aula de filosofia_ a arte de palavrear
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Aula de Filosofia
terça-feira, 29 de maio de 2012
A Arte de palavrear.
Artifício bastante usado nos discursos políticos, a retórica é um dos instrumentos centrais naestratégia de argumentação. Dentro do pensamento filosófico, Aristóteles estabeleceu os conceitos
fundamentais para convencer, persuadir e emocionar.
Talvez isso possa parecer um tanto difícil, mas pense em um político que você, leitor, julga serhabilidoso. Ok, pense no que o torna hábil: é sua capacidade de descobrir o que determinada
população precisa? Ou seria a capacidade de propor soluções pertinentes e, de fato, resolver essesproblemas? Agora, pense em como esse político, essa figura pública, atinge os seus eleitores, como
ele chega até essas pessoas. Em que pesem as novas tendências do marketing político (Carreiralevada ao ápice ao longo da década de 1990, o marketing político já é de conhecimento mesmo do
público que não é militante. Além disso, no entanto, há os bastidores. No filme "Recontagem",
protagonizado por Kevin Spacey, a alta cúpula decide com ações de marketing de guerrilha quais sãoas estratégias que devem ser tomadas para vencer as eleições para a presidência em 2000) e os
últimos avanços tecnológicos, esse político - velho ou moço, homem ou mulher, caucasiano ouafrodescendente - consegue alcançar o seu alvo com algo tão simples quanto elementar: os políticos
usam as palavras.Que os políticos gostam de falar (e realmente precisam falar) todos sabem; o que poucos têm
noção é que, na maioria das vezes, as palavras que são ditas nos discursos políticos não são
jogadas a esmo, mas, ao contrário, exaustivamente pensadas, estudadas e ensaiadas. A essa "arte-técnica" da oratória dá-se o nome de retórica. E, diferentemente do que se imagina, a retórica não é
um recurso criado pelo marketing eleitoral.Aristóteles tem um livro que, infelizmente, não faz parte do catálogo editorial brasileiro, mas
nem por isso deixa de ser fundamental. Em "Retórica", o filósofo grego analisa com precisão oselementos que constituem um discurso. A leitura do livro mostra que alguns conceitos tidos hoje
como inovadores já eram analisados pelo pensador, como o fato de a retórica ser dividida em três
tipos: a política (ou deliberativa); a forense (ou legal); e o epidíctico (ou a oratória que censura oulouva um determinado elemento, aspecto, personagem).
No caso da retórica deliberativa, Aristóteles teoriza que a maneira mais importante e efetivapara obter sucesso em persuadir o eleitorado e dissertar sobre as coisas públicas é entender
profundamente as formas de governo, assim como seus costumes, suas instituições e seusinteresses. Isso porque, argumenta Aristóteles, "os homens são convencidos por considerações de
seus interesses; e seu interesse está baseado na manutenção da ordem estabelecida".
A discussão mais comum, hoje em dia, gira em torno da chamada retórica de Perelman(Filósofo do direito, o polonês Chaim Perelman (foto acima) observou que as áreas da Filosofia, do
Direito e da História se estabeleciam utilizando a retórica como instrumento elementar. No site doPrograma Especial de Treinamento em Ciências Jurídicas, há mais informações a respeito. Disponível
em: http:// www.puc-rio.br/sobrepuc/ depto/direito/pet_jur/ c1mmeyer.html), que tirou seus exemplosde discursos filosóficos e políticos, entre outros. Devido a isso ele assume o caráter de
convencimento que a retórica proporciona aos discursos dos oradores. "Eu diria que a retórica se
configura por um conjunto de estratégias linguísticas que visam à persuasão por meio da comoção",opina a professora e doutoranda em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Suzana Leite Cortez. João Bôsco Cabral dos Santos, doutor em Estudos Linguísticos pelaUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica melhor: "o orador chama atenção construindo
uma imagem que espelhe aquilo que seus ouvintes gostariam de ouvir. A gesticulação e a formacomo se aproxima, toca e fala com as pessoas têm que estar em sintonia com a forma como as
palavras são ditas e como esse orador direciona seu olhar". Para João Bôsco dos Santos, "nos
dizeres políticos é preciso falar o que o outro quer ouvir de si, como se fosse o outro dizendo para simesmo".
