 que pode Ser somente caracterizado como discurso dos ou­tros, discurso usual se assim se quiser, de alguns outros, de um outro par­ticular3O;

• uma outra modalidade de consideração de sentido para umapalavra, recorrendo explicitamente ao exterior, um outro discurso espaci­ficado31, ou aquele da IIngua como lugar da polissemia, homonlmia, metá­fora, etc•.. afastadas ou ao contrário invocadas para constituir o sentido dapalavra32• Nos dois casos, ao lado do sentido dado como corrente, um sen­tido é constituldo por uma palavra por referência a um ou outros sentidosproduzidos alhures, no interdiscurso ou na IIngua.

- uma outra palavra, potencial ou expllcita nas figuras de re-

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serva (X, enfim X, se assim se quer; X se assim se pode dizer; de qualquerforma, admitimos ...) de hesitação e de retificação (X ou melhor V; X, eu

. deveria ter dito Y; X, quer dizer •••; X, ou quase diria V), de confirmação (Xe é bam X o que estou querendo dizer; X é o que deve ser dito), variante,Inversa das precedentes:

- um outro, o interlocutor, diferente do locutor e a este titulosuscetlval de não compreender, ou de não admitir (se você entende o quequero dizer: se o senhor me permite a expressão; perdoe-me o termo; sevocê quiser assim ..•), operações implicitamente admitidas coma indo da sipara fora do discurso, por parte do inter!ocutor - engrenagem do funcio­namento normal da comunicação.

2.4.1. A dupla designação de um fragmento outro e da alteri­dadea que remete constitui, por diferença, uma dupla afirmação do um.

Ao nlvel da cadeia do discurso, localizar um ponto de hetere­geneidade é circunscrever este ponto, ou seja, opô-Io por diferença do res.to da cadeia, à homogeneidade ou à unicidade da lingua, do discurso, dosentido ete.; corpo estranho delimitado, o fragmento marcado recebe niti­damente atrav6s das glosas de correção, reserva, hesitação... um caráterde particularidade acidental, de defeito local. Ao mesmo tempo, remete aum alhures, a um exterior explicitamente especificado ou dado a especifi­car, determina automaticamente pela diferença Um interior, aquele do dis­curso; ou seja, a designação de um exterior especIfico é, através de cadamarca de distância, uma operação de constituição de identidade para odiscurso. Também a zona de "contato" entre exterior(es) e interior quemostra as marcas de distância num discurso é profundamente reveladora

deste discurso, de um lado pelos pontos escolhidos para colocar explici­tamente fronteiras, limites, demarcações - quer dizer, de que outro é pre­ciso se defender, a que outros é preciso recorrer para se constituir - de ou­tro lado, pelo tipo de relação que ar se joga com o outro, relação explícita­da pelas glosas ou interpretável pelo contexto: há diferenciações que rele.vam do preciosismo cúmplice de um discurso com seus exteriores. do es­forço de um discurso teórico, por exemplo, para ultrapassar a tecedurados discursos pré-existentes na qual ele é tomado e na qual ele se fAZ, damarcação de posição de afrontamento polêmico, e de uma "Iuta pela vida"quando o que se joga na zona de contato não é da .ordem da discussão,por mais violenta que seja, mas do direito à existência para um dos doisapenas, caso extremo da solidariedade constitutiva de um diScurso em re­lação ao outro33.

Em resumo. as distinções operadas pelas formas marcadas deheterogeneidade mostrada relevam de uma relação de um ao outro, inseri.

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ta no comparável, no comensurável, na pluralidade.

2.4.2. Ao mesmo tempo que elas colocam um exterior em rela­

çlio ao qual se constitui o discurso, estas formas postulam uma outra exte-­rloridade: aquela do enunciadorcapaz de se colocar em qualquer momentodistante de sua Ilngua e de seu discurso, isto é, de se ocupar, diante deles,tomando-os localmente como objeto, numa posição exterior de observa­dor. É toda forma marcada de distância que remete a esta figura do anun­ciador, utilizado r e dono de seu pensamento, mas esta figura é particular­mente apresentada nas glosas de retificação, de reserva •••que a especifi­cam como juiz, comentado r ... de seu próprio dizer.

