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Loucura/ Delírio Profª Melissa R. de Almeida Psicologia e Saúde I DEPSI-UFPR

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  • Loucura/ Delrio

    Prof Melissa R. de Almeida

    Psicologia e Sade I DEPSI-UFPR

  • A boa sade Em uma parada qualquer, um enxame de garotos invadiu o nibus. Vinham carregados de livros e cadernos e bugigangas diversas; e no paravam de falar nem de rir. Falavam todos ao mesmo tempo, aos gritos, empurrando-se, sacudindo-se, e riam de tudo e de nada. Um senhor encrencou com Andrs Bralich, que era um dos mais ruidosos: -O que h com voc garoto? Est com a doena do riso? Uma simples olhada bastava para comprovar que todos os passageiros daquele nibus j tinham sido submetidos a tratamento e estavam completamente curados.

    (Eduardo Galeano)

  • Loucura e misria

    A loucura indiferenciada da misria:

    Caridade: indigncia doente leprosrios e asilos

    Punio: desrazo ameaadora convivncia civil priso

    A loucura no tem voz porque as necessidades do homem, so ou doente, esto privadas de voz.

    A face da fome no est distante da face da loucura, e as vozes de ambas se confundem quando ningum as escuta ou quando elas no tm direito palavra. (Basaglia, p. 261)

  • Loucura e misria

    Quando a misria reclama os seus direitos

    Separa-se/ fragmenta-se as diversas vozes que a povoam

    Para que no se tenha que responder globalidade desses apelos

    Pinel: separa desrazo do mundo da misria (Iluminismo)

  • Razo e loucura

    Razo burguesa A razo humana

    -dominante-

    Desrazo torna-se objeto da razo

    Razo determina o modo como a desrazo deve se exprimir, a linguagem da racionalidade do poder

    Doena aparece como mediao entre a razo dominante e a misria que deve ser fracionada organizada, subdividida

  • Loucura como doena

    Loucura medicalizada: transforma-se em doena

    Passagem do crcere ao manicmio

    Invalida voz da loucura ao reconhecer sua voz como enfermidade

    Dar um nome a essa linguagem confusa e separ-la

    Significa salvaguardar a racionalidade do poder

  • Loucura como doena

    (...) a psiquiatria comea a erigir o labirinto de suas classificaes (a subdiviso dos seus diversos quadros clnicos, as nuanas entre analogias e diferenas, a definio da qualidade dos delrios, as diversas especificaes sobre os contedos), j sem preocupar-se, ou preocupando-se cada vez menos, com o que loucura, com o que ela exprime e o que ela representa. Assim como comea a erigir suas instituies com as respectivas prticas de punio, de controle, de tortura, agora avalizadas pela cincia sem considerar o profundo nexo entre a ideologia da norma que a constitui, e que ela tutela com sua prtica e teoria, e uma organizao social estruturada sobre a diviso do trabalho e das diversas disciplinas, a fim de apropriar-se do indivduo que deve aderir quela norma. (Basaglia, p. 271)

  • Periculosidade social

    Loucos, criminosos, delinquentes eram antes uma possibilidade humana: seu ato era punido

    Quando separa-se loucura da misria, seu ato desresponsabilizado

    A responsabilidade pelo ato imputada desrazo

    No se pune mais o ato reprovvel, mas o indivduo inteiro, por meio de processos de controle e modificao da conduta = tratamento

  • Periculosidade social

    Se o crcere punia o delito do insensato, o manicmio chegar sobretudo a punir as ameaas, as intenes, os perigos presumidos num comportamento que no apresente claramente o carter da racionalidade. (BASAGLIA, p. 266)

    Medidas jurdicas so justificadas em termos cientficos

    1838: 1 lei sobre alienados aprovada no parlamento francs

    Tarefa do corpo mdico: conter a periculosidade social e a potencial subverso da ordem

  • Norma e corpo

    Norma:

    Limite imposto individualidade (corpo orgnico) pelos interesses e necessidades da coletividade (corpo social).

    Se a norma imposta para defesa do grupo dominante, impede aos dominados qualquer expresso subjetiva.