No maior dos dicionários da língua portuguesa, o Houaiss (Ed. Objetiva), a palavra "retórica"recebe significado de: "1. a arte da eloquência, a arte de bem argumentar; 2. emprego de
procedimentos enfáticos e pomposos para persuadir ou por exibição; discurso bombástico, enfático,ornamentado e vazio; 3. discussão inútil; debate em torno de coisas vãs" - sendo os dois últimos
indicados como de uso pejorativo.
Se todos esses significados, para o bem ou para o mal, fazem parte da política, fica fácil dizerque a "retórica é intrínseca à arte da política". E essas são as palavras do professor e doutor em
História Econômica, Fábio Duarte Joly, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).Segundo Joly, "sendo a política um exercício do convencimento com o intuito a se chegar a um
consenso, a retórica joga nela um papel fundamental".O eleito
Quanto a esse último item, como não pensar no presidente dos Estados Unidos, eleito no fim
de 2008, Barack Obama? "Yes, we can" foi o mote que fez história, que realmente moveu multidõesàs urnas. "Ele sensibilizou seus eleitores, utilizando o que denominamos uma retórica da redenção
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redimida: creiam-me, erramos, mas somos fortes, os melhores, sempre", sentencia Bôsco. Já para ocronista português, José Manuel dos Santos, ouvir Obama "é voltar a ler a Retórica de Aristóteles.
Ele convence porque argumenta (logos), porque emociona (pathos) e porque há um 'eu' que diz 'vós' eé reconhecido (ethos)". Logos, Ethos e Pathos são as três principais formas de persuadir a
audiência/ público/leitores. Logos é o apelo utilizado à razão; pathos é o voltado às emoções; e ethosé aquele calcado na reputação de quem se pronuncia.
A parceria entre Obama e seu jovem redator de discursos de 27 anos, Jon Favreau, certamentefuncionou melhor do que o esperado. Favs, como é conhecido, tornou-se um especialista na escrita
do próprio presidente e entre os discursos deste escondem-se inúmeras palavras redigidas oueditadas pelo chamado prodígio.
Preparando um discurso
A preparação de um discurso requer inúmeros cuidados, principalmente porque suas variaçõesdependerão dos resultados que o orador pretende obter e do público ao qual ele irá se dirigir, como
adverte Joly. "A emoção, a necessidade de tocar fundo os atos humanos, é uma característicamarcante", enumera Cortez.
Mesmo com essas subjetividades, de acordo com Bôsco, é possível elaborar uma lista das principaiscaracterísticas de um discurso retórico, que deve:
- Remeter a uma crença das pessoas do auditório;- Fabular imagens de realização de quem o escuta;
-Conter dizeres que enganam porque persuadem por sua verossimilhança com um real possível;- Produzir efeitos de espelhamento do outro naquele que escuta;
- Legitimar memórias, desejos imaginários, valores de verdade;- Fomentar a capacidade de um ser de sentir-se realizado;
- Conter dizeres que deixam escapar vestígios da imaginação de quem ouve, que revelam seussaberes;
- Provocar no ouvinte sensações de poder.
A propósito, muito se fala em torno das habilidades oratórias do presidente dos EUA, mas
esquece-se de que o Brasil tem um presidente - considerado por alguns um demagogo - que tambémtem o dom da palavra. Nesse caso, ficam claras, portanto, as diferentes maneiras de se apoderar da
retórica. Em seus discursos, o presidente Lula se preocupa em utilizar um recurso que, na opinião deBôsco, é voltado para conquistar os que fazem questão de rejeitá-lo, mas só consegue aumentar o
apreço dos que o amam e "fomenta, ainda mais, o recalque de uma sociedade de uma socialdemocracia falida, calcada na força disciplinarizante de instituições reguladoras", brada o professor. À
sua maneira, Cortez prefere indicar o uso de expressões populares, "como uma forma de estar maispróximo do grande público".
