aulas de filosofia - alejandro 2014

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ARISTÓTELES (384-322 A.C.) Discípulo de Sócrates assim como de Platão. Aristóteles relata que o primeiro filósofo seria Tales de Mileto que caiu num buraco por contemplar as estrelas (divagava demais). Os filósofos pré-socráticos não estavam preocupados com questões terrenas, mas com contemplação de estrelas, com coisas que hoje atribuiríamos à física e à química. Sócrates é o primeiro a se preocupar com as relações mundanas, trazendo a filosofia dos céus para a terra. A filosofia pré-socrática é a filosofia do cosmos. Sócrates andava por Atenas perguntando para as pessoas coisas embaraçosas como: o que é o amor? o que é a coragem? o que é a alma?. No final, acabava levando o sujeito à aporia. Ele incomodou tanta gente que foi condenado à morte. Sócrates nunca escreveu nada, só andava pelas ruas filosofando com seus alunos. Um deles era Platão. Sócrates viveu no auge da democracia grega e passou a fazer a chamada filosofia ética, moral, por razões concretas de Atenas à época. A principal razão atribuída à filosofia de Sócrates são características que se repetiram na história em outros contextos mas que traduzem Atenas do século V a. C. Atenas de Sócrates vivia seu auge econômico e, em razão disto, recebia muitos estrangeiros. Uma segunda característica foi o fim das guerras médicas que fez com que muitos persas acabam ficando em Atenas. Por causa comercial e bélica a cidade deixou de ser paroquial para ser cosmopolita. O auge econômico fez também com que os jovens atenienses viajassem. Quando voltaram escreveram relatos de viagem. Ao se deparar com muitos estrangeiros, tiveram que responder uma questão: por que certas coisas são feitas de uma forma pelos atenienses e de outra pelos estrangeiros? Aristóteles se questiona porque o fogo queima aqui como queima na Pérsia, mas o que é justo aqui não é justo na Pérsia? Os fenômenos naturais são universais, mas os culturais não são universais. Quando me pergunto sobre o fogo, sobre os elementos, a pergunta é universal, bem como sobre matemática. Agora, quando se trata de questões humanas, elas aparentemente não são universais, mas regionais, paroquiais. Quando eu entro em contato com aquele que é diferente de mim, preciso dar razões. No interior ninguém se pergunta pelas razões de coisas que todos fazem. Agora, quando o interiorano chega na cidade, se pergunta por que faz algumas coisas que os outros fazem diferente. Quando estamos em esquema de vida paroquial fazemos as coisas sem dar razões. Sócrates viveu o momento propício ao inicio da filosofia moral porque viveu a época em que Atenas estava cheia de estrangeiros.

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Compilação das aulas do professor Alejandro de Filosofia. Faculdade de Direito da UFRGS.

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Page 1: Aulas de Filosofia - Alejandro 2014

ARISTÓTELES (384-322 A.C.)

Discípulo de Sócrates assim como de Platão. Aristóteles relata que o primeiro filósofo seria Tales de Mileto que caiu num buraco por contemplar as estrelas (divagava demais).

Os filósofos pré-socráticos não estavam preocupados com questões terrenas, mas com contemplação de estrelas, com coisas que hoje atribuiríamos à física e à química.

Sócrates é o primeiro a se preocupar com as relações mundanas, trazendo a filosofia dos céus para a terra. A filosofia pré-socrática é a filosofia do cosmos. Sócrates andava por Atenas perguntando para as pessoas coisas embaraçosas como: o que é o amor? o que é a coragem? o que é a alma?. No final, acabava levando o sujeito à aporia. Ele incomodou tanta gente que foi condenado à morte. Sócrates nunca escreveu nada, só andava pelas ruas filosofando com seus alunos. Um deles era Platão.

Sócrates viveu no auge da democracia grega e passou a fazer a chamada filosofia ética, moral, por razões concretas de Atenas à época. A principal razão atribuída à filosofia de Sócrates são características que se repetiram na história em outros contextos mas que traduzem Atenas do século V a. C.

Atenas de Sócrates vivia seu auge econômico e, em razão disto, recebia muitos estrangeiros. Uma segunda característica foi o fim das guerras médicas que fez com que muitos persas acabam ficando em Atenas. Por causa comercial e bélica a cidade deixou de ser paroquial para ser cosmopolita.

O auge econômico fez também com que os jovens atenienses viajassem. Quando voltaram escreveram relatos de viagem. Ao se deparar com muitos estrangeiros, tiveram que responder uma questão: por que certas coisas são feitas de uma forma pelos atenienses e de outra pelos estrangeiros?

Aristóteles se questiona porque o fogo queima aqui como queima na Pérsia, mas o que é justo aqui não é justo na Pérsia? Os fenômenos naturais são universais, mas os culturais não são universais. Quando me pergunto sobre o fogo, sobre os elementos, a pergunta é universal, bem como sobre matemática. Agora, quando se trata de questões humanas, elas aparentemente não são universais, mas regionais, paroquiais.

Quando eu entro em contato com aquele que é diferente de mim, preciso dar razões. No interior ninguém se pergunta pelas razões de coisas que todos fazem. Agora, quando o interiorano chega na cidade, se pergunta por que faz algumas coisas que os outros fazem diferente. Quando estamos em esquema de vida paroquial fazemos as coisas sem dar razões. Sócrates viveu o momento propício ao inicio da filosofia moral porque viveu a época em que Atenas estava cheia de estrangeiros.

O século de Péricles, auge da democracia de Atenas, é o século da filosofia moral por duas vertentes: 1) alternativa sofista e 2) alternativa heremista.

1) CORRENTE SOFISTA: As famílias ricas que deixavam seus filhos viajarem queriam educá-los e pagavam muito por isto. A educação era feita por tutores e estes, muitas vezes, vinham de longe e invadiam Atenas para ganhar para ensinar. Boa parte deles fez o movimento da sofística e a resposta que ofereciam às questões era no sentido de que cada um faz como quer, porque tudo é relativo. Diziam que não há razão de ser, que as pessoas escolhem, porque se trata de fenômeno meramente cultural. Falavam que em Atenas o regime é democrático, porque é cultural, mas não significa que é melhor ou pior do que os demais. Entendiam que se tudo é relativo, só há uma resposta: ter poder ou prazer. Viver para ter PODER para subjugar os outros ou viver para ter PRAZER. Num contexto em que tudo é relativo, é necessário ter o dom do convencimento.

2) CORRENTE SOCRÁTICA OU DA VERDADE: Sócrates acreditava que a aparência de relativismo e de contexto de diferença dos sofistas era a tradução de algo mais profundo que podia ter respostas. É possível que Atenas e Pérsia concebessem justiça de forma diferente, mas isso não

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significava que justiça podia significar qualquer coisa. A verdadeira justiça tem termos universais e apenas se concretiza de formas diferentes. Expressões da coragem ateniense são diferentes das espartanas, mas não significa que coragem não seja universal.

No século XI surgiu a Escolástica e relativistas também apareceram. No século XVI e XVII, no surgimento do Estado Nação, houve novo auge onde também nos perguntamos sobre nossas diferenças. Isto se repetiu no século XVIII e XIX.

A pergunta socrática é fundamental: existe alguma maneira certa de fazer as coisas ou tanto faz? Nas questões humanas e éticas, podemos tomar decisões de todos os jeitos ou existe uma forma certa?

A amizade para Aristóteles é filosófica. As questões filosóficas são aquelas que podem ser traduzidas em razões morais.

Sócrates é mais um personagem na filosofia nas palavras de outros do que nas próprias. O mais famoso dos vários autores que escreveram sobre Sócrates foi Platão, um de seus discípulos.

Platão começou a traduzir os fundamentos das perguntas que Sócrates fazia nas ruas de forma acadêmica. Ele filosofava na academia de Atenas (no pórtico de entrada dizia que quem não sabia geometria não deveria entrar). Nesse grande centro “universitário” da época, Platão construiu diálogo com vários outros filósofos discípulos de Sócrates.

Platão dava aulas e escrevia diálogos, tendo, talvez, sido um dos maiores literatas de todos os tempos. Platão ainda viveu na Atenas pujante e democrática, conseguindo pegar o cerne da questão socrática, trazendo à luz um fundamento mais profundo e uma tentativa de sistematização dos temas e das perguntas de Sócrates: “O Político e As Leis”. Qual a melhor maneira de organizar o sistema de governo? O que se espera de um governante? Como viver sob regras? São as três grandes perguntas de Platão para nós.

O contexto histórico de auges econômicos e políticos forma grandes correntes filosóficas, mas é na decadência destes sistemas que vemos os grandes nomes chegarem. A coruja de minerva alça voo ao entardecer. Aristóteles é esta coruja. Atenas sucumbe, fim da democracia e Aristóteles escreve, conseguindo sistematizar aquilo que acabou. O que Maquiavel é para as repúblicas italianas, que acabam no início do século XV e XVI, Aristóteles é para a república ateniense.

Aristóteles consegue traduzir o ideal da época porque a democracia deixa de existir no momento em que a Macedônia domina Atenas. Os filósofos perdem o poder de filosofar livremente nas academias. Aristóteles foi tutor de Alexandre quando ainda era menino durante breve período de tempo quando o pai de Aristóteles era médico na corte macedônica. Aristóteles foi o grande sistematizador da filosofia moral.

Platão e Sócrates não se perguntaram por uma filosofia do direito, até porque o direito só seria delimitado como objeto de conhecimento pelos romanos um pouco mais tarde, mas Aristóteles deu toda a base pela qual os romanos encararam o problema da justiça. Aristóteles é o grande teórico da justiça. As perguntas que Sócrates e Platão fizeram sobre justiça ficou sistematizada em Aristóteles. A teoria da justiça vem à tona somente no livro V da Ética à Nicómaco.

Aristóteles, então, foi o primeiro filósofo do direito. Além disso, foi também um gênio, tendo sido o sistematizador de várias outras áreas como meteorologia. O natural era que Aristóteles sucedesse Platão na Academia, mas como ele não era ateniense (não havia nascido em Atenas), não podia administrar nenhuma terra ateniense. Por essa razão, fundou sua própria “universidade”.

Diferente da academia de Platão que foi preservada até o século VI depois de cristo, tendo curadores dos textos de Platão, o Liceu de Aristóteles foi destruído pouco depois da morte deste. Com isso, as obras feitas para o público geral (diálogos) por Aristóteles se perderam. O que restou foram anotações de aula. Os textos dos alunos e as aulas preparadas pelo pensador.

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As obras encontradas foram, anos depois, compactadas por matérias. As obras de Platão têm títulos poéticos como “o banquete”, enquanto as obras de Aristóteles receberam o nome de matérias como “ética” e “política”.

Um dos maiores achados do século XIX foi a Constituição dos atenienses. Ainda podemos encontrar obras de Aristóteles pelo mundo. Se tivéssemos que ler algum texto de Aristóteles, deveríamos escolher “A Política” e “Ética à Nicómaco”. Ler Homero nos faz entender a cultura ocidental; ler Aristóteles nos faz entender como chegamos até os tempos atuais. Aristóteles tem vários livros sobre ética.

Os termos que discutimos até hoje na política são os termos de “A Política” de Aristóteles. O que nos interesse é a filosofia do Direito, mas para isto devemos fazer um processo de mineração, porque o Aristóteles não fez nenhum livro específico sobre isto. Quando os romanos foram fazer as leis das XII tábuas, uma comissão de 10 romanos foi à Grécia. A filosofia grega influenciou o direito romano.

ÉTICA À NICÓMACO

Possível avaliar a filosofia de Aristóteles por duas visões. A segunda visão seria: O que Aristóteles tem para nos dizer hoje? No que ela serve para resolver nossos problemas éticos e morais atuais. O que uma tradição aristotélica pode responder? Aristóteles levantou pontos e várias pessoas que assistiam às suas aulas foram nessas discussões e melhoraram a filosofia aristotélica. Aristóteles errou ao defender a escravidão, mas os aristotélicos não erraram porque pegaram sua filosofia e refutaram a escravidão.

Nicómaco era o nome do pai e do filho de Aristóteles.

O que se discute na Ética á Nicómaco é a EUDAIMONIA, conceito que normalmente se traduz por felicidade. A pergunta básica é: o que é eudaimonia? A pergunta secundária, do ponto de vista lógico, e não moral é: como chegar à eudaimonia?

A língua clássica é sintética, enquanto as línguas modernas têm vocabulário muito maior, de forma que Eudaimonia pode hoje ser traduzida por felicidade, bem como por várias outras.

O que Aristóteles queria saber era como ter uma vida boa, como se chegar a ter uma vida digna e que valha a pena.

Esta é a base da ética: quais os critérios para tomar decisões na vida? A pergunta central então é: o que é a coisa certa a ser feita?

O primeiro passo é pensar se existe resposta ou não para esta pergunta; se não existir, nossa vida é um grande emaranhado de decisões inúteis. Em Alice no País das Maravilhas, quando Alice pergunta ao Gato qual caminho tomar, o Gato responde que depende de onde ela quer chegar. Quando Alice diz que não sabe onde quer chegar o Gato diz que tanto faz, então, o caminho que ela tomar. Se não sabemos a coisa certa a ser feita, tanto faz.

O que uma pessoa busca na psicanálise é a coerência narrativa de sua vida (decisões que a trouxeram da infância até aqui), uma resposta filosófica que justifique sua vida. Coerência é algo que a pessoa pode traduzir em signos de lógica.

Qual o grande critério norteador da vida de um sujeito. Aristóteles tem um método que de certa maneira remonta a Sócrates. Aristóteles utiliza o seguinte método: quer saber quais as opiniões vigentes que a grande maioria das pessoas aceita. Estas opiniões correntes ele chama de endoxas.

Aristóteles diz que existem respostas comuns a determinadas formas de vida. Pessoas que vivem determinadas formas de vida tendem a dar respostas pautadas nelas. A seguinte divisão de grupos remete à Platão.

ACEPÇÃO DE VIDA BOA DOS COMERCIANTES: O comerciante, aquele que trabalha para ganhar dinheiro, pensa que felicidade é acumular riquezas.

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REFUTAÇÃO DE ARISTÓTELES: Aristóteles diz que a felicidade é um fim, e acúmulo de riquezas é um meio, logo, felicidade não é acumular riquezas. Dinheiro não é um fim em si mesmo.

ACEPÇÃO DE VIDA BOA DO POVÃO: Os vulgos ou pessoas comuns, integrantes do povão, pensam que felicidade é prazer. Viver com prazer é o ideal do povão.

REFUTAÇÃO DO PROFESSOR: Dinheiro serve para prazer. O sujeito quer uma vida de prazeres. Prazer é um fim em si mesmo, logo, é possível dizer que esta é uma resposta válida. Dizer que o prazer não é felicidade, não significa que felicidade não tem prazer, somente que não é o critério para uma vida boa.

REFUTAÇÃO DE ARISTÓTELES: O prazer é efêmero, não dura, é instantâneo. O prazer não dura a vida toda.

ACEPÇÃO DE VIDA BOA DOS POLÍTICOS: Os políticos (aquele que se dedica à vida pública) pensam que felicidade é honra e virtude. Virtude é algo para a vida inteira.

REFUTAÇÃO DE ARISTÓTELES: não chega a fazer expressamente.

ACEPÇÃO DE VIDA BOA DOS FILÓSOFOS: Os filósofos pensam que a felicidade é contemplação da verdade, conhecimento. Chegar à verdade é algo para a vida inteira.

REFUTAÇÃO DE ARISTÓTELES: não chega a fazer expressamente.

Após a discussão sobre a acepção de vida boa, Aristóteles discute a virtude, ARETÉ em grego. ARISTOIS são os virtuosos. Para entender o que é o bem ao homem e felicidade ao ser, característica daqueles que atingiram esse bem é preciso saber qual o fim do homem.

Para os clássicos, fim e bem eram palavras intercambiáveis. O fim de uma coisa era o seu bem, e o bem de uma coisa era o seu fim.

ARISTOI é o atributo que se dá àquilo que atingiu seu fim. Aristóteles diz que existem cavalos que são ARISTOIS, ou seja, virtuosos. Virtuoso é aquele que atingiu adequadamente o seu fim, isto é ARISTOI.

Vários doutrinadores falam que a melhor tradução de ARISTOI seria EXCELÊNCIA. Cavalo excelente, relógio excelente, homem excelente são aqueles que chegam adequadamente ao seu fim.

Se uma coisa é excelente quando atinge seu fim, e isso é válido também aos homens, significa que os homens têm um fim. Como definir o fim de uma coisa para determinar o fim dos humanos. Aristóteles diz que o fim se define por sua função. Como saber se o pincel é excelente? Pela sua função.

O termo PSIQUE, em grego, nada tem a ver com alma no sentido teológico, sendo alma aquilo que movimenta, que anima. É necessário entender o que movimento o homem para entender sua função. Completamente errado ou não, a discussão de Aristóteles é importante. Ele entende que o homem é uma classe superior porque abarca as classes animais inferiores e complementa na ordem dos seres vivos. Uma classe superior possui várias partes em sua alma (movimento). Os vegetais têm geração, nutrição e crescimento. Os animais têm sensações, apetites e movimento. Os seres humanos, racionais, têm tudo isso e mais uma parte que percebe coisas universais e necessárias e outra que percebe coisas particulares e contingentes. Para cada função existe um tipo de excelência, virtude, diferente. A virtude típica da parte vegetativa é a vida, apesar de Aristóteles dizer que não existe virtude para esta parte por ser a mais básica de todos os seres vivos. A virtude da parte animal é a ÉTICA e a da parte racional é a DIANOÉTICA que se divide na VIRTUDE DA PRUDÊNCIA e VIRTUDE DA SABEDORIA. Assim, para o homem ser virtuoso (artoi) deve ter as virtudes éticas da prudência e da sabedoria.

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ETHOS tem dois significados: pode significar tanto caráter quanto cultura ou algo do gênero. Nesse ethos da virtude ética se fala em caráter. A excelência de caráter é a virtude ética. A ética é tanto o estudo da personalidade quanto o da cultura que a molda.

VIRTUDES ÉTICAS

Não refletimos o tempo inteiro. Refletimos quando somos chamados a dar razões, mas na maior parte do tempo estamos na parte animal (sensações e apetites, formas de desejar as coisas). As virtudes éticas se relacionam com essas sensações e apetites. Aquele que tem excelência ética terá excelência nas suas sensações e desejará as coisas de forma excelente.

O tempo inteiro nós percebemos sensações, e isso opera de maneira mais forte do que a parte racional. Aristóteles quer saber como desenvolver esses apetites de modo adequado. Ele não fala em não termos este apetite no sentido de que somente as virtudes dianoéticas são válidas. O homem é acima de tudo zoo, ANIMAL.

Contudo, o drama humano é a tentativa constante de superar a animalidade, embora se saiba que isto é impossível. Isso não significa dizer que Aristóteles quis transformar a vida em mera racionalidade. A única forma de superar a animalidade é a treinando. Existindo uma forma excelente de desejar e sentir, só após atingir isto é que permitimos que a parte dianoética se manifesta. Só tem uma vida boa quem primeiro tornou excelente sua parte animal, quem alcançou as virtudes éticas. O HÁBITO é a forma adequada de desenvolvê-las. Como definir a forma certa de desenvolver os impulsos animais? Aristóteles, em termos gerais, diz que tudo o que se pode quantificar (que pode ter tradução em medidas e números) pode se caracterizar em excesso, carência (falta) ou adequação. Aristóteles diz que as sensações podem ser manifestar de forma excessiva, deficiente ou na medida correta? Quando temos a medida correta, o meio entre o excesso e a falta, temos a virtude. O excesso e a falta são vícios. Um tipo de sensação que temos desde que nascemos é o medo. Sujeito que tem medo demais e covarde e quem nunca tem medo é temerário. É preciso ter medo sem sucumbir a ele. Sujeito que sente raiva o tempo inteiro é irascível, sujeito que nunca sente raiva é apático. Sujeito que nunca desenvolve a generosidade é avarento, aquele que desenvolve demais é pródigo, precisa de interdição. Normalmente existem termos linguísticos, palavras, para falar sobre o excesso e falta. Não existe meio termo entre o mesmo vício. O excesso e a falta se operam entre vícios opostos, não existe meio termo entre fumar e não fumar, por exemplo.

Atingir o meio termo é atingir a MODERAÇÃO. O sapato justo (que não é apertado nem grosso) depende do pé da pessoa. Existe uma adequação proporcional para cada indivíduo. Devemos entender o adequado à circunstância funcional de um sujeito.

Como atingir o grau de moderação? Como perceber o adequado? Aristóteles diz que percebemos o adequado por HÁBITO. Eu não ensino alguém a ser corajoso em termos racionais, dando uma aula, por exemplo, mas por meio do hábito. Aristóteles dá vários exemplos: o sujeito que toca violão por hábito toca melhor do que aquele que observa muito. O sujeito habituado faz melhor do que aquele que tem que parar para pensar porque as ações na vida são rápidas. É moralmente melhor que o sujeito faça por hábito do que o faça por reflexão. Choveu uma semana e o arroio dilúvio está cheio, uma criança caiu. Há dois sujeitos, um que reflete e outro que se joga para salvar. Fazer por hábito torna a pessoa mais desenvolvida moralmente.

É preciso ter em conta que vícios também são hábitos, podendo o sujeito ter diversos hábitos viciosos. A tradição católica diz que somos pecadores, viciosos, porque não temos a virtude necessária. Em muitos momentos fazer a coisa certa não é nada prazeroso.

Aristóteles entende que se um sujeito desenvolveu um hábito vicioso, já era. A ideia de vontade e superação de Santo Agostinho não tinha sido desenvolvida ainda. Se crescido, o ser humano é pervertido, Aristóteles pensa que morrerá pervertido. O importante e educar as crianças.

As leis são introjeções de hábitos nos cidadãos. No Brasil na década de 80 todos jogavam lixo pela janela do carro e não colocavam cinto de segurança. Sobrevinda a lei começamos a agir diferente e depois internalizamos e passamos a achar moralmente correto. O conceito de lei é que todas as leis sejam boas. As virtudes não são naturais, são o bom exercício da natureza, mas não são naturais, são aprendidas. As

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pessoas são generosas porque aprenderam a ser generosas. A aquisição das virtudes é feita ao longo da vida. Após atingirmos a moderação não somos virtuosos porque ainda é necessário desenvolver as virtudes racionais da prudência e da sabedoria. Sentir e desejar corretamente não levam à ação virtuosa, mas é um começo. É uma condição necessária, porém não suficiente.

