Aula 7Elementos do Processo

Administrativo, divergências do Processo

Civil – Parte I

Prof. Manoel Messias Peixinho

Fernanda A. K. Chianca

Introdução

❖ Esta aula, subdividida em três partes, será destinada ao estudo da natureza jurídica

do processo administrativo. Para tanto, nos utilizaremos, repetidamente, da

comparação com o processo civil, de modo a enriquecer a análise dos elementos do

processo administrativo. No ensejo, serão abordados outros temas correlatos. Neste

diapasão, nos debruçaremos sobre o tema, primeiramente, sob a ótica doutrinária e,

em seguida, sob a ótica jurisprudencial, pela qual vislumbraremos como os

Tribunais Superiores tratam do assunto através de suas súmulas e decisões.

Principais diferenças entre o Processo Civil e oProcesso Administrativo

❖ Conforme mencionado na aula anterior, acerca da incidência da ampla defesa, do

contraditório e do devido processo legal no processo administrativo, há algumas

diferenças estruturais marcantes em relação ao processo civil, dentre as quais

destacam-se:

1. A indissociabilidade entre os papeis de julgador e de parte

2. A gratuidade no processo administrativo

3. A produção de provas no processo administrativo

4. A dispensabilidade do advogado no processo administrativo

5. A prescindibilidade do exaurimento da via administrativa pelo particular

6. A não incidência do princípio do duplo grau de jurisdição

7. A relatividade da coisa julgada administrativa frente a coisa julgada judicial

8. A prescrição no processo administrativo

A indissociabilidade entre os papeis de parte ejulgador no processo administrativo

❖Enquanto no processo judicial o Estado desassocia os papeis de parte e de

julgador em carreiras diferentes, no processo administrativo a separação é

incompleta, pois as atribuições de parte e julgador são exercidas por integrantes do

Estado, sem, todavia, serem delegadas ao mesmo agente público.

❖Como consequência da incidência dos princípios do devido processo, da ampla

defesa e do contraditório, da finalidade, da motivação e da impessoalidade, dentre

outros, apesar do julgador administrativo integrar o órgão administrativo

interessado na causa, ele é obrigado a atuar de modo imparcial.

Impossibilidade de um único órgão serjulgador e revisor do mesmo processo -Jurisprudência

A jurisprudência do STF é pedagógica porque afasta a possibilidade deum mesmo agente público ser órgão julgador e revisor ao mesmotempo num processo administrativo, o que, ainda, compromete, o acessoao dublo grau das instâncias. CF. “Impossibilidade de a mesma pessoa,embora ocupando cargos distintos, julgar validamente o pedido dereconsideração (Secretário Executivo do Ministério das Comunicações) e orecurso administrativo (Ministro do Ministério das Comunicações)interposto nos autos do Processo Administrativo n. 53.000.002491/2001.Afronta aos princípios da impessoalidade, da imparcialidade e do duplograu.” (STF, RMS 26029/DF, Min. Carmen Lúcia, DJe 23-04-2014).

O pleno acesso ao processo administrativo

❖ Antes de abordar o tema da gratuidade no processo administrativo, é importante

tratar do tema do pleno acesso ao processo administrativo.

❖ O art. 3º, II, Lei 9.784/99 prevê:

Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem

prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a

condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles

contidos e conhecer as decisões proferidas;

❖ Referido acesso tem íntima relação com o Princípio da Publicidade, com o Princípio do

Devido Processo Legal e com os direitos à informação (art. 5º, XXXIII, CF) e à obtenção de

certidões para a defesa de direitos e para o esclarecimento de situações (art. 5º, XXXIV, b,

CF).

O pleno acesso ao processo administrativo

❖Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca que “o indivíduo tem o direito a ser

informado do que se passa junto aos órgãos públicos e, sendo assim, tem o direito

de acesso aos processos que tramitam nas vias administrativas. Por outro lado,

garantido o direito à obtenção de certidões, está implícito também o direito de

acesso aos feitos administrativos” (2017, p. 1041).