-3-

3.1. Heterogeneidade constitutiva do discurso e heterogenei­dade mostrada no discurso representam duas ordens de realidade diferen­tes: a dos processos reais de constituição dum discurso e a dos processosnão menos reais, de representação, num discurso, de sua constituição.

Não se trata de assimilar um ao outro, nem de imaginar um

relacionamento simples, de imagem, de tradução, nem de projeção de umno outro; essa relação de correspondência direta é interditada tanto por­que ela faria supor uma transparência do dizer em SUaS condições reais deexistência quanto pela irredutibilidade manifesta das duas heterogeneida­des.

A uma heterogeneidade radical, exterioridade interna ao sujei­to e ao discurso, não localisável e não representável no discurso que cons­titui, aquela do Outro do discurso - onde estão em jogo o Interdiscurso e oinconsciente -, se opõe à representação, no discurso, as diferenciações,disjunções, fronteiras interior/exterior pelas quais o um· sujeito, discurso• se delimita na pluralidade dos outros, e ao mesmo tempo afirma a figuradum enunciador exterior ao seu discurso.

Face aO "isso fata" da heterogeneidade cOl'lstitutiva responde­se através dos "como diz o outro" e "se eu posso dizer" da hetarogenei­dade mostrada, um "eu sei o que eu digo", isto é, sei quem fala, eu ou umoutro, e eu sei como eu falo, como utilizo as palavras.

Se todo relacionamento simples desses dois planos comportainevitavelmente uma assimilação redutora de um ao outro34, não se deve,

por isso, na base de sua irredutibilidade, admitir o fechamento na descri·ção de um dos dois planos, havendo risco permanente da fazê-Io como arealidade enunciativa, explicitamente ou não, recusando todo direito decidadania ao outro plano, ou, mais prudentemente, postulando a indepen.

32.

dência, a autonomia dos doIs planos, ou seja a não-pertinêncla de um pia­no em relação ao outro. Estes procedimentos me parecem ser, de maneirageral, os da pragmática por um lado e os das abordagens teóricas da hete·

, : rogeneldade constltutlva do discurso por outro lado. Acredito ser IndIs­pensável reconhecer que essas duas ordens de realidade são Irredutlveism.asartlculévels e até mesmo, necessariamente, solldérlas3S•

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3.2.1 O paradoxo da expressão "heterogeneidade constltutiva"capta' a ameaça de se desfazer a todo momento o que sujeito e discursodão por feitos: no que se constitui e em quem se constitui, por heterogê­neo, lhe escapa.

Para o sujeito dividido, o papel indispensável do Eu, é aqueleduma instância que, no imaginário, se ocupa de reconstruir a Imagem daum sujeito autÔnomo, anulando, no desconhecimento, o descentramentoreal.

As formas marcadas de heterogeneidade mostrada representamuma negociação com as forças centrlfug8s, de desagregação, da heteroge~neidade constitutiva: elas constroem no desconhecimento desta, uma re­presentação da enunclação, que, por ser ilusória, é uma proteção necessá­ria para que um discurso possa ser mantido.36

Assim essa representação da anunciação é igualmente "constl·tutiva", em um outro sentido: além do "eu" que se coloca como sujeito deseu discurso, "por esse ato individual da apropriação que Introduz aqueleque fala em sua fala"37, as formas marcadas da heterogeneidade marcadareforçam, confirmam, asseguram esse "eu" por uma especlficação de iden-

. tidade, dando corpo ao discurso - pela forma, pelo contorno, pelas bordas,pelos limites que elas traçam - e dando forma 80 sujeito enunciado r ~pelaposição e atividade metalingülstica que encenam.

3.2.2. O ,que caracteriza as formas marcadas da heterogeneida­de mostrada como formas do desconhecimento da heterogeneidade consti­tutiva é que elas operam sobre o modo da denegação. Por uma espécie decompromisso precário que dá lugar ao heterogêneo e portanto o reconhe­ce, mas para melhor negar sua onipresença. Elas manifestam a realidadedesta onipresença precisamente nos lugares que tentam encobri-Ia.

A presença do Outro emerge no discurso, com efeito, precisa­mente nos pontos em que se insiste em quebrar a continuidade, a homo·geneidade fazendo vacilar o domlnio do sujeito; voltando o peso perma­nente do Outro localmente designado; convertendo a ameaça do Outro·não dizlvel - no jogo reparador do "narcisismo das pequenas diferenças"·dltas, opera-se um retorno à segurança, um reforço do domlnio do suejtio,

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! I

da autonomia do discurso, mesmo em situações que Ihes escampam.O lapso não li a ~nlca forma de emergência tangfvel do Outro

no discurso; as formas marcadas da heterogeneldade rrx>stradatambém o

são, mas sob as formas desvlantes do domlnio do dito; em conflito solidá­rio com a heterogeneidade constltutlva estas formas são em relação àque­las ao mesmo tempo um sintoma e uma defesa; justamente onde o lapso,emergência bruta, produz "buraco" no discurso, élas dão a Imagem de umespaço, de uma sutura sublinhada pela costura que o anula.

Ao conjunto de flssuras, junções que funcionam como costurasescondidas sob a unidade aparente de um discurso e que a análise· análi­se do discurso, descrição dos textos literários e poéticos, pslcanál1se- po­de em parte evidenciar como pistas do Interdiscurso ou do jogo do signifi­cante, as formas marcadas da heterogeneidade mostrada opõem a retól'lcada falha mostrada, da "costura aparente".

3.2.3. É ao corpo do discurso e à identidade do sujeito que re­metem as diversas formas da heterogeneidade mostrada em sua relaçãocom a heterogeneidade constitutiva: proibidos, protegidos na denegação,por formas marcadas, discurso e sujeito são, ao contrário, expostos ao ris- .co de um jogo incerto petas formas não marcadas e devotados à perda, fa­ce à ausência de toda heterogeneidade mostrada, no emaranhado da hete­

rogeneidade constltut;va.Efetivamente, as formas não marcadas da heterogeneidade

mostrada - discurso indireto livre, ironia ... de um lado, metáforas, jogos depalavras •.•de outro lado - representam, pelo continuum, a incerteza quecaracteriza a referência ao outro, uma outra forma de negociação com aheterogeneidade constitutiva; uma forma mais arrriscada, porque joga coma diluiçãO, com a dissolução do outro no um, onde este, precisamenteaqui, pode ser enfaticamente confirmado mas também onde pode se per­der.

É deste modo que tais formas, sem ruptura, conduzem aos dis­cursos que, bem mais próximos da heterogeneldade constitutlva, renun­ciam a toda proteção diante dela, e tentam o Impossfvel "fazer fatar", novertiginoso apagamento do enunciador atravessado pelo "isso fala" do in­terdiscurso ou do significante tal como o desenham, absolutos mlticos, olivro "inteiramente recopiado" de Flaubert cujo Dietlonnaire das idées re­

çues e Bouvard at P~cuchet foram elementos ou esbo90s, e o Livro "queexiste sozinho", "sem voz do autor", produzido por uma "ãlgebra" do

significante, de Mallarmé, cujo Coup de dés era uma abordagem.

3.3. Assim, no campo da enunciação, estão em jogo de maneira

34

.: solidária esses dois planos distintos - mas nõo disjuntos • condições reaisi~\de el<!stênclade um discurso e da representação que dele se dê..,~, Na descrição, circunscrever~se a um dos dois planos é eviden-

temente legitimo: mas colocar esse plano como um todo autônomo, fecha­do a esse exterior pertinen~e que constitui o outro plano, é fonte, creio

. Inevitável, de engano e de mutilação do terreno escolhido.Não penso que seja necessério se fechar na alternativa pela

qual opta O. Ducrot ao concluir sua discussão com P. Henry: quer a de seInteres!Jarpela maneira com que o locutor pode "se representar um senti·do de suas palavras", quer a de ter por "uma Ilusão, a eventualidade deque o locutor seja sujeito", "se desinteressar dessas representações dosentido por X ou por Y"38.