SABEDORIA (SOPHIA)

Parte mais elevada da alma. Estamos falando de conhecimento teórico. Teorem é um tipo de visão. O sábio vê coisas que os outros não veem. Consegue ver padrões e teorizar. Ter bastante conhecimento e dar respostas teóricas às coisas. Ser sábio é muito diferente de ser prudente. Exemplo de sábio de AristóteleS: Sócrates ou Tales de Mileto. Exemplo do professor: Sheldon do The Big Bang Theory.

PRUDÊNCIA (PHRONESIS)

Ser prudente é saber como avaliar as circunstancias, por exemplo, o tempo correto de agir. Tipo de sabedoria em relação à ação humana. Percepção racional da ação humana que é a coisa mais contingente que existe. Exemplo de prudente de Aristóteles: Péricles (político). Prudência não é cautela, mas uma boa percepção sobre as razões para agir. A hora de agir e suas razões. As vezes as razões para agir são totalmente “anticautela”. Exemplo do professor: cinco caras que saem na noite. 4 sabem tudo sobre a teoria do relacionamento, mas não sabem como aplicar. Um deles é prudente porque sabe como agir, a hora certa e o que falar para uma menina.

Aristóteles fala que existe a unidade das virtudes. Jamais vamos ter a virtude ética sem prudências, pois não adiante sentir e desejar da forma correta sem que saibamos as razões e a hora de agir. Virtude ética e prudência são correlatas. A A prudência faz o meio de campo entre a teoria e a ação. Os exemplos de Aristóteles são silogismos.

Premissa maior: comer carnes leves faz bem para a saúde (isso é teoria) Premissa menor: carnes de frango são leves (percepção prudencial, saber qual o caso da regra é o

caso central da prudência) Conclusão: comer carnes de frango faz bem à saúde (silogismo prático, conclusão é uma ação; para

comer a pessoa precisa ter apetite)

FILOSOFIA

Aula 26.08.2014

Vimos na aula passada que a ética Aristotélica é a ética das virtudes. Realiza-se introjetando hábitos no indivíduo, pois este é o meio para o indivíduo ter uma boa vida (vida plena e bem vivida) alcançando a eudaimonia.

Só vamos encontrar o porquê de estarmos estudando Aristóteles lendo sua obra Teoria da Justiça. A Ética à Nicómaco trouxe os conceitos que vimos na aula passada. Para entender perfeitamente a ideia da justiça é necessário entender como conectar ética e política (essa é a chave de leitura). Essa conexão entre ética e política está representada na obra de Aristóteles por dois conceitos: conceito de justiça (caion) e conceito de amizade (filia). Esses termos auxiliam a estudar como chegar à eudaimonia.

SEMELHANÇA ÉTICA E POLÍTICA EM ARISTÓTELES

Por que Aristóteles diferenciava ética de política? Se lermos os dois textos, veremos que possuem um conceito chave: EUDAIMONIA. Normalmente este termo é traduzido, para Ética à Nicómaco, como Felicidade e, para a Teoria da Justiça, como Bem Comum.

As línguas clássicas eram mais sintéticas, de forma que a tradução de textos clássicos feita pelas línguas modernas traz uma série de “sinônimos” para eudaimonia que não significam exatamente a mesma coisa.

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A Política começa dizendo que toda comunidade visa ao bem assim como a Ética começa dizendo que toda ciência, arte, visa ao bem. O autor faz uma inter-relação entre o propósito ético e político.

Tanto a ética quanto a política pretendem a completa excelência do indivíduo. Aristóteles não escreve para tornar as pessoas mais sábias, mas para torna-las melhores. Ética de formação do indivíduo. Política serve para dar possibilidade à excelência dos indivíduos. É a mesma excelência buscada pela ética.

DIFERENÇA ENTRE ÉTICA E POLÍTICA EM ARISTÓTELES

A diferença é que a ética pretende fazer isso na perspectiva singular, o indivíduo, e a política pretende fazer isso na perspectiva plural, os indivíduos. Todavia, a diferença entre plural e singular para os gregos tinha um sentido diferente, porque a oposição indivíduo x comunidade não existia.

NATUREZA HUMANA

Para compreender felicidade, é preciso compreender o que é esta natureza de que se pretende excelência. A partir da Modernidade, a ideia do que é um homem, um indivíduo, faz sentido mesmo fora da sociedade. O projeto do contratualismo, do jusracionalismo, isto é, da Modernidade, é pensar o homem sem a comunidade.

Em “A Política”, Aristóteles diz que a cidade, a pólis, (não existia estado nação à época), a comunidade política, não surge pelo agrupamento de indivíduos ou por um conglomerado de famílias, ela não é um número maior de gente. A diferença entre pólis e um conglomerado de famílias é a diferença qualitativa.

Não existem indivíduos fora da comunidade política. A perspectiva Aristotélica é a de que a comunidade política surge concomitantemente com o humano, não havendo homem sem cidade. A cidade, colocando o homem em convivência com os animais, torna o homem um homem. Segundo Aristóteles, se o homem se concebe autossuficiente para conviver fora da comunidade política, deixa de ser humano. Humano é aquele que vive em associação. Frase atribuída a Aristóteles: “Fora da Pólis, o homem é um bicho ou um Deus”. O Homem, no entendimento aristotélico é dependente, depende dos outros sendo insuficiente.

Na psicologia do século XX, o homem se percebe como indivíduo ao conviver com outros da espécie humana. A primeira pessoa que entendemos que existe não é o “eu”. Este se forma, na verdade, em oposição àquilo que conhecemos primeiro (a mãe).

O que Aristóteles quer dizer ao afirmar que fora da comunidade somos bestas ou Deus? A perspectiva humana só existe e só toma identidade no seio de uma comunidade política, não só pela insuficiência do homem. O conhecimento humano (concernente à arte, à filosofia, à linguagem) não é dominado por um único homem. Não é o homem sozinho que fez conquistas, é a humanidade que as realiza. Até a chegada do homem na Lua, por exemplo, o conhecimento foi agregado desde os homens das cavernas. Aristóteles quer dizer que somos um todo, que a vida associativa é um todo.

COMUNIDADE COMO MULTIPLICIDADE

Ao contrário de Platão, Aristóteles diz que a pólis não é uma unidade. Platão acreditava que o todo que construímos era algo que tinha natureza. Aristóteles, por sua vez, concebeu essa teoria em parte, dizendo que os indivíduos (a parte) não explicam o fenômeno inteiro (o todo), mas que a polis não é um objeto metafísico que podemos conhecer, mas que a comunidade política é uma multiplicidade. Esse é o ponto de partida para entendermos a conexão ética + política. Fora da comunidade o homem tem uma natureza biológica, e isto é animalidade.

O homem não é autossuficiente, depende da comunidade política, e esta comunidade mantém a autonomia de cada indivíduo.

NATUREZA HUMANA BIOLÓGICA

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Fora da comunidade política, o homem está fadado aos apetites, às inclinações. A natureza dos animais é biológica, e o homem fora da comunidade é animal. Sem uma comunidade política, nunca alcançaremos as virtudes superiores que não surgem da animalidade. Para desenvolvê-las é preciso ter “autarquia”, autonomia. Apenas quando o homem deixa de se preocupar com como cuidar da saúde, como cuidar da comida, deixa de se preocupar com sua esfera estritamente privada (sexo e comida), é que transcende. A natureza biológica do homem lhe é dada.

NATUREZA HUMANA LINQUÍSTICA (LOGÓS)

A natureza humana linguística é a vida não apenas biológica, mas racional. Diz respeito, portanto, à racionalidade e se alcança quando o homem está inserido em uma comunidade política, em uma pólis. A natureza humana linguística, racional, não é dada, é construída, buscada.

Explicar o homem de forma isolada da cultura, da ciência, da filosofia, das artes, ou seja, isolada da comunidade política é impossível. É preciso entender o processo associativo, é preciso entender a política para entender o homem. Segundo Aristóteles, a política serve ao homem para entender sua natureza, e esta nunca vai se esgotar, porque é impossível esgotar a explicação de toda a natureza humana e por isso o indivíduo precisa continuar na filosofia e na política.

VIDA = ZOÉ + BIOS

Os gregos definiam vida utilizando dois termos: zoé e bios. Aristóteles chamava o homem de zoon(?) politicon, no sentido de que o homem não é só um bicho, pois tem “zoé” e “bios”.

ZOÉ: Exprime o simples fato de viver comum a todos os seres vivos. Nas suas carências o homem tem Zoé.

BIOS: Forma típica de um indivíduo ou de um grupo de viver. Na sua maneira gregária de vida, de se relacionar com linguagem com outros indivíduos, o homem tem Bios.No final do livro Ética à Nicómaco, Aristóteles diz que a contemplação é a forma de superar as

necessidades contingentes da vida humana.

SIGNIFICADO DE POLÍTICA EM ARISTÓTELES

Aristóteles fala da política como um saber prático. Política no sentido de processo associativo (tudo que envolva deliberação, associação deliberativa, uso do logós, da razão, de forma associativa). Política seria a expressão para relações comunitárias racionais.

POLÍTICA COMO A CONCRETIZAÇÃO DA NATUREZA HUMANA

De que forma é possível criar instituições na polis de modo que propiciem os indivíduos a chegar à eudaimonia? Qual a melhor maneira de organizar politicamente a comunidade para que os indivíduos possam responder à felicidade que se pretende concretizar? Se a eudaimonia decorre da excelência do indivíduo e isto decorre de sua natureza humana, como descrevê-la? Politicamente.

A política só tem sentido com a ética. A Política Moderna, que é a pura organização do poder, é diferente, pois não tem a finalidade de concretização da natureza humana.

O “grupo de pesquisa” de Aristóteles recolheu mais de cem constituições (organizações políticas). Por que o professor diz que a pergunta é mais relevante? Porque Aristóteles não acredita que a resposta esteja fechada (não pode ser qualquer coisa, mas certamente não está fechada). Aristóteles parece dizer que não existe “A” organização política, uma vez que cada comunidade vai ter a concretização de formas diferentes. Organização política é diferente para Atenas e Esparta, assim como o significado de coragem o é.

DIVISÕES DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

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Aristóteles, a partir dos termos de Platão, começa a dizer que os regimes, as organizações políticas, podem ser classificados de diversas formas. A organização política pode ser dividida pelo número, visando ao bem de todos ou ao dos governantes.

BEM DE TODOS BEM DO (S) GOVERNANTE (S)UM Monarquia TiraniaPOUCOS Aristocracia OligarquiaMUITOS Politéia (República) Democracia

Democracia, à época, tinha acepção similar a demagogia (usar os pobres como massa de manobra).

Aristóteles fala muito desta classificação, mas não acredita nela pelas seguintes razões:

1) TIRANIA não é política. Se não há deliberação associativa, não há política.2) MONARQUIA pressupõe uma pessoa tão excelente que sozinha seja melhor do que todos

juntos (Ex.: Aquiles liderando os guerreiros). Contudo, como já foi visto, é impossível que exista uma pessoa tão autossuficiente e excelente, e não há exemplo histórico concreto.

3) Aristocracia pressupõe que exista um número determinado de pessoas virtuosas (melhores). Aristóteles entende que a virtude é muito mais uma busca do que uma concretização. Fala que se existissem pessoas virtuosas assim, a aristocracia deveria ser adotada, mas isto não existe.

4) O governo oligárquico, dos ricos, é opressor, pensa que a lei é feita por ele e para defender seus interesses contra os pobres.

5) Democracia é tão horrível quanto, porque o pobre não se vê na lei, não se vê como parte da comunidade, entende que esta só serve aos interesses dos outros e foi feita contra ele. O pobre está em uma miséria tão grande que se preocupa muito mais com a sua parte biológica, seus interesses privados. Quem está preocupado com isto, não faz política.

6) O regime ideal é o regime de classe média que é a REPÚBLICA. A classe média acha que faz parte da lei e que esta deve servir ao Estado. A classe média está preocupada em fazer a coisa pública, não acha que a lei foi feita para protegê-la somente e nem para oprimi-la.

REPÚBLICA PARA ARISTÓTELES

República é o Governo dos iguais. As escolhas dos cargos públicos deviam ser feitas por sorteio, porque todos eram iguais. Se existisse voto Aristóteles chamaria de Aristocracia, pois Aristocracia é o governo dos melhores. O fim da política é a eudaimonia. Com fazer as pessoas chegarem à eudaimonia? Fazendo com que participarem da política. Como fazer isso? Colocando as pessoas na classe média. Quem se abstivesse sofria a pena de atinia (perda da cidadania).

Não se pode pretender que república seja o mesmo em lugares diferentes. Não existia a vontade do povo, mas a racionalidade do povo. Política se faz com logos. Debater um assunto é racionaliza-lo. Um sujeito sozinho não tem a compreensão de qual o ponto de vista adequado. Somente ao ouvir o ponto de vista dos demais é que se constrói um ponto de vista sólido.

Necessário se faz a construção de leis que determinem hábitos virtuosos, a fim de que todos os cidadãos consigam chegar à eudaimonia.

TEORIA DA JUSTIÇA

Page 10: Aulas de Filosofia - Alejandro 2014

A primeira coisa que Aristóteles vai falar é que a Justiça é uma virtude. A teoria da virtude foi discutida por Aristóteles nos livros de ética. Ele disse que ética são os hábitos de perfectibilização de certas potências que o homem tem. Pelo menos em relação às virtudes éticas, os hábitos fazem com que percebamos o mundo de forma diferente, inclinando nossas paixões, apetites e desejos a certa direção.

A maioria das virtudes, como a coragem, discutem o homem em relação a si mesmo (homem em relação ao seu próprio medo). A justiça é a virtude que trata do homem diretamente aos outros. É mais fácil perceber a injustiça do que a justiça.

INJUSTO PARA ARISTÓTELES

As pessoas acham que sofreram uma injustiça quando não receberam tratamento igual aos demais ou quando não receberam tratamento de acordo com a regra (não precisa ser a lei, pode ser o costume) que molda os tratamentos dessa natureza.

INJUSTIÇA, portanto, se baseia em:

DESIGUAL ILEGAL (em desacordo com alguma regra/costume)

JUSTIÇA, em contraposição, é:

IGUAL → Justiça PARTICULAR (possível de particularizar) LEGAL→ Justiça GERAL

IGUALDADE PARA ARISTÓTELES

Na concepção aristotélica, a igualdade opera de duas formas:

1) ABSOLUTA (ARITMÉTICA): A=B; reciprocidade/sinalagma. Igualdade na reciprocidade. Típica das relações de troca → Justiça comutativa ou corretiva. O direito penal faz parte dessa igualdade aritmética. A pena deve ser igual ao dano (igualdade). Justiça comutativa seria das relações lícitas (trocas dar e receber). Justiça corretiva seria das relações ilícitas (dano e pena/sanção). Dado que somos insuficientes, o que garante nossa suficiência são as trocas. Sem as trocas não existe a comunidade. O difícil é dizer o quanto valem as coisas para manter a relação de justiça. É fácil dizer que deve haver igualdade nas trocas, difícil e dizer quando a troca é igual e quando não é.

2) PROPORCIONAL (GEOMÉTRICA): A/B = C/D. O que é de todos precisa ser particularizado. Como se distribui leitos no hospital? Quem vai para a guerra? Quem vai ser mesário? Quem paga impostos? A maior parte das lutas/conflitos sociais ocorre por questões distributivas. Por que brancos tem acesso distributivo diferente dos negros? → conflito social. Por que homens tem acesso distributivo diferente das mulheres? → conflito social. Por que os ricos têm mais vantagens do que os pobres? → conflito social. No que reside a igualdade do acesso a cargos público, ao voto? Qual o critério para dizer que há igualdade? O importante é que a distribuição parta de critérios racionais e que sejam respeitados. A justiça distributiva pode ser traduzida de uma forma: “A cada um segundo x” → X é o critério. Ex.: IRPF o critério é 27,5% da renda. Os mais ricos pagam mais, mas o critério é o mesmo. Há uma igualdade. O liberalismo funciona com o seguinte critério: para todos a mesma oportunidade e para cada um segundo seu mérito. Devemos lutar por duas coisas na justiça distributiva: pelos melhores critérios e pelo respeito dos critérios adotados.

IGUALDADE

ABSOLUTAARITMÉTICA

PROPORCIONALGEOMÉTRICA

A = B A/B = C/DJustiça Aritmética Justiça Geométrica

Page 11: Aulas de Filosofia - Alejandro 2014

Reciprocidade Justiça DistributivaJustiça Corretiva e Comutativa Critérios de Distribuição

PROBLEMAS DECORRENTES DA NOÇÃO DE JUSTIÇA

1) PROBLEMA DA JUSTIÇA ABSOLUTA: Como quantificar a relação entre coisas diferentes em uma troca? Aristóteles dá a resposta segundo a TEORIA DA MOEDA. Em seus livros defende a monetarização das coisas. O básico é que as posições econômicas fazem parte da teoria da justiça. Locke disse que o valor das coisas se mede pela quantidade de trabalho que foi nela aplicado. Os fisiocratas acreditam que o valor das coisas decorre de algo que nelas existe. A teoria da moeda é a base de uma teoria econômica.

2) PROBLEMA DA JUSTIÇA PROPORCIONAL: Como definir a aplicação de critérios gerais aos casos particulares de uma mesma maneira? Por meio do juiz. O JUIZ é a figura animada da justiça. Sem o juiz não é possível concretizar a justiça. Vê-se, portanto, que existem duas medidas para aplicação da justiça: a moeda e o juiz.JUSTIÇA LEGAL

O que nos coloca em comum na comunidade é a adesão ao senso de regra em comum que é a base da justiça legal. Acreditar que as leis se dirigem a mim e regram meu comportamento. Quando a justiça é utilizada como instrumento opressor, o sujeito se desvincula da justiça legal. O brocardo: “Aos amigos as benesses da lei, aos inimigos a dureza da lei” é a tradução do que significa a injustiça legal. A base da convivência é a vivencia sob as mesmas leis. A base da justiça é se ver no outro e acreditar que ele é igual.

Aula 02.09.14

Justiça entre os indivíduos = Justiça Corretiva.

Justiça da comunidade em relação ao indivíduo = Justiça Distributiva

Justiça do indivíduo em relação à comunidade = Justiça Geral (legal).

Até o momento estamos falando da forma da Justiça. Depois, Aristóteles vai discutir o que chama de Justiça Política (Justo Político).

O Justo Político se divide em:

a) Justiça por Convenção (positiva): coisas que em um primeiro momento são indiferentes, mas que, depois de convencionadas, no interior de uma comunidade passam a ser parâmetro de Justiça. São decisões que se tornam convenções e devem ser respeitadas. Ex.: regras de trânsito, alíquota do imposto de renda.

b) Justiça Natural : coisas que em todos os lugares se espera que seja da mesma forma. Ex.: a maioria das pessoas é destra por natureza, mas se treinar pode ser ambidestra. Existe certa piedade na relação dos homens com outros homens e animais e por isso alguns autores que traduzem Aristóteles utilizam o exemplo de que não se deve comer animais. Outro exemplo é o de que é natural enterrar os mortos.

A Justiça Natural não é dicotômica, ela faz parte do justo político (este entendimento de Aristóteles é diferente dos jusracionalistas) e se encontra na comunidade.

O que Aristóteles quis dizer: lembremos que, na aula passada, vimos que a natureza humana pode ser meramente biológica ou linguística (política, racional). A natureza biológica não é a de que Aristóteles fala. O homem tem uma natureza mutável, porque tem que discuti-la, descobri-la, e por isso o mundo natural é mutável. A natureza não é estatística, empírica, é a natureza daquilo que melhor podemos ser. Muitos refutam Aristóteles porque em Atenas, à época, apenas poucos eram cidadãos. A igualdade significa todo mundo nas suas diferentes expressões, hoje temos um regime mais adequado com a filosofia aristotélica.

Page 12: Aulas de Filosofia - Alejandro 2014

Aristóteles enquanto Aristóteles estava errado, mas a filosofia aristotélica o corrige. A filosofia é sempre melhor do que o filósofo que está preso em sua época, a filosofia transcende.

As pessoas só mudam de forma associativa, isto é, discutindo. Certas coisas das nossas normas jurídicas são meras convenções. Uma vez decidido em conjunto, não é possível mudar a base da igualdade.

Até hoje temos dois tipos de regras:

a) Regras que representam a vontade, o arbítrio de viver de certa maneira;b) Regras que fazem parte do conceito daquilo que acreditamos que faz parte da nossa identidade.

Se somos dependentes, precisamos de trocas

Se vivemos em uma sociedade ruim, seremos pessoas ruins. Para Aristóteles não existe transcendência. Se o sujeito nasce em um ambiente corrompido será corrompido, porque vai depender das convenções daquela sociedade.

O professor despreza a parte em que Aristóteles opõe ao Justo político o Justo doméstico (Alejandro entende que não precisamos entrar nisso).

IGUALDADE E LIBERDADE ANTES DE JUSTIÇA

Um apontamento importante é que A JUSTIÇA OCORRE ENTRE AQUELES QUE SÃO LIVRES E IGUAIS. E isso é decorrente do fundamento da justiça, já que esta advém da lei e da igualdade.

O escravo não está no âmbito da lei, mas do despotismo do seu senhor. Disso se segue que quanto mais liberdade e igualdade, mais justiça. Ampliar as bases da igualdade significa ampliar a justiça; a igualdade política precede a Justiça. É preciso discutir a igualdade antes de discutir a Justiça. Outra conclusão possível é que, ao discutir igualdade, estamos discutindo justiça.

Em que medida eu tenho deliberação com os estrangeiros? Em que medida existe um canal que permita que se faça política nesses termos, que se debata quem nós somos ou o que é certo? Se não existe uma instituição que faça isso, talvez não haja justiça.

Ajuda humanitária a gente faz por solidariedade e não por dever. Ninguém pode cobrar. Parece que as relações internacionais são privadas e não públicas. No âmbito familiar a gente faz o que a gente quer ou gosto. No âmbito maior a gente faz o que deve. Parece que ao tratar com aqueles que estão longe de nós, a gente faz o que quer.

EQUIDADE

Para Aristóteles, a Justiça, às vezes, precisa ser corrigida, e essa correção é feita pela equidade. Assim, a equidade é preferível à justiça, estando além dela, sendo melhor. Homem equitativo é o homem prudente.

Na Retórica, Aristóteles diz que ser equitativo é ver a vida inteira da pessoa e não apenas o ato. É olhar o sentido da lei e não suas palavras. Não usar a lei contra os outros. Ex.: anel de ferro. Existia em Atenas, uma lei que dizia que o sujeito devia ser punido se ferisse alguém com ferro. Se um sujeito com anel de ferro soca alguém, deve ser punido nos termos dessa lei? Não. Porque a lei era para lanças, espadas ou outro instrumento bélico feito de ferro, embora não especificasse isso.

Aristóteles é obscuro quanto ao conceito de equidade. Vários comentadores procuraram definir o termo. Alguns dizem que se trada de uma técnica de interpretação jurídica, outros de razoabilidade. Kant critica Aristóteles dizendo que a equidade é uma Deusa surda a quem se roga (diz, em outras palavras, que não existe).

Art. 2º da Lei da Arbitragem diz que esta pode ser feita por direito ou por equidade. O CC diz que o juiz só decidirá por equidade se a lei o permitir.

EPIEIKEIA

Page 13: Aulas de Filosofia - Alejandro 2014

Na Grécia antiga havia duas bases para EPIEIKEIA (TERMO GREGO PARA EQUIDADE). Para Platão equitativo é aquele bom governante que consegue adequar os casos concretos às regras gerais.

As regras jurídicas, leis ou outras fontes do Direito são ditas em termos gerais, mas estes termos são diferentes dos das leis da natureza. Quando se diz: “o calor dilata os corpos”, na física, quer-se dizer que “para todo X, Y”. Para todo o corpo, o aquecimento acarreta dilatação sempre.

As leis jurídicas são diferentes das naturais. Quando se diz: “no sinal vermelho, pare”. Não se quer dizer que todos os carros devem parar no sinal vermelho (ambulância, por exemplo). Não se quer dizer: “para todo X, Y”.

As leis humanas têm muito mais exceções do que as leis da natureza. A regra por ser genérica não molda todos os casos. É preciso saber quando o caso é o caso da regra e em que medida é. Há casos que são claros e há casos que não são claros segundo Hart.

Platão identifica mais de um tipo de exceção. Existe a exceção ontológica (da natureza) e a EPISTEMOLÓGICA. Esta ocorre quando o legislador não sabia da circunstância do caso ao elaborar a regra. As regras são feitas para o futuro e, no futuro, as circunstâncias mudam. Casos que são impossíveis de prever com anterioridade. O CC, p. ex., mandava juntar o filme junto com as fotos para produzir prova, o legislador não tinha como prever a máquina digital.

HESÍODO E INDULGÊNCIA

Para alguns casos a aplicação da lei pode se tornar muito dura. Para alguns casos, a aplicação dos termos da lei pode ser excessiva. Na cultura grega, existia a ideia de INDULGÊNCIA (não no sentido de comutação da pena), no sentido de atenuação da força da lei. A medida da lei precisa se adequar à medida do caso.

FONTES DA EQUIDADE

Fonte da cultura geral grega que associava a equidade a certa doçura Fonte que vinha de Platão de convergência dos casos particulares às regras gerais

Equidade para Aristóteles parece ter esses dois significados. De interpretação da lei principalmente que ao mesmo tempo em que preza pela adequação dos casos singulares às regras gerais e com isso os adapta, adapta também a interpretação de tais regras a uma afirmação dos vínculos associativos da comunidade.

Aula 09.09.2014

PROBLEMAS QUE A EQUIDADE PRETENDE RESOLVER

Aristóteles fala pouco de equidade. Queria resolver o problema central do direito que é a GENERALIDADE DAS REGRAS diante da SINGULARIDADE DOS CASOS. Como um caso único e irrepetível no mundo se adequa a uma regra que pretende abarcar uma coletividade de casos. Dentro desse problema entram subproblemas como o da interpretação e da exceção. As regras por serem ditas com anterioridade e de forma geral não dão conta da problemática futura casuística.

O direito resume a vida e com isto se perdem muitas peculiaridades. A equidade é uma ferramenta pensada para resolver exceções, adequação... Outro problema que ela tenta resolver é o da cultura geral grega do EXCESSO DE JUSTIÇA.

Buscar a justiça a todo o preço pode ser um mal terrível. Os poetas gregos narravam isto. Heróclito dizia que a justiça pretende resolver o mal com outro mal. A ideia da cultura grega era a de que abrir mão da justiça, às vezes, torna o mundo melhor. Se levarmos às últimas consequências, Justiça é pura retribuição. Logo, quando precisamos punir, nos tornamos maus na mesma medida daquele que está sendo punido. Os gregos acreditavam que às veze era melhor não fazer justiça para não se tornar um mau.

Page 14: Aulas de Filosofia - Alejandro 2014

Caso do Mercador de Veneza comentado por Ihering. O contrato deveria ser pago. O B está apaixonado pela P e precisa de dinheiro. Pede emprestado para A que é grande mercador de Veneza, mas este está com todo o dinheiro mobilizado em navios em alto mar. Como ele vê o amigo sofrendo, pede emprestado ao S, judeu que faz empréstimos, mas S era inimigo antigo de A. A coloca como garantia uma libra de carne (500g). Os três navios que carregavam propriedades de A naufragam. S quer executar o contrato e pede uma libra de carne do A. Ocorre julgamento feito pela P disfarçada e não tem que convença S a não pedir uma libra de carne. S quer justiça, quer que seja cumprido o contrato. Evoca a justiça da cidade de Veneza. P diz que S tem direito à carne, mas não ao sangue. S quer fazer justiça a qualquer preço. Resgatado os barcos de A ele oferece duas, três, quatro vezes o valor do anteriormente prometido e S não aceita. Ihering critica a solução de P porque diz que o contrato que pressupõe uma libra de carne já pressupõe também o sangue. Aristóteles chama o justiceiro de Dikaios. Na bíblia há uma parábola representando algo parecido ao excesso de justiça. O fim de ‘S’ é acabar perdendo sua religião, sua família, suas posses e, em certa medida, (interpretação do professor) Aristóteles quer dizer que quem quer justiça a todo preço acaba como S.

EQUIDADE PARA PROMOVER A AMIZADE E OS LAÇOS DE FILIA

A equidade não é olhar para a ação, mas para uma vida inteira não se preocupando com as falhas, mas com os acertos. É preciso cuidar como se faz justiça para não aniquilar com o outro, para não aniquilar com os laços de filia, pois sem o outro não existíamos. O fim da justiça é a amizade, a filia, a concórdia. A justiça é uma forma de manter os laços de filia. Sem justiça não existe comunidade, sequer um bando de criminosos. Contudo, só de Justiça também não existe comunidade, pois ela aniquila os vínculos.

A ideia da equidade é resgatar laços comunitários. Em “A Politica”, Aristóteles diz que o bom político não é o que aumenta a justiça, mas o que aumenta a amizade. O paradoxal dessa história é que, no sec. XX, boa parte das correntes pretenderam tirar do horizonte jurídico a ideia de justiça, mas como elas não tinham uma teoria politica por trás, no sentido de teoria que descrevesse esses laços de amizade, o que elas prometeram, não cumpriram. Ao invés de acabar com a ideia de justiça, levaram a justiça ao extremo. Retomaremos depois.

PENSAR COMO O LEGISLADOR

O legislador, na democracia ateniense, é o mesmo que o juiz. Legisladores são todos os cidadãos em praça pública, e “o juiz” é uma assembleia de 500 juízes por sorteio. Pensar como se fosse o legislador é promover os laços de amizade, laços comunitários e fomentá-los.

GOVERNO DAS LEIS OU GOVERNO DOS HOMENS

O problema que a equidade pode trazer é que inicialmente parece que se trata de uma decisão caso a caso. Em que medida, contudo, resolver um caso por vez não traz um problema muito maior. O que é preferível, pergunta Aristóteles, o governo das leis ou dos homens? Caso a caso o governo é dos homens. Aquele que decide parece que está acima de todos, porque consegue dizer o que os homens deve fazer caso a caso. No governo das leis existe igualde, ninguém está acima de ninguém, porque existem regras gerais.

Assim, a equidade que aprecia num primeiro momento tão linda e maravilhosa, precisa ser limitada. Surge, então, um problema: é melhor nos submetermos a leis gerais, apesar de não serem boas, ou é melhor nos submetermos a decisões particulares excelentes, sendo que cada decisão será feita singularmente. No governo dos homens não se tem igualdade. Na decisão caso a caso haverá pessoas mais poderosas na cidade Às quais os demais estarão subjugados e nenhum caso será remetido aos semelhantes. Não há regra geral que dá unidade, comunidade. Duas pessoas diante de um mesmo problema serão julgadas de forma diferente, porque serão julgadas por pessoas diferentes. Na segunda parte de A Retórica Aristóteles fala desse problema.

TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)

Período filosófico conhecido como Escolástica.

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Muitos iluministas chamaram a Escolástica de época das Trevas. A Idade Média nada de trevas tinha e foi um período de alta profusão do conhecimento. Por exemplo, foi o berço da Universidade – que surgiu no séc. XI pouco antes de Tomás de Aquino. Paolo Grossi fala da profusão de conhecimento enorme que houve na Idade Média. A escolástica está situada neste período de muita produção cultural. Tem a escolástica, dentre seus maiores expoentes, Tomás de Aquino, Alberto Magno (mestre daquele), Averrois, Francisco de Vitória (toda a escola de Salamanca), Dunz Escotos...

Tomás de Aquino foi canonizado após morrer, muito embora três anos após sua morte, tenha o bispo de Paris declarado serem heréticos vários de seus textos.

Não se deve falar “São Tomás de Aquino”, mas “Santo Tomás de Aquino”, é uma exceção à regra de língua portuguesa.

Para o professor, Dunz Escotus e Tomás de Aquino são os melhores filósofos da Idade Média. Este veio de uma família rica da baixa nobreza e, como irmão mais novo, estava destinado a entrar para a Igreja. Normalmente o irmão mais velho ficava com os títulos de nobreza e administração das terras, o irmão seguinte assumia algum cargo público e o mais novo ia para a Igreja. Tomás de Aquino entrou para a ordem dos Dominicanos e talvez seja a razão desta ordem ter se tornado tão famosa.

O lema dos dominicanos é veritas. E foi a ordem escolhida por Tomás de Aquino, porque este pensava que havia recebido um chamado para encontrar a verdade. Tomás de Aquino deu aulas em diversas universidades (Paris, Colônia e Nápoli), tornando-se referência principalmente em teologia. Hoje é considerado uma das doutrinas basilares do catolicismo. Até o séc. XIX, Dunz Escotos tinha as principais doutrinas.

Alguns autores como Duran se negam a falar dos escolásticos, pois acreditam que falavam de teologia e não de filosofia. Ocorre que a filosofia do direito, incipiente filosofia da linguagem, só se fazia no campo da teologia, afinal de contas, teologia e filosofia, nessa época, até o final do séc. XIX, passaram por uma convergência muito grande.

Alberto Magno dizia que Tomás de Aquino havia sido seu melhor discípulo. Aquele foi um dos responsáveis pela profusão da redescoberta de Aristóteles na Europa de então. Platão teve seus textos preservados e foi a grande influência de Agostinho. Quase toda a filosofia europeia do primeiro milênio tinha influencia de Platão. Os textos de Aristóteles, contudo, como tinham se perdido, não influenciaram ninguém até a escolástica. Com a invasão dos árabes (como Averrois) que tinham preservado os ensinamentos de Aristóteles, a Europa dos escolásticos conheceu a filosofia aristotélica.

Tomás de Aquino buscou mostrar que era possível unir três bases: o direito de Cícero/direito romano como um todo, a filosofia de Aristóteles e a filosofia agostiniana. Tem fundamento na filosofia grega, no direito romano e na filosofia cristã. Os textos aristotélicos quando chegaram junto com os árabes foram acusados de heréticos. Tomás de Aquino tentou demonstrar que não eram heréticos. Tomás de Aquino ditava textos, então existem muitas obras de sua autoria.

SUMA TEOLÓGICA

Quando entrou na Universidade de Paris, Tomás de Aquino foi convidado a fazer uma suma, um currículo para a cadeira de teologia. Esta suma está hoje publicada com o nome de Suma Teológica e é composta por tratados, sendo o mais importante o TRATADO DA LEI. O tratado da Justiça renova o discurso aristotélico, enquanto o tratado da lei é totalmente inovador.

Cada tomo é dividido em tratados (da lei, da justiça, da natureza humana), e cada tratado é dividido em questões (p. ex.: qual a natureza da lei?). Para entender essa estrutura é preciso entender o método escolástico. Hoje em dia essa expressão não é elogio, embora o professor ache o método muito lógico e claro.

MÉTODO ESCOLÁSTICO

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Dentro dos tratados existem as divisões das lições (lectios) que, por sua vez, são divididas em questões (quaestiones) que são subdivididas em: 1., 2., 3., SED CONTRA, RESPONDUO, OB. 1, OB. 2, OB. 3.

Os números correspondem às respostas das várias correntes dadas às questões. SED CONTRA é o argumento de autoridade que refuta as correntes. Quando Tomás de Aquino fala “o filósofo” se trata de Aristóteles e quando fala “o apóstolo” se refere a Paulo. RESPONDUO é a resposta de Tomás de Aquino, e as expressões OB são objeções relativas a cada corrente apresentada nos números.

Metodologicamente isso é muito superior do que os textos atuais. Uma forma de ler para tornar mais fácil Tomás de Aquino é bom ler 1 depois OB 1, 2 OB 2, 3 OB 3 e depois a RESPONDUO. Os textos escolásticos são sintéticos, cada frase diz muita coisa.

TRATADO DA LEI

Questão 97 a 108 (segunda parte da segunda parte da Suma Teológica).

A Suma teológica tem uma unidade. Entender as questões sobre a criação do homem ajuda a entender as questões acerca da promulgação da lei. O conhecimento é uno.

Qual a essência da Lei? O que é a lei? Seria algo da razão (lei como produto da reflexão racional) ou da vontade (lei existe porque o sujeito quis que existisse)? Tomás de Aquino fala que é algo da razão. O processo de vontade seria estético, de gosto. O Processo da razão seria racional, da reflexão. Existe alguma vontade do legislador ou a lei é um processo racional, empreendimento que se pode fazer em conjunto. A razão permanece no tempo, a vontade não necessariamente. O que preserva a vontade no tempo? Se a lei é produto da vontade, é produto do poder, de modo que a explicação da lei seria muito mais autoritária do que racional. Como lidar com a vontade daqueles que já se foram.

No caso em que a vontade e a razão se dissociam, mantemos a razão, segundo Tomás de Aquino. Nos dizeres do autor “a lei é regra e medida segundo a qual alguém é levado a agir ou a apartar-se da ação. A regra e medida dos atos humanos é a razão, que ordena as coisas em direção ao fim”. O que ele quer dizer?

Lei = Regra e Medida

Regra e medida da ação humana = razão

Lei = razão

Regula tem dois sentidos: régua e regra. Tomás de Aquino diz que essa dicotomia diz algo sobre a lei. Regra é sempre uma medida. Com a lei queremos medir nosso atos. Com a lei posso dizer se o ato é bom ou ruim (expressão de medida). Por meio da medida posso estabelecer comparações. A ideia de regrar é a ideia de medir. Medir no duplo aspecto: comparar e valorar. A lei valora os atos e os compara, e comparando, iguala. De maneira prospectiva a lei dá parâmetros ao agir.

Sem a lei a ação humana às vezes perde o sentido e a referência, e os atos são sempre singulares. Só posso dizer que os meus atos são os mesmos dos de outros diante de uma medida. O uso da medida racionaliza as coisas.

A lei em um primeiro momento é criada, mas ela é algo da razão, revela uma medida e como medida expressa razão. Tudo que é medida possui um padrão objetivo. Se a medida for subjetiva, totalmente da vontade, eu poderia medir uma mesa em anos luz. A medida de comparação é a primeira medida de todas. Uma regra irracional não pode medir as ações humanas.

Enquanto FORMA, a lei é RAZÃO. Enquanto FIM, é o BEM COMUM. Tomás de Aquino cita dois autores: Izidoro diz que a lei é escrita não para vantagem particular, mas para comum utilidade dos cidadãos.

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A lei nunca é privada, a lei é PÚBLICA. Ela é pensada para todos. No Brasil, interpreta-se a lei como se alguém fosse ser beneficiado com a regra. A lei sempre deve ser interpretada de forma pública, beneficiando a comunidade. A lei perde a racionalidade quando se interpreta que ela busca privilegiar determinado grupo. A lei é benefício de todos. Só existe uma interpretação possível da lei INTEPRETAÇÃO PARA O BEM COMUM. O conceito de rega é o conceito de unidade, não existe regra para um caso específico. Renovado o conceito de Aristóteles segundo o qual não se pode usar a lei contra os outros. Tomás de Aquino falava isso durante a Idade Media, momento em que a maior parte das relações eram privadas.

É errado dizer que o bem comum é o bem de todos naquilo que todos têm em comum, porque essa expressão desconsidera que às vezes o homem deve sacrificar seu particular pelo público. Ir para a guerra é um terror para a pessoa, o bem comum pode ser a tragédia individual.

Esse bem comum é a felicidade. Tomás de Aquino cita Aristóteles “dizemos justas as disposições legais que fazem e conservam a felicidade e as partes dessa na comunidade política”. Resgata-se o conceito de eudaimonia (finalidade intrínseca ao objeto). O parâmetro para dizer se a lei é boa é saber se ela leva a comunidade à eudaimonia, ao bem comum. Se o legislador faz a lei, ele faz um estudo racional de como levar a sociedade a esse fim.

Dado que a lei é produto da razão e que visa à eudaimonia, deve-se descobrir como construir essa medida. Se todos somos racionais porque não dizemos que qualquer um pode fazer a lei? A pergunta é sobre a autoridade que pode produzir a lei e sobre legitimidade. A resposta de Tomás de Aquino é a de que a lei pode ser feita por um, por vários, tanto pela multidão quanto pela unidade, desde que aquele(s) que a faça(m) esteja pensando na multidão.

A lei enquanto medida é unidade para coisas diferentes, então é unidade na multiplicidade. Sendo assim, só pode ser feita pela multiplicidade, ou com a preocupação com essa multiplicidade. A lei quando não é feita pensando em todos perde o sentido público, virando projeto privado. A legitimação da autoridade para Tomás de Aquino não se dá por processo de força, mas se dá por aqueles que estejam pensando no bem de todos. Se houve por parte da autoridade, preocupação com todos, posso dizer que é legítima. Ninguém enquanto pessoa privada tem legitimidade para fazer lei. A legitimidade é pública e faz referência à multidão. Em termos de relações feudais isso é revolucionário. Somente o espaço público oferece legitimidade. Tomás de Aquino diz que a própria autoridade, o próprio príncipe quando faz a lei age como príncipe e não como pessoa privada, de modo que o próprio príncipe se submete à lei. Quando se faz a lei se está na esfera pública, quando se submete a lei, se submete como particular. O legitimado para fazer a lei é o REPRESENTANTE. Autoridade é aquilo que representa e é possível separar o representante, enquanto representante (todos), e enquanto particular (ele mesmo que se submete à lei). Isso é repetido na filosofia apenas no século XVIII com os federalistas.

** Hobbes, 4 séculos depois, defenderá que as autoridades não estão submetidas a lei. Legitimidade para Kelsen é aquilo que se sustenta politicamente com base na força. Hoje tanto a esquerda quanto a direito acreditam que o DIREITO é implementado pela FORÇA.

LEI É RAZÃO, BEM COMUM, PRODUTO DA MULTIPLICIDADE DERIVADA DE UMA AUTORIDADE LEGÍTIMA.

Questão 90: A promulgação é da razão de lei? Se não existir mecanismo de levar a lei ao conhecimento de todos, não existe lei. Dizer que a lei é racional é também dizer que ela tem que possibilitar seu uso racional e isso só é possivel se se leva ao conhecimento. É contraditório dizer que norma é ato secreto. Tomás de Aquino disse: “Para que se obtenha força de obrigar, é necessário que se aplique aos que devem ser regulados e que se leve ao conhecimento deles”.

O sujeito submetido a uma regra que não conhece e que não tem possibilidade de conhecer é a maior irracionalidade das regras. Se é impossível conhecer a regra, não tem racionalidade.

Aula 16.09.2014

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Vimos na aula passada que, dentro do Tratado da lei está a questão 90 que tenta definir o que é lei. Vimos que lei, para Tomas de Aquino é uma regra, uma medida que visa ao bem comum da sociedade e é levada ao conhecimento desta por meio da promulgação feita por uma autoridade. Leis que não têm essas características são leis por analogia, só tem aparência de lei. Características essenciais da lei:

- Promulgada

- visa ao bem comum

- feita por uma autoridade

- Medida comum

Questão 91: A diversidade da Lei. Classificação das leis. Essa questão é dividida em 6 artigos. Proposta da questão 91 é entender que existe essa diversidade de classificações de lei. Tomás de Aquino não esgota os conceitos, mas mostra a diversidade.

A divisão entre lei natural e humana é de Cícero. Agostinho diz que existe uma lei divina e uma lei eterna. Como unir Cícero e Agostinho bem como outras discussões teológicas? Isso que está por trás do projeto tomista. Direito Romano se estudava em Bologna, Agostinho se estudava em Paris.

91,1 ► Existe uma Lei eterna ou o Universo é um caos? Se o Universo é um todo de ordem, tem uma medida, uma regra. Se eu digo ordem eu digo razão, o Universo é racional. O que rege o todo. Como o homem só consegue compreender o que é ordenado, o Universo não é um todo de caos. A lei eterna é o que rege o Cosmos (todo o Universo). Aos gregos Cosmos é ordem. Aquilo que chamamos lei da natureza, lei da física, teoria das cordas são formas de o homem perceber aquilo que lhe é muito superior. Para Tomas de Aquino a lei eterna é tão precisa que rege tudo o que está no tempo. Nós estarmos ouvindo aula de filosofia hoje está descrito na lei eterna. A lei eterna está fora do tempo, então descreve tudo. O eterno é diferente do infinito. No eterno não existe tempo correndo, no finito existe. Aristóteles diria que o tempo só corre na espécie humanitatis; na espécie eternitatis não corre tempo. A lei eterna é a explicação racional do todo, e o todo é uma ordem. Os homens não conseguem definir a lei eterna, tendo apenas uma pequena parcela de compreensão sobre ela. O importante é que Tomás de Aquino diz que o Universo é racional e ordenado e pode ser compreendido por meio de medidas. Tudo o que está dentro da vida é racional ou pode ser expresso em racionalidade. Lembrando que lei para Tomás de Aquino é uma medida regular racional de ordenação.

91,2 ► Lei natural é a percepção humana da Lei eterna. A lei natural é o que é compreendido dentro da lei eterna pelos homens através de sua racionalidade. Não conseguimos perceber a lei eterna, explicá-la, mas conseguimos entender parte dela, e essa parte da explicação do todo que entendemos é o que chamamos de lei natural. Na linguagem de Tomás de Aquino, o homem participa da lei eterna através da lei natural. À luz da lei natural é que o homem discerne o bem e o mal. O bem e o mal não são escolhas racionais. Disto se depreende que existe uma objetividade em definir bem ou mal. Lei é ato da razão, e, não, da vontade, pois a base da lei é objetiva, está no mundo, e a gente só percebe aquilo que está no mundo, não criamos o mundo. A lei natural só nos dá os princípios gerais da “lei”. Tomás de Aquino nesse item tenta estabelecer as bases da Lei natural.

91,3 ►Tomás de Aquino retoma a diferença entre razão teórica (especulativa) e razão prática para tentar definir se existe uma lei humana ou não. A base da teoria de Tomás de Aquino é racional e objetiva. Este racionalidade e objetividade inclusive das questões morais. Na razão teórico tenho Primeiros Princípios

91,1 → há uma lei eterna?91,2 → há uma lei natural?91,3 → há uma lei humana?91,4 → há uma lei divina?91,5 → há uma só ou várias?91,6 → há uma lei do pecado?

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dos quais eu derivo conclusões. Os primeiros princípios de uma ciência são indemonstráveis, são aquilo que chamamos axiomas. Existem princípios gerais que explicam toda a lógica, a química e a matemática. Um conhecimento deriva de conhecimentos primeiros. Desses primeiros princípios eu retiro conclusões. P. ex.: toda lógica são conclusões dos primeiros princípios da lógica (princípio da não contradição, do terceiro excluído e da identidade). Na razão prática também há primeiros princípios (axiomas) comuns e práticos. Os primeiros princípios sempre descrevem a forma, são formais. Os primeiros princípios da RAZÃO PRÁTICA são a lei natural, e as conclusões são a lei humana. Cícero diz que a lei humana é conclusão da lei natural. Essas conclusões da razão prática não são as conclusões da razão teórica, porque, na lei humana, existe LIBERDADE.

RAZÃO TEÓRICA RAZÃO PRÁTICA

Razão que explica objetos universais e necessários, que independem da ação humana. Ex.: Matemática é universal, vale em todos os lugares, e é necessária, pois necessariamente terá sempre o mesmo resultado em qualquer lugar do mundo (2+2 =4).

Razão que explica os objetos particulares e contingentes, que percebe as coisas que mudam, como a ação humana. O objeto das ciências humanas é particular e contingente. Ex.: Economia é diferente em cada lugar e é contingente, porque depende de certas circunstâncias.

Primeiros Princípios Conclusões

As conclusões da razão teórica NÃO são feitas com LIBERDADE.

Ex.: princípio da matemática > “o todo é maior do que a parte”; princípio da lógica > não contradição - “nada pode ser e não ser sob o mesmo aspecto”.

Primeiros Princípios Conclusões

As conclusões teóricas e práticas diferem no grau de certeza. A certeza das conclusões da razão teórica são muito maiores. As conclusões da razão prática são feitas com LIBERDADE.

Ex.: “o bem deve ser buscado”;

A Lei divina é algo em paralelo à Lei eterna e natural.

Esquema da Lei Eterna

Lei EternaLei NaturalLei Humana

Questão 92: Os efeitos da lei. A lei tem como efeito tornar os homens bons? Tomás de Aquino diz que isto é esperado e bom, mas não é o propósito da lei. Quando ele definiu a lei estava preocupado com o bem comum (a boa constituição da sociedade e não necessariamente de todos os indivíduos). Seria ingenuidade acreditar que a lei torna os homens bons. Tomás de Aquino ressalta que pode ser contraproducente o legislador querer tornar os homens bons, porque quando ele visa tornar o homem bom, visa o tornar mais santo, só que os humanos são, por base, pecadores. Querer eliminar o pecado da sociedade por efeito jurídico é terrível porque as pessoas não vão conseguir cumprir a lei. Quando as pessoas começarem a descumprir uma parcela da lei, vão descobrir que podem descumprir o Direito no todo. O legislador deve se preocupar com a convivência e não com a vontade de tornar os homens santos. A lei seca nos EUA foi uma lei com proposito puritano (tentar tornar as pessoas mais santas do que elas podem ser). Uma lei que se sabe que a pessoa não vai cumprir prejudica se for mantida as demais leis que as pessoas cumpririam. Nenhum motorita, por exemplo, para na faixa de segurança e o CTB obriga. Uma leitura tomista possível diz que manter a situação dessa forma influencia as pessoas a descumprirem todo o CTB.

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Quando as pessoas começam a descumprir uma parte do Direito, a extensão é o caminho, começam a descumprir todo o direito. A solução é ou cobrar dos motoristas que parem na faixa ou retirar a norma do CTB. Tomás de Aquino entende que o Direito foi feito para ser obrigatório, se ele não for cumprido, se torna deslegitimado. Vários teólogos e legisladores defendem o excesso de leis, e Tomás de Aquino não acha isso bom. Tomás de Aquino entende que há coisas, pecados, vícios, que devem ser tolerados. Se o legislador quiser vincular juridicamente toda a vida do sujeito, o Direito perderá a sua eficácia . O Direito precisa manter sua obrigatoriedade para continuar sendo jurídico.

O VERDADEIRO PROPÓSITO da lei, para Tomás de Aquino é a ideia retirada de Cícero de que a lei serve para ordenar, colocar ordem na sociedade através de autorizações, permissões e proibições. A eficácia disso se dá com a punição, a sanção. Assim, Tomás de Aquino define como efeitos da lei que ela proíbe, autoriza e permite. Objeto da lei: ação proibida, autorizada ou obrigatória. Ação que conduza o sujeito a cumprir o Direito enquanto autorização, permissão e obrigação. O Direito obriga à virtude ou a atos que são virtuosos, proíbe vícios e permite aquilo que indiferente.

- Questão 93 não nos interessa -

Questão 94: O que é lei natural? Vimos na questão 91 que a lei natural é a percepção humana da lei eterna e diz respeito a primeiros princípios sobre a razão prática. Lei natural, portanto, é certa expressão da razão. O conceito de humana é um animal racional. Entender a natureza desse agente é entender certa racionalidade. Tudo o que pode ser racionalmente apreendido sobre a ação humana é lei natural. Quando eu entendo racionalmente a ação humana, o que eu entendo nada mais é do que a lei natural. A natureza do homem é racional. Qual o primeiro principio da racionalidade da ação humana que é o primeiro princípio da lei natural? “O bem é aquilo que deve ser buscado”. Ninguém que não parta dessa premissa consegue entender a ação humana. Toda a lei tem algo de lei natural. Não existe lei sem lei natural exceto se ela for irracional. Se toda vez que eu entendo a ação humana é a partir da lei natural, vou ser obrigado a dizer que toda lei é, em certa medida, lei natural, mas esta lei diz respeito aos primeiros princípios, à forma da lei, ela é a base de todo o Direito que deriva, de certa maneira, dessa perspectiva racional da ação humana. O mal é aquilo que deve ser evitado.

94,4 ► A lei natural é a mesma para todos? Se existe uma lei natural, porque o Direito é diferente em cada lugar? Essa é a ideia dos opositores à lei natural: “o fogo queima aqui como queima na Pérsia, mas o que é justo aqui não é justo na Pérsia”. Tomás de Aquino diz que, na razão teórica, as conclusões são sempre as mesmas em todos os lugares e partes. Na razão prática, contudo, o homem está mais sujeito ao erro. É o ponto de Aristóteles (“não posso exigir a mesma certeza de um orador do que exigiria de um matemático”). Na matemática sempre vamos ter as mesmas conclusões, no Direito não. Os primeiros princípios dessa razão prática vão ser válidos em todos os lugares, as conclusões é que serão diversas, porque em alguns lugares o homem vaia certar mais do que em outros. E não só isso, como as circunstâncias mudam de lugar para lugar, às vezes os preceitos gerais não se lhes aplicam.

94,5► A Lei da Natureza pode ser mudada? O direito natural é mutável? Num primeiro momento, aqueles que não estudam filosofia do direito, pensariam que os defensores de direito natural entendem que é imutável. Todavia, devemos atentar que, para Tomás de Aquino e Aristóteles, o direito natural muda, e os clássicos pensam assim. Aquilo que deriva dos princípios primeiros, chamados princípios secundários, podem mudar de acordo com as circunstâncias e com os locais. Por exemplo: o depósito é feitos pra ser devolvido, isso faz parte do conceito racional do instituto. O depositário é obrigado a devolver o depósito ao depositante. Contudo, se aquele que depositou um monte de armas enlouqueceu e foi resgatá-las para exterminar a humanidade em uma Guerra contra a Pátria, o depositário não deve devolver as armas. Assim, muito embora a devolução faça parte do conceito racional de depósito, aquilo que era racional e natural – que se podia concluir do primeiro principio – deixou de ser racional. A história faz mudar o direito natural. Espera-se que ele seja mais estável do que a lei humana, mas isso não significa dizer que é imutável, visto que não é razão teórica, mas prática.

Questão 95, 2: Toda a lei humana deriva da lei natural? Sim, toda a lei humana deriva da lei natural. Para Tomas de Aquino não são coisas antagônicas, não existe dicotomia entre a lei natural e a humana. A lei

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humana sempre deriva daquela. Por quê? Porque uma coisa só é justa se for racional, uma lei só é justa se deriva dos principio da racionalidade, e estes princípios da racionalidade são a lei natural (são os primeiros princípios). Uma lei só tem força na medida em que é racional, e ela só é racional se for justa. Se a lei é medida regular imposta pela autoridade e deve ser racional, ela tem que derivar da lei natural. Só que existem duas maneiras diferentes de se fazer derivações da lei natural (a lei humana pode cumprir a lei natural de duas formas distintas).

1. Derivação por Conclusão: as conclusões são o que os clássicos chamavam de ius gentium ou direito das gentes. A lei natural dá primeiros princípios que, por conclusão, e possível fazer derivações lógicas, essas derivações integram o direito das gentes.

2. Derivação por Determinação: as determinações são o que os clássicos chamavam de ius civile ou direito civil. Derivações lógicas com ato de vontade .

Da ideia de “casa” é possível retirar conclusões como a necessidade de porta, mas o arquiteto não só faz conclusões, faz também determinações em relação à cor e ao tamanho da porta. As escolhas são determinações.

Da ideia de “buscar o bem e evitar o mal” posso concluir que a “vida é um preceito ao ser humano”. “Não matar” não é mais lei natural, é conclusão do direito natural, é ius gentium. Se a pena desse “não matar” vai ser de 12 ou 20 anos é determinação.

Tomás de Aquino retirou essa classificação de ius gentium e ius civile de Gaio. “Que o trânsito deva ser ordenado” é conclusão, que “devamos dirigir pela mão direita” é determinação.

Existe ato de vontade na lei? Sim, desde que entre no âmbito da determinação, e essa determinação não pode contrariar as conclusões sob pena de ser irracional (o arquiteto não pode construir uma casa para pessoas com porta de 50cm).

O ius gentium, na visão de Tomás de Aquino (retirada de Gaio), é uma explicação para aquilo que existe em todos os povos. Não matar é direito das gentes, assim como a escravidão. A ideia de proteger o embaixador também.

Tudo que é lei positiva é natural, porque a lei natural é a racionalidade dessa lei. A lei humana é a concretização da lei natural. Isso articula razão e vontade no ato legislativo. Alguns autores dizem que é tudo racional, outros que é tudo vontade e outros fazem uma mistura. Tomás de Aquino também faz uma mistura, mas em sua teoria a razão é preponderante no Direito, a vontade existe dentro das determinações. Nas determinações o espaço para deliberação é bem maior do que nas conclusões.

A LEI NATURALTRATA DA FORMA

O DIREITO DAS GENTES E O CIVIL TRATAM DA MATÉRIA

Questão 96, 4: A Justiça da Lei humana. Agostinho tem uma frase célebre que diz “lei injusta não é lei”. Tomás de Aquino pretende explicar isto. Tem certas leis que não são justas. Aqui vamos antecipar o TRATADO DA JUSTIÇA. As trÊs bases da justiça são Alteridade (justiça sempre em relação ao outro), Igualdade (ao outro sempre com igualdade) e Dever. Se a lei não respeita a alteridade, a igualdade e o dever é injusta, e há inúmeras que o são. As leis injustas não obrigam no foro da consciência. As pessoas não são obrigadas a aderir no foro da consciência à lei. A questão que fica é se o sujeito é obrigado a agir de acordo com a lei esmo dela discordando.

Quatro possibilidades de uma lei ser injusta:

1. Quando o governante/autoridade não visa ao bem comum, mas ao seu bem;

2. Quando aquele que redigiu a lei não tem autoridade/legitimidade para redigi-la (não segue um processo legislativo adequado);

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3. Quando a lei desrespeita a igualdade entre cidadãos

4. Quando a lei desrespeita o bem divino, a religião.

Inúmeras leis são injustas, sociologicamente, Tomás de Aquino percebe quatro formas de injustiça. De fato, para Tomás de Aquino, lei injusta não é lei, mas só aparência de lei. O problema é que, se todo começarem a pensar “será que essa lei desrespeita o bem comum ou não” surge um problema social maior do que a existência da lei injusta. Se todos começarem a questionar acerca da justiça da lei o problema fica maior. Tomas de Aquino defende que no foro da consciência a pessoa tem direito a objetar contra a lei, mas deve segui-la. A lei injusta obriga, exceto em dois casos:

1. Quando cumprir a lei rompe com laços sociais. Se cumprir a lei vai acabar com a sociedade, não tem sentido que obrigue.

2. Quando a lei for contra a religião; porque a lei divina é maior do que a humana.

Questão 120: A lei é feita para muitos casos, mas a vida humana acontece em circunstâncias que, às vezes, não se adequam aos casos da lei. A lei humana e a lei natural possuem exceções. O problema se dá em como revolver estas exceções. Segundo Tomás de Aquino, resolvemos indo a um princípio superior à lei. Caso de interpretação da lei. Problemas:

1. Quando a letra da lei vai de encontro a sua finalidade da lei: o que a lei diz parece ser contraditório em relação ao que a lei busca. Caso do anel de ferro de Aristóteles.

2. Quando cumprir a lei pode parecer injusto;3. Quando cumprir a lei pode ir contra o bem comum: não cobrar dos inativos pode ir contra o

bem comum, melhor ir contra a CRFB do que contra o bem comum.

O problema é identificar o princípio superior que rege a interpretação contra a literalidade da lei. Três regras:

1. Lei Natural: interpretar a lei humana em relação à lei natural que a rege. Quando a lei humana é insuficiente devemos voltar à lei natural. Devemos ver quais os primeiros princípios da racionalidade da lei natural de que decorreram a lei humana. Ex.: existia no séc. XIII uma lei, na maior parte das cidadelas, que dispunha que, se a cidade fosse sitiada, peregrinos/estrangeiros não poderiam subir nos muros da cidade sob pena de morte. Essa lei vai contra a lei natural porque os peregrinos poderiam estar ajudando a cidade. Se os peregrinos forem encontrados nos muros lutando pela cidade é irracional mata-los e cumprir a lei.

2. A racionalidade da lei só permanece se o bem comum for atingido através da lei. Ex.: Lei que determinava que quando a cidade fosse sitiada, os portões deviam ser fechados e quem estivesse do lado de fora não entraria não importando quem fosse. Contudo, vai contra o bem comum não deixar os guardiões da cidade entrar, por exemplo. A interpretação deve cumprir o bem comum.

3. A lei estabelecida pela autoridade só pode ser interpretada pela autoridade. Se os peregrinos vão ser condenados ou não, é a autoridade que vai saber. Interpretação da lei é diferente de execução da lei. Interpretar é ato da autoridade, executar é de todos. O sentido ordinário é mera execução. A interpretação vai além do sentido ordinário. Exceção: A interpretação da lei só não vai ser feita pela autoridade quando for caso de extrema urgência.

Aula 23.09.2014

Hoje vamos estudar o Tratado da Justiça (questões 57 a 80).

Vimos aula passada que, a partir da razão teórica o que chamamos de lei natural seria a lei física da natureza, mas a partir de uma razão prática teríamos os primeiros princípios racionais do Direito e o primeiro de todos esses princípios é fazer o bem e evitar o mal. Lei humana é derivação da lei natural. Sua concretização pode ser feita por conclusão, na sua forma lógica, algo que chamamos de ius gentium, ou por determinação, aquilo que chamamos de ius civile (estrutura racional pela vontade).

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Questões sobre como interpretar a lei, principalmente em relação à lei injusta. Na tradição ocidental essa questão é antiga: o que fazer quando a lei é injusta? Agostinho diz que lei injusta não é lei. Tomás de Aquino acredita na mesma coisa, mas pensa que a lei injusta embora possa encontrar objeção mental no sujeito, este deve segui-la a não ser que a lei vá contra a religião (comunidade religiosa é maior do que a política) ou atente contra a humanidade (desfazimento dos laços sociais em decorrência do cumprimento).

Nós podemos interpretar as leis tentando salvá-la de sua literalidade para que não sejam injustas. Separação entre regras e princípios. Princípios superiores do intérprete: lei natural (razão), bem comum ou autoridade (a autoridade pode suspender a aplicação da lei).

Tratado da Prudência – interpretação da lei; Tratado da Caridade – fala do direito de guerra e do direito internacional. São tratados fora da comunidade política que não analisaremos.

Questões interessantes do Tratado de Justiça:

Regras de Julgamento e de processo; Direito restitutório; Ideia de discriminação; Homicídio, furto; Deveres do Juiz e da testemunha, bem como da acusação; Contratos (compra e venda principalmente); Usura;

O Tratado da Justiça chega a ser mais jurídico do que o Tratado da Lei. O objetivo é ligar o direito romano à teoria da Justiça de Aristóteles (Gaio Cícero e Aristóteles).

Questão 57 – DO DIREITO: o direito é o objeto da Justiça, isto é dizer que a Justiça é a forma do direito. O Direito tem uma forma, e esta é a Justiça. Todos os direitos das diversas comunidades têm a mesma forma. Justiça para Aristóteles é igualdade, é uma forma (uma estrutura). A matéria é diferente. Temos que entender o Direito pela Justiça, porque o Direito é da matéria da justiça. Se justiça é “dar a cada um o seu”, o direito é quem vai dizer como dar o “seu de cada”. Para entender Justiça é preciso saber o que é Direito. Segundo Tomás de Aquino isto é questão etimológica. Direito e Justiça são dois conceitos etimologicamente ligados. IUS > IUSTITIA. Assim como “medicina” primeiro foi medicamento (em inglês medicine é medicamento) e depois se tornou arte de dar medicamentos, o Direito é a arte de discernir o Justo e o Injusto. O que o juiz faz é ajustar (aiustare), aplicar Justiça. Até mesmo o lugar onde se faz Justiça aplicando Direito se chama Justiça. Qualquer direito tem características, as principais são: alteridade, igualdade e dever.

É próprio da Justiça ordenar em relação ao outro, daí a necessidade de alteridade. Não existe Justiça para si mesmo, Justiça só existe em relações. A primeira característica da Justiça é a ideia de alteridade, sem o outro não existe justiça e, portanto, já que a justiça é a forma do direito, não existe direito. Direito subjetivo parece um direito sem alteridade, mas até mesmo os “meus direitos” são meus em relação ao outro. Não existe justiça consigo mesmo.

É uma medida, necessita igualar as coisas. Por isso que se diz que o ius ajusta (aiustare). O juiz iguala as pessoas. Tomás de Aquino “(...) o justo no nosso agir é aquilo que corresponde ao outro segundo certa igualdade, por exemplo, a remuneração devida a um serviço prestado”.

Esse ajustar, esse igualar, sempre acarreta um dever. Eu preciso dizer o que corresponde às partes na relação de igualdade. Não existe, portanto, justiça e direito sem dever. O conceito central é o de “dever” e não o de “direito”. A todo direito corresponde um dever (manuais) ≠ Todo dever corresponde a um direito (direito romano). É o dever que obriga, o direito é a capacidade de exigir a obrigação. É o direito que é consequência do dever.

Questão 57 (2º artigo) - O DIREITO SE DIVIDE EM NATURAL E POSITIVO? Divisão que se tornou canônica com Izidoro (direito natural ≠ direito positivo). Tomás de Aquino tenta compatibilizar a visão de Izidoro com a de Cícero. Cícero pensa que direito natural e positivo são distintos. Direito natural é aquilo que

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tem igualdade natural, dada pela natureza. Ex.: dar tanto quanto se recebe. Agora, tem coisas ara as quais é necessário convencionar uma medida. Isso para Cícero é feito por convenção. A lei pode estipular medias de correspondência, assim como o contrato. A diferença entre direito natural e positivo não é que num tenha igualdade e noutro não, mas que num a igualdade é conceitual, natural, e noutro é convencional. Existem duas formas de derivar a lei natural. Quando ela é derivada de forma lógica tenho o direito das gentes, quando derivo pela vontade tenho o direito civil. O direito positivo foi subdividido em direito civil e das gentes. Tomás de Aquino se questiona acerca de: Qual a diferença entre direito natural e direito das gentes?

IUS NATURALE IUS GENTIUMFormal: o ius naturale é a razão humana compreendendo a lei eterna. Razão humana entendendo os princípios da ação humana. Direito que é pura razão, só forma, sem concretização. Sua concretização é feita por conclusões, mas quando estas são feitas, já está a pessoa fazendo direito das gentes

Material

Antropológico: compreensão do que é o bem para uma pessoa que tem uma determinada natureza. Ex.: “a vida é um bem”, mas disto eu não derivo nada para minha ação, preciso tirar conclusões. Quando determino a pena no homicídio e que a legítima defesa é excludente da ilicitude estou concretizando. Ex.: “propriedade”. Racionalmente tudo seria comum, não existindo um direito natural à propriedade. Definir um direito à propriedade faz as pessoas aproveitarem melhor as coisas, mas não é um direito natural.

Histórico

Princípios: qualquer conclusão para ação que eu assuma do direito natural não é mais direito natural, porque este somente dá os princípios.

Conclusões

Imutável: os primeiros princípios nunca mudam. Mutável: as conclusões dependem das circunstâncias. O que deriva logicamente do direito natural é mutável.

O direito é circunstancial, mas o que nunca muda no direito é a sua estrutura, seu conteúdo muda. Isso não significa dizer que é indiferente o conteúdo do direito, ele é histórico, circunstancial.

Questão 58 – DA JUSTIÇA: somente analiticamente é possível diferenciar justiça de direito, na pratica, é difícil. A pergunta de Tomás de Aquino tem a ver com o Digesto: “A justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o direito?” É adequada se bem compreendida. O ato de justiça é igualar relações (igualdade e alteridade). Logo isso é dar a cada um o seu direito, sua medida. Porem só se entende a ideia de vontade estável e firme se compreendida a justiça como virtude. O digesto fala em vontade constante e perpétua porque pensa na ideia de virtude. O sujeito justo já introjetou a justiça, então sua vontade é firme, constante e perpétua. Significa que o sujeito só é justo não quando apenas cumpre o direito, mas quando apresenta outros quatro elementos interiores.

O direito lida com atos exteriores, mas a justiça vai além. Somente se faz um ato justo quando, além dos elementos exteriores de direito, aquele que realiza o ato apresenta os seguintes 04 ELEMENTOS INTERIORES:

1) Conhecimento: sujeito só pode fazer ato justo se sabia o que estava fazendo;2) Ato de escolha: o sujeito só pode fazer ato justo se escolheu ser justo e não injusto; se ele não tinha

alternativas, cumpriu a lei, mas não foi justo, não derivou da vontade/escolha. É difícil pensar a justiça decorrente de inação.

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3) Fim devido: não basta fazer a escolha certa se a finalidade não era devida. Criança compra bergamota e recebe troco de cem reais. Dar o troco certo será algo justo dependendo da finalidade. Não adianta fazer a coisa certa pelos motivos errados;

4) Firmeza: o sujeito que faz o ato certo titubeando não é justo. O sujeito que é fiel a sua esposa porque tem medo de trair não é justo.

Por todos esses elementos a justiça é uma vontade constante e perpétua. É diferente seguir o direito e seguir a justiça que é mais ampla. O direito é objeto da justiça, mas esta tem outros objetos (morais).

HOMEM BOM E BOM CIDADÃO: homem bom é aquele que segue a justiça 9todo o direito e mais todos os outros deveres que não são jurídicos); bom cidadão é aquele que cumpre o direito.

O direito moderno entende a sanção como a parte mais importante do direito (Kelsen). Todo elemento moderno de tentar justificar o direito é a sanção, é o que substitui a justiça. Para o direito moderno, se eu cometer um crime, e ninguém descobrir, não há problema, porque jamais haverá sanção. O crime perfeito não é crime aos modernos, para os clássicos é.

Questões 58.3 e 58.4 - A JUSTIÇA É UMA VIRTUDE? Aristóteles diz que sim. Tomás de Aquino faz uma tábua das virtudes que chama de virtudes cardeais (correspondem a quatro partes da alma). A teoria da vontade foi criada por Agostinho. Os romanos não conseguiam separar vontade de direito.

PARTE DA ALMA VIRTUDERAZÃO PRUDÊNCIA

VONTADE JUSTIÇAIRASCIBILIDADE FORTALEZA

CONCUPISCIÊNCIA TEMPERANÇA

O desespero é o mau desenvolvimento da irascibilidade. Concupiscência é o controle dos desejos. Razão, vontade, desejos e sentimentos. Sujeito bem desenvolvido: aquele que tem sua razão bem desenvolvida na forma de prudência, sua vontade bem desenvolvida na forma de justiça, sua irascibilidade bem desenvolvida na forma de fortaleza e sua concupiscência bem desenvolvida na forma de temperança. O sujeito bem desenvolvido atinge a felicidade nessa vida.

THOMAS HOBBES (1588-1679)

Modernidade. Filosofia política inaugurada por Hobbes no início do séc. XVII. Em seguida, depois dele, por Pufendorf e Locke. Séc. XVI, dando continuidade às reformas protestantes, dá inicio às guerras dogmáticas. Bodin e Hobbes são os grandes expoentes. Época de guerras entre as mesmas famílias e nações, guerra civil.

Projeto filosófico: Hobbes quer dar uma base científica à filosofia política. O principal projeto, portanto, é uma revolução metodológica abandonando a obsoleta e equivocada até então vigente. O projeto implícito de Hobbes era prático, dar bases teóricas à promoção da paz.

O absolutismo no séc. XVII foi a promoção da paz. A paz é o princípio da liberdade. Sem Hobbes não existiria o liberalismo. Locke diz-se o pai do liberalismo, mas este se fundamentou no projeto hobbesiano. Hobbes faz sentido não só para o séc. XVII, mas para o de hoje.

É mais racional submeter-se à autoridade, do que viver em estado de natureza. Qualquer sujeito racional preferirá vivem sob a autoridade. Viver em um mundo sem autoridade é viver em um mundo de caos. A autoridade não é elemento despótico, mas de ordem, racional. Hobbes não é ideólogo do absolutismo, não tem posição ideológica por um tipo

Demonstrar cientificamente que é mais racional viver sob a autoridade do que em estado de natureza. Esse método é chamado de materialismo hobbesiano. Materialismo porque é fundado sob a teoria dos corpos físicos de Kepler e Galileu. Essa teoria materialista parte do pressuposto que a mecânica dos corpos é

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valida para explicar a política. Assim como a física moderna demonstra coisas que as sensações imediatas não demonstram (aquilo que constitui a realidade não é só aquilo que percebo com os sentidos), toda a tentativa moderna tem como pressuposto o fato de que os meus sentidos não explicam o movimento dos corpos. A política também tem certas coisas que são anti intuitivas aos nosso sentidos. Uma delas é a liberdade – a total liberdade aos nossos sentidos é o melhor dos mundos, mas, racionalmente, a total liberdade é o pior dos mundos. A fundação da política moderna deve ser restruturada para perceber elementos que os nossos sentidos não percebem. Substituir as sensações por projeto racional de mecânica das paixões. Teoria da mecânica aplicada às paixões, aos sentimentos humanos.

Princípio da Teoria:

PRINCÍPIO DA INÉRCIA: o que está em movimento tende a permanecer assim, mantendo sua identidade. Os corpos se mantêm em movimento, mas em um movimento que preserva a sua natureza. Todos os corpos estão regidos pelo princípio da inércia. O movimento interno do corpo tende a se manter.

Esse princípio aplicado aos homens é o que Hobbes chama de AXIOMA DA FINITUDE → A vida é o movimento, porque o movimento se apresenta no tempo enquanto vida e só assim o homem mantém sua identidade, preservando sua vida. Se formos aplicar aos homens, o movimento humano é o da vida. Se nada obstaculizar o nosso corpo, o homem se mantém vivo. Os homens buscam sua autopreservação, isso é estrutural, científico. O corpo físico do homem leva a que ele busque sua autopreservação. Ler a filosofia política por uma perspectiva física é entender eu a autopreservação é um axioma, princípio natural humano. Qualquer explicação de filosofia política que não explique a autopreservação do homem não é uma boa explicação. Uma filosofia política que se fundamente em “autosacrifício” é equivocada porque o homem tem uma natureza de autopreservação. O indivíduo tenta se manter intacto e em movimento, os humanos nascem com o instinto de autopreservação. O bem fundamental do humano, para Hobbes, é a autopreservação. Isso deriva da ideia de que temos um corpo físico. Se fôssemos anjos talvez o princípio fosse outro. Não temos a percepção exata do que mantém nossa autopreservação, então criamos representações disso (representar = perceber), cada qual julgando adequado certas coisas. Muitos errarão. Toda pessoa que perceba que certa coisa ajuda sua autopreservação, busca esta coisa. Todo individuo que percebe que determinado bem ajuda na sua autopreservação, busca esse bem. Dado que temos um corpo, todos querem se preservar. Como se preserva? Buscando bens que auxiliam na autopreservação. O que é o bem para cada um é algo diferente, mas os homens se comunicam porque a base comum é o desejo pela autopreservação. Esse é um dos poucos valores que todos os homens têm em comum.

Axioma: busca pela autopreservação.

Características modernas inauguradas por Hobbes:

Preocupação científica com o Método: tenho que confiar não nos meus sentidos, mas na aplicação do método. Até o séc. XX, a ideia de que o método é necessário à demonstração das coisas era evidente. O auge de uma ideia metodológica foi o positivismo. A aplicação do método é racional, intuição cada um tem a sua.

Individualismo : a análise do indivíduo é pressuposto à análise do todo.

Os indivíduos têm paixões, sentimentos naturais sob os quais a mecânica da autopreservação vai atuar. A paixão vai construir representações. Medo é uma paixão, e o medo da morte vai mover o indivíduo.

Psicologia mecanicista das paixões: entender como são os sentimentos, o que promove certos sentimentos no homem e o que decorre da percepção das paixões.

A ideia de Hobbes é a de que para entender a sociedade é preciso, primeiro, entender o indivíduo.

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Essa ideia é a retirada do Método redutivo compositivo de Galileu. Para Galileu, reduz-se o objeto de estudo à menor partícula divisível, entende-se esta partícula e depois se entende o conjunto a partir dela. Para entender a química é preciso entender o átomo.

Os autores modernos, diferentemente dos clássicos, aplicam o método físico para compreender primeiro o indivíduo e depois a sociedade. A premissa de que o homem não existe sem a sociedade dos autores clássicos caiu por terra. Existe um discurso da continuidade e o da ruptura. No da ruptura se diz que a pretensão da modernidade é a de que tudo isso caiu por terra, mas no da continuidade, alguns elementos foram preservados.

Hobbes, portanto, é um autor moderno. Duas coisas sobre o autor são fundamentais: a) Método b) consequência do método é que existem causas permanentes para a guerra civil. A guerra civil sempre existe em potência entre nós. Se juntarmos uma agregação dos indivíduos vão existir causas permanentes de guerra civil, pois os indivíduos são instáveis. Sem elemento de estabilidade, sem estabilizados, há causas permanentes de guerra civil.

Hipótese de Hobbes: dado que não existe finalidade comum na vida dos homens, exceto autointeresse, a necessidade de elemento estabilizador se fundamenta na autopreservação. Aqui é preciso compreender o contexto do séc XVI. Antes dele as pessoas tinham certos elementos integradores como a religião, que fazia com que as pessoas buscassem a salvação e determinados bens comuns. Com o sec. XVI há a desintegração desse elemento integrador com as reformas protestantes. Há dissenso moral da sociedade.

Hobbes, Leviatã, 6: “(...) pois as palavras bom, mau, desprezível são sempre usadas em relação à pessoa que as usa. Não há nada que o seja simples e absolutamente e nem há qualquer regra comum do bem e do mal que possa ser extraída da natureza própria dos objetos. Ela só pode ser retirada da pessoa de cada um, quando não há Estado, ou, quando há Estado, da pessoa que representa cada um, o soberano”.

Segundo Hobbes, não há bem ou mal da filosofia do direito, o bem ou mal está no sujeito. O home é o lobo do homem. Só existe uma solução: o Estado absoluto. A instituição de um poder é o caminho para evitar a guerra civil.

ESTADO DE NATUREZA

Método para demonstrar os argumentos de Hobbes: contraposição de “Estado de Natureza” e “Estado Civil”. Para entender perfeitamente como deve funcionar o estado é preciso entender como os homens agiriam sem o estado. O estado de natureza foi criado para entender como seria a vida sem o Estado. Para entender o Estado é preciso entender o que aconteceria sem ele. Assim, estado de natureza é hipótese em que se extrai a variável estável da realidade. É uma abstração hipotética, não é histórica.

Estado de Natureza é uma construção hipotética da realidade em que o Estado não existe. No estado de natureza “(...) a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”.

DIMENSÕES:

a) SUBJETIVA: explica os sujeitos, teoria das paixões.b) OBJETIVA: explica a relação dos sujeitos com os objetos

DIMENSÃO SUBJETIVA DO ESTADO DE NATUREZA

1) Competição por poder: a todos os homens terão dentro de sua estrutura psicológica as pessoas no estado de natureza iriam iniciar uma competição de poder, iam ter desconfiança e se preocupar coma vanglória. Hobbes diz que a “inclinação geral da humanidade é o perpétuo e inquieto desejo de poder e mais poder que cessa só com a morte”.

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Poder é os meios atuais de que o sujeito dispõe para obter bens no futuro, ou meios atuais que o sujeito acredita para obter bens no futuro. O poder se divide em natural e instrumental.

Poder natural: as qualidades físicas e intelectuais (ser forte e inteligente). Poder instrumental: os meios que potencializam o poder natural (riqueza e boas relações). As

pessoas buscam, na vida inteira, ser mais fortes e inteligentes. O Poder não se dá objetivamente, é uma relação. Ex.: eu sou forte em comparação a alguém; eu sou inteligente em comparação a alguém.

A decorrência desse entendimento é que o poder nunca é suficiente. O homem nunca está contente com o poder que tem. O homem é insaciável.

2) Desconfiança: o homem sabe que o outro é insaciável. Hobbes diz “(...) Que opinião tem ele de seus compatriotas ao viajar armado, de seus concidadãos ao fechar suas portas, de seus filhos e servos ao trancar seus cofres”. As pessoas são desconfiadas. O homem descobre que está competindo e que os demais estão se comparando com ele e querem ser mais do que ele. O homem fica desconfiado.

3) Vanglória: Não sou eu que meço meus poderes, são os outros. Os outros devem me dizer o que eu tenho de poder, porque o poder, em certa medida, me defende dos outros. O valor das coisas nunca é dado pelo devedor, mas pelo comprador, assim como o valor de um homem. O valor do homem não é dado por ele mesmo. Nós admiramos os outros pelo valor de seu poder. O sujeito descobre sozinho no estado de natureza que ele busca a admiração dos outros. O reconhecimento alheio aumenta o poder. Hobbes diz que esse poder é vão, nenhum desses poderes é capaz de manter a inércia, a autopreservação. Nenhum homem rico, forte e bonito vai ser rico, forte e bonito para sempre. É preciso entender a dimensão objetiva do estado de natureza.

DIMENSÃO OBJETIVA DO ESTADO DE NATUREZA

4) Escassez de bens: bens necessários à vida são escassos porque meu desejo é insaciável. Se eu nunca vou ficar saciado com o conhecimento que eu tenho, a inteligência é escassa. Essa é a base do discurso de Schopenhauer. Dado que o desejo por poder é ilimitado, os bens são escassos e, se são escassos, os homens vão competir por eles.

5) Direito sobre tudo: no estado de natureza, Hobbes diz que todos tem direito sobre tudo inclusive sobre os corpos dos outros. O Estado é que dá limite aos poderes. Sem estado não há determinação de “meu e teu”. É meu tudo o que eu consigo por meio de meu poder. Lei é limitação de liberdade. Direito é liberdade. No estado de natureza o que existe é uma total liberdade. No estado de natureza, manda quem pode, obedece quem tem juízo; quem pode faz.

6) Igualdade de fato: essa é a chave do drama. Se tivesse homem forte e suficiente que escravizasse todos, não teria problema nenhum, as pessoas viveriam em paz. O drama é que o sujeito mais forte pode ser morto pelo sujeito mais fraco. Se o sujeito mais forte fosse forte o suficiente para impor sua força, não haveria conflito. Não existe ninguém que não possa ser traído, que não durma. Não existe garantia de poder no estado de natureza.

Oposição entre right (direito subjetivo) e law (direito objetivo).

Aula 30.09.2014

LEIS NATURAIS (LEIS RACIONAIS):

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1) Buscar a Paz: dado que nada contribui mais para o fim da minha vida do que a guerra (falta de paz), é uma obrigação racional buscar a paz. Se não for possível buscar a paz será necessário preparar guerra para empreender a paz.

2) Realizar o Contrato Social: a ideia do contrato social é a de que na natureza individual temos um estado de natureza do qual podemos sair por um ato de vontade, um contrato. A criação do Estado deriva da vontade. Em Aristóteles e Tomás de Aquino, a comunidade é antecedente lógico do indivíduo, mas, em Hobbes, no período do individualismo, as pessoas com interesse associativo é que formam o estado por atos de vontade. A associação pacificadora é chamada “Estado Civil”. O estado, então, é decorrente de ato de vontade que deriva da própria razão, pois qualquer indivíduo racional irá desejar o Estado. O Estado tem limites. Quando Hobbes diz que eu entro no Estado pela minha vontade, ele diz que entro no Estado “pelos meus termos”. O Estado, mesmo em Hobbes, ou melhor, principalmente em Hobbes, serve para proteger o indivíduo. Em Hobbes, o Estado surge como grande proteção do indivíduo. O contrato social é a cessão de direitos dos indivíduos ao soberano (um homem ou uma assembleia de homens). Esse ente soberano, então, tem direito sobre tudo, mas encontra limitação na lei natural. No Estado de natureza o homem detinha direitos sobre tudo. Com o nascimento do Estado, ele cede esses direitos ao soberano.

Contrato social é pacto no qual todos os indivíduos cedem seus direitos a um homem ou a uma assembleia de homens para sua segurança.

“Autorizo e cedo meu direito de governar a mim mesmo a este homem ou a esta assembleia de homens com a seguinte condição: que tu também me cedas teu direito e autorize minhas ações do mesmo modo. Assim, a gente constitui um Estado detentor de um poder irrevogável, indivisível e absoluto”. Hobbes.

Quando a gente cede o poder ao Estado, essa cessão é irrevogável.

Qualidades do poder soberano: irrevogável, indivisível e absoluto.

Em relação a este Estado temos o dever de obediência (obrigação, lei), mas esta obediência é de ação, externa. Temos liberdade de consciência em relação ao soberano. No liberalismo, de acordo com o rei se dá a religião. A obrigação do súdito é seguir a religião do rei, mas ele não precisa acreditar nela. Obediência em termos de eficácia. O soberano terá o poder de realizar as leis civis (ordem da vontade do soberano).

Enquanto a lei natural é produto da razão, a lei civil decorre da vontade do soberano. Por que ele fez a lei? Porque ele tinha poder e quis. A lei civil para Hobbes é produto da vontade. “Autoritas non veritas face leges”. Hobbes. É a autoridade e não a verdade que faz a lei. A vontade do soberano só se sustenta porque é racional para nós darmos poder ao soberano. Isso significa dizer que o fundamento da lei civil e de todos os atos de vontade da soberania é a razão, a lei natural. O fundamento do direito é a razão, mas ele é expresso pela vontade.

LIMITAÇÕES DA SOBERANIA (ORIGEM DOS RIGHTS)

1) Liberdade individual: em todas as espécies de ações não previstas pelas leis os homens têm a liberdade de fazer o que a razão e cada um sugerir

2) Direito à vida: o soberano não pode atentar contra nossa vida. Caso haja afronta à vida, temos direito a nos insurgir contra o soberano. No momento em que o soberano não protege a vida, isso significa que o indivíduo esta de volta ao estado de natureza. Se o soberano tentar matar alguém, este alguém tem direito de fugir, perde o dever de obediência.

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3) Direito de não se incriminar: ninguém é obrigado a se incriminar, ninguém precisa produzir prova contra si mesmo. É irracional produzir tal prova. Se o soberano faz um questionamento incriminador, pode o indivíduo mentir ou não responder.

4) Direito de associação em caso de perseguição: indivíduos condenados pelo soberano (porque voltaram para o estado de natureza) podem pegar em armas contra o soberano. O sujeito condenado no campo penal volta ao estado de natureza, é um excluído da sociedade. Isso justifica que o soberano o mate, pois deixa de ter o dever de protegê-lo, bem como que o sujeito se insurja contra o soberano, pois deixa de ter o dever de obediência.

5) Direito de recorrer ao Judiciário contra o soberano: a lei expressa a vontade do soberano. Se este toma medidas contrárias à lei está sendo contraditório e deve haver órgão que julgue esta controvérsia. Surge a necessidade de um órgão judiciário. O sujeito pode processar o soberano desde que esteja baseado em uma lei. O que o soberano pode fazer é modificar a lei, e aí acaba o processo, mas se ele quiser manter a lei, será obrigado a deixar o indivíduo se defender. O judiciário é uma expressão do soberano, uma vez que é vinculado às leis que dele decorrem.

6) Direito de recusar obediência: se o soberano se tornar fraco e não puder mais proteger o indivíduo, o sujeito pode recusar obediência. Só é soberano aquele que tem força para governar. Não será traição obedecer outro soberano caso se veja que a guerra está perdida. A ciência politica moderna é questão de força. Quem não tem força para se manter no poder não tem poder.

7) Direito de propriedade: junto com a constituição do Estado surge a propriedade, aquilo que a lei permite que o sujeito mantenha para si no Estado civil. O soberano tem obrigação de proteger esse propriedade.

O fundamento do direito na Modernidade é o Poder, e não mais a Justiça. A base da organização política é o indivíduo. Nunca a organização política central teve tanto poder, o poder soberano foi o maior poder que já teve alguma comunidade política. Ao mesmo tempo, os indivíduos nunca tiveram tantos direitos. É nessa contraposição entre direitos e poder que se justifica toda a filosofia do direito moderno.

Ao mesmo tempo em que temos todas essas novas justificativas, não se abandonou completamente as anteriores. Há semelhança no discurso. Hobbes cita muito Aristóteles. Lembrar aqui que Aristóteles entendia que fora da comunidade o sujeito ou era uma besta ou um Deus, o que não se distancia muito do que Hobbes diz a respeito da vida no estado de natureza (embrutecida, curta e solitária).

Recapitulação de Hobbes feita na aula do dia 07.10.2014

Diferença entre ius e lex, direito e lei (direito objetivo x subjetivo). Dicotomia que dominou o debate jurídico do sec XII ao XIX e se reproduz hoje como direito obj. x subj. DIREITO, para Hobbes, é liberdade, é a garantia de fazer tudo o que está ao alcance de ser feito enquanto LEI é obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa estabelecida contra os direitos. Direito natural é o direito de fazer tudo no estado de natureza. Lei natural é estabelecida pela razão, obrigação do sujeito de fazer aquilo que o mantém vivo. A primeira lei natural é a paz. Um subitem dessa primeira lei é que caso não seja possível empreender a paz deve-se empreender a guerra para buscar a paz. Realizar o contrato social é abrir mãos dos direitos sobre tudo em favor de uma autoridade (um homem ou uma assembleia) desde que todos os demais homens assim o faça. Soberano faz as leis civis no estado civil. Assim como o direito natural cedido à autoridade encontrava limitações na lei natural, o direito da lei civil também encontra essa limitação (direito à vida, à associação contra o soberano, a recorrer ao Judiciário...).

KANT

Auge do Iluminismo alemão. Viveu a vida inteira dele em uma cidade na Rússia hoje chamada Caliningrado. Pessoas na Áustria inteira foram assistir suas aulas de tão famoso que se tornou ainda em vida.

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Durante boa parte de sua vida foi professor particular sobre temas acerca dos quais o contratassem. Somente entrou para a Universidade como docente com 46 anos e apenas publicou seu livro com 56 anos (Crítica da Razão Pura). Todos os livros de Kant são deles após seus cinquenta anos.

Suas obras se dividem em três áreas principais do ponto de vista da filosofia que se dividem de acordo com três perguntas filosóficas:

1) O que eu posso saber? Toda a teoria crítica sobre a razão, a epistemologia se enquadra nesta pergunta. A TEORIA DO CONHECIMENTO de Kant é a tentativa de responder a essa pergunta.

2) O que eu devo fazer? A filosofia ética (moral) e do direito são tentativas de responder essa pergunta.

3) O que me é permitido esperar? A essa última pergunta, Kant responde com a filosofia da religião e da história.

O QUE EU POSSO SABER? TEORIA DO CONHECIMENTO

O QUE EU DEVO FAZER? FILOSOFIA ÉTICA E DO DIREITO

O QUE ME É PERMITIDO ESPERAR? FILOSOFIA DA REGILIÃO E DA HISTÓRIA

Vamos estudar dois livros: a) Fundamentação da Metafísica dos Costumes, onde se encontra a principal teoria moral de Kant; e b) Metafísica dos Costumes que é dividia em duas partes: doutrina do Direito e doutrina da Virtude. A Metafísica (..) foi escrita quando Kant tinha 73 anos. Este livro é menos profundo do que A Fundamentação (...) e alguns outros autores dizem que é produto da senilidade de Kant.

Para entender a explicação da filosofia kantiana é preciso entender em que contexto se criou. A crença do iluminismo é que os problemas não são históricos, mas humanos, e a razão humana que vai nos libertar dos problemas históricos. O grande projeto do iluminismo é a descoberta de uma razão humana universal que de conta de todos os problemas humanos independentemente de suas contingências e particularidades. O iluminismo acredita em respostas racionais válidos a qualquer época e cultura para os problemas humanos. O iluminismo é um grande projeto racionalista. A ideia de codificação é expressão do iluminismo no direito (sistematizar o direito para resolver todos os problemas). O projeto de moralidade iluminista acredita que consigamos resolver nossas questões morais independentemente de nossas particularidades. Existem respostas certas aos problemas morais. Kant acha que descobriu como formular tais respostas. Kant diz que fez a revolução Copernicana na filosofia.

O que eu devo fazer? → Filosofia Ética.

Na visão de Kant, a filosofia – até ele – pretendia explicar toda a moralidade em algo que estava fora do sujeito: na felicidade (Aristóteles), na vontade de Deus (Tomás de Aquino), nos sentimentos morais (Adam Smith)... Kant tenta explicar a filosofia moral a partir do próprio sujeito. O centro da moralidade é o indivíduo. É preciso entender o sujeito e como ele conhece o mundo.

Kant aprendeu suas bases com influência de Wolff (expoente racionalista). Kant diz que acordou do sonho dogmático ao ler Hume. O sonho dogmático era o de que a razão explicava tudo. Hume era um expoente empirista (a experiência e não a razão explicava tudo). Kant vai fazer uma terceira doutrina influenciado por ideias racionalistas e empíricas.

A matéria do conhecimento é dada pelas sensações. A fonte conhecimento são as sensações, só que o mundo que eu absorvo pelas sensações é caótico, sendo necessário colocar uma ordem nesse caos por meio da razão.

NÚMENO FENÔMENO

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As coisas como realmente são. O homem não tem como conhecer a coisa em si, apenas seu fenômeno. O que entendo do númeno é aquilo que é possível entender só pela razão, um conhecimento a priori. Conhecimento que independe das sensações e é anterior às experiências. O verdadeiro conhecimento é a priori. Ex.: matemática, lógica, conhecimento analítico... Quando compreendo racionalmente as coisas, entendo a priori, mas quando dependo das experiências, entendo a posteriori. Conhecimento numênico.

As coisas como se apresentam aos humanos (seres racionais). Se os sentidos dos homens fossem outros, as coisas seriam conhecidas de forma diferente. As coisas não estão diretamente em contato com o homem, pois há a mediação dos sentidos. Para haver conhecimento mais apropriado é preciso racionalizar as sensações a fim de que se construa um fenômeno ordenado. Pelas sensações tenho um todo caótico, e razão ordena o fenômeno. Conhecimento fenomenológico → mediado pelas sensações.

A PRIORI A POSTERIORI

Kant quer buscar a razão da moralidade em um conhecimento que não dependa da experiência, a priori portanto.

PRESSUPOSTOS DA FILOSOFIA KANTIANA

A moral enquanto conhecimento só é válida se for UNIVERSAL E NECESSÁRIA: uma moral que dependa da experiência moral é puro intuicionismo e não moralidade. A moral é válida em qualquer lugar e em qualquer época. Isso significa dizer que a coisa certa a ser feita não depende das circunstâncias.

A moral é AUTÔNOMA: fundada no próprio sujeito. A moral não é heterônoma, está no sujeito. Moral é a leia que eu dou a mim mesmo. Diferente do direito que é heterônomo (poder que vem de fora e me obriga).

A moral depende da Liberdade já que é autônoma.

A MORALIDADE

Esse projeto de moralidade busca fundamento no próprio sujeito, e a característica central do humano para Kant é a liberdade. Assim, um projeto de moralidade para humanos assim o é enquanto liberdade. Isto significa raciocinar sobre a ideia de como os sujeitos humanos vivem a sua liberdade. Quase todos os conceitos kantianos só existem em Kant (cuidar conceitos). Moralidade aqui e liberdade aqui é diferente do que se viu em outros autores. Ex.: autonomia da vontade, imperativo categórico...

O fundamento dessa moralidade na liberdade, segundo Kant é a chamada BOA VONTADE. Somente uma vontade ilimitadamente boa, que independa de experiências, que seja a priori boa, é que explica a moralidade. Assim, a moralidade só pode ser explicada a partir da AUTONOMIA DA VONTADE. Uma vontade que dita as regras morais de forma livre.

Autonomia (auto nomos) lei própria, “regra que eu dou a mim mesmo”, mas que não depende, para ser ilimitadamente boa, de nenhuma circunstância, de nenhum dado a posteriori. Sendo assim, a liberdade kantiana não pode depender de circunstâncias, nem de nossos desejos ou inclinações. Nada é mais circunstancial do que nossos desejos (inclinações). VONTADE AUTÔNOMA É INCONDICIONADA (não condicionada pelas inclinações).

Aqui surge a diferença central entre seres racionais e irracionais. Os primeiros são autônomos, incondicionados, e os segundos são condicionados. Seres racionais não precisam de circunstâncias para saber o que é certo e errado. Seres racionais são livres, são a causa do movimento e não causados pelo movimento.

Um cachorro que tem sede vai beber água, um leão com fome vai matar para comer. A fome e a sede são inclinações. Os animais são condicionados. Nós, enquanto seres livres, iniciamos nosso movimento. Não

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somos condicionados, somos a condição. Um ser racional que é livre, com fome, não precisa comer, “pode comer”, comer depende de sua liberdade, de sua boa vontade. Seres racionais se libertam de seus desejos ou “podem” se libertar das suas inclinações. Os seres humanos não são resultado de suas experiências, mas moldam as circunstâncias.

SER RACIONAL SER IRRACIONALLIBERDADE (AGIR DE FORMA LIVRE) X INCLINAÇÃO (AGIR DE FORMA INCLINADA)

RAZÃO X APETITES (DESEJOS)AGIR PELA VONTADE X AGIR PELOS DESEJOSAGIR AUTÔNOMO X AGIR HETERÔNOMOAGIR PELO DEVER X AGIR PELAS EXPERIÊNCIAS

O dever é expressão racional do que deve ser feito independentemente das circunstâncias, aquilo que qualquer homem racional pode enxergar que deve ser feito. Só existe liberdade no dever. Numa semana de provas, se o homem dorme porque tem sono e não estuda, não está agindo de forma livre, mas de forma condicionada.

CUMPRIMENTO DO DEVER

Cumprir o dever é o primeiro passo. Para saber se a pessoa foi livre ou não é preciso verificar as motivações. Só é livre aquele que motiva a sua ação pela razão. O sujeito que faz ações por dependência das circunstancias não é livre e, por decorrência, não é moral.

Quatro exemplos:

a) Dar esmolas ao pobre;b) Sujeito tem comércio, uma mercearia. Chega uma criança com moedas para comprar diversas coisas

baratas;c) Sujeito não se mata;d) Assassino bate na porta do sujeito atrás do seu melhor amigo que está escondido em sua casa e

pergunta onde ele está.

1) Cumprimento pelo Interesse Próprio: a) sujeito dá esmolas porque se sente feliz ao ajudar alguém, ele cumpriu um dever por interesse próprio – ação pelo resultado; b) sujeito dá o troco certo com medo de que, caso não o faça, as pessoas descubram e ele acabe indo à falência; c) sujeito não se mata, porque quer continuar vivo (para sustentar a família); d) o sujeito mente para salvar o amigo de quem gosta muito.

2) Cumprimento como inclinação: a) sujeito dá esmolas porque é desprendido dos bens materiais e age por inclinação, pois sempre dá dinheiro a qualquer um (a ação não começou pela liberdade); b) sujeito dá o troco certo, porque sempre dá o troco certo, é costume; c) sujeito não se mata porque não tem inclinações suicidas (nunca quis se matar); d) sujeito mente para o assassino com medo dele, a mentira é sempre uma forma de agir pelas circunstâncias, agir pelas inclinações.

3) Cumprimento pelo dever: a) o sujeito dá esmolas mesmo odiando os pobres, sendo extremamente avarento e se sentindo triste com isso (este é o único que age livremente); b) sujeito dá o troco certo, mesmo querendo ficar com o dinheiro porque sabe que é o certo a fazer; c) sujeito odeia sua vida, morre de vontade de se matar e mesmo assim não se mata; d) sujeito diz a verdade para o assassino (dever moral dizer a verdade não importando as circunstâncias).

AGIR PELO DEVER X AGIR CONFORME O DEVER: agir pelo dever é agir pela racionalidade, é ser moral. Agir conforme o dever não é ser livre nem moral.

Aula 07.10.2014

Revisão da aula passada:

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Kant tentou sintetizar o racionalismo e o empirismo. Duas dicotomias centrais para conhecer a teoria moral e jurídica de Kant: a priori x a posteriori e númeno x fenômeno.

A primeira dicotomia a priori x a posteriori. A priori: conheço sem experiência / apenas por meio da razão. Aprioristicamente o homem é um ente racional autônomo, só sabe que pensa, mas não sabe nem que é homem, isso decorre das experiências. A posteriori: conhecimento empírico / vem das sensações. Para Kant a maior parte do conhecimento é a posteriori. Como as sensações são caóticas, é preciso ordená-las, daí surge a dicotomia númeno x fenómeno. Númeno: o que a coisa realmente é / só a razão pura leva ao númeno (a priori). Fenômeno: representação humana do númeno.

Teoria da moral: o que se conhece a priori é que o homem é livre. Condição de liberdade. O que temos como conhecer de forma a priori é que o agir de forma livre só pode ser um agir que não dependa das experiências. O verdadeiro fundamento da moralidade precisa ser a priori (a regra que sustenta a ação, para ser moral, não pode derivar das experiências). Metaconhecimento. Moral Kantiana é UNIVERSAL E NECESSÁRIA (não deriva das experiências, não depende das circunstâncias). Isso faz sentido num projeto iluminista.

Kant busca uma moral a priori, sendo a priori não depende das contingências, é universal, sendo assim, sustenta a liberdade, porque a liberdade humana é universal, não deriva das inclinações, por consequência. A moral que Kant procura não é uma moral de inclinações, não é livre o homem que segue seus desejos. O homem livre é aquele que segue a vontade autônoma em relação aos desejos. Essa vontade autônoma é expressão da razão. A moralidade sustentada na liberdade do homem é a liberdade do dever. Dever que não depende das circunstâncias. O verdadeiro fundamento da liberdade para Kant é a transcendência (transcender aos desejos).

Direito é IMPOSIÇÃO de fora, dever NÃO é algo imposto, é expressão da moralidade. Toda grande experiência de moralidade é percebida pelo sujeito assim. O sujeito que serve a sopa no sopão dos pobres pensa que está cumprindo um dever moral.

TRÊS MOTIVAÇÕES DA AÇÃO NO CUMPRIMENTO DO DEVER MORAL

Por interesse próprio Por inclinação Pelo próprio dever

Ser livre é ser causa e não causado. Só vendo como inicia a ação que posso ver se ela foi livre ou não. O melhor dos mundos é aquele no qual meu interesse, inclinação e dever coincidam. Só conhecerei a motivação do sujeito quando houver divergência entre esses fatores. Alguém é livre quando segue sua racionalidade, e é ela que nos livra das nossas inclinações e determinações de experiência (da escravidão dos desejos). No fim das contas, o que importa é se o sujeito acreditava que se tratava de dever moral e por esse motivo agiu. O sujeito que só segue as inclinações não tem moralidade porque se as circunstâncias mudarem, a falta de inclinações fará o sujeito não cumprir seu dever moral, porque não há uma constante, não há motivação pelo dever.

Conteúdo novo:

Kant sofreu inúmeras críticas a seu projeto moral. Tal projeto é tão relevante que qualquer autor que escrever sobre moralidade deve levar em consideração os pensamentos de Kant. A vastidão das críticas melhora o projeto, porque, ao dizer que Kant tem tantas críticas e que continuamos a lê-lo significa que ele sobreviveu a 200 anos de intensas críticas.

CRÍTICAS AO PROJETO DE MORALIDADE DE KANT

CRÍTICA DA TRADIÇÃO ARISTOTÉLICA: tradição aristotélica diz que falta o conceito de práxis (de ação prática). Aristóteles divide a razão em razão prática e teórica, mas Kant diz que as pessoas agem ou por razão ou por desejo, sendo que a razão a que ele se reporta corresponde à teórica de Aristóteles. A tradição

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aristotélica critica o projeto kantiano pela ausência de um conceito de prudência, de ação prática, pois entende que, se para Kant toda a razão da ação é possível de ser formulada por silogismo (conduzida a um conhecimento universal), Kant estaria ignorando as exceções dos casos concretos que não se enquadram na regra geral. Para Kant a equidade é uma deusa surda, podemos apelar para ela, mas ela nunca escutará. Para a tradição aristotélica, Kant não entende como analisar as circunstâncias concretas, o que o homem prudente saberia fazer já que nem tudo se encaixa no conhecimento universalizado, alguns casos são exceção à regra.

RESPOSTA DA DOUTRINA KANTIANA: A resposta kantiana é no sentido de que quando Kant fala em dever, fala de princípios cujos fundamentos são universais. O dever deve ser interpretado. As exceções existem, mas na verdade não são exceções, são subregras (fazem parte da regra interpretada).

CRÍTICA DE MAX SCHELER: Scheler diz que Kant tem uma ética da intenção. Ética de interioridade inativa, moralidade vazia, formal que não se preocupa com bons resultados.

RESPOSTA DA DOUTRINA KANTIANA: Kant se preocupa com os resultados, mas não é por causa deles que se age. Formular regras leva necessariamente aos resultados. A organização racional de vida tem melhores resultados do que a organização irracional de vida. É muito pior um mundo de pessoas que não seguem seus deveres, mas não há porque se preocupar com os resultados para agir. Em algum momento a sociedade vai discutir a concretização das ações, mas essa concretização não é o fundamento da ação. Para o direito, não importa em nada a motivação, mas para a moralidade sim.

CRÍTICA DE MARX (RETOMADA POR SANDEL): dizem que a ética kantiana é só uma ética de motivações (teoria das motivações morais). Marx diz que não importam só os motivos, mas os resultados. Adam Smith, na teoria dos sentimentos morais também já havia escrito sobre isso.

RESPOSTA DA DOUTRINA KANTIANA: Se dois sujeitos se jogam na frente da bala para salvar o presidente, mas apenas um teve “sucesso” sendo atingido pela bala, este será herói e o outro não. Do ponto de vista moral, contudo, os dois agiram igualmente com moralidade. Kantianos dizem que quando se coloca a moral nos resultados, a moral só serve para condenar. Os Kantianos confirmam que a teoria da moralidade é uma teoria das motivações e defendem que são as motivações que tornam o ato moral e não o resultado. Se eu dou esmola ao pobre por dever moral, e o pobre compra cachaça com o dinheiro, uma análise pelo resultado levaria à conclusão de que sou uma pessoa extremamente sem moral, quando, na verdade, uma análise correta (feita com base na minha motivação) demonstraria que eu agi moralmente. O resultado ocorre depois da ação, não é possível analisar a ação pelo resultado.

Segundo Kant, a resposta à questão “o que eu devo fazer?”, ou seja, a formulação do dever pode ser estabelecida de três formas distintas (três tipos de imperativos).

IMPERATIVO HIPOTÉTICO IMPERATIVO CATEGÓRICO

Condicionais. “Se X então Y” → Regras de dever condicionada. Se eu quiser emagrecer, então devo fazer regime. Não existe dever moral de fazer regime.

Incondicionais. Vale para todos independentemente das circunstâncias, a priori, obrigatório, não depende de concretização. Todos os deveres morais são imperativos categóricos. O imperativo hipotético depende das circunstâncias. Seguir uma regra monástica é fazer uma escolha de vida.

IMPERATIVO HIPOTÉTICO TÉCNICO: servem a certos objetivos condicionados. Ex.: regras de esporte, regras para passar em concurso público...

O imperativo categórico se traduz na formulação: “AGE MORALMENTE”. Formulação Fundamental: “age somente de acordo com aquela máxima mediante a qual possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei fundamental”.

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IMPERATIVO HIPOTÉTICO PRAGMÁTICO: regras de certos grupos e formas de vida que só valem a eles. Ex.: se adiro à ordem monástica sigo a regra monástica; comunidade hippie tem regras do grupo. Pragmático = corresponde a formas de vida.

Kant estabelece três formulações do imperativo categórico (o dever para ser moral deve passar por essas três fórmulas):

1) FÓRMULA DA UNIVERSALIDADE DA LEI/DEVER2) A HUMANIDADE COMO FIM3) VONTADE LEGISLADORA UNIVERSAL

FÓRMULA DA UNIVERSALIDADE DO DEVER: “age de tal modo que a máxima de tua ação possa valer como princípio universal de conduta”. Máxima é o dever no qual se baseia a ação. Alguém que agiu pelo imperativo categórico, agiu pelo dever. Qual o dever da ação, qual sua máxima? Sujeito racional é aquele que universaliza sua conduta. Age da mesma forma que pensa que os demais deveriam agir. Faça-se justiça mesmo que pereça o mundo. A regra que vale para um deve valer para todos.

Não confundir com consequencialismo (não pensar o que aconteceria se todos seguissem a regra). Kant não quer que as pessoas se vejam como exceção.

A HUMANIDADE COMO FIM: “Age de tal modo que trates a humanidade em ti e nos outros sempre como um fim e jamais simplesmente como um meio”. A base da humanidade é a liberdade que é expressão da racionalidade. Seres racionais tem em si mesmo a humanidade, pois a humanidade a priori é a razão, e, se tenho razão dentro de mim, tenho a humanidade dentro de mim. Se apenas uma pessoa sobrevive, a humanidade não acabou, porque nela sobrevive a humanidade. Esse é o principal fundamento dos direito humanos. A tortura de um, tortura a todos. A pessoa não tem valor nem preço, mas dignidade, e dignidade não é ponderável. Não se pode usar uma pessoa como meio. Usar os outros é imoral. A dignidade é o valor da humanidade dentro da pessoa. Qualquer pessoa racional e livre tem a humanidade dentro de si, porque tem a racionalidade dentro de si. Reconhecer que nos outros há a mesma humanidade que tenho em mim. Manipular os outros é reconhecê-los não como coisas, e não como pessoas. Em certa medida as pessoas são meios (professor que trasmite conhecimento, carteiro que entrega cartas, garçom que serve bebidas), mas não se pode tratá-las SIMPLESMENTE como meio. Desrespeitar aos outros é desrespeitar a si mesmo. O torturador avilta a si mesmo.

VONTADE LEGISLADORA UNIVERSAL: “age de tal modo que a tua vontade possa considerar-se a si mesma como instituidora de uma legislação universal”. O dever eu imponho a mim mesmo, não é algo que a comunidade imponha. A moral é autônoma, logo, sou eu o legislador do dever moral. Isso não significa que vou fazer como quero, mas que seguirei minha razão que é a mesma razão para todos. Às vezes, a concretização desse dever ocorre de formas diferentes, mas tenho que acreditar que quando formulei o dever moral só com a razão, esse dever foi formulado também por todos os demais do mesmo modo. Isso que se chama representação da lei moral (cada um chega no seu dever acreditando que é a verdadeira representação). Autônoma (deriva da minha razão) e universal (acredito que seja dever para todos os demais).O númeno da lei moral é o mesmo, mas o fenômeno pode ter nuances divergentes. O ideal é que tenha convergência. A objetividade da moral é imposta de forma racional, não há subjetivismo (vale pra mim e para todos, é objetivo, é dever moral). A razão que tem em mim é a mesma que têm nos outros.

Aula 14.10.2014

A moral kantiana é moral do dever que expressa, acima de tudo, a liberdade. No caput do art. 5º da CRFB temos vários filósofos (pelo menos cinco) e grandes direitos: vida, segurança, liberdade, igualdade e propriedade.

Jus naturalismo moderno (Hobbes → defesa da segurança e da vida, Locke → justificativa do direito à propriedade, Rosseau → justificativa do direito à igualdade; Kant → defesa da liberdade).

METAFÍSICA DOS COSTUMES

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DOUTRINA DO DIREITO

Kant já tinha 73 anos. Alguns comentadores dizem que só se explica a doutrina do direito de Kant por sua senilidade. A metafísica dos costumes teve repercussão enorme. A filosofia do Kant é o direito internacional da paz e não da guerra e faz uma crítica às interpretações consequencialistas (diz que é o pior tipo de interpretação que tem). Sua pretensão era refutar o utilitarismo. Razões: porque a interpretação consequencialistas não é boa: não garante a paz nem a liberdade.

Kant visa a enfatizar o conceito racional do direito. Direito não como expressão da vontade humana, mas como expressão da razão humana. Para Kant, todo direito, deve pressupor os Primeiros Princípios Racionais. Isso não significa dizer que o filósofo substitui o legislador e que todo o Direito se resume a estes primeiros princípios racionais. Kant simplesmente quer ressaltar os princípios que todo direito que se diz direito deve expressar. Tais princípios constituem o fundemento jurídico racional do Direito que é universal.

Pressupostos para um direito ser racional:

1) Ser analítico a priori: os primeiros princípios não são históricos, mas a priori, isto é, são conceito da razão e não da experiência;

2) Enquanto a moral fala de orientações internas (motivações do sujeito) – porque se refere à liberdade interna ao indivíduo –, o Direito fala das ações externas das pessoas, porque se refere à liberdade externa. A ética é autônoma, preserva a autonomia do direito; O Direito se preocupa com a exterioridade, com as ações do sujeito. Ao Direito é suficiente que o sujeito aja conforme o Direito. O Direito se ordena pela liberdade externa. Todos os aspectos internos (necessidades, interesses, vontades) só têm relevância jurídica se estiverem expressões na ação. Alguns aspectos de internalidade importam ao Direito (saber se o indivíduo agiu com culpa ou dolo, coagido ou em erro...). A moral é autônoma (vem do indivíduo), o Direito é heterônomo (imposto ao indivíduo). Moral lida com as intenções enquanto o Direito lida com a ação.

DIREITO MORALPreocupa-se com a AÇÃO

Preocupa-se com a INTENÇÃOLiberdade Externa

Liberdade InternaHeterônomo

Autônomo

O Direito não pode tutelar os indivíduos que são livres. O direito (liberdade externa) só é racional enquanto mantém a liberdade interna dos indivíduos. Em nenhuma esfera pode o soberano substituir a liberdade dos indivíduos.

Isso é extremamente contrário ao Estado Social que considera algumas pessoas. O Direito serve para garantir a liberdade e não para promover a felicidade. O Direito no ESTADO SOCIAL só tem justificativa consequencialistas, o Direito racional a priori não tem como justificar o Estado Social.

Kant quer saber como estabelecer a CONVIVÊNCIA DAS LIBERDADES. Quais as condições racionais da convivência da liberdade? No estado de natureza até se podia pensar em liberdade ilimitada, mas ante a necessidade de convivência dos indivíduos, isso não existe. Não é possível, por exemplo, justificar racionalmente a propriedade ilimitada. O direito só se justifica, porque impossível a liberdade ilimitada. Se fosse possível, nossas ações poderiam ser reguladas somente pelos deveres morais. Como garantir a convivência dos meus direitos com o dos outros? Como garantir que todos tenham liberdades externas? Daí o conceito de direito para Kant: “O direito é o conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um pode ser reunido com o arbítrio de outro segundo uma lei universal da liberdade”.

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Para entender que a vontade no mundo real é conflituosa ou que o exercício das liberdades gera certo conflito não preciso de um dado empírico, não preciso de uma revolução ou uma guerra civil, basta a racionalidade. Para Kant qualquer sujeito racional se dá conta do conflito interno que tem as relações de liberdade. As pretensões jurídicas válidas são aquelas que garantam universalmente as liberdades. O que é racional? A garantia de liberdade universal, isto é, para todos. Na mesma medida que a moral tem pretensão de universalidade o direito também tem. Todos os indivíduos tem que ter igual liberdade. A justificativa de igualdade de Kant é a IGUALDADE DE DIREITOS. O Estado pressupõe que alguns indivíduos tenham mais direitos do que outros, e isso, para Kant, é desigualdade.

Racionalmente percebemos que é impossível a garantia da liberdade sem a coação do direito. Interligado ao conceito racional de direito, está a faculdade do Estado de coagir os indivíduos. Sem a coação estatal, não existe garantia do cumprimento do Direito, de forma que este se torna não efetivo e, por consequência, irracional.

CRÍTICA AO PENSAMENTO KANTIANO QUE DITA “NÃO EXISTE DIREITO SEM COAÇÃO”: Críticos dizem que isso só se prova empiricamente. Racionalmente se poderia pensar que o Estado dá ordens, e as pessoas cumprem. Só a experiência pode comprovar o contrário.

RESPOSTA KANTIANA: A moral não precisa da coação, porque é interna. Se o sujeito não cumpre a moral, o problema é com ele mesmo. No direito, se lida diretamente com a ação e se busca resultados no mundo. Os resultados fáticos podem ser vistos de forma a priori. É preciso das as condições externas no Direito para garantir a liberdade do outro e é impossível garantir isto sem a força do Estado. Pode-se racionalmente e perceber que sem a coação não são todos os sujeitos que vão agir de acordo com a lei. A coação racional é legítima na medida em que serve para garantir a convivência de liberdades.

DIREITO COMO PROTEÇÃO DAS LIBERDADES

Do ponto de vista jurídico, toda vez que um indivíduo, por sua ação, impede outro de realizar sua liberdade, aquele está sendo injusto com este. O Direito serve para proteger o exercício dessa liberdade, das liberdades em detrimento de terceiros. Justiça jurídica para Kant é impedir que um indivíduo atrapalhe a liberdade do outro (sentido negativo).

Todos os indivíduos têm total liberdade, e esta só é limitada pelo Direito para garantir a liberdade dos outros (a convivência). O Direito é o exercício da maior liberdade possível. A limitação será feita na medida da convivência das liberdade e apenas nesta proporção.

LIBERDADE COMO ÚNICO DIREITO FUNDAMENTAL PARA KANT

Todo direito humano, para Kant, se expressa no Direito à liberdade. Respeitar a liberdade do outro significa respeitar suas racionalidade que, em última analise, significa respeitar sua liberdade. Só existe uma justificativa para restringir esse direito fundamental que é a garantia da liberdade do outro.

O exercício da liberdade vai gerar os dois campos jurídicos: a) Direito Privado e b) Direito Público.

DIREITO PRIVADO

Propriedade é uma extensão do corpo. Vemos a propriedade como vemos a nós mesmos. A extensão é natural, qualquer ser humano faz quando se apropria das coisas a sua volta. Propriedade amplia os limites naturais ao ampliar a liberdade. Essa propriedade pode ser vista sob um duplo aspecto:

a) Propriedade Sobre as Coisas;

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b) Propriedade Sobre as Pessoas (imposição de limites).

Podemos estender a nossa liberdade quando nos apropriamos das coisas. Posso estender minha relação com o mundo quando penso nos outros como uma extensão de mim, como uma propriedade minha no sentido metafórico.

O casamento é como se fosse a apropriação dos corpos. Quando eu contrato alguém para trabalhar, me aproprio do trabalho dele. Essa propriedade não tem o sentido escravocrata. Apropriação como limite do meu corpo no mundo. As relações privadas estão relacionadas com essa propriedade no sentido de se apropriar de uma coisa ou de outrem para estender a liberdade. A propriedade não só é legítima como é imprescindível ao Direito. As pessoas não conseguem agir no mundo sem propriedade.

Qualquer forma de renúncia ou proibição jurídica da propriedade é irracional. O Socialismo para Kant é irracional e isso pode ser aferido a prioristicamente.

PROPRIEDADE INTERNA: apropriação do meu corpo, ser dono de mim mesmo;

PROPRIEDADE EXTERNA: se manifesta de três formas. Pra cada esfera jurídica há regulações racionais diferentes. Cada área lida com um tipo de propriedade do Direito. A diferença entre direitos pessoais e das coisas é racional, assim como a existente ente contratos e direito de família. Não foi o legislador que criou, pode ser percebida de forma a priori. Cada uma dessas propriedades tem uma característica central. A propriedade pode ser adquirida ou alienada.

- Sobre coisas materiais fora de mim (imóveis e mercadorias). Toda regulamentação jurídica do Direito das coisas ou de trocas de mercadorias está falando dessa propriedade externa sobre coisas materiais fora de mim;

- Serviços acordados (contratos e direitos pessoais);

- Estado ou Estatuto de outra pessoa em relação a mim (direito conjugal, de sucessões, do senhor, do trabalho).

O Direito privado se dá principalmente quanto à forma de aquisição e alienação das propriedades externas. Relações de direito privado que protejam o uso da propriedade. Como fazer isso? Transformando a propriedade empírica em uma propriedade racional. Os homens das cavernas não tinham apropriação jurídica, apenas empírica. A apropriação racional é jurídica. O direito deve proteger as liberdades da forma mais racional possível, a fim de que a propriedade seja protegida nas relações de apropriação. Qualquer apropriação conflitiva é irracional.

ESTADO CIVIL: apropriações a título jurídico. O direito garante os títulos de propriedade. Quando tenho título de propriedade tenho a garantia de que os outros não vão limitar o exercício da minha propriedade.

DIREITO PÚBLICO

Vai ser explicado por meio do contrato social hobbesiano. O Direito público regula o Estado de Direito. Ideia de Governo de Regras. Para Kant existem dois tipos de INSTITUIÇÕES:

a) Instituições de PRIMEIRA ORDEM:

LIBERDADE: algo que percebo no próprio estado de natureza;

PROPRIEDADE: não existe liberdade sem propriedade; propriedade é a extensão da liberdade.

b) Instituições de SEGUNDA ORDEM:

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ESTADO: só se justifica para proteger a propriedade que é o mesmo que dizer que só se justifica para proteger a liberdade.

O Direito Público são as garantias do Direito Privado. O mundo sobrevive somente com o Direito Privado, mas não sobrevive com o Direito Público apenas. Cria-se, com o CONTRATO SOCIAL, um Estado (de Direito) – instituição de segunda ordem – que proteja as instituições de primeira ordem (liberdade e propriedade). A racionalidade do Estado deriva da segurança jurídica que é a proteção do Direito.

CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PÚBLICO (DO ESTADO DE DIREITO)

1) Decisão sobre o que é o direito não cabe aos agentes privados, mas ao Poder Público.

2) Direito público só pode ser expresso por decisões gerais. Qualquer esfera do direito público que não possa ser universalizada a todos os cidadão é direito nulo, irracional.

Pra Kant o agente público é a vontade geral de Rosseau. Mesmo as decisões jurídicas do direito público que limitam a liberdade, a limitam pela minha própria liberdade, porque eu sou autor do direito, vez que o Poder Público não é mais do que a expressão da vontade geral que é racional e me representa.

TRÊS BASES DO DIREITO PÚBLICO (DA VONTADE GERAL)

1) Liberdade: todos têm liberdade e cidadania ativa para participar da vontade geral (do poder público).

2) Igualdade

3) Autonomia Civil: o sujeito tem representação na vontade geral. Embora o Direito seja algo imposto de fora o indivíduo, em certa medida, é autor do Direito.

DIREITO COSMOPOLITA

Direito cosmopolita é o que hoje chamamos Direito internacional. O princípio racional do direito não vale só do ponto de vista interno, mas também cabe às relações externas do Estado. Se o Direito não regulasse tais relações, a liberdade dos indivíduos não estaria garantida universalmente.

A liberdade não é só dos cidadãos, mas de todos os homens. A liberdade dentro do meu estado não pode acabar com a liberdade das pessoas de outros estados. Sem um direito cosmopolita as relações internacionais serão a dos mais fortes, o que significa uma relação empírica, desigual.

Direito internacional não é direito da guerra, mas da paz perpétua, um direito racional. Somente com ordem internacional racional que seria garantida pela sociedade das nações seria possível a paz. A legitimação do poder estatal está nos limites das relações internacionais. Para Kant deveria existir uma instituição superior, mais abrangente do que os Estado a qual ele denomina LIVRE FEDERAÇÃO DE TODOS OS ESTADOS.

A ordem internacional correta é aquela na qual todos os países fazem uma grande federação em favor de uma SOCIEDADE DAS NAÇÕES. Kant acredita em uma sociedade maior do que o Estado. Esses estados integrantes da sociedade continuam livres, pois a sociedade das nações tem limite na garantia da paz nas relações internacionais e na garantia das liberdades na convivência dos Estados. O texto da Liga das Nações cita Kant.

DIREITO PENAL ESTATAL

Kant defendia a castração como pena aos crimes sexuais e a morte aos crimes contra vida. Criminosos não são meios, mas fins em si mesmos, seres livres e responsáveis por suas ações. Não

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podemos considerá-los incapazes. O sujeito só é capaz e livre se tem direito à retribuição por suas ações. A pena, assim, é um direito do prisioneiro, porque só assim ele pode ser tratado como um ser livre. O Estado não pode tutelar os indivíduos, isso significa que não há justificativa à pena de ressocialização. A única maneira de garantia da liberdade é entender a pena como retribuição. É dever moral do criminoso requerer sua pena.

O discurso de que o criminoso é produto do meio é contrário ao discurso de Kant. Kant entende que as pessoas são iguais e, portanto, livres, devendo receber a retribuição de suas ações, pois são por elas responsáveis.

O discurso da ressocialização (sujeito moralmente bom ensina o moralmente ruim – criminoso – a viver em sociedade) é o discurso da desigualdade.

Aula 04.11.2014

Vimos que o direito é heterônomo e a moral é autônoma. O Direito é tentativa de convívio das liberdades para Kant (conceito liberal). Vimos as relações entre direito privado e público nesse sistema de liberdades. Depois vimos o fundamento da pena (que não é um dos principais objetivos do semestre) e o direito internacional.

Até Kant, estávamos vendo o paradigma jusnaturalista. Vimos o clássico e o moderno. O moderno está mais próximo do positivismo do que do jusnaturalismo clássico. Hobbes é muito mais Kelseniano do que Aristotélico. A hegemonia das correntes sempre foi jusnaturalista até meados do século XIX. No sec. XX o positivismo jurídico toma conta. Esse positivismo une várias escolas, sendo a convergência de várias que têm em comum o projeto científico do Direito. A partir do séc. XVII, com mais força no sec. XVIII o cientista é o cara que passa a ser admirado. Depois das revoluções liberais, é a ciência que revoluciona. As últimas revoluções são científicas. Ex.: máquina a vapor, avião, revolução do microchip no Vale do Silício em 1970.

Todas as escolas positivistas partem de três premissas:

1ª Premissa DIREITO É CIÊNCIA

2ª PremissaDireito não pode ter a ver com subjetividades, porque a ciência é objetiva. A principal subjetividade decorre das concepções morais. O que eu entendo por certo e errado não pode implicar a concepção que tenho sobre qual o melhor direito. DIREITO E MORAL SÃO DIFERENTES.

3ª Premissa Direito tem fontes sociais. A sociedade o cria por atos de vontade. O Direito não é metafísico. DIREITO É ATO DA VONTADE

Subpremissa Direito é ato de vontade (criação) e não da razão (não é descoberto, é criado).

O Jusnaturalista pensa que o Direito está por aí para ser descoberto, o positivista entende que é a sociedade que o cria. Direitos existem como bruxas e unicórnios existem, segundo os positivistas.

Os grandes teóricos da democracia foram os positivistas. A Teoria da Democracia mais sólida é consequência do positivismo. No momento em que pensamos que criamos o Direito, passamos a nos preocupar com o procedimento de criação, e daí adentramos no campo da democracia. É necessário explicar o Estado-nação e como as leis produzem sentido dentro dele. Como organizar um orndemaneot jurídico com segurança jurídica.

Meta do positivismo: SEGURANÇA JURÍDICA (meta do Estado Liberal).

No estado liberal em que a economia ganha muita força, se quer segurança para estabelecer contratos e relações. É preciso conhecer o Direito e fazê-lo cumprir. A melhor forma de conhecer é o SABER CIENTÍFICO e a melhor forma de fazer cumprir é dizer que o Direito é ATO DE VONTADE.

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O jusnaturalismo é revolucionário, leva sempre à revolução, não traz segurança jurídica. Para o positivismo, o papel da mudança é da política. Não é o jurista que muda a sociedade, mas a própria sociedade sendo política. A revolução parte de uma boa teoria política e de uma sociedade engajada.

Fator histórico que influenciou o surgimento do positivismo: desde a reforma protestante, ampliou-se a NEUTRALIDADE DE VALORES por parte da sociedade (da política) em função da pluralidade de valores. A ideia de tolerância ganhou força desde os ensaios de tolerância de Locke. Existindo uma PLURALIDADE DE VALORES, se distancia o direito da moral, porque não posso pressupor uma pluralidade de direitos, apenas de valores morais. A unidade jurídica é pressuposto do Direito para funcionar.

Crítica dos positivistas à teoria dos princípios: se os princípios são valores, como ter valores certos em uma sociedade de pluralismo de valores. Como é possível ter uma unidade de valoração? Em uma sociedade complexa, impor valores de um pequeno grupo ou de uma pessoa a todos não combina com a neutralidade de valores.

O termo positivo vem do fato de que o Direito é posto, não é descoberto. Não se trata de autoritarismo. Todos os grandes positivistas eram democratas ao extremo. Dizer que o direito é posto, é dizer que é posto por nós, de forma que somos responsáveis pelo que nos comprometemos.

- Para o positivista: Direito é resultado da sociedade, e esta é responsável pelo Direito que tem. Acima de tudo o jurista é sociólogo, precisa entender a sociedade pra entender o Direito.

- Para o jusnaturalista: a razão estabelece o direito.

POSITIVISMO X LEGALISMO

Positivismo e Legalismo são coisas muito distantes. É certo que houve uma escola positivista legalista (escola da exegese) no sec. XIX. Porém, quando pensamos em positivismo, pensamos em Hart e Kelsen, pensamos, portanto, no sec. XX.

Legalismo é assumir que a lei é a única fonte do Direito. Nenhum positivista acredita nisso e nem na interpretação literal do Direito. A intepretação literal pressupõe uma racionalidade na interpretação e, para os positivistas, não é esse o caso. Para Kelsen, interpretação é ato de vontade. O juiz interpreta como sua vontade quiser. Para Hart, há casos claros e obscuros. Na penumbra, o juiz decide conforme sua vontade.

O ato de interpretação do juiz não é “dever ser”, é uma descrição do que acontece. Literalidade na interpretação da lei não é sinônimo e nem é próximo de interpretação positivista da lei. Maccormick fez sua teoria dos princípios sendo positivista inclusive, e Kelsen disse que o Direito era um esquema de normas, sendo norma tanto o costume quanto a lei e tratados, princípios (estes últimos desde assumidos como jurídicos pela sociedade). O positivista trabalha com a NORMA.

HANS KELSEN

Nasceu em Praga, em 1881, (judeu austríaco) e foi perseguido, indo primeiro para a Suiça e depois se exilou nos EUA. Em termos utilitários Kelsen fez mais pelo Direito do que Hart. Kelsen sistematizou a teoria do ordenamento jurídico, sendo sua teoria da norma jurídica uma das mais influentes ainda hoje. O escritor criou a ideia de tribunal constitucional, de controle concentrado de constitucionalidade e foi ministro do tribunal austríaco por 10 anos. No final de sua vida, começou a escrever sobre direito internacional.

Quando o nazismo assume o Poder e Kelsen tem que fugir, se torna professor universitário. Bobbio diz que o grande jurista do séc. XX foi Kelsen (A Teoria Pura do Direito). A Teoria Pura do Direito tem duas edições. A primeira é de 1934 e a segunda de 1960. Na segunda edição a teoria está totalmente alterada, é a versão clássica. No inicio da década de 60 também Hart, MacCormick, Dworkin e Halls escreveram.

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Kelsen tem 05 grandes influências: pretende ser continuador do discurso de cinco grandes personagens. Pensa que seus pressupostos são kantianos. Ihering é o grande jurista em sua visão, e os demais autores são de teoria do Estado.

Ihering; Kant; Jellinek; Laband; Gerber

Tudo que é autor escreve para continuar alguém e ir contra alguém.

Os ADVERSÁRIOS de Kelsen são os JUSNATURALISTAS como um todo. Para ele, jusnaturalista é quem acredita na essência metafísica do Direito, na existência do Direito para além do Direito (Direito em Deus, Direito no Cosmos). Nesse passo, se contrapõe a Kant que acredita na metafísica.

Outros adversários são os SOCIÓLOGOS. Kelsen pensa que o jurista deve ser sociólogo, mas não apenas sociólogo.

Além disso, Kelsen refuta a visão meramente política do direito. Direito e política são campos diversos. Não pode o jurista substituir o político e nem este, aquele.

A psicanálise também surge na Áustria assim como o círculo de Viena e sua lógica moderna. O fervor cultural austríaco tem grande influência sobre Kelsen. No círculo de Viena, a refutação da metafísica é para todos os campos. Na arte, por exemplo, a ideia metafísica é o belo. A refutação da metafísica teve muita influência na Áustria e se pautou na criação da arte moderna onde se procurou demonstrar que não existia metafísica na arte, não existia belo, sendo arte um ato de vontade. Freud, quando contesta os valores da sociedade, diz que os tabus são criações sociológicas. Refere que a ideia de paternidade é criação social. A pretensão da psicanálise é destruir pressuposições metafísicas. Não existe certo e errado, existem convenções.