Usar ou não usar? Eis a questão
Duas coisas podem acontecer àqueles que decidem realmente usar a arte de bem argumentar emseus dizeres. Podem receber grandes elogios sobre as performances utilizadas ou pelas belas e
sábias palavras - mas, nesse caso, o elogio seria mais bem aplicado se dirigido aos ghost writers por
trás dos discursos -, ou críticas ferrenhas atacando-os, acusando-os de fazer logomaquias por meiode happenings bizarros ((Entre acontecimentos dignos de nota vale a pena recordar a performance do
ex-deputado federal Roberto Jefferson durante um depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) sobre o escândalo dos correios. Naquela ocasião, o político atraiu a atenção usando artimanhas
específicas de retórica, como se vê no link a seguir: http://www.youtube. com/watch?v=OkhaxJOI5Ss&NR=1) a e exagerados que transformam a política, por exemplo, em uma técnica para
única e exclusivamente conquistar o poder. "A retórica desprovida de qualquer estudo científico écomumente vista como discurso 'floreado'. Daí podemos falar em algo pejorativo", arrisca Cortez.
Como foi dito anteriormente por Joly - que também é o organizador da obra "História e Retórica:ensaios sobre historiografia antiga" (Ed. Alameda) -, Bôsco concorda que a retórica sempre fez parte
da política e afirma que "a política sempre foi constituinte, constitutiva e constituída pela retórica".
"O ser humano sempre teve necessidade de fazer valer suas opiniões", completa Cortez, quecoloca, além disso, que o uso da retórica tem bases culturais e se diferencia conforme mudam as
habilidades de orador para orador e os entornos sociais (Os artifícios da retórica necessitam respeitaro contexto da audiência. De nada adianta, por exemplo, apresentar uma fala rebuscada para um
público que não partilha do mesmo código de compreensão de quem transmite a mensagem. Nessesentido, cabe ao político - caso se trate de um político - analisar se as metáforas cabem e se serão
bem aceitas dentro daquele cenário. Talvez por esse motivo, a mensagem central é sempre a maissimples. Tome-se como exemplo o fato de Lula e Barack Obama terem feito uso, em 2002 e 2008
respectivamente, menção à ideia de "mudança"). O que difere seu uso atual com o de temposanteriores é que hoje ela funciona como um ponto de tensão "da competição entre marqueteiros",
indica Bôsco. "Outrora a retórica era sempre apagada dos dizeres políticos porque soava comodizeres de uma égide proselitista, demagógica", ele compara. Atualmente, é como se os oradores
fizessem parte de um "campeonato de força ilocucionária". A professora Suzana discorda dessamudança. Para ela, são os "sujeitos que fazem parte da política" que podem mudar as formas de
discursar, e não o contrário.Do fim ao princípio
De volta ao político imaginado no início deste texto, é preciso saber que ele está sujeito aosdesvios que a sensação do poder pode proporcionar. Todavia, se ele é lembrado por suas habilidades
oratórias, isso pode ser considerado algo bom. Retornando às palavras do cronista português, "areanimação de um verbo político inanimado é o início de um início. Porque a dignidade da política
começa na dignidade da palavra que a diz".Para Joly, mesmo que o senso comum ligue retórica à enganação, se as pessoas souberem
avaliar os discursos políticos tendo em vista sua construção retórica, elas terão meios suficientespara analisar melhor um determinado político. Dessa forma, torna-se óbvio dizer que a retórica por si
só não é boa ou má. Bons ou maus são aqueles que se utilizam dessa arte com, ou sem, suaspróprias noções de integridade.
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Postado por Aulas de Filosof ia às 12:09
Fonte: Conhecimento Prático Fi losofia, Isabella Meneses.
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