Na pragmática, a consideração da realidade do interdiscurso edo inconsciente, atravessando a lIngua, não recusaria a descrição lingúls­tica das formas da representação; ela s6 invalida essa descrição em funçãode uma metodologia geral que tende a se dar como o todo da realidadeenunciativa que reproduz em sua teoria da enunciação39 o gesto denega­dor do locutor quanto a esse Outro que o atravessa. Nessesentido, pareceesclarecedora40a maneira pela qual O. Ducrot tenta se precaver contra es­se obstáculo: um sistema de defesas teóricas em torno da autonomia de

seu objeto - levado ao limite em que o conceito de enunciação "não impli­ca a hipótese de que o enunciado é produzido por um sujeito falante"41,pela "representação da enunciação" estritamente fechada sobre si mesmaque ai é proposta, uma espécie "fora de lugar" - teatral - habitado por"seres da fala" que, fora de qualquer ligação explicita com o sujeito falan­te e sua realidade de ser de fala, aparecem como "suspensos", "desanco­rados" •

Reconhecer e dar conta desse Outro que lhe escapa, não é para8 Iingülstica da enunciação "abrir suas comportas e afogar-se, mas des­centralizar-se fora de um lugar ilusório elou dar-se um arlcoramento realmasfora de si pr6pria.42

Ao contrário, no quadro das teorias não subjetivas da fala, aconsideração das formas Iingüfsticas marcadas de heterogeneidade mos­trada representaria um passo para a descrição das formas práticas, na rrn­gua e no discurso, segundo as quais funciona a ilusão do sujeito.

O princIpio segundo o qual "a incertitude precede e domina aasserção" pôde funcionar nos trabalhos de análise do discurso como cau­ção teórica ao desinteresse pelas formas concretas da asserção. Como ob­.servaA. Culioli43:

35

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',i,

'8, Pêcheux (75b) p. 147 - grifos meus.

9. A da "interpelação" dos indivlduos em sujeitos falantes fontes de seu discurso.

10.M. Pêcheux e C. Fuchs in Pêcheux (75a) p. 19.

11.Referência não eusente evidentemente. de numerosos trabalhos consagrados aodiscurso evocados acima; cf. em particular Henry (n I, Conein et alii (81l.

12. Por razões editoriais, o desenvolvilnento inicialmente redigido foi substituldopelo resumo a seguir. Para uma apresentação mais detalhada na mesma ótica, cf.Authier-Revuz (82).

,)'::.'

,t;

", "I:\~;i':',~L vai de encontro às evidências n<Jrclsicas dos sujeitos falantes. ver-se-é facilmente

'\" \, suspeita de afogar ou destruir o objeto Iingülstico no do não IIngOlsUco.1 l~'\,. • l '.. ,I"

.',,:.\4. Sobre estes pontos, ver na mesma ótica. Authier-Revuz (82). p. 101-123 e para,"r,'\ • tl:~1\ sua apresentaçilo da conjunto. Todorov (81).

,", 'I:::';~'Bakhtine (75), p. 100.102, 114 (edição francesa).

~6. Cf. Krlsteva (70) "O trabalho de Bakhtlne nos leva e uma teoria do sujeito.i(~' ,

7. Por exp. Pêchaux (75a) (75b). Henry (n). Maradin (79). Courtine (81I. eonein etanHal).

"A medida que enunciamos, construlmos um espaçoenunciativo, ou seja, estamos ao mesmo tempo constl- ~;ruindo 8S regras do jogo. (... ) Parece-me que freqOente- 'mente os especialistas da análise do discurso, não dão adevida importêncla a eSSe matarialldade,da atlyldedeenunciatlva,"

Ora, ainda aqui, esse esvaziamento de um dos planos não deixade Incldir na descrição do outro: as formas da heterogeneidade mostrada.que traduzem a ilusão do sujeito na sua fala, manifestam também. nÓs já ovimos. a brecha no domlnio. pelo gesto que tenta colmatá-la. Ou seja, aIlusão que se manifesta no discurso não apaga radicalmente o que ela ten­ta reprimir; ela não é esse engodo perfeito produzido por um determinls­mo sem falhas, completamente ignorado pelo sujeito. que as teorias da"interpelação ideológica" transferiram, durante certo tempo, aos traba­lhos consagrados ao discu rso44•

Assim, a atenção às formas concretas da rElpresentação daenunciação que são, entre outras, as formas da heterogeneldade mostrada, .pode contribuir. no âmbito do discurso. para manter B distinção entre o eupleno e o sujeito que, ele. atropela e para evitar de denunciar o domlnlocomo ilusão do sujeito. para recolocar tar distinção no nlval dos mecanis­mos produtores dessa ilusão.