Os autores positivistas pegam padrões metodológicos de determinada ciência e os estendem para tentar criar uma metodologia jurídica. A logica a partir de Kelsen pode influenciar o direito de que forma?

TEORIA PURA DO DIREITO

Tentativa objetiva de descrever cientificamente o Direito (normas jurídicas) como ciência social.

Para Kelsen existem duas coisas distintas: a ciência jurídica e o direito. A ciência jurídica tem como objeto de estudo o Direito. O que o cientista do direito faz não é a mesma coisa que o juiz ou o legislador faz. O cientista faz ciência, descreve, o legislador prescreve. A metodologia é necessária para a ciência jurídica. Assim como a ética estuda a moral, a ciência jurídica estuda o direito. Esse direito são as normas jurídicas. Assim como a ética estuda as normas morais, a ciência jurídica estuda as normas jurídicas. Tanto a ética quanto a ciência jurídica e o Direito são ciências sociais.

As ciências sociais se distinguem das naturais. A pretensão cientifica da abordagem jurídica deve entender essa diferença.

CIENCIAS SOCIAIS CIENCIAS NATURAISLidam com as pessoas que estão dentro de uma esfera de liberdade. Descrição do mundo possível, mas a descrição não esgota a ciência social, pois as pessoas não agem sempre da mesma forma.

Lidam com causa e efeito(causalidade). Padrão descritivo. Descrever a realidade. Os corpos se dilatam com o aquecimento. Isso se aplica a todos os metais.

IMPUTAÇÃO:“Se A, então deve ser B”.

CAUSALIDADE:“Se A, então é B”.

DEVER SER SERPRESCREVER DESCREVER

Método: como descrever cientificamente o direito a partir de uma teoria pura. Não é o direito que é puro, é a teoria que é pura. A ciência deve ser objetiva, não pode estar emaranhada pelas subjetividades. O

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método deve isolar o Direito. Aquele que descreve a conduta humana tem pressupostos metodológicos diferentes daquele que descreve a natureza.

FALÁCIA NATURALISTA: (Lei de Hume). Kelsen chama de falácia o erro lógico de concluir coisas que não derivam das premissas. Naturalista porque é típica daqueles que entendem o direito como ciência natural. Hume diz que normalmente os jusnaturalistas veem nas premissas de que o homem é mau, a conclusão de que ele deve agir de uma determinada forma e, nas de que o homem é bom, de que devem ser justos e corajosos. Em lógica não posso concluir nada que não esteja nas premissas. O silogismo se dá com a premissa maior, a menor e a conclusão. Os homens votam leis, a lei foi aprovada, disto não decorre a conclusão de que os homens devem agir de acordo com as leis. Os jusnaturalistas falam de DESCRIÇÕES nas premissas e depois concluem PRESCREVENDO, sem ato de imputação. Isso, para Kelsen, é uma falácia. Kelsen quer superar o problema de entender o direito apenas descritivamente. Entender o direito como fato não respeita os princípios lógicos de que a conclusão não pode ter mais do que as premissas. Não pode se chegar a uma prescrição a partir de uma descrição.

SOLUÇÃO: As premissas devem ser estruturadas com dever ser, da mesma forma que a conclusão, e devem criar uma imputação. Como a votação de uma novo CPC traz uma realidade de novas obrigações que devem ser cumpridas pelas pessoas? Como uma norma vincula o comportamento?

Aula 11.11.2014

Para Kelsen, direitos naturais não existem e há uma grande diferença entre a perspectiva do cientista do Direito e a da autoridade. A autoridade produz o Direito (juiz, legislador, administrador, presidente). O cientista descreve o Direito.

DIREITO E MORAL EM KELSEN

- CRÍTICA DE KELSEN À DIFERENÇA ENTRE MORAL E DIREITO KANTIANA: Para Kant a Moral fala de interioridade e o Direito de exterioridade. A Moral seria decisão da vontade do indivíduo (autônoma) e o Direito seria uma obrigação externa à qual o indivíduo adere (heterônoma). Para Kelsen, tanto Direito quanto Moral regulam condutas externas e internas. Ex. de Kelsen: Direito fala de culpa e dolo o que está na esfera da vontade e não da heteronomia. A Moral fala de coragem que é expressada em atos de batalha, isto é, não é apenas uma intenção, são atos externos.

Kelsen critica o entendimento de que “a Moral é escolha enquanto o Direito regula coisas que o indivíduo faria diferentemente de sua escolha”. Para Kelsen tanto a moral quando o Direito são sistemas normativos e estabelecem normas que não podem ser a mera coincidência de estabelecer ações que os indivíduos escolheriam por si mesmos. A regra não matar só tem sentido se impede uma inclinação do sujeito. Dizer que moral é o sujeito seguir a sua inclinação não é moral para Kelsen. Todo sistema normativo é aquele que impede o sujeito de agir segundo suas inclinações. Não faria sentido a ordem normativa se usasse as decisões dos próprios indivíduos. Se um ladrão pede a carteira de um sujeito, esse sujeito mesmo que não queira, se entregar a carteira não está seguindo uma regra, mas cedendo a uma violência.

Para Kelsen, a conduta é moral quando segue uma regra moral, e a conduta é jurídica quando segue regra jurídica. Nesse sentido, tanto o direito quanto a moral são ordens positivas (não há diferença nesse campo), o que significa dizer que são ordens impostas.

- DIFERENÇA ENTRE MORAL E DIREITO PARA KELSEN

A diferença não é de conteúdo, não é o que o Direito e a Moral estabelecem que diferencia os institutos. Tanto o Direito quanto a Moral podem ter qualquer conteúdo. A diferença é a FORMA: o Direito é protegido por ÓRGÃOS centrais do Poder Público estabelecidos de acordo com a burocracia moderna pela divisão do trabalho. O Direito proteja sua normatividade através de ato de coerção estatal. O direito liga a norma a uma SANÇÃO. As sanções morais não são organizadas dessa forma, constituindo apenas a

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aprovação ou desaprovação de um grupo de indivíduos. O problema para Kelsen era explicar o direito primitivo e o internacional.

- RELAÇÕES ENTRE OS SISTEMAS NORMATIVOS

Kelsen menciona que existem autores que entendem que se o direito proíbe, é porque existe uma moral de fundo que proíbe. A moral cristã sustentaria o Direito que proíbe o homicídio, por exemplo. Segundo os autores que assim pensam o Direito é ruim quando diverge da ordem moral. Para Kelsen isso corresponde a uma má compreensão da relação entre Direito e Moral, pois essa análise diz que existe um conteúdo moral absoluto, único sob o qual se avalia todo o sistema normativo. Para Kelsen isso não faz sentido, porque assim como o conteúdo jurídico é estabelecido por atos de vontade que impõem certa normatividade (relativa), a moral também é criada por atos de vontade. Moralista é quem acredita na existência de um sistema absoluto. Ético é quem acredita que não existe uma moral única, e que caso exista, seria impossível de conhecer. Achar que o direito deve ser avaliado moralmente é pensar que existe uma moral absoluta, e é impossível conhece-la.

Diferentes regiões, profissões e religiões têm sistemas morais diferentes. Kelsen diz que nem mesmo a paz é valor moral absoluto e que quem pressupõe uma moral absoluta deve identificar a própria moral da sociedade que deve ser dita justa ou injusta, boa ou má. Daí Kelsen questiona: como estabelecer a avaliação moral do código moral da sociedade? Não pode, por uma questão de coerência linguística, se dizer que o código moral da sociedade não é moral.

- O DIREITO DEVE SER MORAL?

Em termos prescritivos, que são os termos do jurista, o Direito NÃO deve ser Moral.

Do ponto de vista do jurista, não adianta nada o sujeito dizer que o Direito não é moral, pois terá que observá-lo igual. No final das contas a visão daqueles que querem um direito moral é mais democrática, moralista é aquele que quer que o Direito corresponda à moral.

NORMA

A partir do séc. XX, os fenômenos jurídicos como autorização, permissão, proibição são vistos como fenômenos normativos. Diz Kelsen ser impossível se referir ao direito sem se referir a normas, pois o Direito não é fenômeno natural, mas normativo. O jurista não entende fatos, mas normas. Ex.: a UFRGS foi estabelecida por uma norma. Não há explicação física que explique a UFRGS que só continua sendo o que é com o passar do tempo por ser um fenômeno normativo, e normas não são fenômenos físicos, naturais. As normas estão na dimensão do DEVER SER, na dimensão prescritiva e estabelecem SIGNIFICADOS. Ex.: a paternidade é fenômeno normativo. Se fosse biológico, o sentido de paternidade do pater família do direito romano seria o mesmo de hoje, o que não é verdade.

Conceito: sentido objetivo de um ato de vontade.

Norma é algo estabelecido, posto, por isso, ATO DE VONTADE (é feita por alguém). A norma não existe antes da produção normativa, não podendo ser descoberta, precisando ser feita. Ato de vontade é condição necessária para norma, mas não suficiente.

O SENTIDO OBJETIVO é que diferencia o ato de vontade que estabelece as normas. Nem todos os atos de vontade são normas. Sentido subjetivo é a intencionalidade, a vontade, e isso, por si só, não produz norma. O sentido subjetivo precisa estar vinculado a um sentido objetivo, sendo este aquele sentido normativo que ultrapassa o simples ato de vontade e passa a ser reconhecido pelo sistema como norma. O que estabelece o sentido objetivo da norma é a AUTORIZAÇÃO.

A lei para ser feita deve estar autorizada pela Constituição. Para se chegar ao dever ser é preciso ter noção de que a Norma Fundamental autoriza a criação da Constituição que autoriza a criação das demais normas. Sistema escalonado de autorização. A autorização estabelece o sentido objetivo da norma.

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Quando o “querer” cessa, subsiste o sentido jurídico. A CLT é de 1943, quando foi produzida tinha ato de vontade de alguém, mas as pessoas morreram e ela continua sendo aplicada. Isso se deve ao fato de que a vontade que criou a CLT estava autorizada por leis hierarquicamente superiores. O ato de vontade no contrato é reconhecido pelo sistema normativo, e o que interessa é o que o sistema autoriza. Não tem sentido buscar a vontade do legislador.

- CONSEQUENCIA DO SENTIDO OBJETIVO: O terceiro considera o comportamento prescrito como devido em função do sentido objetivo do ato jurídico. Esse terceiro não é nem o autor nem o destinatário e reconhece a validade jurídica do ato.

O sentido objetivo vincula as normas, a autorização as interliga. Não pode a norma ser vista individualmente.

VALIDADE

A autorização é a atribuição de validade que uma norma dá a outra. As normas consegem validar outras. Para Kelsen, validade tem pelo menos 4 sentidos:

1º SENTIDO: qualidade que expressa existência (normativa) da norma. Uma norma é válida se existe no mundo jurídico, compreendendo que essa existência é normativa e não física. Existir é ter sentido objetivo, ser normativo. Um dever ser valida logicamente outro dever ser.

2º SENTIDO: pertinência a um ordenamento jurídico. Não existem normas isoladas, elas integram um sistema normativo. Se a norma é sentido objetivo de ato de vontade, este só pode ser dado por outra norma, do que decorre que o sistema normativo é um todo lógico que não pode ser entendido por premissas isoladas.

3º SENTIDO: relação intranormativa. Relação entre a produção da norma e as normas que regulam a produção normativa. A norma é produzida de acordo com o que prevê o sistema. Relação entre a forma de produção e a norma. Validade significa que a lei foi feita de acordo com o processo legislativo. A norma tem fundamento de validade em outras normas.

4º SENTIDO: obrigatoriedade. “O fato que uma norma que se refere ao comportamento de um homem seja válida significa que é vinculante, que o homem deve se comportar do modo previsto na norma”. Dizer que a norma é valida é dizer que ela é obrigatória.

Validade descreve a existência, a pertença e a obrigatoriedade de uma norma que foi produzida de acordo com a determinação do sistema.

NORMA FUNDAMENTAL

Não é fato nem metafísica. A norma fundamental é PRESSUPOSTA, não pode ser validada nem refutada. Primeiro Kelsen diz que é uma hipótese e depois que é uma ficção. Norma: “devemos obedecer a primeira constituição histórica”. Aqui constituição é ato jurídico. O primeiro ato jurídico é sempre a CF. Primeiro tem a Constituição e depois a recepção das leis anteriores materialmente compatíveis. Norma fundamental é a primeira norma que dá sentido objetivo à CF.

- Condição de INTELIGIBILIDADE do sistema.

- Condição de OBJETIVIDADE das normas.

FORMAS DE VER O ORDENAMENTO JURÍDICOFORMA ESTÁTICA FORMA DINÂMICA

Derivação pelo conteúdo Derivação pela formaNão há mudança normativa. Há perspectiva de mudança normativa.

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Pai manda o filho estudar. O filho pergunta o motivo. O pai responde de forma estática dizendo que o filho precisa estudar para aprender mais para ser mais sábio porque pessoas assim são mais felizes e as pessoas devem buscar a felicidade.

O pai responde de forma dinâmica dizendo que o filho deve estudar porque ele está mandando e há uma norma no ordenamento jurídico que atribui ao pai poder para mandar no filho.

Amar ao próximo é um conteúdo que nunca muda para o cristianismo, por exemplo. A resposta sempre será amar ao próximo.

Direito é obedecido por uma forma, por isso é dinâmico. O que importa são as autorizações e não o conteúdo.

ORDENAMENTO JURÍDICO

Bobbio diz que, até Kelsen, todos achavam que o ordenamento era o conjunto de normas. Com Kelsen, contudo, as normas é que passaram a ser definidas a partir do ordenamento. Bobbio diz que Kelsen foi o marco da passagem da nomostática para a NOMODINÂMICA. Não existia antes toeira do ordenamento jurídico correta que só foi formulada com Kelsen.

- Normas unidas em um sistema (não existem normas isoladas);

- Normas distribuídas hierarquicamente de forma organizada (pirâmide jurídica);

Existe UM ordenamento jurídico e não O ordenamento jurídico.

A leitura lógica do direito é formal, o que importa é a forma e não o conteúdo, por isso o ordenamento é dinâmico. No caso do sistema estático (ética cristã) de uma premissa sempre se deriva a mesma coisa. Da busca da felicidade sempre se deriva o amor ao próximo, por exemplo, e nunca o contrário. O constituinte poderia dizer qualquer coisa já que o sistema é formal (não existem limites materiais ao direito). Perguntar se o direito é bom ou ruim não é uma pergunta válida do ponto de vista jurídico (não é pergunta do jurista, mas do sociólogo...).

Aula 18.11.2014

Ato de vontade subjetivo que se dissocia da vontade pessoal quando ganha seu sentido objetivo. O professor na aula passada explicou o que era esse sentido objetivo. Disse que ele é dado por uma autorização do sistema. Quando a autorização é dada, a norma ganha objetividade e se desvincula das razões pelas quais foi produzida. Não importa a vontade do legislador na interpretação da norma. Professor comentou os sentidos de validade (existência, pertinência ao ordenamento jurídico, produção de acordo com o que prevê o sistema e obrigatoriedade). Validade é conceito complexo com carga semântica ampla. Todos os conceitos, contudo, estão interligados. Falou sobre a norma fundamental, falando que se tratava de uma hipótese em a qual o sistema não fecha, que todos devem assumir como verdadeira. No final de sua vida, Kelsen falou que não era uma hipótese, mas uma ficção, um “como se” (como se existisse). A pretensão kelseniana é explicar o direito de forma lógica. A CRFB deve ser respeitada, esse é o preceito fundamental.

Norma como relação normativa. A norma só tem sentido quando este sentido é dado por outra norma que a autoriza e lhe dá objetividade. As normas jurídicas são sempre autorizadas por outas normas. Em razão disso é necessário entender não só a norma, mas também o ordenamento jurídico. Na teoria do direito kelseniana o ordenamento jurídico precede as normas, estas estão unidas em um grande sistema.

CONTRADIÇÕES LÓGICAS NO SISTEMA

Sentença ilegal, norma inconstitucional... Como se pode interpretar atos contraditórios dentro do sistema (entre normas de hierarquia diferentes e iguais). Em 1919 o Kelsen criou o sistema de Controle de Constitucionalidade Concentrado (a partir de órgão próprio autorizado no sistema para fazer isso). Se o juiz decide diferente da lei e isso transita em julgado, o que fazer?

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Uma norma contrária a outra é contradição em termos, é algo que o sistema deveria expurgar.

NF (fundamental)

NC (constitucional) – criação + interpretação

NG (geral) – criação + interpretação

NI (individual) – criação + interpretação

Do ponto de vista do cidadão comum, o Direito é padrão de conduta. Não pode o cidadão ficar se questionando se o Direito é válido ou não. O cidadão não tem autoridade para invalidar uma norma ou declará-la nula embora pense que seja inconstitucional. Do ponto de vista do cidadão, portanto, norma válida é toda aquela norma que deve ser cumprida, não existem contradições. O jurista pode descrever a contradição, mas o fato de descrever no retira do ordenamento a norma. O cientista do direito não tem poder de criação, apenas de interpretação. O cidadão em termos gerais segue a norma individual, mais próxima de si. O cidadão não tem poder para dizer qual lei é válida.

Só a AUTORIDADE tem poder de retirar uma norma do sistema. Então é necessário criar mecanismos autorizados para resolver os problemas de contradição. O duplo grau de jurisdição é um. Duas casas legislativas é outro.

A norma geral dá uma MOLDURA de interpretação dentro da qual o juiz cria o que quiser. A norma constitucional dá uma moldura ao legislador dentro da qual ele cria o que quiser. O juiz pode criar dentro ou fora da moldura, mas quando é fora, é contraditório. Quando o juiz decide fora da moldura, existe contradição no sistema.

SOLUÇÃO

Ato constitutivo negativo: expurgar a norma do sistema. Não é ato declaratório. Quando o tribunal declara uma norma inconstitucional ele cria o direito, é ato CONSTITUTIVO.

Se o 2º grau de jurisdição mantiver uma lei inconstitucional, há MUDANÇA JURÍDICA (revolução, mudança da norma geral). Quando esgotados os mecanismos autorizados para reformar ou anular uma contradição jurídica, tem-se uma mudança da norma geral, o ato contraditório adere ao sistema e muda a norma geral por meio de AUTORIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA.

A autorização subsidiária explica porque atos contraditórios aderem ao sistema. Os produtores de normas individuais podem subsidiariamente mudar a norma geral; os produtores de normas gerais podem mudar subsidiariamente a norma constitucional. Não era o que se esperava inicialmente, mas é uma implicação da eficácia que tem efeito inclusive na validade.

O direito é sempre revolucionário porque está sempre aparando as arestas ( é dinâmico).

ESGOTAMENTO DOS MECANISMOS INCORPORAÇÃO DA CONTRADIÇÃO MUDANÇA DA NORMA GERAL.

Mecanismos de interpretação do sistema para solucionar contradições:

- Lei superior revoga lei inferior

- Lei especial revoga lei geral

- Lei posterior revoga lei anterior

- Interpretação Conforme a Constituição: forma de interpretar a norma sem redução de texto.

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ESTRUTURA DA OBRIGAÇÃO JURÍDICA

“Por que o Direito obriga?”

Todo ato jurídico pretende regular a conduta humana ou uma omissão. O fim das normas jurídicas é a regulação de condutas. Há normas processuais que apenas autorizam o sistema, mas até elas visam à regulação de condutas humanas.

Normas jurídicas são ORDENS DE CONDUTA, principalmente, EXTERNA. Não importa as razões pelas quais os indivíduos obedecem a lei, mas que obedeçam. Não significa que os indivíduos vão incorporar as razões jurídicas. A proibição não evita que a descumpram. Se a pessoa vai parar ou não diante de um sinal vermelho não está no campo do jurista, isso é descritivo. Os indivíduos podem alterar sua conduta.

O direito se incorpora na conduta porque é a razão para as pessoas não fazerem determinada coisa.

Estrutura da norma: conduta + sanção

O Código Penal não diz “é proibido matar”, diz “matar alguém pena tal”.

DEVERES DECORRENTES DA NORMA JURÍDICA

A primeira parte da norma é sempre dirigida ao cidadão, e a segunda às autoridades (aqueles encarregados de executar a norma). É como houvesse duas normas. Para Kelsen existe uma precedência da segunda parte em relação à primeira. O Direito é das autoridades e quando estas leem o direito, leem a sanção. A norma genuína, jurídica mesmo, é a SANÇÃO. A norma primária (no sentido de mais importante) é sempre a sanção, e a secundária é a CONDUTA ESPERADA do cidadão. Os destinatários da obrigação jurídica, para Kelsen, são sempre as autoridades. A obrigação jurídica é DA AUTORIDADE. Quando o CP diz que a pena de matar alguém é de 6 a 20 anos, a obrigação jurídica é que o juiz deve condenar de 6 a 20 anos aquele cidadão que matar alguém. A obrigação secundária é que o cidadão deve saber que se matar alguém será condenado a uma pena de 6 a 20 anos e isso deve ser suficiente para impedi-lo de agir em desconformidade à lei. Como o cidadão não cria direito, o dever ser mesmo se dirige ao juiz e depois á autoridade carcerária (execução da pena). O cidadão só tem obrigação jurídica em sentido análogo (derivado). O destinatário da norma é sempre a autoridade. Bobbio quando interpreta o art. 575 do CP italiano diz que se dirige aos juízes. A norma não institui obrigação de não matar, mas de punir aquele que age de forma oposta ao esperado. Ihering defende a mesma coisa e diz que já era assim no direito romano.

- Interpretação jurídica autêntica: a do juiz.

- Interpretação jurídica não autêntica: do cidadão.

A norma jurídica é completada quando transformada em norma individual na sentença pelo juiz. O cidadão não tem poder de completar a norma e corre um enorme risco de interpretá-la equivocamente.

Para Hart, ter obrigação e ser obrigado é diferente. A verdadeira obrigação é daquele que pensa que tem uma obrigação e não daquele que se sente obrigado.