❖Art. 7º, II, Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação)

❖ O direito de acesso não é ilimitado: admite-se restrição em caso de sigilo e

em caso de necessidade de preservação da intimidade ou do interesse social.

Art. 5º, XXXIII e LX, CF; art. 31, §1º, I, Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à

Informação)

Gratuidade no Processo Administrativo –Jurisprudência

O art. 56, §2º, da Lei nº 9.784/1999, com respaldo na Súmula Vinculante nº. 21, prevê a

inexigibilidade de pagamento de custas ou de depósito em caução no processo administrativo.

Destaca-se o seguinte precedente representativo:

A jurisprudência do STF reconhece a gratuidade do processo administrativo comogarantia do devido processo legal. “A exigência de depósito ou arrolamento prévio debens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo constituiobstáculo sério (e intransponível, para consideráveis aparcelas da população) aoexercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além de caracterizar ofensa aoprincípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de depósito ou arrolamentoprévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em determinadassituações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítidaviolação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada procedente paradeclarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 - posteriormente convertidana Lei 70.235/72” (STF, ADI 1976 DF, Relator: Joaquim Barbosa. Data de Publicação:18/05/2007).

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso,em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 2o Salvo exigência legal, a interposição de recursoadministrativo independe de caução.

Súmula Vinculante 21: É inconstitucional a exigênciade depósito ou arrolamento prévios de dinheiro oubens para admissibilidade de recurso administrativo.

Produção de provas no ProcessoAdministrativo

❖ Diferentemente do que ocorre no âmbito no Processo Civil, como consequência do

Principio da Oficialidade, o julgador administrativo pode determinar a produção

probatória de ofício, independente da manifestação do administrado. Isso ocorre já

que o Administrador Julgador deverá buscar SEMPRE a verdade real dos fatos, bem

como a satisfação do interesse público.

❖ Art. 29, Lei 9.784/99

❖ Princípio do formalismo moderado ou da informalidade.

Produção Probatória de Ofício - Jurisprudência

In casu, o Tribunal de Contas da União, ao indeferir o pedido de análisetécnica de documentos apresentados pela agravante após o término da faseinstrutória do processo administrativo, atuou em consonância com asnormas da Lei Orgânica do TCU (Lei n. 8.443/1992) e de seu RegimentoInterno. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme nosentido de que o indeferimento de produção de provas não viola osprincípios da ampla defesa e do contraditório, tendo em vistacompetir ao relator do processo denegar pedidos impertinentes,protelatórios ou desnecessários ao esclarecimento dos fatos(MS36369 AgR / DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 29-05-2019).

Dispensabilidade do advogado no Processo Administrativo

Apesar do artigo 133 da Constituição Federal qualificar o advogado como

indispensável à administração da justiça, a sua presença passa a ser dispensável no

âmbito do Processo Administrativo com o advento da Súmula Vinculante nº. 5, in

verbis:

A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo

disciplinar não ofende a Constituição.

Apesar da boa intenção dos r. Magistrados, o dispositivo em tela implica em

flagrante ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa dos administrados.

Dispensabilidade do advogado no ProcessoAdministrativo - Jurisprudência

Na espécie, o único elemento apontado pelo acórdão recorrido comoincompatível com o direito de ampla defesa consiste na ausência de defesatécnica na instrução do processo administrativo disciplinar em questão. Ora, sedevidamente garantido o direito (i) à informação, (ii) à manifestação e (iii) àconsideração dos argumentos manifestados, a ampla defesa foi exercida em suaplenitude, inexistindo ofensa ao art. 5º, LV, da CF/1988. (...) Por si só, aausência de advogado constituído ou de defensor dativo com habilitaçãonão importa nulidade de processo administrativo disciplinar (...). Ressalte-se que, mesmo em determinados processos judiciais — como no habeascorpus, na revisão criminal, em causas da Justiça Trabalhista e dosJuizados Especiais —, esta Corte assentou a possibilidade de dispensa dapresença de advogado. (...) Nesses pronunciamentos, o Tribunal reafirmou quea disposição do art. 133 da CF/1988 não é absoluta, tendo em vista que aprópria Carta Maior confere o direito de postular em juízo a outras pessoas.[STF, RE 434.059/DF, voto do rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 12/9/2008]