NOTAS

13.Cf. as descrições pré·freudianas (Janet, Breued de segund<Jpersonalidade ligadaa uma "fraqueza da slntase psicológica". ICf. por exemplo "Clivage du moi" e"Subconscient" in Laplanche at Pontalis 1681.

1. L1ngOlsticada enunciação, pragmática. análise do discurso. teoria do signo. descri­ção de textos ou de gêneros literários.

2. Neste conjunto de formas marcadas. distingo aquelas que mostram o lugar dooutro de forma unlvoca (discurso direto. aspas, itãlicos, incisos de glosas) e aque­las não marcadas onde o outro é dado a reconhecer sem marcação unlvoca (dis­curso indireto livre, ironia. pastiche, imitação •••.).

14.Leing (19601.

15.Cf. Anna Freud e sobretudo H. Hartmann. Cf. Clément (721.

16. Isto pela diferença da sua relação explfcita com Fraud. já que Laing recusa a psi­canálise para se apoiar nos filósofos existenciais onde as teorias do eu autônomose apresentam como "escoremento" das concepç6as freudianas.

3. O locutor intencional da pragmática. calculendo estratégIas no contexto da intera­ção comunlcacional - cf. Gruning. (79) - tem, sobre esta questão de relação expU·cita ao exterior da lingülstica um estatuto freqüentemente amlguo: é claro que imoplica certas concepções filosóficas, psicológicas. sociológicas do sujeito e das rela­ções interindividuais, mas como estas aqui vão na direçAo das evidências vivencie·das por sujeitos falantes. podem integrar-se convenientemente às descrições lin­gOlsticas sem estas precis<Jremter necessariamente daquelas uma definição - es­colhas teóricas extra-Iingüfsticas • mas com a aparência de neutralidade teóricaprópria ao bom senso. Ao contrário, toda referência a teori<Jsnão subjetivas dosujeHo e da fala, necessariamente - explicitam • "provocações teóricas" - tudo que

17.Roudinesco (n). p.42.

18.Clément C. (72).

" 19. Ver em Rey-Dabove (78) o ordenamento dessas noções que utilizei na descriçãodas formas do discurso relatado e das "palavras mantidas à distância", aspeadas(Authier (78)- (81).

20. Retomo aqui a oposição uso/menção clássica na tradição lógica; o domlnio ins­trumental do sujeito na IIngua suposta por estes termos vai contra os pontos de

3637

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vista desenvolvidos em 1•• remetendo ao n(vel da representação que o sujeito dáde sua atividade enunciativa.

21. Por oposição ao dIscurso Indireto que ê um modo homogenelzsnte de restltulçJode um outro ato de enunciação.

22. Entre estes dois palas, remissão do fragmento a um ato de enunclaçiío individualvs remissão à lfngua (a fala de De Gaule. Na intendência segui"''', passou para aposteridade vs a palavra "cavalo" tem três slIabasl existe da fato um contlnuumque releva da ordem do discurso.

23. /1) o "sit-in" dos estudantes se prolongou. (2} o sit-in dos estudantes •.•/31 o"sit-in" dos estudantes, como se diz atualmente .•• (41 o sit-ln dos estudantes, co­mo se diz atualmente ••. A incisa pode glosar uma menção já marcada (3), ouconferir por si mesma o estatuto "mencionado" a um fragmento (41; nesta caso,os eventuais problemas de incidência sintático-semântica da loclsB colocam pro­blemas de delimitação do fragmento mencionado.

24. Formas autonfmicas, sem explicação por um termo metalingalstico, evidente­mente também podem ser encontradas ("cavalo" tem tr~s snabasl e podam pro­duzir ambigüidades na oralidade (diga-me "por qus"'diga-me por qual.

