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www.cers.com.br CARREIRA JURÍDICA Direito Civil Cristiano Chaves 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS Parte I Prof. Cristiano Chaves de Farias Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia Professor de Direito Civil do CERS 1. Noções gerais sobre os contratos. Conceito e distinção com os negócios jurídicos. Conceito clássico: acordo de vontades para efeitos patrimoniais. A liberdade originada na Revolução Francesa. O pacta sunt servanda. A importância da vontade (liberalismo) + liberdade contratual (modelo individualista). A relatividade dos efeitos do contrato e a autonomia da vontade. Conceito contemporâneo: acordo de vontades com preocupação com repercussão social (nucleada na solidariedade social). A MUTAÇÃO CONCEITUAL DOS CONTRATOS: Constitucionalização do Direito Civil e do Direito Contratual. Distinção com o fenômeno da publicização do Direito Civil. Fenômeno da mutação conceitual dos contratos (à semelhança do que vem se admitindo como uma mutação constitucional STF, HC 86.009/DF-QO: mudança de interpretação sem alterar a estrutura ôntica). Nova dimensão da autonomia privada: evolução de instrumento de circulação de riquezas para adequar-se aos valores constitucionais de livre desenvolvimento da pessoa humana, respeitando a sua dignidade e a solidariedade social. Mutação no conceito de autonomia privada: da autonomia da vontade (liberdade contratual apenas) para a autonomia privada. Valorização da autonomia privada pela ótica dos direitos fundamentais e sociais (STF, RE 201.819/RJ e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais). A autonomia privada não pode ser represada nas relações patrimoniais, também incidindo nas relações existenciais. (Re)personalização do Direito Civil: relevância para a vontade humana. Enunciado 23, Jornada. A dignidade da pessoa humana como valor supremo, a solidariedade social/erradicação da pobreza e a igualdade substancial: a evolução do conceito de contrato como vínculo jurídico para a sua compreensão como processo (relação complexa). O contrato como processo. “A concepção atual de relação jurídica, em virtude da incidência do princípio da boa-fé, é a de uma ordem de cooperação, em que aluem as posições tradicionais do devedor e do credor” (COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo, São Paulo: José Butschasky, 1976, p.120) “Não se quer com isso negar que a relação jurídica obrigacional está destinada à satisfação do interesse do credor, mas enfatizar a necessidade de que este também deve cooperar na consecução deste fim” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.212) Novas possibilidades contratuais: i) Possibilidade de contratos de direitos da personalidade (cessão de imagem); ii) Contratos de Direito de Família. iii) Contratos relacionais ou de longa duração (cativo). Aumento da importância da boa-fé objetiva. Exemplo imposição de prazo mínimo nos contratos de telefonia celular quando a empresa fornece o aparelho (STJ, REsp. 1.087.783/RJ). iv) Contratos no CDC e a posição finalística mitigada do STJ (STJ, REsp 1.297.857/SP) v) A possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais no novo CPC arts. 190 e 191. Art. 190, novo CPC: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou

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TEORIA GERAL DOS CONTRATOS – Parte I Prof. Cristiano Chaves de Farias Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia Professor de Direito Civil do CERS 1. Noções gerais sobre os contratos. Conceito e distinção com os negócios jurídicos. Conceito clássico: acordo de vontades para efeitos patrimoniais. A liberdade originada na Revolução Francesa. O pacta sunt servanda. A importância da vontade (liberalismo) + liberdade contratual (modelo individualista). A relatividade dos efeitos do contrato e a autonomia da vontade. Conceito contemporâneo: acordo de vontades com preocupação com repercussão social (nucleada na solidariedade social). A MUTAÇÃO CONCEITUAL DOS CONTRATOS: Constitucionalização do Direito Civil e do Direito Contratual. Distinção com o fenômeno da publicização do Direito Civil. Fenômeno da mutação conceitual dos contratos (à semelhança do que vem se admitindo como uma mutação constitucional – STF, HC 86.009/DF-QO: mudança de interpretação sem alterar a estrutura ôntica). Nova dimensão da autonomia privada: evolução de instrumento de circulação de riquezas para adequar-se aos valores constitucionais de livre desenvolvimento da pessoa humana, respeitando a sua dignidade e a solidariedade social. Mutação no conceito de autonomia privada: da autonomia da vontade (liberdade contratual apenas) para a autonomia privada. Valorização da autonomia privada pela ótica dos direitos fundamentais e sociais (STF, RE 201.819/RJ e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais). A autonomia privada não pode ser represada nas relações patrimoniais, também incidindo nas relações existenciais. (Re)personalização do Direito Civil: relevância para a vontade humana. Enunciado 23, Jornada. A dignidade da pessoa humana como valor supremo, a solidariedade

social/erradicação da pobreza e a igualdade substancial: a evolução do conceito de contrato como vínculo jurídico para a sua compreensão como processo (relação complexa). O contrato como processo. “A concepção atual de relação jurídica, em virtude da incidência do princípio da boa-fé, é a de uma ordem de cooperação, em que aluem as posições tradicionais do devedor e do credor” (COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo, São Paulo: José Butschasky, 1976, p.120) “Não se quer com isso negar que a relação jurídica obrigacional está destinada à satisfação do interesse do credor, mas enfatizar a necessidade de que este também deve cooperar na consecução deste fim” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.212) Novas possibilidades contratuais: i) Possibilidade de contratos de direitos da personalidade (cessão de imagem); ii) Contratos de Direito de Família. iii) Contratos relacionais ou de longa duração (cativo). Aumento da importância da boa-fé objetiva. Exemplo imposição de prazo mínimo nos contratos de telefonia celular quando a empresa fornece o aparelho (STJ, REsp. 1.087.783/RJ). iv) Contratos no CDC e a posição finalística mitigada do STJ (STJ, REsp 1.297.857/SP) v) A possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais no novo CPC – arts. 190 e 191. Art. 190, novo CPC: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou

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em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.” Art. 191, novo CPC: “De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso. § 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. § 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.” 2. Contratos e direito intertemporal. Art. 2.035, CC: “A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.” A solução genérica a partir dos planos da validade e da eficácia. Fórmula genérica para as relações jurídicas de trato sucessivo (CF 5º, XXXVI). Exemplos de aplicação da regra intertemporal: multa condominial (STJ, REsp.722.904/RS); mudança de regime de bens para pessoas casadas sob a égide do CC/16 (STJ, REsp.730.546/MG).; a proibição de sociedades entre pessoas casadas (CC 970 e Jornada 204).

3. Elementos de validade. Elementos genéricos de validade dos negócios jurídicos. Art. 104, CC: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

Capacidade do agente: os entes despersonalizados; a necessidade episódica de legitimação (requisitos específico para atos específicos). A incapacidade do agente e invalidade (exceções legais, ex: CC 588 e 589: senatus consulto macedoniano). Os contratos plurilaterais/multilaterais (ex: troca ou permuta). Os contratos difusos ou coletivos. Art. 588, CC: “O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.” Art. 589, CC: “Cessa a disposição do artigo antecedente: I - se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente; II - se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais; III - se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças; IV - se o empréstimo reverteu em benefício do menor; V - se o menor obteve o empréstimo maliciosamente”. Licitude do objeto: a indeterminabilidade relativa e a incidência do CC 106; a proibição de pacto sucessório (CC 426) e a excepcional possibilidade de partilha em vida, desde que resguarde a sua dignidade com cláusula de usufruto vitalício (CC 2.018) – dificuldade de definição se tem natureza de doação ou de sucessão em vida. Art. 426, CC: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.” Art. 2.018, CC: “É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.” Formalidade: regra geral da consensualidade e formalidade prescrita, sob pena de nulidade. A relevância da forma (quando prescrita em lei ou pela vontade das partes) e a questão dos contratos imobiliários.

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O regime jurídico da forma no novo CPC: Art. 277, novo CPC: “Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.” Os contratos consensuais, os contratos solenes e os contratos reais. A distinção em relação à aquisição de propriedade (contrato não gera aquisição de propriedade!). A nulidade por violação de forma. A ratificação dos contratos anuláveis e a conversão substancial dos contratos nulos. Art. 108, CC: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” Art. 109, CC: “No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.” Art. 227, CC: “Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados. Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.” Art. 442, novo CPC: “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso.” Art. 444, novo CPC: “Nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova.“ Art. 445, novo CPC: “Também se admite a prova testemunhal quando o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, de depósito necessário ou de

hospedagem em hotel ou em razão das práticas comerciais do local onde contraída a obrigação.” Vontade livre e desembaraçada: Vícios de vontade; o silêncio como manifestação de vontade. Art. 111, CC: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.” 4. Regras de interpretação dos contratos. Relevância e necessidade da interpretação dos contratos. Regra de ouro: boa-fé objetiva. A dualidade boa-fé objetiva X boa-fé subjetiva. Boa-fé objetiva e proibição de que o contratante se valha de sua própria torpeza (NEMO AUDITUR PROPRIAM TURPITUDINEM ALLEGANS) Art. 113, CC: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Regras combinantes: Contratos com reserva mental Art. 110, CC: “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.” Contratos e declaração de vontade Art. 112, CC: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.” Contratos e interpretação restritiva. Art. 114, CC: “Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.” Aplicação extensiva aos atos processuais, como a desistência (STJ, REsp.613.732/RR). O problema gerado pela combinação da Súmula 214 do STJ e o art. 39 da Lei de Locações de Imóveis Urbanos. Súmula 214, STJ:

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“O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.” Art. 39, Lei n.8.245/91: “Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei.” Interpretação do autocontrato. Art. 117, CC: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.” Súmula 60, STJ: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.” Interpretação dos contratos de adesão. Exemplo: interpretação do contrato de cobertura médico-hospitalar de seguro-saúde (STJ, REsp. 435.241/SP). Harmonia com o art. 47 do CDC (interpretação favorável ao consumidor). Art. 423, CC: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.” Interpretação das cláusulas que estabelecem renúncia antecipada em contrato de adesão. Exemplo: cláusula de renúncia antecipada às benfeitorias e retenção em contrato de locação de imóvel urbano por adesão (Jornada 433). O problema da Súmula 335, STJ. Art. 424, CC: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.” Súmula 335, STJ: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.” Interpretação do contrato aleatório (CC 458 a 461).

Álea significando a possibilidade de algum fator externo influenciar os efeitos de um contrato (ex: safra agrícola). Emptio spei: assume-se o risco de a compra futura não existir (CC 458). Emptio rei speratur: assume-se o risco apenas em relação à quantidade da coisa futura adquirida (CC 459). 5. Contrato preliminar (pré-contrato ou promessa de contrato). Natureza e estrutura. Art. 462, CC: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.” Tutela jurídica. STJ 239: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.”