    Indivduo dominado, alienado, explorado

    Corpo orgnico e corpo social so reduzidos ao corpo econmico

    Antagonismos entre necessidades do corpo e do corpo econmico no so entendidas e apresentadas como choque de classes

  • Razo/Estado e norma

    Eficincia

    Produtividade

    incapazes

    deficientes

    retardados

    velhos

    desempregados

    Norma social:

    Marginalidade improdutiva:

    Instituies adequadas

    Ideologias cientficas especficas

    Capitalismo

    Impe graus cada vez mais altos para chegar ao mundo produtivo

    Improdutivo: margem do contrato social

    Para tutelar e salvaguardar a liberdade de

    quem age dentro do contrato

  • Produo do sofrimento

    O desencontro entre um corpo que no aceita ser tal e um corpo econmico cujas necessidades no podem deixar de ser antagnicas s do indivduo e da coletividade o que produz os conflitos e, assim, o que produz sofrimento. A presena do sofrimento o indcio da fracassada identificao entre corpo e corpo econmico, donde o sinal de uma subjetividade que reage e recusa o confinamento de que objeto. (BASAGLIA, 2005, p. 281)

  • Sofrimento e Delrio

    Sofrimento

    Resultado da represso da subjetividade e do corpo, da impossibilidade material e psicolgica de o indivduo expressar seus desejos e necessidades.

    Delrio

    a linguagem da loucura

    Expresso de necessidades e desejos que no tm a possibilidade de se exprimir seno por meio da irracionalidade e da desrazo.

  • A palavra loucura?

    Delrios para a psiquiatria

    So a constatao das suas diversas manifestaes [dos delrios] e a confirmao de sua incomunicabilidade, de seu desvio diante da razo dominante

    Torna-se erro de juzo, que a psiquiatria apenas constata e descreve, sem colocar em questo o outro plo da contradio: o juzo e sua razo

    D-se a palavra ao irracional, mas em um espao separado onde ele possa ser expresso

    Reabilitao e tratamento dos doentes mentais parecem possveis quando so socialmente teis e economicamente necessrios

  • Loucura/necessidade

    Loucura como um problema de espao

    fsico e psicolgico, que o indivduo encontra dentro do grupo.

    Sociedade de classes

    sobrevivncia de um grupo baseia-se na explorao e no domnio do outro.

    Necessidades

    nesse mundo generalizado de misria econmica e psicolgica que as necessidades se exprimem de modo confuso e indiferenciado: necessidades que nascem da urgncia da vida, de um corpo que no aceita ser mutilado e mortificado, de uma subjetividade que no quer ser reprimida e violentada, e que acha demasiado estreito o espao que lhe concedido. (BASAGLIA, 2005, p. 296)

  • Necessidades

    No conseguindo se expressar em formas organizadas de luta, podem encontrar vazo em comportamentos irracionais e

    incontrolveis.

    Nos momentos de crise do sistema cresce pedido pelo retorno ao grande enclausuramento

    Problemas com aumento do desemprego, mendicncia violenta, marginalidade, uso de drogas etc.

    Hoje, vivemos um desses momentos?

    Loucura/necessidade

  • S vim telefonar Gabriel Garca Mrquez

  • O Alienista Machado de Assis

  • E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua. De fato o alienista oficiara Cmara expondo: 1 que verificara das estatsticas da vila e da Casa Verde que quatro quintos da populao estavam aposentados naquele estabelecimento; 2 que esta deslocao de populao levara-o a examinar os fundamentos da sua teoria das molstias cerebrais, teoria que exclua da razo todos os casos em que o equilbrio das faculdades no fosse perfeito e absoluto; 3 que, desse exame e do fato estatstico, resultara para ele a convico de que a verdadeira doutrina no era aquela, mas a oposta, e portanto, que se devia admitir como normal e exemplar o desequilbrio das faculdades e como hipteses patolgicas todos os casos em que aquele equilbrio fosse ininterrupto.

  • Referncias

    BASAGLIA, Franco. Loucura/delrio. In: BASAGLIA, Franco. Escritos selecionados em sade emntal e reforma psiquitrica. Rio de Janeiro: Garamond, 2005