25. Cf. o estudo dos valores das palavras aspeadas in. Authler (81l.

26. Sobre estas formas de glosa, cf. Authier·Revuz (82:92-96l.

27. Ex.: ai dente como dizem os italianos.

28. Ex.: para usar uma expressão dos jovens, alguns modelos "detonam".- a "dialêtica", para ser pedante.

29. Ex.: o socialismo real, como o partido comunista Insiste em dizer. Ou: a lingua­gem (natural como necessitam dizer os lógicos).

30. Ex.: o que chamamos de "ciências humanas". Ou: e isto ndo significa qualquercoisa (como se diz hoje} ••• Ou: IJ necessário, desculpem-me pelo lugar comum,que pode parecer estereótipo trabalhar um conceito. Ou: cortejar, como dizia ml·nha avó.

31. Ex.: Uma contradiçáo. no sentido materialista do termo. Ou: o destino, no sentidodos gregos. Ou: "lugares românticos" no sentido em que são atô hoje entendi·dos. A especificação por um outro discurso, "materialista", "grego" ..• pretendeafastar o risco de atração da palavra, face ao interdiscurso, no Interior de um ou­tro discurso, aqui, o discurso 16gico para contradiǧo, o discurso cristão para des­tino.

32. Cf. todos os "X om sentido próprio". "X, metaforicamante, ete. Ex.: a rlngua é umjogo, como se diz; cheio de duplicidades. nos dois sentidos da palavra; moças

38

: ',' \'" presas - sem metáfora - pelos patrões; marcamos esta noite um acontecimento,',1" Um felil acontecimento, se me permitem esta expressão: a publicaÇão neste ano

de um conjunto de trabalhos.

33. O discurso de Faurisson (cf. "Mémolre en dêfense" la Vieille Taupe, estudo de G.. Authier-Revuz e L. Romeu, in Mots 8, 1984, que se balieia na denúnica do discur-

i' 50 "mltico" (aspas minhasl sobre as "câmaras de gás" (aspas de Faurisson Ié umcaso exemplar. No espaço deste texto. não analiso textos que apresentem estesdiversos tipos de relações heterogêneas; elementos esquemáticos podem ser en­contrados em Authier /81).

34. Na minha opinao, é o que fal E. Fooquier (81) em seu estudo das formas de dig­tenclamento, correlacionar "homologia" e "comportamento discursivo" de dis­tanciamento e a divisão do sujeito. A despeito das referências feitas a Freud eLacan, esta correlação é incompatlvel com a concepção psicanalrtica de umsujeito descentrado, efeito da linguagem; esta correlação. ao contrário, pode estarde acordo com as concepções Opostas do sujeito reduzido ao eu (cf. , acimal,clivado, alienado, preso aos jogos da má fé e da representação teatral, de Laing,Sartre, Goffman utilizando a Ilngua em sua relação com o outro. Esta mesmacorrelação pode ser reencontrada, por caminhos diferentes, no locutor (pleno) dapragmlJt(ca e da uma psico'ogia da enunciação surda li heterogeneidadeconstitutiva do inconsciente a da Ordem do discurso.

35. Nole"se, no nlvel do vocabulário utilizado para dar conta de um e outro plano, apresença de palavras capazes de levar ao engodo: a divisão do sujeitopsicanalltico vs a divisão do sujeito falante em enunciador, locutor •..; aheterogeneidade que constitui um discurso no sentido de sua tecidura vs a

heterogeneidade mostrada que constitui um discurso no sentido de sua relação a'um exterior que lhe confere uma forma própria: a polifonia de todo discurso quenecessariamente "se alinha sobre Os muitos planos de uma partitura" vs os"efeitos" de polifonia que permitem certas formas de heterogeneidade mostrada.Se é indispensável não confundi-Ios, este parentes.co que não é fortuito pode serentendido como sinal da solidariedade que existe, de fato, entre os dois planosem uma relação de determinação assimétrica.

36. Importa precisar que se estas formas de representação se prestam facilmente aengodos, a enganos, a cálculos, a estratégias artifidosas da comédia interacional;estes jogoS, na relação com o outro, mascarando fundamentalmente o engodo, oengano. são, antes de tudo, para o sujeito, uma estratégia de proteção para sipr6prio e para seu discurso face li ameaça incontorriável da heterogeneidadeconstitutiva.

37. Belweniste (10).

38. Ducrot /77:202-203).

39. Cf. Grunig 1791.

39

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41. Duerot (80a:33-34).

40. lndepen, dentemente dos problemas que as interpretaçães proposta,s me psrocem','I'OUCROT, O. (1977), "Note sur Ia présupposition et le sens littéral", postfaee à Henry

algumas vezes, suscitar quanto à assepsiu ,da .~e9l?rção vjs~à~vis do ",':' (19n), p.169-203. '

extralingülstico. "r'r : "~ r,f,' "~I'""".,,, ,,', ; ,:......-.(1980al, "Analyse de textos et Iinguistique de !'énoneiation", in las mats du:wb',lJTí discours, Ed. de Minuit, Paria. ' '

~:"-----. (1980bl, "Analyses prsgmatlques", Communications, Le Seull, Paris, n':!32,, \ p.11 -60. .

42. Cf. as reflexões de C. Fuchs (Bl) sobre "0 papel do sujeito" nes teorias da _. ,

enunciação, sublinhando o paradoxo que h/í em incorporar na IIngülstlcs a I"~FOUQU1ER, E. (1981), Approcho de Ia dls1unce, Thêse de 3a cycta EHESS, ronéoté,anunciação para em seguida faeM-la sobre si mesma. (p.50-52). : 246 P.

43. Mesa-redonda in. Conein et alii (Bl).

44. Cf. por exemplo Pêeheux (75) e a evolução bastante clara mareada sobre esteponto, por exemplo, Henry (77) no apêndice crItico à edição inglesa de Pêcheux(75) llanguage, semanties and ideology, MacMiltan, 1982, p,211-220) et Conein etalii (Bl). '

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f, CONSTRUÇOES RELATIVAS E ARTICULAÇOES DISCURSIVAS *I, . .

PAUL HENRY

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~,:"~,;:Relativas e deterJTÜnaçãoi: ..~, ..',"\t A descrição do funcionamento das relativas nas gramáticas:;1'cléssicas aparece como uma simples distinção classificat6ria;haveria rela­

F;.tlvas restritivas e relativas explicativas, como há terras e oceanos. Ora, os·,,):''ta classificação recobre de fato duas concepções rivais sobre a determina­

:::Ç60 que assumem posições distintas a propósito da relação entre pensa-:mento e discurso. Comecemos pelas evidências c1assificatórias. O que dis­

: : tlnguiria os dois tipos de relativas, segundo as gramáticas, seria que ares­.. 'tritiva especifica uma particularidade do antecedente que estaria em ques­.~'rtão no enunciado, particularidade que tornaria posslvel sua identificação,~,'pr'tica no mundo das coisas ou do pensamento. A restritiva interviria en­,,:\ão, como outras formas de determinação, na função designatlva ou refe­, v

:; ;rencial; ela contribuiria na constituição do objeto do discurso em objeto: Ilexterior ao discurso. Ao contrário, a relativa dita explicativa enunciaria?uma particularidade do que está em 'questão no discurso, mas supõe-seli ;que esta particularidade não intervém na identificação prática do que está"rem questão no discurso, identificação que na prática se daria de maneira'1' completamente Independente desta relativa, a partir do substantivo, ou~;mais amplamente, do grupo nominal denominado antecedente. Em um se­,':'gundo sentido então, neste caso, é o substantivo - ou o grupo nominal·,~~antecedente que determinaria na realidade a relativa explicatlva permitin-: ',do relacioná-Ia a um objeto já praticamente identificado na ordem das coi­

<~sas ou dos pensamentos. Tem-se, então, não uma simples classificação, .')

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.~~. Publicado originalmente na revista LANGAGES,n2 37, março de 1975. Agradece­i,r mos ao autor e à editora Çlidier-Larousse pela autorização para publicar a traduçãolh' em nossa revista.,tlt';'f:!

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