Segue precedente representativo do tema:

A prescindibilidade do exaurimento da viaadministrativa pelo particular

❖Por um lado, o processo judicial se caracteriza como a única possibilidade lícita

de uma parte, seja ela um particular ou um órgão público, exercitar sua

pretensão sobre a resistência da outra. Por outro lado, a finalidade do processo

administrativo é facultar ao particular a possibilidade de constituir a sua

pretensão ou desconstituir a da administração, sem, necessariamente, vincular

o Poder Judiciário.

❖Como consequência da inafastabilidade da jurisdição, bem como da relativa

autonomia entre os processos judiciais e administrativos, o particular pode

escolher exaurir a via administrativa ou ajuizar, a qualquer momento da

tramitação do processo administrativo, uma ação anulatória contra o ato

administrativo. Ele pode dispensar a via administrativa.

A prescindibilidade do exaurimento da viaadministrativa pelo particular

❖Existe previsão legal que exige, em determinadas matérias, o prévio

exaurimento das instancias administrativas. Em outras hipóteses, o

judiciário condiciona a sua tutela ao interesse processual do administrado,

ou seja, a uma prévia conduta comissiva ou omissiva da administração que

ameace ou lesione seu direito.

❖A administração não pode recorrer judicialmente de decisões

administrativas benéficas ao administrativo. Mesmo que o particular perca a

ação judicial, uma decisão superveniente a seu favor em âmbito

administrativo é capaz de vincular a administração pública.

A prescindibilidade do exaurimento da viaadministrativa pelo particular -Jurisprudência

Trata-se, na origem, de ação, cujo objetivo é a concessão de benefício previdenciário, na qual osegurado postulou a sua pretensão diretamente no Poder Judiciário, sem requereradministrativamente o objeto da ação. A presente controvérsia soluciona-se na viainfraconstitucional, pois não se trata de análise do princípio da inafastabilidade da jurisdição(art. 5º, XXXV, da CF). Precedente do STF. O interesse de agir ou processual configura-se com aexistência do binômio necessidade-utilidade da pretensão submetida ao Juiz. A necessidadeda prestação jurisdicional exige a demonstração da resistência por parte do devedor daobrigação, já que o Poder Judiciário é via destinada a resolução de conflitos. Em regra,não se materializa a resistência do INSS à pretensão de concessão de benefício previdenciárionão requerido previamente na esfera administrativa. O interesse processual do segurado e autilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de a) recusa de recebimentode requerimento ou b) negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concretoindeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada. Aaplicação dos critérios acima deve observar a prescindibilidade do exaurimento da viaadministrativa para ingresso com ação previdenciária, conforme Súmulas 89/STJ e 213/ex-TFR. Recurso Especial não provido. Superior Tribunal de Justiça, RESP 1310042, SegundaTurma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 28/05/2012.

Súmula nº 89 STJ: A ação acidentária prescinde doexaurimento da via administrativa.

Súmula nº 44 TRF2: Para a propositura de açõesde natureza previdenciária é desnecessário oexaurimento das vias administrativas.

Referências

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2013;

CARVALHO FILHO, Jose dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26 ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2013;

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2013;

MOREIRA, Egon Bockmann. PROCESSO ADMINISTRATIVO Princípios Constitucionais e a Lei9.784/1999. 4ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.

Para explorar o tema de forma mais profunda, apresentamos

abaixo a bibliografia utilizada na elaboração da aula, bem como

demais links para acesso a outros conteúdos relativos ao tema: